Fleury Sampaio Uma Discussão Sobre a Cultura Organizacional
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7/26/2019 Fleury Sampaio Uma Discusso Sobre a Cultura Organizacional
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U m a d is c u s s o s o b re
c u l t u r a o r g a n i z a c i o n a l
M AR IA T ER EZ A L EM E F LE UR Y
JAD ER D OS R EIS SA MPA IO
1 Introduo: as origens do conceito de cultura
A palavra cultura no surgiu originalmente no seio da teoria
administrativa; pelo contrrio, um termo muito mais antigo.
Na sociedade romana, a expresso latina colere referia-se ao cul-
tivo de produtos relacionados com a terra, a educao, o desen-
volvimento da infncia e o cuidado com os deuses. Esse signifi-
cado foi se modificando ao longo dos anos, mas algumas idias
permanecem at hoje. O termo cultura pode ser apreendido em
diferentes nveis de manifestao, como a cultura de Um povo ou
de um pas.
A idia de cultura nacional se tornou uma preocupao euro-
pia inicialmente com os movimentos de unificao das cidades-
Estado em Estados absolutistas porque, de alguma forma, a inteno
da existncia de uma identidade entre elas justificava a centralizao
do poder poltico e econmico.
Posteriormente, no contexto do mercantilismo e da expanso
imperialista (seja o imperialismo territorial, seja o imperialismo eco-
nmico), o conceito de cultura foi empregado no sentido do enten-
dimento de costumes, lngua, crenas e mitos de povos diferentes
para o estabelecimento de
relaes
comerciais e de relaes de
83
II
'l
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dominao. Nesse perodo, especialmente no final do sculo XIX, os estudos sobre
cultura depararam com a noo de diversidade, mas empregaram algumas idias
darwinistas para se fazer entender como culturas superiores e de alguma forma jus-
tificar a dominao poltica ou econmica.
Edward B. Tylor, antroplogo ingls, definiu cultura, em 1871, como um
complexo total de conhecimentos, crenas, artes, moral, leis, costumes e quaisquer
outras aptides e hbitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade, o
que demarcou seu campo de estudos, remetendo o conceito para os nveis do indi-
vduo e da sociedade.
8 As pessoas na organizao
2 As bases antropolgicas e sociolgicas do conceito de ctultura
. A preocupao fundamental da pesqui-
sa etnogrfca era desvendar os Significados dos costumes de sociedades -dfereates
1 .; da ocidental.
Os antroplogos, como aponta Eunice Durhan (1984), tenderam a conceber
os no como um molde que produziria condutas estritamente
idnticas, mas antes isto , uma estrutura que permite
atribuir significado a certas aes e em funo da qual se jogam infinitas partidas.
No existe tambm a preocupao de estabelecer relaes entre as representa-
es e o poder. Segundo Durhan, os padres culturais no so concebidos como
instrumentos de dominao, a no ser no sentido genrco de que a cultura ins-
trumento de domnio das foras naturais:
A opacidade da sociedade, a inco~scincia dos homens em relao aos mecanismos de
produo da vida social nunca puderam ser vistas pelos antroplogos, nas sociedades
essencialmente igualitrias com as quais se preocuparam, como resultado do ocultamen-
to da dominao de uma classe sobre a outra. Obviamente, possvel analisar relaes de
poder nas sociedades primitivas, mas isto no nem o fulcro nem o centro da concepo
de cultura.
Entre os socilogos, uma corrente importante para a anlise da cultura ,?_
interacionismo simblico, cujos autores mais conhecidos so Erving Goffman e
-Peter Berger O tra.5.lfi(fe Berger e Luckmann, The social c on st ru cti an a f r ea lit y
(1967), como o prprio ttulo indica, procura explorar o processo de elaborao do
universo simblico. Considera-se importante recuperar certos momentos de sua
trajetria, pois a obra toca (explcita ou implicitamente) em algumas questes cen-
trais para a discusso da cultura e tambm por seu pensamento exercer influncia
sobre os estudiosos da cultura nas organizaes.
(-~ O indivduo percebe que existe correspondncia entre os significados por ele
atribudos ao objeto e os significados atribudos pelos outros, isto , existe o com-
partilhar de um senso c0m.u ll sobre a realidade.
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Uma discusso sobre cultura organizacional I 285
3 Def in io de cul tura no nvel das organizaes
3.1 ESTUDOS TRANSNACIONAISE TRANSREGIONAIS
Figura 1.
Modelo terico
dos estudos
transnacionais
segundo
Smircich
Segundo Berger e Luckmann, quando um grupo social tem de transmiti~ sua
viso do mundo a uma nova gerao surge a necessidade de legitimao - o pro-
cesso de explicar e justificar a ordem institucional prescrevendo validade cognitiva
aos seus Significados adjenvados: tem, portanto, elementos cognitivos e normativos
e d origem ao universo simblico. Isso porque durante a fase de legitimao se
produzem novos significados J atribudos aos processos nstitucionais.
Ao estudar as organizaes, possvel observar como certos smbolos so cria-
dos e os procedimentos implcitos e explcitos para legitim-Ias. O da empresa
como uma grande famlia exemplifica essa criao do mito, integrando vrios sig-
nificados e os processos de sua legitimao.
O conceito de cultura foi trazido s cincias administrativas no final da dcada de
1950. Muitos eventos justificam tal interesse, corno a e2q?anso geogrfica das
empresas multinacionais, que pretendiam reproduzir s~' ?_s:~truturas em outros pa-
ses para obter vantage~scompani.tivs-(mo~d~--~bra barata, novos mercados, pro-
ximidade de matrias~priinas, entre outras). Ainda que reproduzindo as estruturas
e os principais programas, os resultados rio so os mesmos e os administradores
se vem s voltas com problemas que no tinham nos Ra_~~?.Q~-.2.D~I :essa
forma, uma das primeiras concepes de cultura empregadas pela administrao
semelhante conc~po das culturas nacionais, pela qual se procura identificar que
elementos culturais foram obtidos na sociedade pelos empregados, especialmente os
que entram em conflito com a ordem organizacional original, para ento buscar um
novo arranjo organizacional ou uma mudana de crenas e valores.
Smircich (1983) representa essa linha de estudos de cultura nas organizaes
na Figura Nela, cada ~~:mbro da organizao (representado como um crculo)
vist~=~Illo portador da cultu~;~btfda.-~~~::ll1_.:?~~~~.:~._~~l~~ral_:.xte~.:'_~.ela. ..-
o
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I
As pessoas na organizao
Geertz Hofstede et al. (1990) foi um dos autores que se notabilizaram pelo
estudo de culturas nacionais. Ele teve acesso a 116 mil questionrios aplicados
entre 1967 e 1973 em 72 subsidirias diferentes da IBM. Esses questionrios
foram elaborados com base em entrevistas em profundidade feitas com empre-
gados de subsidirias de dez pases distintos. Nesse trabalho, Hofstede identifi-
cou quatro dimenses independentes, que chamou de: distncia do poder,
evitar incertezas, individualismo ve rsus coletivismo e masculinidade versus
feminilidade .
Em estudos posteriores, sua equipe identificou um quinto fator independente
denominado de dinamismo confuciano, que ope a orientao de curto prazo
orientao de longo prazo e foi usado para construir uma explicao parcial do
sucesso das economias do Extremo Oriente nas ltimas dcadas.
Apesar da criao desse modelo, Hofstede admite que, aps esses estudos, a
_ pesquisa transnacional na IBM no revelou nada sobre a cultura corporativa da
} .. ... -
IBM , o que o levou a outros modelos de entendimento da cultura nas organizes .
..---Tal linha de estudos apresenta riscos tericos e prticos. Um dos autores mais
conhecidos por seus trabalhos acadmicos e de consultoria na rea de culturaorga-
nizacional, Edgar Schein (2001) mostra alguns deles, relacionados com a supersim-
plificao:
Se eu quiser trabalhar na Alemanha, ajuda pouco saber que os alemes so compulsivos;
se eu quiser trabalhar na Itlia, no to til saber que os italianos expressam suas emo-
es com liberdade e, se um alemo quiser trabalhar nos Estados Unidos, ser de pouca
valia saber que os americanos so individualistas. Esses
insights
podem ser proveitosos,
mas no bastam. As culturas so padres de elementos que interagem; se no tivermos
como decifrar os padres, no poderemos entender as culturas.
3.2 ESTUDOS DE CULTURA ORGANiZACIONAL OU CORPORATIVA
O conceito de cultura organizacionaLabandona o contexto sociocultur~b como a ori-
gem dos fenmenos em estudo e se volta para o
interior
das organizaes e das corpo-
raes (entenda-se corporao como um conjunto de empresas sob a mesma direo).
Smircich (1983) identificou diferentes focos e vises de organizao nos dife-
rentes estudos de cultura que analisou. Alm dos estudos
t ranscu ltura is ,
termo que
atribuiu aos estudos que comparam colaboradores de pases diferentes ou de
regies diferentes, a autora relacionou os seguintes conceitos:
Acultura funciona como um meca-
nismo regulatrio-adaptativo. Per-
mi te a articulao dos indivfduos
na organizao.
cultura corporativa
.. -:'~';~'4(~~:{~'v2&~
Organizaes so organismos
adaptativos que existem por meio
de processos de trocas com o
ambiente.
Cultura um sistema de cognies
partilhadas. A mente humana gera
a cultura atravs de um nmero li-
mitado de regras.
Cognio organizacional
Organizaes so sistemas de co-
nhecimento. A noo de organiza-
o repousa sobre a rede de signi-
fiCs subjetivos que os membros
partilham em vrios graus e que
parecem funcionar de uma manei-
ra regular.
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Uma discusso sobre cultura organizacional I
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Figu ra
Nveis de
apreenso da
cultura
organizacional
segundo Schein
Processos inconscientes e
organizao
Cultura
um sistema de simbolos
e significados partilhados. A ao
simblica necessi ta ser interpreta-
da, lida ou decifrada a fim de ser
entendida.
Simbolismo organizacional
Organizaes so padres de dis-
curso simblico. A organizao
mantida atravs de modos simbli-
cos como a linguagem. que facili ta
os significados partilhados e as rea-
lidades partilhadas.
Cultura uma projeo da infra-
estrutura universal e inconsciente
da mente.
Formas e prticas organizacionais
so manifestaes de processos
inconscientes.
Fonte: Smirch (1983).
Qual dessas linhas de trabalho constitui a abordagem correta da viso de cul-
tura? Possivelmente todas. Essas vises no so mutuamente exclusivas, mas tam-
bm no podem ser apenas justapostas. Cada uma delas privilegia formas de pes-
quisa e anlise de informaes diferentes para o entendimento de sua abordagem
de cultura. Isso levou Smircich a comparar o conceito de cultura com a imagem de
um cdigo de muitas cores ou com um arco-ris.
Alguns autores trabalharam na consolidao dessas diferentes tendncias.
Edgar Schein (2001) desenvolveu uma proposta de trabalho variada, que inclui dife-
rentes dimenses. Para ele, cultura organizacional o conjunto de pressupostos
bsicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar
com os problemas de adaptao externa e integrao interna e que funcionaram bem
o suficiente para serem considerados vlidos e ensinados a novos membros como a
forma correta de perceber, pensar e sentir em relao a esses problemas .
Schein elaborou um conceito de cultura concebendo-a com um modelo din-
mico em que aprendida, transmitida e mudada. O autor acredita que o conceito
complexo o suficiente para ser empregado na compreenso de fenmenos de gru-
pos pequenos, como uma equipe de trabalho, ou grandes, como uma nao ou uma
sociedade.
H trs diferentes nveis atravs dos quais a cultura de uma organizao pode
ser apreendida, como se pode ver na Figura 2.
j
~
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288 I Aspessoas na organizao
~ Artefatos visveis:
layout
da organizao, comportamento e vesturio das pes-
soas, rituais, mitos organizacionais, assim como crenas expressas-em docu-
mentos - fceis de ser percebidos, mas difceis de ser interpretados.
~ Valores compartilhados: Schein aponta o problema da diferena existente entre
os valores aparentes e os valores em uso.
difcil identificar esses valores pela
observao direta. preciso entrevistar os membros-chave ou realizar a anlise
de contedo de documentos formais da organizao. Esses valores, entretanto,
expressam o que as pessoas reportam ser a razo de seu comportamento, o que
na maioria das vezes so idealizaes ou racionalizaes. As razes subjacentes
ao seu comportamento permanecem escondidas ou inconscientes.
~ Pressupostos bsicos: normalmente inconscientes, determinam como os
membros do grupo percebem, pensam e sentem.
medida que certos valores
compartilhados pelo grupo conduzem a determinados comportamentos e esses
comportanientos se mostram adequados para solucionar problemas, o valor
gradualmente transformado em um pressuposto inconsciente de como as coi-
sas realmente so.
Esse modelo no consiste apenas em uma forma de as informaes sobre a cul-
tura organizacional serem apresentadas. Os nveis interagem, ou seja, os nveis infe-
riores so fundamentais para a compreenso dos artefatos visveis. Schein afirmou
que os empregados de uma empresa formal e burocratizada podem compartilhar
valores e pressupostos bsicos semelhantes aos de uma empresa do tipo casual e
horizontalizada. Por isso os estudos de cultura organizacional no podem se res-
tringir observao dos artefatos visveis, mas precisam interagir com os membros
de uma organizao para o entendimento de seu significado. Mesmo as explicaes
dos membros da organizao no so suficientes, pois existem pressupostos consi-
derados to bvios que eles nem sequertornam conscincia deles. Tais pressupos-
tos influenciam todo o processo de nterao dos membros da empresa sem que
eles se apercebam disso na maior parte do tempo.
Schein atribui importncia fundamental ao papel dos fundadores da organiza-
o no processo de moldar seus padres culturais: os primeiros lderes, ao desen-
volver formas prprias de equacionar os problemas da organizao, acabaram por
imprimir sua viso de mundo nos demais e tambm sua viso do papel que a orga-
nizao deve desempenhar no mundo.
Esses pressupostos bsicos no esto organizados aleatoriamente, padronizam-
se em parad igmas cu lt ura is , com alguma ordem e consistncia para orientar a ao
do ser humano. No entanto, possvel coexistirem pressupostos incompatveis e
inconsistentes em uma organizao.
A compreenso da cultura de uma organizao implica a discusso de seus
pressupostos bsicos. Schein, utilizando como referncia os trabalhos de
Kluckhohn (1965), prope um conjunto de categorias para o estudo da cultura,
como se v a seguir:
~ relao da organizao com seu ambiente;
~ natureza da realidade e da verdade;
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Uma discusso sobre cultura organizacional I 289
natureza da natureza humana;
natureza da atividade humana;
natureza dos relacionamentos humanos.
Em termos metodolgicos, Schein prope outras categorias para o processo de
investigao do universo cultural de uma organizao:
nalisar o teor e o processo de socializao dos novos membros;
analisar as respostas a incidentes crticos da histria da organizao;
analisar crenas, valores e convices dos criadores ou portadores da cultura;
explorar e analisar com pessoas da organizao as observaes surpreendentes
descobertas durante as entrevistas.
A idia de pressupostos bsicos havia sido utilizada anteriormente por Bion
(1975) para analisar a dinmica dos grupos. Schein fez uma leitura particular da
obra desse psiquiatra ingls, adaptando os conceitos de Bion a seu modelo terico.
Bion afirmou que os grupos possuem duas faces. A primeira a que ele deno-
minou de g ru po d e tr ab alh o ou g rupo r e fi nado , no qual os membros agem visando
realizao dos objetivos propostos, empregando capacidades individuais e adotan-
do a cooperao como base do relacionamento de grupo. Entretanto, nem sempre
os membros do grupo agem dessa forma. Em determinadas circunstncias, eles
parecem mobilizados por foras ou impulsos cujo conjunto foi denominado de
ment alid a de d e g ru po ou men ta li d ade de p re s supos to s b si co s . Sob o influxo dessas for-
as ou padres de comportamento
pa tt ems o fb ehav io r ,
os indivduos, sem se dar
conta dos motivos de suas aes, podem agir de trs formas distintas: pela depen-
dncia, pela luta-fuga e pelo acasalamento.
Tal mentalidade de grupo dificulta a satisfao das necessidades do indivduo.
Os membros do grupo, em reao a esse desconforto, desenvolvem uma c ultu ra d e
grupo, ou seja, relacionam-se segundo certos padres, escolhem lderes com deter-
minadas caractersticas e valorizam certas reaes que preservam o pressuposto
bsico vigente.
A cultura de grupo uma funo do conflito existente entre os desejos do
indivduo e a mentalidade de grupo. Seguir-se- disso que a cultura de grupo apre-
sentar sempre sinais das suposies bsicas subjacentes (Bion, 1975).
Schein abandonou a idia de padres de comportamento subjacentes e
ampliou o papel dos valores, assim como a noo de pressupostos bsicos de Bion,
adotando a proposta de Kluckhohn. Assim, os membros do grupo podem agir
segundo princpios que consideram to bvios e certos (certezas profundas) que
dificilmente se questionam ou percebem estar agindo dentro de determinado para-
dgma, que inclui uma viso de homem, de natureza etc.
Schein adota a postura clnica para o estudo dos fenmenos culturais, em que a
demanda parte da prpria organizao. Isso conduz a uma relao diversa entre pesqui-
10 termo padro de comportamento possui um significado especfico em psicologia. Foi desenvolvido originalmente
por bilogos para referir-se a estruturas congnitas, disposies inatas que influenciariam a vida mental das pessoas.
urna alternativa do termo instinto, muito empregado no sculo XIX, que permitiu aos autores do sculo XX evitar a
associao com idias que eles no aceitavam mais .
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29 I As pessoas na organizao
sador e pesquisado, relao medida por um contrato social que leva a organizao a se
abrir e a pr disposio do pesquisador dados e informaes de diversas naturezas,
dificilmente acessveis a qualquer outra pessoa. Nas palavras de Schein: Eu creio que a
perspectiva clnica prov um contraposto til para a perspectiva puramente etnogrfi-
ca, pois oferece melhores possibilidades de apreender coisas sobre a organizao.
Apesar das fortes raizes antropolgicas e psicolgicas, essa linha de estudos
assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicao e de
expresso de uma viso consensual da prpria organizao. A dimenso do
poder. intrnseca aos sistemas simblicos, e seu papel de legitimao da ordem
vigente e ocultamente das contradies, das relaes de dominao, esto ausen-
tes desses estudos.
Nesse ponto, o trabalho desenvolvido por Max Pages e seus colaboradores
representou um marco nas pesquisas sobre a temtica do poder e suas articulaes
na vida de uma organizao ..
Segundo os autores, na empresa pesquisada os empregados partilham forte-
mente a ideologia
medida que participam de sua elaborao, num processo de
autopersuaso que lhes permite contribuir para a prpria subjugao. Isso signifi-
ca que a ideologia no reside apenas no discurso dos dirigentes, mas elaborada
pelo conjunto de empregados. Os autores ressaltam que a contribuio do indiv-
duo produo depende muito de sua integrao ideolgica. A funo especial da
ideologia no apenas mascarar as relaes sociais de produo, mas reforar a
dominao e conseguir a explorao dos trabalhadores.
A importncia do trabalho de Pages no se esgota apenas na anlise da produ-
o e das mediaes ideolgicas das organizaes; avana para outras instncias da
vida organzaconal (econmica, poltica e psicolgica), tecendo um quadro fasci-
nante, complexo e de certo modo amedrontador das relaes de poder entre o indi-
vduo e a organizao.
O debate com as vrias linhas tericas que trabalham com a questo da cultu-
ra organizacional apontou a necessidade de elaborao de uma proposta conceitual
que, partindo da concepo deSchein, incorporasse a dimenso poltica inerente a
tal fenmeno. Na proposta elaborada por Fleury (1989),
a c ul tu ra o rgan iz ac io nal
concebida como um con jun to de valores e pressupostos b s ic os , e xp re ss o em e lem en to s
sim blicos, que, em su a ca pa cid ade de ord enar, atribuir sign if ica es, c on st ru ir a id en ti -
dade organizaciona l, tanto agem como elem ento de com unicao e c on s en so c omo ocul-
ta m e instr umenta li zam as re la es d e d om in ao.
Analisar, pesquisar e at mesmo procurar gerenciar a cultura das organizaes
incorporando essa dimenso poltica das relaes de poder tem sido o desafio de
pesquisadores e profissionais ..
4 Temas atuais no debate sobre cul tura organizacional
41 DIFERENCIAOENTRE CLIMA E CULTURA ORGANIZACIONAL
Muitos profissionais e at mesmo pesquisadores assumem o conceito de cultura
como sinnimo de clima organizacional.
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Uma d is cu ss o sobre cultura organizacional 29
Tanto
o processo de diagnstico como as intervenes sobre a cultura de uma organizao
atestam as dificuldades de trabalhar com um fenmeno mais complexo e profundo.
4 2 DIAGNSTICO DE CULTURA ORGANIZACIONAL
Figura 3
O processo de
desvendar a
cultura de uma
organizao
que ilustra como realizar o diagnstico de cultura em uma organizao
. Os
A ttulo de informao: o uso de diferentes metodologias para o estudo da cul-
tura organzaconal desenvolvido por Fleury, Shinyashiki e Stevenatto (1997) pro-
move uma discusso aprofundada sobre o uso de metodologias qualitativas
versus
metodologias quantitativas, a abordagem terica que d sustentao a cada um dos
enfoques e o uso de diferentes tcnicas de investigao.
. :
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292 I As pessoas na organizao
4.3 GESTO INTERCULTURAL E DIVERSIDADE CULTURAL
Em tempos de globalizao, em que as empresas se internacionalizam procura de
novos mercados, em que elas se fundem ou realizam alianas em busca de sinergias
ou diversificam seu quadro de empregados, o tema gesto intercultural assume
grande relevncia.
Como trabalhar tais questes? Embora os estudos de Hofstede (1990) dem
algumas pistas de como tratar as diferenas entre as culturas nacionais e sua
influncia sobre a cultura organizacional, eles tm limitaes. Combinar a aborda-
gem antropolgica com uma abordagem mais pragmtica dos estudos de cultura
organizacional constitui um grande desafio.
Uma das dimenses a ser incorporadas a essas discusses a das relaes de
poder. Em um processo de fuso, por exemplo, a relao de dominao se faz pre-
sente, e a empresa mais fone impe seus valores, suas polticas e prticas, em uma
estratgia semelhante do exrcito vencedor que subjuga o inimigo derrotado. As
conseqncias so previsveis:
subculturs
guerrilheiras que surgem e minam, mui-
tas vezes, o sucesso de qualquer processo de fuso.
Schein (2001) analisou o processo de aquisies, fuses e constituio dejoint
ventures verificando que as questes culturais se tornam mais barulhentas e vis-
veis. Esses casos assemelham-se aos experimentos de figura e fundo que os psic-
logos estudaram no incio do sculo, nos quais uma imagem se modifica diante dos
olhos do observador aps uma simples mudana de perspectiva e ponto de vista.
As fuses de empresas justapem grupos que possivelmente operavam com
valores e pressupostos bsicos diferentes. Ao formar um novo grupo, valores que
nunca eram questionados evidenciam-se, podendo, segundo Schein (2001), pro-
mover diferentes desfechos na nova cultura formada: a coexistncia de culturas
separadas, o domnio de uma cultura pela outra e a mistura ou integrao das cul-
turas (a criao de um novo conjunto de valores sobrepostos, que vendido s
vrias unidades culturais ) .
. Outro tema que tambm vem recebendo as atenes dos pesquisadores o da
diversidade cultural, introduzido no Brasil por empresasmultinacionais america-
nas, que testam programas de gesto da diversidade cultural nas matrizes (ligadas
affirmativ e action , ou ao afirmativa, dos Estados Unidos).
O tema soou postio para as empresas nacionais. Os brasileiros, em geral,
valorizam sua origem diversificada, iriclusive suas razes africanas, presentes na
msica, na alimentao, no sincretismo religioso. Gostam de se imaginar uma
sociedade sem preconceitos de raa nem de cor. Mas, por outro lado, o Brasil
constitui uma sociedade estratificada, em que o acesso s oportunidades educa-
cionais e s posies de prestgio no mundo do trabalho definido pelas origens
econmicas e raciais.
Em uma pesquisa realizada em empresas brasileiras (Fleury e Fleury, 2001),
observou-se uma introduo tmida de programas de diversidade, alguns ntegra-
dos questo do gnero (entrada de mulheres e posio na carreira), outros incor-
porando a questo racial.
A compreenso desse tema nas organizaes necessita ser ampliada e abranger
outras dimenses alm de gnero
e
raa. Implica considerar a diversidade de for-
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Uma discusso sobre cultura organizacional
I 293
maes, de regies de origem, de formas de pensar. Implica agregar novas compe-
tncias organizao, que tanto contribuem para o crescimento das pessoas que
nela trabalham.
5 Co n cei to s b s ic o s
> Cultura: na antropologia, foi definida por Tylor como um complexo total de
conhecimentos, crenas, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras apti-
des e hbitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade .
> Cultura nacional ou regional: crenas e valores, expressos ou no em elemen-
tos simblicos, adquiridos por uma pessoa socializada em determinada nao
ou regio.
>- Nvel de artefatos visveis: nvel mais superficial de apreenso de uma cultu-
ra, refere-se a componamentos, rituais, mitos, crenas e documentos, entre
outros.
>- Nvel dos valores: nvel intermedirio de apreenso de uma cultura, consiste
nas convices bsicas que justificam determinados modos de conduta, parti-
lhados pelos membros de determinada cultura. Geralmente associado a conte-
do emocional, possui implicaes sobre a identidade das pessoas como mem-
bros da organizao. Essas convices podem ou no ser claramente expressas
pelos indivduos.
>- Nvel dos pressupostos bsicos ou suposies bsicas: nvel mais profundo
de apreenso de uma cultura, consiste nas certezas que fundamentam e per-
meiam os demais elementos da cultura organizacional. So geralmente tcitos e
referem-se a idias amplas como o relacionamento do homem com a natureza,
a realidade, a verdade, a natureza humana, os relacionamentos humanos, o
tempo e o espao. So de difcil apreenso.
>- Subcultura organizacional: conjunto de valores e pressupostos bsicos ineren-
tes a um grupo ou a uma parte da organizao. Pode ter contornos prprios s
atividades realizadas e diferenas em relao cultura organizacional,mas ali-
nhada a ela, ou constituir uma fonte de conflito com a cultura dominante (nesse
caso, alguns autores a denominam de contracultura).
> Diversidade cultural: preocupao contempornea das empresas, traduzida
em polticas de pessoal e organizao do trabalho que visam manter em seu
contexto pessoas diferentes com relao a gnero, raa, necessidades especiais,
regies de origem e formas de pensar.
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294 A s pessoas na organizao
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UTOR S
M R I T E RE Z l EM E F LE UR Y
Vice-dretora e professora titular da Paculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da
Universidade de So Paulo (FEA-USP), atua-na rea de recursos humanos. Mestre e doutora em Sociologia
pela Faculdade de Filosofia, Letrase Cincias Humanas da USP e ps-graduada pela Universidade Stanford
(EUA). Editora da
Rev ista de Adm inistrao da USP RAUSP
e coordenadora do Programa de Ps-
Graduao da FEA, tendo orientado diversos trabalhos de dissertaes de mestrado e teses de doutorado.
Diretora cientfica da Associao Nacional de Programas de Ps-Graduao em Administrao (Anpad) e
responsvel por cursos de ps-graduao sobre cultura e poder nas organizaes e modules sobre proces-
sos de mudanas e cultura organizacional nos cursos de MBAda US-P.Desenvolve atividades de pesquisa,
diagnstico de clima e cultura organizacional para empresas estatais e privadas, nacionais e multinacio-
nais, como FMC, Aracruz Celulose e Dow Qumica, entre outras. autora de diversos livros.
J ER DO S R EIS S MP IO
Professor da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Graduou-se em Psicologia, especializando-se em psicologia do trabalho e desenvolvimento organzacional.
Mestre em Administrao pela Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade Federal de Minas
Gerais e doutorando em Adtninistrao na Universidade de So Paulo. Foi professor-colaborador nos prin-
cipais programas de especializao em administrao de BeloHorizonte. Consultor de organizaes pbli-
cas e privadas, realizou trabalhos de estruturao da rea de recursos humanos, anlise de
t umover,
pla-
nejamento estratgico, implantao de rea de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, coor-
denao de processos de seleo de pessoal, entre outros. Autor e organizador de dois livros.
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7/26/2019 Fleury Sampaio Uma Discusso Sobre a Cultura Organizacional
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Ed ito rao E let rnica M a c q ue te G r f ic a
I mpr es s o e A c abamento
Pau us Grf ica
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (ClP)
(Cmara Brasi lei ra do livro, SP, Brasil)
As pessoas na organizao. So Paulo: Editora Gente, 2002.
Vrios autores.
Bibliografia.
1. Administrao de empresas. 2. Administrao de pessoas. 3. Organizao.
ISBN85-7312-366-4
02-0912
CDD-658.3
ndices para ca tlogo sistemtico:
1. Gesto de pessoas: Administrao de empresas 658.3
2. Pessoas: Gesto: Administrao de empresas 658.3
Todos os dire ito s d esta
e di o s o r es er va d os Ed ito ra G en te.
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