FOME DE LETRAS - ensp.fiocruz.br · 8º Simpósio Sobre Política Nacional de Saúde Crise é pano...

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Nº 37 Setembro de 2005 Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/radis NESTA EDIÇÃO Congresso da Rede Unida Nos 20 anos de parcerias em saúde e educação, encontro reitera compromisso com o SUS MARIA CÉLIA DELDUQUE Advogada lamenta arquivamento da Lei de Responsabilidade Sanitária FOME DE LETRAS De como um pequeno projeto promove grandes mudanças na vida de assentados de Goiás FOME DE LETRAS De como um pequeno projeto promove grandes mudanças na vida de assentados de Goiás

Transcript of FOME DE LETRAS - ensp.fiocruz.br · 8º Simpósio Sobre Política Nacional de Saúde Crise é pano...

Nº 37 � Setembro de 2005

Av. Brasil, 4.036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ � 21040-361

www.ensp.f iocruz.br/radis

NESTA EDIÇÃO

Congresso da Rede Unida

Nos 20 anos deparcerias em saúde eeducação, encontroreitera compromisso

com o SUS

MARIA

CÉLIA

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F O M E D E

LETRASDe como um pequeno projetopromove grandes mudançasna vida de assentados de Goiás

F O M E D E

LETRASDe como um pequeno projetopromove grandes mudançasna vida de assentados de Goiás

Quem se comunicaé premiado

Na primeira quinzena de julho, oCentro de Informação Científi-

ca e Tecnológica da Fiocruz (Cict) foicontemplado com três menções hon-rosas em diferentes eventos.

A primeira foi no 6º CongressoNacional da Rede Unida, em BeloHorizonte (ver págs. 12 e 13). AliceFerri, pesquisadora do Departamen-to de Estudos em Ciência e Tecnologia(Dect), recebeu menção pelo traba-

lho “A Educação em Saúde por meio devídeos” — um mergulho no audiovisualcomo ferramenta para a educação.

Depois, no 3º Congresso Brasilei-ro de Ciências Sociais e Humanas emSaúde, em Florianópolis, dois traba-lhos obtiveram menção honrosa. Oprimeiro: “A literatura sobre Comuni-cação e Saúde: quem escreve o que,onde e como”, pôster de Inesita Araújoe Wilson Borges, do Departamento deComunicação e Saúde (DCS) do Cict. Tra-ta-se da construção de um banco dedados de referência para pesquisado-res e educadores para facilitar o aces-so a teses, artigos, revistas, monografiasetc., hoje dispersos, que tratem da co-municação em saúde.

O segundo: o pôster com a per-sonagem Cida, criação de ÁureaPitta, também do DCS (http://paginas.terra.com.br/saude/cida10).Áurea “inventou” Cida inspirada emseu próprio perfil epidemiológico, du-rante a longa licença médica (da qualvoltou em agosto) que tirou para openoso tratamento de uma hepatiteC por vírus 1b.

ARTE DE RUBEN FERNANDES SOBRE ILUSTRAÇÃO DE CACO XAVIER

PÔSTER DE VALÉRIA DA SILVA MONTEIRO

Terra, trabalho e educação

Comunicação e Saúde

� Quem se comunica é premiado 2

Editorial

� Terra, trabalho e educação 3

Cartum 3

Cartas 4

Súmula 6

Toques da Redação 7

Padre Bernardes, Goiás

� Um pequeno projeto, grandestransformações 8

Entrevista: Maria Célia Delduque

� “Os direitos do usuário do SUSestão na Constituição” 11

6º Congresso Nacional da Rede Unida

� Vinte anos de debate sobreformação em saúde 12

Saúde no Brasil profundo

� Terra, o grande sonho do Tapajós 14

8º Simpósio Sobre Política Nacionalde Saúde

� Crise é pano de fundo para balançoem Brasília 16

Serviço 18

Pós-Tudo

� Carta de Brasília 19

Esta edição traz, da capital mineira, asavaliações e conclusões do “mega”

congresso da Rede Unida, que mar-cou a aproximação do campo e daspráticas de saúde com a educação po-pular e o Ministério da Educação. Osparticipantes apoiaram quem defen-deu reformulação da formação e ga-rantia de vínculos mais estáveis para osprofissionais de saúde e também a mu-dança do modelo de atenção básica,com intersetorialidade na promoção,acolhimento e busca ativa da demandae maior resolutividade clínica.

De Brasília, paralelamente à crisepolítica, os ecos do 8o Simpósio sobrePolítica Nacional de Saúde, realizadono Congresso Nacional, que eviden-ciou a defesa do orçamento da saú-de, a responsabilização dos gestorespelo uso dos recursos, o resgate daseguridade social e a valorização dotrabalhador da saúde, com melhor for-mação e remuneração.

Na educação, como na saúde, co-meçar pelo acolhimento é humanizaras relações. Assim são as aulas no pro-jeto Fome de Letras, em assentamen-tos rurais no interior de Goiás. Os traba-lhadores do campo se reúnem emcírculo e começam o diálogo que reve-

la estado emocional e problemas a se-rem cuidados coletivamente, antes do“letramento” propriamente dito. Os te-mas geradores das aulas são a realidadedo campo, alimentação e saúde, expli-cam os nutricionistas, pedagogos e agrô-nomos da iniciativa que une a Fiocruz àAssociação Brasileira de Nutrição e aoCNPq. Mais do que alfabetização, valo-riza-se a cultura, a solidariedade e a ci-dadania, como revelam tocantes depo-imentos em nossa matéria de capa.

Em mais uma reportagem na RegiãoAmazônica, mostramos que a luta pelaposse da terra é vital para 26 comunida-des radicadas há cerca de 200 anos aolongo do Rio Tapajós. Divididos entreassumir a identidade de índios para ob-ter terra e atenção à saúde, os ribeiri-nhos sonham com seus netos brincan-do, pescando e caçando — como osantepassados — e tirando da mandioca,do artesanato e do ecoturismo o sus-tento em meio à exuberante paisagem.

Confira, na Súmula, o risco de índi-os ficarem sem atendimento por faltade repasse da Funasa e a inacreditávelhistória dos porcos da Monsanto.

Rogério Lannes RochaCoordenador do Radis

editorial

Nº 37 — Setembro de 2005

Cartum

Capa Aristides Dutra sobre foto de Selestinoda Silva. Foto menor de Wagner Vasconcelos

Fotos e ilustrações Aristides DutraTID

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CARTAS

RADIS é uma publicação impressa e onlineda Fundação Oswaldo Cruz, editada peloPrograma RADIS (Reunião, Análise eDifusão de Informação sobre Saúde),da Escola Nacional de Saúde PúblicaSergio Arouca (Ensp).

Periodicidade mensalTiragem 44 mil exemplaresAssinatura grátis

(sujeita à ampliação do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo BussDiretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho

PROGRAMA RADISCoordenação Rogério Lannes Rocha

Subcoordenação Justa Helena FrancoEdição Marinilda CarvalhoReportagem Katia Machado (subeditora),

Wagner Vasconcelos (Brasília/Direb)e Thiago Vieira (estágiosupervisionado)

Arte Aristides Dutra (subeditor)Documentação Jorge Ricardo Pereira,

Laïs Tavares e Sandra SuzanoSecretaria e Administração Onésimo

Gouvêa, Fábio Renato Lucas,Cícero Carneiro e Mario Cesar G.F. Júnior (estágio supervisionado)

Informática Osvaldo José Filho e GeisaMichelle (estágio supervisionado)

EndereçoAv. Brasil, 4.036, sala 515 — ManguinhosRio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361Tel. (21) 3882-9118Fax (21) 3882-9119

E-Mail [email protected] www.ensp.fiocruz.br/radisImpressãoEdiouro Gráfica e Editora SA

USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radispode ser livremente utilizado e reproduzido em qual-quer meio de comunicação impresso, radiofônico,televisivo e eletrônico, desde que acompanhado doscréditos gerais e da assinatura dos jornalistas respon-

sáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos aosveículos que reproduzirem ou citarem conteúdo denossas publicações que enviem para o Radis um exem-plar da publicação em que a menção ocorre, as refe-rências da reprodução ou a URL da Web.

Urge lembrar aos gestores o cla-mor da 12ª Conferência Nacional deSaúde pela formação da Rede PúblicaNacional de Comunicação e Saúde,onde certamente nós, jornalistas,comunicadores, conselheiros, médicos,enfermeiros, agentes e profissionais dasaúde, construiremos um futuro em queo cidadão esteja informado e conheçaa cara deste sistema tão arduamenteconstruído pela via democrática.� Angélica Silva, Fátima Gomes, Marce-lo Vianna, Canal Saúde, Rio de Janeiro

OLHA O SUS AÍ, GENTE!

Fiquei muito feliz ao retornar dasférias e saber que nossa busca em

mostrar um SUS diferente daquele en-xovalhado pela grande mídia teve umconsiderável destaque nas páginas daRadis n° 35, julho de 2005. Veio umamistura de alegria e saudade, já quefaz tempo que traçamos os emoticons,e também pelo fato de os colegas doGICES estarem dispersos. Nossas boase interessantes discussões sobre co-municação e educação em saúde pre-cisam ser retomadas em novos momen-tos e espaços. Esta publicação vem nosmostrar que muitas coisas simples quefazemos podem repercutir a curto oua longo prazo na busca de um SUS coma devida qualidade. Valeu e obrigado!� Marcelo Marques de Mélo, dentis-ta, especialista em Saúde Coletiva,Florianópolis

PORTA DE ENTRADA DO SUS

ARadis de julho de 2005 estouroua boca do balão. Era preciso que esta

discussão ganhasse dimensão nacional.Está provado que uma das entradas dosistema de saúde brasileiro (SUS) estácompletamente fechada. Falo da comu-nicação visual. Diante do diagnóstico quea Radis obteve junto à entrada do Hos-pital Geral de Bonsucesso, segundo cons-ta da reportagem, cabe uma profundareflexão sobre a existência de forçasinternas que avançam na contramão doSUS. É extremamente preocupante. Te-nho bem claro que o sistema é com-

OS RIBEIRINHOS DO TAPAJÓS

Sou médico e professor de SaúdeColetiva na Escola Superior de Ci-

ências da Santa Casa de Misericórdiade Vitória (Emescam). Há muitos anosacompanho a revista e leio as publica-ções do Programa Radis. Os temas sãosempre muitos bons e atuais, o que memotiva a trabalhar com eles em sala deaula. Um fato legal é que a revista temmelhorado sensivelmente de uns tem-pos para cá. Ficou “mais leve”, ganhouem conteúdo e apresentação. Mas, sin-ceramente, no último número vocês sesuperaram. A revista está linda. As foto-grafias estão belíssimas, poéticas até.Em perfeita sintonia com a matéria so-bre os ribeirinhos do Tapajós. Parabénspara os autores Aristides Dutra e JesuanXavier. Bem-vindas as cores!� Erivelto Pires Martins, Vitória

LOGOMARCA E DISCURSO EM COMUM

Foi com surpresa e satisfação quevimos a edição da Radis falando

da logomarca do SUS. A fim de com-por o trabalho final do mestrado pro-fissional em gestão da informação ecomunicação em saúde na internet,pedi aos responsáveis pela programa-ção visual do Canal Saúde a logomarcado SUS. Segundo a pesquisa, a logo-marca bem definida num lugar privi-legiado é um pré-requisito fundamen-tal de uma página na internet comuma boa usabilidade.

Porém, esbarramos com esta res-posta do MS: “O SUS não tem mais umlogotipo especifico, o que temos é umpadrão de identificação, na parte su-perior das páginas eletrônicas do Mi-nistério da Saúde — observe no linkwww.datasus.gov.br/”. Isso revela a au-sência de uma política de comunica-ção para o Sistema Único de Saúde.São milhares de jornalistas que traba-lham neste “Brasilzão”, fazendo umamera assessoria de imprensa da ges-tão de secretários de Saúde ou do mi-nistério, sem um discurso em comumque correlacione a ação comunicati-va ao bem-estar e à promoção da saú-de da população.

expediente

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plexo e inúmeras variáveis precisam serlevadas em consideração.

Uma outra porta de entrada é aquelaque diz respeito à Atenção Básica (Radis34). A população também sabe se defen-der. Se não tem estrutura de atendimen-to condizente com as necessidades, elaprocura diretamente o hospital, poissabe que lá, mesmo com todas as dificul-dades existentes, será atendida. Já nospostos de saúde a situação é muito maisprecária. Imagino que a melhora virá apartir do momento em que a rede bási-ca receber a atenção necessária, comprofissionais presentes, medicamentos,possibilidade de pequenas cirurgias, e cla-ro que isso inclui também a melhora dosvalores pecuniários pagos a todas as ca-tegorias que executam suas tarefas.� Rudi Lopes, farmacêutico-bioquímico,Florianópolis

DEFESA DO SUS

Faço especialização em Saúde Co-letiva e residência no Serviço Social

do Centro de Capacitação Permanen-te em Saúde da Secretaria Municipalde Saúde. Gostaria de dizer que acheipertinente a defesa que foi dada aoSUS, edição 36. Esse é o sentimentoque deve ser adotado por aqueles quefazem diariamente o Sistema Único deSaúde: DEFESA. Parabéns.� Helga Muller Mengel, Aracaju

BH, PSF, MENSALÃO...

Na condição de mineiro e há algumtempo morando na capital, fiquei

honrado de ler na edição 34 da revis-ta Radis que o programa de atençãobásica de Belo Horizonte, BH Vida:Saúde Integral, desponta como modeloassistencial no país, contando com 504equipes de PSF. Mais à frente, na mes-ma edição, vemos que a capitalfluminense, consideravelmente maispopulosa do que a mineira, dispõe deapenas 111 equipes. Na posição tam-bém de freqüentador do nosso siste-ma de saúde pública, ainda vejo hos-pitais e ambulatórios de referênciaabarrotados, por total carência dossistemas de contra-referência.

A Radis solicita que a correspondên-cia dos leitores para publicação (car-ta, e-mail ou fax) contenha identifi-cação completa do remetente: nome,endereço e telefone. Por questões deespaço, o texto pode ser resumido.

NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA

Enquanto isso, me entristecever que nossa mesma capital mineiratambém figura na mídia nacionalcomo palco de políticos corruptos,tráfico de influência e pagamento de“mensalões”. Assim, vejo que, apesarde haver aqui um belo horizonte parao SUS, ainda existe algo que nos tra-va, que desvia verbas e se reflete nosdiversos setores sociais. Entristeçoainda mais em pensar que, por cer-to, isso se repete nas outras capitaise cidades do Brasil.� Hugo Brito, estudante de Medicinada UFMG, Belo Horizonte

OUVIDORIA ACESSÍVEL

Não consigo acessar a matéria so-bre ouvidoria pública (Radis nº

35) e, por exercer a função, tenhoo maior interesse em aferir oposicionamento desta conceituadainstituição referente à matéria. Aca-bo de me cadastrar como novo assi-nante e espero poder ser contem-plada com a revista. Todavia, gostariaque ponderassem sobre a possibilida-de de encaminhar o número atual,atendendo assim minha expectativade entrar em contato com o artigo.� Claudia Regina Haponczuk de Le-mos, médica, ouvidora do Instituto doCoração-HC-FMUSP, São Paulo

Prezada Claudia, encaminhamos a re-vista pelo correio tradicional. Por e-mailenviamos a página 13 da Radis 35. Paraacessar a revista em nosso endereçona internet (www.ensp.fiocruz.br/radis)é necessário baixar o programa AdobeReader (www.adobe.com.br/products/acrobat/readstep2.html).

RADIS APARTIDÁRIA

Gostaria de me posicionar, indig-nado, contrariamente às postu-

ras assumidas pelos leitores FábioLentúlio Mota Filho (“Radis partidária”)e Helio Custodio (“Postura perigosa”),na Radis 34, que afirmaram que a Radisé tendenciosa e que o Ato Médicoprecisa ser aprovado, como já vi emcartazes “pela defesa da saúde”.

Sobre a primeira afirmativa, souleitor da Radis desde a 10ª edição eacompanho as publicações da Fiocruzhá algum tempo. Jamais fiz esta inter-pretação absurda. Desde que come-cei a ler estas publicações já se pas-saram alguns governos, e, maisrecentemente, dois deles ideologica-mente contrários (FHC e Lula). A Radissempre manteve sua preocupação coma Saúde Coletiva e com a efetivação ea construção do SUS, denunciando os

desmandos, propondo soluções e mos-trando as experiências exitosas.

Com relação ao Ato Médico, é nomínimo irresponsável essa posturacorporativista que a classe médica vemadotando. Alegam que o ato viria defi-nir competências. Ora, a graduaçãojá faz este papel, senão seria exercí-cio ilegal da profissão. A verdade é queos médicos vêm perdendo espaço edinheiro, sendo esta a “dor maior”.Definitivamente, o Ato Médico (nomepor si só corporativo e autoritário) vaide encontro aos princípios do SUS,em especial ao da interdisciplinaridadee toda uma história de construção(ainda inacabada) do SUS: todos nóssomos responsáveis pela saúde seja nasações seja na assistência.� Romeu Costa Moura, fisioterapeu-ta especialista em Saúde Pública,Guanambi, BA

NA PAUTA

Écom imenso prazer que escrevo avocês para elogiar a excelente pro-

dução de informações a respeito de di-ferentes assuntos sobre saúde. Comousuário, participei de duas conferênci-as, a Doze e a 3ª Conferência Nacionalde Saúde Bucal. Sou um grande defen-sor do SUS, tendo me empenhado aomáximo no sentido de efetivar seus con-ceitos, como resolutividade, democra-tização, universalidade, integralidade eeqüidade. Neste sentido, gostaria dever matéria a respeito da obesidade,principalmente o grupo “infanto-ju-venil”. Tenho feito várias pesquisas arespeito e aproveito para mandar tex-tos sobre o assunto. O SUS é umaconstrução coletiva.� Francisco Carlos G. Arduim, Pelotas, RS

Sou do município de Santo André(SP) e trabalho na vigilância sanitária

direcionada à área de alimentos. Gosta-ria de sugerir trabalhos com “formasdiferentes” da atuação das Visas, con-siderando o universo a ser fiscalizado eas dificuldades comuns (deslocamentosdos técnicos, necessidade de atualiza-ção nos diversos campos a fim de acom-panhar o desenvolvimento tecnológico,equipe multidisciplinar etc.).� Edna Correa Clares, Santo André, SP

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CNS DETERMINA QUEBRA DE PATENTES

OConselho Nacional de Saúde(CNS) aprovou em 12 de agosto,

por unanimidade, resolução determi-nando que o governo quebre imedia-tamente as patentes dos três mais ca-ros medicamentos antiaids usados nopaís: o Kaletra (Abbott), o Nelfinavir(Merck Sharp) e o Tenofovir (Gilead).

O ministro da Saúde, Saraiva Felipe,disse que vai considerar a resolução.Mas avisou que a palavra final será sua.“Uma decisão política dessa magnitu-de é uma atribuição indelegável do mi-nistro”, afirmou. As decisões do CNStêm caráter deliberativo, mas o minis-tro da Saúde, que dispõe de um mêspara apreciar a decisão, preside o con-selho. Se houver divergências, o assun-to volta a votação.

Essa novela começou em março.O então ministro Humberto Costa deuprazo de 20 dias para que as três em-presas negociassem a patente de seusmedicamentos. Merck e Gilead disse-ram sim. Abbott disse não. Desde en-tão, houve uma série de idas e vindas,incluindo um quase-anúncio de que-bra, na presença do presidente Lula,seguido dias depois de “um atrapalha-do comunicado de acordo”. Que nun-ca foi formalizado.

BIOSSEGURANÇA PARADA NO PLANALTO

Odecreto de regulamentação daLei de Biossegurança (11.105/05)

está parado na Casa Civil da Presidênciada República. Os ministros de Ciência eTecnologia, Sérgio Rezende, e da Agri-cultura, Roberto Rodrigues, têm solici-tado à ministra Dilma Roussef, que a re-gulamentação saia antes da próximasafra, neste mês de setembro. Mas aassessoria da Casa Civil informou que nãohá previsão para a aprovação. Enquan-to cientistas ligados à biotecnologia pro-testam pelo atraso, os movimentos so-ciais tentam sugerir alterações na leipara que a Comissão Técnica Nacionalde Biossegurança (CTNBio) seja impedi-da de promover a biotecnologia e atueapenas em biossegurança.

Em manifesto enviado a DilmaRousseff, movimentos sociais ligados àCampanha por um Brasil Livre deTransgênicos reivindicam que no de-creto regulamentador sejam definidasregras para que Ibama, Anvisa e Con-

selho Nacional de Biossegurança nãose pautem exclusivamente pelas deci-sões da CTNBio e para que haja trans-parência e divulgação dos pareceres,das atas de reunião e dos votos decada integrante da comissão. Pedemainda que sejam proibidos de integrara CTNBio especialistas que participemou tenham participado de projeto dedesenvolvimento de transgênicos.

O ponto central da regulamenta-ção é justamente o funcionamento daCTNBio. As atividades da comissão es-tão suspensas até a data da publica-ção do decreto regulamentador, in-formou a revista eletrônica ComCiência (www.comciencia.br).

DEFESA RECOMENDA NOVOS TESTESCOM MILHO TRANSGÊNICO

OMinistério da Defesa divulgou do-cumento com parecer de seu De-

partamento de Saúde e Assistência So-cial, recomendando que sejam realiza-dos novos testes com o milhogeneticamente modificado MON 863 daArgentina, antes de sua importação. Emjunho, as entidades pediram ao Conse-lho Nacional de Biossegurança que sus-pendesse a importação do milhotransgênico argentino (o Porto de Re-cife registrou, em maio e junho, a en-trada de 52.410 toneladas vindas da Ar-gentina), tendo como base a divulgaçãode pesquisa secreta da Monsanto.

O estudo — “Ratos alimentados comdieta rica em milho geneticamente mo-dificado desenvolveram anormalidades emórgãos e alterações de sangue” (en-tre as anormalidades, rins menores) —foi divulgado pelo jornal inglês TheIndependent. Após a publicação, o pró-prio estudo começou a ser questiona-do. Alguns especialistas apontam falhasna metodologia da pesquisa, mas as enti-dades argumentam que havendo tantasincertezas é mais prudente esperar.

As entidades requisitaram a re-vogação do parecer da CTNBio queautorizou a importação do milho. Oparecer não se refere especificamen-te à proteína cry3Bb1 (a do MON 863da Monsanto), a variedade que afe-tou os ratos. No entanto, esse cultivoé permitido na Argentina, abrindo ca-minho para sua entrada no Brasil. Dosministérios que integram o Conselho,só o da Defesa se pronunciou até ago-ra. As informações são da Campanhapor um Brasil Livre de Transgênicos.

MONSANTO, A CRIA PORCOS

AMonsanto, aliás, anda impossível.Agora, ela quer patentear méto-

dos de procriação de suínos. O es-pecialista do Greenpeace ChristophThen ironiza. “O que a Monsanto estádizendo é: ‘Apresentamos nossa novacriação, os porcos’”.

“Se forem concedidas as paten-tes, a Monsanto pode, legalmente, im-pedir fazendeiros de criarem porcosque tenham as mesmas característicasdescritas nos pedidos de patentes; ouentão pode forçar esses agricultores apagar taxas”, diz Then. É que a descri-ção que a empresa faz de sua “inven-ção” é genérica demais. Numa delas, porexemplo — com código de registro naOrganização Mundial de Propriedade In-telectual WO 2005/015989 — a Monsantodescreve métodos de cruzamento e se-leção a partir de inseminação artificial.

Then, que há 10 anos revisa pedi-dos de patentes, se espanta com o nú-mero e a amplitude das patentesrequeridas. “Não pude acreditar. AMonsanto não busca apenas uma paten-te para um método, quer uma patentepara os porcos que nascem desse méto-do. É algo assustadoramente amplo eperigoso.” O pedido foi registrado inclu-sive no Brasil. Os agricultores gaúchos jápagam direitos à Monsanto no Brasil pelouso de sua tecnologia das sementestransgênicas de soja contrabandeadas daArgentina nos anos 1990.

NOVA EQUIPE NO MCT

Os novos assessores do ministro Sér-gio Rezende, da Ciência e Tecnologia:

� A Secretaria de Políticas e Programasde Pesquisa e Desenvolvimento passa aser ocupada pelo ex-professor da UFRJLuiz Antônio Barreto de Castro, quefez especialização em tecnologia desementes, fisiologia de plantas e bio-logia molecular nos Estados Unidos.Entusiasta dos transgênicos, já presi-diu a Comissão Técnica Nacional deBiossegurança (CTNBio) e comandoua Embrapa Recursos Genéticos eBiotecnologia (Cenargen). Substitui o fí-sico Cylon Gonçalves da Silva (Unicamp).� O engenheiro Augusto César GadelhaVieira, professor da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro, que coordenavao Grupo Gestor do Sistema Brasileiro deTV Digital, ficará à frente da Secretaria

SÚMULA

AMIANTO NAS TELAS — O vencedor do7º Festival Internacional de Cinema eVídeo Ambiental, aberto pela ministraMarina Silva na cidade de Goiás Velho,foi o documentário francês de média-metragem Amianto, morte lenta, deSylvie Deleule, que conta a história daproibição na França do cancerígenoamianto. Demorou 20 anos, mas — lá —conseguiu-se o banimento em grandeparte devido à pressão da imprensa.

Aqui, as coisas engatinham — comomostrou a Radis 29. O filme expõe as ati-vidades da Sama, mineradora de amiantode Goiás, maior produtor nacional. Olobby do amianto até tentou impedir aexibição. O deputado Ronaldo Caiado(PFL-GO) aparece no filme dizendo, or-gulhosamente, que recebe dinheiro daSama para suas campanhas. A cena foifortemente vaiada pelo público.

O MANTRA DE GALLO — O virologistaamericano Robert Gallo esteve no Bra-sil para o Fórum Aids: as novas desco-

bertas e o modelo brasileiro de assis-tência. Ele aproveitou para criticar aquebra de patentes de medicamentos.Gallo disse que fica incomodado quan-do ouve que o programa brasileiro detratamento da Aids é “referência mun-dial”. E emendou: “Pode ser modelopara os países em desenvolvimento, nãopara os EUA. Vocês acham que são, masnão são. Temos nosso próprio modelo,ajudando a quem mais precisa, as cida-des pobres do interior e os negros.”

Ele repetiu sua tese (que o Esta-do de S. Paulo chama de “mantra”)de que existe risco de fabricação ina-dequada, aumentando a possibilida-de de resistência do HIV. “Tal afirma-ção beneficia somente a indústriafarmacêutica e é desprovida de qual-quer base científica”, rebateu PauloTeixeira, ex-coordenador do Progra-ma de DST-Aids. “As poucas evidênci-as existentes mostram o contrário.”

Para quem não ligou o nome àpessoa, Gallo tentou, no início dos anos1980 tirar de Luc Montagnier e suaequipe do Instituto Pasteur, de Paris, otítulo de pioneiros no isolamento e naidentificação do vírus da Aids. Entre ou-tros inegáveis méritos, Gallo contribuiupara demonstrar que o HIV causa a Aids.Para a comunidade internacional eleé co-descobridor do HIV.

de Desenvolvimento Tecnológico e Ino-vação. Substitui Francelino Grando, queassumirá posto na área de meio ambi-ente da ONU em Nairóbi, no Quênia.

Não haverá mudanças nas secre-tarias de Ciência e Tecnologia para In-clusão Social e de Política de Informática,que continuam comandadas por, respec-tivamente, Rodrigo Rollemberg e Mar-celo Lopes, informou a Agência Fapesp.Carlos Siqueira, ex-Finep, substitui MariMachado na chefia de gabinete. LuisManuel Rebelo Fernandes continua se-cretário-executivo do ministério.

OS PLANOS DO MINISTRO

Oministro Sergio Rezende falou àimprensa sobre os planos de sua

gestão. Entre eles, aumentar de R$ 750milhões para R$ 1 bilhão, em 2006, osrecursos do Fundo Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico(FNDCT). “Dos quatro eixos principaisdo ministério, a expansão e consoli-dação do Sistema Nacional de C&T éo maior deles e, por isso, precisamosda aprovação do projeto de lei queamplia o FNDCT”, disse. (Os outros trêseixos: a Política Industrial, Tecnológicae de Comércio Exterior (Pitce), osobjetivos estratégicos nacionais e oprograma de inclusão social.)

Para o ministro, um dos grandesdesafios é abrir caminho para mestres edoutores nas empresas, já que a maio-ria está nas universidades. “A Pitce vaijustamente apoiar a inovação nas em-presas para que essa realidade mude”.

ÍNDIOS SEM ATENDIMENTO

OConselho Indígena de Roraima(CIR) anunciou em agosto que não

vai mais prestar atendimento médico aos32 mil índios do estado. Em comunicadoà Fundação Nacional de Saúde, a enti-dade alegou não estar recebendo a ver-ba prometida pelo convênio firmado coma Funasa. A decisão deve agravar a situa-ção das comunidades indígenas atingi-das por epidemias de malária e dengue.

Segundo o CIR, a Funasa se com-prometeu em junho a repassar quase9 milhões de reais para mais um anode trabalho. Mas o dinheiro não foiliberado. Devido à falta de verba, nosúltimos dois meses houve atraso no pa-gamento de salários e bolsas dos agen-tes de saúde, gerando multas trabalhis-tas e dívidas de despesas.

O convênio teve início em 1996 eatualmente mantém 218 postos de saú-de e 74 laboratórios para exames, co-brindo quase a metade do território do

estado. O quadro de funcionários é com-posto por 420 agentes de saúde, alémde agentes de saneamento e parteiras.

CONTROLE DAS ONGS CRIA POLÊMICA

OProjeto de Lei 3877/04, que regula-menta o registro, a fiscalização

e o controle das organizações não-governamentais (ONGs), vem causandopolêmica entre as entidades e o go-verno. O Senado já aprovou o texto,que agora tramita na Câmara. Se o pro-jeto for alterado pelos deputadosretornará ao Senado. Segundo o sena-dor Flávio Arns (PT-PR), o projeto darámais credibilidade e transparência aoterceiro setor. “A sociedade tem o di-reito de saber de onde vêm os recur-sos destinados a essas instituições”.

O projeto propõe a centralizaçãodo registro das entidades no Ministérioda Justiça, permitindo levantamento donúmero de ONGs e de suas ações. FlávioArns reconhece que as ONGs que atuamna saúde e na assistência social já têmregulamentação bem definida. “É impos-sível dizer numa lei geral o que é necessá-rio para cada entidade”, diz. O texto ga-rante subsídios do governo somente àsONGs inscritas no Cadastro Nacional deOrganizações Não-Governamentais (CNO)qualificadas como Organizações da Soci-edade Civil de Interesse Público (Oscip).

Renato Cunha, um dos coordena-dores da Rede de ONGs da Mata Atlânti-ca e do Fórum Brasileiro de ONGs e Movi-mentos Sociais para o Meio Ambiente e oDesenvolvimento, a regulamentação, comoprevê o projeto, promove uma inversãode papéis entre ONGs e Estado. Para ele,as entidades é que fazem o controle so-cial do Estado, e a obrigação de repassarinformações periodicamente ao Ministé-rio da Justiça garante seu domínio sobreas ações das ONGs. “Isso mais parece umcontrole do Estado”, afirma.

Estudo do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea) e do Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE), em parceria com a As-sociação Brasileira de OrganizaçõesNão-Governamentais (Abong) e o Gru-po de Institutos, Fundações e Empre-sas (Gife), publicado em dezembro de2004, constatou que em 2002 havia 276mil fundações e associações sem fins lu-crativos no Brasil, que empregavam 1,5milhão de pessoas. Em 1996 eram 2.800organizações.

SÚMULA é produzida a partir do acom-panhamento crítico do que é divulgadona mídia impressa e eletrônica.

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Um pequenoprojeto, grandestransformações

Um pequenoprojeto, grandestransformações

PADRE BERNARDES, GOIÁS

Wagner Vasconcelos

Amão direita de FranciscaMaria de Araújo já não trememais de insegurança ao pegaruma caneta. Ganhou familia-

ridade com esse objeto singelo quepor muitos anos esteve, para ela, re-lacionado a um universo abstrato, ina-tingível: o das letras. Hoje, aos 55 anos,mãe de 10 filhos, Dona Chiquinha pren-de a caneta com firmeza entre os de-dos, curva-se orgulhosa sobre a mesae, com o olhar fixo no papel, escreve,ainda que devagar, o que lhe vem àmente. “Escrevo cartas pros filhos queestão longe e umas receitas... Mastambém escrevo umas coisinhas só mi-nhas”, conta, enigmática. Sempre sor-ridente, Dona Chiquinha é uma das maisaplicadas alunas do Projeto Fome deLetras, iniciativa que resgata auto-es-

timas abaladas pela dura realidade davida no campo.

Para entender o Fome de Letrasé necessário dizer que ele tem doisobjetivos principais. Um deles écombater os altos índices de anal-fabetismo entre adultos de assen-tamentos rurais cravados no muni-cípio de Padre Bernardes (GO). Ooutro é consolidar, entre esses tra-balhadores, práticas de segurançaalimentar que redundem em melhorqualidade de vida.

Para executar essa missão, nu-tricionistas, pedagogos e agrônomospartem de Brasília e viajam, em média,140 quilômetros, todos os fins de se-mana, até a sede da Escola MunicipalBoa Vista, onde os encontros são rea-lizados. A maior parte da viagem é fei-ta em estrada poeirenta e esburacada,que pode prolongar o tempo de via-gem a mais de três horas. Além de

paciência, o trajeto ainda requerperícia ao volante, uma vez que pe-quenas pontes de madeira, que re-sistem ao descaso das autoridades,desafiam a habilidade do motorista.Mas os ânimos não se abatem.

Esses desbravadores estão liga-dos a três instituições: AssociaçãoBrasileira de Nutrição (Asbran), Di-retoria Regional de Brasília (Direb) —braço da Fundação Oswaldo Cruz(Fiocruz) na Região Centro-Oeste eConselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico (CNPq),que financia transporte, alimenta-ção, material escolar e a contrataçãode estagiários.

Na bagagem, além do materialnecessário para as aulas, o pessoaldo projeto carrega muita disposiçãoe criatividade. Afinal, é preciso des-pertar a atenção e o interesse depessoas que têm no roçado a única

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“Hoje escrevo cartas,receitas e umascoisinhas só minhas.”(Dona Chiquinha)

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Professores e alunos, com as famílias, na festa “julina”:orgulho e emoção com o trabalho

Marcão e Maria Sônia: descobertade novos prazeres

Chico Latinha e seu boi-bumbá: o despertar pelasletras e pela cultura

Orientação técnica no cultivo das hortas do projeto

razão de suas vidas. E foi comcriatividade que convenceram os as-sentados a aprender os segredos dasletras. A Radis foi lá conferir.

SAÚDE E EDUCAÇÃOO Fome de Letras não é apenas

mais um projeto de alfabetização, en-tre tantos. O diferencial está em suaessência, que une educação e saúde.A partir das teorias do educadorpernambucano Paulo Freire (1921-1997),a alfabetização — ou melhor, oletramento — leva em conta a reali-dade dos alunos, além dos princípiosda segurança alimentar. Assim, o pro-jeto está em sintonia com a filosofiade valorização da atenção básica, tãocara ao Sistema Único de Saúde.

A realidade do campo ajuda osalunos a compreender a formação daspalavras, as sílabas, os fonemas e atéos mistérios da matemática. Desco-brem, também, que determinados cui-dados têm relação direta com sua saú-de. Os alunos sentam-se em círculos,o que lhes permite ver todos os cole-gas. A psicopedagoga Maria Regina Pa-

drão, da Direb/Fiocruz, diz que, an-tes de iniciar a aula, uma “dinâmicade acolhimento” abre espaço para osalunos se expressarem. Nessa etapa,é verificado seu estado emocional. Sehouver algum problema, a proposta ébuscar soluções em grupo.

Cada encontro parte de um “temagerador”, que norteia as aulas. “Tive-mos, por exemplo, o tema gerador ali-mentos regionais. Cada aluno teve defalar sobre um prato de sua região deorigem e apresentar uma dança tradi-cional”, conta Regina. Os alunos vãoentão descobrindo os sentidos daspalavras, compartilhando experiências,expondo dúvidas, problemas, suges-tões, construindo seus próprios sabe-res. Tudo é tratado, das propriedadesdos mais diversos alimentos às melho-res maneiras de combiná-los.

“Hoje eu sei que é preciso lavarbem os alimentos e que a higiene pes-soal também é muito importante”, dizArcelino dos Santos, 63 anos, sete fi-lhos — o mais velho da turma e o cra-que do grupo em matemática.Capixaba de nascimento, chegou ain-

da jovem a Goiás, migrando mais tardepara a área do Distrito Federal. Ele segaba de ter participado da constru-ção do Guará, uma das principais ci-dades-satélite de Brasília. Seu Arcelinodescobriu, graças ao projeto, que ouso desregrado de agrotóxicos e adu-bos interferiam em sua saúde, a pon-to de deixá-lo doente várias vezes —sem que soubesse a razão. “Nunca tivechance de aprender isso, mas agoraestou sabendo muita coisa”.

OS PASSOS DA CIDADANIAO projeto vai mais longe, já que

alfabetizar não é o único objetivo. Ali-ás, deixemos para trás o termo alfa-betizar. Os conceitos pedagógicoscontemporâneos falam em “letrar” —algo mais complexo, além do simplesaprendizado do ato de ler e escrever.Letrar está relacionado ao campo dasidéias, da valorização da cultura, dasolidariedade e da cidadania.

Segundo a nutricionista AlbaneidePeixinho, uma das coordenadorasdo Fome de Letras, os assentadosinicialmente se interessaram pelo

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projeto apenas para ter noções decooperativismo. “Dissemos a eles quedaríamos essas noções, mas que elesdeveriam, em contrapartida, dedicar-se aos estudos”, lembra. Outra coor-denadora, a também nutricionista Mar-lene Didonet, diretora da Asbran, dizque havia necessidade de letrar os as-sentados porque eles mesmos relata-vam dificuldades em trabalhar devidoao analfabetismo.

O Fome de Letras remonta àdécada de 90, quando a Asbran acom-panhava a trajetória do Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem Terra(MST) em Goiás e dava orientação emquestões de nutrição aos trabalha-dores. Mas o projeto nasceu mesmoem 2002 e suas atividades tiveram iní-cio em 2003, com o objetivo de letrarjovens e adultos, apoiar a comunida-de para o exercício de cidadania deforma libertária e digna, favorecer ocooperativismo, buscando a autono-mia individual e coletiva.

Depois que o pessoal foi assenta-do na área, de 7.500 hectares, as 530famílias não tinham muita estrutura.Uma das primeiras medidas, depois queo letramento foi aceito pelos traba-lhadores, foi a criação em 2003 da

Cooperalpes (Cooperativa dosTrabalhadores em Assentamen-tos Rurais da Região Pé-de-Ser-ra), cuja sede está em fase fi-nal de construção.

A cooperativa atraiu 70pessoas. Só que 20 desistiram: unsforam embora, outros priorizaram otrabalho. Hoje, 50 pessoas integrama Cooperalpes, e 30 delas optarampelas aulas — bem dedicadas, é bomque se diga. Regina Padrão tem aavaliação: 55% têm mais de 40 anos,42% alcançaram os objetivos do pro-jeto; 34% alcançaram suficientemen-

te; 12%, parcialmente; apenas 12%tiveram desempenho insuficiente.

VIDAS RENOVADASO projeto, pequeno em números,

é grande nas mudanças que promovena vida das pessoas. Que o diga MariaSônia dos Santos, 37 anos. “Já pegueimuito ônibus errado por não saber ler”,diz. Hoje, lê revistas e pequenos livros.Seu namorado, Marcos Antônio da Sil-va, o Marcão, de 49 anos, perdeu o paiquando era muito jovem e foi criadopelo avô em Caruaru, Pernambuco.

Mais velho de sete irmãos, foipara o Recife, onde trabalhou compesca e em construção. “Perdi mui-tas oportunidades de emprego pornão saber ler”, lamenta. Em 1997,mudou-se para Brasília, de olho nopromissor mercado da construçãocivil da capital do país. Descobriu quea realidade não era bem como eleouvira falar e logo juntou-se ao MST.“Consegui minha terrinha, mas nun-ca perdi a vontade de aprender a lere a escrever. E isso mudou minha vida”.

Marcão diz que o projeto o aju-dou, inclusive, a se relacionar melhorcom os amigos e a se alimentar cor-retamente. Hoje, anda descobrindoos prazeres da leitura, mas não des-cobriu ainda seu gênero preferido.“Gosto de tudo”. Está lendo a Bíbliae luta para vencer as dificuldades damatemática. Romântico, revela que jáescreveu até poesias para Sônia.

Francisco Carlos de Souza, viúvo de58 anos, realiza velho sonho. Dono deum pequeno bar, esse maranhense quemudou para o Distrito Federal a conse-lho do então sogro tinha muitas dificul-dades em dar troco. “Agora, sou fã dematemática”, diz Chico Latinha. O apeli-do vem da época em que trabalhava coma mulher catando latas, assim que che-gou ao DF. Ex-servente de pedreiro, afir-ma estar encantado com as novas habili-dades. “Ah, já sou quase um escritor”,gaba-se. Apaixonado pelo projeto, ChicoLatinha afirma que sua saúde nunca es-teve tão boa. Atribui a condição às dicasde alimentação que lhe fizeram saber oque comer “e de que forma comer”.

A UNIÃO FEZ A FEIRAEntre os resultados mais impor-

tantes do Fome de Letras está a Fei-ra da União. Realizada a cada 15 dias,sempre aos domingos, surgiu por ini-ciativa dos alunos depois que o pro-jeto lhes deu noções de cidadania ecooperativismo. É uma festa. Os pre-parativos começam no sábado e en-volvem todos os alunos.

Entre os produtos vendidos es-tão desde os que produziam anteri-

ormente para o sustento próprio (ar-roz, feijão, mandioca, abóbora, milhoe gergelim) aos que aprenderam a cul-tivar nas hortas do projeto, como jiló,beterraba, alface, cenoura, salsinha,cebolinha, coentro. Muitos produtossão trocados entre os próprios assen-tados, mas fazendeiros da região e mo-radores de fora também já aparecemna feira. Afinal, o trabalho dos agricul-tores é orientado em grande parte pelotécnico agrícola Armando Didonet,contratado pelo CNPq como consul-tor de empreendedorismo do projeto.

As hortas são individuais e co-munitárias, espalhadas pelos cincoassentamentos da área: Vereda I e II,Água Quente, Coopervida e Boa Vis-ta. As comunitárias são um exemplodo espírito de solidariedade que pas-sou a vigorar entre os alunos: surgi-ram diante da escassez de água quealguns lotes enfrentam.

Aguardada sempre com ansiedade,a feira, que atrai gente de todas as ida-des, não serve apenas para a venda dapequena produção agrícola. Há espaçopara a exposição de peças artesanaisproduzidas pelos alunos e para eventosde resgate cultural. No dia 24 de julho,Chico Latinha, por exemplo, represen-tou um valente boi-bumbá.

O FUTURO PREOCUPAUma preocupação, contudo, ron-

da corações e mentes dos integrantesdo projeto Fome de Letras. O projetotem prazo determinado, e seu encer-ramento está previsto para dezembro.A diretora da Direb, Denise Oliveira eSilva, adianta que os organizadores pla-nejam negociar com a Prefeitura dePadre Bernardes, para que assuma oletramento dos alunos e seu transpor-te — hoje, a cargo da Direb, que buscaos alunos em casa e os leva de volta.

“Tomara que o projeto continue,pois eu quero passar o resto da vidanele”, torce Chico Latinha. Na festa“julina” organizada pelo projeto nodia 23, todos receberam presentesdos orientadores. Nos agradecimen-tos, emocionados, os alunos relata-ram as mudanças positivas que a ini-ciativa lhes trouxe.

Mas experiência bem-sucedidanão morre. Ficou plantada a sementedo amor à leitura, dos cuidados com asaúde, e ninguém quer parar de estu-dar. Dona Chiquinha, nossa personagemlá do início da reportagem, que sequersabia usar o telefone, continua comfome de letras: “Provei a todo mundoque duvidou de mim que papagaio ve-lho também aprende a falar”, brincaela. E garante: “Quero ser advogada. Éa minha especialidade!”

Radis adverte

Na urna do Referendo do Desar-mamento, em 23 de outubro, atecla do "Sim" à proibição davenda de armas é a nº 2.

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Em meados de agosto foi engave-tado pelo Ministério da Saúde oanteprojeto da Lei de Respon-sabilidade Sanitária (LRS), que

previa até pena de prisão para mausgestores. Entre os argumentos está o deque a lei era “persecutória”. O jornal OEstado de S. Paulo de 11 de agosto re-produziu frase do ministro Saraiva Felipesobre a lei: “Até eu teria medo de sersecretário de Saúde”. A idéia agora é criaruma “Carta dos Direitos dos Usuários doSUS”, para definir garantias da popula-ção e obrigações do gestor.

A decisão já causa controvérsia. Aadvogada Maria Célia Delduque, que co-ordena o Programa de Direito Sanitárioda Diretoria Regional da Fiocruz emBrasília (Direb), defende a LRS, porconter avanços para a saúde, e achaque a carta “é uma forma de restringirdireitos, e não de ampliá-los”. “Os di-reitos do usuário estão na Constitui-ção”, diz, em entrevista à Radis setedias depois da divulgação da medida.

O que você achou do arquivamentodo projeto?

Não foi uma decisão muito demo-crática. Deveriam ter deixado correr oprazo para consulta pública até 30 deagosto. O anteprojeto ainda seria envi-ado à Casa Civil — onde poderia rece-ber reformas — e ao Congresso, ondeseria debatido nacionalmente, por nos-sos representantes. Ou seja, abortar aidéia por conter alguns pontos radicaisinviabilizou outros pontos interessantes.

Que pontos?A criação do Sistema Nacional de

Auditoria, Controle e Avaliação, porexemplo, uma instância fiscalizatóriado gestor de saúde. Outro ponto sãoos termos de ajustamento de condu-ta sanitária. Antes de o gestor serpunido esse termo lhe daria condiçõesde se adequar e cumprir o plano.

Pena de prisão é radical?Nunca considerei radical. Por esse

novo tipo penal (deixar de apresentarplano de saúde ou não produzir rela-tório de gestão, por exemplo), o gestor

intergestoras bipartite e tripartite se ma-nifestam. Mas os respectivos conselhosnão são sequer citados.

Esse anteprojeto não chegava atrasado?Poderia ter acontecido antes, mas

veio na esteira da Lei de Responsabilida-de Fiscal (LRF), que impede o gestor pú-blico de gastar mais do que arrecada.Tenho uma opinião muito pessoal sobrea LRF, acredito que ela inaugure a entra-da do Brasil no neoliberalismo. Já a LRSfaz exatamente o contrário. Ela obriga ogestor a cumprir as metas de saúde.Enfatiza o valor social, a obrigação socialdesse gestor de cumprir metas sanitári-as. É diferente da LRF, que deixa ao gestoro corte na área social. A LRF diz: “Nãogaste na área social, senhor prefeito, ouserá punido”. A LRS vai na outra mão:“Olhe, senhor gestor, invista na saúde,ou será punido”. Há mecanismos pareci-dos, mas a essência é diferente.

A retirada agora pode complicar avinda de outro projeto?

O momento não foi o mais feliz e aatitude não foi feliz. E, pelo que vimos naimprensa, parece que vão resgatar umacarta de direitos do usuário do SUS. Acon-tece que não há necessidade de se fazercarta de direitos dos usuários do SUS. É,na verdade, uma forma de restringir direi-tos, e não de ampliá-los. Os direitos dosusuários do SUS estão constitucionalmen-te garantidos. Saúde é direito de todos edever do Estado (Artigo 196 da Constitui-ção). Ponto. No momento em que se fazuma carta de direitos dos usuários do SUSse está, em verdade, restringindo os di-reitos. Esteja certo disso. (W.V.)

Maria Célia Delduque

“Os direitos do usuário do SUSestão na Constituição”

não sofreria punição imediata. A nossaConstituição garante o devido proces-so legal, com ampla defesa, contradi-tório etc. Para punir, é preciso provaro dolo, ou seja, a vontade de não cum-prir. Porque, às vezes, isso ocorre pormotivos alheios à vontade do gestor.Não apresentar o plano não quer dizerque o gestor receberia 12 meses dereclusão. Não era nada tão radical.

Mas era uma boa proposta?Era muito boa. Não que o gestor

hoje não seja punido: quem deixa deapresentar um plano de saúde, porexemplo, é punido com a perda da ges-tão plena do sistema. Mas não se puneo indivíduo, o gestor. Quem acaba puni-da é a sociedade, o município.

Qual sua avaliação geral da LRS?Na verdade, o anteprojeto foi

oportunista, porque aconteceu na es-teira do episódio do Rio de Janeiro,quando o ministério precisou intervir noshospitais municipais, que estavam aban-donados. Tudo no Brasil é assim: acon-tecem as coisas e se começa a legislarsobre o que ocorreu. Apesar disso, sem-pre gostei dessa lei. Ela reforça, dá im-portância maior à área da saúde. Claroque precisava ser aprimorada, pois nãotinha as melhores técnicas legislativas,que viriam no momento certo. Mas aessência era muito boa.

E os pontos críticos?Dava muita abertura às intervenções

federais. Algumas passagens deixam mui-to claras as possibilidades de intervençãoda União em estados e municípios e deestados em municípios. Um ente federadointervindo em outro é uma questão mui-to complicada. Prefiro mil vezes um ter-mo de ajustamento de conduta — no qualo gestor faz o possível para se adequar aoplano e vai obter ajuda — à intervenção.Eu me manifestei sobre isso no site daconsulta popular. Outra coisa é a poucaparticipação dos conselhos de saúde. Otermo de ajuste deveria ser homologadopelo respectivo conselho de saúde que,no entanto, não é mencionado. Por exem-plo, quando se transferem competênciasem caso de intervenção, as comissões

ENTREVISTA

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6º CONGRESSO NACIONAL DA REDE UNIDA

Katia Machado

Belo Horizonte, a cidade deraízes barrocas e influênciasmodernistas, também conhe-cida como a capital nacional dos

bares, recebeu mais de 2.500 pessoaspara o 6º Congresso Nacional da RedeUnida, entre 3 e 5 de julho, na Universi-dade Federal de Minas Gerais (UFMG).Para o professor Márcio Almeida, ex-co-ordenador-geral da entidade, não po-deria ter sido escolhido outro lugar parao evento, que celebrou os 20 anos darede. Foi em Belô, como a capital minei-ra é carinhosamente conhecida, que nas-ceu a Rede Unida. “Ela foi formada em1985 com o fim da ditadura”, lembrou naabertura do evento, realizada no Gran-de Teatro do Palácio das Artes na noitedo dia 3. “Nascia para fortalecer a de-mocracia e encorpar o Movimento daReforma Sanitária Brasileira”.

O congresso abrigou também a1ª Mostra de Produção de Saúde daFamília de Minas Gerais, o 2º FórumNacional de Redes em Saúde e a Reu-nião de Pólos de Educação Permanen-te em Saúde. Tradicionalmente, esseevento tem como objetivo reunir pro-fessores, profissionais e alunos de 14áreas da saúde para debater, trocarexperiências e articular iniciativasque possibilitem mudanças no mode-lo de ensino e atenção à saúde e nasformas de participação social, coe-rentes com os princípios do SistemaÚnico de Saúde (SUS) — de universa-lidade, integralidade e eqüidade.

Esta sexta edição foi especial porvários motivos. O primeiro pelas duasdécadas de debate e parcerias nasaúde e na educação. Segundo, porreservar lugar às práticas de Educa-ção Popular em Saúde no Espaço Gui-marães Rosa, montado em grande ten-da destinada à reflexão, à discussãoe ao estudo de terapias tradicionaisnão-hegemônicas. Terceiro porque onúmero de participantes e de traba-lhos superou as expectativas. O pro-fessor Cid Veloso, presidente do con-gresso, informou que, além dos 2.500participantes, houve 17 conferênci-

Vinte anos de debatesobre formação em saúde

as, 20 painéis, 1.148 trabalhos apre-sentados, 31 menções honrosas, 16livros lançados e 55 oficinas de tra-balho, com participação de 910 con-gressistas. Por fim, porque foi ummomento de fortalecimento das re-lações com o Ministério da Educação.

EM DEFESA DO SUSApesar das comemorações, o

congresso transcorreu em clima demuita apreensão, por conta das mu-danças no governo. Em todos os can-tos da UFMG, participantes se ques-tionavam: como ficariam o SUS e aspolíticas de formação profissional comum novo ministro, e quem seria ele? Aresposta veio logo depois. No dia 11de julho, assumiu a pasta o ministroSaraiva Felipe. Ainda na abertura CidVeloso destacara o momento críticopara o país. “Foram reveladas questõesgravíssimas relacionadas a práticas po-líticas e institucionais que ferem pro-fundamente a ética, a lisura adminis-trativa e o exercício da transparênciae da democracia, afetando negativa-mente a crença da sociedade nas ins-tituições públicas brasileiras”.

O evento serviu assim não apenaspara discutir as políticas de formaçãoprofissional, como também para reafir-mar os compromissos da pasta da Saú-de. “São políticas absolutamente com-prometidas com o fortalecimento doSUS, isto é, voltadas para melhorar ascondições de vida da população brasi-leira, com as estratégias visando mu-danças na formação dos profissionaisde saúde, com o exercício de práticas

democráticas e de fortalecimento docontrole social”, exortou Cid.

Na plenária final no congresso,foi aprovada por unanimidade a Carta

de Belo Horizonte. O documento ana-lisa a conjuntura política, reivindicaa continuidade das políticas públicasdo SUS, e considera inadmissível a in-fluência de “interesses político-par-tidários menores, em detrimento dasreais necessidades de saúde da po-pulação”.

O congresso, de debates calo-rosos apesar do clima ameno da cida-de, abriu com palestra do então se-cretário-executivo do Ministério daEducação, Fernando Haddad, hojeministro da Educação, ainda no Gran-de Teatro do Palácio das Artes. Paraele, “a aproximação entre Saúde eEducação se dá de forma inédita”.Haddad lembrou que o MEC nunca seaproximou de municípios e estados,nem de outros setores sociais, comoa saúde, porque sempre esteve inse-rido numa política fragmentada. “Pro-gramas de alfabetização, por exem-plo, nunca estiveram na órbita doMEC”, observou. “Esse segmento foisempre tratado como campanha pú-blica, como publicidade, quando de-veria estar conectado à educação dejovens e adultos”. Devido a essa polí-tica, muitos alunos apenas saíram dacondição de analfabetos para a deanalfabetos funcionais. Ou seja, commenos de quatro anos de estudo.

Outro exemplo de fragmentaçãoda política, segundo o hoje ministro, foio foco da educação básica no EnsinoFundamental, como também na separa-ção da Educação Profissional do EnsinoMédio. “A conseqüência é que temosapenas um terço dos jovens brasileirosentre 15 e 17 anos cursando correta-mente as séries escolares de acordo coma idade; e 70% deles não concluíram oEnsino Fundamental ou largaram os ban-cos escolares”, informou.

O pior dos exemplos foi odistanciamento entre educação bá-sica e superior. Ele chamou atençãopara o alarmante número de profes-sores da educação básica sem diplo-ma de Pedagogia ou de qualquer cur-

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so superior: 1 milhão de docentes.“Não há outra oportunidade de igual-dade, de inclusão social senão pelaeducação, que afeta não só o socialcomo também o econômico”, disse.“Inúmeros são os estudos que pro-vam que um país muda a partir daeducação de seu povo”.

Diante deste quadro, não é sur-presa que o MEC, durante anos, nãodialogasse com o Ministério da Saú-de. A exemplo do SUS, ressaltouHaddad, é fundamental e urgente quese trate a educação como um siste-ma. Algumas mudanças, porém, jápodem ser conferidas: os debatesconjuntos sobre Reforma Universitá-ria, diretrizes curriculares e residên-cia médica. Nesse debate, disse ele,deverá ser considerado o perfil dosestudantes que ingressam nos cursosde saúde e não apenas daqueles quesaem deles. “Nos preocupamos mui-to com aqueles que estão se forman-do. É preciso, além disso, dar maio-res oportunidades aos alunos de baixarenda para a graduação. A reformatrata de vários assuntos e um delessinaliza que até 2015, 50% dos alunosingressantes nos cursos de saúde emparticular deverão ser egressos dasescolas públicas”, advertiu.

PRECARIZAÇÃO,PONTO CRUCIAL

Na maioria das conferências, naUFMG, auditórios cheios e platéiasatentas. Como a do professor Emer-son Merhy, da Universidade de Cam-pinas, que falou sobre “Integralidadena saúde e na formação dos profissi-onais”: a fila formava um caracol. Nomesmo horário e com as cadeiras to-das ocupadas, Maria Luiza Jaeger, ex-secretária de Gestão do Trabalho eEducação em Saúde do Ministério daSaúde, falou sobre “Possibilidades eimpasses na implantação de uma novapolítica de gestão do trabalho e edu-cação em saúde”.

Como se estivesse se despedindodo governo, Luiza afirmou que desde oinício de sua administração os temasGestão do Trabalho e Educação emSaúde foram prioridades do ministério.Para ela, o ponto mais urgente dessedebate diz respeito à precarização dotrabalho. Em certos lugares, como emPernambuco, o Programa Saúde da Fa-mília é conhecido como “motel”, de-vido à enorme rotatividade de pesso-al, e 60% dos agentes comunitáriosde saúde não têm qualquer vínculoempregatício. “Só será possível resol-ver a precarização quando governo esociedade assumirem que o trabalha-dor precisa ter vínculo com o SUS, e

não apenas com a saúde do pacien-te”. Para resolver este problema, afir-mou, é preciso trabalhar em conjun-to com o Ministério do Trabalho.

Discutir e rever planos de cargose salários, segundo Luiza, é estratégiaimportante que permitirá que traba-lhadores circulem pelo país com umacarreira, podendo mudar de municí-pio sem disparidade de salário.

O secretário de Saúde de Lon-drina (PR), Silvio Fernandes, que épresidente do Conselho Nacional deSecretários Municipais de Saúde, fezretrospecto da construção do SUS edo processo de municipalização naconferência “O papel dos municípiosna formação dos profissionais de saú-de”. Ele lembrou a contribuição dossistemas municipais de saúde para asolidificação do SUS: “Houve amplia-ção do acesso à atenção básica, àenfermagem, ao controle de doen-ças prevalentes, à vacinação, paramelhorar os indicadores de mortali-dade materna e infantil e reduzir do-enças imunopreveníveis”. Por outrolado, as gestões municipais foramengessadas pelas “caixinhas” vincu-ladas a recursos. “Surgiu o Fundo deAtenção Básica, o Fundo para Vigi-lância em Saúde, para Vigilância Sani-tária etc. Hoje, os municípios têm umaliberdade relativa”.

Silvio destacou a importância darevisão da formação dos profissionaisde saúde que atuam na ponta do sis-tema. Para ele, essa formação tem queestar em consonância com os princí-pios do SUS. Por isso, no processo deformação há necessidade de maiorintegração entre a universidade e aprestação dos serviços de saúde.

Um dos maiores auditórios doevento, o da Reitoria da UFMG, nãofoi suficiente para a palestra “Refle-xão sobre a Saúde da Família comenfoque na cidadania, com o médi-co-sanitarista Gastão Wagner, profes-sor da Unicamp. Com muitos partici-pantes sentados ao chão, Gastão fezreflexão crítica sobre a Atenção Pri-mária em Saúde e a formação do pro-fissional da Saúde da Família.

CRÍTICA AO MODELOPara ele, a Atenção Primária em

Saúde, ou Atenção Básica em Saúde,precisa ter resolutividade, atenden-do de 70% a 80% da população. “Seem alguns países os sistemas de saú-de deram certo é porque a APS con-seguiu incluir tal porcentagem dapopulação, oferecendo uma redeampla de serviços e próxima, comprogramas vinculatórios”, explicou.Gastão criticou o modelo da Atenção

Primária no Brasil, centrado no médi-co e na doença, tal qual o modelonorte-americano.

Mas, como resolver 70% a 80% dosproblemas de saúde de uma popula-ção? De acordo com Gastão Wagner, a APSdeverá exercer três funções básicas.1) Promoção da saúde: ações da Edu-cação em Saúde e da VigilânciaEpidemiológica, entre outras. Isso épossível de ser resolvido com proje-tos intersetoriais que visem melhorara qualidade de vida de um grupopopulacional;2) Acolhimento da demanda e buscaativa: ou seja, capacidade de acolhersofrimentos, de fazer saúde coletiva e,ao mesmo tempo, atenção clínica. “Paraisso”, ressaltou, “é preciso preparar aequipe para receber a demanda: a do-ença também é o objeto de trabalhode um centro de saúde”;3) Clínica reformulada e ampliada:capacidade de resolver problemasindividuais e coletivos. Na clínica am-pliada, o objetivo é não só o diagnós-tico mas, sobretudo, entender e for-mular políticas de saúde para apopulação, aumentando a eficácia nasintervenções clínicas e analisando osaspectos subjetivos de cada sujeito.“A doença não pode mais ser tratadaseparadamente do sujeito, do con-texto em que ele vive”, observou. Paraele, fazer esse tipo de clínica é verque a doença está encarnada numapessoa, que por sua vez vive em de-terminado contexto social, cultural,físico e religioso.

CONFORMISMO E “ROCINHAS”Gastão defendeu que as equipes

de Saúde da Família trabalhem emconjunto com equipes matriciais. Oque isso significa? “De acordo com anecessidade do local em que atua-mos, podemos agregar equipes emsaúde mental, reabilitação física, en-tre outras funções”. Para o sanitaris-ta, Saúde da Família não deve estarcentrada exclusivamente no médicoe no enfermeiro. “Devemos montarum modelo de atenção eficaz, agre-gando novas profissões”.

O desafio está lançado. “É precisoque ministério e secretarias pactuem umapolítica de pessoal, de carreira e de apo-sentadoria compartilhada”, conclamou.E também espaço físico, equipamentos,medicamentos, em projetos interseto-riais para levar o Saúde da Família à pe-riferia onde vivem 40% da população bra-sileira. E mais: criar políticas sociais,articulando cultura, educação e saúdee diminuindo a violência. “O Brasil estáse conformando com as Rocinhas e nãohá saúde para isso”.

Terra, o grande sonho do Tapajós

SAÚDE NO BRASIL PROFUNDO

Terra, o grande sonho do Tapajós

“Sou um sonhador. Vejomeus filhos e netos sendo

criados aqui, muito felizes,como são quase todas as

crianças do Tapajós.”

João Batista Lopes Ribeiro

Jesuan Xavier

Um dilema aflige os povos daFloresta Nacional do Tapajós,entre os municípios deBelterra, Santarém, Aveiro

e Rurópolis, no Pará. Por seus 600 milhectares de área de proteção ambientalespalham-se 1.200 famílias, distribuí-das em 26 comunidades. Embora alifincadas há pelo menos 200 anos,como as mais antigas seringueiras,ainda lutam pela posse da terra. Odilema vem desde a delimitação au-toritária das primeiras florestas na-cionais (Flonas), nos anos da ditadu-ra. A lei determina que essas áreas

não podem ser ocupadas. Um cami-nho mais curto para a solução do pro-blema é a comunidade se declarartribo indígena. Para os ribeirinhos,portanto, além da terra está em jogosua própria identidade: serou não ser índio?

Há defensores e adver-sários das duas possibilida-des. Declarar-se índio resol-veria a questão da terra etambém atrairia maior assis-tência do poder públicopara a região, acreditam al-gumas lideranças comunitá-rias. A Fundação Nacionalde Saúde, por exemplo, daria aten-ção básica de saúde às comunidades,

até agora desassistidas pelo SUS, comoa Radis mostrou da edição passada(nº 36). João Batista Lopes Ribeiro,presidente das Organizações e Comu-nidades Tradicionais da Flona, está

entre os adversários. Elequer a terra sem mudançade identidade. “Lutamos hádois anos pelo registro deposse, que nos dará a ga-rantia de que ninguém nostirará daqui”, disse.

Em 1974, quando a re-gião foi demarcada pelo go-verno como Unidade de Con-servação da Natureza, as

famílias que nela habitavam foram pra-ticamente ignoradas. A lei simplesmen-te vedava sua presença. Comunidadesseculares se rebelaram. “Como erapossível retirar populações que sem-pre estiveram ali apenas por causa deuma lei autoritária?”, questiona JoãoBatista, que hoje representa 18 co-munidades. “Itapaiúna (uma das comu-nidades visitadas em junho pela Radis)tem pelo menos 150 anos de idade.Não dava para ignorar sua existência”.

TRÊS NOVAS TRIBOSUnidas, as comunidades consegui-

ram alguma mudança nesse quadro.Hoje, o Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos Recursos NaturaisRenováveis (Ibama) reconhece a pre-

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Ecoturismo e artesanato,alternativas não-predatórias

de geração de renda

sença dessas populações — compostasbasicamente por caboclos descen-dentes de índios. Mas ainda não foiconcedido o documento legal de pos-se. “Uma consultoria do Ibama já apro-vou nosso plano de utilização das áreasdemarcadas, uma exigência para aconcessão de posse, mas aguardamosa publicação em Diário Oficial”.

Marquisanor dos Santos, presiden-te da Associação Intercomunitária doTapajós, que representa nove comuni-dades, mostra-se preocupa-do com o racha entre as co-munidades, que provoca adesmobilização. Três comu-nidades filiadas a sua asso-ciação optaram e passarama ser consideradas tribos in-dígenas: Tacoara, Bragançae Marituba. “Infelizmente, jáse percebe até uma certarivalidade entre alguns po-voados”, reclama. “A força que tínha-mos, quando lutávamos todos juntos,pode começar a diminuir”.

O Plano de Utilização da Flona doTapajós prevê a exploração dos recur-sos naturais de forma racional. “Sema degradação das décadas passadas”,ressalta. Pelo plano, discutido e vota-do em assembléias com as comunida-des e suas entidades representativas,fica expressamente proibido o ingres-so de novos moradores. “Salvo se al-

guém de fora se casar com um ribeiri-nho e vier morar aqui”, conta João.

Basicamente, os ribeirinhos têmdireito apenas à cultura de subsistên-cia. “Costumo dizer que a vida aqui émuito boa, tudo de que os povoadosprecisam para sobreviver está por per-to, no rio ou na mata”. Decivaldo dosSantos Oliveira, morador de Itapaiúna,é exemplo disso. O sustento da famí-lia (mulher e três filhos) vem da natu-reza. Quando a “maré não está pra

peixe”, ele se embrenha naselva fechada por até trêsdias. “Volto com a caça, ge-ralmente paca e tatu. Vea-do, hoje em dia, é mais raro”.

LÁ FORANÃO É MELHOREle contou que já ten-

tou morar em grandes cen-tros, mas não se adaptou.

“Temos muitos problemas, sim, prin-cipalmente de acesso à saúde, a me-dicamentos, mas não dá para dizerque lá fora é melhor”, diz. “Acho quenão saio mais daqui”. Seja caça oupesca, a comida está sempre acom-panhada da farinha. “A mandioca aquié como uma caderneta de poupan-ça: cada família tem uma plantaçãono quintal”, diz João Batista.

As riquezas da região, farta emfauna e flora, despertam interesse

crescente e começam a ser explora-das pelo ecoturismo. “Várias comu-nidades já fazem parte de roteirosturísticos, que é ótimo tanto para ovisitante quanto para os povoados”,conta João. É uma nova forma de oribeirinho ganhar seu sustento. “In-centivamos muito o artesanato local”.

Benedita Pimentel Pedroso, coor-denadora da Comissão Local Integradade Saúde de Itapaiúna, mostra comorgulho a oficina da comunidade. Naporta de entrada, as regras que os fun-cionários — voluntários do povoado —precisam cumprir: não beber em servi-ço (o alcoolismo é grave problema emtoda a região), não chegar atrasado enão cortar madeira fora da área deli-mitada pelo plano de utilização. “Ain-da produzimos peças como cadeiras emesas em pequena escala, mas já émuito importante para a comunidade”,diz. Ela ressalta que não é só o dinhei-ro que está em jogo. “Há uma valoriza-ção pessoal muito grande, o orgulhoque os envolvidos no projeto sentemquando alguém chega aqui e elogia otrabalho deles não tem preço”.

“Sou um sonhador”, agrega Joãobatista. “Vejo meus filhos e netossendo criados aqui, muito felizes,como são quase todas as crianças doTapajós”, diz ele, os olhos marejados.“Nossa briga é para preservarmos aregião e toda a sua cultura.”

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8º SIMPÓSIO SOBRE POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE

Wagner Vasconcelos

Na Esplanada dos Ministérios,milhares de ruralistas pro-moviam um “tratoraço”.No prédio do Congresso,

multidões se postavam diante dostelões para assistir aos depoimentos àComissão Parlamentar Mista de Inqué-rito dos Correios, no Senado Federal,à Corregedoria e ao Conselho de Éti-ca, na Câmara dos Deputados. Pois foiem meio a todo este tumulto que cer-ca de 1.000 pessoas participaram do8º Simpósio sobre Política Nacional deSaúde, de 28 a 30 de junho, no Audi-tório Nereu Ramos, da Câmara.

Além disso, já era dada como cer-ta a troca do ministro da Saúde, queocorreria dias depois, e estava no augea polêmica proposta da área econô-mica, de substituição do superávitprimário — arrecadação menos os gas-tos do governo — pelo superávit no-minal — a arrecadação menos os gas-tos, mas incluindo o pagamento dosjuros da dívida. Em resumo, menos 40%de verbas para a área social.

Os profissionais da área de saúdenão podiam ignorar o ambiente exter-no. Mesmo assim lotaram o auditórionos três dias do evento para tratar dotema central do simpósio, “Os rumosdo Estado brasileiro e o SUS”. E o de-bate rendeu. Surgiram até idéias no-vas, ou melhor, idéias antigas foram res-suscitadas, como a proposta de criaçãode um Ministério da Seguridade Social.

No primeiro dia, 29/6, a mesa damanhã discutiu “A seguridade social comopolítica pública da sociedade e do Esta-do”. Coordenado pelo senador AntônioCarlos Valadares (PSB-SE), o debate foiaberto pelo secretário de Ciência eTecnologia e Insumos Estratégicos doMinistério da Saúde, Moisés Goldbaum.Ele destacou que o mundo aplica porano US$ 73,5 bilhões em pesquisas desaúde, dos quais cabem aos países emdesenvolvimento apenas US$ 2,5 bilhões.No Brasil, a saúde é o setor com maioratividade de pesquisa, mas as diferençassão enormes: a Região Sudeste concen-tra 51,8% das pesquisas; a Sul, 24%; 5,3%,

Crise é pano de fundopara balanço em Brasília

3,9% e 15%, respectivamente, de Cen-tro-Oeste, Norte e Nordeste. “Precisa-mos de programas de indução de pes-quisas nas regiões menos favorecidas paradiminuir essa concentração”, disse ele.

Para Goldbaum, um passo impor-tante foi a criação do Departamentode C&T no Ministério da Saúde: em2003, os recursos da área eram de R$14 milhões. No ano seguinte, passarama R$ 66 milhões e, em 2005, devem fe-char em R$ 70 milhões. A crise domensalão foi abordada pela pesquisa-dora Madel Luz, vice-presidente da As-sociação Brasileira de Pós-Graduaçãoem Saúde Coletiva (Abrasco), que des-tacou a importância do Congresso Na-cional e pediu muito zelo para que ainstituição não seja desmoralizada.

Para ela, as políticas sociais dosúltimos 15 anos estiveram subordinadasa políticas econômicas — e instáveis —de governo, e o SUS vive um momentode exacerbação de interesses contra-ditórios. “O SUS não falhou como políti-ca, mas está sob constante ataque deforças que atuam para reduzir políticaspúblicas a programas fragmentados degoverno, a meros paliativos”, disse, re-ferência óbvia à defesa do superávitnominal pela área econômica.

UM SUPER-MINISTÉRIO?O pesquisador da Fiocruz José Car-

valho Noronha fez retrospecto das lu-tas pelo direito à seguridade social —um conceito muito além do assistencia-lismo. Lembrou que o discurso contra aseguridade social começou no governoCollor, que incorporou a defesa do Es-tado mínimo segundo a matriz neoliberaldo chamado Consenso de Washington.O subfinanciamento da área da saúde,segundo ele, serviu para favorecer osetor de planos e seguros privados desaúde. “Hoje, o nosso sistema está fra-turado”, resumiu. E a causa disso, lem-brou, são os ataques à seguridade so-cial. Saúde, educação, habitação esaneamento geram emprego e renda eelevam o padrão de vida das pessoas.Foi muito aplaudido ao dizer que, nes-sa crise política, a sociedade está as-sistindo aos prenúncios do que consi-dera “a vitória acachapante do projeto

neoliberal antipovo encarnado pela hi-pócrita idéia de “blindagem” — a pala-vra do momento — da política econô-mica, como se as decisões sobre elanão fossem essencialmente políticas”.

Ele defendeu a blindagem, sim,mas das políticas sociais ainda nãodestroçadas, como o SUS. Daí a neces-sidade de mobilização da sociedade.Uma das saídas seria a criação do Mi-nistério da Seguridade Social, agrupan-do as pastas da Saúde, da Previdênciae do Desenvolvimento Social. Noronhajustificou: “Para podermos ter um mi-nistro reunindo poderes e recursossuficientes para um diálogo mais con-vincente e duro da área social com aárea financeira dos governos”.

SAÚDE SEM BARGANHANa mesa da tarde — “Gestão,

regulação e a responsabilidade sanitá-ria” —, o então secretário de Atençãoà Saúde, Jorge Solla, observou que adescentralização é o ponto mais impor-tante do SUS, mas também o mais frá-gil: a cultura política no Brasil ainda émuito centralizadora. Em seguida, a de-putada Jandira Feghali, coordenadorada mesa, foi longamente aplaudidaquando disse que o Ministério da Saú-de não poderia servir para barganhaspolíticas, diante de toda a complexi-dade que envolve o setor.

Ao falar, o representante da Con-federação das Santas Casas de Miseri-córdia, Hospitais e Entidades Filantró-picas do Brasil (CMB), José Luis Spigolon,reclamou da pouca atenção dada pelosgovernos aos prestadores filantrópicosde saúde e do subfinanciamento da áreaassistencial. Ele acha que o governopode priorizar as ações básicas de saú-de, mas não “às custas” das ações cu-rativas. “A ênfase nas ações de promo-ção da saúde não gerou, ainda, osresultados que dela se esperam”, disse,citando depois muitos números. “Con-tinuamos produzindo cerca de 12 mi-lhões de internações ao ano, ao custode R$ 6,5 bilhões em 2004”. O governodestinou em 2004, dos R$ 33,23 bilhões,apenas 19,7% à atenção hospitalar. Paracada R$ 100 gastos no atendimento, osetor assistencial recebe do SUS ape-

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nas R$ 65, queixou-se. “Por isso”, a dívi-da do setor é de R$ 6 bilhões.

José Spigolon acabou vaiado aocondenar a presença de um ConselhoGestor na CMB: “O SUS apenas com-pra serviços, e deve apenas fiscalizara quantidade e a qualidade deles”.

A LEI DOS CINCO “E”Na mesma mesa, o presidente do

Conselho Nacional de Secretários deSaúde, Marcos Vinícius Pestana (secre-tário de Minas Gerais), brincou: en-quanto não se definir um padrão definanciamento, o que se tem é poesia.“E poesia é muito bom campo do Gil”,disse, referindo-se ao ministro Gilber-to Gil, da Cultura. Em sua palestra, oprofessor da USP Gonçalo Vecina Netovoltou à turbulência política: “A per-cepção de crise nasce da percepçãode direito, e a sociedade exige direitoà saúde, ela tem consciência de quenão recebe aquilo a que tem direito”.

Um dos componentes de perplexi-dade atual é o financiamento. “Não dápara fazer o que determina a Constitui-ção e a Lei 8.080 (a que criou o SUS) como que temos”. Foi aplaudido ao defendera Lei de Responsabilidade Sanitária e aprisão de maus gestores de saúde. VecinaNeto criticou os sistemas de informaçãoem saúde — “Não tem cabimento rece-bermos dados sobre tuberculose comdois anos de atraso!” —, defendeu o usoda epidemiologia nas políticas de saúde— “A epidemiologia precisa sair do guetoe ser usada como instrumento de ges-tão” — e pediu “projetos decentes” deassistência farmacêutica.

O sanitarista Gilson Carvalho tam-bém falou da percepção do cidadãoquanto a seus direitos. O Ministério Pú-blico, segundo ele, deve atuar comoguardião desses direitos. Ao condenar ainsuficiência de recursos e a ineficiên-cia em seu uso — “Gastamos muito malnossos recursos” —, listou os ataquesatuais à saúde: o descumprimento dosinvestimentos mínimos, a diminuição dasreceitas globais, o uso em ações que nãosão de saúde. Como saída, apontou ocombate à corrupção — o tema do mo-mento —, a aprovação do PLP 01/03, quedefine os investimentos mínimos em saú-de para as três esferas de governo, o fimdo tráfico de influência — “Isso aconte-ce quando colocamos no sistema quema gente quer, e não quem deveria” —, e,por fim, otimista, o que chama de Leidos Cinco E: educação, educação, edu-cação, educação e educação.

A manifestação dos ruralistas, quepara pedir mais recursos ao governo le-varam tratores à Esplanada, congestio-nando o trânsito, atrasou o início dosimpósio no terceiro dia. Mas o auditó-rio estava lotado quando o deputado

Roberto Gouveia (PT-SP), autor do PLP01/03, abriu os trabalhos com umretrospecto da consolidação do SUS, namesa sobre o financiamento e recursoshumanos da saúde. O deputado DarcísioPerondi (PMDB-RS), ao falar, lembrou: “Asaúde não aparece, por isso, nem sem-pre é tratada como investimento”. Opresidente do Conselho Nacional de Se-cretários Municipais de Saúde, SilvioFernandes, afirmou que o dinheiro dasaúde é insuficiente para a construçãodo SUS. O país gasta 3,2% do PIB no se-tor, e apenas 45% são do setor público.“É necessário elevar os gastos com saú-de a pelo menos 5% do PIB”, disse.

O DESMONTE DA CIDADANIAO representante da Associação Bra-

sileira de Economia em Saúde, ÁquilasMendes, conseguiu a façanha de trans-formar um tema árido como o financia-mento em tema divertido. De fala apres-sada, pois a quantidade de transparênciasa apresentar era inversamente proporci-onal aos 15 minutos que lhe foram con-cedidos, ele reafirmou que os númerosmostram a fragilidade do financiamentoda saúde. Áquilas lamentou que ainda nãohaja consenso de que a saúde é dever doEstado e direito de todos, e disse que sediscute muito pouco o SUS no Brasil.

Márcio Pochmann, economista eprofessor da Unicamp, afirmou que ofinanciamento da área social vive sob aameaça de espectros conservadores. Ealertou: caso instituído pela área eco-nômica, o superávit nominal redundariaem nada menos do que a desvinculaçãode 40% das receitas dos gastos sociais.Segundo ele, 52% do superávit registra-do em 2004 foi financiado pela conten-ção dos gastos nas áreas sociais. Só coma saúde, essa contenção chegou à casados R$ 12,6 bilhões. “E os tubarões nãoestão satisfeitos”, criticou Márcio.

A área da saúde, sozinha, corre orisco de ver contingenciados R$ 25,2 bi-lhões. “O que se observa é um movimen-to de desmonte da cidadania”, atacou.A continuar dessa forma, o cenário paraos próximos anos não será muito anima-dor, na visão de Pochmann. “Se manti-vermos os níveis atuais, chegaremos a2020 com um país pior do que o de hoje”.

Solange Belchior, representante doFórum das Entidades Nacionais dos Tra-balhadores da Área da Saúde, criticou ademora na implementação do Plano deCargos, Carreiras e Salários (PCCS) para ostrabalhadores da saúde. E isso, disse, éuma exigência constitucional para os re-passes de recursos. Para ela, os proble-mas que interferem na qualidade da ges-tão do SUS são: formação inadequada deprofissionais, despolitização do trabalho,partidarismo na gestão do sistema, não-responsabilização dos atores envolvidos,

regulação externa ao SUS e intervençõesdo Judiciário e do Legislativo no sistema.

Edson Andrade, da Federação Na-cional dos Médicos e da Associação Mé-dica Brasileira, criticou a falta de inves-timentos em saúde e disse que, desdea criação da CPMF, nada mais foi feitopelo aumento de recursos. Denuncioutambém os baixos salários, exibindo naapresentação seu próprio contrache-que, que mostra um salário-base de R$588. Criticou, ainda, a formação profis-sional inadequada e o excesso de esco-las médicas, que se multiplicam sem con-trole, segundo a lógica reinante de que“quanto mais médico melhor”.

Encerrada a mesa, a deputada JandiraFeghali leu a Carta de Brasília, o documen-to final do simpósio (ver pág. 19).

SINAIS DE ESGOTAMENTOO encerramento do simpósio foi

marcado pela concorrida palestra dosanitarista Gastão Wagner, professor daUnicamp. Ao auditório lotado, Gastãoressaltou a importância do simpósio paradiscutir a saúde, no momento em que asatenções estavam todas voltadas para apolítica. O SUS viveu muitos avanços, dis-se, mas apresenta sinais de esgotamen-to. Por exemplo, o PCCS “que nunca sai”:o ex-secretário-executivo do Ministérioda Saúde foi muito aplaudido ao dizerque há muito desrespeito ao servidorpúblico e que o salário da categoria de-veria, “pelo menos, repor as perdas cau-sadas pela inflação”. O SUS está depen-dente dos governos, afirmou, o que éum problema, pois as políticas públicasficam sujeitas “a chuvas e trovoadas”.

A vida no Brasil está ficando muitodifícil, disse. “Viver em nossas cidades estáse tornando insuportável, a vida humanaestá cada vez mais desvalorizada”. ParaGastão, é mentira a idéia que se tentavender de que o crescimento econômi-co por si só gera bem-estar social. Elelembrou do auxílio americano à Europado Pós-Guerra. “Precisamos de um PlanoMarshall para o Brasil”, defendeu, dizen-do que a visão atual de políticas sociais érestritiva, focada em programas comoBolsa-Família. “Política pública é mais queisso, é segurança, saneamento, educação,habitação, saúde”.

Também criticou a administração dosistema. “A gestão pública no Brasil estácom um grau de partidarismo muito gran-de, o que vem tornando insuportável tra-balhar no SUS”. Ele propôs a criação deum movimento pela “redistribuição derenda já, e não só quando o bolo cres-cer”, disse, aludindo à tese do ex-minis-tro Delfim Neto, de que primeiro se criamas riquezas, para depois distribuí-las. Ocombate à miséria é prioridade. “E issonão é populismo. Populismo é gastar maisdo que se tem”, disse, sob aplausos.

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EVENTOS

SEMANA NACIONAL DE C IÊNCIA

E TECNOLOGIA

Promovido pelo Ministério da Ciên-cia e Tecnologia, o evento tem o ob-

jetivo de mobilizar a população, em es-pecial crianças e jovens, em torno detemas e atividades científicas, valorizan-do a criatividade, a atitude científica e ainovação. Visa ainda estimular a melhoriado ensino das Ciências e da Matemáticanos diversos níveis. A Semana terá ativi-dades em todo o país, abrindo as portasde instituições de pesquisa e universida-des, com festivais e feiras de ciência,concurso para crianças e jovens, ofici-nas para o público, além de visitas decientistas a escolas e debates públicossobre temas científicos de interesse ge-ral. Para participar da semana basta secadastrar no site ou entrar em contatocom a organização do evento.

Data 3 a 9 de outubroMais informaçõesSite semanact2005.mct.gov.brE-mail [email protected]

3ª CONFERÊNCIA NACIONAL DECIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Oobjetivo principal da conferên-cia é demonstrar como a ciên-

cia, a tecnologia e a inovação (CT&I)podem ser a base de uma estratégiapara o desenvolvimento político, eco-nômico, social e cultural do país. En-tre as propostas, discutir CT&I comodesenvolvimento nacional, aproximar ossetores acadêmico, empresarial e pú-blico (governamental e não-governa-mental), estimulando CT&I como ferra-menta para o desenvolvimento, divulgargrandes projetos nacionais e aumen-tar o número de exemplos de inserçãode CT&I na vida da sociedade. A confe-rência ocorrerá pouco depois de umano do lançamento da Política Indus-trial, Tecnológica e de Comércio Exte-rior do atual governo, e já na vigênciada Lei de Inovação Tecnológica.

Data 16 a 18 de novembroLocal Complexo Blue Tree Alvorada,BrasíliaMais informaçõesTel. (61) 3424-9664/9656/9670Site www.cgee.org.br/cncti3/index.php

NA INTERNET

NORMAS DA ANVISA

OVisalegis, sistema de legislaçãoorganizado pela Agência de Vigilân-

cia Sanitária (Anvisa), completa quatroanos em 2005, já reunindo mais de 15mil normas do setor, entre leis, decre-tos, resoluções e portarias. Esta ferra-menta facilita, fortalece e reestruturao Sistema de Normatização de Vigilân-cia Sanitária, assim como atualiza, agilizae compromete todos os níveis de go-verno com a melhoria da qualidade deseus procedimentos e serviços. Outrosprojetos integram-se ao sistema, comoGlossário, Resumos Jurídicos, Visalegispara o Cidadão, Cadernos Visalegis eo Sistema Envisa (sistema coorporativode elaboração de normas).

Site e-legis.bvs.br/leisref/public/home.php

PUBLICAÇÕES

LANÇAMENTOS — EDITORA F IOCRUZ

Demografia dosPovos Indígenasno Brasil, orga-nizado por Helo-ísa Pagliaro, Mar-ta Maria Azevedoe Ricardo Ventu-ra Santos, reúneestudos atuaissobre a demografia indígena no país.Destacam-se artigos sobre epidemi-as, fecundidade, comportamentoreprodutivo e mortalidade de popu-lações indígenas.

Desafios para o Con-trole Social: subsídi-os para capacitaçãode conselheiros desaúde, de Maria Va-léria Costa Correia,dá continuidade àsreflexões sobre otema apresentadasno livro Que Controle Social?. Na bus-ca do fortalecimento do controlesocial na política de saúde, a auto-ra amplia o referencial teórico nadiscussão sobre o tema e apresen-ta propostas de organização de ofi-cinas para capacitação de conse-lheiros, baseadas em metodologiaparticipativa.

As Pestes do SéculoXX — tuberculose eAids no Brasil, umahistória comparada,de Dilene Raimundodo Nascimento, fazparte da ColeçãoHistória e Saúde. Olivro traz um estu-do, em perspectiva comparada, datuberculose e da Aids no Brasil, nasprimeiras e últimas décadas do sé-culo 20. Resgatando a análise de en-saios anteriores sobre a tuberculo-se na cidade do Rio de Janeiro, noinício do século 20, a autora cons-tata a existência de analogias evi-dentes em relação à Aids, no fim doséculo 20, tanto do ponto de vistado conhecimento científico e dasações institucionais quanto dasconstruções sociais.

“A Hora da Eugenia”— raça, gênero enação na AméricaLatina, de NancyLeys Stepan, faz par-te da Coleção Histó-ria e Saúde. O livrotrata do movimentoconhecido como eu-genia, palavra inventada pelo cien-tista britânico Francis Galton em1883 para representar as possíveisaplicações sociais do conhecimen-to da hereditariedade para obter-se uma desejada “melhor reprodu-ção”. Ao se debruçar sobre omovimento eugênico latino-ameri-cano entre 1910 e 1940, a autoradesfaz mitos historiográficos comoa sua irrelevância frente ao movi-mento eugênico internacional, e suaautomática identificação com aeugenia nazista. Na experiência la-tina, a demanda por “regeneraçãonacional” e “aprimoramento racial”não gerou políticas de esterilizaçãodos ditos “inaptos e inferiores”, masbuscou caminhos originais e perver-sos de se “civilizar” a América Lati-na e suas populações.

Mais informaçõesEditora FiocruzAv. Brasil, 4.036, sala 112Manguinhos, Rio de Janeiro, RJCEP 21040-361Tel. (21) 3882-9039 e 3882-9006E-mail [email protected] www.fiocruz.br/editora

SERVIÇO

Carta de Brasília

PÓS-TUDO

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Resumo do documento final do 8ºSimpósio sobre Política Nacional de Saú-de, Brasília, 28 a 30 de junho de 2005.Veja a íntegra em www.ensp.fiocruz.br/radis/37-web-01.html

Em que pesem as mudanças positivasocorridas na saúde, com a institui-

ção e a implementação do SUS, per-sistem, de forma preocupante, baixosníveis de saúde e elevadas desigualda-des sociais e regionais. Assim como apermanência do subfinanciamento edistorções na estrutura dos gastospúblicos influenciados pela lógica domercado, lógica esta que não aten-de às expectativas de grandes con-tingentes da população brasileira.

A defesa da Seguridade Socialcomo política de proteção social uni-versal, equânime, democrática eparticipativa no Brasil deve ser intran-sigente frente à visão predominante dapolítica econômica, em que os cida-dãos são transformados em acessóriosde um estrondoso processo de acu-mulação e concentração de renda.

As políticas substitutivas de ca-ráter focal e compensatório desconhe-cem a condição social do cidadãocomo resultante de um processo eco-nômico e social que afirma a pobrezacomo um risco individual. É coerentecom o Estado mínimo, comprometidocom o mercado e descomprometidocom políticas solidárias.

O processo da reforma sanitáriabrasileira é um projeto civilizatório, ouseja, pretende produzir mudanças dosvalores prevalentes na sociedade bra-sileira, tendo a saúde como eixo detransformação, e a solidariedade comovalor estruturante. O projeto do SUSé uma política de construção da de-mocracia que visa à ampliação da es-fera pública, a inclusão social e a re-dução das desigualdades.

Os participantes do Simpósioentendem como pontos relevantes:1) Definição de uma política nacio-nal de desenvolvimento que garantaredistribuição de renda de cunhosocial, que recupere os níveis deemprego, com a revisão da políticamonetária, no sentido de promoverdecréscimos das taxas de juros e su-perávit fiscal, e redirecionamentodo financiamento público às políti-cas sociais.2) Reafirmação da Seguridade Socialdefinida na Constituição de 1988como a política de Estado de prote-ção social.3) Defesa, intransigente, dos princí-pios e diretrizes do SUS — a universa-lidade, a eqüidade, a integralidade, aparticipação social e a descen-tralização.4) Retomada dos princípios que re-gem o Orçamento da Seguridade So-cial e, enquanto não for possívelreconstituir o financiamento integra-do, regulamentação com a urgênciarequerida, da Emenda Constitucio-nal 29, que estabelece critérios parafinanciamento das ações e serviçosde saúde.5) Avançar na substituição progressi-va do sistema de pagamento de servi-ços por um sistema de orçamento glo-bal integrado, alocando recursos combase nas necessidades de saúde dapopulação, com a participação docontrole social.6) Revisão da lógica de subsídios eisenções fiscais para operadores eprestadores privados de planos e se-guros privados de saúde.7) Avançar no debate dos projetos delei que tratam da responsabilidadesanitária.8) Reafirmação da descentralização,mantida a responsabilidade dos trêsníveis de governo, garantindo audi-toria ampla e permanente como ins-

trumento de fiscalização, alocação derecursos e combate à corrupção.9) Avançar no desenvolvimento dosrecursos humanos em saúde, especi-almente em três dimensões: a) remu-neração, vínculos e incentivos; b)organização dos processos de traba-lho; c) formação profissional e edu-cação permanente.10) Estabelecimento de Plano de Car-reira, Cargos e Salários para o SUS demaneira descentralizada, sem incidên-cia dos atuais limites de gastos da Leide Responsabilidade Fiscal sobre acontratação de pessoal para serviçose ações públicas de saúde, com a eli-minação de vínculos precários, pelarealização de concursos públicos.11) Cumprimento da deliberação doConselho Nacional de Saúde “con-trária à terceirização da gerência egestão de serviços e de pessoal dosetor saúde (...)”.12) Garantir a democratização doSUS, com o fortalecimento do con-trole social e a regulamentação, emlei, de elementos contidos na reso-lução do CNS nº 333, de 4/11/03, quedefine diretrizes para os conselhosde saúde.13) Definição de uma política indus-trial, tecnológica e de inovação emsaúde articulada às demais iniciativasgovernamentais da política industrialdo país, como elemento estruturantedo SUS. Garantir assistência farmacêu-tica integral.14) Desenvolvimento de ações arti-culadas entre os poderes para a cons-trução de soluções para os impassesna implementação do SUS.15) Recriação do Conselho Nacio-nal de Seguridade Social; realiza-ção de uma Conferência Nacionalde Seguridade Social que retomeo debate nacional acerca da polí-tica de proteção social definida naCarta de 1988.