FONTES PRIMÁRIAS DE GALILEU NO ENSINO DE FÍSICA: … · Creio em que o tempo decorrido entre sua...
Transcript of FONTES PRIMÁRIAS DE GALILEU NO ENSINO DE FÍSICA: … · Creio em que o tempo decorrido entre sua...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC CENTRO DE CIÊNCIAS NATURAIS E HUMANAS
Programa de Pós-Graduação de Ensino de Física
Edson Bezerra da Silva
FONTES PRIMÁRIAS DE GALILEU NO ENSINO DE FÍSICA: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO MÉDIO
Santo André – SP 2017
Edson Bezerra da Silva
FONTES PRIMÁRIAS DE GALILEU NO ENSINO DE FÍSICA: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO MÉDIO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MNPEF), polo da Universidade Federal do ABC, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física.
Orientador: Prof. Dr. Breno Arsioli Moura
Santo André - SP 2017
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do ABC Elaborada pelo Sistema de Geração de Ficha Catalográfica da UFABC
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Silva, Edson Bezerra da Fontes Primárias de Galileu no Ensino de Física : Uma
proposta envolvendo Natureza da Ciência para o Ensino Médio / Edson Bezerra da Silva. — 2017.
115 fls. : il.
Orientador: Breno Arsioli Moura
Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal do ABC, Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física – MNPEF, Santo André, 2017.
1. fontes primárias. 2. história da ciência. 3. Galileu Galilei. 4. Ensino Médio. I. Moura, Breno Arsioli. II. Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física - MNPEF, 2017. III. Título.
Dedico essa publicação à minha mãe, Mirtes Bezerra da Silva, por ter investido tanto em mim durante todo meu processo de formação, desde os primeiros anos de meus estudos até os momentos mais difíceis de minha graduação, investindo todos seus recursos para que eu conseguisse me tornar um profissional, não importando a área de minha atuação. Também às minhas duas filhas, Maria Luiza Salotti Silva e Ana Lúcia Salotti Silva que, no momento dessa publicação, ainda não conhecem a dimensão de meu esforço, mas tiveram de abrir mão de muitas atividades em família, acompanhando, mesmo distantes, todas as horas em que me inclinava sobre livros, textos e computador para alcançar essa meta. Por último, mas não menos importante, dedico esse trabalho a meu pai, Luiz Carlos Ferreira da Silva (in memorian), que procurou mostrar o caminho da educação, mesmo algumas vezes por meios tortuosos. Creio em que o tempo decorrido entre sua ausência e o momento dessa concretização não impediram que estivesse comigo, seja para me dar forças quando queria desistir, seja para incentivar quando precisava de uma dedicação maior.
Agradecimentos
Agradeço a meus irmãos e amigos que me mantiveram focado com palavras de
incentivo, sempre acreditando no alcance dessa meta, mesmo que por vários
momentos tenham presenciado meu desejo de finalizar tudo o mais breve possível.
Meus sinceros abraços.
Agradeço também a meu orientador, Prof. Breno Arsioli Moura, por procurar sempre
me mostrar o caminho a seguir em minhas pesquisas e em meus textos, ainda que,
em vários momentos, eu parecesse não acreditar em suas orientações ou
procurasse caminhos equivocados em meus estudos.
“O trabalho docente caracteriza-se pela ação e interação entre sujeitos com vistas à construção de saberes na e para a realidade”.
D. P. Bezerra
RESUMO
Já não é mais novidade no meio educacional a necessidade de aprimorar o ensino
da física, em busca de uma formação de alunos mais críticos em relação ao saber
científico. Isso envolve, entre outras coisas, a introdução de conteúdos históricos
sobre a ciência em sala de aula. Este trabalho apresenta uma proposta de
introdução da história da ciência no ensino de física por meio de atividades
envolvendo fontes primárias. As fontes abarcam os trabalhos de Galileu Galilei no
início do século XVII, em meio às discussões sobre qual sistema de mundo era o
verdadeiro, o geocêntrico – aceito amplamente até então – ou o heliocêntrico,
proposto por Nicolau Copérnico décadas antes e defendido por Galileu. A proposta,
construída após um aprofundamento na historiografia moderna da ciência, busca
contemplar professores e demais interessados que desejem trabalhar aspectos
introdutórios sobre o geocentrismo e o heliocentrismo, bem como acerca da
relevância dos trabalhos de Galileu para o desenvolvimento da ciência moderna.
Palavras-chaves: Ensino de física, fontes primárias, história da ciência, natureza da
ciência.
ABSTRACT
It is no longer new the necessity to improve physics teaching, towards an education
that foster a more critical view on the scientific knowledge by the students. This
implies, among other things, the introduction of historical content about science in
classroom activities. This dissertation presents a proposal to introduce historical
content in physics classes from the use of primary sources. The sources comprehend
the works of Galileo Galilei at the beginning of the seventeenth-century, in the middle
of the discussions on which system of world was true, the geocentric – widely
accepted at that time – or the heliocentric, proposed by Nicolaus Copernicus
decades before and adopted by Galileo. The proposal was elaborated from a deep
immersion of the current standarts of modern historiography of science and aims to
offer to teachers and other public resources to discuss geocentrism and
heliocentrism, as well as the relevance of Galileo to the development of modern
science.
Keywords: Physics teaching, primary sources, history of science, nature of science.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Capa da obra Sidereus Nuncius, de Galileu Galilei, de 1610 ................... 30
Figura 2 - Capa da obra Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas de Mundo, de
1632 ......................................................................................................... 31
Figura 3 - Exemplo de modelo geocêntrico .............................................................. 73
Figura 4 - A órbita de um planeta em um epiciclo .................................................... 74
Figura 5 - Modelo heliocêntrico de Copérnico............................................................75
Figura 6 - Ilustração da Lua feita por Thomas Harriot, em 1609 ............................... 77
Figura 7 - Ilustrações feitas por Galileu da Lua ........................................................ 78
Figura 8 - Ilustração utilizada para descrição do processo de obtenção da altura
de montanhas lunares .............................................................................. 79
Figura 9 - Ilustrações feitas por Galileu para tentar evidenciar a existência de água
na superfície lunar .................................................................................... 81
Figura 10 - Registro da observação de Galileu do planeta Júpiter no dia 07 de
janeiro de 1610......................................................................................... 83
Figura 11 - Registro da observação de Galileu do planeta Júpiter no dia 08 de
janeiro de 1610......................................................................................... 83
Figura 12 - Ilustração indicando planeta Júpiter e as estrelas observadas e as
estrelas observadas no dia 11 de janeiro de 1610 .................................... 83
Figura 13 - Ilustração referente à explicação de Galileu sobre o movimento
retrógrado dos planetas ........................................................................... 95
Figura 14 - Ilustração de Galileu que indica a visualização dos anéis de Saturno
e das fases de Vênus .............................................................................. 98
Figura 15 - Imagem da Terra vista do espaço .........................................................107
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.3
2 A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA ............................................ 16
2.1 O CONTEXTO ATUAL DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA .................. 16
2.2 A UTILIZAÇÃO DE FONTES PRIMÁRIAS NO ENSINO ............................................ 18
2.3 AS DISTORÇÕES HISTÓRICAS EM ABORDAGENS SOBRE HC E NDC ..................... 20
2.4 ENXERGANDO OBSTÁCULOS NA IMPLANTAÇÃO ............................................... 23
3 A ESCOLHA POR GALILEU GALILEI ................................................................. 25
3.1 OS MODELOS HELIOCÊNTRICO E GEOCÊNTRICO .............................................. 25
3.2 A ESCOLHA DE GALILEU GALILEI COMO REFERÊNCIA ........................................ 26
3.3 BREVE RELATO SOBRE SIDEREUS NUNCIUS (1610) ......................................... 30
3.4 BREVE RELATO SOBRE O DIÁLOGO SOBRE OS DOIS MÁXIMOS SISTEMAS DO
MUNDO PTOLOMAICO E COPERNICANO (1632) ............................................... 31
4 A PROPOSTA ..................................................................................................... 34
4.1 LEVANTAMENTO PRÉVIO DOS CONHECIMENTOS DOS ALUNOS ........................... 35
4.2 BIOGRAFIA DE GALILEU GALILEI ..................................................................... 36
4.3 ANÁLISE DA OBRA SIDEREUS NUNCIUS (1610) ............................................... 37
4.4 ANÁLISE DA OBRA DIÁLOGO SOBRE OS DOIS MÁXIMOS SISTEMAS DO MUNDO
PTOLOMAICO E COPERNICANO (1632) ........................................................... 39
5 APLICAÇÃO DO PRODUTO .................................................................................42
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 51
PRODUTO ............................................................................................................... 58
APRESENTAÇÃO ............................................................................................... 59
1 LEVANTAMENTO DOS CONHECIMENTOS PRÉVIOS ............................................... 61
1.1 Perguntas para levantamento dos conhecimentos prévios ................ 61
1.2 Considerações finais sobre o levantamento dos conhecimentos
prévios ............................................................................................. 64
2 BIOGRAFIA DE GALILEU E O INÍCIO DO PROCESSO DE CONDENAÇÃO ..................... 66
3 SIDEREUS NUNCIUS - MENSAGEIRO OU MENSAGEM DAS GALÁXIAS? ..................... 70
3.1 A observação da Lua ........................................................................ 76
3.2 As luas de Júpiter ...............................................................................82
3.3 Considerações finais sobre o Sidereus Nuncius ................................86
4 DIÁLOGOS SOBRE OS DOIS MÁXIMOS SISTEMAS DO MUNDO PTOLOMAICO E
COPERNICANO ............................................................................................... 89
4.1 Introdução ......................................................................................... 89
4.2 O fenômeno das marés ......................................................................91
4.3 As suposições de Galileu acerca dos movimentos dos planetas ......94
5 OUTROS TEXTOS ........................................................................................... 98
5.1 As hipóteses de Galileu sobre as fases de Vênus ............................. 98
5.2 A condenação de Galileu Galilei ......................................................101
6 OUTRAS ATIVIDADES .................................................................................... 106
6.1 Atividade I - Evidência de água na Lua ........................................... 106
6.2 Atividade II - As luas de Júpiter ........................................................107
6.3 Atividade III - O fenômeno das marés ..............................................110
6.4 Atividade IV - As fases de Vênus .....................................................111
7 ENCERRAMENTO DA PROPOSTA ..................................................................... 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO PRODUTO .................................................... 115
13
1 INTRODUÇÃO
O ensino de física, nos últimos anos, tem se deparado com uma necessidade
de revolução, tanto na mentalidade e na forma de ensinar dos professores, quanto
na confecção de materiais que atendam a uma diferente perspectiva de ensino. A
ideia de construir um novo ensino de física não é essencialmente original. Por
exemplo, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) já indicavam esse viés:
Espera-se que o ensino de Física, na escola média, contribua para a
formação de uma cultura científica efetiva, que permita ao indivíduo a interpretação dos fatos, fenômenos e processos naturais, situando e dimensionando a interação do ser humano com a natureza, como parte da própria natureza em transformação. Para tanto, é essencial que o conhecimento físico seja explicitado como um processo histórico, objeto de contínua transformação e associado às outras formas de expressão e produção humanas (BRASIL, 2002, p. 22).
Além disso, ainda são apontados os seguintes objetivos correspondentes ao
ensino de física nos PCN:
• Compreender o conhecimento científico e tecnológico como resultados de
uma construção humana, inseridos em um processo histórico e social;
• Compreender a ciência e a tecnologia como partes integrantes da cultura
humana contemporânea;
• Reconhecer e avaliar o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, suas
relações com ciências, seu papel na vida humana, sua presença no mundo
cotidiano e seus impactos na vida social;
• Reconhecer e avaliar o caráter ético do conhecimento científico e tecnológico
e utilizar esses saberes no exercício da cidadania. (BRASIL, 2002, p. 67).
Por meio desses aspectos, percebe-se uma valorização recorrente do viés
histórico no ensino, o que é ainda mais evidente no seguinte trecho:
Um tratamento didático apropriado é a utilização da história e filosofia da ciência para contextualizar o problema, sua origem e as tentativas de solução que levaram à proposição de modelos teóricos, a fim de que o aluno tenha noção de que houve um caminho percorrido para se chegar a esse saber (BRASIL, 2002, p. 50).
Porém, a importância da história da ciência no ensino não implica em sua fácil
aplicação em situações de sala de aula. Parece ainda faltar aos professores, entre
14
outros pontos, uma vivência maior com temas da histórica da física, e da ciência de
maneira geral, bem como materiais didáticos que proporcionem um diálogo entre
uma análise historiográfica e o conteúdo programático a ser lecionado (HÖTTECKE
e SILVA, 2010).
As dificuldades supracitadas acabam, muitas vezes, por levar os professores
de física da educação básica a banalizar o ensino, desenvolvendo os conceitos com
base em utilização de fórmulas, situações artificiais e uma resolução mecânica de
exercícios repetitivos. A apresentação da construção do conhecimento científico é
colocada como um pano de fundo, ou introdução rápida ao que se quer ensinar, sem
mostrar todo o desenvolvimento científico anterior àquela formulação teórica e nem
suas consequências históricas. (BOSS, SOUZA FILHO e CALUZI, 2011). No caso
específico da utilização de fontes primárias da história da ciência em sala de aula,
seu uso ainda é raro pelos professores. Grande parte simplesmente desconhece a
existência desse tipo de material ou apenas o utiliza de forma meramente ilustrativa
e não com uma visão investigativa, com a finalidade de mostrar os processos de
construção de conhecimento científico (BATISTA et al., 2015).
Boss, Souza Filho e Caluzi (2011) apresentaram uma pesquisa qualitativa na
qual se destacam dificuldades apresentadas por licenciados em física com relação à
leitura e ao entendimento de traduções de fontes primárias. Neste trabalho, na
primeira fase, foi apresentado um tópico com a tradução do primeiro artigo de Jean-
Baptiste Biot (1774-1862) e Félix Savart (1791-1841) sobre eletromagnetismo, sem
comentários, e os alunos realizaram uma leitura e responderam perguntas sobre o
assunto abordado no texto. Na segunda fase, foi utilizado um excerto da quarta
memória de Charles François De Cisternay Du Fay (1698-1739), traduzido e
comentado pelos autores, e foi feita uma pergunta sobre o entendimento do texto.
Segundo a análise final da pesquisa, em geral, as dificuldades apresentadas
estavam vinculadas ao vocabulário desconhecido, ao estilo da escrita, à descrição
dos aparatos e aos experimentos dos textos.
Nesse trabalho, apresentamos uma proposta para o ensino médio baseada
na inserção de fontes primárias de Galileu Galilei, a fim de subsidiar discussões
sobre natureza da ciência. A discussão desenvolve-se nos próximos capítulos,
sintetizados a seguir.
15
No capítulo 2, é exposto um panorama atual a respeito da inserção de
aspectos da história e filosofia da ciência e da natureza da ciência. Além disso,
apresentamos um apanhado de alguns trabalhos recentes sobre história e filosofia
da ciência, extraídos de publicações específicas de física e ensino, com suas
principais ideias e discussões, consideradas relevantes de acordo com estudos e
parâmetros vigentes no ensino de ciências. Em seguida, descrevemos um panorama
sobre o emprego de fontes primárias na educação básica e um breve relato de
pesquisas e estudos sobre essa utilização e a importância desse tipo de trabalho,
em consonância com o estudo da história e filosofia da ciência. Enfim, são citados
os principais problemas ou distorções históricas que podem ocorrer em uma
abordagem sobre a história da ciência, destacando-se as principais ocorrências de
do uso inadequado de fontes primárias e estudos biográficos a respeito de Galileu
Galilei.
São retratados, no capítulo 3, os motivos da escolha de Galileu Galilei como
personagem principal dessa proposta, tendo como foco central a discussão de
sistemas de mundo. Evidenciam-se também os fatores da escolha de duas obras do
filósofo italiano (Sidereus Nuncius e Diálogo sobre os dois máximos sistemas do
mundo) para a extração de trechos que abordem a evolução da discussão de
sistemas planetários no século XVII, bem com suas respectivas importâncias para a
ciência de forma geral e para a vida de Galileu.
No capítulo 4, é feita uma apresentação preliminar do produto desenvolvido a
partir dessa pesquisa de mestrado. A conclusão no capítulo seguinte traz reflexões
gerais sobre todo o trabalho realizado. No anexo, é apresentado o produto resultante
da pesquisa.
16
2 A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA
2.1 O contexto atual da história da ciência no ensino de física
Atualmente, existem no meio acadêmico diversos trabalhos sobre a
importância da inserção da história da ciência no processo de ensino-aprendizagem.
Por esse ponto de vista, é desejável que, ao ensinar um conhecimento científico,
também se aborde o contexto histórico em que ele foi produzido. A inserção da
história da ciência é recomendada na educação como uma estratégia que permite
ampliar a cultura do aluno e possibilita uma reflexão crítica sobre a ciência como um
produto dinâmico do conhecimento humano, desenvolvida por indivíduos em um
determinado contexto cultural e histórico (FORATO, 2009).
Há vários trabalhos sobre HC no ensino e alguns merecem ser destacados.
Monteiro e Martins (2015) apresentaram uma sequência didática sobre o conceito de
inércia por meio de uma discussão histórica sobre a evolução do conceito físico com
alunos da graduação em física e geofísica da UFRN, evidenciando a possibilidade
de se discutirem conceitos físicos com abordagem historiográfica. O trabalho
apresenta dois textos para atividades em sala de aula, sendo um deles a história da
inércia, de Aristóteles à teoria do impetus, e o segundo sobre o mesmo assunto,
mas passando por Galileu, Descartes e Newton. Ao final, são expostos os resultados
provenientes da aplicação da proposta aos alunos.
Martins (2007) investigou as principais dificuldades e experiências sobre o
uso de história da ciência para fins didáticos com professores da educação básica.
Conforme exposto em seu artigo, a simples inserção de elementos históricos e
filosóficos na formação inicial dos professores das áreas científicas não consegue
garantir que esses conhecimentos cheguem às salas de aula da educação básica.
Ainda para o autor, as principais dificuldades na implantação de uma proposta que
envolva história da ciência em ensino estão na falta de material pedagógico
adequado, além de dificuldades em leitura e interpretação de textos por parte dos
alunos. Também se destacam exigências educacionais relativas a aprovações em
vestibulares, restringindo o trabalho dos profissionais da educação quando se trata
17
de uma proposta educacional mais abrangente e voltada à discussão de aspectos
que refletem o desenvolvimento do saber científico ao longo dos anos.
Martins (2005) abordou a escolha de temas adequados de pesquisa, dos tipos
de fontes de história da ciência, chegando à conclusão de que a prática e o tempo
levam à evolução de como se pesquisar com viés histórico. A autora também afirma
que, para uma proposta mais adequada, deve-se delimitar o assunto da pesquisa
para ele não se tornar muito abrangente, garantindo assim um domínio maior do
pesquisador sobre um conteúdo específico. Também aponta a relevância da escolha
entre os diversos tipos de fontes de pesquisa, sejam elas primárias ou secundárias.
A aproximação aos originais das publicações (fontes primárias), segundo a autora,
pode garantir uma fidelidade maior do trabalho. .
Vilas Boas et al. (2013) apresentaram um levantamento bibliográfico do
período de 1996 a 2010, apontando um consenso a respeito da importância da
inserção de discussões que envolvam história e natureza da ciência,
comparativamente a décadas anteriores, quando havia divergências a respeito
dessa abordagem. Desde a década de 1960, já se debatia a necessidade da
inserção de história da ciência no ensino e os grupos eram divididos entre os
defensores dessa inserção e os contrários, ambos com bons argumentos. Segundo
Matthews (1995), a inserção deve apontar para um entendimento da ciência como
uma construção humana ao longo da história. O fim dessa discussão forneceu
embasamento para um aumento na produção textual voltada para o tema e ainda
há, no artigo, um levantamento bibliográfico de periódicos nacionais comprovando a
inexistência de argumentos contrários à essa ideia.
Matthews (1995) investigou o uso e os argumentos favoráveis à inserção da
história e filosofia da ciência no ensino básico, levantando e contestando opiniões
contrárias a essa abordagem. O autor aponta que a história, a filosofia e a sociologia
da ciência podem humanizar o estudo das disciplinas relacionadas (física, química e
biologia), aproximando-as de interesses pessoais e culturais da sociedade,
superando a visão de que a física, por exemplo, seria uma sequência de aplicações
de fórmulas e equações na resolução de problemas.
Rodrigues Junior, Luna e Hygino (2015) fizeram uma revisão da literatura
sobre implicações didáticas de história da ciência no ensino de física entre 2010 e
2014, com enfoque em uso de fontes primárias, estudos de caso histórico,
18
atividades de dramatização, experimentos históricos, biografias de cientistas e
análise de conteúdos de história da ciência nos livros didáticos. Eles identificaram 36
artigos que utilizavam essas estratégias de ensino. Conforme os autores, o ensino
na disciplina de física nas escolas ainda está embasado no uso fragmentado de
fórmulas matemáticas, sem a apresentação da origem dessas expressões
matemáticas e dos contextos social, político, econômico e cultural em que foram
produzidas. Entre as razões para isso, destacam-se a carência de materiais
didáticos de história da ciência e a falta de formação específica dos professores da
área para uma contextualização histórica da disciplina.
Esses exemplos, dentre vários disponibilizados em periódicos da área,
demonstram que é reconhecida a importância dos conteúdos históricos para
aprimorar o ensino, mas há obstáculos a serem superados, dentre eles, a falta de
material específico para trabalhar com esse viés em sala de aula.
2.2 A utilização de fontes primárias1 no ensino
São notáveis entre pesquisadores de história da ciência (HC) e ensino as
dificuldades a respeito da utilização de fontes primárias. Essas dificuldades estão,
por exemplo, na localização de materiais adequados para a utilização, na
interpretação e compreensão de trechos originais escolhidos e na elaboração de
atividades que apresentem interesse pedagógico (BOSS, SOUZA FILHO e CALUZI,
2011).
De acordo com Briccia e Carvalho (2011), textos históricos em sala de aula
permitem problematizar visões inadequadas da ciência e são importantes para a
percepção da ciência como produção humana, não como algo individualista e
algorítmico. Porém, os desafios interpostos à utilização de fontes primárias em sala
de aula podem ocasionar uma diminuição na elaboração de propostas que visem a
atingir esses objetivos. Do ponto de vista dos professores, há problemas na seleção
adequada de textos, principalmente em relação à forma como estão escritos, com,
muitas vezes, uma linguagem distante à utilizada nos dias atuais. Interpretar,
1 Fontes primárias são definidas como obras de um filósofo ou cientista, bem como as obras do respectivo período em que viveu o filósofo em estudo. Livros ou artigos historiográficos recentes sobre o indivíduo ou sua época são consideradas fontes secundárias (MARTINS, 2005).
19
portanto, documentos históricos não é atividade simples, nem mesmo para
historiadores da ciência.
Boss, Souza Filho e Caluzi (2011) apontam para outra dificuldade,
relacionada ao fato de que as fontes primárias apresentam complexidade elevada,
comprometendo sua leitura e entendimento por parte dos estudantes. Desse modo,
segundo esses autores, seria necessária a elaboração de materiais históricos mais
adequados para a utilização em sala de aula. Os autores apontam que dificuldades
de compreensão de fontes primárias podem ocorrer até entre historiadores mais
experientes no assunto e indicam algumas sugestões para amenizar as dificuldades
para docentes e discentes no uso desse tipo de material:
• Comentários em forma de notas sobre aspectos importantes devem ser
destacados no estudo e na leitura das fontes;
• Figuras ilustrativas facilitam o entendimento do assunto ou dos experimentos
a serem estudados;
• Sugestões de experimentos históricos com material de baixo custo, simulando
o assunto discutido pelas fontes;
• Uma breve biografia do autor do texto traduzido;
• Uma linha do tempo, posicionando o artigo em estudo com o período em que
ele foi realizado;
• Algumas informações introdutórias a respeito da fonte e do autor, associando
as informações sobre esses fatos com o contexto histórico do período em
questão.
A pesquisa de Boss, Souza Filho e Caluzi (2011) alinha-se com o que já havia
sido discutido em vários outros artigos, principalmente com o de Forato, Pietrocola e
Martins (2011), ao afirmarem a necessidade de se selecionar um trecho inteligível ao
aluno, despertar nele algum interesse, e não ser demasiado longo do ponto de vista
do nível de escolaridade em questão. Por esses motivos, apesar de toda a
potencialidade da utilização de fontes primárias na educação, ainda é rara a
presença de textos históricos originais em livros didáticos (BATISTA, MOHR e
FERRARI, 2007). Ainda existem lacunas em atividades que envolvam interpretação
histórica dessas fontes, além de meras ilustrações e notas introdutórias a conceitos
que devem ser ensinados.
20
É importante, então, a utilização didática de fontes primárias da história da
ciência visando à compreensão da construção do conhecimento científico. Esse uso
permite discutir as motivações dos pesquisados, bem como todo o processo de
construção de suas ideias e as influências sofridas por eles (FONSECA et. al.,
2017).
2.3 As distorções históricas em abordagens sobre HC e NdC
Apesar de toda a pesquisa sobre a aplicação da HC e NdC em sala de aula,
ainda existem narrativas não adequadas, versões distorcidas ou abordagens
superadas sobre a história da ciência. Vários trabalhos sobre o assunto apontam
que, “ainda não intencionalmente, uma falsa história transmite uma falsa visão sobre
a natureza da ciência” (FORATO, 2009, p. 13).
Quando se trata da contextualização histórica e do estudo da vida de Galileu
Galilei, é possível deparar-se com diversos aspectos tratados como verdadeiros,
levando a falhas de interpretação do período e da influência sofrida ou exercida pelo
filósofo. Há também pseudo-histórias a respeito de frases ditas por Galileu e
transformação de sua figura, com aumento de suas diferenças contra a igreja ou em
relação ao pensamento científico em vigor no início do século XVII.
Galileu, em diversas obras e livros didáticos, é colocado como um empirista.
Essa concepção é embasada pelo pensamento de que Galileu teria rompido com a
tradição reinante da igreja aristotélica ao se opor a um método baseado na
observação e no experimento para se obter o conhecimento, denominado método
científico. Essa visão empirista do filósofo, apesar de não encontrar repercussão nos
dias atuais entre historiadores, ainda é dominante dentro das salas de aula. Dessa
maneira, ainda se observam, em textos didáticos, referências de que Galileu teria
alcançado, indutivamente, suas leis mais conhecidas por meio de experimentos. As
polêmicas históricas em que Galileu envolveu-se, como sua condenação e
abjuração, e suas importantes publicações geraram um grande número de
pesquisas e estudos a seu respeito, ocasionando diversidades de perspectivas
sobre a obra e a vida do filósofo (ZYLBERSZTAJN, 1998).
21
Para tanto, o professor, visando um tratamento adequado da construção do
conhecimento científico, deve precaver-se para que erros históricos ou exageros de
feitos ou fracassos não influenciem na concepção científica a ser construída com
seus alunos. Não é possível tornar todo professor um pesquisador ou um historiador
ou filósofo da ciência. Porém, é desejável que ações ajudem a apoiá-lo em suas
práticas docentes, fornecendo base para que consiga identificar narrativas
distorcidas da história da ciência, selecionando materiais mais adequados para o
trabalho com os alunos. De acordo com Allchin (2013), o educador deveria entender
as distorções comuns, pelo menos por meios de alguns exemplos, para poder
reconhecer um texto histórico problemático.
A distorção histórica mais comum é o anacronismo, quando se interpretam e
julgam os acontecimentos históricos de um período com valores, ideias e crenças de
outras épocas, analisando o passado com o ponto de vista do presente. O
anacronismo pode ser ocasionado por desconhecimento historiográfico ou
desconhecimento de versões mais adequadas feitas pelos especialistas.
O whiguismo2 é um tipo especial de anacronismo, que narra acontecimentos
históricos com o propósito de afirmar autoridade de grandes pensadores. Na história
da ciência, esse tipo de visão anacrônica transforma uma personalidade histórica em
herói, batizando-o como pai de algum invento ou campo de estudo, desconsiderando
toda a complexidade existente no fazer científico. Um exemplo dessa visão
anacrônica é a consideração de Galileu como o pai da ciência moderna,
desprezando toda a construção do conhecimento ou o trabalho de outros filósofos
contemporâneos.
Allchin (2013) utiliza o termo hagiografia como um tipo especial de
whigguismo, na ocorrência de uma romantização de certos pensadores da ciência
do passado como “heróis”, sobrevalorizando aspectos específicos de suas
contribuições. Esse tipo de anacronismo geralmente enfatiza aspectos favoráveis da
vida do cientista e descreve seus adversários como “vilões”. Essa perspectiva omite
os erros do cientista, santificando os seus atos e sua vida. Desse modo, o professor
2 “A denominação whiguismo teve origem na Grã-Bretanha entre as décadas de 1970 e 1980, utilizada pelos historiadores da ciência, inspirada na prática de um partido político que moldava a história com a finalidade de substanciar o próprio poder. O termo whig começou a ser usado por historiadores ingleses no início do século XX para romantizar e heroificar instituições inglesas” (FORATO, 2009, p. 20).
22
pode deparar-se, em algumas publicações ou nas concepções de seus alunos, com
a imagem de Galileu em forma de um “herói” na luta contra a igreja católica,
representada como uma “vilã”.
Existe também dentro do anacronismo a reconstrução racional de episódios
históricos da ciência. Essa distorção é ocasionada por uma seleção racional de
períodos anteriores a fatos que contribuíram para o desencadeamento da criação de
teorias ou conceitos científicos aceitos pela ciência de hoje. Tal deformidade
provoca uma visão equivocada de que todas as etapas ocorrem de maneira
organizada, como um encadeamento lógico que fatalmente aconteceria, com
resultado quase previsível. Com essa visão, qualquer estudioso certamente
conseguiria atingir seu objetivo de pesquisa seguindo fielmente cada um dos passos
de maneira organizada e metódica.
Esses problemas ou distorções ocasionam relatos que destacam fatos de
maneira linear, sem rupturas e controvérsias e qualquer elemento cultural contrário
às ideias às quais se pretende atingir, ignorando completamente fatores externos
desfavoráveis à evolução do pensamento científico. A ciência evoluiria
impreterivelmente e linearmente, sem qualquer influência social ou humana
(FORATO, 2009, p. 21).
Allchin (2013) afirma que é importante o pesquisador/educador reconhecer a
pseudo-história, estando alerta para os seus principais indícios:
• Relatos romantizados;
• Personagens perfeitas;
• Descobertas monumentais e individuais;
• Insight tipo “eureca”;
• Apenas experimentos cruciais;
• Senso do inevitável, trajetória óbvia;
• Retórica da verdade versus ignorância;
• Ausência de qualquer erro;
• Interpretação não-problemática de evidências;
• Simplificação generalizada das evidências;
• Conclusões sem influências ideológicas.
23
Em geral, essas descrições não fazem uma abordagem contextualizadas e
deixam de mencionar aspectos relevantes, como:
• Ambiente cultural ou social;
• Contingências humanas;
• Ideias antecedentes;
• Ideias alternativas;
• Aceitação acrítica de novos conceitos.
As distorções históricas, de maneira geral, podem trazer prejuízo sob o ponto
de vista científico recomendável. Ao tratar de Galileu, o professor deve estar atento
para que os “pré-conceitos”, ou o senso comum, trazidos pelos alunos não sejam
tratados como verdadeiros. Também se deve atentar para que uma visão mitificada
do filósofo não seja transmitida, como se Galileu fosse o único cientista a lutar por
uma visão científica e experimental mais adequada, em contraponto ao pensamento
aristotélico vigente no século XVII.
2.4 Enxergando obstáculos na implantação
Ocorrem também problemas na implantação de estruturas pedagógicas
coerentes na abordagem de HC e NdC em sala de aula e esse fato é fonte de
pesquisa constante no meio científico. Höttecke e Silva (2010) destacam alguns dos
obstáculos na utilização dessa abordagem, por exemplo, a falta de preparo dos
professores, em geral, para essa transcrição histórica de maneira correta, sem riscos
de ensinar HC de maneira equivocada. Em um artigo de Drummond et al. (2015),
com conjunto de narrativas históricas (textos histórico-pedagógicos) para serem
utilizadas na educação básica, partiu-se do tema da gravidade para sua
fundamentação histórica, discutindo a forma com que o conceito foi pensado na
revolução científica, sinalizando suas continuidades e rupturas.
Em alguns casos, os livros didáticos abordam a HC apenas em momentos
introdutórios aos assuntos científicos, eventualmente como uma anedota ou um
pequeno texto com a biografia do cientista em forma de tópicos, de pouca relevância
para uma abordagem coerente e significativa de HC e NdC. Outra questão sobre o
24
ensino de HC na educação básica está vinculada à resistência dos docentes em
aceitar a implementação de algo diferente do usual em suas metodologias de
trabalho. O ensino de HC e NdC faz parte, ainda, de uma metodologia relativamente
nova e requer um preparo diferente, em muitos casos, do que os profissionais da
educação tiveram no campo universitário (HÖTTECKE e SILVA, 2010, p. 294).
Segundo Martins (2007), para alguns profissionais, o ensino de HC é tratado
como algo “extra”, fora do currículo obrigatório e, assim, deve ser trabalhado
separadamente do conteúdo usual. Também ocorre a justificativa do tempo escasso
de trabalho em sala de aula e, com isso, a preferência de uma visão mais tradicional
do ensino.
As exigências educacionais atuais referentes ao ensino de física, de acordo
com documentos oficiais em vigor, apontam sempre para necessidade de se ensinar
não apenas o “produto” da ciência, mas sim o “processo” do desenvolvimento do
raciocínio científico, bem como as influências socioculturais durante o desenvolver
do produto científico (BATISTA et al., 2015). Um fator a se observar na elaboração
de uma proposta tradicional de trabalho com a física na educação básica, apontada
por Boss (2009), é a banalização do ensino em geral, com a impressão passada aos
estudantes de que sua aprendizagem deve basear-se em decorar conceitos e
aplicações de fórmulas de maneira praticamente desarticulada e sem significado
para eles. O ensino, apresentado dessa forma, resume-se a um processo mecânico
de resolução de exercícios repetitivos, automatizando a memorização simples, sem
se construir significativamente o conhecimento.
A inserção de tópicos da HC e das NdC no processo de ensino-aprendizagem
de física é um incentivador à construção significativa do conhecimento dos alunos,
pois pode funcionar como um desencadeador da compreensão de um conteúdo
específico, através de uma análise conceitual. O aluno consegue perceber, por meio
dessa abordagem, como se constrói um conceito físico, sua elaboração e a quais
perguntas eram respondidas no momento de sua formulação, além das influências
socioculturais envolvidas em todo o seu desenvolvimento.
25
3 A ESCOLHA POR GALILEU GALILEI
Esse trabalho tem como ponto principal apresentar uma proposta com base
na utilização de fontes primárias em sala de aula, a fim de trabalhar conceitos de
natureza da ciência. Partindo dessa premissa, escolheu-se um tema que pudesse
ser considerado um provável marco no desenvolvimento da física, a fim de despertar
uma curiosidade inicial nos estudantes. Diante de tais pressupostos, foram
escolhidos o tema, personagem e obras seguintes:
• TEMA: Estudo da evolução dos modelos planetários durante o século XVII;
• PERSONAGEM: Galileu Galilei;
• OBRAS: Mensageiro das Estrelas (Sidereus Nuncius)3, de 1610, e Diálogo
sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano
(Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo), de 1632.
3.1 Os Modelos Heliocêntrico e Geocêntrico
Nos materiais didáticos para ensino fundamental, de maneira geral, os
modelos heliocêntrico e geocêntrico são expostos de maneira simplificada e
retomados de forma um pouco mais abrangente no ensino médio, servindo de início
para o estudo da Gravitação Universal, de Isaac Newton (1643-1727). Em algumas
obras, a citação dos dois modelos serve apenas para uma introdução às leis de
Kepler, com breves comentários ou uma biografia rápida de Johannes Kepler (1571-
1630). Apesar de a discussão sobre os dois modelos planetários ser relevante para
o aluno, representando um provável entendimento parcial da evolução do
pensamento científico, a urgência em se apresentar a lei da gravitação de Newton
pode reduzir a um tempo ínfimo pontos importantes da evolução da física e, enfim,
da ciência.
3 A tradução de Sidereus Nuncius é motivo de estudo e discussão entre tradutores ao longo dos anos. Segundo Leitão (2010), Galileu teve a intenção de utilizar Mensagem como tradução, mas nunca se opôs ao fato de terem traduzido como Mensageiro. Nesse trabalho, optou-se pela utilização de Mensageiro, utilizando a mesma escolha feira por Edward Stafford Carlos, Stillman Drake, Albert Van Helden nas traduções em inglês e Leitão, na tradução portuguesa da obra.
26
Pesquisas realizadas em importantes periódicos sobre ensino de física
indicam que não há muitos trabalhos publicados nos quais os modelos planetários
são discutidos do ponto de vista histórico. Em um deles, há uma discussão acerca
da utilização de duas questões do Enem sobre a revolução copernicana e os
resultados extraídos dos relatórios da equipe responsável pela prova (ANDRADE,
2005), sem qualquer relação com a sala de aula.
Outros trabalhos analisam pesquisas feitas por Galileu na área da mecânica,
principalmente na área da cinemática. Francisquini et al. (2014) fizeram um
experimento e um vídeo para demonstrarem o paradoxo cinemático sobre corpos
em queda livre na obra Duas Novas Ciências. O artigo faz poucas referências ao
caráter histórico do experimento, o que pode tornar sua utilização como ferramenta
sobre história da ciência insuficiente sob esse ponto de vista. Soares e Borges
(2010) propõem uma consideração sobre o trabalho de laboratório realizado em um
projeto de ensino em que a história da ciência foi usada como mediadora na
construção de aprendizagem a respeito do conceito de movimento. Os autores
sugeriram, após uma discussão dos aspectos históricos relativos à concepção de
movimento, que os estudantes realizassem experimentos comparando as ideias
discutidas. Desse modo, observam-se uma forte evidência de necessidade
experimental em laboratório e uma abordagem histórica muito breve, demonstrando
que a publicação não constitui um trabalho sobre história da ciência essencialmente.
Não foram encontradas pesquisas ou propostas efetivas de aplicação em sala
de aula de uma visão historiográfica acerca de Galileu Galilei e a interligação com
modelos planetários, tornando essa discussão muito produtiva para a elaboração de
uma nova metodologia de trabalho pedagógico.
3.2 A escolha de Galileu Galilei como referência
Galileu Galilei (1564-1642), filósofo italiano nascido em Pisa, fez pesquisas
sobre a natureza com implicações importantes para o estudo da física. Construiu um
telescópio e conseguiu fazer observações que apoiaram o sistema heliocêntrico de
Nicolau Copérnico (1473-1543). Galileu foi acusado de defender valores contrários
às crenças da Igreja Católica na época e condenado à prisão domiciliar pelo tribunal
27
do Santo Ofício em 1633, mesmo depois de ter abjurado suas teorias. Teve suas
obras colocadas no Index de livros proibidos e ficou impedido de fazer novas
publicações. Somente no século XX, precisamente em 1992, o papa João Paulo II
expressou arrependimento sobre a divergência entre a igreja Católica e Galileu,
absolvendo-o.
Dentre todos os conceitos físicos aos quais Galileu dedicou-se, são
destacados os seguintes:
• Movimento Uniforme: Galileu estudou a relatividade do movimento dos
corpos, concluindo que o conceito de repouso depende do referencial
adotado, estabelecendo o chamado Princípio da Relatividade Galileana,
segundo o qual as leis físicas são as mesmas para observadores em
movimento relativo uniforme, quando o espaço e o tempo são considerados
independentes entre si e absolutos. Um exemplo desse princípio pode ser
feito mentalmente, com uma pessoa no meio de um vagão de 100 metros de
comprimento, disparando dois projéteis e elásticos a uma velocidade de 10
m/s, em direções opostas. Segundo Galileu, se esse experimento fosse
realizado com o trem em movimento ou em repouso, em nada influenciaria o
tempo decorrido para os projéteis colidirem com a parede do vagão e
retornarem o disparador e ambos o atingiriam ao mesmo tempo.
• Movimento dos projéteis: o filósofo elaborou uma série de estudos sobre a
queda livre dos corpos, estabelecendo as equações básicas do movimento
uniformemente acelerado, para o caso específico da queda livre. Conseguiu,
após estudo dos movimentos desses projéteis, perceber que, na ausência de
fatores resistivos causados pelo ar, a trajetória dos mesmos deveria ser
parabólica.
• Movimento do Pêndulo Simples: durante os experimentos sobre movimento
dos corpos, Galileu tentou diversas formas de medir o tempo de
deslocamento de objetos. Diante dessa necessidade e depois de algumas
observações, notou que o período de movimento pendular não depende de
sua amplitude, fenômeno conhecido como isocronismo pendular.
Posteriormente, esse fato veio auxiliar na medida de intervalos de tempo e na
construção dos primeiros relógios.
28
• Observações Astronômicas: Em 1609, mediante relatos e informações,
aperfeiçoou o telescópio e fez, por meio dele, observações astronômicas.
Através destas, concebeu interpretações que possibilitaram lançar uma
perspectiva diferente sobre a maneira como se observava e se explicava a
mecânica celeste.
Essas observações astronômicas, possíveis devido ao telescópio, não foram
de fácil aceitação para os estudiosos da época, gerando muitas desconfianças.
Grande parte foi contestada, pois contrariava os conhecimentos astronômicos
consagrados, gerando consequências que o perseguiram até o final de sua vida. Os
resultados de suas observações astronômicas e conclusões constituem partes de
vários documentos escritos por Galileu e fatores marcantes em duas de suas
publicações: Sidereus Nuncius (1610) e Diálogo sobre os dois máximos sistemas do
mundo ptolomaico e copernicano (1632).
Ao analisar a vida e a obra de Galileu Galilei, é possível constatar a
importância histórica e suas influências, mas se deve evitar, na explanação em sala
de aula, termos ou fatos históricos que induzem a distorções históricas já citadas por
Allchin (2013). Não é difícil reconhecer, em textos ou publicações sobre Galileu,
exaltações de seus feitos, sendo que o termo “pai da ciência moderna” é facilmente
encontrado nesses exemplos. A hagiografia e o whiguismo estão presentes em
vários desses textos e não é raro encontrar citações em que os feitos do filósofo são
colocados como atos de heroísmo contra uma visão arcaica da igreja, a “vilã” da
história, nesse caso. A romantização dos feitos de Galileu também suscitou uma
suposta frase dita pelo filósofo ao final de sua abjuração, no exato momento em que
se levantava de sua posição de joelhos no salão dos domicianos – “Eppur si muove”
(e, no entanto, ela se move) –, como se fosse um ato de valentia contra o seu
opressor. Drake (1978), em sua biografia do filósofo, cita que tal fato pode ter
ocorrido, mas não exatamente no momento final de sua abjuração4, e Naess apenas
cita a frase como “o mito mais persistente em relação a Galileu” (NAESS, 2015, p.
200). Na biografia escrita por um colaborador do filósofo nos anos finais de sua vida,
4 Conforme Drake, essa suposta frase de Galileu teria sido um ato insensato e tolo, pois não haveria possibilidades de o filósofo escapar de punição severa por atitude tão desafiadora naquele momento. A história dessa frase dita no instante da abjuração teria surgido em um livro de anedotas do século XVIII, escrito por um abade francês, considerado apócrifo para historiadores sérios. (DRAKE, 1978)
29
Vincenzo Viviani (1622-1703),5 também não há alusões à suposta frase. É tão
evidente a impossibilidade de isso ter ocorrido porque qualquer dos presentes
naquela ocasião teria notado que o filósofo, mesmo de forma subliminar, estaria
remetendo-se à questão do movimento terrestre e ele teria sido condenado.
Em 1633, Galileu foi obrigado a abjurar suas crenças e, assim, perante
cardeais e inquisidores, leu a carta abaixo:
Eu, Galileu Galilei, filho do finado Vincenzio Galilei de Florença, com setenta anos de idade, vindo pessoalmente ao julgamento e me ajoelhando diante de vós Eminentíssimos e Reverendíssimos Cardeais, Inquisidores Gerais da República Cristã Universal, contra a corrupção herética, tendo diante de meus olhos os Santos Evangelhos, que toco com minhas própria mãos, juro que sempre acreditei, e, com o auxílio de Deus, acreditarei no futuro, em tudo a que a Santa Igreja Católica e Apostólica de Roma sustenta, ensina e pratica.
Mas como fui aconselhado, por este Ofício, a abandonar totalmente a falsa opinião que sustenta que o Sol é o centro do mundo e que é imóvel, e proibido de sustentar, defender ou ensinar a falsa doutrina de qualquer modo; e porque depois de saber que tal doutrina era repugnante diante das Sagradas Escrituras, escrevi e imprimi um livro, no qual trato da mesma e condenada doutrina, e acrescendo razões de grande força em apoio da mesma, sem chegar a nenhuma solução, tendo sido portanto suspeito de grave heresia; ou seja porque mantive e acreditei na opinião que diz que o Sol é o centro do mundo e está imóvel, e que a Terra não é o centro e se move, desejo retirar esta suspeição da mente de vossas Eminências e de qualquer Católico Cristão, que com razão era feita a meu respeito, e por isso, de coração e com verdadeira fé, abjuro, amaldiçoo e detesto os ditos erros e heresias e de uma maneira geral todo erro ou conceito contrário à dita Santa Igreja; e juro não mais no futuro dizer ou asseverar qualquer coisa verbalmente ou por escrito que possa levantar suspeita semelhante sobre minha pessoa; mas que, se souber da existência de algum herege ou alguém suspeito de heresia, o denunciarei a este Santo Ofício, ou ao Inquisidor do lugar onde me encontrar.
Juro ainda mais e prometo que satisfarei totalmente e observarei as penitências que me forem ou me sejam ditadas pelo Santo Ofício. Mas se acontecer que eu viole qualquer de minhas promessas, juramentos e protestos (que Deus me defenda!), sujeito-me a todos os castigos que forem decretados e promulgados pelos cânones sagrados e outras determinações particulares e gerais contra crimes deste tipo. Assim, que Deus me ajude, bem como os Santos Evangelhos, os quais toco com as mãos, e eu, o acima chamado Galileu Galilei, abjuro, juro, prometo e me curvo como declarei; e em testemunho do mesmo, com minhas próprias mãos subscrevi a presente abjuração, que recitei palavra por palavra. (GALILEI, 1633, apud BAIARDI, SANTOS, RODRIGUES, 2012).
O estudo das obras Sidereus Nuncius (1610) e Diálogo sobre os dois
máximos sistemas de mundo (1632) e as consequências de suas publicações, bem
como as contestações levantadas por Galileu sobre o modelo geocêntrico e sua
5 A biografia Vita di Galileo (Vida de Galileu), escrita por Viviani e publicada em 1717, após sua morte, é considerada uma das mais importantes, pois é a única escrita por um contemporâneo do filósofo.
30
defesa ao heliocentrismo são alicerces dessa proposta pedagógica exposta nesse
trabalho.
Sendo Galileu condenado sob a alegação de defender o modelo heliocêntrico
contra a visão geocêntrica aceita como correta pela igreja Católica, em uma
discussão acerca da evolução do pensamento científico com ênfase em análise de
sistemas de mundo, seu posicionamento torna-se um elemento motivador e
contextualizador para uma aplicação em sala de aula. A apreciação das concepções
culturais da época e suas influências nos estudos do filósofo italiano pode ser
elemento-chave para a inserção de história da ciência por meio de fontes primárias.
3.3 Breve relato sobre Sidereus Nuncius (1610)
Figura 1 – Capa da obra Sidereus Nuncius, de Galileu Galilei, de 1610 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Houghton_IC6.G1333.610s_-_Sidereus_nuncius.jpg, acesso em jun/2017.
A obra Sidereus Nuncius (1610) relata observações feitas por Galileu sobre a
face da Lua, as estrelas fixas e as luas de Júpiter com a utilização de um telescópio6
construído pelo próprio filósofo, no ano de 1610. Essas análises contrariavam as
6 Não existem registros confiáveis sobre quem foi o inventor do telescópio. Sabe-se que o primeiro pedido de patente do instrumento foi feito pelo holandês Hans Lippershey (1570-1619), em 1609. Também é possível que o primeiro filósofo a apontar um telescópio para o céu tenha sido o inglês Thomas Harriot (1560-1621), nas datas prováveis de 1609 (observação da Lua) e 1610 (manchas solares). Porém, não há dúvidas sobre o impacto maior da publicação de Galileu, no início de 1610, com suas constatações e ilustrações sobre as observações do céu feitas por meio de um telescópio construído por ele mesmo.
31
crenças daquela época, por mostrarem características desconhecidas sobre os
corpos celestes. Em seu livro, Galileu descreve crateras da Lua, aglomerados de
estrelas e as luas de Júpiter. As ilustrações feitas por Galileu das crateras da Lua
detalhavam uma qualidade do corpo celeste diferente das convicções presentes
naquela ocasião, pois se considerava a sua superfície perfeitamente lisa, com uma
esfericidade perfeita.
Em relação a Júpiter, Galileu constatou a existência de quatro satélites ao seu
redor, hoje conhecidos como suas luas. A partir dessas constatações, Galileu
acreditou que pudesse contestar os defensores do modelo geocêntrico, os quais
questionavam: se a Terra girasse ao redor do Sol, como conseguiria levar consigo a
Lua, que giraria em torno da Terra? Com as observações de Galileu, esse
argumento mostra-se contraditório, pois, se Júpiter conseguia levar quatro satélites
juntos de si, por que a Terra não poderia fazer o mesmo?
Sidereus Nuncius (1610) foi a primeira obra publicada de Galileu e pode ser
considerada um marco para a história da ciência. Pela relevância histórica dessa
publicação, a análise desta passa a ter um papel importante para a concepção de
sua visão sobre os fatos que vieram a direcionar parte de sua pesquisa e o assunto
usado como tema central da presente proposta pedagógica.
3.4 Breve relato sobre o Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo
Ptolomaico e Copernicano (1632)
Figura 2 – Capa da obra Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas de Mundo, de 1632 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Galileos_Dialogue_Title_Page.png, acesso em mai/2017.
32
Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano
(Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo), de 1632, é uma obra que abrange
boa parte das pesquisas de Galileu basicamente sobre relatividade do movimento
dos corpos e modelos planetários (heliocêntrico e geocêntrico), realizada entre os
anos de 1610 e 1632. Nesse livro, o filósofo procura defender o heliocentrismo,
através de uma explicação das marés, dividindo essa missão em quatro etapas,
denominadas, por ele mesmo, de “Jornadas”.
Ainda existem estudos sobre a condenação de Galileu. Um deles considera
que a provável causa seja sua publicação Il Saggiatore (O Ensaiador), de 1623.
Nesta obra, verifica-se uma hipótese corpuscular da luz, bem como para a natureza
do calor e a estrutura dos sólidos e fluidos. Para Redondi (1991), a causa principal
da condenação de Galileu foi sua desavença com o padre jesuíta e matemático
Orazio Grassi (1583-1654), com relação às explicações aristotélicas para o calor.
Segundo a concepção defendida por Grassi, calor, dureza, cor e cheiro eram
inerentes a uma substância, qualidades reais ou formas substanciais. Galileu propôs
a interpretação de que o calor era produzido ao se friccionarem dois corpos,
desprendendo-se, assim, algumas partículas da matéria, associando o calor à
emissão de partes muito sutis da substância. De acordo com Il Saggiatore, não
existiria qualidade sem átomos. Essa concepção proposta por Galileu contrariava a
visão aristotélica e, consequentemente, a filosofia ligada à igreja (DAMASIO e
PEDUZZI, 2015).
Redondi (1991) também questiona que a condenação de Galileu baseou-se
em argumentos astronômicos e, dessa forma, a comissão instaurada para avaliá-lo
não deveria ter recrutado apenas teólogos sem quaisquer títulos científicos,
inadequados para julgar as alegações astronômicas e físicas propostas pelo filósofo.
Em 1999, o historiador italiano Mariano Artigas encontrou relatório de um dos
membros do comitê que julgou Galileu nos arquivos do Vaticano, apontando que
questões filosóficas em relação à eucaristia sugeriam condenação à Galileu, mas
sem referência a questões astronômicas.
Desse modo, a condenação de Galileu ocorreu após a publicação de Diálogo,
obra em que o filósofo dispõe três personagens criados por ele (Simplício, Salviati e
Sagredo) conversando durante quatro dias, com as ideias e concepções filosóficas
33
do autor sendo expostas sobre a forma de diálogo a fim de proporcionar um maior
alcance entre a população em geral.
Após a publicação da obra e da condenação do filósofo, seus livros foram
proibidos pela igreja. Galileu passou a viver em prisão domiciliar e só foi publicar
nova obra somente em 1638, o Discurso e Demonstrações Matemáticas acerca de
Duas Novas Ciências (Discorsi e Dimonstrazioni Mathematiche intorno a due nuove
scienze attenenti ala Mecanica ed ai Movimenti Localli).
Segundo Mariconda (2011), existe um extenso material sobre as publicações
de Galileu, além de documentos inquisitoriais dos processos movidos contra o
copernicanismo e Galileu, viabilizando um embasamento para uma análise
contextual mais consistente sobre a publicação de Diálogo, o que torna o seu estudo
e sua influência histórica muito mais consistentes do que em relação à última obra
do filósofo, o Duas Novas Ciências. Na ocasião desse livro, Galileu já se encontrava
cego e estava sob proibições e restrições por parte da inquisição, só tendo sido
publicado na Holanda, depois de tentativas de fazê-lo em vários outros países,
contendo concepções e teorias propostas pelo filósofo sobre resistência dos
materiais e movimento natural do corpo, sem os temas polêmicos característicos de
suas publicações anteriores.
Devido ao impacto e à influência da publicação de Diálogo na vida de Galileu
Galilei, bem como sua importância para se entenderem as formas como o meio
social e político podem influenciar no desenvolvimento de teorias e pesquisas
científicas, essa obra foi também escolhida em razão dos argumentos positivos
relativos ao uso de fontes primárias e tópicos de NdC em propostas pedagógicas
mais adequadas para os parâmetros e ideais de ensino de física na atualidade. É
possível verificar as inter-relações entre a publicação da obra e os efeitos sobre a
vida do filósofo. Assim que ela foi divulgada, levantou-se um questionamento a
respeito da mudança de conceitos científicos, denotando um importante marco na
história da física. A mudança da visão quanto aos sistemas de mundo, no século
XVII, apresentava uma dialética entre o poder religioso da época, com suas
interpretações das escrituras, e a alteração de ponto de vista, por parte dos alguns
filósofos, entre eles Galileu Galilei.
34
4 A PROPOSTA
Partindo dos pressupostos delineados nos capítulos anteriores, apresentam-
se a seguir os detalhes da construção da proposta para o trabalho com fontes
primárias de Galileu em sala de aula. As fontes primárias são trechos extraídos,
principalmente, de Sidereus Nuncius, de 1610 e dos Diálogo sobre os dois máximos
sistemas do mundo ptolomaico e copernicano, de 1632. O intuito dessa abordagem
é expor aos alunos as concepções acerca das influências sociais e culturais que se
aplicam à discussão da evolução da ciência, bem como analisar as consequências
dessas publicações na vida e na obra do filósofo. Divide-se em sete partes,
disponibilizadas no produto presente ao fim da dissertação, conforme os itens
resumidos a seguir:
• PARTE I (Levantamento dos conhecimentos prévios) – São indicadas
sugestões de questionamentos para serem apresentados às turmas, além de
embasamentos para que o professor possa elencar quais os principais pontos
pertinentes às referidas perguntas, possibilitando assim um mapeamento do
quanto os alunos sabem sobre os conteúdos e ideias a respeito do assunto
central;
• PARTE II (A biografia de Galileu Galilei) – Recomendam-se textos de
referência que o professor pode utilizar para a discussão em sala de aula
acerca da biografia de Galileu Galilei e os aspectos históricos e sociais que
levaram à condenação do filósofo pela igreja católica.
• PARTE III (Análise da obra Sidereus Nuncius) – Discussão sobre a obra
Sidereus Nuncius, com suas características principais e reflexão sobre a
relevância histórica de sua publicação.
• PARTE IV (Análise da obra Diálogo sobre os dois máximos sistemas do
mundo) – Apresentação das características da obra Diálogo sobre os dois
máximos sistemas do mundo, bem como aspectos importantes que valorizam
essa obra como sendo uma das principais de Galileu Galilei para a ciência e a
sua relevância quanto à condenação do filósofo.
• PARTE V (Outros textos) – Exposição de outros textos de relevância histórica
e científica de Galileu vinculados às duas publicações anteriores para
35
evidenciar as importâncias dessas duas obras em relação à elaboração dessa
proposta e à ciência.
• PARTE VI (Fechamento da proposta) – Sugestões de atividades a serem
utilizadas para executar a finalização da proposta junto aos seus alunos e os
aspectos relevantes para se considerar a proposta como positiva.
4.1 Levantamento prévio dos conhecimentos dos alunos
• OBJETIVO: Fazer com que o professor tenha conhecimento do grau de
entendimento de suas turmas a respeito dos assuntos a serem trabalhados
nessa etapa, como a diferenciação do modelo heliocêntrico e o geocêntrico, e
o quanto conhecem sobre a história de Galileu Galilei, bem como sua relação
com os dois modelos planetários;
• TEMPO DE TRABALHO EM SALA: Uma aula;
• MATERIAL:
- Perguntas abertas e diretas sobre relatividade do movimento, movimentos
do Sol, da Terra e da Lua, vida de Galileu Galilei;
- Texto-base para ser utilizado como direcionamento para o trabalho do
professor na preparação da aula e na aplicação do material;
• COMENTÁRIOS:
É importante que essa etapa seja feita de maneira aberta com os alunos, sem
a necessidade de intervenções do professor nas respostas das turmas. Quanto mais
espontâneas forem as respostas, mais valiosas serão as informações colhidas e,
assim, mais efetivas serão as etapas posteriores, já que o professor poderá
direcionar seu trabalho pedagógico abordando exatamente os pontos que
suscitarem mais dúvidas e erros conceituais.
O professor pode fornecer um material impresso com as perguntas sugeridas
e deixar um tempo para todos responderem livremente ou pode fazer essa coleta de
informações de maneira mais informal, indicando as perguntas verbalmente e
verificando as formas como as respostas são articuladas e discutidas.
36
4.2 Biografia de Galileu Galilei
• OBJETIVO: Levar ao conhecimento dos alunos a história do filósofo Galileu
Galilei e os principais fatos de sua vida, bem como os fundamentos que
causaram sua condenação pela igreja católica;
• TEMPO DE TRABALHO EM SALA: Uma aula;
• MATERIAL:
- Texto-base com a história do filósofo;
- Texto referencial com os cuidados que o professor deve tomar ao levar a
história do filósofo para a sala de aula;
- Tradução do texto completo lido por Galileu no momento de sua abjuração
(presente na página 29 dessa dissertação);
• COMENTÁRIOS:
Nessa etapa, o professor deve relatar a história de Galileu Galilei, atentando
para não cometer distorções historiográficas ou erros na transposição dos fatos. É
preciso precaução para que a biografia do filósofo não seja colocada como se fosse
a história de um herói (no caso, Galileu) contra uma vilã (igreja Católica). Os alunos
devem perceber que os possíveis equívocos vistos pela ciência de hoje não podem
ser referência para se analisarem fatos aceitos como certos no passado.
O professor deve se utilizar da biografia escrita de Galileu e transferi-la para
sua turma como um texto-base para leitura prévia e, logo após, propor um debate
sobre aspectos relevantes de sua vida e obra. Também é importante o professor
destacar que outros cientistas acabaram com condenações mais severas, alguns
queimados vivos em fogueiras da inquisição, e a influência de Galileu fez com que
sua pena fosse suavizada, também em virtude de evidências não concretas dos
fatos de sua condenação na época.
Há nessa proposta também traduções que podem ser utilizadas como
ilustrativas de fatos importantes decorridos da condenação de Galileu, como o texto
traduzido de sua abjuração.
Também é equivocada a ideia de que Galileu tenha defendido, ou ainda
provado o modelo específico para o movimento dos planetas e, por isso, teria sido
condenado pela igreja Católica. Galileu foi realmente condenado por supostamente
37
não ter acatado uma decisão da igreja para utilizar o tal modelo apenas como uma
ferramenta matemática para auxiliar na descrição do movimento dos planetas. Ele
procurou demonstrar que um modelo era mais plausível do que o aceito por parte
dos filósofos e a igreja na época, mas não teve êxito nessa demonstração. Essa
questão deve ser trabalhada mais detalhadamente em aulas seguintes, bem como
os respectivos modelos.
Ao apresentar a biografia de Galileu, há um facilitador da introdução do
assunto que se segue, a discussão da obra Sidereus Nuncius e a história dos
modelos planetários e suas concepções através dos tempos.
4.3 Análise da obra Sidereus Nuncius (1610)
• OBJETIVO: Entender os fatos relevantes da publicação da obra, bem como
as suas consequências para a vida de Galileu e para a ciência; enunciar os
modelos planetários (heliocêntrico e geocêntrico) e suas variações, com relato
histórico da evolução do conhecimento científico nesse quesito; relacionar as
observações da Lua e de Júpiter feitas por Galileu com o momento histórico e
as importâncias de tais constatações em relação à sociedade da época.
• TEMPO DE TRABALHO EM SALA:
Uma aula – aspectos relevantes e detalhes da obra e apresentação dos
modelos planetários;
Uma aula – observações da Lua e de Júpiter e suas consequências
científicas e sociais para a época;
• MATERIAL:
- Texto-base com a descrição dos detalhes mais importantes da obra;
- Texto e ilustrações com dados referentes à evolução da concepção humana
a respeito dos modelos planetários e suas respectivas características mais
importantes, bem como suas variações no tempo;
- Texto e ilustrações com dados relativos às observações da Lua e
comparativos com outras análises feitas também por Thomas Harriot, além de
informações relacionadas à importância na época dessas observações;
38
- Texto e ilustrações referentes às observações de Júpiter feitas por Galileu e
relato de suas concepções sobre o movimento relativo entre Terra e Sol;
• COMENTÁRIOS:
Nessa etapa, o professor pode iniciar efetivamente a discussão do tema
gerador dessa proposta (modelos heliocêntrico e geocêntrico), mas com viés voltado
para a História da Ciência. A introdução de aspectos relativos à Sidereus Nuncius
(1610) e as consequências de sua publicação são importantes para uma inter-
relação entre os aspectos da física e da astronomia e um contexto social no início do
século XVII.
Por se tratar de uma introdução importante, tanto para o entendimento do
tema, bem como para os aspectos socioculturais que influenciaram a vida de
Galileu, e por ter diversos aspectos com detalhamentos cruciais para o
desenvolvimento da proposta, esse ponto foi dividido em duas aulas a fim de que a
aprendizagem não ocorra de maneira indevida.
No primeiro momento, o professor explana detalhes da obra, como ano da
publicação, período histórico em que ela foi lançada, importância para a vida de
Galileu. O professor pode evidenciar a urgência na publicação da obra, mostrando
que o autor poderia ter receado que outro cientista tivesse feito tais observações
anteriormente a ele e, assim, apropriar-se de tais descobertas.
Existem muitas informações interessantes a serem mencionadas como
curiosidades a respeito da obra, desde a designação das “novas estrelas”
descobertas por ele e a nomeação de estrelas Mediceias. A ilustração da capa da
obra (já exposta na página 33 do presente estudo) pode ser um fator interessante
por conter muitas informações e ser um ponto de impacto, gerador de discussões.
Após a explanação dos dados relativos à obra, são expostos os modelos
planetários a serem estudados e suas evoluções durante os anos, passando desde
a Grécia antiga até a publicação de Sidereus. As ilustrações encartadas nessa
proposta e o texto-base podem ser utilizados tanto para referência bibliográfica do
professor como para a geração de material gráfico a ser distribuído aos alunos.
O professor deve sempre destacar que, do ponto de vista de uma pessoa
comum situada na superfície terrestre, a concepção de uma Terra imóvel, com tudo
girando ao seu redor não é encarada como um absurdo, devido ao referencial
39
adotado por ela mesma. Por esse motivo, a concepção do modelo geocêntrico era
plausível para boa parte da sociedade.
A partir da análise histórica desses modelos sugeridos, é possível verificar
evidências que Galileu tinha encontrado nas observações astronômicas feitas por
ele, desde a visualização e dimensionamento das ondulações e variações de relevo
lunar, até a constatação da existência das luas de Júpiter e seu reflexo na discussão
acerca da divergência entre os modelos geocêntrico e heliocêntrico.
Podem ser usadas livremente as ilustrações feitas pelo próprio Galileu da Lua
e de Júpiter encartadas nessa proposta, bem como os textos-base relativos aos
temas.
Também são interessantes para a aula comparações entre as observações
elaboradas por Thomas Harriot e as feitas por Galileu, bem como a discussão sobre
as evidências de que Galileu não teria sido o primeiro a documentar o relevo lunar e
as diferenças nos calendários, gerando discussões no meio científico.
É importante evidenciar para os alunos que essa obra inicia um período de
publicações de Galileu sobre modelos planetários, mas não constitui o único assunto
analisado pelo filósofo durante sua vida acadêmica. O professor deve informar aos
alunos que os principais estudos de Galileu provavelmente se basearam na
discussão da relatividade do movimento, apesar de o impacto maior na sociedade
científica da época ter sido a discussão dos modelos planetários.
4.4 Análise da obra Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo
Ptolomaico e Copernicano (1632)
• OBJETIVO: Descrever aspectos importantes da obra, do ponto de vista
histórico e científico; entender a visão de Galileu acerca do movimento dos
planetas; discutir e interpretar as evidências do autor sobre o modelo
heliocêntrico, tomando por base a análise das fases de Vênus; compreender
os contextos históricos e científicos que levaram Galileu a ser condenado pela
igreja católica.
40
• TEMPO DE TRABALHO EM SALA:
Uma aula – análise da obra e das justificativas de Galileu com base no
movimento dos planetas para a comprovação do modelo heliocêntrico;
Uma aula – discussão acerca das fases de Vênus e os fatores da
condenação de Galileu pelo Tribunal do Santo Ofício.
• MATERIAL:
- Texto com as características principais da obra;
- Texto e ilustrações com formulações elaboradas por Galileu sobre os
movimentos dos planetas diante de um referencial heliocêntrico;
- Texto e ilustrações usados por Galileu como evidências do modelo
heliocêntrico, considerando as fases do planeta Vênus como justificativa;
- Textos referenciais para a justificativa da condenação de Galileu e original
traduzido do pronunciamento de Galileu no momento da abjuração;
• COMENTÁRIOS:
Nessa última etapa, o professor pode expor aos alunos se não a última obra
do filósofo, uma das mais polêmicas, já que, devido a ela, Galileu foi condenado pela
igreja católica e teve suas publicações colocadas no Index de livros proibidos do
Tribunal do Santo Ofício.
Deve-se sempre esclarecer que as evidências encontradas por Galileu para a
justificativa da sua escolha pelo modelo heliocêntrico não foram efetivas e a sua
maior tentativa baseou-se em uma explicação equivocada sobre o fenômeno das
marés, descrita também nessa proposta.
A obra encerra um período de 22 anos desde a publicação de Sidereus
Nuncius, durante um momento em que o filósofo não estava proibido de escrever,
havendo farta documentação de pesquisa e análise. Depois desse livro de 1632,
mesmo tendo uma outra obra publicada em 1638 (Duas Novas Ciências), não
existem tantos documentos dos estudos de Galileu na época, sendo o Diálogo mais
discreto quanto a polêmicas com a igreja e os dogmas da ocasião.
É possível evidenciar o fato de o texto constituir-se sobre a forma de diálogo e
as características das três personagens presentes no texto. O produto que segue
41
após a dissertação evidencia as particularidades de cada personagem presentes em
vários momentos da publicação. O texto utilizado nessa proposta com as
características da obra pode ser empregado em sala de aula. Nesse texto,
encontram-se também explicações do erro conceitual utilizado por Galileu em sua
justificativa para a aceitação do modelo heliocêntrico.
É fundamental analisarem-se os recortes da obra nos quais os três
personagens discutem sobre a movimentação dos planetas para se evidenciarem
alguns fatores que levaram Galileu a acreditar em um erro relativo ao referencial
adotado para o centro do universo e para mostrar que essas justificativas podem
não parecer totalmente equivocadas partindo de uma perspectiva científica da
época.
Na segunda parte dessa etapa, o professor deve levar os textos originais de
Galileu, bem como suas ilustrações sobre as fases do planeta Vênus. Esse
momento também é providencial para o professor poder comparar o fenômeno que
ocorre com Vênus e com as fases da Lua. As ilustrações e o texto extraído da obra
são bons exemplos da visão da ciência da época e ajudam os alunos a perceberem
como se entendia a mecânica celeste no século XVII.
Enfim, o fechamento deve considerar o episódio da condenação de Galileu,
utilizando-se como exemplo ilustrativo o texto extraído da tradução de sua
abjuração. É importante não propagar distorções e mitos acerca do fato, lembrando
que a frase supostamente dita pelo filósofo no momento de sua abjuração (Eppur si
muove) é um erro historiográfico, sem evidências de sua ocorrência naquela exata
ocasião. Também não se deve expor Galileu como um “herói da ciência frente à vilã
igreja”, como pode ocorrer, mas sim evidenciar os fatos de sua condenação, sem os
exageros que tornariam um trabalho com base na HFC equivocado.
A partir dessas análises, o professor consegue encerrar o tema proposto,
passando assim pelas explicações físicas sobre os assuntos a serem abordados,
com um viés voltado ao uso de fontes primárias e à inserção de aspectos relevantes
da história e filosofia da ciência e natureza da ciência.
42
5 APLICAÇÃO DO PRODUTO
O produto derivado dessa dissertação foi aplicado em uma turma formada por
alunos do terceiro ano do Ensino Médio, em uma escola particular de São Bernardo
do Campo. Foram utilizadas seis aulas, distribuídas em duas semanas, como um
minicurso, com inscrição para os alunos que tivessem interesse em aprofundar ou
conhecer melhor o assunto trabalhado.
Houve uma presença nas aulas em torno de 20 a 30 alunos, sem alterações
significativas na quantidade de presentes durante o período do curso. A distribuição
das aulas na programação, de acordo com a proposta dessa dissertação, foi feita da
seguinte maneira:
• Aula 01 – Levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos;
• Aula 02 – Apresentação de um histórico a respeito da evolução do
pensamento científico sobre Sistemas do Mundo (Modelos Geocêntrico e
Heliocêntrico);
• Aula 03 – Discussão e apresentação da biografia de Galileu Galilei;
• Aula 04 – Detalhamento e levantamento dos aspectos mais significativos da
obra Sidereus Nuncius (1610);
• Aula 05 – Detalhamento e levantamento dos aspectos mais significativos da
obra Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e
copernicano (1632);
• Aula 06 – Fechamento da proposta.
Aula 01 – Levantamento dos conhecimentos prévios
De acordo com a proposta, o levantamento prévio dos conhecimentos dos
alunos é um fator importante para que o professor possa descobrir o grau de
conhecimento de sua turma a respeito dos assuntos a serem discutidos durante toda
a programação do produto. Com ele, é possível adequar a aula de forma a tornar a
aprendizagem mais efetiva, pois atinge exatamente os pontos com menor grau de
assimilação anterior por parte do alunado.
43
Por se tratar de uma turma de 3º. ano do Ensino Médio, os alunos envolvidos
no curso já tinham bom conhecimento de diversos assuntos físicos, como conceitos
sobre relatividade do movimento, princípios da óptica geométrica e gravitação
universal.
Apesar de todo o conhecimento técnico já assimilado pela maioria dos alunos,
percebeu-se a necessidade de uma aprendizagem que evidenciasse a evolução do
pensamento científico, pois, em muitos momentos da aula, eram nítidos os vínculos
entre a vida do filósofo Galileu Galilei e sua interligação com modelos planetários.
Alguns alunos afirmavam que Galileu havia “provado a existência” do modelo
heliocêntrico; outros lembravam de aulas anteriores de filosofia e tinham a visão
distorcida a respeito das divergências entre fé e ciência advindas do período em
questão (século XVI e XVII), mas não conheciam a interligação entre a história da
ciência e o desenvolvimento do pensamento físico a respeito do movimento dos
planetas. Outros alunos, em menor número, tinham a visão mais crítica a respeito
das interligações entre a vida do filósofo, a história da ciência e o conhecimento
físico, fazendo associações pertinentes ao assunto.
Um fator em destaque é que mesmo os alunos com mais conhecimentos dos
assuntos não tinham informações sobre o teor das obras inclusas no produto dessa
dissertação e a respeito de trechos de obras do filósofo, além daqueles trabalhados
em aulas de filosofia, acerca da discussão sobre ciência e fé.
Tendo em vista a característica da turma e o conhecimento mais avançado a
respeito de modelos geocêntrico e heliocêntrico, a segunda aula foi iniciada com um
texto extraído da dissertação sobre um relato histórico da evolução do pensamento
científico sobre sistemas de mundo. Foi feita essa mudança, na abertura do trabalho
em sala de aula, para criar uma interdisciplinaridade entre história e física,
vinculando o pensamento científico, social e filosófico, tendo como base a
visualização do céu e o entendimento da natureza conforme o avanço dos períodos
históricos. Essa abertura, ao invés de começar com a biografia de Galileu, no caso
desse grupo específico de alunos, teve um efeito mais positivo na aprendizagem,
despertou um interesse maior na turma.
44
Aula 02 – Apresentação da evolução do pensamento científico a respeito de
sistemas de mundo
Esta aula foi destinada exclusivamente à contextualização da história da física
com a evolução do pensamento científico a respeito de sistemas do mundo.
Para uma apreensão mais significativa do conteúdo, ministrou-se uma aula
expositiva, com o auxílio de texto extraído da própria dissertação, destacando-se o
desenvolvimento do raciocínio e entendimento humano sobre modelos geocêntrico e
heliocêntrico, retirados do capítulo sobre a obra Sidereus Nuncius (1610).
A pequena alteração no cronograma foi mais eficaz para o trabalho, pois os
alunos manifestavam muitas curiosidades e destacavam o interesse maior em
adequar os períodos históricos às descrições do céu feitos pela humanidade. Havia
muitas dúvidas sobre o período em que cada modelo havia sido proposto, quem
seriam os filósofos naturais que, porventura tivessem sido responsáveis por tais
concepções e a forma de elaboração de cada um dos modelos.
Para um entendimento maior da evolução do pensamento humano, foram
usados muitos exemplos a respeito de movimento relativo e mudanças de
referenciais, o que foi bem aceito e compreendido pelos alunos.
O tema dessa aula avançou até a questão da publicação da obra Sidereus
Nuncius. A partir de então, o momento mostrou-se favorável para a apresentação da
biografia do filósofo de maneira contextualizada.
Aula 03 – A biografia de Galileu Galilei
Por meio de texto extraído também dessa dissertação, em uma aula
expositiva, foi apresentada aos presentes uma pequena biografia de Galileu Galilei.
Tendo em vista todo o entendimento dos conceitos sobre a evolução do
pensamento humano acerca de sistemas geocêntrico e heliocêntrico, houve uma
desconstrução de distorções históricas trazidas do senso comum sobre a vida do
filósofo. No levantamento dos conhecimentos sobre os temas propostos, surgiram,
por meio de seus depoimentos, equívocos a respeito da vida de Galileu,
principalmente quanto à idealização de sua suposta luta contra a igreja católica. E,
45
mesmo durante a aula, em algumas vezes, os alunos apontavam Galileu como único
responsável pela queda do pensamento aristotélico de mundo.
Ao final da aula, foi exposto o vídeo sugerido no produto, com o cuidado de
mostrar o entendimento enganoso e as anomalias históricas constantes na
apresentação. Ao trabalhar o vídeo, encerrou-se a história do filósofo por meio de
algo diferente do que apenas um texto ou aula expositiva, criando um ambiente
diferente para o tema.
Aula 04 – Detalhamento e levantamento dos aspectos mais significativos da
obra Sidereus Nuncius
Em um primeiro momento, foram expostas as características técnicas a
respeito da obra, como ano de publicação, período de elaboração, número de
páginas e o conteúdo, de forma abrangente.
Em seguida, também com a utilização de texto-base extraído da dissertação,
abordaram-se as possíveis motivações para essa publicação, como a evolução
social advinda para o filósofo e a urgência na divulgação e no relato das
descobertas.
Analisaram-se então as fontes primárias extraídas da obra e selecionadas
para a discussão sobre as concepções de Galileu a respeito da face da lua, das luas
de Júpiter e as conclusões do filósofo acerca do movimento relativo entre Terra e
Sol.
Quanto à questão da face da Lua, foram apresentadas as ilustrações feitas
por Thomas Harriot, em 1609, e por Galileu, em 1610, a fim de incentivar um debate
a respeito das diferenças entre as duas imagens e a diferença da concepção
aristotélica da Lua (corpo perfeito) observada pelos filósofos naturais.
Foram feitos três extratos originais da obra de Galileu, sendo o primeiro a
respeito da suposição da existência de água na Lua, juntamente com a imagem feita
por Galileu do satélite terrestre; outro sobre o cálculo da maior elevação da
superfície lunar, gerando reflexões a respeito da utilização dessas duas fontes
primárias da obra; e o terceiro com o relato do filósofo sobre as observações feitas
das luas de Júpiter. As atividades ocorreram da seguinte forma:
46
• A partir de uma simples leitura, o primeiro texto suscitou uma ampla
discussão, a respeito da suposição da existência de água. Os alunos
conseguiram extrair a sua essência principal, relatando que, pela forma como
foi escrito, poderia estar em livros atuais que não teriam diferenciado. Não foi
levantada, a princípio, a ideia de certo ou errado, tendo sido solicitada apenas
uma análise da forma de elaboração do texto, com uma leitura sem
interferências. Após essa apreciação, iniciou-se a discussão a respeito da
concepção de Galileu sobre o assunto e foi proposto para os alunos
posicionarem-se no lugar do filósofo, no mesmo período, e tentarem fazer as
mesmas análises, com a visão da época. Foi uma experiência bem
interessante, pois, de acordo com o relato de muitos alunos, eles poderiam ter
obtido as mesmas respostas que o filósofo, levando em consideração o grau
de conhecimento científico existente na época. Porém, alegaram que Galileu,
como assim fez, não teria como comprovar a existência da água na superfície
lunar apenas com aquelas observações do satélite.
• O segundo texto já apresentou resultados mais complicados de interpretação
inicial, por trabalhar com diversas transformações de unidades (milhas
italianas para metros), sendo que a explicação dada na fonte primária não foi
tão clara como geralmente é ensinado nas aulas de geometria atualmente.
Depois de um auxílio na leitura, os alunos conseguiram perceber a sutileza
nas demonstrações, sem se preocuparem com a veracidade das afirmações
do filósofo, inclusive afirmando que a sua explicação “também poderia ter sido
feita por eles”. Na finalização, concluíram que os dados utilizados pelo filósofo
não poderiam ter sido fidedignos, tendo em vista o grau do desenvolvimento
científico da época.
• Quanto ao terceiro texto, foram expostas algumas imagens originais feitas
pelo filósofo, bem como suas observações e supostas conclusões, todas
extraídas dessa dissertação. Os alunos compreenderam a forma com que foi
escrito e acharam de interpretação fácil, apesar de mais uma vez não
concordarem com o posicionamento de Galileu. Mencionou-se então que não
se pode tentar julgar experimentos de épocas anteriores com as visões
atuais, pois isso é uma forma de distorção histórica, comprometendo a
interpretação das fontes apresentadas. Os alunos, sob esse ponto de vista,
constataram que as observações feitas por Galileu poderiam indicar uma
47
evidência de um modelo diferente do geocêntrico, a concepção da época,
mas, novamente, Galileu não tinha como justificar de maneira efetiva esse
modelo.
Dessas três experiências iniciais com a utilização de fontes primárias, os
alunos mostraram-se receptivos aos textos originais, sugerindo que essa ferramenta
pode tornar-se favorável para aprimorar a contextualização histórica no ensino de
física, de forma geral.
Aula 05 – Detalhamento e levantamento dos aspectos mais significativos da
obra Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e
copernicano (1632)
Assim como na aula anterior, foram expostas as características principais da
obra por meio de aula expositiva, com o uso de texto-base extraído dessa proposta
de dissertação.
Também se comentou o que havia decorrido, do ponto de vista da história da
física, entre as duas publicações, devido à diferença entre as duas datas (1610 e
1632), para se perceberem as diferenças principais e polêmicas entre as obras e os
reflexos causados na vida de Galileu.
O primeiro extrato da obra de Galileu apresentado aos alunos, para leitura
inicial, indicava o diálogo entre Sagredo e Salviati a respeito dos movimentos dos
planetas, baseando-se nas observações das luas de Júpiter. Segundo os alunos, o
texto original apenas corrobora a visão anterior de Galileu sobre sua preferência em
aceitar o modelo heliocêntrico, mas no contexto da época dessa publicação, essas
palavras podem ter tido efeitos distintos aos obtidos na obra de 1610. Os alunos
conseguiram fazer as correlações históricas com o desenvolvimento da física,
pensando nas influências que a sociedade e a religião podem ter sobre os estudos e
reflexões de filósofos naturais.
Foi indicado, então, um segundo texto, a respeito do posicionamento dos
planetas no céu e dos seus movimentos errantes frente às estrelas fixas. Nesse
caso específico, foi preciso um auxílio na interpretação do texto, já que a explicação
geométrica do posicionamento dos planetas não se mostrou muito compreensível,
na concepção dos alunos. Logo após esse esclarecimento e leitura da fonte
48
primária, um aluno trouxe uma simulação encontrada por ele próprio a partir de uma
pesquisa feita após as primeiras aulas demonstrando o movimento dos planetas
com a assistência dos epiciclos propostos por Ptolomeu. Na ideia do aluno, aquela
explicação (a dos epiciclos) seria muito mais fácil de se entender do que a
explicação geométrica de Galileu e, desse modo, poderia muito bem ser aceita pela
maior parte da sociedade de forma geral. Suscitou-se na turma, então, uma
discussão a respeito da veracidade das teorias físicas na história. Estas seriam
aceitas simplesmente por serem mais fáceis de visualização, ao contrário de outras
que, por terem explicações mais complexas, deveriam ser descartadas.
Para encerramento dessa aula, foram trazidas ainda as imagens das fases de
Vênus, da obra O Ensaiador, de 1623, com a fonte primária extraída do Diálogo,
com a explicação de Galileu sobre esse fenômeno. Os alunos aproveitaram para
recordar alguns princípios físicos extraídos das aulas de óptica geométrica, como
propagação retilínea da luz e os fenômenos de sombra e penumbra, o que foi
primordial para a interpretação do texto. Levantou-se uma dúvida referente às
teorias de propagação da luz na época e, na opinião dos alunos, essas teorias
teriam sido propostas por Isaac Newton, e não Galileu. Dessa maneira, os alunos
foram questionados se essas teorias de propagação da luz realmente influenciaram
na explicação dada por Galileu a respeito das fases de Vênus. No caso da
impossibilidade de Galileu chegar às mesmas conclusões, simplesmente por
desconhecer os princípios da óptica geométrica, os alunos, então, com uma nova
leitura do texto, perceberam que as suas concepções ocorriam apenas pela
observação da diferença de tamanho de Vênus e a ideia de fases seria possível,
tendo em vista ser um padrão comparável ao que acontecia na Lua. Assim,
independentemente da existência ou não de teorias sobre propagação da luz,
Galileu tinha realmente alguma evidência para o movimento diferenciado de Vênus.
Aula 06 – Fechamento da proposta
Na finalização do trabalho, foram feitas para a turma as mesmas perguntas da
aula inicial, para que os alunos pudessem refletir e fazer comparações. Para eles, a
satisfação de terem mudado suas ideias sobre os questionamentos foi evidente.
Vários comentaram sobre a importância dessas reflexões, como isso impactou em
49
suas visões sobre a evolução do raciocínio científico e acerca das influências
causadas pela sociedade e, no caso, pela religião na vida de Galileu Galilei.
A turma também aprovou a leitura de fontes primárias pois consideraram que,
através dela, conseguiram extrair a essência principal do pensamento do filósofo
sem a interferência do professor ou de outros fatores externos à construção da
teoria. Apesar de esse fato não ser totalmente correto, tendo em vista que, muitas
vezes, essas influências sociais estão embutidas nas fontes, mesmo sem uma
referência direta a elas no texto dos autores, os alunos perceberam que nem sempre
é possível entender completamente teorias físicas, ou de outros ramos da ciência,
somente pela leitura de fontes primárias, já que a interpretação não é simples de se
fazer, como nos casos analisados nas aulas. Contudo, a leitura demonstrou ser uma
ferramenta educacional efetiva e válida, ainda que o professor disponibilize para a
aula ou não.
Os resultados, de forma geral, foram muito produtivos e promissores. A
proposta apresentada mostrou-se, segundo esse relato, flexível a diversas
realidades escolares, por não limitar o professor a uma sequência fechada,
permitindo uma liberdade de adaptações conforme o conhecimento das turmas
sobre o assunto a ser trabalhado.
50
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inserção de estudos sobre HC não pode mais ser considerada como uma
introdução rápida aos conceitos físicos presentes na programação tradicional do
ensino de física. A utilização de argumentos e textos que promovam uma reflexão
sobre a construção do conhecimento científico torna-se uma das principais
ferramentas para uma aprendizagem coerente e significativa na educação atual. Sob
esse ponto de vista e de acordo com as ideias apresentadas, o uso de fontes
primárias no ensino básico constitui-se um importante instrumento didático.
Os obstáculos para a inserção de uma proposta que envolva a utilização de
fontes primárias no ensino são muitos e não de fácil contorno. O grau de
entendimento de textos de época por parte dos alunos e profissionais da educação,
bem como a seleção de fontes adequadas para o trabalho pedagógico tornam o uso
desse tipo de abordagem educacional relativamente raro. Apesar de vários artigos e
textos sobre a utilização dessas fontes no ensino terem sido elaborados e
discutidos, ainda não são encontradas muitas propostas efetivas de aplicação na
educação básica.
Portanto, a proposta desse trabalho pode ser uma importante ferramenta ao
professor na superação dos desafios enfrentados ao usar esse tipo de abordagem,
já que ela contém sugestões facilitadoras para uma transposição adequada de
conceitos a respeito de história da ciência aos alunos do ensino médio. O ato de
pensar sobre o ensino de física, bem como de todas as áreas de conhecimento em
geral, deve passar por todas as esferas da educação e a mudança na concepção do
ensino atual encontra uma importante aliada na contextualização e
interdisciplinaridade que a história e a natureza da ciência propiciam.
51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLCHIN, Douglas. Teaching the nature of Science: Perspectives & Resources. Saint Paul: SHiPs Education Press, 2013. ANDRADE, Napoleão Laureano. A revolução copernicana: considerações sobre duas questões do Enem. Cad. Bras. Ens. Fís, v.22, n. 2: p. 263-283, ago 2005. BAIARDI, A.; SANTOS, A. V.; RODRIGUES, W. G. Processos Cavilosos, sentença vingativa e abjura humilhante: o caso Galileu. Cadernos de História da Ciência, Instituto Butantan, v. VIII, jul/dez 2012. Disponível em: <http://periodicos.ses.sp.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-76342012000200002&Ing=pt&nr=iso>. Acesso em junho de 2017. BAPTISTA, José Plínio. Os princípios fundamentais ao longo da história da física. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 28, n. 04, p. 541-553, 2006. BARROS, Marconi Frank. Os movimentos dos planetas e os modelos de universo: uma proposta de sequência didática para o ensino médio. Trabalho de conclusão de curso (Dissertação), Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014. BATISTA, G. L. de F. et al. (Coord.). Fontes primárias no ensino de física: considerações e exemplos de propostas. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 32, n. 03, p. 663-702, dez. 2015. BATISTA, R. P.; MOHR, A.; FERRARI, N. Análise da história da ciência em livros didáticos do ensino fundamental em Santa Catarina. Trabalho de Conclusão de curso (Dissertação), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. BEZERRA, D. P., GOMES, E. C. S.; MELO, E. S. N.; SOUZA, T. C. A evolução no ensino de física: perspectiva docente. Scientia Plena, v. 05, n. 09, 2009. BOSS, S. L. B. Ensino de Eletrostática – A História da Ciência contribuindo para a aquisição de subsunçores. Trabalho de Conclusão de curso (Dissertação), Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Bauru, 2009.
52
______; SOUZA FILHO, M. P.; CALUZI, J. J. Fontes primárias e aprendizagem significativa: aquisição de subsunçores para a aprendizagem do conceito de carga elétrica. VIII Enpec – encontro nacional de pesquisa em educação em ciência. Florianópolis, 2011. ______. et al. (Coord.). A Utilização de traduções de fontes primárias na formação inicial de professores: breves considerações sobre dificuldades de leitura e entendimento. São Paulo, 2016. BRASIL. Orientações educacionais complementares aos parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002. BRICCIA, V.; CARVALHO, A. M. P. Visões sobre a natureza da ciência construídas a partir do uso de um texto histórico na escola média. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias. V. 10, n. 1, p. 1-22, 2011. CHANG, Hasok. Who cares about the history of Science? University of Cambridge, Cambridge, 2016. COLOMBO JR, P. D. Inovações Curriculares em Ensino de Física Moderna: Investigando uma Parceria entre Professores e um Centro de Ciências, (pp. 71-80). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. COPÉRNICO, Nicolau. Commentariolus: Pequeno comentário de Nicolau Copérnico sobre suas próprias hipóteses acerca dos movimentos celestes. Introdução, tradução e notas: Roberto de Andrade Martins – São Paulo: Nova Stella; Rio de Janeiro. 1990. DAMASIO, Felipe e PEDUZZI, Luiz O. Q. Eppur si muove: A defesa do copernicanismo teve papel central nas condenações de Galileu? X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Águas de Lindóia, nov. 2015. DRAKE, Stillman. Impetus Theory Reappraised. Journal of the History of Ideas, v. 36, n. 01, p. 27-46, jan. 1975 ______. Galileo at work: his scientific biography. University of Chicago Press. Chicago, 1978.
53
______. Galileo. Tradução: Maria Manuela Pecegueiro. Oxford University Press, Oxford, 1980. DRUMMOND, J. M. H. F. et al. (Coord.). Narrativas históricas: gravidade, sistemas de mundo e natureza da ciência. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 32, n. 01, p. 99-141, abri. 2015. FONSECA, D. S. et al. (Coord.). Pressão atmosférica e natureza da ciência: uma sequência didática englobando fontes primárias. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 34, n. 01, p. 64-108, abr. 2017. FORATO, Thaís Cyrino de Melo. A natureza da ciência como saber escolar: um estudo de caso a partir da história da luz. Trabalho de Conclusão de curso (Tese). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. ______; PIETROCOLA, M.; MARTINS, R. A. Historiografia e natureza da ciência na sala de aula. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 28, n. 01, p. 27-59, abr. 2011. FRANCISQUINI et al. (Coord.). O paradoxo cinemático de Galileu. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 36, n. 01, 2014. GALILEI, Galileu. Duas novas ciências. Tradução: Letízio Mariconda e Pablo R. Mariconda - 2ª ed. – Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins; São Paulo: Nova Stella, 1998. HÖTTECKE, D.; e SILVA, C, C. Why Implementing History and Philosophy in School Science is a Challenge: Na Analysis of Obstacles. Science & Education, v. 20, p. 293-316, ago. 2010. HÜLSENDEGER, Margarete. Uma análise das concepções dos alunos sobre a queda dos corpos. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 21, n. 3: p. 377-391, dez 2004. KRAGH, Helge. An introduction to the historiography of Science. Cambridge University Press, Cambridge, 1987. KUHN, T. S. A tensão essencial. Lisboa: Edições 70, 1989.
54
LEITÃO, Henrique (Trad). Sidereus Nuncius: O mensageiro das estrelas. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. MARICONDA, Pablo Rubén, O diálogo de Galileu e a condenação. Cad. Hist. Fil. Ci. Campinas, série 3, v. 10, n. 1, p. 77-160, jan.-jun. 2000. ______. O alcance cosmológico e mecânico da carta de Galileu Galilei. Scientae Studia. São Paulo, v. 03, p. 443-465, 2005. ______ (Trad). Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. São Paulo: Associação Filosófica Scientiae Studia: Editora 34, 2011, p. 404 – 409. MARTINS, A. F. P. História e filosofia da ciência no ensino: há muitas pedras nesse caminho.... Cad. Bras. Ens. Fís., v. 24, n. 1: p. 112-131, abr. 2007. MARTINS, Lilian Al-Chueyr Pereira. A história da ciência e o ensino de biologia. Campinas: Jornal Semestral do gepCE – Grupo de estudo e pesquisa em ciência e ensino FE, nº 05, dez. 1998. ______. História da ciência: Objetos, métodos e problemas. Ciência & Educação, v. 11, n. 2, p. 305-317, 2005. MARTINS, Roberto de Andrade. Galileu e o princípio da relatividade. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, n. 09, p. 69-86, 1986. ______. Galileu e a rotação da Terra. Caderno Catarinense de Ensino de Físicia, v. 11, n. 03, p. 196-211, dez. 1994. ______. Como distorcer a Física: Considerações sobre um exemplo de divulgação científica 1 – Física Clássica. Cad.Cat.Ens.Fís., v. 15, n. 3: p. 243-264, dez. 1998a. ______. Como distorcer a Física: Considerações sobre um exemplo de divulgação científica 2 – Física Moderna. Cad.Cat.Ens.Fís., v. 15, n. 3: p. 265-300, dez. 1998b. ______. Como não escrever sobre história da Física – um manifesto historiográfico. Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 23, no. 1, Março, 2001.
55
______. A análise geométrica da duração dos dias no Tratado sobre a esfera de Sacrobosco. Rio Claro: Sociedade Brasileira de História da Matemática, 2003. ______. A história das ciências e seus usos na educação. São Paulo: Livraria da Física, 2006. MATTHEWS, M. R. História, filosofia e ensino de ciências: a tendência atual de reaproximação. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 12. n. 03, p. 164-214, dez. 1995. MÉHEUT, M.; PSILLOS, D. Teaching–learning sequences: aims and tools for science education research, International Journal of Science Education. MONTEIRO, Midiã Medeiros. Inércia e natureza da ciência no ensino de física: uma sequência didática centrada no desenvolvimento histórico do conceito de inércia. Trabalho de conclusão de curso (Dissertação), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014. ______.; MARTINS, A. P. História da ciência em sala de aula: uma sequência didática sobre o conceito de inercia. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 37, n. 04, 2015. MOREIRA, M. A. Aprendizagem significativa, organizadores prévios, mapas conceituais, diagramas V e unidades de ensino potencialmente significativas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. MOURA, Breno Arsioli. A aceitação da óptica newtoniana no século XVIII: subsídios para discutir a natureza da ciência no ensino. Trabalho de conclusão de curso (Mestrado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. ______. O que é natureza da Ciência e qual sua relação com a História e Filosofia da Ciência? Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 32-46, jan | jun 2014. NAESS, Atle. Galileu Galilei: um revolucionário e seu tempo. Tradução George Schlesinger. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. PEDUZZI, L. O. Q. Sobre a utilização didática da história da ciência. In: PIETROCOLA, M. (Org.). Florianópolis: Editora da UFSC, 2001. p. 151 – 170.
56
______.; MARTINS, A. F.; FERREIRA, J. M. H. Temas de história e filosofia da ciência no ensino. Natal: EDUFRN, 2012. PENA, F. L. A.; TEIXEIRA, E. S. Parâmetros para avaliar a produção literária em história e filosofia da ciência voltada para o ensino e divulgação das ideias da física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30, n. 03, p. 471-491, dez. 2013. PORTO, C. M. A física de Aristóteles: uma construção ingênua? Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 31, n. 04, 2009. ______.; PORTO, M.B.D.S.M. Galileu, Descartes e a elaboração do princípio da inércia. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 31, n. 4, 4601,2009. PRAXEDES, G.; PEDUZZI, L. O. Q. Tycho Brahe e Kepler na escola: uma contribuição à inserção de dois artigos em sala de aula. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 31, n. 03, 2009. PUMFREY, S. History of Science in the National Science Curriculum: a critical review of resources and treir aims. British Journal of History of Science 24: 61-78, 1991. REDONDI, Pietro. Galileu Herético. Trad. Julia Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. RODRIGUES JUNIOR, E.; LUNA, Fernando J.; HYGINO, C. B. Implicações didáticas da história da ciência no ensino de física: uma revisão de literatura através da análise textual discursiva. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 32, n. 03, p. 769-808, dez. 2015. SILVA, A. P; B.; GUERRA, A. História da ciência: fontes primárias e propostas para sala de aula. Editora Livraria da Física, 1ª ed. São Paulo, 2015. SILVA, C. C.; MOURA, B. A. A natureza da ciência por meio do estudo de episódios históricos: o caso da popularização da óptica newtoniana. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 30, n. 01, 2008. SOARES, R. R.; BORGES, P. F. O plano inclinado de Galileu: uma medida manual e uma medida com aquisição automática de dados. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 32, n. 2, 2010.
57
SOUZA, José de Arimater de. Uma abordagem história para o ensino do princípio de inércia. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. SWERDLOW, Noel M. Galileo’s discoveries with the telescope and their evidence for the Copernican theory. In Peter Machamer (ed), The Cambridge Companion to Galileo. Cambridge: Cambridge University Press, p. 246, 1998. VALENTE, B.; MAURÍCIO, P. Argumentos para uma humanização do ensino de ciências. Ciência & Educação, v. 19, n. 04, p. 1013-1026, 2013. VILAS BOAS, A., S. et al. (Coord.). História da ciência e natureza da ciência: debates e consensos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30, n. 02, p. 287-322, ago. 2013. ZYLBERSZTAJN, Arden. Galileu – um cientista e várias versões. Cad. Cat. Ens. Fís., Florianópolis, 5 (Número Especial): 36-48, jun. 1988.
59
APRESENTAÇÃO
O objetivo desse produto é auxiliar o professor a trabalhar fontes primárias
com alunos do Ensino Médio, articulando conteúdos de física com obras históricas.
No caso da presente proposta, o tema central foi a discussão entre dois dos
principais modelos planetários, o modelo geocêntrico, considerando a Terra como o
centro do Universo, sistematizado por Claudio Ptolomeu (90-168), e o modelo
heliocêntrico, representado principalmente por Nicolau Copérnico (1473-1543).
A utilização da história e da filosofia da ciência é considerada hoje uma
importante ferramenta para a contextualização e a interdisciplinaridade no ensino de
física. Com uma abordagem histórica, o aluno consegue perceber a evolução do
conhecimento científico ao longo dos anos, concatenando o raciocínio físico com
suas causas e efeitos tendo em vista fatores que envolvem história e filosofia.
O emprego de fontes primárias é uma forma dessa abordagem, pois através
do uso de textos originais de filósofos e cientistas, o professor consegue indicar as
relações existentes entre as pesquisas e os confrontos políticos, sociais e culturais
sucedidos durante a evolução do pensamento científico e da ciência, de forma geral.
Essa proposta é uma sugestão de utilização de fontes primárias no ensino de
física por meio de trechos extraídos de obras de Galileu Galilei. Dessa forma, o
professor pode complementar o ensino de sistemas do mundo com todos os
benefícios que uma abordagem histórica fornece para o ensino de física na
atualidade.
60
SUMÁRIO
1 LEVANTAMENTO DOS CONHECIMENTOS PRÉVIOS ......................................................... 61
1.1 Perguntas para levantamento dos conhecimentos prévios ...................... 61
1.2 Considerações finais sobre o levantamento dos conhecimentos
prévios ..................................................................................................... 64
2 BIOGRAFIA DE GALILEU E O INÍCIO DO PROCESSO DE CONDENAÇÃO ............................... 66
3 SIDEREUS NUNCIUS - MENSAGEIRO OU MENSAGEM DAS GALÁXIAS? ............................... 70
3.1 A observação da Lua ............................................................................... 76
3.2 As luas de Júpiter .....................................................................................82
3.3 Considerações finais sobre o Sidereus Nuncius ......................................86
4 DIÁLOGOS SOBRE OS DOIS MÁXIMOS SISTEMAS DO MUNDO PTOLOMAICO E
COPERNICANO ......................................................................................................... 89
4.1 Introdução................................................................................................ 89
4.2 O fenômeno das marés ............................................................................91
4.3 As suposições de Galileu acerca dos movimentos dos planetas .............94
5 OUTROS TEXTOS ...................................................................................................... 98
5.1 As hipóteses de Galileu sobre as fases de Vênus ................................... 98
5.2 A condenação de Galileu Galilei .............................................................101
6 OUTRAS ATIVIDADES ............................................................................................... 106
6.1 Atividade I - Evidência de água na Lua .................................................. 106
6.2 Atividade II - As luas de Júpiter ..............................................................107
6.3 Atividade III - O fenômeno das marés ....................................................110
6.4 Atividade IV - As fases de Vênus ...........................................................111
7 ENCERRAMENTO DA PROPOSTA ............................................................................... 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO PRODUTO ............................................................... 115
61
1 LEVANTAMENTO DOS CONHECIMENTOS PRÉVIOS
Para início do trabalho pedagógico, sugere-se que seja feito um levantamento
das ideias iniciais dos alunos, a fim de direcionar de maneira mais efetiva as
atividades seguintes. Essa etapa deve ter a duração de uma aula de 50 minutos,
aproximadamente, podendo ser estendida para duas, caso seja necessário. As
perguntas devem ser respondidas livremente pelos alunos, sendo este um momento
de diagnóstico de aprendizagem, importante para conhecer as ideias de cada um e
não as avaliar.
1.1 Perguntas para levantamento dos conhecimentos prévios
A seguir estão as perguntas sugeridas. Após cada uma, são discutidas
brevemente quais respostas podem ser obtidas e como o professor pode lidar com
cada uma delas.
1) Existe algum corpo que esteja em repouso ou movimento ao mesmo
tempo? Dê exemplos.
Os conceitos de repouso e movimento dependem do contexto em que
ocorrem. Um móvel pode estar em movimento em relação a um determinado ponto
de referência e, ao mesmo tempo, estar em repouso relativamente a outro. Esse
conceito, na construção do modelo físico em estudo, é normalmente ensinado nos
capítulos iniciais de Cinemática, quando o professor discute a definição de Repouso
e Movimento para, logo em seguida, explicar Velocidade Escalar Média.
2) Nesse exato momento, olhando para o céu, você diria que o Sol está em
repouso ou em movimento em relação a você?
3) Olhando para o céu, quem gira em torno de quem? A Lua gira em torno da
Terra ou a Terra gira em torno da Lua? O Sol gira em torno da Terra ou a Terra gira
em torno do Sol?
Essas duas perguntas funcionam como uma extensão da reflexão da
pergunta anterior, sobre os conceitos de repouso e movimento. O objetivo principal é
62
averiguar como – e se – o aluno entende os movimentos da Terra, da Lua e do Sol.
De acordo com a percepção do alunado, as respostas podem ser “automáticas”,
repetindo visões de senso comum, sem questionamento sobre sua veracidade. Um
aluno pode apresentar a resposta correta, com a Terra girando em torno do Sol e a
Lua girando em torno da Terra, mas é provável que tenha dificuldades para justificar
a sua resposta com os seus conhecimentos de física, uma vez que,
tradicionalmente, aspectos mais específicos de astronomia não são discutidos em
aulas de física. Essas dificuldades estão relacionadas também com a concepção de
movimento relativo planetário do século XVI. Essa comparação é bastante válida,
pois mostra que talvez não tenha sido tão absurdo assim acreditar, no século XVI,
em que a Terra fosse o centro do universo. Ao fazer esse tipo de provocação, o
professor situa o aluno em um patamar semelhante ao dos pensadores dos séculos
anteriores em relação aos conceitos sobre o céu.
Nesse momento, o professor pode até contestar as concepções dos alunos,
mostrando que muitas das colocações apontadas por eles como evidências são
consideradas insuficientes para as justificativas.
4) O que seria o modelo geocêntrico e como você o diferencia do modelo
heliocêntrico?
Nesse questionamento, é possível ter uma boa ideia do quanto os alunos
conhecem sobre o assunto, já que esse é o tema central da proposta. É provável
que as turmas já tenham ideia da diferença entre os dois modelos, por ser um
aspecto estudado, na maioria dos casos, no Ensino Fundamental.
O professor pode começar a interligar as informações das perguntas
anteriores com as respostas dos seus alunos nessa ocasião. Essa interligação pode
fazer com que o questionamento proposto não se encerre apenas com uma resposta
simples e, talvez, os alunos comecem a desenvolver teorias vinculando as respostas
apresentadas com a explicação dos modelos citados.
Podem ser apontados desafios às justificativas dos alunos, sempre com
caráter provocador, instigando-os a pensarem mais sobre as respostas dadas.
Como é indicado para essa etapa, o desenvolvimento do raciocínio dos alunos deve
ser livre para se captar o quanto os envolvidos sabem sobre o tema. Também é
possível que ninguém tenha conhecimento sobre os assuntos propostos. Caso isso
63
aconteça, para que a discussão não se encerre abruptamente, o professor pode
colaborar com, por exemplo, uma explicação bem simples sobre a origem das
palavras “geo” (Terra) e “hélio” (Sol)7. A partir disso, a discussão pode ser retomada
com interligações sugeridas.
5) Em sua visão, qual dos dois modelos está certo e qual está errado?
Consegue justificar sua resposta?
6) Se uma pessoa dissesse a você que o Sol gira em torno da Terra, como
você justificaria a ela que isso não ocorre?
Talvez por estarem acostumados a fornecer a resposta que os professores
querem receber e não as que consigam evidenciar ou justificar como verdadeiras, os
alunos podem classificar o modelo heliocêntrico como certo e o modelo geocêntrico
como falso. O principal ponto do questionamento sugerido é o pedido da justificativa,
ao incentivar novamente os estudantes a refletirem mais profundamente sobre o
tema. Essa justificativa não é tão fácil assim, pois, pela simples observação do céu,
sempre se vê o Sol girar ao redor da Terra, parecendo ser essa a realidade.
Nesse momento da discussão, o professor pode perguntar sobre alguns
filósofos naturais que buscaram justificar sua escolha por um ou outro modelo
planetário. Assim, é importante citar que o modelo geocêntrico foi sistematizado por
Ptolomeu e o modelo heliocêntrico por Copérnico. Porém, há associações históricas
que relacionam essa discussão à Galileu Galilei, com suas obras e publicações, até
mesmo sua condenação por parte da igreja Católica, no tribunal do Santo Ofício.
Nessa ocasião, então, introduz-se o estudo biográfico do filósofo, bem como
algumas de suas obras com a indicação das perguntas seguintes.
7) Vocês conhecem (ou já ouviram falar de) Galileu Galilei? Sabem qual a
relação da história de sua vida com os modelos geocêntrico e heliocêntrico?
8) Pensando na vida de Galileu Galilei e na sua obra, quanto tempo você
acredita em que ele possa ter levado para defender ou provar a existência do
7 O professor talvez tenha que explicar a origem da palavra, do grego Hélios, que quer dizer literalmente “Sol”. Também é possível associar a palavra Hélio ao nome da divindade da mitologia grega, representada por um homem de cabelos louros e rosto resplandecente, a percorrer o céu com a sua carruagem de fogo puxada por cavalos. A associação ao Sol deve ser imediata e a aula pode seguir de maneira satisfatória.
64
modelo heliocêntrico? Essa defesa ou prova foi casual ou teve algum tipo de estudo
por parte dele?
A resposta da oitava pergunta está intimamente ligada à resposta da sétima.
É possível que o aluno não tenha ideia de quem seja Galileu Galilei, ou até mesmo
seja um conhecedor da vida do filósofo. Neste último caso, ele não terá dificuldades
ao associar o filósofo com a questão dos modelos planetários. Já aquele que ainda
não sabe a respeito terá uma oportunidade valiosa quando, na próxima etapa dessa
proposta, estudar a vida e as obras do filósofo.
Provavelmente a concepção comum de Galileu seja a de um herói que lutou
contra a poderosa igreja católica, tentando provar ao mundo a validade do modelo
heliocêntrico, ao contrário do modelo geocêntrico, adotado pela igreja. Caso o aluno
não conheça os modelos geocêntrico e heliocêntrico, então essa associação com
Galileu não é evidente. Talvez o nome do cientista tenha sido ouvido em algum
momento, sem qualquer conexão com o que se estuda atualmente, com suas
importâncias ou cruzamentos históricos e por isso é fundamental se aprofundar na
história real do filósofo e no contexto fidedigno da época.
1.2 Considerações finais sobre o levantamento do conhecimento prévio
Feito o levantamento, vão surgir diversos perfis de turma indubitavelmente,
pois a variedade de conhecimento é algo normal em sala de aula e essa proposta
tem uma flexibilidade que permite a adequação do professor a essa diversidade.
Alunos menos preparados requerem do professor um tempo maior com explicações
técnicas ou talvez até um direcionamento mais detalhado do trabalho pedagógico,
podendo restringir-se mais aos pontos principais de cada etapa, como a discussão
biográfica e os aspectos sociais e históricos da obra, vinculando sempre ao ponto
central, a diferença dos modelos planetários.
Turmas mais avançadas possibilitam o levantamento de aspectos bem mais
intrínsecos à discussão da proposta. O professor pode focar, em alguns momentos,
nas justificativas apresentadas por Galileu para provar o modelo copernicano. Da
mesma forma, é possível discutir de forma mais subjetiva as causas da condenação
do filósofo e a não condenação do próprio Copérnico. Além disso, o professor pode
65
fazer os alunos interligarem as publicações de Galileu em italiano, em vez do latim,
padrão na época, e a causa da sua derradeira obra (Discurso e Dimostrazioni
Matematiche Intorno a Due Nuove Scienze – Discurso e Demonstração em torno de
duas novas Ciências – 1638) ter sido publicada em Leiden, na Holanda.
Em algumas turmas, os modelos apresentados (Geocêntrico e Heliocêntrico)
já serão constatados, mas é provável que as informações sobre a vida ou as obras
de Galileu não sejam associadas a ele, ou sejam conhecidas de maneira bem
superficial. Em outras, talvez até se saiba a biografia do cientista e, em diversos
níveis, a sua associação aos modelos planetários.
A singularidade do trabalho docente com essa proposta de intervenção é
principalmente mostrar como o desenvolvimento da ciência influencia a vida de um
cientista; expor a desconstrução de mitos vinculados ao heroísmo das
personalidades históricas; e aventar a possibilidade de disponibilizar aos alunos
obras originais do cientista, analisando suas tentativas de provar suas concepções,
de acordo com conceitos aceitos em sua época.
66
2 BIOGRAFIA DE GALILEU E O INÍCIO DO PROCESSO DE CONDENAÇÃO
Um dos equívocos mais comuns sobre a história de Galileu Galilei é a ideia
do filósofo como um “herói”, defensor da verdade contra a poderosa e equivocada
Igreja Católica. O intuito da pequena biografia a seguir é desconstruir o mito em
torno do filósofo. Ele teve uma significativa influência na história da física e da
ciência em geral, mas essa visão distorcida deve ser evitada, por não corresponder
às conclusões das pesquisas historiográficas sobre sua vida e obras. A biografia
deve ser exposta aos alunos, sendo partes do seu conteúdo discutidas em
diferentes momentos8.
Galileu Galilei foi um filósofo natural italiano nascido em Pisa, em 15 de
fevereiro de 1564. Faleceu em Florença, em dia 08 de janeiro de 1642.
É atribuído a Galileu o aperfeiçoamento significativo no telescópio, com o qual
conseguiu-se observar manchas solares, as montanhas e vales da Lua, satélites de
Júpiter, anéis de Saturno e as fases de Vênus. Também se confere a Galileu Galilei
a criação do método empírico, em que os experimentos são os aspectos mais
valorizados da construção do conhecimento científico, em detrimento da imaginação
e das hipóteses, contrariando a metodologia aristotélica vigente, segundo a qual a
fundamentação das teorias baseava-se na especulação ou no simples exercício de
pensamento. Por isso, Galileu é considerado “o pai da ciência moderna”.
Durante seus estudos na Universidade de Pisa, no final do século XVI, Galileu
inventou a balança hidrostática, descrito no tratado La bilancetta, publicado somente
em 1644. Ainda nesse período, descobriu que o movimento de pêndulos não
depende da massa, mas apenas do comprimento do fio, proporcionando os
fundamentos conceituais para a construção futura do relógio pendular. Em Pisa,
também realizou experiências sobre a queda de corpos em planos inclinados,
demonstrando que a velocidade da queda não depende do peso dos corpos.
Publicou, em 1590, o tratado De motu, acerca do movimento dos corpos. Em 1592,
passou a lecionar matemática na Universidade de Pádua.
8 Para mais informações sobre a biografia de Galileu, recomenda-se a obra de Naess (2015).
67
Apesar de frequentemente ser atribuída a ele a invenção do telescópio,
Galileu apenas desenvolveu um instrumento composto de lentes em tubo, depois de
examinar relatos sobre o uso de um instrumento parecido na Holanda, o qual servia
para aumentar corpos que estivessem distantes. Galileu parece ter sido o primeiro a
utilizar o telescópio em observações astronômicas. Suas observações com o
instrumento foram relatadas no livro Sidereus Nuncius, em março de 1610. Nesta
obra, Galileu descreveu suas observações da Via Láctea, a descoberta de quatro
satélites de Júpiter e as montanhas e crateras da Lua. Devido à publicação, foi
nomeado matemático e filósofo grã-ducal9, sem obrigação de lecionar.
Com seu telescópio, também conseguiu observar as manchas solares e os
anéis de Saturno, bem como as fases de Vênus, as quais, para ele, seriam
evidências a favor de um sistema heliocêntrico. Apesar de a publicação do Sidereus
Nuncius ter dado reconhecimento a Galileu, também resultou em polêmicas, como
acusação de posse de uma descoberta que não era dele e descrédito por parte de
alguns filósofos naturais, que não acreditaram em suas observações.
Teve um apoio importante de Johannes Kepler (1571-1630), que mostrou a
existência dos satélites de Júpiter na sua publicação de 1611, Narratio de observatis
a se quattuor satellibus erronibus. Neste mesmo ano, Galileu foi a Roma, convocado
para apresentar suas descobertas ao Colégio Romano dos Jesuítas, encontrando-se
com o cardeal Maffeo Barberini (1568-1644), futuro Papa Urbano VIII, de quem
Galileu passou a ser amigo pessoal, fazendo supor que a condenação do filósofo
pode não ter sido tão dura como se verifica em alguns registros. Em 1612, escreveu
o Discurso sobre as coisas que estão sobre a água, ou que nela se movem e nesta
obra demonstrou, contrariando a teoria aristotélica, o mecanismo de flutuação de
corpos segundo seu peso específico10.
9 “Galileu foi nomeado matemático e filósofo pelo grão-duque da Toscana, Cosme II de Medici (1590-1621), abandonando assim a função de professor que exerceu em Pádua entre os anos de 1592 e 1610. Cosme II acabou por se tornar um grande protetor de Galileu Galilei” (LEITÃO, 2010, p. 209). 10 A física aristotélica estruturava-se na observação e na dedução lógica dela proveniente. Assim, não eram sistematizadas por experimentos controlados. Galileu acreditava em que a utilização da matemática poderia resultar em uma ciência natural de melhor qualidade, com resultados mais próximos da realidade. Segundo Aristóteles (384a.C–322a.C.), todos os corpos seriam formados pela composição de quatro elementos, o fogo, o ar, a água e a terra. O fogo e o ar se moveriam para cima, com a terra e a água tendo seu movimento para baixo. Existiria, então, uma tendência contrária à queda dos corpos, denominada “leveza”, a qual faria com que os corpos permanecessem flutuando sobre a água. Para Galileu, os corpos cairiam com velocidade proporcional à sua densidade de massa, denominada por ele de “gravidade específica”, com valores distintos em diferentes meios de
68
Escreveu também, em 1612, a História e demonstração sobre as manchas
solares e seus acidentes, contrariando as observações das manchas solares feitas
em 1611 pelo jesuíta Christoph Scheiner (1573-1650), o qual as descrevia como
chamas de astros rodando em torno do Sol. Galileu afirmava que as manchas eram
causadas pela matéria fluida pertencente ao Sol, rotacionando a estrela na sua
superfície. Entre 1613 e 1615, escreveu as cartas copérnicas, com passagens
controversas para a época, como fatos que deviam ser interpretados na Bíblia sob a
visão de um sistema heliocêntrico. Galileu parece ter tomado uma posição parecida
à de Agostinho de Hipona, conhecido como Santo Agostinho (354-430), afirmando
que a Bíblia deveria ser considerada um texto religioso, e não um texto sobre
filosofia natural. Dessa maneira, os escritos bíblicos não poderiam ser interpretados
de maneira literal, pois analisar a estrutura do universo não fazia parte de seus
objetivos.
Em 1616, a Inquisição colocou-se contrária à teoria heliocêntrica e inseriu o
livro de Copérnico, De revolutionibus orbim coelestim, no Índice dos livros proibidos.
Galileu foi convocado novamente a Roma para expor os seus novos argumentos
sobre a teoria heliocêntrica. Para o Tribunal do Santo Ofício, então, não havia
provas suficientes à conclusão de que a Terra se movia e, assim, Galileu não
poderia mais defender as ideias de Copérnico, apenas utilizá-las como ferramenta
matemática para descrever o movimento dos corpos celestes, tendo sido proibido de
divulgá-las ou ensiná-las.
Apesar de o papa Urbano VIII ter recebido Galileu em seis audiências em
Roma e ter oferecido pensões de caráter acadêmico e apoio científico, não aceitou o
pedido para revogar o decreto de 1616 contra o heliocentrismo.
Foi após esse período que Galileu escreveu o Diálogo sobre os dois principais
sistemas do mundo, publicado em 1632, defendendo o sistema heliocêntrico. Nessa
obra, três personagens dialogam, sendo Salviati o defensor do heliocentrismo,
Simplício o defensor do geocentrismo, e Sagredo, um personagem neutro, mas da
mesma opinião de Salviati. Essa obra foi decisiva ao processo da Inquisição contra
Galileu.
locomoção. Então, de acordo com Galileu, os corpos flutuariam por ter uma gravidade específica (ou massa específica) menor do que a água. (NAESS, 2015)
69
O papa havia sugerido a Galileu que ele escrevesse um livro em que os dois
pontos de vistas sobre os sistemas planetários fossem defendidos em igualdade de
condições. Em 1630, Galileu levou o livro pronto para o papa, que o encaminhou
para os censores da igreja. Sua obra foi interpretada como um obstáculo, já que o
modelo heliocêntrico não foi empregado apenas como ferramenta matemática, mas
defendido enfaticamente por Galileu. Assim, o papa o convocou novamente a Roma
para ser julgado.
O filósofo foi condenado a negar publicamente suas ideias e a uma prisão
por tempo indefinido. Além disso, seus livros foram inclusos no Índice dos livros
Proibidos, embora tenham sido publicados em países protestantes, tais como a
Holanda.
Galileu conseguiu alterar sua pena de prisão para um confinamento, primeiro
no palácio do embaixador do Grão-duque da Toscana, Fernando II de Medice (1610-
1670), em Roma, depois na casa do arcebispo Ascânio Piccolomini (1590-1671), em
Siena e, mais tarde, na sua própria casa de campo, em Arcetri.
Sua última obra foram os Discursos sobre as duas novas ciências, publicada
em 1638, e aborda a descrição de experimentos com um plano inclinado e estudo de
movimentos de corpos. Ele já estava completamente cego na época e sua obra foi
publicada na Holanda.
Ele faleceu em 1642, em Arcetri, ao lado de sua filha Maria Celeste e de seus
discípulos. Os livros de Galileu foram retirados, pelo Vaticano, do Índice de livros
proibidos somente em 1846. Em 1983, o Vaticano decidiu pela absolvição de
Galileu, contudo, a revisão da condenação não teve relação com a aceitação do
sistema heliocêntrico, pois a veracidade desse modelo nunca foi objeto dos
processos. A igreja não tinha qualquer objeção ao uso do sistema heliocêntrico,
apenas proibia a sua referência como uma explicação física do mundo, e autorizava
sua utilização como um modelo matemático de auxílio à descrição do movimento
dos planetas.
70
3 SIDEREUS NUNCIUS – MENSAGEIRO OU MENSAGEM DAS GALÁXIAS?
Sidereus Nuncius11 foi publicado em março de 1610, contendo observações
do céu realizadas com um telescópio. A apresentação dessa obra pode se tornar
uma importante ferramenta de desconstrução de mitos a respeito do
desenvolvimento da ciência pelos alunos, principalmente sobre a substituição de um
modelo geocêntrico de universo por um modelo heliocêntrico. De maneira geral,
esses mitos apregoam que Galileu, ao simplesmente observar o céu, conseguiu
provar a validade do modelo heliocêntrico, segundo o qual o Sol, e não a Terra, está
no centro do Universo. A análise dos trechos e desenhos a seguir busca mostrar que
Galileu expôs boas evidências em favor do modelo heliocêntrico, mas estas não
foram suficientes para derrubar o modelo geocêntrico aceito amplamente na época.
A obra teve uma tiragem de 550 exemplares, esgotados em menos de uma semana,
indicando um impacto significativo.
O título da obra foi interpretado por alguns historiadores como um exagero em
relação à importância dada por Galileu a suas observações e descobertas. Ademais,
ele não se referiu a nenhum outro observador da superfície lunar além dele, nem
mencionou como soube da criação do telescópio ou mesmo a forma de construção
do instrumento.
Galileu anunciou por três vezes ao longo do texto sua intenção de apresentar
uma obra de grande envergadura sobre o sistema do mundo, já demonstrando estar
convencido das conclusões que pretendia retirar dos novos fatos. Muitas
descobertas de Galileu seriam mais desenvolvidas e discutidas em uma obra
posterior, os Diálogos sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e
copernicano, publicada em 1632.
A publicação de Sidereus Nuncius repercutiu consideravelmente na época e
gerou bons frutos a Galileu. Na introdução, ele mencionou que a obra tratava-se de
observações da face lunar, de inúmeras estrelas fixas, da Via Láctea e de
11 O título pode ser traduzido como Mensageiro das Estrelas ou Mensagem das Estrelas. Apesar dessas duas possibilidades, alguns historiadores, como Stillman Drake, preferiram traduzir a obra como Mensageiro das Estrelas, pelo fato de Galileu nunca ter se posicionado oficialmente sobre qual tradução preferia e não ter corrigido vários de seus contemporâneos que utilizavam o termo Mensageiro ao se referir à obra. É importante destacar que Galileu, em alguns momentos, parece colocar-se como um predestinado às descobertas anunciadas por ele mesmo em seus textos.
71
Nebulosas, feitas por uma luneta construída por ele próprio. Ele também observou
quatro pontos brilhantes circundando Júpiter, os quais resolveu nomear de Estrelas
Mediceias, em homenagem ao Grão-duque da Toscana, Cosme II de Médice.
Mesmo não sendo a razão principal, foi por meio dele que o autor conseguiu ser
indicado matemático e filósofo da natureza da corte florentina.
Um fator interessante do Sidereus é que Galileu o escreveu deliberadamente
para causar impacto, com relatos muito diretos, demonstrações reduzidas
praticamente ao mínimo e sem citação de fontes e referências a futuras obras que o
autor pretendia escrever. A obra foi responsável por tornar o seu autor, até então um
professor universitário, em um protagonista da ciência, de acordo com alguns
pesquisadores. Segundo Swerdlow, “as descobertas de Galileu mudaram o mundo,
mas primeiramente mudaram Galileu”. (SWERDLOW, 1998, p. 246).
O Sidereus foi um livreto de 24 páginas, divulgado rapidamente por Galileu. A
pressa na publicação da obra pode ter sido motivada pelo fato de que muitos outros
filósofos naturais da época poderiam fazer o mesmo, derrubando a prioridade das
alegadas descobertas. Até os dias atuais, o Sidereus é considerado uma importante
obra para a história da física, por apresentar com muitos detalhes os primeiros
resultados de observações com telescópios apontados para o céu12.
No início do século XVII, vigorava a ideia de que os planetas e todos os
demais corpos celestes orbitavam em torno da Terra (modelo geocêntrico). Associa-
se esse modelo a Aristóteles e a Claudio Ptolomeu (100-168). Enquanto o primeiro
elaborou as bases físicas do modelo, o segundo sistematizou a compreensão sobre
o funcionamento do universo, aliando a estrutura conceitual aristotélica com as
observações sobre o movimento dos corpos celestes.
No pensamento aristotélico, havia uma divisão muito clara entre dois mundos,
o sublunar e o supralunar. No mundo sublunar, todas as coisas seriam formadas a
partir de uma mistura de diferentes proporções de quatro elementos primordiais:
12 Vale destacar, contudo, que Galileu não foi o primeiro a examinar o céu. Há relatos sobre observação do céu desde o Egito antigo, passando pela antiguidade grega, chegando até o período em que viveu Galileu Galilei. Talvez o grande impacto da publicação de Sidereus esteja no fato de as observações terem sido feitas por meio de telescópio, incluindo ilustrações com bom grau de detalhamento da Lua e o relato da vista de novos corpos orbitando o planeta Júpiter. Mas, existiram outras investigações da Lua como, por exemplo, o relato de Thomas Harriot (1560-1621), em 1609.
72
água, ar, terra e fogo13. Corpos com mais quantidade de água ou terra seriam
pesados e, por isso, tenderiam a cair em direção ao centro do universo, lá
permanecendo em repouso. Corpos com mais quantidade de fogo ou ar seriam
leves, tendendo a subir, afastando-se do centro do universo. Dessa maneira, no
mundo sublunar, os únicos movimentos naturais seriam em linha reta, de descida ou
subida. Não existiriam movimentos naturais circulares, sendo estes causados por
uma violação da tendência natural dos corpos.
Por outro lado, no mundo supralunar, todos os corpos pareceriam possuir
movimentos circulares. Aristóteles concluiu, assim, que os corpos celestes deveriam
ser formados por outro elemento, diferente dos quatro do mundo sublunar, e
chamou-o de éter. Ao contrário dos quatro elementos, o único movimento natural do
éter seria circular. Sendo assim, todos os corpos celestes eram compostos de éter e
seriam perfeitos e imutáveis. Assim, estava demonstrada a veracidade do modelo
geocêntrico de universo. Pelo fato de tudo no mundo sublunar ser formado pelos
quatro elementos, a Terra deveria ser naturalmente o centro do Universo, uma vez
que era resultado do acúmulo de corpos pesados. O ar que a rodeava era uma
evidência da existência dos elementos leves. Já os corpos celestes, por serem
compostos de éter, naturalmente giravam ao redor da Terra. Ptolomeu, ao constituir
o modelo geocêntrico por meio de suas observações do céu, foi hábil em associar os
resultados das observações com toda a estrutura conceitual descrita por Aristóteles.
Assim, não só o modelo geocêntrico possuía sólida base conceitual, como também
observacional.
13 Aristóteles não foi o primeiro a propor a existência desses quatro elementos. Foi Empédocles (490 a.C – 430 a.C.) que estabeleceu quatro elementos considerados por ele como essenciais na composição de toda estrutura no mundo – o fogo, o ar, a água e a terra. Esses elementos foram nomeados por Empédocles com nomes da mitologia grega: Zeus, Hera, Nestis e Aidoneu. O termo “elementos” só veio a aparecer pela primeira vez com Platão (428 a.C. – 348 a.C.).
73
Figura 3 – Exemplo de modelo geocêntrico Fonte:https://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=modelo+geoc%C3%AAntrico&title=Special:Search&profile=default&fulltext=1&searchToken=d3zjsb2n5lae1noaj8v9uuohe#/media/File:Bartolomeu_Velho_1568.jpg, acesso em mai/2017.
Contudo, o emprego de órbitas estritamente circulares não explicava a
trajetória observada de vários planetas14 no céu. Muitos deles possuíam movimentos
retrógrados ou de laço, sendo necessários alguns ajustes no desenho de suas
órbitas. Para solucionar esse e outros problemas, Ptolomeu utilizou vários artifícios
matemáticos, dentre eles os epiciclos, os quais são pequenos círculos formados por
um astro em torno de um ponto imaginário de sua órbita. Assim, cada planeta teria
uma órbita circular em torno de um ponto, que giraria em órbita circular em torno da
Terra. Esse artifício tornava bem mais plausíveis as justificativas para os
movimentos retrógrados feitos pelos planetas, diferentemente das demais estrelas.
14 As estrelas, a olho nu, praticamente não se diferenciam dos planetas; o que torna possível a distinção entre ambos é o movimento relativo que os planetas fazem em relação aos pontos fixos no céu, as estrelas, com o passar das noites. O termo “planeta” vem da Grécia antiga, significando “astro errante”, ou seja, aquele que se move.
74
Figura 4 – A órbita de um planeta em um epiciclo15 Fonte: http://demo.webassign.net/uncastro101l1/lab3_back_a_05.gif, acesso em mai/2017.
Embora desenvolvido no final da antiguidade, o modelo geocêntrico só ficou
conhecido e popularizado na Europa no final da Idade Média, por volta dos séculos
11 a 15. Logo se tornou peça crucial da Igreja para estabelecer a posição
fundamental do homem no universo.
Por volta do século XVI, Nicolau Copérnico (1473-1543) propôs interpretar os
dados observacionais utilizando um modelo heliocêntrico16, ou seja, considerando a
Terra e todos os outros corpos celestes girando ao redor do Sol. Em 1543, publicou
De revolutionibus orbium coelestium (Da revolução das esferas celestes), no qual
detalhou seu modelo heliocêntrico.
Em um texto anterior, intitulado Commentarioulus (Pequeno comentário),
Copérnico detalhou sete postulados básicos de seu modelo:
• Os corpos celestes não giram em torno de um único ponto;
• O centro da Terra é o centro da esfera da órbita da Lua em torno da Terra;
• Todas as esferas giram ao redor do Sol, que está perto do centro do
Universo;
15 Denomina-se “deferente” a órbita que o epiciclo faz ao redor da Terra. 16 Ao contrário do que geralmente se considera, Copérnico não foi o primeiro a propor um modelo heliocêntrico para o universo. O grego Aristarco de Samos (310 a.C. – 230 a.C), por meio de cálculos geométricos e medidas de sombras da Terra na Lua em eclipses, procurou determinar os tamanhos entre Terra, Lua e Sol e suas distâncias, chegando à conclusão de que o Sol era maior que a Terra e, sendo assim, seria mais natural um astro menor orbitar um astro maior.
75
• A distância entre a Terra e o Sol é uma fração insignificante da distância
da Terra e do Sol às estrelas. Portanto, o deslocamento aparente das
estrelas é imperceptível;
• As estrelas estão imóveis no céu. O movimento diário é causado pela
rotação diária da Terra;
• A Terra desloca-se em uma espera ao redor do Sol, causando
deslocamentos anuais do Sol. A Terra possui mais de um movimento;
• O movimento orbital da Terra ao redor do Sol provoca o deslocamento
retrógrado do movimento dos planetas em relação às estrelas fixas.
Figura 5 – Modelo heliocêntrico de Copérnico Fonte:https://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=heliocentric+model&title=Special:Search&profile=default&fulltext=1&searchToken=22x3i2qo45oqtlwkm6jdzqwn#/media/File:Copernicus_-_Heliocentric_Solar_System.JPG, acesso em jun/2017.
As conclusões de Copérnico não foram aceitas na época, principalmente
porque ele falhou ao apresentar uma física explicativa do movimento dos corpos na
Terra e no Universo. Por exemplo, como se explica a queda dos corpos em direção
ao solo, se a Terra não é mais o centro do Universo? Como a física aristotélica não
fazia sentido considerando-se um viés heliocêntrico, não havia elementos suficientes
para apoiar a veracidade desse modelo, considerado simplesmente um modelo
matemático que não expressava a realidade. Mesmo assim, ao longo das décadas
seguintes, essa obra serviu para que filósofos naturais como Galileu e Kepler
passassem a levar tal modelo com mais seriedade e tentar aprimorá-lo. A publicação
76
do Sidereus ocorreu no auge da discussão da validade entre os modelos
geocêntrico e heliocêntrico.
Nesse produto, apresenta-se uma discussão de trechos selecionados do
Sidereus, com o intuito de possibilitar discussões sobre como Galileu expôs
argumentos em prol do modelo heliocêntrico. Por meio desses debates, pretende-se
tratar do processo de construção do conhecimento científico e das influências que os
contextos sociais e culturais exerceram nesse processo. Dessa maneira, é possível
mostrar o papel da criatividade do cientista e ressaltar como o conhecimento sobre o
mundo transforma-se ao longo do tempo, com o advento de novas interpretações e
ideias sobre os fenômenos naturais. Foram escolhidos os trechos em que Galileu
discute as observações da superfície da Lua e das luas de Júpiter, pois,
basicamente, esses dois aspectos representam os tópicos principais tratados no
Sidereus.
3.1 A observação da Lua
Em sua obra, Galileu cita que as suas primeiras observações do céu com o
instrumento foram da face da Lua. Ele não foi o primeiro a examinar a lua por meio
de um telescópio. Thomas Harriot (1560-1621) estudou a lua em meados de julho de
1609, aparentemente quatro meses antes da publicação de Sidereus e suas
constatações só se tornaram conhecidas recentemente. Harriot nunca chegou a
publicar uma obra sobre astronomia, sendo difícil o acesso aos seus estudos. Há
dúvidas também em relação à data da realização de suas observações, se antes ou
depois da publicação de Sidereus, por conta da diferença de calendários entre a
Inglaterra e a Itália na época17. Por exemplo, há registro de uma carta a Harriot, de
um amigo chamado William Lower, enviada em 6 de fevereiro de 1610, quando ele
17 O calendário gregoriano, promulgado pelo Papa Gregório XIII (1502 – 1585), em 1582, foi adotado imediatamente por Espanha, Itália, Portugal e Polônia. A Grã-Bretanha e suas colônias só aceitaram a alteração do calendário juliano para o gregoriano no ano de 1752. A carta recebida por Harriot pode, então, ter sido escrita em 06 de fevereiro de 1609, de acordo com o calendário juliano, no estilo velho, ou 06 de fevereiro de 1611, no estilo gregoriano. A Inglaterra também adotava o primeiro dia do ano como 25 de março. Desse modo, a forma de escrever a data no calendário vigente na Inglaterra deveria ser 06 de fevereiro de 1609/1610 ou 06 de fevereiro de 1610/1611, pois se tratava de um dia anterior ao ano novo britânico e posterior ao ano novo nos países que já tinham adotado o calendário gregoriano.
77
agradecia o envio de um “cilindro de perspectiva” (telescópio), mas sem mencionar a
publicação de Galileu.
Tanto Harriot quanto Galileu apontaram em suas ilustrações as imperfeições
da superfície lunar, já estabelecendo alguma controvérsia para a época, na qual a
ideia da lua como um corpo perfeito era muito presente. Porém, Galileu permitiu
perceber, com riqueza de detalhes, as imperfeições da superfície lunar. A lua
deixava de ser um corpo liso, ficando mais perto da imperfeição do mundo terrestre,
com montanhas, vales, crateras etc. Provavelmente, por Galileu dominar as técnicas
de perspectiva em ascensão na época, suas imagens da lua são muito mais
detalhadas que as de Harriot.
Figura 6 – Ilustração da Lua feita por Thomas Harriot, em 1609. Fonte: http://galileo.rice.edu/sci/harriot_moon.html, acesso em jun/2017.
78
Figura 7- Ilustrações feitas por Galileu da Lua. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Galileo%27s_sketches_of_the_moon.png, acesso em mar/2017.
No Sidereus, Galileu apresentou quatro gravuras distintas da lua, em fases
diferentes, procurando fazer uma descrição visual dos tipos de relevos da superfície
lunar, facilitando correspondências com o relevo terrestres. Em um determinado
trecho da obra, transcrito abaixo, existe uma clara tentativa de Galileu em estimar o
tamanho das maiores elevações do relevo lunar, usando como parâmetros
comparativos os mesmos efeitos na Terra.
Como foi muitas vezes observado por mim que, em diferentes posições da Lua relativamente ao Sol, dentro da parte escura da Lua alguns cumes aparecem banhados de luz, mesmo estando muito longe da linha divisória da luz, comparando a sua distância a essa linha com o diâmetro lunar total, descobri que essa distância algumas vezes excede a vigésima parte do diâmetro. Assumindo isto, considere-se o globo lunar, cujo círculo máximo é CAF, e o centro é E, e cujo diâmetro, CF, está para o diâmetro da Terra como dois está para sete. E visto que de acordo com as observações mais rigorosas o diâmetro terrestre tem 7000 milhas italianas, CF será de 2000 milhas, CE 1000 e a vigésima parte de todo CF será de 100 milhas. Seja agora CF o diâmetro do círculo máximo que divide a parte luminosa da parte escura da Lua (devido à distância muito grande do Sol em relação à Lua, este círculo não difere sensivelmente de um círculo máximo), e esteja A distante do ponto C um vigésimo do diâmetro; trace-se o semidiâmetro EA que, quando estendido, intersecta a tangente GCD (que representa um raio
79
de luz) no ponto D. O arco CA ou a linha reta CD serão, portanto, 100 [partes nas unidades em que] CE vale 1000, e a soma dos quadrados CD e CE é 1 010 000 [destas unidades] que é igual ao quadrado de ED. Todo o ED será, portanto, maior que 1004, e AD mais do que 4 unidades das quais CE tem 1000. Portanto, a altura AD na Lua, que representa na Lua um pico que se eleva até ao raio do Sol GCD, e que está afastado da linha divisória C pela distância CD, é maior do que 4 milhas italianas. Mas na Terra não existem montanhas que tenham sequer altura de 1 milha vertical. É, pois, evidente que as proeminências lunares são mais elevadas do que as terrestres18 (LEITÃO, 2010, p. 168).
Figura 8 - Ilustração utilizada para descrição do processo de obtenção da altura de montanhas lunares Fonte: LEITÃO, 2010, p. 168.
Utilizando o raciocínio de Galileu, o comprimento real do segmento CD, seria,
desse modo, de 173,7 km. Com isso, o segmento DE, utilizando Teorema de
Pitágoras – segundo o próprio autor –, teria um valor de 1745,7 km. Assim, a altura
da maior montanha lunar teria um valor de 8,7 km aproximadamente, uma altura
próxima à do Monte Everest, que possui cerca de 8,9 km.
Galileu, no seu cálculo, chegou ao resultado de que a maior elevação lunar
seria de 4 milhas italianas, ou seja, 5,912 km, e afirmou que as elevações na Terra
18 Alguns termos e cálculos de Galileu não são mais utilizados nos dias atuais ou não são considerados muito precisos. Por exemplo:
• Milha italiana: unidade de medida amplamente utilizada na época em toda a Europa, com nome de “miliare vetus” ou milha itálica, equivalente a 1,478 km.
• Raio Terrestre: segundo informações do texto, Galileu estimou que o diâmetro terrestre fosse de 7000 milhas italianas, o que equivaleria a um total de 10346 km para o diâmetro e, consequentemente, 5173 km para o raio terrestre. Hoje, com valores mais precisos, adota-se o valor de 6371 km para o raio terrestre, significando um erro de aproximadamente 19%, para menos.
• Raio Lunar: pela estimativa de Galileu, o raio da Lua seria de 1000 milhas italianas, o que equivaleria a 1478 km. Hoje, com valores mais precisos, é adotado o valor do raio lunar igual a 1737 km, ou seja, um erro de aproximadamente 15%, para menos.
80
não ultrapassariam 1 milha italiana, ou seja 1478 m, bem distante das alturas
conhecidas hoje. Considerando o momento em que essas estimativas foram feitas, é
admirável a proximidade obtida por ele, com erros da ordem de apenas 15%. A
maior elevação lunar conhecida hoje, detectada pelo Lunar Orbiter Laser Altimeter
(LOLA), definiu um ponto com altitude de 10,786 km acima da altitude média da Lua,
localizado nas proximidades de uma cratera de 44 km de diâmetro. É interessante
ao professor mostrar para os alunos que, tendo em vista os seus conhecimentos de
trigonometria provavelmente já familiares, é possível alcançar valores próximos aos
que Galileu conseguiu, mesmo com algumas imperfeições em relação aos valores
conhecidos hoje.
Além de buscar estimar a altura das montanhas da lua, Galileu supôs a
existência de água na forma de lagos ou oceanos em sua superfície.
No que respeita às manchas grandes da Lua, não se veem tão interrompidas e cobertas de depressões e protuberâncias, aparecendo mais regulares e uniformes, emergindo apenas nelas, aqui e ali, pequenas zonas brilhantes. Deste modo, se alguém quiser ressuscitar a antiga opinião pitagórica segundo a qual a Lua seria uma outra Terra, a parte mais brilhante seria mais apta a representar a superfície terrestre e a sua parte mais obscura a superfície aquosa. Quanto a mim, nunca duvidei de que, se o globo terrestre, banhado pelos raios solares, fosse visto de longe, a superfície de terra firme se ofereceria mais clara ao olhar e a parte de água mais escura. Além disso, na Lua, vê-se que as grandes manchas são mais cavadas do que as zonas mais claras, pois tanto na fase crescente como na fase minguante, vê-se sempre surgir no limite da luz e das trevas, aqui e ali, em torno das próprias manchas grandes, os bordos da parte mais clara, como tivemos o cuidado de mostrar nas figuras. E os contornos das ditas manchas não são somente mais cavados, mas também mais uniformes e não entrecortados por rugas ou asperezas. A parte mais iluminada, além disso, eleva-se muito perto das manchas, a tal ponto de que antes da primeira quadratura, como nas vizinhanças da segunda, enormes protuberâncias se elevam acentuadamente, perto de uma certa mancha ocupando a região superior, isto é, boreal da Lua, tanto acima como abaixo dela, como os desenhos aqui juntos mostram (LEITÃO, 2010, p. 159).
81
Figura 9 - Ilustrações feitas por Galileu para tentar evidenciar a existência de água na superfície lunar Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Galileo%27s_sketches_of_the_moon.png, acesso em abr/2017.
As colocações feitas por Galileu eram diretamente contrárias à visão exposta
na obra de Aristóteles, já citada anteriormente, de que os elementos mais pesados
deveriam ficar próximos ao centro da Terra (como a terra e a água) e os corpos mais
leves deveriam ficar nas regiões mais elevadas, com os corpos celestes feitos de
éter, sendo perfeitos e lisos.
Fotos e textos que evidenciavam as observações da superfície lunar e os
aspectos que confrontavam a visão existente na época da obra Sidereus Nuncius
tornam-se ferramentas interessantes para a discussão abrangente em sala de aula.
Podem ser apresentadas três propostas de trabalho com as ilustrações das
imagens da Lua para serem realizadas em sala de aula:
• 1ª PROPOSTA: O professor pode imprimir as ilustrações da Lua de
Thomas Harriot (figura 6) e de Galileu (figura 7) e pedir aos alunos que
façam comparações entre os detalhes apresentados pelos dois cientistas.
Também se podem suscitar questionamentos dos motivos das diferenças
nessas ilustrações, mesmo tendo sido feitas em períodos muito próximos.
Os alunos podem ainda discutir a respeito de quais das ilustrações
poderiam ter provocado maior impacto em suas respectivas publicações e
por quais motivos.
• 2 º PROPOSTA: Galileu acreditou na existência de água em estado líquido
na Lua. O professor, utilizando a figura 9, poderia perguntar quais seriam
82
os motivos de tal crença, e se atualmente essa suposição de Galileu teria
fundamento. É possível perguntar aos alunos acerca dos círculos que
aparecem nas ilustrações tanto de Galileu quanto na de Harriot e qual
seria a razão dessas aparições. O professor depois pode explicar que
esses círculos foram causados por impactos de corpos que vagavam pelo
espaço e se chocaram contra a Lua. Podem ser propostos
questionamentos sobre a suposta não existência desses círculos na Terra,
ou se eles existem e não são notados, esclarecendo-se que a razão
desses impactos não estarem tão aparentes está relacionada à erosão por
parte da atmosfera terrestre com o passar dos anos e a camada gasosa
terrestre funciona como um escudo, evitando que muitos corpos colidam-
se com a superfície.
• 3ª PROPOSTA: Ao apresentar a figura 8, o professor pode demonstrar os
cálculos efetuados por Galileu com base nos conhecimentos dos alunos
sobre conteúdos de geometria plana, como teorema de Pitágoras e
transformações de unidades de medida.
3.2 As luas de Júpiter
Em 07 de janeiro de 1610, Galileu resolveu utilizar seu telescópio para
observar Júpiter que, segundo ele, aparecia no céu naquele momento. Ele afirmou
que já havia examinado Júpiter com um outro instrumento de menor qualidade, mas
essa análise não apresentara resultados significativos. Em uma das observações, o
filósofo natural italiano notou que algumas estrelas próximas ao planeta pareciam ter
um comportamento atípico ao das estrelas fixas.
Assim, então, no sétimo dia de Janeiro do presente ano de 1610, na primeira hora da noite, quando eu examinava os astros do céu através da luneta, Júpiter mostrou-se, e, como me tinha munido de um instrumento excelente, vi (o que não tinha acontecido antes devido à fraqueza do outro instrumento) que três pequenas estrelas estavam perto dele – pequenas, mas muito brilhantes. Embora achasse que eram do número das estrelas fixas, apesar de tudo intrigaram-me, pois pareciam estar dispostas exatamente ao longo de uma linha reta paralela à eclíptica, e ser mais brilhantes do que as outras da mesma grandeza. A sua disposição entre si em relação a Júpiter era a seguinte (LEITÃO, 2010, p. 179):
83
Figura 10 – Registro da observação de Galileu do planeta Júpiter no dia 07 de janeiro de 1610 Fonte: LEITÃO, 2010, p. 179.
Figura 11 – Registro da observação de Galileu do planeta Júpiter no dia 08 de janeiro de 1610 Fonte: LEITÃO, 2010, p. 180.
Figura 12 – Ilustração indicando planeta Júpiter e as estrelas observadas no dia 11 de janeiro de 1610 Fonte: LEITÃO, 2010, p. 180.
Segundo Galileu, no oitavo dia, ele resolveu observar novamente o planeta,
sendo “guiado não sei por que destino” (LEITÃO, 2010, p. 180), possivelmente
insinuando uma influência sobrenatural sobre suas análises. Ele então examinou o
movimento dessas estrelas e de Júpiter dia após dia, ilustrando suas observações.
Chegou, no oitavo dia, a pensar que os dados sobre os movimentos de Júpiter
estivessem errados, alegando que a ilustração poderia demonstrar um
deslocamento direto do planeta em relação às estrelas fixas, acompanhando o
movimento progressivo dos planetas, e não retrógrado, contrário à locomoção dos
outros planetas, conforme dados disponíveis na época. Ele chegou a considerar que
suas anotações a respeito do movimento dos planetas estavam equivocadas, pois
denotavam um movimento retrógrado do planeta em relação às estrelas fixas (para a
esquerda, enquanto suas observações indicavam um movimento progressivo
(conforme figuras 10 e 11).
84
Somente ao verificar novamente a formação de Júpiter e das estrelas, no
décimo dia, já que no nono dia o céu estava encoberto, Galileu passou a se
convencer de que, na verdade, as estrelas próximas ao planeta estavam
deslocando-se.
Foi assim, que no dia décimo primeiro, vi a seguinte disposição: (figura 10). Estavam apenas duas estrelas orientais, das quais a do meio distava três vezes mais de Júpiter do que da mais oriental. E a mais oriental era cerca de duas vezes maior do que a outra, enquanto na noite anterior elas haviam aparecido aproximadamente iguais. Então, estabeleci e determinei, sem a mais pequena dúvida, que existiam no céu três estrelas errantes em torno de Júpiter, como Vênus e Mercúrio em torno do Sol (LEITÃO, 2010, p. 180).
Os planetas são considerados estrelas errantes pois não estão fixos em
relação a outras estrelas no céu, movendo-se diariamente com relação a esse
referencial. Galileu então, ao examinar diariamente o posicionamento de Júpiter e
das estrelas, descobriu, no décimo terceiro dia, a existência de uma quarta estrela
também circundando o planeta. Foram, ao todo, 65 ilustrações, sempre destacando
o planeta com as outras quatro estrelas. As observações foram encerradas em 02
de março.
Durante suas análises e explicações do posicionamento, Galileu citou,
algumas vezes, que esses astros eram estrelas, e, em outros momentos,
considerou-os planetas, trocando a nomenclatura de um para outro em diversas
ocasiões. Conforme adiantou na introdução de Sidereus Nuncius, ele decidiu
nomear as tais estrelas como Mediceias, em homenagem à Cosme II de Médice:
E, assim, uma vez que sob os vossos auspícios, Sereníssimo COSME, descobri essas estrelas, desconhecidas de todos os anteriores astrônomos, decidi, com todo o direito, de adorná-las com o muito augusto nome de Vossa família. Se fui o primeiro a descobri-las, quem me negará o direito de também lhes atribuir um nome e as chamar ESTRELAS MEDICEIAS, esperando que tanta dignidade seja adicionada a estes astros por esta designação como foi conferida a outras estrelas por outros heróis? Pois, sem falar dos vossos Sereníssimos Ancestrais, de cuja glória eterna todos os monumentos da história dão testemunho, apenas o Vosso mérito, Supremo Herói, pode garantir a essas estrelas a imortalidade do nome. Quem, de fato, duvidará que por grande que seja a expectativa que suscitastes com os mais auspiciosos começos do vosso reino, não só mantereis e defendereis, mas a havereis de superar por larga margem, de modo que, uma vez vencidos os vossos pares, vos confrontareis convosco e dia a dia vos superareis a vós e à vossa grandeza? (LEITÃO, 2010, p. 148).
85
Já na última página, Galileu anunciou que apresentaria uma discussão mais
detalhada do movimento das estrelas Mediceias em torno de Júpiter em uma futura
obra. Também se destaca o fato de, também na última página, Galileu ter colocado-
se contrário à ideia de uma órbita elíptica, citada por ele como “oval”, apresentada
por Kepler em 1609: “(...) quanto a um movimento oval (que neste caso teria que ser
quase direto), parece ser inconcebível e de maneira nenhuma concordante com as
aparências” (LEITÃO, 2010, p. 206).
Na penúltima página de Sidereus Nuncius, há uma referência direta ao
modelo heliocêntrico proposto por Copérnico, corroborado pelas observações dos
astros rodeando Júpiter:
Temos, além disso, um excelente e esplêndido argumento para eliminar os escrúpulos daqueles que, embora admitindo tranquilamente a revolução dos planetas em torno do Sol no sistema copernicano, ficam tão perturbados pela circulação de uma única Lua em torno da Terra, enquanto as duas juntas completam um orbe anual em torno do Sol, que concluem que essa constituição do universo deve ser considerada como impossível. Pois aqui temos não apenas um planeta revolvendo em torno do outro enquanto ambos se deslocam ao longo de um grande círculo em torno do Sol, mas os nossos sentidos mostram-nos quatro estrelas vagueantes em torno de Júpiter, à semelhança da Lua em torno da Terra, ao mesmo tempo que todas elas com Júpiter percorrem um grande orbe em torno do Sol no intervalo de doze anos (LEITÃO, 2010, p. 205).
Há também nesta citação um possível posicionamento contrário ao modelo
proposto por Tycho Brahe, pois Galileu coloca-se como partidário do modelo dos
planetas circulando em torno do Sol. Por fim, é importante destacar um
posicionamento contrário ao geocentrismo já demonstrado desde o início da obra.
Eis, pois, quatro estrelas reservadas para o vosso nome ilustre, e não são elas da multidão das menos notáveis estrelas fixas, mas da ordem ilustre das estrelas vagueantes, que, com movimentos sem dúvida diferentes, fazem os seus percursos e órbitas com uma velocidade maravilhosa em torno da estrela Júpiter, a mais nobre de todas elas, com uma autêntica descendência, enquanto todas juntas, em mútua harmonia, completam as suas revoluções cada doze anos em torno do centro do mundo, isto é, em torno do próprio Sol (LEITÃO, 2010, p. 146).
Como sugestão de atividade ao se discutir o movimento das luas de Júpiter,
indicam-se as seguintes propostas:
• 1ª PROPOSTA: O professor pode apresentar as figuras 8, 9 e 10, com as
luas de Júpiter, e pedir para os alunos apontarem ideias a respeito da
86
justificativa dessas luas em torno do planeta. Em seguida, é possível
suscitar uma discussão a respeito da crença existente na época sobre o
movimento dos corpos em torno da Terra e de que maneira essa evidência
apresentada por Galileu poderia resultar em um pensamento contrário ao
modelo geocêntrico.
• 2ª PROPOSTA: Nessa etapa, podem ser apresentados os textos originais
sobre as observações feitas por Galileu a respeito do movimento das luas
de Júpiter e ser promovida uma discussão acerca das ideias de Galileu
sobre os modelos geocêntrico e heliocêntrico, com questões como: Qual
era o posicionamento do filósofo a respeito dos dois modelos
astronômicos? Qual seria o provável motivo de Galileu nomear as luas
como Estrelas Mediceias? Galileu consegue justificar sua aceitação ao
modelo heliocêntrico apenas pela observação da existência das luas de
Júpiter? Poderia Galileu afirmar, assim, que a Terra ou o Sol eram o
centro do universo? Por qual motivo Galileu resolveu encerrar rapidamente
essa obra e indicar uma futura publicação na qual faria uma discussão
mais aprofundada a respeito do movimento dos planetas?
3.3 Considerações finais sobre o Sidereus Nuncius
A publicação de Sidereus Nuncius é considerada por alguns historiadores
como um fator importante para a origem da moderna astronomia e como o primeiro
tratado científico baseado em observações astronômicas utilizando-se telescópios.
Porém, essas avaliações não foram unânimes na época.
De acordo com Drake (1978), a obra causou “reações violentas” contrárias à
Galileu. Filósofos e astrônomos, na sua maioria, declararam que tudo não passava
de ilusões de óptica e ridicularizaram Galileu. Uma notável exceção foi Kepler, de
quem Galileu teria solicitado opinião por intermédio do embaixador toscano em
Praga, onde Kepler era astrônomo do Sacro Imperador Romano (DRAKE, 1978).
Galileu chegou a enviar um telescópio a Kepler, que publicou a confirmação dos
satélites de Júpiter, por meio de constatações próprias. (LEITÃO, 2010, p. 11)
87
Leitão (2010) cita o livro de Galileu Galileu como “uma obra que pode, sem
qualquer exagero, ser considerada a mais emblemática, a mais perturbadora, mas
também a mais acessível de todas quantas compõe o excepcional panteão dos
textos da revolução científica” (LEITÃO, 2010, p.11). Exatamente por esse aspecto,
é considerada fundamental a utilização do Sidereus como base para discutir
aspectos a respeito da Natureza da Ciência e da História da Física em si (DRAKE,
1980).
O emprego de Sidereus em sala de aula é uma importante ferramenta que
apresenta uma versão de como a ciência, e por consequência, a física, é construída,
com suas influências sociais e culturais nas pesquisas dos filósofos e físicos. Essa
percepção é facilitada exatamente pela simplicidade dos textos apresentados no
trabalho e pelos pontos cruciais envolvendo a cultura ocidental da época. A
discussão do melhor modelo planetário para o sistema solar ultrapassa a simples
comprovação do certo ou errado, mas considera os aspectos sociais que naquele
momento influenciavam cada pensamento.
Conforme já comentado, a possível referência a Galileu como um “herói” por
lutar contra a visão da igreja é possivelmente exagerada em algumas discussões
sobre a vida do filósofo. A reflexão a respeito dos modelos heliocêntrico e
geocêntrico torna-se muito superficial sem uma contextualização da época e da vida
de Galileu.
É evidente, ao analisar essa obra, a interferência da sociedade e a forma
como Galileu se viu influenciado por ela em sua publicação. E os motivos para a
publicação de Sidereus nesse formato, como um relato ao Grão-duque da Toscana,
também demonstram um interesse em uma evolução social por parte do filósofo.
É importante o fato de Sidereus Nuncius ter sido peça capital na aproximação que Galileu vinha a desenvolver à corte do Grão Ducado da Toscana e à família Médice. As apuradas técnicas de ascensão social de gestão da sua carreira, de relação como os seus mecenas e o seu hábil sentido de cortesão tem recebido muita atenção nos últimos anos e é hoje claro que nenhuma descrição da carreira e feitos de Galileu pode prescindir do conhecimento desses elementos (LEITÃO, 2010, p. 26).
Também é importante destacar que a adesão ao modelo heliocêntrico não
aconteceu em um momento específico, mas demorou um tempo.
88
A adesão de Galileu às teses copernicianas parece ter sido um processo complicado, com hesitações, avanços e recuos. A 30 de maio de 1597, escrevia a Jacopo Manzoni dando aquelas que são as primeiras informações conhecidas acerca do seu copernicianismo e, poucas semanas depois, a 4 de agosto de 1597, numa bem conhecida carta a Kepler, declarava que havia aderido às ideias de Copérnico há já muitos anos. Os historiadores tem lido sempre essa afirmação com muita reserva, tanto mais que nessa mesma carta anunciava ter várias provas do copernicianismo, o que não era seguramente verdade. Nos anos seguintes, contudo, até 1610, pouco se pode discernir nos seus textos acerca deste assunto. Dois dos maiores especialistas de Galileu, os historiadores Stillman Drake e William Wallace, advogam que este teria suspendido ou abandonado as convicções copernicianas no período entre 1604 e 1610. Seriam as observações com o telescópio o fato crucial a tornar Galileu num defensor do copernicianismo, como aliás ele próprio reconhece num passo do seu Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas de Mundo (LEITÃO, 2010, p. 24).
Esse parágrafo de Leitão (2010) pode ser apresentado aos alunos como um
argumento contrário à visão de que os fatos na física e na ciência em geral sejam
feitos por insight ou por um momento de genialidade espontânea. Muitas das teorias
apresentadas são reflexos de idas e vindas na evolução do pensamento científico e
de estudos contínuos durante anos.
89
4 DIÁLOGOS SOBRE OS DOIS MÁXIMOS SISTEMAS DO MUNDO PTOLOMAICO
E COPERNICANO
4.1 Introdução
Após uma discussão sobre a biografia de Galileu e a sua primeira obra,
Sidereus Nuncius, analisa-se outra obra do filósofo, o Diálogo sobre os dois
máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano (Dialogo sopra i due massimi
sistemi del mondo).
A apreciação dessa obra e sua utilização em sala de aula pode suscitar
discussões relevantes acerca da relação entre ciência e religião, uma vez que sua
publicação tem relação com a condenação de Galileu pela igreja na década de
1630. A obra é considerada por alguns historiadores como uma das mais marcantes
da revolução científica. Nela, Galileu, procurou mostrar seus pensamentos,
deduções e evidências a respeito de vários aspectos da filosofia natural da época,
como o movimento diurno e anual da Terra, composição de movimentos e fenômeno
das marés, entre outros aspectos.
Segundo Drake (1980), na biografia de Galileu Galilei, a forma de diálogo foi
escolhida por razões diversas,
[...] entre as quais o fato de que, durante o século XVI, essa forma tinha se tornado muito popular em livros destinados a educar o público. As conversas professor-aluno, que apareceram primeiro para esse fim, tinham a tendência para se tornarem catecismos aborrecidos, por isso o diálogo de Galileu introduzia, com efeito, dois especialistas que competiam pelo apoio de um terceiro participante, independente. Outra razão para escrever em forma de diálogo era que o autor podia afastar de um comprometimento com opiniões que podiam ser condenáveis. Um intérprete, principalmente, representava Galileu, que aparecia no livro só como ‘o nosso amigo’ ou ‘o acadêmico’, ou coisa parecida, quando queria afirmar a sua pretensão ou responsabilidade pessoal em certas coisas. (DRAKE, 1980, p.117)
Os diálogos envolviam três personagens:
• Salviati – Um estudioso e defensor da visão de mundo mais recente da
época, apoiado por um olhar mais experimental e contestador da crença que
imperava no período, fundamentada em princípios filosóficos, boas
argumentações e lógica, sobrepondo-se a comprovações empíricas.
90
Procurava ilustrar aos outros dois interlocutores seus pensamentos por meio
de demonstrações, como as prováveis evidências do modelo heliocêntrico, e
era o responsável, não declarado na obra, de representar Galileu Galilei, em
uma espécie de alter ego do filósofo natural italiano.
• Simplício – Pensador que detinha uma visão mais próxima da filosofia natural
vigente na época. Apoiava-se, muitas vezes, em dogmas defendidos pela
igreja católica e contrapunha a visão de Salviati, sendo um defensor da
imobilidade da Terra quanto à movimentação dos planetas no Sistema Solar.
• Sagredo – Mediador das jornadas de debates; ouvia os dois lados, mas tinha
uma visão mais próxima do pensamento de Salviati, concordando com este
em praticamente todos os raciocínios após as explicações das visões
divergentes.
O Diálogo foi dividido em conversas durante quatro dias, chamadas de
“jornadas”, nas quais os interlocutores abordavam questões relativas à astronomia e
à mecânica da época, como composição de movimentos. No primeiro dia, a
discussão baseou-se, principalmente, na divisão aristotélica entre substâncias
celestes e elementares e os seus movimentos associados. Em alguns momentos
dessa jornada, foram discutidas características da superfície e iluminação variável
entre montanhas e crateras da Lua, relatadas anteriormente por Galileu em Sidereus
Nuncius.
No segundo dia, discutiu-se a relatividade galileana, que era o principal
argumento físico utilizado por Galileu para tentar provar o movimento de rotação
diária da Terra. A tentativa de demonstrar que a Terra possuía seu movimento de
rotação era fundamental para se justificar a existência do dia e da noite em um
modelo heliocêntrico.
O terceiro dia foi reservado para a discussão sobre o movimento anual da
Terra em volta do Sol e certos fenômenos associados a esse movimento e à rotação
diária da Terra. Dentre os argumentos expostos, estava a mudança cíclica de órbita
de manchas solares durante o ano, também uma evidência, segundo Galileu, do
modelo heliocêntrico. Galileu não citou e praticamente ignorou qualquer referência
às obras de Kepler e Brahe.
91
Segundo Drake, o fato de Galileu não ter citado Kepler ou suas órbitas
elípticas talvez estivesse associado ao decreto papal de 161619 e ao Concílio de
Trento, que não autorizava tratar sobre esses movimentos – a não ser
hipoteticamente –, e o fato Kepler ser um protestante alemão, cujos livros estavam
no Index20 dos Livros Proibidos. (DRAKE, 1980)
No quarto dia da obra, Galileu tratou das marés. Segundo ele, o movimento
periódico das marés só teria explicação plausível considerando-se um universo com
a Terra não fixa. Apesar de ser incorreta atualmente, é importante ressaltar que uma
teoria razoavelmente correta só se desenvolveu começo do século XVIII21.
4.2 O fenômeno das marés
Logo no início da quarta jornada, Galileu já expôs sua estimada relevância ao
fenômeno de “fluxo e refluxo” dos mares como forte evidência de uma Terra móvel,
segundo trecho seguinte.
19 Em 1616, Galileu foi acusado de defender o sistema heliocêntrico, sendo contrário à tradição da igreja que, durante séculos, afirmava que a interpretação da bíblica colocava a Terra como centro do universo. No Concílio de Trento (1545-1563), foi decretado que os católicos não deveriam admitir interpretações da bíblia contrárias às da igreja. Assim, em 1616, os livros de Nicolau Copérnico foram inclusos no índice de livros proibidos e Galileu foi ordenado pelo cardeal Belarmino a não manter, ensinar ou defender a doutrina condenada de forma nenhuma, seja oralmente ou por escrito. Não se sabe se essa ordem foi efetivamente proferida a Galileu, mas o fato é que ele a cumpriu naquele momento. 20 Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos) foi uma lista de publicações proibidas pela igreja católica. Obras eram inclusas na lista caso contivessem teorias não apoiadas pela igreja católica. A primeira versão do Index foi promulgada pelo papa Paulo IV (1476-1559), em 1559, e uma versão revista deste foi autorizada pelo Concílio de Trento. A última edição do índice foi publicada em 1948 e o Index só foi abolido pela igreja católica em 1966, pelo papa Paulo VI (1897-1978). Nessa lista estavam livros que iam contra os dogmas da igreja e que continham conteúdo tido como impróprio. 21 Hoje, a explicação dada ao fenômeno das marés baseia-se no princípio das Forças Gravitacionais, propostas por Isaac Newton (1643-1727), em sua obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (Philosophiae naturalis principia mathematica), publicada pela primeira vez em 1687, cerca de 55 anos após Diálogos. Segundo a interpretação aceita atualmente, as forças atuantes sobre as marés são produzidas devido à Terra ser um corpo extenso e os campos gravitacionais produzidos tanto pelo Sol como pela Lua não atuarem de forma homogênea em todos os pontos da Terra, por causa da variação de distância desses pontos em relação aos corpos celestes citados. Dessa forma, as massas de água mais próximas do Sol ou da Lua sofrem maiores acelerações que as massas de água mais afastadas desses astros, resultando em marés altas (quando mais próximas) e marés baixas (quando mais afastadas).
92
Sagredo – Não sei se vosso retorno às habituais discussões foi mais demorado que de costume, ou se o desejo de escutar os pensamentos do Sr. Salviati acerca da matéria tão interessante tenha feito que assim me parecesse. Fiquei, por uma longa hora à janela, esperando a cada momento ver aparecer a gôndola que enviei para trazer-vos. Salviati – Creio que, em verdade, o tempo foi prolongado por vossa imaginação, mais que por nossa demora; e para não prolongá-la mais, será oportuno, sem interpor outras palavras, que venhamos ao fato e mostremos como a natureza tem permitido (ou que a coisa seja assim ‘in rei veritage’, ou por brincadeira e quase por zombar de nossas elocubrações) tem, digo, permitido que os movimentos há muito tempo atribuídos à Terra, por outras razões e sem querer da conta do fluxo e refluxo do mar, encontrem-se agora servir tão adequadamente de causa para este último fenômeno e que reciprocamente esses mesmos fluxo e refluxo compareçam para confirmar a mobilidade terrestre: cujos indícios até agora foram tomados das aparências celestes, sendo que das coisas que acontecem na Terra nenhuma era capaz de estabelecer mais esta que aquela opinião, como longamente já examinamos, ao mostrar que todos os fenômenos terrenos, pelos quais se mantêm comumente a estabilidade da Terra e a mobilidade do Sol e do firmamento, devem aparecer nos feitos sob as mesmas aparências, quando se supõe a mobilidade da Terra e a estabilidade daqueles. Somente o elemento da água, por ser vastíssimo e não estar unido e ligado ao globo terrestre, como são todas as suas outras partes sólidas, mas que, por sua fluidez, fica em parte sui juris e livre, permanece, entre outras coisas sublunares, como a única na qual podemos reconhecer algum vestígio e indício do que faz a Terra quanto ao movimento e ao repouso(...) (MARICONDA, 2011, p. 493).
Segundo Mariconda (2011, p. 789), “a confiança de Galileu na teoria das
marés como evidência do modelo heliocêntrico foi tanta que, antes da publicação, o
título da obra era ‘Diálogo do fluxo e refluxo do mar’”. Essa discussão sobre marés
retoma a carta escrita em 8 de janeiro de 1616 ao cardeal Alessandro Orsini (1592-
1626), um amigo do Colégio dos Cardeais, como parte da estratégia de superar a
oposição da igreja à teoria copernicana. A tática foi infrutífera e o papa Paulo V
(1550-1621) acabou sugerindo que o cardeal intercedesse junto a Galileu para
desistir dessa proposição, a fim de que a inquisição não fosse contra o filósofo.
Por meio de explicações de Simplício sobre teorias do fenômeno das marés,
Galileu mostra-se cético com relação a outras teorias que buscavam explicar tal
fenômeno e acaba por refutar a possibilidade da interação entre a água dos mares e
a Lua.
Simplício – Esses fenômenos, Sr. Salviati, não começaram agora; são antiquíssimos e foram observados por uma infinidade de pessoas, e muitos se esforçaram para dar-lhes uma ou outra razão; e não está a muitas milhas distantes daqui um grande peripatético, que apresenta uma causa extraída de um certo texto de Aristóteles, que não foi convenientemente considerado pelos seus intérpretes; desse texto ele obtém que a verdadeira causa desses movimentos não se origina de outra coisa que das diferentes profundidades dos mares: porque as águas das profundidades maiores,
93
sendo mais abundantes, e por isso mais pesadas, expulsam as águas de profundidades menores que, depois de elevadas, querem descer; e deste combate contínuo deriva o fluxo e o refluxo. Os que atribuem isso à Lua são muitos, dizendo que ela tem um domínio particular sobre a água: e certo prelado22 publicou recentemente um pequeno tratado, onde diz que a Lua, vagando pelo céu, atrai e eleva em sua direção um cúmulo de água, que a segue continuamente, de modo que o mar alto está sempre naquela parte que subjaz à Lua; e como a subida das águas continua mesmo quando a Lua está abaixo do horizonte, ele diz que para salvar tal efeito não se pode dizer outra coisa a não ser que a Lua não apenas retém em si naturalmente essa faculdade, mas, neste caso, tem a potência de conferi-la àquele signo do zodíaco que lhe é oposto. Outros, como acredito que saibas, dizem também que a Lua tem a potência, com seu calor temperado, de rarefazer a água, a qual, rarefeita, eleva-se. Nem faltou tampouco quem... Sagredo – Por favor, Sr. Simplício, não é preciso que vos remetais mais a essas posições, porque não me parece que valha a pena consumir o tempo referindo-as, e muito menos gastar palavras para refutá-las; e se vós prestais assentimento a alguma dessas ou a semelhantes futilidades, estais sendo injusto com vosso próprio juízo, que sabemos ser muito ajustado (MARICONDA, 2011, p. 496)
O prelado citado por Simplício, segundo Mariconda (2011), tratava-se de
Marcantonio de Dominis (1566-1624), autor de As Sentenças de Euripus sobre o
fluxo e refluxo do mar (Euripus sive sententia de fluxu et refluxu maris). Dominis teve
suas obras colocadas no Index pela inquisição e, mesmo morrendo em 08 de
setembro de 1624, teve a sua condenação como herético e reincidente após a sua
morte. Teve seu corpo exumado e foi queimado juntamente com seus escritos
(MARICONDA, 2011).
Diálogo compreendeu análises e citações de trabalhos, no período de 1610 a
1632, feitas por Galileu, que realizou com o livro uma campanha a favor do
copernicianismo e da liberdade de pensamento, contrariando exatamente o texto de
1616 da inquisição que proibia o De revolutionibus, de Copérnico, de ser estudado e
discutido. Galileu tentou justificar sua opção pelo modelo heliocêntrico discutindo
aspectos aceitos na época acerca da cosmologia, confrontando os prováveis
movimentos de rotação e translação da Terra e, ao final, estudando o efeito das
marés como prováveis evidências do duplo movimento terrestre (translação e
rotação).
22 Prelado é a autoridade eclesiástica que, na igreja católica, tem o encargo de governar ou dirigir uma prelatura ou prelazia. Um exemplo de prelado é o bispo diocesano, cuja prelatura é a sua própria diocese.
94
Nas próximas subseções, são abordadas maneiras de se levar à sala de aula
alguns aspectos dessa obra de Galileu e, ao final, analisam-se aspectos importantes
acerca da condenação do filósofo, em 163323.
4.3 As suposições de Galileu acerca dos movimentos dos planetas
Durante a terceira jornada, Salviati e Sagredo discutiram o movimento dos
planetas e das luas de Júpiter, a fim de explorar evidências do modelo heliocêntrico
em detrimento do Modelo geocêntrico. Em um desses parágrafos, Simplício
questionou a razão pela qual Salviati referiu-se como “luas” aos quatro “planetas” de
Júpiter24.
Sagredo – Qual é a razão pela qual chamais luas os quatro planetas de Júpiter? Salviati – Porque assim elas se apresentariam a quem, estando em Júpiter, as olhasse. Porque elas são por si mesmas tenebrosas, e recebem a luz do Sol, o que é evidente por ficarem eclipsadas ao entrar no cone da sombra de Júpiter; e como delas é iluminado somente o hemisfério que está voltado para o Sol, para nós, que estamos afastados de seus orbes e mais próximos do Sol, mostram-se sempre todas luminosas; mas, para quem estivesse em Júpiter, mostrar-se-iam todas iluminadas quando estivessem nas partes superiores de seus círculos, mas nas partes inferiores, ou seja, entre Júpiter e o Sol, de Júpiter ver-se-iam falcadas; e, em suma, fariam para os jupiterianos as mesmas mudanças de figura que faz a Lua para nós terrestres. Vedes agora como se harmonizam admiravelmente com o sistema copernicano estas três primeiras cordas, que a princípio pareciam tão dissonantes. Disto, poderá, entretanto, ver o Sr. Simplício com quanta probabilidade pode concluir-se que não é a Terra, mas o Sol, que está no centro das revoluções dos planetas: e posto que a Terra está colocada entre os corpos do mundo que se movem indubitavelmente em torno do Sol, a saber, acima de Mercúrio e Vênus, e abaixo de Saturno, Júpiter e Marte, como não será do mesmo modo probabilíssimo e talvez necessário admitir que também ela gira em torno do Sol? (MARICONDA, 2011 p. 422).
Em seguida, Salviati comentou sobre uma causa provável do movimento
retrógrado dos planetas no céu, colocando como referencial fixo no centro do
universo o Sol, e não a Terra.
23 Para mais informações sobre Diálogo, recomenda-se o vídeo DIÁLOGO SOBRE OS DOIS MÁXIMOS SISTEMAS DE MUNDO (2013). 24 Vale lembrar que Galileu, em Sidereus Nuncius, ao observar essas luas, utilizou tanto o termo “Estrelas Mediceias” quanto “Planetas Mediceus”.
95
Sagredo – Desejaria entender melhor como funcionam no sistema copernicano essas paradas, regressos e avanças, que sempre me pareceram grandes improbabilidades.
Salviati – Vós, Sr. Sagredo, vereis que procedem de tal modo, que esta única conjectura deveria ser suficiente, para quem não fosse teimoso e indisciplinado, para fazê-lo prestar assentimento a todo o resto de tal doutrina. Digo-vos, portanto, que, sem nada mudar no movimento de Saturno de 30 anos, no de Júpiter de 12 anos, no de Marte de 2 anos, no de Vênus de 9 meses, e naquele de Mercúrio de 80 dias aproximadamente, é somente o movimento anual da Terra entre Marte e Vênus que causa as desigualdades aparentes nos movimentos de todas as cinco estrelas designadas; e para uma fácil e plena compreensão de tudo isso, traçarei uma figura. Para tanto, suponhamos que o Sol esteja colocado no centro O, em torno do qual traçaremos o orbe descrito pela Terra com o movimento anual BGM, e o círculo descrito, por exemplo, por Júpiter em torno do Sol em 12 anos, seja bgm, e na esfera estrelar tomemos o círculo do zodíaco yus; além disso, no orbe anual da Terra, tomaremos alguns arcos BC, CD, DE, EF, FG, GH, HI, IK, KL e LM, e, no círculo de Júpiter, marcaremos outros arcos passados no mesmos tempos nos quais a Terra passa os seus, que sejam bc, cd, de, ef, fg, gh, hi, ik, kl, lm, que serão proporcionalmente menores que aqueles que marcamos no orbe da Terra, pois que o movimento de Júpiter sob o zodíaco é mais lento que o movimento anual. Supondo agora que, quanto a Terra está em B, Júpiter esteja em b, aparecer-nos-á no zodíaco estar em p, sob a linha reta Bbp. Supondo agora que a Terra se mova de B até C, e Júpiter no mesmo tempo de b até c, Júpiter aparecerá no zodíaco em q, tendo-se movido progressivamente segundo a ordem dos símbolos p e q. (...) (MARICONDA, 2011, p. 424).
Figura 13 – Ilustração referente à explicação de Galileu sobre o movimento retrógrado dos planetas Fonte: MARICONDA, 2011, p. 425.
96
Segundo Mariconda (2011), Salviati, em sua fala, não justificou, nem
tampouco quis evidenciar como mais plausível o modelo heliocêntrico e sua
explicação, com base no modelo proposto por Copérnico, consegue dar
fundamentação ao movimento retrógrado e à parada dos planetas em relação ao
movimento das outras estrelas fixas, o que o modelo ptolomaico não conseguia
fazer, “a menos que admitisse a realidade das combinações dos grandes epiciclos e
deferentes, o que nem Ptolomeu, nem seus seguidores estavam dispostos a fazer”
(MARICONDA, 2011, p. 753).
Esse é um fato que o professor pode levar à discussão, pois, conforme crença
de alguns, a condenação de Galileu foi baseada na demonstração do modelo
heliocêntrico em detrimento ao modelo geocêntrico e o filósofo mostrou, em vários
momentos na obra, que o intuito real era abrir a discussão a respeito dos dois
modelos ao mundo científico, com uma visão mais livre de pensamento e não fixa
aos princípios e dogmas da igreja católica.
Para essa etapa, são sugeridas algumas atividades com o intuito de se
discutir a importância dessa obra no mundo científico e a revelação do pensamento
de Galileu ao escrevê-la.
• 1ª PROPOSTA: O professor pode fazer usar a introdução de Diálogo,
supracitada no início desse capítulo, discutindo as concepções existentes na
época acerca dos modelos planetários e o pensamento científico vigente e
ainda os aspectos importantes que Galileu queria atingir ou confrontar no
período. Essa análise auxilia a concatenar os fatos históricos com os
aspectos que causaram a condenação de Galileu logo após a publicação da
obra. O trabalho pode ser facilitado com a exibição do vídeo Diálogo sobre os
dois máximos sistemas de mundo (2013).
• 2º PROPOSTA: É possível trabalhar os textos originais das discussões
aludidas entre Salviati, Simplício e Sagredo sobre o fenômeno das marés e,
assim, o professor pode confrontar as ideias apresentadas pelos personagens
com as teorias atuais acerca desse fenômeno. Deve-se explicitar que os
conceitos expostos por Galileu não foram convincentes para explicar as
marés, mas também não se conheciam as leis da gravitação universal,
propostas por Newton apenas em 1687.
97
• 3ª PROPOSTA: Pode ser analisado o recorte da obra referente ao movimento
dos planetas, iniciando pelo movimento das luas de Júpiter e comparando-se
a evolução e a apresentação das ideias expostas em Sidereus e as
concepções colocadas em Diálogo. É interessante o professor suscitar essa
reflexão tendo em vista o tempo entre as duas publicações (1610 e 1632) e
mostrar que o trabalho do filósofo demorou para ser construído.
• 4ª PROPOSTA: Pode-se indicar aos alunos o texto e a ilustração sobre o
movimento dos planetas, ressaltando-se que a explicação dada por Galileu
era simples e bem formulada na época, usando conceitos sobre propagação
retilínea da luz, um dos princípios da óptica geométrica. O professor pode
também trabalhar o texto com a intenção de apresentar essa teoria como uma
suposta evidência de uma Terra em movimento ao redor do Sol, de acordo
com as concepções de Galileu na época.
98
5 OUTROS TEXTOS
Nessa seção, apresentam-se algumas das publicações e ideias de Galileu a
respeito das fases de Vênus. Para essa análise, é preciso abordar aspectos
sucedidos entre a publicação de Sidereus Nuncius e o Diálogo sobre os dois
máximos sistemas do mundo.
5.1 As hipóteses de Galileu sobre as fases de Vênus
Em 1623, Galileu publicou o livro Il Saggiatore (O Ensaiador), obra em que
divulgou um desenho, feito por ele mesmo, de Saturno (parte superior) e das fases
de Vênus (parte inferior), conforme figura 14.
Figura 14 - Ilustração de Galileu que indica a visualização dos anéis de Saturno e das fases de Vênus Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fases_de_Venus_-_Galileo_Galilei.png, acesso em jul/2017.
99
Baseando-se nessas observações, Galileu escreveu uma carta para o
embaixador da Toscana em Praga, Giuliano de Médice, em 1º de janeiro de 1611,
afirmando que os planetas não emitem luz e refletem a luz do Sol, além de propor a
constatação de que Vênus possuía fases, um argumento relevante em favor do
sistema heliocêntrico, já que Vênus não poderia estar sempre entre a Terra e o Sol,
como propunha o modelo ptolomaico.
No Diálogo, Galileu retomou a discussão sobre as fases de Vênus, bem como
sobre as de outros planetas observados por ele, apoiando-se no modelo de
Copérnico:
Simplício – Quando pudéssemos apoiar-nos sobre este único pressuposto, e estivéssemos certos de não poder encontrar alguma outra coisa que nos perturbasse, eu diria que é muito mais razoável dizer que o continente e as partes contidas movem-se todos em torno de um centro comum, que dizer que se movem em torno de centros diferentes.
Salviati – Ora, quando seja verdade que o centro do mundo é o mesmo que aquele em torno do qual se movem os orbes dos corpos do mundo, ou seja, os planetas, então não é certamente a Terra, mas antes o Sol, que se encontra colocado no centro do mundo: e de modo que, quanto a esta primeira apreensão simples e geral, o lugar do meio é do Sol, e a Terra encontra-se tão afastada do centro, quanto do mesmo Sol.
Simplício – Mas a partir do que concluís que não é a Terra, mas o Sol que está no centro das revoluções dos planetas?
Salviati – Conclui-se a partir de observações evidentíssimas, e por isso mesmo necessariamente concludentes; das quais as mais palpáveis, para excluir a Terra desse centro e colocar nele o Sol, são o encontrarem-se todos os planetas ora mais próximos e ora mais afastados da Terra, com diferenças tão grandes, que, por exemplo, Vênus, quando afastadíssima, encontra-se seis vezes mais distante de nós que quando está mais próxima, e Marte eleva-se quase oito vezes mais numa posição que em outra. Vede, portanto, se Aristóteles se enganou pouco ao acreditar que eles estivessem sempre igualmente distantes de nós.
Simplício – Mas quais são os indícios de que eles se movem em torno do Sol?
Salviati – Isso se conclui, para os três planetas superiores, Marte, Júpiter e Saturno, a partir de eles se encontrarem sempre muito próximos à Terra quando estão em oposição ao Sol, e muito distantes quando estão em conjunção; e esta aproximação e afastamento têm tanta importância que, quando Marte está próximo, vê-se 60 vezes maior que quando está afastadíssimo. De Vênus e de Mercúrio, tem-se certeza de que giram em torno do Sol, porque nunca se afastam muito dele e porque os vemos ora acima, ora abaixo, como se conclui necessariamente da mudança de figura (fase) de Vênus. Quanto à Lua, é verdade que ela não de modo algum separa-se da Terra, pelas razões que apresentaremos mais distintamente a seguir (MARICONDA, 2011, p. 404).
100
É interessante notar que as explicações de Salviati excluíram a Terra, o que
poderia levar à conclusão de que cinco planetas conhecidos na época (Mercúrio,
Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) girariam em torno do Sol. Desse modo, não se
excetuou o sistema proposto por Tycho Brahe, que aceitava o heliocentrismo para
os cinco planetas, mas com o Sol girando em torno de uma Terra imóvel
(MARICONDA, 2011).
Também convém ressaltar que Galileu referiu-se a Aristóteles porque este foi
o primeiro a ter adotado o modelo homocêntrico de Eudoxo (408-355 aC)25,
considerando que o mundo celeste estava composto por 55 esferas concêntricas à
Terra, no centro do universo. Segundo essa visão, os planetas sempre estavam à
mesma distância da Terra. A modificação do brilho dos planetas observados,
destacando-se Vênus, evidenciava essa variação na distância deste planeta em
relação à Terra. Essa passagem mostra Salviati e, por consequência, Galileu,
criticando a posição de Aristóteles, segundo a qual a Terra estaria no centro do
mundo (MARICONDA, 2011).
Para um trabalho do professor em sala de aula, sugere-se o seguinte:
• PROPOSTA: Deve-se mostrar a figura 12 aos alunos e apresentar o recorte
do texto de Diálogo e, com isso, evidenciar as crenças de Galileu na
aceitação do modelo heliocêntrico, com base nos argumentos expostos pelo
filósofo. O professor pode destacar que existiram outros modelos planetários
propostos por filósofos anteriores, como o modelo em que a Terra era centro
do universo e os planetas orbitavam em torno do Sol, que, por sua vez, girava
em torno da Terra (modelo homocêntrico de Eudoxo). Ainda é possível
demonstrar como seriam as quatro fases de Vênus, com um referencial
heliocêntrico, destacando que seria incompatível existir um planeta Vênus
totalmente iluminado a partir de um referencial geocêntrico.
25 Para saber mais sobre essa questão, propõe-se a consulta a FRANCO (2017).
101
5.2 A condenação de Galileu Galilei
A história da condenação de Galileu pela igreja católica e a colocação de
suas obras na lista de proibição da inquisição suscitam algumas lendas e, talvez,
uma visão exagerada dos acontecimentos.
Pode ser comum para determinados alunos já ter ouvido falar do filósofo e de
sua história e a ideia de que Galileu foi um herói da ciência contra a vilã igreja e
todas as suas crenças equivocadas na época. Para alguns não muito informados, a
condenação pode induzir à ideia de Galileu como um presidiário em um calabouço
frio e úmido.
Também desse mesmo fato histórico vem a célebre frase, supostamente dita
por Galileu no momento de sua abjuração. O mito de que Galileu levantou-se de sua
posição de joelhos e murmurou Eppur si muove (e no entanto, ela se move),
referindo-se à Terra, existe, mas não passa de um exagero, uma vez que ele teria
sido condenado se tivesse proferido tal exclamação.
O texto desse capítulo pode ser extraído pelo professor e levado à sala de
aula para que mitos históricos não causem distorções em torno da evolução da
história da ciência. O professor deve atentar-se aos fatos que realmente ocorreram
sem a criação ou proliferação de falsas verdades, mesmo que estas tornem o
momento mais “descontraído” ou “simbolicamente forte”.
Para iniciar a discussão a respeito da condenação, é importante saber como a
igreja católica usava a palavra “heresia” dentro dos tribunais da Inquisição no século
XVII, mais precisamente em 1632.
A palavra heresia era na verdade usada pela Inquisição para significar duas coisas diferentes: uma era a negação pura das verdades doutrinárias, como quando os luteranos consideraram a Eucaristia uma refeição simbólica na qual o corpo e o sangue de Jesus não estavam literalmente presentes; outra era a transgressão dos comandos ou determinações da Igreja (NAESS, 2015, p. 200).
Tendo em vista essa definição, quanto ao Diálogo e às partes componentes
da obra de Galileu, é importante ressaltar que os personagens debatiam métodos
relativos às astronomias antiga e moderna para a época.
102
No primeiro dia no Diálogo, a discussão abrangia a divisão aristotélica entre
substâncias celestes e elementares e os seus movimentos. Segundo Drake (1978),
do ponto de vista lógico, Aristóteles era acusado de, muitas vezes, ter afirmado
aquilo que não foi provado e de ter feito suposições desconhecidas e injustificadas.
O segundo dia foi marcado pelas conversas destinadas a mostrar que
nenhum argumento contra a rotação diária da Terra era definitivo. Nesse dia, os
personagens discutiam sobre a relatividade do movimento, fato que Galileu
considerava essencial para justificar a aceitação do modelo heliocêntrico como mais
eficiente.
No terceiro dia, os personagens conversavam sobre o movimento anual da
Terra em volta do Sol e fenômenos que envolviam seu movimento de translação e
de rotação. Apareceu nessas conversas a questão da mudança cíclica das órbitas
de manchas solares durante o ano.
O objetivo na publicação de Diálogo era quebrar a resistência aos
movimentos da Terra para, assim, poder utilizá-los na explicação das marés. Galileu
estava impedido, desde 1616, de tratar desses movimentos a não ser
hipoteticamente. Desse modo, ele só poderia mostrar a invalidade dos argumentos
que tentavam justificar a imobilidade da Terra (DRAKE, 1980).
Já no quarto dia, as marés foram abordadas pelo filósofo. Segundo ele, seria
impossível explicar esses movimentos dos mares num referencial com a Terra fixa.
Embora a explicação exposta na obra seja inadequada para a ciência atual, Galileu
procurou situar a discussão dos modelos planetários como um fenômeno vulgar e
bem conhecido, o qual precisaria de uma visão mais moderna para a física vigente
na época.
A partir desse breve resumo da obra de Galileu, é possível analisar sua
condenação e suas causas.
Em 1632, chegaram à Roma, para serem impressos, os primeiros exemplares
do Diálogo sobre os dois máximos sistemas de mundo. O papa Urbano VIII (1568-
1644) não leu a obra de imediato, mas a encaminhou para que fosse avaliada por
pessoas de sua confiança.
Um dos avaliadores foi um admirador das obras de Galileu, o filósofo
Tommaso Campanella (1568-1639), que ficou impressionado com a obra, mesmo
103
não satisfeito com as explicações referente às marés, e de acordo com ele, o livro
não seria aprovado por Apelles, que era o apelido do padre Cristovão Scheiner
(1573-1650), jesuíta alemão. Este também havia utilizado o telescópio para a
observação de fenômenos astronômicos e tivera uma divergência com Galileu sobre
as causas das manchas solares, afirmando que estas eram causadas por planetas
que passavam entre a Terra e o Sol em seus movimentos de rotação em torno da
Terra, contrariamente à visão de Galileu, segundo o qual essas manchas eram
provenientes do próprio Sol e só se movimentavam sob o ponto de vista terrestre
devido ao movimento da Terra em torno do Sol imóvel (NAESS, 2015).
Scheiner, assim como outros opositores da visão de Galileu, ao ler a obra,
levou-a diretamente ao papa Urbano VIII, alegando haver indícios de conter
informações consideradas hereges em seu conteúdo.
Em 1632, a Inquisição, então, mandou suspender todas as vendas da obra, já
anteriormente autorizada, e deu ordem para Galileu apresentar-se ao julgamento.
Galileu, nesse período, já estava com 70 anos e, mesmo com saúde precária, teve
de se locomover até Roma.
Foi mostrado a Urbano VIII um memorando, não assinado, de 1616, e neste
Galileu era proibido de discutir as ideias de Copérnico. De acordo com esse
memorando, Galileu evidentemente havia descumprido uma ordem de Roma e,
assim, foi considerado herege.
Durante o julgamento, Galileu foi interrogado sobre o conteúdo do
memorando. No dia do julgamento, apenas ele ainda permanecia vivo entre as
pessoas presentes no dia da escritura do memorando. E, segundo Drake, Galileu
afirmou:
No mês de Fevereiro de 1616, o cardeal Bellarmine disse-me que, como a opinião de Copérnico contrariava absolutamente a Sagrada Escritura, não podia ser sustentada ou defendida, mas que podia tomar hipoteticamente ou usá-la. Em conformidade com isto, tenha uma declaração do mesmo cardeal Bellarmine, feita no mês de maio, a 26, em 1616 [...] e dessa declaração apresento uma cópia. [...] O original dessa declaração tenho-o comigo em Roma e está totalmente escrito pela mão do cardeal Bellarmine. (DRAKE, 1980, p. 123)
De acordo com o promotor, a ordem incluía as palavras “nem ensinar de
qualquer modo” o modelo proposto por Copérnico, o que Galileu negou e apresentou
104
o tal documento assinado por Bellarmine. Conforme Drake (1980), não havia
documento assinado que justificasse a acusação da Inquisição.
Pela acusação, Galileu foi julgado por heresia, o que evidentemente não
estava fundamentado na documentação. Não havia questionamentos científicos no
julgamento, entretanto a absolvição de Galileu poderia causar um prejuízo à
reputação e à autoridade da Inquisição. Desse modo, Galileu deveria admitir
qualquer crime e apresentar defesa, com a promessa de clemência por parte da
Inquisição e então admitiu por escrito a releitura da obra e a percepção de pontos
em que se havia excedido.
Não se esperava, porém, uma condenação de prisão perpétua, e sim uma
pena mais leve. E a sua sentença foi comutada em custódia feita pelo seu amigo
arcebispo Asciano Piccolomini (1560-1671), em Florença.
Galileu foi obrigado a abjurar, pois se não o fizesse, poderia ser levado à
forca ou à fogueira. Caso fosse considerado herege novamente no futuro, não teria
uma outra chance. Assim, a Inquisição conseguiu calar Galileu, mesmo com outra
obra escrita pelo filósofo mais à frente, com um posicionamento bem distante das
discussões que poderiam lhe trazer problemas, o Discorsi e Dimostrazioni
Matematiche intorno a due nuove scienze attenenti ala Mecanica (Diálogo Sobre
Duas Novas Ciências), em 1638.
O julgamento contra Galileu não foi só relativamente brando, mas, no sentido estritamente legal, totalmente irrepreensível. Ele passara sim por cima dos decretos de 1616, como quer que fossem interpretados, porque de fato apresentara em seu Diálogo os ensinamentos de Copérnico como esmagadoramente prováveis. Não importa como ele próprio tenha apresentado o caso, não era preciso mais do que alfabetização comum para ver isso (NAESS, 2015, p. 123).
Atualmente, acredita-se em que a sua impaciência e seu estilo provocativo
fizeram com que ele tivesse muitos inimigos os quais conseguiram convencer o
papa Urbano VIII de sua culpa.
O julgamento de Galileu serviu para a Inquisição expor como exemplo a
proibição da disseminação das ideias de Copérnico por toda a Europa, pois essa
instrução foi copiada e levada a todos os inquisidores locais para que estes o
tornassem de conhecimento público.
105
Para aplicação aos alunos em sala de aula, indicam-se as seguintes
propostas:
• 1ª PROPOSTA: O professor pode promover um debate com os alunos
usando o texto supracitado a respeito da condenação de Galileu. Após a
leitura, a sala pode ser dividida em dois grupos, sendo um deles responsável
pela acusação de Galileu com base nos estudos efetuados, e o outro
encarregado dos argumentos que possam inocentar Galileu. O professor
deve participar como mediador, ajudando a apresentar os fatos elencados
pelos grupos, bem como identificando possíveis falhas em suas
argumentações.
• 2º PROPOSTA: É possível analisar o texto de abjuração de Galileu,
mostrando os aspectos da redenção do filósofo. O professor deve explicar
que o termo “abjurar” significa “renunciar à crença que antes se tinha”. É
interessante demonstrar ou discutir com a turma a suposta fala de Galileu
(Eppur si muove...), evidenciando tratar-se de uma distorção histórica a
respeito daquela ocasião. Pode ser feito um debate a fim de que todos
possam refletir por que não teria sido realmente plausível essa frase de
Galileu em tal momento.
106
6 OUTRAS DE ATIVIDADES
Para auxiliar o trabalho em sala de aula, indicam-se algumas atividades a
serem usadas durante a aplicação desse produto. Todas elas estão diretamente
ligadas aos conteúdos explanados nesse trabalho, com as fontes primárias e
perguntas relativas a conteúdos do ensino de física. O professor tem a liberdade de
utilizá-las parcial ou totalmente, de acordo com a forma que deseja elaborar suas
aulas.
6.1 Atividade I – Evidência de água na Lua
Na obra Sidereus Nuncius, Galileu fez suposições a respeito da existência de
água na superfície lunar, conforme suas observações realizadas por meio de um
telescópio.
O trecho abaixo relata a opinião de Galileu a respeito do assunto:
No que respeita às manchas grandes da Lua, não se veem tão interrompidas e cobertas de depressões e protuberâncias, aparecendo mais regulares e uniformes, emergindo apenas nelas, aqui e ali, pequenas zonas brilhantes. Deste modo, se alguém quiser ressuscitar a antiga opinião pitagórica segundo a qual a Lua seria uma outra Terra, a parte mais brilhante seria mais apta a representar a superfície terrestre e a sua parte mais obscura a superfície aquosa. Quanto a mim, nunca duvidei de que, se o globo terrestre, banhado pelos raios solares, fosse visto de longe, a superfície de terra firma se ofereceria mais clara ao olhar e a parte de água mais escura. Além disso, na Lua, vê-se que as grandes manchas são mais cavadas do que as zonas mais claras, pois tanto na fase crescente como na fase minguante, vê-se sempre surgir no limite da luz e das trevas, aqui e ali, em torno das próprias manchas grandes, os bordos da parte mais clara, como tivemos o cuidado de mostrar nas figuras. E os contornos das ditas manchas não são somente mais cavados, mas também mais uniformes e não entrecortados por rugas ou asperezas. A parte mais iluminada, além disso, eleva-se muito perto das manchas, a tal ponto de que antes da primeira quadratura, como nas vizinhanças da segunda, enormes protuberâncias se elevam acentuadamente, perto de uma certa mancha ocupando a região superior, isto é, boreal da Lua, tanto acima como abaixo dela, como os desenhos aqui juntos mostram (LEITÃO, 2010, p. 159).
Os desenhos a que Galileu refere-se estão na figura 9. Analisando o trecho
destacado no texto anterior de Leitão (2010) com uma imagem obtida da superfície
terrestre (figura 15), podem ser feitas algumas reflexões como as elencadas a
seguir.
107
Figura 15 – Imagem da Terra vista do espaço Fonte: http://www.everystockphoto.com/photo.php?imageId=2025890, acesso em jul/2017.
1) Usando os princípios de reflexão e absorção da luz, quais seriam as regiões em
que há maior reflexão da luz solar e em quais haveria menor reflexão?
2) Mesmo sem conhecer o fenômeno de absorção de raios luminosos e as leis de
reflexão por completo, Galileu faz uso de pensamento semelhante ao atual para
supor a existência de água na Lua. Em quais regiões, na ilustração feita por ele da
superfície lunar, o filósofo supôs a existência de água?
3) Por qual motivo a suposta existência de água contrariava o pensamento
aristotélico sobre os corpos celestes?
6.2 Atividade II – As luas de Júpiter
Galileu avistou pela primeira vez corpos que apareciam de maneira diferente
das outras estrelas, tomando como referencial o planeta Júpiter. Os relatos dessas
108
observações aparecem na obra Sidereus Nuncius, com datas de observações
iniciadas no dia 07 de janeiro de 1610.
Segue o relato da primeira referência feita pelo filósofo a respeito dessas
observações:
Assim, então, no sétimo dia de Janeiro do presente ano de 1610, na primeira hora da noite, quando eu examinava os astros do céu através da luneta, Júpiter mostrou-se, e, como me tinha munido de um instrumento excelente, vi (o que não tinha acontecido antes devido à fraqueza do outro instrumento) que três pequenas estrelas estavam perto dele – pequenas, mas muito brilhantes. Embora achasse que eram do número das estrelas fixas, apesar de tudo intrigaram-me, pois pareciam estar dispostas exatamente ao longo de uma linha reta paralela à eclíptica, e ser mais brilhantes do que as outras da mesma grandeza. A sua disposição entre si em relação a Júpiter era a seguinte: (LEITÃO, 2010, p. 179).
O trecho grifado no texto citado por Leitão é referente à figura 10, o registro
da observação de Galileu do planeta Júpiter no dia 07 de janeiro de 1610. A partir da
leitura do texto e da figura 10, é possível propor o seguinte questionamento:
1) Com base nessa primeira observação, Galileu conseguiu obter alguma conclusão
a respeito dos movimentos das estrelas recém-descobertas em relação ao planeta
Júpiter?
Mais adiante, Galileu faz novamente relato da observação das estrelas
descobertas:
Foi assim, que no dia décimo primeiro, vi a seguinte disposição: (figura 12). Estavam apenas duas estrelas orientais, das quais a do meio distava três vezes mais de Júpiter do que da mais oriental. E a mais oriental era cerca de duas vezes maior do que a outra, enquanto na noite anterior elas haviam aparecido aproximadamente iguais. Então, estabeleci e determinei, sem a mais pequena dúvida, que existiam no céu três estrelas errantes em torno de Júpiter, como Vênus e Mercúrio em torno do Sol (LEITÃO, 2010, p. 180).
Galileu passou, então, a fazer observações diárias, com suas respectivas
anotações e ilustrações dessas observações, do movimento desses corpos em
relação ao planeta Júpiter. A partir disso, podem-se suscitar as questões:
1) Comparando-se a observação feita no dia 07 de janeiro de 1610 com a
observação feita no dia 11 de janeiro do mesmo ano, qual era a diferença principal
destacada no texto do filósofo?
109
2) Considerando-se essas diferenças, seria possível a Galileu tirar conclusões sobre
os movimentos dos planetas em torno do Sol (modelo heliocêntrico) ou da Terra
(modelo geocêntrico)?
Os planetas são considerados estrelas errantes pois não estão fixos em
relação a outras estrelas no céu, movendo-se diariamente relativamente a esse
astro. Galileu, ao analisar diariamente o posicionamento de Júpiter e das estrelas,
descobriu, no décimo terceiro dia, a existência de uma quarta estrela também
circundando o planeta. Galileu fez, ao todo, 65 ilustrações do planeta e das referidas
estrelas, encerrando as observações somente no dia 02 de março.
Durante as verificações e explicações do posicionamento, Galileu citou,
algumas vezes, que esses astros eram estrelas e, em outros momentos, considerou-
os planetas, mudando a nomenclatura de um para outro diversas vezes.
E, assim, uma vez que sob os vossos auspícios, Sereníssimo COSME, descobri essas estrelas, desconhecidas de todos os anteriores astrônomos, decidi, com todo o direito, de adorná-las com o muito augusto nome de Vossa família. Se fui o primeiro a descobri-las, quem me negará o direito de também lhes atribuir um nome e as chamar ESTRELAS MEDICEIAS, esperando que tanta dignidade seja adicionada a estes astros por esta designação como foi conferida a outras estrelas por outros heróis? Pois, sem falar dos vossos Sereníssimos Ancestrais, de cuja glória eterna todos os monumentos da história dão testemunho, apenas o Vosso mérito, Supremo Herói, pode garantir a essas estrelas a imortalidade do nome. Quem, de fato, duvidará que por grande que seja a expectativa que suscitastes com os mais auspiciosos começos do vosso reino, não só mantereis e defendereis, mas a havereis de superar por larga margem, de modo que, uma vez vencidos os vossos pares, vos confrontareis convosco e dia a dia vos superareis a vós e à vossa grandeza? (LEITÃO, 2010, p. 148).
A partir da leitura do trecho de Leitão (2010), as proposições seguintes podem
ser trabalhadas:
1) Faça uma pesquisa e diga quantos e quais eram os planetas conhecidos na
época.
2) A partir das observações e tomando por base os relatos apresentados, você
conseguiria citar o(s) motivo(s) da suposta confusão na nomenclatura desses
110
corpos recém-descobertos, sendo tratados ora como estrelas, ora como
planetas?
3) Qual poderia ser o motivo para Galileu estabelecer tal homenagem feita na
nomeação das referidas estrelas?
4) Com base no que se conhece hoje em dia sobre o sistema Solar, os corpos
descobertos por Galileu são considerados atualmente estrelas ou planetas?
6.3 Atividade III – O fenômeno das marés
Na obra Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo, Galileu tenta
demonstrar sua defesa do modelo heliocêntrico e utiliza, entre outros fatores, o
fenômeno das marés, como uma forte evidência para a aceitação desse modelo em
prejuízo do modelo geocêntrico.
O trecho abaixo retrata uma conversa entre Simplício e Sagredo a respeito
das explicações das marés, na visão de Simplício. A seguir, são indicadas as
reflexões sobre essas questões.
Simplício – Esses fenômenos, Sr. Salviati, não começaram agora; são antiquíssimos e foram observados por uma infinidade de pessoas, e muitos se esforçaram para dar-lhes uma ou outra razão; e não está a muitas milhas distantes daqui um grande peripatético, que apresenta uma causa extraída de um certo texto de Aristóteles, que não foi convenientemente considerado pelos seus intérpretes; desse texto ele obtém que a verdadeira causa desses movimentos não se origina de outra coisa que das diferentes profundidades dos mares: porque as águas das profundidades maiores, sendo mais abundantes, e por isso mais pesadas, expulsam as águas de profundidades menores que, depois de elevadas, querem descer; e deste combate contínuo deriva o fluxo e o refluxo.(1) Os que atribuem isso à Lua são muitos, dizendo que ela tem um domínio particular sobre a água: e certo prelado publicou recentemente um pequeno tratado, onde diz que a Lua, vagando pelo céu, atrai e eleva em sua direção um cúmulo de água, que a segue continuamente, de modo que o mar alto está sempre naquela parte que subjaz à Lua; e como a subida das águas continua mesmo quando a Lua está abaixo do horizonte, ele diz que para salvar tal efeito não se pode dizer outra coisa a não ser que a Lua não apenas retém em si naturalmente essa faculdade, mas, neste caso, tem a potência de conferi-la àquele signo do zodíaco que lhe é oposto.(2) Outros, como acredito que saibas, dizem também que a Lua tem a potência, com seu calor temperado, de rarefazer a água, a qual, rarefeita, eleva-se.(3) Nem faltou tampouco quem...
Sagredo – Por favor, Sr. Simplício, não é preciso que vos remetais mais a essas posições, porque não me parece que valha a pena consumir o tempo referindo-as, e muito menos gastar palavras para refutá-las; e se vós prestais assentimento a alguma dessas ou a semelhantes futilidades, estais
111
sendo injusto com vosso próprio juízo, que sabemos ser muito ajustado (MARICONDA, 2011, p. 496).
1) No trecho (1) sublinhado da fala de Simplício, há uma explicação envolvendo
diferenças entre as águas mais e menos profundas. Apesar de não se citar
esse conhecimento físico, pode-se associar o pensamento de Simplício com a
densidade de corpos e a explicação da flutuação de corpos conhecidos em
fenômenos hidrostáticos. Como se explica essa associação, tendo em vista o
conceito de densidade dos corpos, o fenômeno de flutuação dos corpos?
2) Considerando o trecho (2) grifado, Simplício cita que já havia explicações
para o fenômeno, tendo em vista a influência da Lua sobre a água no planeta
Terra. Da mesma forma, Simplício também não menciona a existência de
campo gravitacional lunar atuando em corpos na Terra e essa explicação só
foi devidamente aplicada décadas mais tarde, por Isaac Newton. De acordo
com esta teoria, como seria explicado o fenômeno das marés?
3) Em um terceiro momento, Simplício fala sobre a explicação das marés com
base no aquecimento das águas dos mares pela Lua, no trecho (3) em
destaque no texto. Tendo como base esse trecho e os conceitos relativos aos
fenômenos da dilatação de líquidos e aos processos de transmissão de calor,
como esse segmento poderia ser reelaborado com as ideias físicas
conhecidas atualmente?
4) Comparando-se as três teorias levantadas por Simplício, qual delas é aceita
como mais viável para a explicação do fenômeno das marés?
6.4 Atividade IV – As fases de Vênus
Em 1623, Galileu publicou em sua obra O Ensaiador um relato sobre as
observações feitas das fases de Vênus, anotadas entre outubro de 1610 e fevereiro
de 1611. Logo após, na obra Diálogo sobre os dois máximos sistemas de mundo,
ele retoma o assunto, com algumas conclusões a respeito dessas observações
feitas e suas suposições sobre o movimento dos planetas.
112
Simplício – Quando pudéssemos apoiar-nos sobre este único pressuposto, e estivéssemos certos de não poder encontrar alguma outra coisa que nos perturbasse, eu diria que é muito mais razoável dizer que o continente e as partes contidas movem-se todos em torno de um centro comum, que dizer que se movem em torno de centros diferentes.
Salviati – Ora, quando seja verdade que o centro do mundo é o mesmo que aquele em torno do qual se movem os orbes dos corpos do mundo, ou seja, os planetas, então não é certamente a Terra, mas antes o Sol, que se encontra colocado no centro do mundo: e de modo que, quanto a esta primeira apreensão simples e geral, o lugar do meio é do Sol, e a Terra encontra-se tão afastada do centro, quanto do mesmo Sol.
Simplício – Mas a partir do que concluís que não é a Terra, mas o Sol que está no centro das revoluções dos planetas?
Salviati – Conclui-se a partir de observações evidentíssimas, e por isso mesmo necessariamente concludentes; das quais as mais palpáveis, para excluir a Terra desse centro e colocar nele o Sol, são o encontrarem-se todos os planetas ora mais próximos e ora mais afastados da Terra, com diferenças tão grandes, que, por exemplo, Vênus, quando afastadíssima, encontra-se seis vezes mais distantes de nós que quando está mais próxima, e Marte eleva-se quase oito vezes mais numa posição que em outra. Vede, portanto, que Aristóteles se enganou pouco ao acreditar que eles estivessem sempre igualmente distantes de nós.
Simplício – Mas quais são os indícios de que eles se movem em torno do Sol?
Salviati – Isso se conclui, para os três planetas superiores, Marte, Júpiter e Saturno, a partir de eles se encontrarem sempre muito próximos à Terra quando estão em oposição ao Sol, e muito distantes quando estão em conjunção; e estas aproximação e afastamento têm tanta importância que, quando Marte está próximo, vê-se 60 vezes maior que quando está afastadíssimo. De Vênus e de Mercúrio, tem-se certeza de que giram em torno do Sol, porque nunca se afastam muito dele e porque os vemos ora acima, ora abaixo, como se conclui necessariamente da mudança de figura (fase) de Vênus. Quanto à Lua, é verdade que ela não de modo algum separa-se da Terra, pelas razões que apresentaremos mais distintamente a seguir (MARICONDA, 2011, p. 404).
1) Para que um planeta (ou corpo no espaço) possa ser visto aqui na Terra, é
necessário que a luz proveniente do Sol caminhe até a superfície desse
planeta, seja refletida, e dirija-se até a visão terrestre, pois os planetas e as
luas são considerados corpos iluminados enquanto as estrelas são
consideradas corpos luminosos (que emitem luz própria). Com base nesse
princípio da reflexão dos raios luminosos, faça um esquema demonstrando o
posicionamento da Lua em relação à Terra e ao Sol, apontando como
estariam as posições desses três corpos na fase de lua nova (quando toda a
113
face voltada para a Terra está escura) e a fase de lua cheia (quando toda a
face voltada para a Terra está iluminada).
2) Vênus é o segundo planeta no sistema solar mais próximo do Sol e a Terra é
o terceiro. Usando o Sol como ponto de referência, faça um esquema
representando os três corpos (Sol, Terra e Vênus) quando Vênus está com
fase cheia (mais iluminada) e fase nova (menos iluminada), representadas
pela ilustração (figura 14) feita por Galileu.
3) De acordo com os posicionamentos discutidos nas questões 1 e 2 e a
afirmação de Salviati nas falas grifadas no texto, de que maneira Galileu
justifica o seu posicionamento favorável ao heliocentrismo?
114
7 ENCERRAMENTO DA PROPOSTA
Como fechamento da proposta, visando a verificar o aperfeiçoamento do
conhecimento dos alunos com relação aos conceitos tanto físicos quanto
historiográficos desenvolvidos, há algumas propostas a serem aplicadas.
• 1ª PROPOSTA: O professor pode solicitar que os alunos façam um texto
dissertativo com os principais aspectos a respeito dos assuntos trabalhados.
A argumentação dos alunos pode ser livre ou o professor direciona os tópicos
que devem estar presentes na dissertação. Sugere-se que os alunos
argumentem suas ideias tendo como base a discussão dos modelos
planetários, a influência de Galileu nessa discussão histórica e os fatores que
influenciaram o filósofo ou que foram influenciados por ele. Apoiando-se nos
textos, o professor deve procurar itens relativos ao desenvolvimento científico
e às influências propiciadas pela pesquisa de Galileu no período em estudo,
contrabalanceando com as respostas que a turma apresentou na etapa inicial
do trabalho pedagógico, de levantamento prévio.
• 2ª PROPOSTA: É possível reapresentar as perguntas elencadas no
levantamento prévio, mas agora com um olhar voltado para os assuntos já
trabalhados, mostrando aos alunos quais foram as impressões iniciais
apresentadas por eles e as respostas posteriormente formuladas. É
importante destacar a mudança das concepções elaboradas, com o intuito de
se evidenciar a evolução do saber científico, tendo em vista sempre o
conteúdo programático desenvolvido, bem como a interligação entre os
saberes da física e a construção do saber científico.
• 3ª PROPOSTA: O professor pode sugerir que a turma, dividida em grupos,
apresente painéis com relação ao que se discutiu nessa sequência didática,
corroborando sempre a transformação das concepções antes e depois de sua
aplicação. Cada grupo pode apresentar esses painéis para o restante da
turma, abrindo espaços para que os alunos possam elaborar
questionamentos sobre os pontos apresentados.
115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO PRODUTO DIÁLOGO SOBRE OS DOIS MÁXIMOS SISTEMAS DE MUNDO. Discovery Civilization, da série Grandes Livros, 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hKhVJnlGEU8>. Acesso em maio de 2017. DRAKE, Stillman. Galileo at work: his scientific biography. University of Chicago Press. Chicago, 1978. ______. Galileo. Tradução: Maria Manuela Pecegueiro. Oxford University Press, Oxford, 1980. FRANCO, Hugo. Sistemas astronômicos baseados em movimentos circulares. Disponível em: <http://plato.if.usp.br/1-2003/fmt0405d/apostila/helen8/node12.html>. Acesso em junho de 2017. GALILEI, Galileu. Duas novas ciências. Tradução: Letízio Mariconda e Pablo R. Mariconda - 2ª ed. – Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins; São Paulo: Nova Stella, 1998. LEITÃO, Henrique (Trad.). Sidereus Nuncius: O mensageiro das estrelas. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. MARICONDA, Pablo Rubén (Trad.). Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. 3ª edição. São Paulo: Associação Filosófica Scientiae Studia: Editora 34, 2011, p. 404 – 409. NAESS, Atle. Galileu Galilei: um revolucionário e seu tempo. Tradução George Schlesinger. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. SWERDLOW, Noel M. Galileo’s discoveries with the telescope and their evidence for the Copernican theory. In Peter Machamer (ed), The Cambridge Companion to Galileo. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.