FORAM À LUTA É econômico, é político, é militar. D C Poder ... · Zweig tem um conto chamado...

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o fim de semana passado, dois jo- vens brasileiros fo- ram presos no ae- roporto de Miami depois de terem feito uma brinca- deira sobre a pre- sença de bomba na bagagem. Não foi propriamente um ato arbitrário; nos aeroportos americanos existem grandes carta- zes advertindo que gozações desse tipo serão severamente punidas. E nem é uma situação nova. Há anos vivemos uma situação semelhante no aeroporto de Washington. Na- quela ocasião a ameaça não eram os terroristas suicidas, mas sim os seqüestradores de aviões. Nossa ba- gagem de mão foi revistada, e a funcionária, seguindo uma praxe, perguntou se tínhamos alguma ar- ma. Ora, meu filho Beto, que era então um garotinho, havia compra- do uma granada de brinquedo, uma “hand grenade”, e achou que deveria mostrá-la: abriu a mochila e lá estava a granada, uma imita- ção perfeita. A funcionária deu um pulo e chamou a segurança do aeroporto. Num instante estávamos cercados por policiais armados. A granada foi examinada; concluíram que não representava perigo, mas exigiram que fosse despachada em separa- do. Com o que conseguimos em- barcar sem maiores problemas. ✦ ✦ ✦ A prisão dos jovens brasileiros mostra que a si- tuação mudou. E mudou por duas razões: em primeiro lugar, por causa dos atentados do 11 de setembro; depois, porque jornalis- tas constataram que a inspeção nos aeroportos era muito precária, e que era possível embarcar trans- portando até armamento pesado. Daí em diante a revista passou a ser minuciosa, ob- sessiva até: uma medida do grau de paranóia que se apossou da so- ciedade americana. Viajar de avião nos Estados Unidos passou a ser uma coisa complicada e freqüente- mente é ultrapassada a tênue divi- sória que separa a precaução – coisa sensata e necessária – da pa- ranóia. É na paranóia que os terro- ristas apostam; eles não estão só interessados em matar pessoas, es- tão interessados em perturbar a vi- da daqueles que consideram seus inimigos. Estão interessados em solapar um poder que não conse- guem enfrentar por outros meios. ✦ ✦ ✦ No caso dos Estados Unidos é muito poder. É poder econômico, é poder político, é poder militar. Mas o poder não neutraliza os enormes problemas que o país enfrenta e que nascem exatamente dessa si- tuação hegemônica. O problema com o poder é saber como exercê- lo. Isto vale para a superpotência e vale também para as pessoas co- muns. Pois o fato é que pagamos por cada migalha de poder que de- temos, inclusive e principalmente em nossas casas. Exemplo: não são poucas as pessoas, especialmente pessoas solitárias, assombradas pela fantasia de que estão sendo enve- nenadas, ou roubadas, pela empre- gada. O escritor austríaco Stefan Zweig tem um conto chamado A Empregada me Rouba, na qual um velho solteirão despede a fiel criada com esta acusação. Como é fácil de imaginar paga-se caro por esta paranóia. Sem um mínimo de confiança nas pessoas é impossível viver e é impossível dei- xar viver: lá pelas tantas jovens es- tão na prisão por causa de uma piadinha tola. O personagem de Zweig dá-se conta disso. Logo percebe que precisa desesperadamente da em- pregada. E então, numa súbita re- viravolta, casa com ela. Seria bom que todas as histórias de paranóia (e de poder) tivessem esse final feliz. Moacyr Scliar [email protected] ZERO HORA 14 DE NOVEMBRO DE 2004 DONNA ZH 9 Nos Estados Unidos, o poder é maior. É econômico, é político, é militar. Mas não neutraliza os imensos problemas que o país enfrenta em várias frentes N Poder & Paranóia

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o fim de semanapassado, dois jo-vens brasileiros fo-ram presos no ae-roporto de Miamidepois de teremfeito uma brinca-deira sobre a pre-sença de bomba na

bagagem. Não foi propriamenteum ato arbitrário; nos aeroportosamericanos existem grandes carta-zes advertindo que gozações dessetipo serão severamente punidas. Enem é uma situação nova. Há anosvivemos uma situação semelhanteno aeroporto de Washington. Na-quela ocasião a ameaça não eramos terroristas suicidas, mas sim osseqüestradores de aviões. Nossa ba-gagem de mão foi revistada, e afuncionária, seguindo uma praxe,perguntou se tínhamos alguma ar-ma. Ora, meu filho Beto, que eraentão um garotinho, havia compra-do uma granada de brinquedo,uma “hand grenade”, e achou quedeveria mostrá-la: abriu a mochilae lá estava a granada, uma imita-ção perfeita.

A funcionária deu um pulo echamou a segurança do aeroporto.Num instante estávamos cercadospor policiais armados. A granadafoi examinada; concluíram que nãorepresentava perigo, mas exigiramque fosse despachada em separa-do. Com o que conseguimos em-barcar sem maiores problemas.

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A prisão dos jovensbrasileiros mostra que a si-tuação mudou. E mudou porduas razões: em primeiro lugar,por causa dos atentados do 11 desetembro; depois, porque jornalis-tas constataram que a inspeçãonos aeroportos era muito precária,e que era possível embarcar trans-portando até armamento pesado.Daí emdiante a

revista passou a ser minuciosa, ob-sessiva até: uma medida do graude paranóia que se apossou da so-ciedade americana. Viajar de aviãonos Estados Unidos passou a seruma coisa complicada e freqüente-mente é ultrapassada a tênue divi-sória que separa a precaução –coisa sensata e necessária – da pa-ranóia. É na paranóia que os terro-ristas apostam; eles não estão sóinteressados em matar pessoas, es-tão interessados em perturbar a vi-da daqueles que consideram seusinimigos. Estão interessados emsolapar um poder que não conse-guem enfrentar por outros meios.

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No caso dos Estados Unidos émuito poder. É poder econômico, époder político, é poder militar. Maso poder não neutraliza os enormesproblemas que o país enfrenta eque nascem exatamente dessa si-tuação hegemônica. O problemacom o poder é saber como exercê-lo. Isto vale para a superpotência evale também para as pessoas co-muns. Pois o fato é que pagamospor cada migalha de poder que de-temos, inclusive e principalmenteem nossas casas. Exemplo: não sãopoucas as pessoas, especialmentepessoas solitárias, assombradas pelafantasia de que estão sendo enve-nenadas, ou roubadas, pela empre-gada. O escritor austríaco Stefan

Zweig tem um conto chamado AEmpregada me Rouba, na qual umvelho solteirão despede a fiel criadacom esta acusação.

Como é fácil de imaginar paga-secaro por esta paranóia. Sem ummínimo de confiança nas pessoas éimpossível viver e é impossível dei-xar viver: lá pelas tantas jovens es-tão na prisão por causa de umapiadinha tola.

O personagem de Zweig dá-seconta disso. Logo percebe queprecisa desesperadamente da em-pregada. E então, numa súbita re-viravolta, casa com ela. Seria bomque todas as histórias de paranóia(e de poder) tivessem esse finalfeliz.

Moacyr Scliar [email protected]

ZERO HORA 14 DE NOVEMBRO DE 2004 DONNA ZH 9

Nos Estados Unidos, o poder é maior.

É econômico, é político, é militar.

Mas não neutraliza os imensos problemas

que o país enfrenta em várias frentes

NPoder & Paranóia

12 DONNA ZH 14 DE NOVEMBRO DE 2004

capa

ZERO HORA

OS HOMENSFORAM À LUTASerá que existe a cantada infalível?Atrás da resposta, Donna ZHconvidou seis homens – Fabrício,Bruno, Thiago, Claiton, Leandro eÁlvaro – para realizar um teste. Ametodologia da prova era simples:cada um dos participantes escolheriapelo menos duas cantadas do livro OMotoboy do Amor. Com as falasdecoradas, o grupo dedicou a noitede um sábado movimentado nobairro Cidade Baixa, em PortoAlegre, para aplicar o repertório dapaquera. Ficou combinado com osseis que a cantada seria incluída nacategoria “funcionou" se a meninaparasse, demonstrasse interesse ousorrisse após a frase. A classificação“não funcionou" serviria paraqualquer atitude de indiferença emrelação à abordagem. O teste foiacompanhado, discretamente, pelorepórter Fabiano Moraes e registradopelo fotógrafo Mário Brasil. Vejacomo eles se saíram.

TESTETE

O barman Thiago em ação:“nenhuma menina teve medo”

FABRÍCIO MOREIRASILVA, 22 anos,estudante de administração

Cantadas escolhidas- Se te admirar fosse pecado, eununca deixaria de pecar.- Com certeza você deve sersimplesmente a mais amada, amais bonita e a mais desejada. - Qual o caminho mais fácil parachegar aos seus lábios?

Depoimento:“No início, fiquei meio desconfiado e

inseguro. Não sou muito de iniciar aconversa com as meninas, muito me-nos usando cantadas ou piadas. Achoque faço o tipo quieto, observador. Euuso abordagens normais, comentárioscomuns no ambiente de noite mesmo.Mas não posso dizer que nunca ireiusar o recurso das cantadas. Eu prefirousar as minhas próprias frases, um pa-po que combine mais com o meu jei-to. Eu e a minha namorada rompemosrecentemente, e talvez por causa dissoeu tenha me sentido um pouco des-confortável com o teste.”

BRUNO SILVA DEOLIVEIRA, 21 anos,promotor de vendas

Cantadas escolhidas- Qual o caminhomais rápido para

chegar aos seus lábios? - Meu nome é Bruno, mas podeme chamar de anjo.

Depoimento:“Foi interessante participar, até para

saber o que está rolando por aí. Acheibem divertido. Quanto às cantadas,dependendo do momento, eu até uso.Tudo vai depender da ocasião, da res-posta da menina. Se ela der entrada,eu aproveito o momento. A primeiracoisa que observo é o olhar. Costumoprimeiro olhar e saber se estou agra-dando. Depois a coisa vai evoluindonaturalmente, sem forçar.”

THIAGO REBELLOBONATTO, 23 anos,barman

Cantadas escolhidas- Por favor, vocêmora na Rua doCastelo? Porque você é a única

princesa que não mora num castelo.- Você conhece o Thiago? Prazer,Thiago.- Você é cardiologista? Porquevocê mexeu com o meu coração.

Depoimento:“Achei legal participar do teste. É

sempre bom perder o medo de conver-sar com pessoas que eu não conheço.Foi diferente – ainda mais usandouma fala que não é minha. Nenhumamenina teve medo. Foi uma experiên-cia bacana. Não costumo passar canta-das. Como trabalho à noite, acabo fi-cando muito exposto e ouço muitacoisa das meninas. Já usei algumas ar-timanhas, mas nada muito agressivo.As cantadas são boas para quem é de-sinibido, e eu sou um pouco acanha-do. Prefiro esperar uma resposta damulher de outra forma, pelo olhar, porexemplo.”

CLAITON MENEZES DESÁ, 23 anos, estudantede arquitetura

Cantadas escolhidas- Você não meconhece, mas eusou o que você quer e tenho o

que você precisa.- Qual é o caminho mais rápidopara chegar aos seus lábios?- Meu nome é Claiton, mas podeme chamar de anjo.

Depoimento:“Me senti à vontade durante o teste,

mas no início fiquei com um pouco devergonha. Achei legal ter participado,vale para quebrar o gelo, descontrair,só isso. Não dá para chegar com umafrase pronta e achar que as mulheres

irão cair. Todos têm essa esperança. Eunão costumo usar cantadas. Mas achoque o homem deve parecer simpáticoe saber avaliar se há uma receptivida-de. O que mais vale, para mim, é o o-lhar. Pelos olhos da mulher dá paraperceber se ela está receptiva ou não.”

LEANDRO PIZONI, 20anos, radialista

Cantadas escolhidas- Você é linda eexuberante. Nosseus olhos há um

brilho maravilhoso e alucinante. - Sabia que você pode ser presa?Porque você roubou o meucoração- Posso exercitar todos osmúsculos sensíveis dos meuslábios com você?

Depoimento:“Foi legal fazer o teste. Acho que até

funciona, mas o homem deve ser cara-dura. Não duvido que o motoboy te-nha pegado todas as mulheres que diz.Eu até uso algumas cantadas, mas nãosão ensaiadas. Eu procuro usar mais omomento, e a brecha é o olhar, queajuda bastante. Uma vez já usei umtexto pronto, mas não funcionou. É,acho que não funciona comigo.”

ÁLVARO GOMIDE, 26anos, analista decomércio exterior

Cantadas escolhidas- Onde há umafarmácia por aqui?

E que venda nebulizador,pois diante da tua presença, fico atésem ar.

- Podes me dar as horas? Podeagora me dar o número do teu

telefone? - Gata, você tem namorado?Posso resolver isso agora?

Depoimento:“No começo do teste eu estava meio

acanhado. Foi uma prova de fogo,mas depois relaxei e fiquei mais à von-tade. Não costumo usar esse tipo derecurso. A cantada é legal para quebraro gelo, transpor as barreiras que aspessoas têm. Acho que as mulheresgostam quando os homens as fazemrir. Nesse ponto, a cantada é válida.Mas eu não uso. Sou mais de conver-sar mesmo.”

D

D

DD

D

DD

D

D

C

C

CC

C C

C

C

FUNCIONOU

NÃO FUNCIONOUCD

Fotos Mário Brasil/ZH