FOME REFLETE O FRACASSO DO ESTADO-NAÇÃO NA ÁFRICA1993\mundo0593.pdf · tribais representam uma...

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Geografia e P olítica Internacional SETEMBRO 1993 ANO 1 - N o 5 FOME REFLETE O FRACASSO DO ESTADO-NAÇÃO NA ÁFRICA EXTRA! Mundo traz encarte especial sobre Direitos Humanos, incluindo uma entrevista com Pierre Sane, secretário-geral da Anistia Internacional Há um ano, a opinião pública acompanhava, estarrecida, as imagens da fome que devastava a Somália. Hoje, o Sudão meridional verga sob uma catástrofe de iguais proporções. Na Somália, uma seca prolongada conjugava-se com uma guerra tribal infindável. No Sudão, não há seca, mas o s muçulmanos do norte lutam com os cristãos do sul. A Somália ontem, como o Sudão hoje, são apenas biombos focos de atenção supostamente únicos e singulares – que ocultam a decomposição social e humana da maior parte da África subsaariana. Nesse momento, 18 milhões de pessoas passam fome e outras 130 milhões estão sob ameaça de exposição iminente, em países situados em todos os ecossistemas africanos. Nos anos 70, as crises de fome estavam circunscritas aos países da faixa semi-árida do Sahel, que forma a moldura meridional do Saara. Nos anos 80 e, mais ainda, nesse princípio de década, a “zona da fome” prolongou-se na direção das savanas e matas tropicais do coração do continente. Na África subsaariana – assim como no Brasil (v. texto de MELHEM ADAS à pág. 5) – a instabilidade climática é apenas um vilão circunstancial. O fundamento do desastre não é natural, mas histórico, social e político: trata-se do fracasso do Estado-Nação na África pós- colonial. As guerras etno- t r i b a i s representam uma dimensão desse fracasso. As fronteiras na Á f r i c a , desenhadas pelas potências coloniais européias, não são fronteiras africanas. No seu interior, colidem comunidades étnicas separadas por séculos de história, competindo pelo poder político. A outra dimensão é a destruição da agricultura de alimentos e do pastoreio semi-nômade. Esse fenômeno – superfície mensurável da dissolução da sociedade rural tradicional – deriva da subordinação dos governos locais às estratégias dos países ricos e das empresas de cereais visando controlar o mercado global de alimentos. (LEIA MAIS SOBRE A FOME NA ÁFRICA NAS PÁGS. 4 E 5) O mundo foi contemplado, em 13 de setembro, com a assinatura de um acordo de paz entre Israel e a Organização Para a Libertação da Palestina. Quatro dias antes, uma troca de cartas entre Iasser Arafat, presidente da OLP, e o premiê israelense, Yitzhak Rabin, estabelecera num desses passes de mágica que parecem ser a substância da política, israelenses e palestinos podem, agora, dialogar. Nas décadas que se seguiram à criação de Israel, a geopolítica do Oriente Médio estruturou-se em torno de um estranho vácuo de existências. Os árabes negavam Israel, e faziam disso a substância de um demagógico pan-arabismo, que ocultava os graves problemas estruturais da região. O Islã (árabe e não-árabe) satanizou Israel e seu aliado ocidental, fomentando o fanatismo que lhe asseguras o arrebanho de adeptos entre os miseráveis e famintos que abundam no Oriente Médio e no mundo. Israel, como contrapartida, alimentou a paranóia da “ameaça árabe” – o inimigo anônimo, oculto, onipresente – para fomentar a segregação de árabes israelenses e criar uma formidável máquina militar que possibilitaria a conquista do delírio imperialista da Grade Israel. Agora, o reconhecimento mútuo muda completamente a equação dos problemas na região, e coloca novos desafios. PÁG. 3 EU SOU, TU ÉS NOVA (DES)ORDEM MUNDIAL PROVOCA CRISE NO JAPÃO, QUE É OBRIGADO A REAVALIAR SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS UNIDOS, RÚSSIA E A BACIA DO PACÍFICO PÁGs. 6-7 DIÁRIO DE VIAGEM: Luciana Worms CONTA SUAS IMPRESSÕES DE CUBA PÁG. 7

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SETEMBRO1993

ANO 1 - No5

FOME REFLETE O FRACASSO DO

ESTADO-NAÇÃO NA ÁFRICA

EXTRA!Mundo traz

encarte especialsobre Direitos

Humanos,incluindo umaentrevista com

Pierre Sane,secretário-geral da

AnistiaInternacional

Há um ano, a opinião públicaacompanhava, estarrecida, as imagensda fome que devastava a Somália. Hoje,o Sudão meridional verga sob umacatástrofe de iguais proporções. NaSomália, uma seca prolongadaconjugava-se com uma guerra tribalinfindável. No Sudão, não há seca, maso smuçulmanosdo norte lutamcom oscristãos dosul. A Somáliaontem, comoo Sudão hoje,são apenasbiombos –focos dea t e n ç ã osupostamenteúnicos esingulares –que ocultam adecomposição social e humana da maiorparte da África subsaariana. Nessemomento, 18 milhões de pessoaspassam fome e outras 130 milhões estãosob ameaça de exposição iminente, empaíses situados em todos osecossistemas africanos. Nos anos 70, ascrises de fome estavam circunscritas aospaíses da faixa semi-árida do Sahel, queforma a moldura meridional do Saara.Nos anos 80 e, mais ainda, nesseprincípio de década, a “zona da fome”

prolongou-se na direção das savanas ematas tropicais do coração do continente.Na África subsaariana – assim como noBrasil (v. texto de MELHEM ADAS àpág. 5) – a instabilidade climática éapenas um vilão circunstancial. Ofundamento do desastre não é natural,mas histórico, social e político: trata-se

do fracasso doEstado-Nação naÁfrica pós-colonial. Asguerras etno-t r i b a i srepresentam umadimensão dessefracasso. Asfronteiras naÁ f r i c a ,desenhadas pelasp o t ê n c i a sc o l o n i a i seuropéias, não sãof r o n t e i r a s

africanas. No seu interior, colidemcomunidades étnicas separadas porséculos de história, competindo pelopoder político. A outra dimensão é adestruição da agricultura de alimentos edo pastoreio semi-nômade. Essefenômeno – superfície mensurável dadissolução da sociedade rural tradicional– deriva da subordinação dos governoslocais às estratégias dos países ricos edas empresas de cereais visandocontrolar o mercado global de alimentos.

(LEIA MAIS SOBRE A FOME NA ÁFRICA NAS PÁGS. 4 E 5)

O mundo foi contemplado, em 13 de setembro, com a assinatura de umacordo de paz entre Israel e a Organização Para a Libertação da Palestina. Quatrodias antes, uma troca de cartas entre Iasser Arafat, presidente da OLP, e o premiêisraelense, Yitzhak Rabin, estabelecera num desses passes de mágica queparecem ser a substância da política, israelenses e palestinos podem, agora,dialogar. Nas décadas que se seguiram à criação de Israel, a geopolítica do

Oriente Médio estruturou-se em torno de um estranho vácuo de existências. Os árabes negavam Israel, e faziamdisso a substância de um demagógico pan-arabismo, que ocultava os graves problemas estruturais da região. O Islã(árabe e não-árabe) satanizou Israel e seu aliado ocidental, fomentando o fanatismo que lhe asseguras o arrebanhode adeptos entre os miseráveis e famintos que abundam no Oriente Médio e no mundo. Israel, como contrapartida,alimentou a paranóia da “ameaça árabe” – o inimigo anônimo, oculto, onipresente – para fomentar a segregação deárabes israelenses e criar uma formidável máquina militar que possibilitaria a conquista do delírio imperialista daGrade Israel. Agora, o reconhecimento mútuo muda completamente a equação dos problemas na região, e colocanovos desafios. PÁG. 3

EU SOU, TU ÉS

NOVA (DES)ORDEM MUNDIAL PROVOCA CRISE NO JAPÃO, QUE É OBRIGADO A REAVALIAR SUASRELAÇÕES COM ESTADOS UNIDOS, RÚSSIA E A BACIA DO PACÍFICO PÁGs. 6-7

DIÁRIO DE VIAGEM: Luciana Worms CONTA SUAS IMPRESSÕES DE CUBA PÁG. 7

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SETEMBRO DE 1993 MUNDO

SEM FRONTEIRASEsta seção acolherá cartas de alunos e professores

contendo opiniões e críticas e não apenas a respeito dosassuntos tratados no boletim, mas também sugestãosobre sua forma e conteúdo. Só serão aceitas cartas

portando o nome completo, endereço, telefone e identida-de (RG) do remetente. A Redação reserva-se o direito denão publicar cartas, assim como o de editá-las para sua

eventual publicação.

EXPEDIENTE

MUNDO - Geografia e PolíticaInternacional é uma publicação de PANGEA- EDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DEMATERIAL DIDÁTICO LTDA. Distribuídapara as escolas conveniadasRedação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr.,Nelson Bacic Olic, José Arbex Jr. (editor)Jornalista Responsável: José Arbex Jr.Diretor Comercial: Arquilau Moreira RomãoEndereço: Rua Brasílio Taborda, 158, CEP05591-100, São Paulo, SP - Fones 813-2570(SP), (016) 634-8320 (Ribeirão Preto)Fax: (016) 623-5480 e Telex 164518 (RibeirãoPreto)A Redação de Mundo não seresponsabil iza pela opinião ouinformação veiculadas em matériasassinadas por eventuais colaboradores,as quais não se expressam,necessariamente, o seu ponto de vista

MUNDO NO VESTIBULARA Biblioteca do Congresso dos EstadosUnidos tem grande interesse nas publicaçõesdessa instituição (Pangea –NR). Apreciaríamosreceber as obras mencionadas em anexo (boletimMundo –NR) e outras que porventura tenham sidoeditas recentemente, a fim de encaminhá-las àsede da Biblioteca, em Washington.(James C. Armstrong, Diretor a Bibliotecado Congresso no Brasil – Rio de Janeiro)

***Espetacular. Este é o adjetivo para definir aqualidade de Mundo. Os assuntos internacionaissérios são tratados de forma leve e didática,levando o leitor a uma profunda reflexão. Para ovestibulando, a leitura deste periódico é muitoagradável e de grande auxílio para os exames.(Sérgio Santo Rosa, Coordenador da área deGeografia do Colégio Visconde porto Seguro(SP) e professor de Geografia do ColégioIntegrado de Atibaia)

***Resolvemos assinar o boletim Mundo porque elecompleta uma lacuna existente em relação àGeopolítica e aos dados históricoscontemporâneos. Além disso, auxilia o aluno deterceiro colegial e pré-vestibular a se manteratualizado sobre assuntos especializados, quepossibilitarão uma melhor compreensão dasrápidas mudanças da atualidade.(Carlos Alberto Regalo, professor deGeografia do Liceu Albert Sabin, RibeirãoPreto)

***Leio Mundo desde o lançamento e estou muitosatisfeito com a sua qualidade: matérias muitobem escritas, de alto nível, que nos colocam a parde tudo o que ocorre na política internacional.Gostei também da parte relativa aosvestibulandos, onde encontramos questões queenfocam os assuntos tratados no boletim.(André Queiroz, aluno do 3° ano B do ColégioMopyatã)

***

Sou um guerreiro africano, nascido para respirar e para morrer. Agora, sinto oveneno correndo.

(Carl Kelly, 24 anos, negro americano do Texas, condenado à morte eexecutado com injeção letal, O Estado de S. Paulo, 21.ago.1993, p.12)

As últimas palavras do 11° executado no Estado do Texas este ano são um ecotrágico da fissura étnica e racial que atravessa a sociedade americana.

Nota da Redação: recebemos dezenas decartas de missivistas que solicitam assinaturasindividuais de Mundo. Embora nos sintamoshonrados, não temos possibilidade de atenderaos pedidos, por razões de ordem técnica. Sópodemos aceitar assinaturas coletivas paraescolas. Os pedidos devem ser encaminhadosno início de cada semestre, aos endereçosabaixo (Expediente). Agradecemos acompreensão

1)(CESGRANRIO) Existem países do Terceiro Mundo que podem ser consideradosindustrializados, como Argentina, Brasil e México, na América Latina; África do Sul, naÁfrica; Formosa, Hong Kong, Coréia do Sul e Cingapura, na Ásia. Aponte a opção correta:a) Na África do Sul, assim como na Argentina, Brasil e México, a ausência de um mercado consumidorinterno leva à exportação da maior parte de sua produção industrial.b) O processo de industrialização dos países asiáticos é mais antigo, datando da 1ª Guerra, enquantona África do Sul e países latino-americanos citados ocorreu apenas nas últimas décadas.c) Os países do Sudeste Asiático são considerados “plataformas de exportação” para indústriasestrangeiras, principalmente japonesas, que aí foram implantadas devido a uma série de vantagens,tais como: ausência de leis antipoluição e salários baixos.d) O México e o Brasil, embora já industrializados, ainda não foram capazes de formar uma populaçãourbana maior do que a rural, e a soma de rendimentos gerados pelo setor primário da economiaultrapassa os gerados pelo setor secundário.e) A industrialização nesses países vem resolvendo sensivelmente os problemas dosubdesenvolvimento, na medida em que os salários vão se tornando mais altos e ocorre uma melhordistribuição da renda e os padrões de consumo se elevam a cada dia.

2) (PUC-SP) “Desde a ocupação de Jerusalém, em 1967, as autoridades israelenses confiscaram 84%dasterras árabes e das propriedades da cidade”, dizia o dirigente jordaniano. E acrescentava; “Se atendência do confisco continuar, Jerusalém vai se transformar em breve em uma cidade totalmentejudia. Em 1948, não mais de 4% das terras estavam em mão judias, enquanto outros estrangeirospossuíam 2% e os muçulmanos, 94%. A política de assentamentos de colônias mudou o equilíbriodemográfico de Jerusalém e atualmente a cidade tem 300 mil judeus e apenas 100 mil árabes.”Analise o texto acima e assinale a alternativa que corresponda a um dos objetivos expressospor essa realidade:a) Reduzir a autonomia dos judeus nos territórios ocupados em 1967.b) Ampliar o espaço controlado pelo governo jordaniano na área.c) Ampliar o espaço controlado pelos palestinos, para permitir a reconstrução de sua pátria.d) Permitir o avanço da luta dos palestinos, através da ocupação territorial de Jerusalém.e) Reduzir o sentido da coesão territorial e nacional entre árabes e palestinos.

3) (CESGRANRIO) Examine essas informações, sobre uma região do mundo subdesenvolvido:I – A partilha colonial não respeitou os limites entre as etnias existentes e deixou marcas profundas naluta de alguns povos pela autonomia e pelo estabelecimento de um território onde possam viver.II – Um dos países mais importantes proclamou-se uma República Islâmica e passou a ser governado

por uma elite religiosa, que rompeu com o processo de modernização em moldes ocidentais e se voltoupara a recuperação dos valores tradicionais do islamismo.

III – É de fundamental interesse estratégico, já que está localizada entre três continentes e nela seencontram riquezas minerais básicas para a economia contemporânea.O conjunto de três características define uma região muito importante para o mundo atual.Qual?a) Oriente Médiob) Mundo indianoc) Sudeste Asiáticod) África Orientale) África do Sul

4) (FGVRJ) Embora integrado a área que tradicionalmente acostumou-se denominar de “VelhoMundo”, a África só vem sendo melhor estudada nos seus aspectos sociais e econômicosneste século. Um dos traços mais marcantes da África é a sua longa submissão à hegemoniados brancos colonizadores. O processo de independência não ultrapassou muito o nívelforma. Selecione afirmativas que representem acontecimentos reais aos países africanos.1) A administração dos brancos não teve conseqüências políticas no relacionamento com os negros.2) Os caminhos da independência africana têm sido baseados na ruptura das amarras colonialistas.3) A independência africana têm sido obtida à custa do assassinato dos colonizadores europeus.4) A disputa pelo poder tem provocado a submissão das minorias étnicas (brancos) aos negros.5) A criação de inúmeras novas nações africanas não respeitou nem os limites naturais, nem os culturais,ocorrendo partilha de um mesmo grupo étnico por mais de um país.Assinale:a) se forem corretas as afirmativas 1 e 5;b) se forem corretas as afirmativas 2 e 5;c) se forem corretas as afirmativas 2 e 4;d) se forem corretas as afirmativas 1 e 3;e) se forem corretas as afirmativas 3 e 4.

5) (FGV) O desenvolvimento econômico do Japão, conhecido como o “milagre japonês”, colocouo país entre as maiores potências. O início da industrialização japonesa pode ser situado:

a) no pós-guerra, quando os japoneses inventaram o transistor e surgiu a indústria eletrônica.b) na 1ª Guerra, quando o Japão desenvolveu a tecnologia de armamentos e da construção naval.c) durante a Guerra da Coréia, quando os EUA investiram maciçamente na industrialização do país.d) com o imperador Hiroito, que mobilizou o país transformando o camponês em operário, para absorvera numerosa mão-de-obra ociosa.e) na Era Meiji, que tornou obrigatório o ensino, abriu fábricas e preparou o país para a expansão.

SEÇÃO PAPO CABEÇA

Antes mundo era pequeno / Porque Terra era grande

Hoje o mundo é grande / Porque a Terra é pequena(Gilberto Gil, 1943 -)

Respostas: 1) C 2) E 3) A 4) B 5) E

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SETEMBRO DE 1993PANGEA

ACORDO ISRAEL - OLP ABRENOVA ERA NO ORIENTE MÉDIOConvivência forçada de judeus e palestinos impôs o reconhecimentomútuo, enterrando a histeria do faz-de-conta-que-eles-não-existem

EDITORIALO acordo entre Israel e a OLP

marca uma nova era no Oriente Médio.Nem tudo está resolvido – resta oproblema crucial da criação do Estadopalestino e da definição do estatuto deJerusalém. Mas, pela primeira vez háchances de paz. O outro lado dessequadro “otimista” é o caos social epolítico em que está mergulhado oOriente Médio (Israel inclusive) e o Islã(árabe e não-árabe).

Desde 1947, os Estados árabesusaram a retórica da “guerra santa”contra Israel para justificar ditaduras(como na Síria), ocultar a miséria (comono Mangreb e Egito) e desigualdadessociais extremas (como na ArábiaSaudita), e praticar um obscuro jogogeopolítico (como o Iraque de SadamHussein ou o “panarabismo” de GamalAbdel Nasser). Líderes do Islã efundamentalistas fizeram da “guerrasanta” um demagógico apelo aofanatismo (como Khomeini, ou osgrupos Hamas e Irmandade Islâmica).

Em Israel, a contrapartida foi ofortalecimento da extrema-direita (comoo Likud), que, agitando o espectro da“ameaça árabe”, alimentava os delíriosimperialistas da Grande Israel (quecompreenderia a área englobada porSíria, Jordânia, Líbano e Iraque).

Isso acabou. Deslocado o fantasmado “inimigo externo”, as contradiçõesinternas de cada Estado no OrienteMédio tenderão a aflorar. Não será umaera de paz, mas de maior transparência.Pelo menos, é um caminho que talveznão conduza ao Armagedon.

Após 46 anos de confl i tos, aOrganização para a Libertação daPalestina e Israel, assinaram, em 13 desetembro, um acordo de paz, quatro diasapós o reconhecimento mútuo. Muitosfatores, que serão analisados emseguida, concorreram para impor oacordo. Mas a questão central foicolocada de forma bri lhante pelointelectual palestino Edward Said. NoMundo n.° 2, Said escrevia: Os doispovos estão nisso juntos. Sem simpatias,mas juntos. Talvez,l e n t a m e n t emelhores suarelação.

Israel foi fundadocom base nanegação daexistência dospalestinos (“umaterra sem povo paraum povo sem terra”– era o lemasionista). Nasdécadas posteriores,palestinos e árabesconstruíram suaspolíticas com baseno nãoreconhecimento deIsrael (v. oEditorial). A duplanegação impedia odiálogo. Mas, aproximidade físicaacabaria seimpondo ao vazioartificial. Em Israel,o radicalismomostrou seuesgotamento naseleições do 2°semestre de 92, quederam vitória àcoalizão l ideradapelo PartidoTrabalhista, quederrotou o Likud eos intransigentespartidos de direita,no poder desde osanos 70. Otrabalhista ShimonPeres, chanceler, foium dos arquitetosdo acordo.

Do lado palestino, os grupos maisradicais da OLP foram marginalizados,desde que seu presidente, Iasser Arafat,anunciou, em 1988, que renunciava à lutaarmada, e que estava disposto a negociara paz em troca de um acordo sobre osterritórios da Cisjordânia e Gaza,ocupados por Israel desde 1967. AIntifada (revolta das pedras, em árabe),por outro lado, mostrava que Israel nuncaconseguiria “pacificar” os territórios.

(A recente chacina dos índios yanomani temsuas causas na política governamental. Veja, emseguida, o relatório da Al de 1992, -NR): Osyanomani, que em 1988 mantiveram seu modode vida tradicional. Suas terras estão situadasem ambos os lados da fronteira do Brasil coma Venezuela. Desde os anos 70, elas vêm sendoinvadidas por posseiros, devido a projetos dogoverno que estimulam a exploração eformação de assentamentos em terrasindígenas. Depois de 73, o Programa deIntegração Nacional levou colonos egarimpeiros àquela região. Uma nova “febredo ouro” começou em 1987, quando o projetoCalha Norte – de inspiração militar – incentivoua colonização do norte. Depois de 87,aumentaram as denúncias de violência degarimpeiros armados, que o governo pouco fezpara evitar menos ainda para punir (…) Aretirada, à força, da região, de missionáriositalianos ocasionou um aumento da taxa demortalidade dos índios por doenças infecciosas(levadas por garimpeiros) e envenenamentocom mercúrio. Sob pressão internacional, ogoverno demarcou as terras yanomani, mas osabusos continuaram. Em fevereiro de 1992, ogoverno proibia a entrada de jornalistas epesquisadores em terra yanomani.

SERVIÇO• Oriente Médio – Uma região de conflitos, Nelson Bacic Olic, Moderna, SP, 1991• O desafio dos judeus, Jean-Jacques Servan Schreiber, Nova Fronteira, RJ, 1988• A torre de babel, Morris West, Record, RJ• Ó Jerusalém, Dominique Lapierre e Larry Collins, Círsulo do Livro, SPFilmes em vídeo:• O Embaixador, J. Lee Thompson, EUA, 1984• Golda, Alan Gibson, EUA, 1982• Rastros de Sangue, Noam Yavor, Israel, 1987

ANISTIA INFORMANesta seção, Mundo divulga relatórios daAnistia Internacional sobre o comportamentodos países em relação aos Direitos Humanos.Caso você tenha dúvidas, queira saber mais,ou pretenda participar da AI, anote oendereço:* em São Paulo: Rua Vicente Leporace, 833CEP 04619-032 fone: (011) 542-9819A EPOPÉIA DOS TERRITÓRIOS OCUPADOS

1967 – 05/10 Jun.: Guerra dos Seis Dias: Israel toma a Península do Sinai e a Faixa deGaza do Egito; as Colinas do Gola da Síria; a Cisjordânia e Jerusalém Oriental da Jordânia.22.nov – A Resolução 242 da ONU ordena a retirada de Israel dos territórios ocupados

1973 – 06-24.out. – Israel derrota Síria e Egito na Guerra do Yom Kippur1978/1979 – Israel e Egito assinam os acordos de Camp David nos EUA (em 17.set.78 e

29.mar.79). Egito recupera o Sinai1987 – 09.dez. – Começa a Intifada nos territórios ocupados

1988 – 31.jul. – A Jordânia cede os direitos sobre a Cisjordânia à OLP. 15.nov. – a OLPproclama o Estado da Palestina e aceita as resoluções 181, 242 e 338 da ONU,

admitindo a existência do Estado de Israel e abandonando o terrorismo.15.dez – Os Estados Unidos iniciam diálogo com a OLP

1991 – set./out. – A OLP aceita uma Conferência com Israel mediada pelos EUA1992 – Os trabalhistas vencem as eleições em Israel. Yitzhak Rabin é premiê

1993 – 19.ago. – O chanceler Shimon Peres mantém encontros secertos com membrosda OLP em Oslo (Noruega). 31.ago. – Israel aprova um acordo que concede autonomia

aos palestinos da Faixa de Gaza e Jericó. 09.set. – Israel e a OLP se reconhecem. 13.set. –Rabin e Arafat assinam a paz em Washington

O acordo foi possibilitado pelasmudanças na ordem mundial. O fim daURSS – que partilhava o Oriente Médiocom os EUA; a Guerra do Golfo – queneutralizou o Iraque; a falta de ajudafinanceira à OLP por parte dos árabes;e, sobretudo, a pressão dos EUA contrao radicalismo de Israel – que se explicapelo fato de que Washington tem queampliar a base de sustentação na região,estratégica e exposta a grandes tensõesreligiosas e geopolíticas.

SETEMBRO DE 1993MUNDO PANGEASETEMBRO DE 1993

“AJUDA ALIMENTAR” E GUERRA TRIBAL ALARGAM ZONA DA FOME NA ÁFRICA

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Aqui, nossas vacas dão meio litro de leite por dia. Lá, cada cabeça produz cotidianamente quarentalitros. Eles guardam uma dezena e lançam o restante junto com os dejetos de adubagem para

limitar a produção.(Michel Daou, camponês do Mali, ao voltar de estágio de cooperação na França, Lê Monde Diplomatique,

setembro 1992, pág. 27)Após trinta anos de existência, a ajuda alimentar do Norte não melhorou em nada as coisas na

África. Ao contrário, nosso continente regrediu mais ainda. Não se pode dar de comer a um povopor toda a vida. É preciso também estimular o seu desenvolvimento econômico.

(Ousmane Sembene, senegalês, pioneiro do cinema africano, Lê Monde Diplomatique, maio 1993, pág. 20)

ServiçoSobre a Fome:• A Fome, crise ou escândalo, Melhem Adas, Moderna, SP, 1993• Raízes da Fome, Ladislau Dawbor, Vozes, Petrópolis, 1985Sobre a África:• África do Sul, Demétrio Magnoli, Contexto, SP, 1992• A história de Biafra, Frederick Forsyth,Record, RJ, 1977.Filmes em vídeo:• Cães de Guerra, John Irving, Inglaterra, 1980.• Selvagens cães de guerra, Andrew McLaglen, Inglaterra, 1978.• Um grito de liberdade, Richard Attenborough, Inglaterra, 1987.

á vinte anos, as crisesdevastadoras de fome atingiamos países do Sahel submetidos aperíodos prolongados de

estiagem. O regime pluviométrico da faixapré-desértica ao sul do Saara, altamenteinstável, aparecia como a causa principalda fome: as secas rompiam o frágilequilíbrio entre produção e consumo dassociedades rurais.

A partir da década de 80, a “zona dafome” alargou-se até a África oriental eaustral, englobando países comoMoçambique, Zâmbia, Angola, o norte doQuênia e o sul do Zaire (v. mapa “Ageopolítica da África subsaariana”).Nos últimos anos, mesmo Botswana –tradicional fornecedor de grãos – foisugado pelo vórtice da fome.

A GEOPOLÍTICA DA FOMEA África subsaariana tem 2 milhões

de refugiados, banidos das suas regiõespelas guerras tribais. No Sudão,Moçambique, Angola, Libéria e Serra Leoa,guerras e fome andam lado a lado,eventualmente acompanhadas pela seca.A multiplicação das guerras tribais –muitas delas travadas com armasmodernas, fornecidas a facções rivaispelas superpotências ao tempo da GuerraFria - revela a decomposição da arquiteturade fronteiras de todo o continente.

Desenhadas pelas potênciaseuropéias desde o Congresso de Berlim(1985), as fronteiras coloniaissobreviveram à descolonização. Elasreúnem, no interior dos territórios,populações rivais, étnica, cultural ehistoricamente. As facções em conflitodisputam o poder de Estado, a máquinapolítica deixada pelo colonizador. Essasguerras deixam entrever o fundo datragédia africana: a ausência de EstadosNacionais.

No seu lugar, poderes despóticosque representam tribos ou chefiasbeneficiam-se das ajudas financeiras

internacionais, capturam e utilizam comoarma política as ajudas alimentares deemergência, arruínam os camposcultivados e promovem o êxodo em massa.

A ECONOMIA DA FOMEA “ajuda alimentar permanente”

fornecida pelos países desenvolvidoscresceu no ritmo da globalização domercado de alimentos. As milhares detoneladas de cereais e carne enviadas daComunidade Européia e Estados Unidospara a África subsaariana representamuma arma das mega-empresasagroindustriais na disputa pelo controledos mercados. Essa ajuda – que reduz osestoques de excedentes empilhados nosarmazéns dos países ricos – desorganiza aprodução agrícola africana.

No Sahel, vários anos de ajudainternacional estão destruindo ocampesinato. Empresas como a Cargill Inc.– com 14 filiais no mundo, um dos gigantesdos cereais – implantam culturas de frutase legumes para exportação. A carne de boida Comunidade Européia, vendida norastro da ajuda alimentar por metade dopreço da carne local, toma o mercado dospastores semi-nômades e ameaçaexterminar essa atividade praticada háséculos.

A integração perversa da África àeconomia global está dissolvendo o seucampesinato. O êxodo rural lança aspopulações do campo na direção daeconomia improdutiva das cidades. Aeconomia monetária invade todos os porosda vida social. O continente passa adepender das flutuações de preços domercado mundial. Entre 1980 e 1991 oíndice médio dos preços das matérias-primas exportadas pela África (café, cacau,algodão, ouro, etc.) reduziu-se em 30%. Adívida total da África subsaariana foimultiplicada por 3,3. A mancha da fomenão parou ainda de crescer. Ao contrário,ameaça engolir quase todo o continenteafricano.

HO per fil datragédia naÁfrica…

Desde 1968, a população

da África subsaariana, que

cresce à taxa de 3% ao ano,

foi multiplicada por dois,

atingindo 550 milhões de

habitantes. Nesse período,

a produção alimentar

regrediu em 20%. A ajuda

alimentar oriunda dos

países desenvolvidos foi

multiplicada por sete, desde

1974, mas no mesmo

período a importação de

cereais mais que dobrou.

… e no Brasil

Aqui, 32 milhões de

pessoas são vítimas da

fome, embora o país use

apenas uma pequena

parcela de suas terras

agricultáveis. Aqui é

cultivado apenas 0,41

hectare por habitante, sendo

que o país possui uma

super fície de ter ras

agricultáveis superior a três

hectares por cada brasileiro.

SUBNUTRIÇÃO MATA 10 MILHÕES DECRIANÇAS POR ANO NO MUNDO

MELHEM ADAS (*)Especial para Mundo

Dez milhões de crianças de menos decinco anos morrem de fome anualmente.Esse ritmo de mortalidade é dez vezessuperior ao do genocídio de judeus durantea Segunda Guerra, observa o economistaLadislau Dowbor. A fome não decorre decondições naturais adversas, ou docrescimento populacional dos paísessubdesenvolvidos e da falta de alimentosno mundo – explicações amplamenteutilizadas para mascarar a realidade. Afome, não é somente um problemabiológico. É, fundamentalmente, político,econômico e social. É a expressão biológicade uma grave doença social.

A ordem (ou desordem) mundial, asestruturas sociais ultrapassadas quepermanecem vivas e resistentes à mudançana maior parte dos países, o modelo dedesenvolvimento econômico, a baixa rendada população, a dívida externa e a injustaestrutura fundiária são algumas das causasda fome. Cerca de um bilhão de pessoasvão dormir todas as noites sem terconsumido os alimentos de que necessitampara manter a saúde. Apesar doextraordinário avanço científico etecnológico, as condições de vida damaioria da população dos paísessubdesenvolvidos se deterioraram nosúltimos anos.

Milhões vivem em pobreza absoluta– no Brasil, cerca de 20% da população –pois sua renda é tão baixa que não podemter alimentação mínima diáriasatisfatória. A expectativa de vida emmuitos países é baixa, cerca de 42 anos,constituindo uma séria violação do direitoque todo ser humano tem de viver omaior tempo de vida.

A produção internacional de grãosjá bastaria para assegurar à populaçãomundial as 3.000 calorias e os 65 gramasde proteínas necessários diariamente.Mas, pelo menos 40% da produçãomundial de cereais destina-se àalimentação animal, principalmente dogado nos países desenvolvidos.Empresas transnacionais que operam nospaíses subdesenvolvidos canalizamrecursos para a produção de ração paragatos e cães, principalmente dos paísesricos. Apenas nos EUA, o volume dosnegócios com ração animal supera osUS$ 2 bilhões anuais. Susan Geoge, emseu O Mercado da Fome, assinala que“qualquer vira-lata rico ou gato mimadoé melhor cliente para a agroindústria doque um ser humano pobre”.

As distorções e contradiçõessociais, políticas e econômicas mundiaissão muito grandes. No Brasil, a situaçãochegou a tal ponto que, neste ano, foilançada a campanha contra a fome,liderada pelo sociólogo Herbert de Souza,o Betinho. A campanha visa a atenderapenas uma situação de emergência, aopasso que as reformas necessárias parareverter o quadro social ainda estão porvir. Daí a necessidade de todosparticiparmos do questionamento daatual estrutura sócio-econômica epolítica. Tal discussão não depende dequem somos social ou profissionalmente,pois, como disse Terêncio: “Sou humano,e nada do que seja humano consideroestranho a mim”.

(*) Melhem Adas é professor de Geografia eautor de vários livros didáticos eparadidáticos, entre os quais A fome, criseou escândalo (Moderna, 1ª edição, SP, 1993)

TENSÕES ÉTNICAS E LUTAS ENTRE TRIBOS MERGULHAM A ÁFRICA NEGRA EM SANGUE, DESTRUIÇÃO E MORTEApenas em agosto de 1993, a guerra civil em Angola matou mais do que todo oconflito na Bósnia. A luta entre negros na República Sul-Africana (RSA) mata umnúmero crescente de pessoas. A Nigéria está à beira da guerra civil. Fazemos, emseguida, uma descrição sumárias dos terríveis conflitos na África subsaariana.

NIGÉRIAHá pelo menos 100 grupos étnicos no

país (o mais populoso da África negra), dosquais os principais são os haussas e fulanis(ao norte), os iorubas (sudoeste) e os ibos(sudeste). Além das divisões étnicas, hádiferenças religiosas importantes entre o norte(islâmico) e o sul (cristão). O desenvolvimentodiferenciado dos grupos étnicos e adescoberta de petróleo no sudeste levaram auma tentativa de separatismo da região. Aguerra que se seguiu durou de 1967 a 1971,vitimou centenas de milhares de pessoas eficou conhecida como Guerra de Biafra. Osibos foram derrotados. A Nigéria manteve aintegraidade territorial, mas assisitiu a umasucessão de golpes e ditaduras. Os governos,

quase sempre comandados por militaresnortistas, esmagaram a oposição. Em junhode 93, foram realizadas eleições que deramvitória a Mashood Abiola, empresário dosudoeste. O general Babangida, no poderdesde 1985, anulou as eleições, gerandoprotestos em todo país. O Ociedente impôssanções econômicas. Os dois meses que seseguiram foram de grande tensão. No final deagosto, Babangida renunciou, e passou opoder a um governo provisório, ao que parececomandado por ele mesmo. A crise aumentouas tensões étnicas, e impeliu milhares depessoas de volta às suas regiões étnicas deorigem. Fatos semelhantes aos queantecederam a Guerra de Biafra.

ANGOLA ÁFRICA DO SULAs raízes do conflito em Angola – de longe, os mais sangrentos de 1993 – são muito antigas: datam

da época em que o país era colônia portuguesa. Naquele período, vários grupos lutavam pelaindependência, ao mesmo tempo em que disputavam entre si quem tomaria o poder após a eventualderrota de Portugal. Dois grupos se destacaram: o Movimento Popular de Libertação de Angola(MPLA) e a União Nacional Para a Independência Total de Angola (Unita).

O MPLA era de orientação marxista, propunha-se como supra-tribal e tinha maior influência nocentro-oeste do país, especialmente nas cidades maiores como Luanda (a capital). A Unita era pró-Washington, tinha maior influência no centro-sul, onde é majoritária a etnia ovimbundo. Quando osportugueses deixaram formalmente o país, em 1975, o MPLA detinha o controle da maior parte doterritório e da capital, sendo por isso reconhecido internacionalmente como o novo governo de Angola.A vitória do MPLA só foi possível com a ajuda material da antiga União Soviética e apoio de milhares desoldados cubanos. Contudo, a Unita conseguiu manter sobre seu controle áreas significativas do sul,onde era apoiada pelos EUA e por soldados sul-africanos.

Com o arrefecimento das tensões mundiais no final dos anos 80, a situação angolana aparentementese encaminhou para um desfecho político e não militar. Por pressão das superpotências, os protagonistasdo conflito chegaram a um acordo. Por conta desse acordo e das novas condições internacionais noinício dos anos 90, as tropas estrangeiras foram retiradas da região, o MPLA renunciou ao marxismo eprogramou eleições pluripartidárias que se realizaram no segundo semestre de 1992. As eleições, quecontaram com a participação da Unita, deram vitória ao MPLA, com estreita margem de votos. Apesarde observadores internacionais terem confirmado a lisura das eleições, a Unita não acatou os resultadose reiniciou o conflito que perdura até os dias atuais.

O número crescente de vítimas nosúltimos dois anos na RSA tem comocausa principal a luta entre gruposnegros. Os negros constituem 71% dapopulação. Segundo critériosetnolingüísticos (idealizados pelosbrancos) existem nove “nações negras”.Os dois maiores grupos são também osgrandes rivais: zulus e xhosas. Elesdisputam o poder na RSA pós-apartheid.Os xhosas de Nelson Mandela,agrupados no Congresso NacionalAfricano (CNA), pretendem um paísmultirracial, onde eles sejampredominantes politicamente. Os zulus,no Partido Inkhata, não aceitam umeventual predomínio xhosa. Querem umgoverno mais descentralizado, ondeteriam grande autonomia. Os conflitos,cada vez mais violentos, ocorrem quasesempre nas townships (subúrbios negros

de cidades “brancas”), e são estimuladospelos brancos radicais contrários àsreformas raciais do presidente FrederickDe Klerk. Eles acreditam que as lutasentre os negros beneficiam os brancos.

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SETEMBRO DE 1993 MUNDO

FIM DOS BLOCOS DA GUERRA FRIACRIA GRAVE CRISE POLÍTICA NO JAPÃO

Multipolaridade mundial obriga Tóquio a repensar o seu lugar frente a Washington e abrenovos horizontes na esfera geoeconômica da Bacia do Pacífico; partidos tradicionais,

como o PLD, são ultrapassados pelos fatos da nova conjuntura mundial

As eleições parlamentares de julhorepresentaram uma reviravolta histórica noJapão. O PLD (Partido Liberal Democrático),no poder desde o fim da ocupaçãoamericana, perdeu a maioria absoluta. Otradicional partido dos clãs empresariais,epicentro da corrupção e beneficiário da“política do dinheiro” (money power) foiforçado a ir para a oposição. Formou-se umgoverno de coalizão, reunindo partidos detodo o espectro político sob a liderança dedissidentes do PLD.

O PLD conduziu o país através dodeserto da Guerra Fria. Na condição de pilarasiático dos EUA, o Japão encasulou-se sobo “guarda-chuva nuclear” americano.Simultaneamente, reconstruiu a suaeconomia, modelando-a para a conquistade mercados externos de produtosindustriais. Dependente do fornecimentoestrangeiro de matérias-primas, construiusaldos comerciais crescentes, firmando-secomo pólo de irradiação da economia demercado no leste asiático.

Desde os anos 70, a reorganizaçãoprodutiva gerada pela “crise do petróleo”catapultou o Japão para a liderança da novarevolução tecno-científica, fundada naautomação industrial, na robótica, namicroeletrônica e na indústria deinformação. Os investimentos externos doarquipélago contribuíram para aemergência dos Novos PaísesIndustrializados do oriente, ou “DragõesAsiáticos” (v. mapa A “esfera deprosperidade” do Pacífico).

O fim da Guerra Fria constitui umaencruzilhada para o Japão. No planointerno, a estabilidade política esgota-se nopântano da corrupção desenfreada,enquanto o crescimento econômico perdeimpulso e transforma-se em recessão. Noplano externo, o frágil governo de coalizãoenfrenta um cenário complexo, repleto dearmadilhas.ENTRE O “NÃO” E O “TALVEZ”

O desafio global consiste emreorganizar as relações com os EUA. Libertodas ameaças soviética e chinesa, o Japãojá pode dizer não. Mas um não inequívocoenvolve a tentação perigosa da guerracomercial, do rearmamento e do isolamentonuma Ásia que guarda as lembranças e asferidas do imperialismo japonês.

Tóquio parece preferir o talvez,equilibrando-se entre as novasresponsabilidades mundiais e a parceriacom Washington. Combina desafios econcessões na disputa comercial com osEUA, envia soldados para o exterior noquadro das forças de paz da ONU noCamboja, pede desculpas oficiais pelasagressões militares na Ásia durante asdécadas de 30 e 40. A valsa diplomática deTóquio prepara a subida de um degrauhistórico: o ingresso como membro

GUERRA COM OSEUA ROMPEUISOLAMENTO DAERA TOKUGAWA

A sombra americanapersegue o Japão, ´há mais deum século. Em 1854, forçasnavais americanas bombar-dearam os portos japoneses,forçando a abertura comercialdo país. Essa operação destruiuo frágil equilíbrio político doJapão tradicional, precipitandoo fim da Era Tokugawa. Oxogunato deu lugar àcentralização imperial.Começava em 1868 o período daRestauração Meiji.

A modernização industrialrealizou-se sob o signo daexpansão militar. Em 1894tropas imperiais tomavamFormosa. Em 1905 as forças doarquipélago derrotavam aRússia e anexavam a Coréia. Em1931 ocorria a invasão daManchúria chinesa e a cria-çãodo Estado-fantoche deMandchukuo. O Japão formavauma vasta área de influência,chamada pomposamente Esferade Co-Prosperidade do LesteMaior Asiático.

A esfera de poder japo-nesa no Pacífico interceptava ocírculo de influência navalamericano. O conflito,longamente adiado, irrompeuem 7 de dezembro de 1941, como ataque de surpresa à basehavaiana de Pearl Harbor. EmHiroshima, a 6 de agosto de1945, o sonho imperial japonêssucumbia na maior tragédia doséculo.

O Japão contemporâneonasceu da ocupação americanade 1945-51. Reformado eocidentalizado, foi envolvido naarquitetura mundial da GuerraFria, tornando-se um diquecontra a expansão da influênciasoviética no leste asiático.

A disputa com a Rússiapela posse das ilhas Kurilas(situadas no mar de Okhotsk, aonorte do Japão, e anexadas porJosef Stalin após a 2ª Guerra) éum remanescente desseperíodo. A disputa é o nó que atéagora impediu que o Japão selançasse a um ambiciosoprojeto de exploração eindustrialização da Sibéria.

A primeira abertura do Japão para o mundo veio na esteira davisita dos Navios Negros do comodoro americano MatthewGalbraith Perry ao final da era feudal Tokugawa. A segundaabertura veio com a ocupação americana após a Segunda Guerra.O Japão agora precisa de uma “terceira abertura” para enfrentaros desafios da década final deste século.

(Morihiro Hosokawa, novo premiê do Japão, O Estado deS. Paulo, 09.ago.1993, Economia p.2)

permanente no Conselho de Segurança da ONU,solicitação apoiada oficialmente pelos EUA.

O desafio regional consiste em liderarpoliticamente a zona econômica do Pacífico. Nesseterreno minado, Tóquio precisa superar as desconfiançasde países que conheceram a ocupação (Coréia, Formosa,Indonésia, Tailândia, Malásia …), estabilizar as relaçõescom a China Popular que abre a sua economia (v.matéria “Guerra com os EUA rompeu isolamentoda era Tokugawa) e resolver seu conflito com a Rússia.Habituado aos maremotos naturais, o Japão saberáenfrentar esse maremoto geopolítico?

Serviço

• Um Retrato do Japão, Osvaldo Peralva, Moderna, SP, 1990• Desenvolvimento Econômico do Japão Moderno,

Takafusa Nakamura, Minist. dos Negócios Estrangeiros doJapão, 1985

• Yen - O Japão e o seu novo império financeiro, DanielBurstein, Cultura, SP, 1990

• O Novo Mapa do Mundo, Demétrio Magnoli, Moderna,SP, 1993

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SETEMBRO DE 1993PANGEA

CHINA É O GRANDE BARRIL DEPÓLVORA DO PACÍFICOApesar do aparente crescimento econômico, a abertura do país aocapitalismo, combinada com a feroz ditadura do PC, cria contradiçõessociais e políticas que compõem um potencial perigosamente explosivo

Um barril de pólvora – a expressão,já gasta, ainda é a que melhor descreve aChina. Entre outubro de 1949 – quando oPartido Comunista de Mao Zedong tomouo poder – e agosto de 1976 – quando Maomorreu – a China viveu sob uma ferozditadura stalinista. O PCC praticou o cultoà personalidade de Mao (o “GrandeTimoneiro”), e impôs reformas econômicase sociais – como a política das Cem Flores(1956-57), as Três Bandeiras Vermelhas(1957-66) e a Revolução Cultural (anos 60)– que prometiam “liquidar os traidores dosocialismo” e conquistar o paraíso na Terra,e que, invariavelmente, terminavam emdesastre absoluto emilhões de mortos. Apósa morte de Mao, a Chinapassou a ser governadapelo “pragmático” DengXiaoping. Dengarquitetou as “quatromodernizações” – no campo, na indústria,na cultura e na ciência e tecnologia. Tornou-se famosa a sua frase segundo a qual nãoimporta a cor do gato, se for eficaz paracaçar o gato.

Deng permitiu a iniciativa privada emsetores de comércio, como o de alimentos– no início timidamente e depois com maiorousadia. Em 1988, a China passou deimportadora a exportadora de alimentos.Mas o aspecto mais ousado das reformasfoi a criação, em 1984, de ZonasEconômicas Especiais (ZEEs), ligadas aHong Kong, perto de grandes cidadescosteiras e de Taiwan. Nas ZEEs, depoistransformadas em regiões inteiras, asempresas capitalistas são convidadas ainvestir em troca de benefícios fiscais (emcertos casos, isenção total de impostos) emão-de-obra com um dos menores custosdo planeta. Um documentário da redebritânica BBC constatou trabalho escravoem algumas das regiões.

Algumas cifras dão uma idéia do quea abertura parcial da China significa para aBacia do Pacífico. Apenas entre 1987-91, odeslocamento de indústrias de Hong Kongpara o sudeste da China causou queda de

20% dos empregos industriais em HongKong (que deverá ser reintegrada à Chinaem 1997). Pelo menos 12 mil empresas deTaiwan já operam na China. Em 1991, ocomércio com a Coréia do Sul teve aumentode US$ 3 bilhões sobre o de 1990.Intensificam-se negociações com Tóquiopara investimentos de larga escala.

O resultado é um aparente “boom”.Em 1991, a elevação do PIB foi de 7,8% (3,7%em 1990) e expansão de 14% na produçãoindustrial (4,8% em 1990) e inflação de 3,4%(20% em 1990). Mas a contrapartida é umacorrupção desenfreada na cúpula do PC,associada a uma repressão que impede

qualquer contestação. Acorrupção chegou a talponto que em 8 de abrilo ministro daSegurança Pública, TãoSiju, elogiou como“patriotas” as Tríades,

máfias que exploram prostituição,contrabando e narcotráfico em Hong Kong,Taiwan e China.

Há regiões de pobreza absoluta. Acada ano, 9 milhões de crianças nascem“clandestinamente” porque os casais têmmedo de declarar seu nascimento,contrariando um decreto de contençãodemográfica (a população soma 1,2 bilhão).E o “boom” econômico não é distribuídoigualmente. AS dez províncias costeiras daChina concentram 73% do comérciointernacional, ao passo que as outras vintevivem à míngua.

Até agora, o PC conseguiu abafar astensões sociais, com repressão ecentralização total do poder nas mãos deDeng. Mas Deng, 86 anos, já dá sinais decaducidade. A disputa pela sua sucessão jásinaliza uma guerra na cúpula do PC –chefes de províncias, generais e burocratasdisputam uma guerra na cúpula do PC –chefes de províncias, generais e burocratasdisputam o espólio socialista chinês.Qualquer brecha na cúpula permitirá que odescontentamento social aflore. Isso teriarepercussões graves e imediatas na Baciado Pacífico.

Pressionado por uma grave crise, FidelCastro restabeleceu tímidos princípios deeconomia de mercado em Cuba, 40 anos apósas revolução que colocou a ilha na trilha doestatismo socialista (v. Mundo n° 4, pág. 5).As contradições se acumulam. A maiorliberdade econômica só realça a total ditadurapolítica. Como os cubanos estão sentindo isso?Os trechos abaixo, de um relato de viagem,mostram que a resposta não é simples.

LUCIANA WORMS (*)Especial para Mundo

26 de julho de 1993: 40 anos do assaltoao quartel de Moncada. Bandeiras ilustramnas ruas o nacionalismo cubano. Frasesenaltecem os “mártires da Revolução” eatacam os Estados Unidos.

Os hotéis são redomas de proteçãoaos turistas. Eu mesma, com a aparênciade “cubanita”, tenho que mostrar o meupassaporte como prova de que souestrangeira. Na sorveteria Coppélia,próxima à Praça da Revolução, o mal-estaré maior. O turista leva três minutos paracomprar um sorvete; o cubano, três horas.Mas todos dizem que tratar bem o turista éa melhor saída para Cuba

Viva Fidel, o “Comandante”A confiança dos cubanos em Fidel

Castro, chefe do PC e presidente dosConselhos de Estado e de Ministros, édemonstrada no dia do seu discurso emSantiago. O país pára. Fico emocionada aoouvi-lo de perto, mesmo não sendo castrista.Fidel: “tudo dependerá da capacidade do povocompreender os problemas e apoiar asmedidas para salvar o país (…) Defenderemosou não a pátria, a revolução e o socialismo atéo fim?” – e o povo, otimista e em festa,responde: “Sim”. Parece um final de Copa.

Estudante não pagaOs estudantes são privilegiados.

Recebem para estudar. Têm entrada muitomais barata e consumo gratuito nos cinemase teatros (sem terem que apresentarcarteirinha), além de livros subsidiados.Podem, como os turistas, freqüentar a belapraia de Veradero. Os demais cubanos nãosão impedidos de visitá-la, mas asdeficiências em matéria de locomoçãoformam uma barreira “natural”.

“Apagón”A energia é racionada, com corte na

transmissão (“apagón”) em sistema derodízio. AS casas não afetadas pela faltade luz expõem os aparelhos de TV nasjanelas, para que os vizinhos atingidosacompanhem a programação.

A burocraciaConheci o presidente da Federação dos

Estudantes Universitários e seu pai, RaulHernandez, Ministro da Educação. Moram noprédio mais alto de Havana, um apartamentopor andar, instalações comparáveis às de umhotel 5 estrelas. Mas Raulzito tem cota degasolina igual à de qualquer cubano, e estudana mesma universidade que o filho de umtrabalhador. É a igualdade na diferença.

(*) Luciana Worms, 23, é bailarina clássica, cursa o4° ano de Direito da USP e é profª de Geopolíticado Anglo Vestibulares. Participou, em julho, deencontro internacional de juristas de Cuba.

SERVIÇO

• Revolução em Três Tempos – URSS, Alemanha, China, José Arbex Jr., Moderna, SP, 1993• O Mundo Hoje – 93, vários autores, Ensaio, SP

CUBA