Fluzz pilulas 12

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Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 12 (Corresponde ao décimo-primeiro tópico do Capítulo 1, intitulado No “lado de dentro” do abismo) Nenhuma hierarquia é natural A escassez que gera hierarquia é aquela introduzida artificialmente pelo modo de regulação A hipótese de que foi a escassez (natural, de recursos) que gerou a hierarquia e que, assim, a hierarquia tenha brotado espontaneamente do caos, foi tão sedutora para alguns quanto enganosa para todos. Até hoje ainda há os que se põem a promover um deslizamento (para o natural) do conceito (social) de hierarquia, com base na suposta evidência de que ela é encontrada em toda parte – do mundo físico (e. g., sistemas termodinâmicos) ao mundo biológico (e. g., sistemas vivos aninhados) – e

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Em pílulas

Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de

Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos

altamente conectados do terceiro milênio

12 (Corresponde ao décimo-primeiro tópico do Capítulo 1,

intitulado No “lado de dentro” do abismo)

Nenhuma hierarquia é natural

A escassez que gera hierarquia é aquela introduzida artificialmente pelo

modo de regulação

A hipótese de que foi a escassez (natural, de recursos) que gerou a

hierarquia e que, assim, a hierarquia tenha brotado espontaneamente do

caos, foi tão sedutora para alguns quanto enganosa para todos. Até hoje

ainda há os que se põem a promover um deslizamento (para o natural) do

conceito (social) de hierarquia, com base na suposta evidência de que ela é

encontrada em toda parte – do mundo físico (e. g., sistemas

termodinâmicos) ao mundo biológico (e. g., sistemas vivos aninhados) – e

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que isso seria uma prova de que a hierarquia é natural e, dessarte, também

naturalmente se manifestaria no mundo social.

Mas a escassez que gera hierarquia é introduzida artificialmente, sempre

pela supressão de caminhos. Não há uma escassez em si. O conceito é

relacional: escassez, quando há, é sempre em relação a algo ou alguém que

carece de determinados recursos em determinado ambiente. Ao fluir com o

curso, ao se deixar levar pela “vida nômade das coisas” (uma boa definição

de fluzz), tal escassez não se configura. A escassez só surge com o

represamento do rio.

Nos sistemas naturais não pode haver o conceito de escassez porque não

há um indivíduo que reclame uma necessidade contra o ecossistema na

medida em que cada parte do ecossistema se insere na lógica da

abundância que regula o sistema. Nos sistemas sociais (ou anti-sociais,

seria melhor dizer), a escassez é introduzida pelo modo de regulação de

conflitos. Toda vez que se regula conflitos de modo autocrático, gera-se

escassez que permite a ereção de estruturas hierárquicas. E toda vez que

se erige um sistema hierárquico pela eliminação de caminhos, geram-se

modos de regulação não-pluriárquicos que se mantêm pela reprodução da

escassez.