Folhetim do Estudante - Ano IV - Núm. 37

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1 do estudante Núm. 37 - ANO IV 1ª quinzena - Maio/2015 Folhetim do estudante é uma publicação de cunho cultural e educacional com artigos e textos de Professores, alunos, membros de comunidades das Escolas Públicas do Estado de SP e pensadores humanistas. Acesse o BLOG do folhetim http://folhetimdoestudante.blogspot.com.br Sugestões e textos para: [email protected] EDITORIAL MALI CAMINHOS CRUZADOS: TRADIÇÃO E MODERNIDADE EM INTERCÂMBIO CULTURAL ENTRE BRASIL E MALI por Maria Rosa Lopes (Foto: Divulgação) O projeto “Caminhos Cruzados”, que promove o intercâmbio cultural e educacional entre jovens de escolas públicas no Brasil e no Mali, tem utilizado o Bogolan, antiga arte de pintura maliana em tecidos, para estabelecer um diálogo sobre as tradições culturais e sociais nos dois países. A iniciativa partiu de uma organização de São Paulo chamada Instituto Rizoma e acontece desde 2014 simultaneamente em três escolas localizadas no bairro do Campo limpo, em São Paulo; na cidade de Taboão da Serra e na vila de Djenné, no Mali, contando com a colaboração de professores, artistas e centros culturais locais. Bogolan com estudantes brasileiros (Foto: Divulgação) As atividades tiveram início em maio do ano passado na escola Lyceé de Djenné. Durante uma semana, com encontros diários, um grupo de onze estudantes pesquisou sobre a história e importância do Bogolan. Além disso, os jovens visitaram o estúdio Mali Mali da artista Sophie Sarin, onde aprenderam sobre as diferentes plantas utilizadas no tingimento dos tecidos, como manipular o barro no tecido, os significados dos grafismos e as estampas tradicionais e modernas que o estúdio trabalha, a lavagem no rio para fixar o barro que dá a cor preta no tecido e por fim, os modelos de roupas e artigos para decoração. Ao final dos encontros, os estudantes fizeram uma mostra dos tecidos pintados por eles mesmos e de todo o material coletado e documentado. Folhetim

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do estudante Núm. 37 - ANO IV

1ª quinzena - Maio/2015

Folhetim do estudante é uma

publicação de cunho cultural e

educacional com artigos e textos de

Professores, alunos, membros de

comunidades das Escolas Públicas

do Estado de SP e pensadores

humanistas.

Acesse o BLOG do folhetim http://folhetimdoestudante.blogspot.com.br

Sugestões e textos para:

[email protected]

EDITORIAL

MALI

CAMINHOS CRUZADOS: TRADIÇÃO E MODERNIDADE EM INTERCÂMBIO CULTURAL ENTRE BRASIL E MALI por Maria Rosa Lopes

(Foto: Divulgação)

O projeto “Caminhos

Cruzados”, que promove

o intercâmbio cultural e

educacional entre jovens

de escolas públicas no

Brasil e no Mali, tem

utilizado o Bogolan,

antiga arte de pintura

maliana em tecidos, para

estabelecer um diálogo

sobre as tradições

culturais e sociais nos

dois países. A iniciativa

partiu de uma

organização de São

Paulo chamada Instituto

Rizoma e acontece desde

2014 simultaneamente

em três escolas

localizadas no bairro do

Campo limpo, em São

Paulo; na cidade de

Taboão da Serra e na

vila de Djenné, no Mali,

contando com a

colaboração de

professores, artistas e

centros culturais locais.

Bogolan com estudantes

brasileiros (Foto:

Divulgação)

As atividades tiveram

início em maio do ano

passado na escola Lyceé

de Djenné. Durante uma

semana, com encontros

diários, um grupo de

onze estudantes

pesquisou sobre a

história e importância do

Bogolan. Além disso, os

jovens visitaram o

estúdio Mali Mali da

artista Sophie Sarin,

onde aprenderam sobre

as diferentes plantas

utilizadas no tingimento

dos tecidos, como

manipular o barro no

tecido, os significados

dos grafismos e as

estampas tradicionais e

modernas que o estúdio

trabalha, a lavagem no

rio para fixar o barro que

dá a cor preta no tecido

e por fim, os modelos de

roupas e artigos para

decoração. Ao final dos

encontros, os estudantes

fizeram uma mostra dos

tecidos pintados por eles

mesmos e de todo o

material coletado e

documentado.

Folhetim

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do estudante ano IV maio/2015

Estúdio Mali Mali (Foto:

Divulgação)

O Bogolan é uma técnica

de tingimento tradicional

do oeste da África. A

palavra Bogolan em

Bambara, uma das oito

línguas locais, significa

“ação do barro sobre o

tecido”. (“bogo”, que

significa terra, e pelo

sufixo lan, que significa

“aquele que chega a um

resultado”). O Bogolan

utiliza tecido de algodão

e as padronagens e os

motivos variam de

acordo com a etnia,

resultando em belíssimas

estampas com grafismos

de significados

socioculturais diversos.

Para Andrea Bomilcar,

educadora e cofundadora

do Rizoma, o Bogolan

estabelece uma conversa

ideal com o tema

“tradição e

modernidade”, através

de uma incursão sobre o

fazer tradicional como

valor cultural a ser

preservado, trazendo

também

questionamentos sobre

inovação, abertura de

novos mercados e os

desafios de manter viva

uma tradição.

Oficina no estúdio Mali

Mali (Foto: Divulgação)

Em outubro de 2014, um

dos coordenadores do

projeto em Djenné,

Mamadou Diawara,

esteve no Brasil para

solidificar ainda mais o

trabalho de intercâmbio.

Durante um mês ele

trabalhou com grupos de

jovens das escolas EE

Domingos Mignoni

(Taboão da Serra) e EE

Comendador Miguel

Maluhy (São Paulo).

Mamadou, com o suporte

do Rizoma e de Andrea,

falou sobre o Bogolan,

realizou workshops onde

os estudantes puderam

experimentar a técnica e

apresentou um

panorama sobre o

trabalho que o projeto

tem realizado no Mali até

então.

Reunião do projeto em

Djenné (Foto:

Divulgação)

Enquanto isso, a

iniciativa continua a todo

vapor em Djenné. Com

encontros semanais na

escola desde fevereiro de

2015, as atividades

programadas buscam

aprimorar a pesquisa e o

mapeamento sobre o

que vem sendo

produzido na região.

Uma das metas agora é

elaborar um plano de

ação para ampliar os

produtos e abrir novos

mercados, baseado em

entrevistas feitas com

artesãos sobre as

dificuldades e pontos

folhetim

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do estudante ano IVv maio/2015

fortes e fracos da

comercialização do

Bogolan.

Mamadou com

estudantes no

Brasil (Foto: Divulgação)

Os estudantes

atualmente também

estão trabalhando na

produção de textos,

registros em fotos e

vídeo, além da confecção

de uma estampa

personalizada para o

projeto. A agenda inclui

ainda visitas ao Centro

Cultural Ndomo, em

Ségou, que trabalha com

a capacitação de jovens

na técnica do Bogolan, e

às vilas no País Dogon

que utilizam o “índigo”

(corante azul derivado

de uma planta) no

tingimento de suas

roupas. Na etapa

seguinte do trabalho

prevista para os

próximos meses, escolas

brasileiras participantes

do projeto utilizarão todo

o material produzido no

Mali em atividades que

abram o mesmo diálogo

e complementem a

temática envolvida.

Lavagem para fixação da

estampa (Foto:

Divulgação)

Como produto final, o

projeto prevê a

confecção de um livro

sobre o Bogolan que

conterá textos, fotos e

conteúdo produzido

pelos estudantes e será

distribuído em escolas

públicas no Brasil e no

Mali. Segundo Andrea, o

projeto procura conhecer

a realidade local através

dos jovens, para juntos

desenharem soluções e

implementarem novos

caminhos de acordo com

os tempos atuais.

Criando assim um

ambiente onde jovens de

múltiplas culturas

explorem e discutam

assuntos como economia

sustentável, inovação

social e questões

socioambientais e

incentivando o

protagonismo e o

empreendedorismo

social junto as suas

culturas e suas

comunidades.

Estudantes no

estúdio (Foto:

Divulgação)

RESENHA

Indico o link do youtube ou vimeo do video poema "O Jogador de Dados" de Mahmoud Darwich, um dos maiores poetas palestinos e escritor em lingua Árabe. www.youtube.com/watch?v=ZUBDJVz6AZ8

https://vimeo.com/6983088 O vídeo está com o áudio original em árabe e interpretação do próprio poeta, produzido por Nissmah Roshdy. A seguir encontrem o excerto do poema que deu origem ao vídeo, na sua versão em Inglês e em português. Seria muito interessante ler o texto vendo interativamente a animação.

folhetim

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do estudante ano IV maio/2015

'The Dice Player'

Who am I to tell you this?

I was never a drenched rock

Refined to become a face

Nor a cane that has been

Perforated by the winds

To become a flute

I am the dice player

At times I win, at times I lose

I’m the same as all of you

Maybe a little less

Not a role I played in what I’ve

become

If this farm hadn’t been ravaged

Maybe I would’ve turned into an

olive

Or a professor of geography

Or an expert in an ant colony

Or a guardian Of echoes

Who am I to tell you this?

I was rewarded more awakenings

Not to relish my moony nights

But to witness the butchering

I survived coincidentally

Too small for a shooting target

But bigger than a bee,

Fluttering amid the fence grass

And I worried and worried

About my father

About my brothers

And I worried about a time made

of glass

And so the fear strolled within me

And I strolled in its path

Barefoot … hollow

Leaving behind my childhood

memories

And the dreams I had for tomorrow

There is no tomorrow

There is no tomorrow

I walk,

I scamper, I run,

I go up and down,

I scream and wail

I rush, slow down and inhale

I feel lighter, drier,

I stride and fly,

I run, I forget

I see, I don’t see

I remember, hear and behold

I fantasize,

I hallucinate

I whisper and scream

I can’t

I fall, I rise

then collapse,

bleed,

and I black out.

“O Jogador de dados” Versão: Valter Gomes

Quem sou eu para dizer isso à você? Eu nunca fui uma pedra polida Refinada para tornar-me um rosto Nem um cano de madeira que tem sido Perfurado pelos ventos Para tornar-me uma flauta Eu sou o jogador de dados Às vezes eu ganho, às vezes perco... Eu sou igual a todos vocês Talvez um pouco menos Não um papel que interpretei é o que me tornei Se essa terra não tivesse sido devastada Talvez eu tivesse me transformado em uma oliveira Ou um professor de Geografia Ou um especialista em colônias de formigas Ou um guardião de ecos Quem sou eu para dizer isso? Que fui recompensado mais desprezei Não para apreciar as noites enluaradas Mas para testemunhar o massacre Eu sobrevivi coincidentemente Pequeno demais para ser alvo de um tiro Mas maior que uma abelha, Flutuando em meio a grama seca E eu preocupado e preocupado Com meu pai sobre meus irmãos E eu preocupado com um

tempo feito de vidro E então o medo passeava dentro de mim E eu passeava em seu caminho Com os pés descalços... vazio Deixando para trás as minhas memórias de infância E os sonhos que eu tinha para amanhã Não existe o amanhã Não existe o amanhã Eu ando Eu galopo, eu corro, Vou para cima e para baixo, Eu grito e choro Eu acelero, diminuo e respiro Eu me sinto mais leve, seco, Eu caminho e voo, Eu corro, eu esqueço Eu vejo, eu não vejo Lembro-me, ouço e me seguro. Eu tenho fantasias, Eu fico alucinado Eu sussurro e grito Eu não consigo Eu caio, eu levanto em seguida, colapso, sangro, e apago.

Mahmoud Darwich

folhetim