Folha manha

3
Ano 8, n° 14 – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, julho de 2012 l Jornalismo 60 anos – Jornal da Manhã criado em 07/2005 – Semestral Impressos EXPERIÊNCIA 45 ANOS Jornalismo da PUCRS: 5 estrelas no Guia do Estudante Jornal da Manhã Condomínios fechados avançam na zona rural Loteamentos residenciais crescem e ocupam espaços antes destinados à produção agrícola Rodando ao som do iê-iê-iê Página 7G A história da Praça da Matriz Página 8G Barba, cabelo e bigode Página 5G Página 4G GERSON RAUGUST/JM GERSON RAUGUST/JM Página 7 G ALERIA Túmulo de Pinheiro Machado, no Cemitério da Santa Casa, representa a ideologia positivista Discursos de pedra e bronze A arte da loucura em fios e panos Página 2G Cenário da zona sul da capital vem sendo alterado com o cres- cimento da exploração imobili- ária. Campanhas de marketing apresentam a região como a de melhor qualidade de vida da cida- de. Grandes construtoras e incor- poradoras oferecem um número cada vez maior de loteamentos e condomínios fechados e causam um crescimento acelerado da população e redução na plantação e criação de animais. O processo teve início com a alteração do Pla- no Diretor em 1999 quando a área foi transformada em rururbana e propriedades rurais e urbanas dividem o espaço. Agricultores e ambientalistas reclamam da falta de planejamento para controlar a situação. Eles ressaltam que não há infraestrutura para atender a demanda que se cria e estão preocupados com as áreas de pre- servação permanente no extremo sul de Porto Alegre. Motoristas e carroceiros vivem relação tensa Acesso à Arena do Grêmio em ritmo mais lento Capão Expansão gera transtorno no litoral norte Com o aumento dos condomí- nios, problemas de infraestrutura da cidade, como saneamento bá- sico, são agravados Página 4 Educação Universidades têm investido no voluntariado A formação profissional está cada vez mais presente no coti- diano. O voluntariado promete ser modelo transversal de educação. Página 11 Cuidado Dedicação do dono e tratamen- to especializado garantem bem estar e mantém a qualidade de vida do animal Cegueira canina pode ser tratada com carinho Página 3 Página 5 BRUNA CANANI/JM Antiga plantação de pêssego na Vila Nova cede espaço à condomínio de luxo MELISSA MACIEL/JM Urbanização Página 9 Cidade virou canteiro de obras MARCELO AGUIAR/JM Aprendizagem vem da troca

description

Reportagens realizadas para o Jornal Folha da Manhã, produzidos pelos alunos do sexto semestre do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2012/1

Transcript of Folha manha

Page 1: Folha manha

Ano 8, n° 14 – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, julho de 2012 l Jornalismo 60 anos – Jornal da Manhã criado em 07/2005 – Semestral

Impressos EXPERIÊNCIA 45 ANOS Jornalismo da PUCRS: 5 estrelas no Guia do Estudante

Jornal da Manhã

Condomínios fechadosavançam na zona rural Loteamentos residenciais crescem e ocupam espaços antes destinados à produção agrícola

Rodando ao som do iê-iê-iê

Página 7G

A história da Praça da Matriz

Página 8G

Barba, cabelo e bigode

Página 5G

Página 4G

GERSON RAUGUST/JM

GERSON RAUGUST/JM

Página 7

G ALERIA

Túmulo de Pinheiro Machado, no Cemitério da Santa Casa, representa a ideologia positivista

Discursos de pedra e bronze

A arte da loucura em fios

e panosPágina 2G

Cenário da zona sul da capital vem sendo alterado com o cres-cimento da exploração imobili-ária. Campanhas de marketing apresentam a região como a de melhor qualidade de vida da cida-de. Grandes construtoras e incor-poradoras oferecem um número cada vez maior de loteamentos e condomínios fechados e causam um crescimento acelerado da população e redução na plantação e criação de animais. O processo teve início com a alteração do Pla-no Diretor em 1999 quando a área foi transformada em rururbana e propriedades rurais e urbanas dividem o espaço. Agricultores e ambientalistas reclamam da falta de planejamento para controlar a situação. Eles ressaltam que não há infraestrutura para atender a demanda que se cria e estão preocupados com as áreas de pre-servação permanente no extremo sul de Porto Alegre.

Motoristas e carroceiros vivem relação tensa

Acesso à Arena do Grêmio em ritmo mais lento

Capão

Expansão gera transtorno no litoral norte

Com o aumento dos condomí-nios, problemas de infraestrutura da cidade, como saneamento bá-sico, são agravados

Página 4

Educação

Universidades têm investido no voluntariado

A formação profissional está cada vez mais presente no coti-diano. O voluntariado promete ser modelo transversal de educação.

Página 11

Cuidado

Dedicação do dono e tratamen-to especializado garantem bem estar e mantém a qualidade de vida do animal

Cegueira canina pode ser tratada com carinho

Página 3 Página 5

BRUNA CANANI/JM

Antiga plantação de pêssego na Vila Nova cede espaço à condomínio de luxo

MELISSA MACIEL/JM

Urbanização

Página 9

Cidade virou canteiro de obras

MARCELO AGUIAR/JM

Aprendizagem vem da troca

Page 2: Folha manha

Porto Alegre, julho de 2012Jornal da Manhã 7MEIO AMBIENTE

Produtos orgânicos ganham espaço na mesa dos gaúchos F MARIANNE DE OLIVEIRA

O mercado de produtos

orgânicos vem ganhando es�paço crescente no Brasil e em Porto Alegre não é diferente. Semanalmente, aos sábados, acontece a Feira Ecológica da Redenção. Com abertura para o público as 7h30min, oferece seus serviços até as 13. Ali são comercializados produtos hortifrutigranjeiros e agroindustrializados livres de agrotóxicos e substancias artificiais.

A feira recebe centenas de consumidores à procura de alimentos saudáveis e funciona desde 1989. Pro�dutores agrícolas da capital e do interior do Estado ofe�recem seus alimentos com a garantia de preço justo e qualidade. O serviço é feito direto do produtor para o consumidor, garantindo a excelência do serviço.

Proprietário de um sítio

localizado na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, Ângelo Soares, comercializa seus produtos há seis meses na feira. Ele garante que o preço é igual ao do merca�do normal, mesmo que os produtos orgânicos levem mais tempo para ficarem prontos para consumo. “O alface livre de agrotóxicos leva em média 50 dias para estar apta a colheita, já com química pode levar menos de 20 dias.” Além de preser�var o meio ambiente, a feira ecológica ajuda o produtor a ganhar mais pelo que produz e economizar o valor que seria gasto em fertilizantes.

Muitos alimentos são perdidos pela falta de fer�tilizantes e pesticidas. Com alto nível de conservantes, as substâncias químicas garantem a vitalidade do ali�mento, mas podem prejudi�car a saúde do consumidor. Apenas lavar e descascar os

alimentos não resolve, pois muitos agrotóxicos pene�tram na planta e ali ficam concentrados. Quase 30% das frutas e dos vegetais pos�suem excessos de agrotóxi�cos e venenos inadequados, já os alimentos orgânicos não possuem nenhum tipo

de resíduo químico.A feira conta com um

público fiel que não se im�porta em acordar cedo para garantir produtos frescos e saudáveis. Caminhando pelo estreito espaço entre as ban�cas dos produtores é possível observar um ambiente limpo

e com visitantes em busca de qualidade. A aposenta�da Tânia Rodrigues aderiu à alimentação orgânica e recomenda a atitude. “Não estou apenas consumindo um alimento direto do pro�dutor, estou consumindo um alimento sem veneno, todos deveriam parar de comprar essas frutas e verduras con�taminadas que mais cedo ou mais tarde vão causar problemas a saúde”.

Convencional e orgânicoExiste muita diferença

no alimento dependendo do cultivo. O tamanho e a cor são as principais carac�terísticas alteradas pelo uso de agrotóxicos. Segundo Achilles Krüger, proprietá�rio do Vida Natureba Pro�dutos Naturais Integrais e Orgânicos,os alimentos industrializados na sua maioria recebem uma carga muito grande de aditivos

químicos para melhorar seu sabor, cor, tamanho,e até mesmo a permanência nas prateleiras. “O alimento fica com boa aparência, saboro�so, dura bastante, mas não nutre e pode gerar alergias e problemas na saúde”, ga�rante Krüger.

A agricultura orgânica não usa fertilizantes sinté�ticos e agrotóxicos, o uso destes produtos é substituí�do por estercos animais, ro�tação de culturas, adubação verde e compostagem. Esse processo de produção não danifica a natureza e tam�bem ajuda a manter a vida do solo intacta .

O uso de biocidas é uma prática que pode gerar con�sequências graves. Alguns matam ervas, insetos, ácaros, mas se o homem entra em contato com estes produtos poderá desenvolver doenças como o câncer e, até mesmo, degenerações genéticas.

O processo manual ajuda a naturalizar cultivação

MARIANNE DE OLIVEIRA/JM

F GERSON RAUGUST

“Aqui não tem mais nada”, “tem um ou outro por aí, mas é difícil achar”, “agora é só vila ou condo�mínio”. Quem caminha pelo bairro Vila Nova em busca de pomares, ouvirá dezenas de frases como estas dos mora�dores mais antigos. No local que é sinônimo de plantações de pêssegos restou apenas a fama. O processo que era len�to e gradual foi intensificado com as mudanças do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (PDDUA), de 1999. A partir dele, a zona rural foi extinta e criada a rururbana, onde produção primária e área urbana se misturam.

O motivo principal para a alteração foi o aumento populacional da cidade na época. Conforme o IBGE, a taxa era de 1,3% ao ano e o déficit habitacional se

Obras Mudanças no Plano Diretor da capital possibilitam o aumento de condomínios na região

Expansão imobiliária ameaça Zona Rural de Porto Alegre

agravava. A zona sul foi vista como principal alternativa de expansão. Mesmo que a média tenha caido para 0,37% na última década, o menor índice de crescimento de população das capitais do país, a expansão imobiliária na região continua. Antô�nio Bertaco, da Divisão de Fomento Agropecuário da SMIC, alerta que a região não possui condições para supor�tar a demanda que se forma. “Os futuros administradores terão um problema enorme para resolver, não tem como atender tanta gente”, afirma.

Para o presidente do Sin�dicato Rural de Porto Alegre, Cleber Vieira, a situação já é de crise. Além da falta de es�colas e postos de saúde, a es�trutura de saneamento atual é para uma área rural e o solo já começa a ser contaminado. O trânsito também é aponta�do como problema, a frota é cada vez maior e prejudica a

mobilidade. “Da minha casa no Lami até o Menino Deus levava cerca de 25 a 30 minu�tos, hoje não faço em menos de uma hora”, conta.

As mudanças parecem ter sido tão rápidas que as informações são desencon�tradas, moradores de uma rua indicam outra como local de produção. Lá, mandam de volta à primeira. Nos altos da região, a Estrada das 3 Meninas está bloqueada para duplicação e construção de um grande condomínio de luxo. Até mesmo o número total de propriedades da ca�pital é divergente. Enquanto a SMIC informa que são cerca de 750, o Sindicato Rural possui cadastradas mais de 900. Conforme Viei�ra, a diferença existe devido a regularização dos terrenos.

Para obter o registro de produtor rural e conseguir os benefícios oferecidos, como isenção de IPTU e par�

ticipação em feiras e eventos oficiais, é preciso comprovar atividade de exploração eco�nômica e a documentação de registro de imóvel ou contrato de compra e venda. Porém, segundo Vieira, a grande maioria dos agri�cultores pertence à terceira geração de herdeiros e nunca realizaram inventário das terras devido aos altos cus�tos do processo.

Essa situação abriu cami�nho à especulação. “As pes�soas são donas de fato, mas não de direito. O incorpo�rador sabe disso e assedia o proprietário”, denuncia Via�na. Além disso, os filhos dos agricultores não conseguem ver perspectivas no campo e procuram alternativas “ele vê o pai de enxada na mão trabalhando o dia inteiro para ganhar mil reais e não quer viver assim, um cobra�dor de ônibus ganha mais que isso”, diz o sindicalista.

A atividade rural está longe de ser de grande renta�bilidade. Dificuldades como a dependência climática ou o baixo valor de mercado dos produtos e a histórica falta de incentivos dos setores públicos, sempre foram mo�tivadores do êxodo do setor. Em Porto Alegre a situação não é diferente. Mas uma série de programas criam novas perspectivas e viram ferramentas para conter a expansão imobiliária na zona sul.

Parcerias entre SMIC, Sindicato Rural de Porto Alegre, Emater e Senar são responsáveis por cursos de qualificação profissional. Além dos treinamentos, outras atividades têm o objetivo de melhorar a vida dos agricultores, como as feiras ecológicas. O trabalho vem apresentando resulta�dos positivos. A produção cresce a cada ano. Em 2011 a safra de frutas foi de quatro mil toneladas.

A capital é a segunda maior fornecedora da CEASA/RS, ficando atrás apenas de Viamão. O mi�. O mi�croclima da capital permite uma diversidade grande de produtos. A cidade abriga vinícolas, lavouras de hor�taliças, além da criação de animais de pequeno porte. Gradativamente a produção de leite também é retomada.

Qualificação e turismo ajudam produtor

“Em Porto Alegre se planta de tudo, só não tem café e trigo”, afirma Antônio Ber�taco, da Divisão de Fomento Agropecuário da SMIC.

Aos poucos uma nova fonte de renda começa a ser conhecida. O turismo rural se desenvolve e gera ganhos extras No início as ações eram isoladas., alguns proprietários fechavam par�cerias e realizavam visitas às suas terras. Com o tempo criaram a Associação Porto Alegre Rural, que originou o projeto Caminhos Rurais.

Mauri Weber é um desses pioneiros. Proprietário do Sítio do Mato é o atual pre�sidente da Associação. Para ele, o turismo é responsável por duas grandes mudanças. O aumento da autoestima do produtor e a geração de renda extra às propriedades. Além do valor do ingresso, ele também comercializa os seus produtos. “Se tem uma laranja que ele não consegue vender na época, ela vira ge�leia que será comercializada para o visitante”, comemora.

O principal objetivo dos Caminhos Rurais é manter o produtor no campo. A renda gerada pelo turismo acaba melhorando as condições de vida do agricultor e dificulta a ação dos especuladores. “Ele pode até vender o terreno, mas a oferta terá que ser bem maior”, diz Weber.

FOTOS GERSON RAUGUST/JM

Ritmo acelerado da construção civil reduz áreas de plantio no região sul de Porto Alegre

Projeta ajuda a manter produtor no campo

Page 3: Folha manha

História4G Jornal da Manhã / Galeria

■ GERSON RAUGUST

O estigma dos cemitérios de se-rem lugares tristes, sombrios e sobrenaturais faz com que a ideia de visitá-los pareça um tanto exótica. Aqueles que des-

consideram esse pensamento, acabam por en-contrar um ambiente rico sob o ponto de vista artístico e histórico. Quem vai ao Cemitério da Santa Casa descobre que ali existem túmulos carregados de símbolos que podem ser consi-derados como um último discurso, uma mensa-gem a ser decifrada pela posteridade. Os seus 150 anos de existência se confundem com a própria trajetória de Porto Alegre.

O auge da produção se concentra entre os anos de 1850 e 1920, e apresentam característi-cas distintas de três períodos artísticos, Neoclássi-co, Belle Époque e a Art Noveu. Para o professor e historiador Thiago Nicolau de Araújo, ”é difícil definir resumidamente a enorme importância da Santa Casa, mas ali podemos observar e anali-sar a história de Porto Alegre e também do Rio Grande do Sul, uma vez que o espaço propor-ciona um roteiro pela arte, sociedade, cultura, religião, entre outros aspectos da cidade”.

Além da estética, é preciso considerar os significados contidos nas obras. Através da sim-bologia é possível identificar a crença, o status ou a posição política e ideológica do falecido. Cada sepulcro transmite uma mensagem atra-vés de um conjunto de sinais. Identificar e inter-pretá-los possibilita ao visitante saber um pouco mais sobre o morto. O conhecimento de fatos antigos e a característica de cada época aju-dam na compreensão desses discursos. Assim, a visita vai além da simples apreciação artística e transforme-se em um jogo de decodificação e em uma aula de história.

Os símbolos religiosos são facilmente loca-lizados e entendidos. As flores estão relaciona-das ao renascimento ou à virgindade feminina e, quando em forma de coroa, à salvação al-

cançada. Um ramo de palmas é ligado à vitó-ria e alegria, no cristianismo também significa vida eterna. A tocha com fogo representa a purificação da alma, mas virada para baixo refere-se à morte.

A pomba também tem mais de um significa-do, tanto pode ser a reconciliação com Deus, quanto a alma na forma celestial com o Divino Espírito Santo. O mais forte símbolo cristão, a cruz, carrega a fé e a crença na ressurreição de Jesus. A reprodução da Pietá, onde Maria segura o corpo de Cristo após a crucificação, está relacionada com o desejo de que a alma seja bem recebida. Há ainda, o anjo ou criança com as mãos unidas que simbolizam a oração pela alma e a mulher com um bebê no colo, que prega o amor ao próximo.

A produção da arte cemiterial no Rio Gran-de do Sul acompanhou os períodos artísticos que ocorreram no mundo. Mas como no resto do Brasil, essas transformações aconteceram com um certo atraso em relação à Europa. Mesmo assim é possível identificar as caracte-rísticas de cada uma dessas fases e reconhecer sua relevância histórica e cultural. Só na Santa Casa, são contabilizadas mais de 300 obras.

Um exemplo é a reprodução de imagens religiosas que apresentam variações com o passar do tempo. Figuras características como os anjos são retratados de forma diferente em cada uma das épocas. Durante o neoclássico eram apresentados como seres assexuados não terrestres, na Belle Époque começam a receber características humanas, ganham sexo e idade. Passam a serem crianças, homens ou mulheres com formas bem definidas.

A figura feminina também teve sua represen-tação modificada ao longo do tempo. À medida que o papel da mulher na sociedade é altera-do, ela também ganha relevância nas obras. De simples coadjuvante, vira destaque. Os detalhes aumentam, bem como a sensualidade. O corpo passa a ser explorado e, por vezes, um pedaço do seio pode ser exposto. É o caso da prante-

adora, personagem que lamenta eternamente a morte de alguém. São dezenas espalhas pela área do cemitério.

Membro da Associa-ção Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC) e au-tor do livro Túmulos Ce-lebrativos de Porto Alegre, o professor Araújo explica que “todo período da história da Santa Casa tem suas carac-terísticas próprias em relação à com-posição artística, assim não há apenas um momento que tenha importância histórica. Mas quando pensamos nos estilos que mais chamam a atenção do visitante, a arquitetura neoclássica do fim do século XIX e a estatuária alegó-rica do início do século XX destacam-se pelo fato de que grandes ateliês e artistas do Estado e do Brasil se dedi-caram à produção”.

O período também representa o surgimento de outros símbolos no cemitério. A fé divide espaço com re-ferências à fortuna, prestígio e pro-priedade. Temas pagãos e de outras crenças também se fazem presen-tes. Esse desenvolvimento é resul-tado da relação entre famílias de posses e personalidades dispostas a marcar presença com artistas re-nomados. Como exemplos, o his-toriador cita os trabalhos de Leone Lonardi, Alfred Adloff, André Arjo-nas, Décio Villares e Casa Aloys. Conhecido por ter esculpido a estátua do Laçador, localizada na entrada da capital, Caringi também é responsá-vel pelo mausoléu do político e mili-tar Daltro Filho.

Entre a riqueza e diversidade do acervo do Cemitério da Santa Casa, um tema chama a atenção pela imponência e exclusividade.

“Somos os únicos com túmulos que possuem o discurso positivista”, destaca a historiadora Vera Barroso. Localizados no corredor central da ne-crópole, são carregados de simbolos ideológicos.

Entre eles, dois jazigos monumento se so-bressaem, os de Júlio de Castilhos e Pinheiro Machado. Em ambos a figura da República é

Acervo do centenário Cemitério da Santa Casa é rico em arte e história e repleto de simbologia

Mensagens para a posteridade

Percorrer as quadras da necrópole pode causar a sensação de se caminhar sobre um mapa. Vultos históricos que frequente-

mente acabam por batizar ruas do Rio Gran-de do Sul estão ali enterrados. Personagens da política, sociedade, artes e armas encontram-se nos 10,4 hectares que formam o espaço. São nomes como Otávio Rocha, Borges de Medei-ros, Félix da Cunha, Ramiro Barcelos, Protásio Alves, José Montaury, Barão e Baronesa do Gravataí, entre outros.

A relação entre a história da cidade e do ce-mitério não se limita ao prestígio de seus inquili-nos. A própria geografia do local se assemelha a da capital. E o que explica a historiadora do Centro Histórico da Santa Casa, Vera Barroso. “A distribuição dos túmulos se assemelha muito com as divisões de Porto Alegre ou de qualquer outra grande cidade, com áreas nobres, centro político e periferia”, observa a professora.

O surgimento de uma nova classe com grande poder econômico, derivada do cresci-mento dos setores da indústria e comércio, cria-ram um impasse. O status adquirido por esses novos ricos fez com que eles não aceitassem uma posição secundária na necrópole. Para resolver o problema, a solução encontrada foi transformar o jardim que existia em frente em área para enterros. Assim eles ficaram em local privilegiado e o cemitério acabou com dois pór-ticos de entrada.

Caminhos cruzadosNo centro está a maioria das personalida-

des políticas do Estado. Logo atrás, os repre-sentantes do baronato, região nobre quando o espaço do cemitério era menor e agora relega-do ao segundo plano com sua ampliação. O Campo Santo, destinado ao enterro de pobres e indigentes, fica ao fundo, distante da área de maior prestígio.

É possível conhecer a história do cemité-rio e das obras através de visitas guiadas pela própria Santa Casa. O passeio é previamente agendado e atende a grupos formados princi-palmente por escolas da Rede Pública e Priva-da. A historiadora informa que um projeto da própria instituição pretende ampliar os serviços e incentivar a visitação, a partir de 2013, tão logo seja inaugurado o Centro Histórico da entidade, previsto para o primeiro semestre do próximo ano.

O trabalho usará os cemitérios La Recole-ta, de Buenos Aires, e Père Lachese, de Paris, como referência. Está previsto a instalação de totens e sinalizações com informações nos mesmos moldes de um museu. Também serão produzidos materiais gráficos para auxiliar os visitantes. A manutenção dos túmulos é de res-ponsabilidade dos proprietários que serão mo-tivados a fazer um trabalho de preservação. Para aqueles que não tenham condições para realizar a tarefa, a Santa Casa buscará apoio na iniciativa privada.

Legado Positivistarepresentada por uma mulher. Além disso, fra-ses e imagens completam as obras, reforçando a ideia de um manifesto pós morte.

No de Plácido de Castro, a representação da imagem da justiça recebeu algumas modi-ficações. A estátua é uma denúncia contra a impunidade e corrupção. O gaúcho, criador do estado do Acre, foi assassinado com um tiro nas costas durante uma emboscada, os culpa-dos nunca foram presos.

Túmulo de Plácido de Castro denúncia a falha

da justiça dos homens

Fotos Gerson Raugus/JM

Jazigo de Pinheiro Machado tem a escultura do senador entre símbolos positivistas