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Antenor Ferreira Corrêa (Org.)| 49 FORMA MUSICAL: UM PROJETO INCONCLUSO Marcos Nogueira Fertilizada pela tradição metafísica – construída sobre o fundamento dualista que separa o corpo da mente, o material (físico) do mental, o sentimento do conhecimento – a filosofia moderna ocidental esforçou-se para explicar como a música se distingue da experiência sensorial na qual se origina. Da tradição iluminista iniciada, sobretudo, por Descartes e renovada pelas filosofias de Kant e Hegel, às vésperas do florescimento do romantismo musical europeu, podemos depreender que a questão subjacente e invariável era a tensão dualística entre o ideal e o material. Donde a música surge como problema particularmente crítico, em virtude de sua difícil referencialidade e de sua imaterialidade. Enfim, o racionalismo e o empirismo iluministas que precederam as Críticas kantianas estabeleceram, cumulativamente – talvez menos por sua discordância que por sua patente semelhança –, as bases para a fundação de uma filosofia do belo na arte: a ciência do sensível. Mas uma estética circunscrita ao arcabouço teórico iluminista teria, pois, que discutir a questão central do ser da arte, aquilo que dela deveria ser “representado”: sua forma. Mas que forma? O que é a forma da música? Como se manifesta? O princípio da forma tem origem remota no pensamento ocidental, entendida como

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FormA muSicAl: um projeto inconcluSo

Marcos Nogueira

Fertilizada pela tradição metafísica – construída sobre o fundamento dualista que separa o corpo da mente, o material (físico) do mental, o sentimento do conhecimento – a filosofia moderna ocidental esforçou-se para explicar como a música se distingue da experiência sensorial na qual se origina. Da tradição iluminista iniciada, sobretudo, por Descartes e renovada pelas filosofias de Kant e Hegel, às vésperas do florescimento do romantismo musical europeu, podemos depreender que a questão subjacente e invariável era a tensão dualística entre o ideal e o material. Donde a música surge como problema particularmente crítico, em virtude de sua difícil referencialidade e de sua imaterialidade. Enfim, o racionalismo e o empirismo iluministas que precederam as Críticas kantianas estabeleceram, cumulativamente – talvez menos por sua discordância que por sua patente semelhança –, as bases para a fundação de uma filosofia do belo na arte: a ciência do sensível.

Mas uma estética circunscrita ao arcabouço teórico iluminista teria, pois, que discutir a questão central do ser da arte, aquilo que dela deveria ser “representado”: sua forma. Mas que forma? O que é a forma da música? Como se manifesta? O princípio da forma tem origem remota no pensamento ocidental, entendida como

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aquilo que determina a matéria e que, no ser, há de inteligível. “Matéria” e “forma” estabeleciam um binômio central na filosofia aristotélica, e o idealismo kantiano, ancorado no trabalho de racionalistas e empiristas que o antecederam, retomou essa questão, atribuindo à atividade cognitiva a origem da forma, ou seja, forma é aquilo que vem do sujeito. Assim, “matéria” é o que do fenômeno diz respeito à sensação, enquanto “forma” é o que torna o fenômeno singular, de acordo com certos condicionamentos cognitivos. Desde sua Kritik der reinen Vernunft (Crítica da Razão Pura, 1781), Kant procurou reiterar a fragilidade de uma oposição entre o racionalismo dogmático e o empirismo cético, ressaltando que os projetos de um conhecimento empírico tanto quanto o da construção do conhecimento por uma racionalidade “pura” seriam radicalmente limitados. Propõe então uma síntese original das perspectivas racionalista e empirista, que assim superariam suas diferenças num idealismo “transcendental”. Se os empiristas presumiram que o conhecimento seria formado, antes de tudo, por seus objetos, numa resposta mecânica a um estímulo objetivo, para Kant os objetos são “adaptados” ao nosso conhecimento, este que é fundamentalmente adquirido por atos de imaginação. Ele adverte então que a coisa experimentada é um dado, mas a cognição humana é que a estrutura e que a faz significativa. Desse modo, é a mente que constitui a realidade, mas somente num sentido estritamente limitado, pois o mundo não é senão sua representação. Entretanto, Kant precisou ressalvar que o fato de não podermos conhecer as coisas como são “em si mesmas” não implicaria sua inexistência nem invalidaria o conhecimento que delas temos; o conhecimento fundado no ato imaginativo não seria um conhecimento corrompido ou viciado, pois este é tão somente o único que temos.

Um formalismo musical que se insinuava, passo a passo, a partir das teses iluministas e de seus desdobramentos idealistas, não

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deixaria, portanto, de tomar como princípio que o entendimento da música não deve ter origem em seu efeito, nos sentimentos por ela provocados ou nas ideias externas à música e por esta aludidas. A ideia da música como “forma autônoma” pressuporia então que seu sentido deve ser inferido num domínio “puramente musical”: a música seria, antes de tudo, uma estrutura objetiva. Os princípios do formalismo musical inaugural só iriam se tornar mais evidentes em meados dos oitocentos, com o “manifesto” Vom Musikalisch-Schönen (Do belo musical, 1854), de Eduard Hanslick. Em seu célebre ensaio, Hanslick, à época ainda um modesto crítico musical, não deixou de salientar o papel da sensibilidade no entendimento musical, mas deu início ao seu ataque contra uma “estética do sentimento”, segundo ele dominante na crítica musical daquele período, distinguindo claramente “sensação” (enquanto percepção de qualidades sensíveis da música) de “sentimento” (enquanto estado psicológico). Para esse formalismo musical de fundo idealista, não são os sentimentos que levam ao conhecimento musical, mas sim a imaginação que regula o processo cognitivo entre o sensível da música e seu entendimento.

No presente texto pretendo discutir as circunstâncias e motivações da emergência moderna da “sensibilidade”, da estética transcendental – enquanto ciência de todos os princípios da sensibilidade a priori – e da questão da forma em música, que fundamentaram a constituição do formalismo musical oitocentista. A partir disso, relaciono os pressupostos desse formalismo com aquilo que ele não pôde oferecer à semântica musical, o que discuto com base no paradigma da ciência cognitiva enacionista.

O legado da teoria iluminista da música

Buscando uma fronteira determinada entre o “espírito matemático” e o “espírito filosófico”, os racionalistas, a partir de

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René Descartes – Le discours de la méthode (Discurso sobre o método, 1637); Meditationes de prima philosophia (Meditações sobre a filosofia primeira, 1641) – e, depois, com Gottfried Wilhelm Leibniz – Nouveaux essais sur l ’entendement humain (Novos ensaios sobre o entendimento humano, 1696) –, entenderam que, mais do que os dados dos sentidos, a mente é que julga o conhecimento seguro. Não seriam, pois, os produtos da experiência sensível que revelariam a verdade, e sim a clareza das ideias, a razão. E os racionalistas do Iluminismo, que não deixaram de citar os trabalhos de Gioseffo Zarlino (sobretudo seu primeiro tratado, Le institutioni harmoniche, de 1558) e Vincenzo Galilei (Dialogo della musica antica e della moderna, de 1581) – cujas discussões teóricas giravam em torno da acústica musical aplicada à harmonia: afinação, temperamento igual e significado dos intervalos –, estavam certos de que por trás do encanto da música repousa algum princípio racional acessível à lógica humana. Isto é, a música seria ordenada – senão matemática – e padronizada, tão somente um resultado da aplicação de regras sistemáticas.

O humanismo emergente, que retomava princípios filosóficos e artísticos da Antiguidade Clássica, operava, todavia, no campo da música, apenas de modo indireto, pois não tinha acesso ao efeito da música daquele período (PALISCA, 2006). Os documentos que registravam o acontecimento dessa música se mostravam insuficientes para suscitar sua reconstituição. Enfim, o encanto moderno com a música dos antigos se originava estritamente da leitura de trabalhos teóricos e filosóficos que chegaram à Modernidade. Alguns dos mais citados, desde a recuperação empreendida por Boécio (a.C 500), em seu compêndio De institutione musica – trabalho pouco conhecido por músicos até o século xv, quando este e outros tratados nele baseados começaram a circular em cópias impressas – são os de Pitágoras, Platão (República e Timeu), Aristóteles (Política e

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Poética) e, principalmente, de Aristóxeno, Aristides Quintiliano, Filodemo de Gádaros e Ptolomeu (WILSON, 1990; FUBINI, 1993; WEST, 1994; PALISCA, 2006).

Os escritos de Zarlino (Le institutioni harmoniche, 1558; Dimonstrationi harmoniche, 1571) tornaram-se referência duradoura, permeando a teoria iluminista da música, sobretudo até Rameau, constituindo-se num projeto precursor do racionalismo no campo teórico da música. Zarlino defendia a fundamentação da música na própria natureza dos sons e dos intervalos musicais. Ele recupera o antigo conceito de música mundana e o faz unicamente para negar que haja qualquer relação convencional e arbitrária na base dos intervalos entre alturas sonoras. Ao contrário, como salientou Enrico Fubini (1993), Zarlino entende que a relação harmônica existente entre os sons da música é da mesma ordem de todas as relações que há entre os fenômenos naturais:

Zarlino não tinha plena consciência de que a nova harmonia tonal, que dava precisamente os primeiros passos naqueles anos, representava um sistema novo e radicalmente alternativo em relação às modalidades gregorianas; pensava, por isso, que a sua obra poria um pouco de ordem e clareza no complicado e confuso mundo dos teóricos da polifonia (FUBINI, 1993/2008, p. 100).

A partir disso, diversos teóricos, dentre eles Descartes (Musicae Compendium, 1618), Marin Mersenne (Traité de l ’harmonie universelle (1627), Christopher Simpson (Introduction to Practical Music, 1678), Andreas Werkmeister (Musicalische Temperatur, 1686), Joseph Sauveur (Traité de la théorie de la musique, 1697, citado em Christensen & Bent, 2004), Charles Masson (Nouveau traité des regles pour la composition de la musique, 1699), Johann David Heinichen (Der Generalbass in der Composition, 1728, citado em Bent, 1987; Christensen, 2010), Johann Mattheson (Grosse General-Bass-Schule, 1731) e, principalmente, Jean-Philippe

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Rameau – a quem coube a consolidação dessa tradição com inúmeros tratados e panfletos, dentre eles o Traité de l ’harmonie: reduite à ses principes naturels (1722), o Nouveau système de musique théorique (1726), Generation harmonique (1737) e seu último trabalho teórico, o Traité des acccords et des leur succession selon le systéme de la Basse-fondamentale (1764) –, desenvolverão a teoria moderna da música como linguagem autônoma, uma vez que seu fundamento se encontraria nas leis naturais da harmonia tonal.

O que emergiu da filosofia cartesiana é a sobrelevação da presença do pensamento (cogito) em relação à presença do mundo e a ideia de mente como representação, em algum domínio “interior”, dos objetos existentes no mundo “exterior”. Como os objetos na mente não são como os objetos no mundo, a questão do conhecimento que se apresenta era como poderíamos saber quais ideias internas (representações) em nossa mente correspondiam, realmente, às “coisas em si”. Descartes, ainda jovem, entregou-se especialmente às Matemáticas – e à relação destas com a Física –, cuja certeza e evidência haviam-nas tornado o orgulho da razão humana, o interesse central de todos os estudiosos “do espírito”. Buscavam-se as vias para uma nova ciência, superando a física qualitativa, contemplativa e classificatória da Escolástica, procedente de Pitágoras e Aristóteles. O caminho seguido foi em direção a uma física quantitativa e matemática, que apreendia o mundo como uma máquina.1

É de 1618 o primeiro tratado de Descartes, intitulado Musicae Compendium, que circulou apenas em manuscrito, ao longo de sua vida, alcançando a primeira edição somente em 1650,

1 Cassirer lembra-nos que, por outro lado, “via-se com crescente clareza que o poder inerente às matemáticas deparava-se com certos limites: elas são, sem dúvida, o exemplo e o modelo da razão, mas sem lograr, no entanto, dominá-la, esgotar-lhe o conteúdo” (1997, p. 35). O pensamento filosófico pretende, a partir de então, emancipar-se de um domínio exclusivo das matemáticas, mas tentando não contestar essa autoridade.

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pouco depois de sua morte. Nele, Descartes descreve, numa análise matemática da música, aquilo que entende serem os princípios básicos da acústica aplicada a uma prática musical. Não é difícil verificar que, como nos trabalhos dos teóricos musicais que o precederam, a modernidade musical parecia se confundir com a constituição da instituição harmônica e com sua conceituação. O Compendium é, antes de tudo, um estudo matemático; todavia, em seu célebre Le discours de la méthode (1637/1989) Descartes diria que à época desses seus primeiros empreendimentos não havia ele ainda percebido o verdadeiro uso das Matemáticas2 – como linguagem das ciências da natureza –, “acreditando que serviam somente às artes mecânicas” (p. 35).

Contudo, o fundador do racionalismo moderno também desenvolve em seu Compendium um incipiente modelo de afetividade musical. Segundo ele, a música agrada se o “temperamento” do ouvinte ressoa com ela; movimentos mais lentos despertam emoções de abatimento, tristeza, temor, enquanto os mais rápidos geram ânimo e alegria. John Neubauer (1986) chama-nos a atenção para trechos de cartas de Descartes para Marin Mersenne – este que além de trabalhos dedicados à Matemática e à Astronomia, publicara o Traité de l ’harmonie universelle (1627) e outros textos sobre música e que, não obstante seu contato com Descartes, não o cita em nenhuma dessas obras –, que revelam, no entanto, que Descartes não tinha certeza alguma quanto à relação entre harmonia matemática e afetos:

Quando Mersenne insistiu na questão, Descartes teve que confessar que não tinha resposta, pois a escolha entre consonâncias era como a preferência entre frutas e peixe. A simplicidade, a harmonia e a “doçura” de uma consonância

2 Os escolásticos distinguiam as “matemáticas puras”, como a aritmética, a álgebra, a geometria, das “matemáticas mistas”, quais sejam, a música, a mecânica, a ótica, a astronomia, etc.

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distinguia-se de sua “agradabilidade”, uma vez que “não há um modo absoluto de determinar que uma consonância seja mais agradável que outra”. [...] Como uma carta anterior explica, a beleza e o prazer não têm critérios objetivos, pois “aquilo que gera em um o desejo de dançar pode induzir outros a chorar. Isso resulta apenas da excitação das ideias que existem em nossa memória; naqueles que previamente gostaram de dançar certa canção, o desejo de dançar será reacendido tão logo ouçam algo similar” (NEUBAUER, 1986, p. 48).

Em seu último texto, Les passions de l ’âme (As paixões da alma, 1649), uma análise da física e da fisiologia dos afetos, Descartes iria analisar as paixões, mas não apura mais a sua pertinência aos problemas relativos à música propriamente.

Affectus, uma tradução original para o pathos grego, designava um dado estado emocional provocado pelo mundo exterior. Uma teoria descreveria então como codificar as emoções causadas pela música no sujeito receptor; e se entendemos que o compositor deseja afetá-lo de algum modo, estamos a um passo da constituição de uma retórica para a música, um meio de se obter um determinado efeito como fim – o que implicava, entre outras coisas, o reconhecimento da música como discurso, como arte de expressão. Inúmeros teóricos inspirados, particularmente, na retórica de Aristóteles e Cícero tiveram importância na disseminação dessas ideias aplicadas à oratória musical, dentre eles Joachin Burmeister (Musica Poetica, 1606) – que estabelece correspondências entre as sintaxes linguística e musical: compor é mais do que realizar o contraponto, a música deve interpretar e intensificar a mensagem transmitida pelo texto verbal (PALISCA; BENT, 2001; PALISCA, 2006; BONDS, 2010) – e Athanasius Kircher (Musurgia Universalis, 1650, citado em PALISCA, 2006) – que se destaca pelo interesse na sistematização de gêneros e estilos

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musicais, em parte inspirada na subdivisão de gêneros da retórica aristotélica. Contudo, esse conjunto de ideias nunca se consolidou numa teoria, propriamente, talvez porque o conceito de afeto tenha permanecido algo vago, não acolhendo a relativa precisão que as noções de retórica alcançaram na tradição linguística. E se por um lado os teóricos acreditavam que a música provoca emoções específicas, por outro seria crucial que fundamentassem esse efeito numa relação da música com a linguagem verbal, o que jamais se ratificou – ou seja, numa “imitação” da linguagem. Assim, perguntas que já se insinuavam desde Zarlino e que estão mais e menos subentendidas nas obras de Burmeister, Mersenne, Descartes ou Kircher, tais como “o que na música provoca o afeto?”, “que afetos a música é capaz de provocar?”, “por qual processo se transmitem afetos da escuta ao sentimento do ouvinte?”, “que relação haveria entre gêneros, vocabulário musical e afetos?”, “por que as pessoas são afetadas diferentemente por uma mesma música?”, ficaram sem resposta.

Antes de alcançarem o século xviii como “doutrina dos afetos” (Affektenlehre), entretanto, essas ideias retóricas encontraram ainda algum suporte no pensamento de Leibniz, que não dedicou muitos trabalhos à teoria da música, mas deixou alguns escritos significativos para a discussão acerca da estrutura matemática revelada pela música. Para ele, a música é, essencialmente, a percepção de uma estrutura sonora matemática que se manifesta no ato da escuta, levando a mente a executar operações de cálculo que resultariam na oscilação de prazer e desprazer, conforme o grau de consonância e dissonância apresentado pelos sons envolvidos. Para Leibniz, essa harmonia matemática revela-se à percepção antes mesmo de se revelar à razão. Reconheceu em seus trabalhos, desde o Nouveaux essais sur l ’entendement humain (Novos ensaios sobre o entendimento humano, 1696) – uma refutação à principal obra de John Locke –, que as sensações da música geram um

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prazer intelectual confuso e que a beleza musical tem origem num estado intuitivo ou inconsciente, ainda que a música fosse um produto de regras e princípios. Donde a experiência musical não poderia ser uma questão estritamente intelectual e lógica, mesmo sendo matematicamente fundamentada.

O pensamento de Leibniz encontrou eco, nas décadas seguintes, fazendo germinar no meio musical do segundo barroco o ideário que propunha a existência de algum tipo de congruência de padrões melódico-harmônicos e tímbricos com padrões emocionais, oferecendo ao compositor a possibilidade de sua exploração sistemática. Sustentado, na primeira metade dos setecentos, por teóricos como Johann David Heinichen (Der Generalbass in der Composition, 1728) e, principalmente, Johann Mattheson (Grosse General-Bass-Schule, 1731), esse conjunto de ideias apontava para a possibilidade de uma sintaxe e uma semântica especificamente musicais. Mark Bonds (2014) observa que Mattheson admitia que os intervalos podiam ser representados por proporções numéricas, mas rejeitava qualquer sugestão de que tais proporções constituíssem sua essência. Para ele, o fato de a música fazer uso da matemática não a tornava tributária da teoria dos números. Mattheson manteve-se distante de um conceito de forma para a música, entendendo música não como objeto, mas como prática. Em seu Der vollkommene Capellmeister (O mestre de capela completo, 1739), afirma, em destaque, que “música é a ciência e a arte de juntar correta e habilidosamente os sons, para apresentá-los agradavelmente, de modo que por meio de sua eufonia a honra de Deus e todas as virtudes possam ser promovidas” (p. 5).3

Desse mesmo período, porém sob forte influência racionalista, é o Traité de l ’harmonie: reduite à ses principes naturels (Tratado de

3 Tradução livre de: Musica ist eine Wissenschafft und Kunst, geschickte und angenehme Klänge kluglich zu stellen, richtig an einander zu fugen, und lieblich heraus zu bringen, damit durch ihren Wo[h]llaut Gottes Ehre und alle Tugenden befördert werden (MATTHESON, 1739, p. 5).

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harmonia: reduzida a seus princípios naturais, 1722), do compositor e teórico Jean-Philippe Rameau, primeira obra mais densa sobre sistematização e controle das alturas dos sons – uma espécie de gramática da harmonia musical. Essa publicação, dividida em quatro livros, que enfoca a prática dos “músicos modernos”, ou seja, aqueles que atuaram a partir de Zarlino (autor mais citado por Rameau em seu célebre tratado), deu início a uma série de obras teóricas referenciais de Rameau e refletia claramente sua vocação racionalista de sistematização de princípios. Para lembrar algumas inovações teóricas modernas que constituíram o quadro científico-conceitual a partir do qual Rameau elaborou sua teoria, destaco o conceito de fondamentale e a disposição de modos escalares (iniciados por 3ª maior e 3ª menor) de Zarlino – reiterada em Méthode claire, certaine et facile pour apprendre à chanter (Método claro, correto e fácil para aprender a cantar, 1678) de Jean Rousseau –, sua recomendação de que para se obter o efeito cadencial, a nota do baixo deveria ser conduzida à nota fondamentale do modo em questão, além da denominação dos graus escalares já verificada em alguns tratados como o Nouveau traité des règles pour la composition de la musique (Novo tratado de regras para a composição da música, 1697) de Charles Masson. Essas e outras ideias contribuíram para a elaboração da reforma teórica consolidada por Rameau, em seu Traité, que ultrapassou consideravelmente o simplismo de obras publicadas em décadas precedentes. Enfim, como observa Antenor Corrêa (2006, p. 42), “com a constituição definitiva das entidades acórdicas e a noção de dissonância harmônica inerente a estas, restava apenas, para a efetivação da tonalidade, uma normatização da maneira pela qual os acordes deveriam se relacionar”. A partir de princípios como o do basse fondamentale, Rameau pôde então reformular as leis da construção e da inversão acordal e os princípios que regem os padrões de progressão harmônica, como também explicou de

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modo inovador os conceitos de consonância e estabilidade numa teoria da tonalidade harmônica sem precedentes. A hegemonia da harmonia no pensamento de Rameau está assim fundada em sua convicção de que se podem extrair dela “regras exatas”, o que, para ele, não sucederia com a melodia – embora não considere a melodia um elemento menos importante.

Os dois volumes iniciais do Traité contêm, propriamente, a teoria de Rameau (os restantes são manuais de procedimentos práticos de composição e execução) assim prefaciada: “A música é uma ciência que deve ter regras definidas; essas regras devem ser extraídas de um princípio evidente, e este princípio não pode realmente ser por nós conhecido sem o auxílio das matemáticas” (1722, Préface).4 Depois de declarar sua filiação ao legado cartesiano, Rameau inicia o primeiro livro do Traité, dedicado a sumarizar as relações entre os sons – razões e proporções –, abusando de uma matemática “pseudocientífica”, como alegaram seus críticos mais severos – dentre eles ex-discípulos como Jean-Jacques Rousseau e Jean le Rond d’Alembert (Eléments de musique théorique et pratique suivant les principes de M. Rameau, 1752) –, e cita reiteradamente, além dos escritos de Zarlino, o Compendium cartesiano, que conheceu em sua tradução para o francês (Abrégé de musique), versão da obra que talvez tenha alcançado maior difusão em toda a Europa.

Rousseau, que sumarizou o Traité de Rameau e chegou a propor, por ele inspirado, um novo sistema de notação musical matemático – segundo o qual a música deveria ter sua “expressão aritmética”, porquanto é baseada em números – rompe, progressivamente, com o mestre e com os princípios pitagóricos por este defendidos, acusando seu sistema de ingênuo e de ser estabelecido sobre analogias e adequações frágeis – ideias

4 Tradução livre de: La musique est une science qui doit avoir des regles certaines; ces regles doivent être tirées d’un principe évident, et ce principe ne peut gueres nous être connus sans le secours des Mathématiques (Rameau, 1722, Préface).

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discutidas na Lettre sur la musique française (1753), no Essai sur l ’origine des langues (1761) e em vários artigos da Encyclopédie – desde 1751 – estes reunidos, posteriormente, em Dictionnaire de musique (1768). Em sua crítica mais contundente ao sistema de Rameau, Rousseau sustenta que não se poderia deduzir uma ciência dos intervalos e da harmonia, de uma física artificialista e um recurso enganoso à natureza. Esse progressivo afastamento do ideário matemático da música pode ser caracterizado nos escritos do capítulo xiii do célebre Essai, intitulado Da melodia, no qual Rousseau desenvolve uma surpreendente analogia acerca do traço que marca as figuras, seja no trabalho com a superfície da tela, seja com o tempo na música. É a melodia que se compara ao desenho na pintura; é ela que marca os traços: sons e acordes são apenas cores. E “como a pintura não é a arte de combinar cores de uma maneira agradável à vista, a música também não é a arte de combinar sons de uma maneira agradável ao ouvido” (ROUSSEAU, 1761/1998, p. 166). A conclusão de Rousseau é de que se apenas assim o fossem, pintura e música pertenceriam às ciências naturais. Portanto, desenho e melodia é que proveem, respectivamente, pintura e música de imitação, daí elevando-as à categoria das belas-artes. Nesse raciocínio, a harmonia – ao menos em termos matemáticos – seria uma perversão musical que somente um “etnocentrismo europeu” poderia considerar um princípio universal. Segundo Rousseau, ela retira a energia e a expressão da música, corrompendo sua força imitativa, qual seja, a melodia: a “boa forma da música” – aliás, para ele “no princípio não houve outra música além da melodia”:

uma língua que possui somente articulações e vogais possui, portanto, apenas a metade de sua riqueza: ela exprime ideias, é verdade, porém para exprimir sentimentos, imagens, precisa ainda ter ritmo e sons, isto é, uma melodia; eis o que possuía a língua grega e o que falta à nossa (1761/1998, p. 161).

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Em seu De la gramatologie (Gramatologia, 1967), Jacques Derrida discutiu a questão da imitação nos últimos escritos de Rousseau acerca da música, sobretudo no Essai, no qual dedicou à Música oito capítulos. Como salientou Derrida, para o Rousseau do Essai não há música antes da linguagem, pois sua origem é a voz e não, propriamente, o som; as paixões arrancaram as primeiras vozes. Ele explica que essa proposição é essencial no sistema de Rousseau, uma vez que “se a música se desperta no canto, se ela é inicialmente proferida, vociferada, é porque, como toda fala, nasce na paixão. Isto é, na transgressão da necessidade pelo desejo e no despertar da piedade pela imaginação” (DERRIDA, 1967/1973, p. 239). Quando tenta explicar a “degeneração da música”, Rousseau lembra que à medida que a língua alcançava seu aperfeiçoamento, a melodia, necessariamente, perdia algo de sua antiga energia. Com o esquecimento do “começo de tudo”, pôs-se a harmonia no lugar da melodia, ou seja, a ciência do intervalo no lugar do calor do acento. Derrida destaca com grifos sua subleitura dos últimos parágrafos do capítulo do Essai, intitulado Como a música degenerou:

Esquecida a melodia e estando a atenção do músico voltada inteiramente para a harmonia, tudo se dirigiu pouco a pouco para este novo objeto; os gêneros, os modos, as escalas, tudo recebeu uma nova fisionomia: foram as sucessões harmônicas que regularam a marcha das partes. Tendo essa marcha usurpado o nome de melodia, não foi possível ignorar, de fato, nessa nova melodia, os traços de sua mãe; e tendo nosso sistema musical tornando-se assim, gradativamente, puramente harmônico, não é de espantar que o acento oral tenha sido prejudicado e que a música tenha perdido para nós quase toda a sua energia.

Eis como o canto se tornou, gradativamente, uma arte inteiramente separada da fala, da qual extrai sua origem; eis como as harmonias dos sons fizeram esquecer as inflexões

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da voz e como, enfim, limitada ao efeito puramente físico do concurso das vibrações, a música viu-se privada dos efeitos morais que produzia quando era duplamente a voz da natureza (DERRIDA, 1967/1973, p. 244).

O autor do Essai procuraria aqui relacionar o “novo objeto” com seu devir progressivo, a partir do qual produziria, gradativamente, o esquecimento da voz natural. A operação de “substituição” dessa voz é descrita no texto como uma perda de energia. Derrida observa, em especial, o emprego de “duplamente”, que congrega a metáfora da voz da natureza: “é preciso reencontrar o ‘acento oral’ da fala cantada, retomar a posse de nossa própria voz perdida, essa que, proferindo e ouvindo, ouvindo-se-significar uma lei melodiosa, era duplamente a voz da natureza”. Rousseau estaria de fato convicto de que a essência da arte é a mimesis. E se a imitação reduplica a presença, “nas artes vivas, e por excelência no canto, o fora imita o dentro. É expressivo. ‘Pinta’ paixões. A metáfora que faz do canto uma pintura não é possível, não pode arrancar a si e arrastar para fora, no espaço, a intimidade de sua virtude, senão sob a autoridade comum do conceito de imitação” (p. 248). Assim, imitação e piedade teriam um mesmo fundamento, que tem origem no desejo de transportar-se para fora de si – como definiu Derrida, uma espécie de “êxtase metafórico”.

Esse empirismo francês – cuja origem está relacionada a Montesquieu e Voltaire, que o introduziram na França, a partir de 1729 – refletido na “estética musical” de Rousseau guarda forte vinculação com o pensamento de John Locke, embora Rousseau tenha produzido sua mais importante obra, Du contrat social (O contrato social, 1762), opondo-se radicalmente às teorias políticas do ideólogo do empirismo britânico. Enfim, se o racionalismo moderno insistiu numa extremada centralidade da mente e da razão, que tendia a construir a realidade em termos puramente (ou predominantemente) mentais – e cujo poder analítico só havia sido

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experimentado no domínio das grandezas – ao menos desde Locke (An essay on human understanding, 1689) um pensamento empirista propagava que não existem conceitos ou ideias sem a mediação dos sentidos, e que por isso a noção de conhecimentos inatos era ilusória: a mente humana seria, inicialmente, tal como uma “tela em branco”. Para o empirismo de Locke – referência primeira de toda a filosofia moderna da experiência – a determinação do objeto da experiência deve mesmo preceder o exame da função experimental; e a experiência empírica é, pois, a única fonte do conhecimento seguro, constituído somente por ideias cuja validade pode ser verificada pela experiência sensível. Ao propor como fundamento a experiência sensorial e os dados dos sentidos, o empirismo estreitava o âmbito do que é filosoficamente relevante, pois excluía, assim, tudo o que é “mental”, valores humanos entendidos como “estados subjetivos” irrelevantes na apreensão do mundo “real”. Ou seja, o “mundo empírico” consistiria apenas de dados sensoriais cuja existência independe da experiência humana, enquanto a consciência consistiria de respostas mecânicas a impressões sensórias – uma analítica agora aplicada no plano do psíquico.

O empirismo assim pretendia purificar o conhecimento, livrando-o de “distorções subjetivas” inerentes à especulação racionalista. E uma experiência musical residiria assim na resposta a um determinado estímulo, uma reação menos lógica que psicológica. As emoções provocadas pelo estímulo musical seriam mediadas pela faculdade da “imaginação”, aqui entendida mais como função do “prazer sensorial” que de uma racionalidade. Essa ênfase no caráter sensorial da música revelava a disposição dos empiristas em acreditar – diferente dos racionalistas, que viram a música como experiência intelectual da audição – que o prazer com a música é mais corpóreo que consciente. Locke contentou-se em evidenciar o que considerou serem as duas fontes autônomas e distintas da vida mental: a sensação e a

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reflexão. A psicologia do século xviii, contudo, avançou além das posições de seu mestre; sucessores como David Hume – A treatise of human nature (Tratado da natureza humana, 1739); An enquiry concerning human understanding (Investigação sobre o entendimento humano, 1748) – procuraram liquidar o que restava de dualismo, a distinção da experiência “interior” e “exterior”, para reduzirem todo o conhecimento humano a uma única fonte. Hume aglutina “sensação” e “reflexão” no termo único percepção, expressão com a qual pretende dizer de tudo aquilo que nos é dado, tanto como “experiência interna” (conteúdo do próprio eu) quanto “experiência externa” (objetos da natureza).

Entretanto, enquanto Hume afirmava que a beleza está na mente que contempla, embora não seja da ordem do juízo, e sim de predileções particulares sem conceituação – o que colocava a música não no domínio do racional, mas do emocional e do sensorial – Alexander Gottlieb Baumgarten cunhava, em Meditationes philosophicae de nonnullis ad poema pertinentibus (Meditações filosóficas sobre as questões da obra poética, 1735) – obra fortemente relacionada às ideias de Leibniz – o moderno entendimento do termo “estética”. Baumgarten ministrou, em Frankfurt, desde 1742, seu curso de Estética, termo com o qual designa a ciência da “cognição sensorial”, um estudo que estaria para a atividade artística assim como a lógica para a razão.5 A partir disso, publica o primeiro tomo de Aesthetica (Estética), em 1750, e o segundo em 1758. A obra permaneceu inconclusa, mas ganhou notável difusão, consagrando o termo no campo filosófico moderno.

5 Ao final de Meditações filosóficas, Baumgarten (1735/1993, p. 53) conclui: “é evidente o bastante que as coisas sensíveis não equivalem somente aos objetos das sensações, uma vez que também honramos com este nome as representações sensíveis de objetos ausentes (logo, os objetos da imaginação). As coisas inteligíveis devem, portanto, ser conhecidas por meio da faculdade do conhecimento superior, e se constituírem em objetos da Lógica; as coisas sensíveis são objetos da ciência estética (epistemé aisthetiké), ou então, da Estética”.

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No entanto, somente a partir da extraordinária influência exercida pelo idealismo kantiano é que a Estética alcançaria o status de ramo filosófico essencial. Se sempre existiram relações estreitas entre os problemas da filosofia especulativa e a crítica estética, que resultavam, desde a Antiguidade, em poéticas e retóricas, o século XVIII deu, entretanto, outra conotação a essa reciprocidade. Uma estética teórica nasce assim do esforço de afirmar uma unidade natural entre os dois domínios; procura-se uma correspondência entre o conteúdo da arte e o da filosofia. Mas antes que essa síntese alcançasse sua forma definitiva na terceira Crítica de Kant, deveria superar os conflitos entre “razão” e “imaginação”, a oposição entre “gênio” e “regras”, a dificuldade de fundamentar o belo numa forma de conhecimento. Ernst Cassirer explica que os numerosos pensadores que participaram do movimento de fundação da estética não tinham, de início, consciência de uma linha determinada, de um problema básico que, pouco a pouco, segundo um interesse psicológico, lógico ou ético, vai se configurando:

em face da lógica e da filosofia moral, da física e da psicologia, estabelece-se agora uma nova problemática que, no começo, não se distingue nitidamente delas. Mil vínculos ligam-se ainda a todas essas disciplinas. Entretanto, sem que o pensamento filosófico se esforce verdadeiramente por desfazer esses vínculos, nem por isso deixou de começar a estirá-los aos poucos até conseguir, enfim, se não de fato, pelo menos num plano puramente conceitual, rompê-los. Dessa ruptura, desse movimento de libertação intelectual nasce uma disciplina nova, autônoma: a filosofia estética. (CASSIRER, 1997, p. 370)

Profundamente associado às ideias de Leibniz – que conhecera por meio da sistematização empreendida por seu principal divulgador, o racionalista e figura central do iluminismo alemão

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(Aufklärung) Christian Wolff 6 – Baumgarten entendeu que já seria lícito afirmar que uma arte é tanto mais proeminente quanto maior for a extensão da aplicação de suas regras e quanto mais sólidas e acuradas estas forem. E adverte que um cuidado deve ser considerado em relação aos assuntos pensados de modo belo: a verdade, mas a verdade estética enquanto conhecida sensivelmente. Citando Théodicée (Ensaios de Teodiceia, 1710) de Leibniz, o princípio da contradição e da razão, Baumgarten explica que a representação da verdade metafísica – a verdade lógica – é a harmonia das representações com os objetos, portanto uma verdade objetiva; enquanto que

a verdade subjetiva poderia ser dita como sendo a representação daquilo que é objetivamente verdadeiro no interior de determinada alma. [...] Com efeito, desde logo me parece ser evidente que a verdade metafísica, representada numa determinada alma de tal forma que nela provoque a verdade lógica lato sensu – ainda chamada de espiritual e subjetiva – ora apresenta-se ao intelecto no mais elevado sentido espiritual, desde que seja distintamente percebida pelo intelecto nos objetos representados, quando também é chamada de verdade lógica stricto sensu, ora apresenta-se como a verdade estética ao pensamento intuitivo e às faculdades inferiores do conhecimento, tanto exce-pcional, quanto preponderantemente” (BAUMGARTEN, 1750/1993, p. 121).

Assim, o mesmo Baumgarten que levou a lógica escolástica ao mais alto grau de perfeição formal também tomou consciência

6 Em sua metafísica, mas, sobretudo, na elaboração de sua Estética, explica Cassirer, “Baumgarten encontra o caminho que reconduz a certas fontes das ideias de Leibniz que estavam até então como que soterradas. A estética alemã e a filosofia da história retornam, por conseguinte, em seu desenvolvimento, à concepção original e profunda do problema da individualidade que tinha sido inicialmente revelada e aplicada em A monadologia e no ‘sistema de harmonia preestabelecida’, de Leibniz” (CASSIRER, 1997, p. 59).

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de seus “limites” necessários. Em virtude disso, formulou os fundamentos filosóficos da Estética, desenvolvendo-a como disciplina científica, a partir da Lógica. A Estética não seria, segundo Baumgarten, uma ciência, caso se limitasse apenas ao provimento de regras para a realização da obra de arte e as observações psicológicas sobre os seus efeitos. O sentido filosófico de uma ciência estaria na compreensão daquilo que ela representa na totalidade do saber, na precisão de sua diferença específica. E ele encontra essa diferença ao definir a nova disciplina como teoria da sensibilidade, do “conhecimento sensível”. Porém, o célebre analista não propôs, propriamente, o contrassenso lógico de um conhecimento sensível, portanto confuso e obscuro, mas um conhecimento do confuso, do obscuro. Em sua lógica, a ciência não seria “rebaixada” ao domínio da sensibilidade, o sensível é que deve ser “elevado” ao status do saber. A questão de Baumgarten é: se o sensível é obscuro, deverá a forma pela qual o conhecemos permanecer também obscura? E assim, um Baumgarten “fenomenólogo” pôde, enfim, romper, em parte, com as barreiras da metafísica tradicional e realizar as condições necessárias para a constituição de um estudo da sensação como disciplina filosófica: uma ontologia do belo.

A estética idealista e a emergência da forma musical

Para a estética idealista, a experiência estética é o resultado da congruência entre duas faculdades cognitivas: imaginação e entendimento. Nesse âmbito, para que algo se torne objeto de cognição requer a ação de esquemas imaginativos que mediam a aplicação dos “conceitos puros” (categorias) do entendimento (a “razão pura”) à experiência, conferindo sentido às imagens apresentadas pela imaginação. Partindo de Descartes, Locke, Hume, Leibniz, Wolff, Rousseau, Baumgarten e toda a sorte de autores que oscilam de um racionalismo dogmático a um

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empirismo cético, Immanuel Kant fez de sua filosofia crítica uma surpreendente síntese que, depois de resultar nos juízos lógico e ético das primeiras Críticas – quando promove, inclusive, o rompimento entre o método matemático e o método filosófico – também nos legou como campo cognitivamente válido seu “juízo do belo”, em Kritik der Urteilskraft (Crítica do juízo, 1790). Para tanto, relegou radicalmente sensação e emoção a um nível secundário, atribuindo às qualidades formais a máxima prioridade (NOGUEIRA, 2004, 2009). Uma perspectiva essencial do prazer estético kantiano é sua universalidade não mediada por conceitos. Contrariando, portanto, a proposição de Hume da estrita subjetividade do juízo de gosto, Kant postula sua validade universal como nos juízos da razão: o belo está “lá fora”. Ainda mais decisiva para a fundamentação de um futuro formalismo para as artes e, em especial, para a música, é a tese kantiana segundo a qual o juízo do belo está também baseado na unidade, ou seja, o prazer com os objetos estéticos dá-se em virtude de sua “finalidade formal”. Podemos entender, portanto, que estamos aqui diante da tese da completação de uma forma, do seu fechamento como condição do sentido, que para Kant não é, evidentemente, característica exclusiva do juízo estético. Assim sendo, o belo agrada por sua forma, de modo subjetivo, e não objetivo – trata-se de uma ação direcionada à satisfação, com o fim de captar uma forma dada na faculdade da imaginação.

Ao livrar a Estética do descaso intelectual, Kant sacrifica, todavia, a Música. Para ele faltaria à música uma integridade formal necessária para o juízo do belo universalmente válido. Ele reconhece a natureza “agradável” da música, mas a atribui à capacidade de estimular o prazer sensorial, em vez do contemplativo – assim se constituindo, essencialmente, numa “arte do belo jogo das sensações”. Embora a música se apresente especialmente compatível com o critério de universalidade por prescindir

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radicalmente de conceituação, Kant viu em sua efemeridade e imaterialidade dificuldade ímpar para se constituir formalmente, o que para ele seria condição indispensável da experiência estética. Na estética kantiana as “artes da forma” exigiriam um trabalho da imaginação mais congruente com o entendimento, enquanto a música seria mais sensação que intelecto.

Em uma de suas mais destacadas obras, Über die ästhetische Erziehung des Menschen in einer Reihe von Briefen (A educação estética do homem numa série de cartas, 1794), J. C. Friedrich von Schiller deixa claro que para ele o domínio da Estética é estritamente o da arte. Como Kant, que havia ressaltado a tensão entre sensibilidade e entendimento em sua fundamentação do “juízo do gosto”, Schiller afirma que há um impulso natural do homem em direção à matéria – esta da qual também faz parte como corpo – mas há também outro impulso que o leva à razão. Portanto, ao manter-se tributário dos dualismos platônicos preservados na estética idealista kantiana, Schiller entende que o objeto da experiência estética é a mera aparência; não uma aparência do real, mas uma apreensão mais abstrata e imaginativa. Para ele, quando a forma se torna o foco de nossa atenção, quando nos engajamos na interação com o mundo e seus objetos, movidos pelo prazer da mera aparência e, portanto, livres das amarras do utilitarismo, das finalidades práticas e da propensão natural à intelecção – o “interesse” kantiano – quando superamos a inevitabilidade das sensações, nesse momento experimentamos a capacidade humana característica da abstração e da fruição do belo.

Schiller, contudo, tenta superar o dualismo sensível/inteligível ao propor um “terceiro impulso”: o lúdico, que exercemos independentemente dos interesses práticos e que se apresenta como um “jogo estético”. O jogo estético suspenderia tanto o rigor da abstração intelectual quanto a efemeridade da mera sensação, com isso conferindo forma à matéria e realidade à forma. Enfim,

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esse impulso artístico nos disporia, dada a liberdade do jogo, para a fruição da forma. Em sua Carta xxii, Schiller afirma que esse impulso proporciona uma disposição da mente que neutraliza os limites da natureza humana. Segundo ele, todos os demais exercícios da mente dão-lhe uma aptidão particular que lhe impõe um limite; somente a estética proporciona a experiência com o ilimitado. Entretanto, Schiller insinua que na realidade não seria possível uma experiência estética pura, dada a nossa dependência das “forças do pensamento”; assim a excelência de uma obra de arte estaria relacionada apenas ao seu maior grau de proximidade de um ideal de pureza estética. Mas em uma obra de arte bela, ele continua, o conteúdo “nada deve fazer, a forma, tudo”. Para Schiller, portanto, os conteúdos atuam sobre as forças do pensamento, enquanto a forma atua sobre o todo do indivíduo. Ele parece não conseguir superar a dificuldade de Kant com a música, quando argumenta:

quem quisesse convidar-nos ao pensamento abstrato imediatamente após uma alta fruição musical [...], não teria escolhido a hora certa. Assim é, porque, por sua matéria, mesmo a música mais espiritual está sempre numa maior afinidade com os sentidos, que a suportada pela verdadeira liberdade estética (SCHILLER, 1794/2002, p. 111).

Ou seja, a imaterialidade e a crítica referencialidade da música mantêm-na invariavelmente atada ao prazer sensorial, e, como Schiller recomenda, em seguida, o artista deveria buscar a superação das limitações que sua arte traz consigo, como as inerentes à matéria que a elabora. Não é difícil depreender que nesse pensamento a insuperável sensorialidade da experiência da música ofuscaria seu acesso a um estado puramente estético, dificultando o alcance da excelência da música como obra de arte.

O entendimento do lugar da música na Estética para Georg W. F. Hegel – Phänomenologie des Geistes (Fenomenologia do

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espírito, 1807); Vorlesungen über die Ästhetik (Estética, 1835), esta uma compilação de conferências proferidas entre 1818 e 1829) – contrastou fortemente com a ideia kantiana de “arte sensorialmente agradável”. Podemos depreender dos legados de Kant e Schiller um esforço de investigação da experiência estética, estritamente, ao passo que Hegel vê a arte como fenômeno histórico. A estética hegeliana não se limita a simples aplicação de uma teoria estética. Se Kant tematizou a oposição entre uma experiência pura do objeto estético e sua apreensão cognitiva, ética e sensorial, Hegel, por sua vez, salientou justamente os interesses ético e cognitivo que a arte suscita. Para ele, arte é ideia absoluta manifesta aos sentidos, a mente dada em forma sensível. Por isso entendeu que o valor da arte está em sua capacidade de oferecer tanto uma forma adequada ao conteúdo ideal quanto à abstração desse conteúdo. Donde as artes de configuração externa (material) mais evidente seriam também as mais modestas nesse propósito; enquanto aquelas que compartilham a interioridade desincorporada da mente, como a música, ganharam mais relevância em sua filosofia (NOGUEIRA, 2009). Enfim, enquanto as artes visuais se apresentam como objetos concretos espaciais, a música suprime a distância entre quem percebe e aquilo que é percebido. Ao renunciar à espacialidade e à materialidade, a música livraria a consciência das aparências externas e a harmonizaria com a interioridade irrestrita da idealidade. Para Hegel, embora toda arte tenha origem na mente, a música seria radicalmente ideal, uma vez que seus “materiais” são predominantemente mentais e sua experiência mais interior e abstrata.

É verificável, contudo, que em sua estética musical Hegel mantém o conceito de “interioridade”, que entende ser a qualidade primordial da música. Sua filosofia assim também reitera as tradicionais dicotomias modernas. Um primeiro esforço de superação dessas dicotomias já pode ser observado na

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“metafísica da música” de Arthur Schopenhauer – Die Welt als Wille und Vorstellung (O mundo como vontade e representação, 1819) – que ao fazer emergir a poderosa categoria da Vontade, opõe-se diametralmente a Hegel, a quem dedicou suas mais severas críticas. Aproximando-se apenas na distinção que conferem à música dentre as artes, por mediar “algo” além dela mesma, Hegel e Schopenhauer divergem justamente quanto ao que vem a ser esse “algo”. Se o mundo, para Schopenhauer, existe como Vontade e suas representações, então, contrastando com Hegel, a essência do universo não é a razão (a ideia), mas a Vontade irracional. Ele nega às ideias, portanto, a primazia, enfatizando que o pensamento, o entendimento e a razão sempre respondem à “vontade”:

As distinções que ele faz entre “ideia” e “representação” e entre os dois sentidos do termo “vontade” são, entretanto, fundamentais para a sua filosofia. A Vontade (nomênica) se manifesta tanto em forças inorgânicas como a gravidade quanto em seres animados, como sua incessante busca pela sobrevivência. É, pois, uma força inconsciente que conduz e determina todas as coisas no universo, aquilo que a física moderna denomina “energia”. Num segundo sentido, a vontade (fenomênica) manifesta-se na experiência humana como desejo, algo que em contraste com a Vontade sempre tem algum objeto e, portanto, acarreta consciência. A Vontade nunca é dada à experiência humana, somente sua representação fenomênica (NOGUEIRA, 2009, p. 11).

Ao discutir a questão do paradoxo moderno da subjetividade, Schopenhauer diz que a subjetividade é algo que não podemos chamar de nosso, de vez que a vontade, o desejo, criou em nós a ilusão da razão, e, assim, nos iludimos que os objetivos da razão são os nossos objetivos. Schopenhauer inicia, todavia, sua obra principal por um ataque radical ao idealismo kantiano: o mundo, tal como o conhecemos, não é senão uma representação nossa,

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portanto não tem realidade “em si”, é uma fantasia da mente. Para ele a realidade “em si” é tão somente o fenômeno da representação, e a verdadeira “coisa em si” é a Vontade, uma experiência interior que nos leva ao autoconhecimento e ao desejo pela vida. Mas uma vontade de tal forma atada ao corpo, que qualquer tendência do desejo traduz-se em ação corporal; o corpo expressa a vontade do modo como é conhecida do exterior, como representação. A vontade como “coisa em si” é absolutamente distinta do seu fenômeno, é independente de todas as formas fenomenais nas quais penetra para se manifestar e, por isso, o fenômeno diz respeito à sua objetividade e é-lhe estranho. Schopenhauer denuncia assim a negligência da filosofia com o corpo, segundo ele o lugar tanto do sensível quanto do entendimento: não há filosofia sem o corpo. No apêndice do primeiro volume de sua obra magna, ele reconhece como principal mérito de Kant a distinção entre “fenômeno” e “coisa em si”. E para ele a grande falha da filosofia kantiana não está relacionada ao desenvolvimento que deu ao pensamento de Locke e Hume, mas se revela quando se aproxima do dogmatismo de Leibniz e Wolff, descaracterizando a experiência e abandonando-a como fonte da metafísica:

Kant adotou o ponto de vista de seus predecessores, os filósofos dogmáticos, e, de acordo com isso, partiu com eles dos seguintes pressupostos: 1) A metafísica é a ciência daquilo que fica fora da possibilidade de toda experiência; 2) Uma tal ciência não pode jamais ser encontrada segundo princípios fundamentais, que sejam eles próprios hauridos da experiência; 3) Na nossa razão são encontráveis efetivamente alguns princípios fundamentais desse tipo, são concebidos sob o nome de conhecimentos por razão pura. Até aí Kant vai junto com seus predecessores, aqui porém ele se separa deles. Eles dizem: “Esses princípios fundamentais ou conhecimentos por razão pura são

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expressões da possibilidade absoluta das coisas [...]”. Kant diz: são meras formas do nosso intelecto, leis, não da existência das coisas, mas sim de nossas representações delas, valem pois, meramente, para nossa apreensão das coisas e não podem, portanto, ultrapassar a possibilidade da experiência, que era o que se visava na primeira suposição. Pois precisamente a natureza a priori dessas formas de conhecimento, uma vez que só pode repousar sobre a origem subjetiva destas, oculta-nos para sempre o conhecimento da essência em si das coisas e limita-nos a um mundo de meros fenômenos, de modo que não podemos conhecer sequer a posteriori, quanto mais a priori, as coisas tais como poderiam ser em si mesmas. Portanto a Metafísica é impossível e entra, em seu lugar, a crítica da razão pura (SCHOPENHAUER, 1819/1988, p. 94).

Para Schopenhauer, Kant não atingira o conhecimento de que o fenômeno fosse o “mundo como representação” e a “coisa em si”, a Vontade, mas mostrou que o mundo fenomênico é igualmente condicionado pelo sujeito e pelo objeto. Insurge-se, pois, contra o postulado kantiano de que a fonte da razão pura não pode ser empírica e que os princípios fundamentais e conceitos puros jamais podem ser tomados da experiência, tanto interior quanto exterior.

Sintaxe e semântica: a síntese inalcançada

Seja qual for o entendimento do termo “forma”, sua aplicação à experiência da música diz respeito a uma abstração, ao menos, contingente e imprecisa. No ato da escuta – ou mesmo quando nos esforçamos para produzir mentalmente o efeito auditivo da música representada em notação de algum tipo – não temos, em momento algum, a experiência da inteireza formal da peça musical que estamos ouvindo. Modelos e arquétipos estruturais

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(como forma binária, forma Lied, forma rondó, forma sonata, etc.) comumente invocados, ao longo de toda a Modernidade, como descritores formais são meros esquemas depreendidos de concatenações de acontecimentos musicais conectados temporal (como disposição diacrônica de eventos) e espacialmente (como configuração sincrônica de eventos) num todo orgânico percebido como coerente. Quanto mais esses esquemas possibilitam a comparação entre obras, verifica-se um mais alto grau de abstração alcançado pelo ouvinte em sua experiência formal (BONDS, 2010).

Cumpre observar, entretanto, que a emergência de tais esquemas no discurso teórico ocidental esteve, desde o seu nascedouro, estreitamente vinculada à emergência da técnica melódico-harmônica de manipular alturas sonoras visando à construção de um todo coerente em música. Provavelmente, pela maior facilidade que a prensa móvel proporcionou aos músicos de fazerem circular seus tratados sobre a organização do fluxo harmônico musical, o aperfeiçoamento desse discurso ganhou grande impulso com Zarlino e seus contemporâneos. Contudo, um discurso formalista em música atravessou todo o período iluminista confinado e obscurecido no âmbito dos dualismos dos primeiros séculos da Modernidade. Um latente formalismo para a arte musical assim não superava a tensão hegemônica entre os discursos da sensibilidade e os discursos dogmáticos. O modo como construímos os esquemas acima referidos para descreverem nossas abstrações formais da música é consequência do modo como utilizamos nossos dispositivos cognitivos para estruturar e comunicar essa experiência. Schopenhauer foi o primeiro filósofo a vislumbrar o papel da experiência corporal no modo como fazemos esses dispositivos funcionarem, mas a ciência idealista não se mostrava ainda capaz de oferecer-lhe o necessário suporte teórico para a constituição de uma “estética cognitiva”.

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Nesse contexto ainda predominantemente idealista, Eduard Hanslick tornou-se uma voz de destaque no contexto da crítica musical de meados do século xix, ao se lançar contra o predomínio retórico de uma “estética do sentimento” – um resquício ainda influente da doutrina dos afetos setecentista. O jovem Hanslick atuara como crítico musical desde 1844 (HANSLICK, 1988), mas foi a partir da publicação de seu polêmico ensaio Vom Musikalisch-Schönen (1854), que adquiriu notabilidade. Aderiu sem restrições à dicotomia moderna “subjetividade/objetividade” e ao dualismo que opunha as “coisas em si” (a realidade objetiva) e as “coisas da mente”. Ele estava convencido de que o conhecimento científico deve ser estritamente objetivo – o que fica evidente já no primeiro subtítulo do ensaio: O ponto de vista não científico da estética musical anterior. Essa seção denuncia o predomínio das sensações na estética musical vigente, em cuja literatura o belo musical estaria sendo tratado pela vertente de sua impressão subjetiva. Hanslick adverte então para o que entende ser um equívoco fundamental: reconhecer os sentimentos como a base que sustém o ideal da arte sonora; ele está decidido a substituir as teorias do sentimento por uma teoria mais científica do belo musical. Para Hanslick, as mudanças em nosso estado emocional diante do belo são objeto mais da Psicologia do que da Estética, e considerando, pois, a questão da representação em música, um Hanslick objetivista distinguiu a natureza da música de seu potencial expressivo:

a natureza própria da música e os sentimentos que ela pode provocar no ouvinte são coisas distintas. Sentimentos são atributos dos seres humanos e não da música, e mesmo que esta os possuísse não significa que desse modo representaria sentimentos: a beleza musical é ouvida, não conceitual. A música poderia representar as qualidades dinâmicas dos sentimentos, mas não os sentimentos como tais. E essa sua frágil condição representacional estaria

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fundada nas congruências e analogias que emergem das similaridades estruturais. Ou seja, ao apresentar qualidades formais dinâmicas percebidas como similares às qualidades dinâmicas dos estados emocionais, a música se tornaria uma expressão representacional, mesmo que considerada sua limitada capacidade referencial (NOGUEIRA, 2010, p.117).

Assim, reconhecidamente mais bem sucedido ao discutir “o que a música não é” do quando procurou desenvolver sua tese sobre “o que a música é” (BUDD, 1985; BOWMAN, 1998; VIDEIRA, 2005), Hanslick tentou fundamentar seu pensamento de que o valor da música é intrínseco e os únicos efeitos musicalmente relevantes seriam aqueles que resultam da percepção das qualidades estritamente objetivas da estrutura musical.

Hanslick claramente se esforça para revisar os fundamentos da estética musical, a partir da ênfase que procura dar a uma “materialidade” da música. Mas em que consiste essa materialidade? No terceiro capítulo de seu ensaio, ele diz que o material da música são os próprios sons e suas possibilidades intrínsecas de se combinarem em estruturas. No entanto, Hanslick se associa a empiristas e racionalistas do século anterior, quando reafirma a predominância da melodia como figura fundamental do belo em música, embora reconheça que a harmonia oferece novos fundamentos, o ritmo promove o movimento conjunto primordial e os timbres conferem o encanto e a variedade da cor. O que se expressa com esses materiais: ideias musicais manifestas em formas autônomas, tönend bewegte Formen, formas que se movem soando, que se movem nos sons. Hanslick vê assim a essência da música e de sua materialidade na virtualidade de um movimento de formas invisíveis, dadas ao ouvido em vez de à visão. Estas não são objetos do mundo real, mas constituintes de uma ilusão puramente auditiva – ele salienta, inclusive, que aquilo que é descrição em qualquer outra arte é, em música, já metáfora. E a esfera em que

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percebemos as formas se movendo nos sons da música seria da ordem da pura duração, um fenômeno não real, pois radicalmente diferente do tempo em que decorre nossa vida prática.

Para Hanslick, a dificuldade idealista com a plenitude do belo musical se deveu à desvalorização que impôs ao sensível, em favor da ideia; assim como a incomunicabilidade das “teorias do sentimento” com a estética musical origina-se na negligência do ouvir, em favor do sentir. Mas o belo “especificamente musical” não deve ser, ele adverte, confundido com uma “beleza acústica”; pelo contrário, não haveria um belo musical sem espírito. Mas como a essência do belo musical está nas formas, é com essas formas que o espírito deve manter a mais estreita relação. No capítulo final de Do belo musical, Hanslick afirma que só se pode falar em um conteúdo de uma obra de arte quando oposto a uma forma, conceitos que se condicionam e se complementam entre si. Todavia, em música esses conceitos teriam se confundido numa unidade obscura e indivisível: se o conteúdo musical são os sons mesmos da música, estes só se apresentam como música, já formados. Sua estética do “especificamente musical” foi então acusada de formalista, um formalismo que reduziria a música a um jogo vazio sem expressão. Dahlhaus (1967), no entanto, advertiu que Hanslick não teria defendido a ideia de que a música nada mais é do que forma, e esta, um ressoar vazio sem expressão. Ao contrário, Hanslick afirma não só que “a forma é expressão, forma de manifestação do espírito, mas que ela própria é espírito. [...] ela é essência, que ‘se traz à manifestação’, e não, ao invés, simples manifestação de uma essência” (DAHLHAUS, 1967/1991, p. 80). Assim sendo, em sua estética, “forma” não é aparência, mas essência. Se os sons da música são sua matéria fenomênica, as formas que neles e por eles se movem são o conteúdo da música, e não qualquer outro que se procure fora da música, em sentimentos.

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Quando ressalto a importância determinante da constituição e do aperfeiçoamento moderno do sistema harmônico tonal para o desenvolvimento da teoria da forma musical oitocentista, quero chamar atenção precisamente para o papel formal do efeito sintático dessa prática harmônica – radicalmente fundada na redundância. Se Hanslick fala de tema como unidade que revela o “conteúdo essencial” de uma obra musical, uma forma ressoante da qual tudo na obra é consequência e efeito, ele estaria, naquele momento, referindo especificamente uma forma tonal – termo este que entendo aqui como expressivo da polarização harmônica, uma assimetria comumente manifesta na experiência da combinação de alturas distintas, no fluxo musical, e que estabelece assim efeitos de hierarquia estudados e sistematizados pela teoria moderna. Embora saibamos que o dispositivo de desenvolvimento formal (implícito nas palavras de Hanslick) tenha permanecido, no período pós-tonal, como um procedimento usual na criação de obras musicais, não me parece duvidoso admitir que a coerência harmônica mais radicalmente percebida nas formas tonais tenha sido determinante para a aplicação dessas formas como base de uma gramática da música, confundindo-se com a própria forma da obra musical – fala-se de tonalidade como uma forma. A propósito, cumpre lembrar que a consolidação de uma fraseologia tonal já estava em curso desde, ao menos, a teoria legada pela fase final do iluminismo alemão, representada, sobretudo, pela obra seminal de Heinrich Christoph Koch – Versuch einer Anleitung zur Composition (Ensaio sobre instruções para a composição, vols.2-3, 1787). Nela Koch expõe sua mecânica da melodia (“regras mecânicas da melodia” e “regras de ligação melódica”) com notável destaque para o desenvolvimento de uma gramática musical que incorporaria como fundamento elementos da retórica. Koch entendia que as formas da música não eram estruturas pré-dadas ou meras fôrmas a serem preenchidas pelo compositor; ao invés, seriam modos de representação do

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pensamento, condicionados unicamente pela natureza da matéria da música e pelas condições de sua recepção – condicionantes estes que responderiam, inclusive, pela recorrência dos padrões formais (BENT, 1987; BAKER; CHRISTENSEN, 1995; BARROS, 2009).

O recente campo de pesquisas em “cognição incorporada”7 vem oferecendo ampla fundamentação para o entendimento do efeito formal do estilo harmônico instituído nos primeiros tempos da Modernidade. O ponto central aqui é o favorecimento do desempenho da percepção, sobretudo, mas não exclusivamente, auditiva, assim como do desempenho da memória na apreensão e na estruturação dos eventos musicais (BREGMAN, 1999; SNYDER, 2000; GIBBS, 2006). Os primeiros modernos estavam em busca de uma chave para a coerência do “discurso” musical, fosse ela espelho de uma física natural dos sons, da transposição para as figuras musicais de regras da retórica discursiva, ou de outro sistema que garantisse a composição do texto musical expresso por uma estrutura autônoma. Portanto, para a teoria moderna

7 Constituída a partir dos anos 1970 e definitivamente conceituada por Varela, Thompson e Rosch, em seu The embodied mind (A mente incorporada, 1991), a abordagem enacionista (ou atuacionista) das ciências da mente (em especial a linguística, a psicologia, e a biologia cognitivas), uma teoria “da atuação” ou “da ação” (que integra a fenomenologia husserliana com as ciências cognitivas) tem no seu histórico de fundamentação, entre outras, pesquisas de Maurice Merleau Ponty (1933, 1934, 1945, 1946) e John Dewey (1934, 1938) – para quem mente e corpo não são entidades metafísicas desvinculadas – considera o corpo humano uma estrutura viva e experiencial, na qual o interno e o externo, o biológico e o fenomenológico se comunicam sem oposições. Por essa via promete ir além dos resultados alcançados pelas tradicionais abordagens “cognitiva” (computacional) e “conexionista” (com origem na dinâmica das redes neuronais e em suas “propriedades emergentes”). Estas duas correntes anteriores, que pouco a pouco se fundiram numa abordagem representacionista, dão ênfase, por um lado, à inteligência artificial, que investiga regras abstratas e algoritmos no estudo dos elementos estruturadores das representações mentais, e por outro as leis naturais e os mecanismos físicos atuantes no processo de formação e desenvolvimento das representações. Tanto uma quanto outra abordagem representacionista sustenta que o conhecimento acerca dos fenômenos não se dá de forma imediata, mas mediada pelas ideias e conceitos que re-(a)-presentam tais fenômenos à consciência.

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da música, tanto de fundo racionalista quanto empirista, não estava em questão “como” percebemos coerência no texto sonoro da música e conceituamos essa experiência, mas, simplesmente, “o que” percebemos. Pretendo aqui evidenciar a relevância da recuperação da questão acerca do “como” conceituamos a música no ato da escuta, que não foi examinada pela estética musical idealista nem considerada pela estética do “especificamente musical” de Hanslick e de seus sucessores. Essa questão permeou todo o Iluminismo, sendo tangenciada tanto por racionalistas quanto por empiristas, e chegou a Koch pelo viés de uma retórica baseada ainda na noção de mimesis, e por ele tratada como uma parte da ciência musical que carecia ainda de sistematização. Enfim, todas as questões relacionadas ao “como” entendemos música – ou seja, as questões que nos levam, propriamente, a uma semântica da música – permaneceram ocultadas por retóricas inócuas e inconsequentes. Nem mesmo o esforço de Schopenhauer, que em sua “fenomenologia da música” denunciara o descaso da filosofia com o corpo humano, e assim procurara evidenciar – em sua tese de mundo como “música incorporada” (BUDD, 1985) – sua condição de lugar do sensível e do entendimento, foi considerado pela teoria da forma musical, durante o século xix. Assim, esse formalismo se manteve estritamente focado na revelação de uma sintaxe das obras musicais – o campo intramusical, como originalmente entendido por Leonard Meyer (1956) para designar o sentido formal de uma estrutura musical audível e suas relações “internas” – e no desenvolvimento de técnicas analíticas que instrumentalizam tal procedimento.

Considerações finais acerca do entendimento da forma musical

Reivindicando, tal como Hanslick, uma fundamentação científica para a percepção estética da música e para o exame da

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origem do sentido musical, saliento a importante colaboração da psicologia cognitiva com o desenvolvimento do formalismo musical, desde o final dos oitocentos e, sobretudo, a partir da psicologia da forma das primeiras décadas do século XX. Contudo, somente com a emergência da pesquisa em cognição incorporada (ciência cognitiva dinâmica) é que, assim entendo, torna-se possível construir uma fundamentação mais adequada para o desenvolvimento de uma semântica do entendimento musical. Esse referencial teórico-metodológico pôde, enfim, superar o paradigma que coloca o conhecimento na condição de representações que o cérebro faz de um mundo predeterminado observado pelo indivíduo. Em vez disso, o processo cognitivo implica a construção de um mundo, e essa construção dá-se por meio de interações dinâmicas do indivíduo com um mundo a ele congruente – indivíduo e mundo se constroem mutuamente. Na abordagem enacionista, a cognição não é uma mera representação de mundo em nossas mentes, mas resulta de nossa interação com ele. É nesse sentido que a mente é incorporada e não uma instância abstrata separada do corpo (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1991; LAKOFF; JOHNSON, 1999; ANDERSON, 2003; GIBBS; LIMA; FRANCOZO, 2004; NOGUEIRA, 2004; KRUEGER, 2009; NEUHAUS, 2013).

Esse conjunto de teorias interagentes tem demonstrado que a experiência é o lugar de toda unidade cognitiva e a percepção é o princípio de toda experiência. Perceber é um modo de atuar; a percepção é uma simulação interior da ação e um exercício de antecipação dos efeitos da ação. No âmbito enacionista, percepção é algo que “fazemos” ativa e decididamente num mundo que se nos apresenta disponível, no qual somos capazes de nos movimentar corporalmente e assim interagir com ele. Como destacou Alva Noë, no início de seu Action in perception (2004, p. 1), “o que percebemos é determinado pelo que fazemos (ou pelo

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que sabemos como fazer); é determinado pelo que estamos prontos a fazer”.8 Enfim, a tese central desse campo de pesquisa – a mente é intrinsecamente incorporada – proporciona condições favoráveis para a emergência de questionamentos inéditos no campo da Filosofia e, em particular, no campo da estética e da semântica musicais. Dela resultarão outras duas descobertas fundamentais: a maior parte da nossa atividade mental é inconsciente; e os conceitos abstratos que adquirimos e com os quais descrevemos a nossa experiência da música são, em grande parte, metáforas espaciais de nossa experiência sensório-motora.

É plausível, pois, investigar, à luz da ciência cognitiva enacionista, os fundamentos idealistas que embasaram o sistema formalista original da Musicologia, a fim de conhecer as potencialidades desse sistema numa ótica distinta daquela sob a qual vem sendo abordado e atualizado desde então, mas principalmente a fim de esclarecer as deficiências que o mantiveram restrito à prática descritiva de uma sintaxe da obra musical. Observo que essa discussão deverá considerar, primeiramente, uma revisão das ideias centrais legadas pelo Método de Descartes, quais sejam: todo pensamento é consciente; não é necessário qualquer recurso empírico para estabelecer o conhecimento próprio da mente; a mente é desincorporada e consiste apenas de substância mental; a essência do ser humano é sua propensão e habilidade para a razão; imaginação e emoção, que são corpóreas, estão excluídas da razão humana; as representações da realidade externa têm origem na percepção dos objetos externos, as outras ideias são inatas e não representam nada externo. Assim, se a tradição filosófica moderna tratou a razão como um traço distintivo do ser humano – aquilo que o condiciona a realizar inferências lógicas, a tomar decisões, a resolver problemas, a avaliar situações, enfim, a entender-se como

8 Tradução livre de: What we perceive is determined by what we do (or what we know how to do); it is determined by what we are ready to do (NOË, 2004, p. 1).

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propriamente é – as descobertas recentes da neurociência e das ciências da mente comprometem gravemente a validade desse paradigma tradicional. Aquilo que entendemos tradicionalmente como “razão” não pode mais ser tomado como algo desincorporado, pois é inextricável da natureza dos nossos corpos e das experiências desses corpos. A recente pesquisa cognitiva tem comprovado que os mesmos dispositivos neurais que nos permitem perceber o mundo e nos mover neste mundo também dão origem ao nosso sistema conceitual. E isso determina a natureza metafórica desse sistema conceitual, visto que a experiência sensório-motora e os conceitos (concretos) dela advindos se fundem e fertilizam – por meio de uma rede complexa de projeções metafóricas – nosso entendimento de outras experiências menos “concretas” ( JOHNSON, 1987, 2007; LAKOFF, 1988; LAKOFF; JOHNSON, 1980, 1999). Em outros termos, a razão não pode ser tomada como um traço transcendente de uma mente desincorporada; não é sequer uma condição essencialmente consciente, uma vez que a maior parte da atividade cognitiva é comprovadamente inconsciente e emocionalmente comprometida.

Entender a razão como um processo incorporado significa entender o papel do sistema sensório-motor na constituição de grande parte dos conceitos com os quais estruturamos nossas experiências ou com os quais produzimos conhecimento. O processo de raciocinar, de argumentar, de estruturar o conhecimento implica o uso de conceitos e requer o suporte do sistema neural. E é essa estrutura particular do sistema neural humano que determina quais conceitos podemos ter e, portanto, quais tipos de raciocínio podemos fazer. (EDELMAN, 1989; BREGMAN, 1999; LAKOFF; JOHNSON, 1999). As ciências da mente vêm, portanto, colocando em questão a validade do entendimento da “razão” como faculdade autônoma, como um atributo humano independente das capacidades corporais do

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indivíduo, tais como seus modos de percepção e seu repertório de movimentos. Ou seja, nesse novo contexto teórico a razão usa e se constitui a partir dessas capacidades corporais. Assim, o dualismo cartesiano renovado pelos idealistas não é verificável; a razão surge do corpo, não o transcende, e por isso não pode ser autônoma, como propôs Kant. E se a razão é formada pelo corpo e por sua ação no mundo, é estritamente restringida pelos limites do nosso sistema conceitual. Os sentidos não são puramente objetivos ou determinados por um mundo externo, e como os sentidos nascem de nosso engajamento com o mundo, são fundados nas e pelas ações corporais. Este realismo incorporado revelado pelas ciências cognitivas oferece assim outro entendimento da relação mente-realidade, rejeitando a diferença cartesiana do realismo simbólico. Para a ciência cognitiva incorporada, aquilo que entendemos ser o real é determinado por coisas como o nosso aparelho sensorial, as nossas habilidades para nos movermos e para movermos objetos no mundo, a estrutura cerebral, nossas culturas, dentre outras. Por conseguinte, o que entendemos ser verdade em dada situação depende de nosso entendimento incorporado de tal situação.

A teoria moderna da música quase sempre se valeu do suporte racionalista para sistematizar seus procedimentos técnicos e desenvolver seus métodos. Todavia, tanto os sistemas filosóficos dogmáticos, que reconheceram, desde Descartes e Leibniz, o interesse e a dificuldade de tratar a experiência musical – e seus efeitos, que produziriam um “prazer intelectual confuso”, não apreensível pela pura lógica – quanto os empiristas, que reclamaram retóricas e teorias da afetividade para a música, motivaram os músicos e os teóricos da música, que assim estiveram, ao longo do percurso da Modernidade, desafiados por um conjunto de ideias que suscitava uma dupla perspectiva de entendimento musical que quero aqui entender como sintática e semântica. Creio que, de um lado, o crescente intelectualismo moderno na

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construção da estrutura musical, valorizado especialmente a partir do reconhecimento de uma forma para a música – sobretudo pelo iluminismo alemão – e, de outro, a inconsistência de fundamentação teórica para o estabelecimento de um sistema de significação para a música constituíram o quadro circunstancial a partir do qual se sedimentou a ideia de que o entendimento musical deve ser obtido da mera apreensão de uma disposição lógica dos eventos musicais e da inter-relação discursiva desses eventos. Na base dessa sintaxe musical oitocentista estavam as regras de manipulação de unidades harmônicas tonais, consolidadas pelos músicos modernos.9 Os esquemas formais resultantes dessa prática proporcionaram a ilusão da coerência estilística entre as obras assim comparadas, passando a se tomar como o próprio objeto do entendimento musical, a própria forma.

No entanto, se entendermos, como no realismo incorporado, que os sentidos da música, assim como quaisquer outros sentidos, nascem de nosso engajamento com o mundo e são, por isso, originados nas e pelas ações do nosso corpo no meio circundante – o corpo forma a razão – o entendimento musical está, antes de tudo, na origem da abstração daqueles esquemas formais. Ou seja, só poderemos dizer que temos um entendimento formal de uma obra musical, quando pudermos responder perguntas como: “que aspectos deste segmento da obra possibilitam a inferência de suspensão (desequilíbrio ou incompletude) ou de

9 Em seu Music and memory (2000, p. 195), Bob Snyder observa a diferença de desempenho do nosso sistema neural com relação à percepção do que se convencionou denominar parâmetros sonoros primários e secundários. Ele salienta que a existência de parâmetros primários como a altura e a duração não é um fenômeno culturalmente determinado; isso é determinado pelas habilidades perceptivas selecionadas em nossa evolução biológica, por meio da qual nosso sistema neural se tornou especialmente competente para organizar o meio sonoro segundo certos aspectos do som. Isso explica a grande relevância de altura e duração sonoras e das consequentes e diversas práticas harmônicas em todas as culturas musicais.

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conclusão (equilíbrio ou completude) formal?” “ao ouvir pela primeira vez esta obra, que aspectos possibilitam prever (antecipar imaginativamente) o momento de um primeiro fechamento formal?” “que aspectos deste segmento da obra possibilitam inferir que se trata de sua abertura ou de sua conclusão?”, “como posso perceber como coerente esta longa obra, se não a tenho inteiramente na experiência presente, em escuta ou em memória?”.

Estamos, portanto, diante da tradicional controvérsia linguística entre uma semântica formal, que em música apontaria diretamente para o campo da referenciação (expressão, ideias, sentimentos, representação, simbolismo), recorrentemente abordado pela teoria musical moderna, e uma semântica cognitiva, comprometida com o “como” construímos o sentido musical, isto é, com o estudo dos processos cognitivos pelos quais organizamos formalmente os eventos musicais no ato da escuta – aquilo que as estéticas modernas jamais cogitaram. Uma semântica cognitiva de base enacionista promete, portanto, fundamentar as respostas às questões acima formuladas, a partir de estudos como o do mapeamento de correspondências que estrutura nossas projeções metafóricas (LAKOFF & JOHNSON, 1980; BROWER, 2000; JOHNSON, 2007) – refiro aqui, especificamente, a investigação da percepção de movimento, espacialização, agrupação, limite (cesura), simetria, centralidade, ciclicidade, direcionalidade, verticalidade, profundidade, finalidade, dentre outros fatores de constituição formal em música.

Enfim, parece aqui nos encontrarmos de volta à vontade de Schopenhauer, uma força fundamental que apreende o sentido do mundo, mas uma força experiencial de tal modo atada ao corpo, que qualquer sentido se traduz em ação corporal e qualquer ação corporal se traduz em sentido. É preciso investigar detidamente essa relação, a fim de saber o que o nosso engajamento corporal no mundo tem a nos ensinar acerca de como construímos mentalmente a forma musical.

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