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Outubro de 2012 Flávia Daniela Vaz Teixeira Penhor de direitos em garantia de créditos bancários Universidade do Minho Escola de Direito Flávia Daniela Vaz Teixeira Penhor de direitos em garantia de créditos bancários UMinho|2012

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Outubro de 2012

Flávia Daniela Vaz Teixeira

Penhor de direitos em garantia de créditos bancários

Universidade do Minho

Escola de Direito

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Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Isabel Menéres Campos

Outubro de 2012

Flávia Daniela Vaz Teixeira

Universidade do Minho

Escola de Direito

Dissertação de Mestrado Mestrado em Direito, Área de Especialização em Direito dos Contratose da Empresa

Penhor de direitos em garantia de créditos bancários

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ii

DECLARAÇÃO

Nome: Flávia Daniela Vaz Teixeira

Endereço eletrónico: [email protected] Telefone: 91 64 68 652

Número do Bilhete de Identidade: 13399155

Título dissertação/tese: “Penhor de direitos em garantia de créditos bancários”

Orientadora: Exma. Senhora Professora Doutora Isabel Menéres Campos

Ano de conclusão: 2012

Designação do Mestrado: Direito dos Contratos e da Empresa.

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO

APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO

ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho,_____/_____/________.

Assinatura:_________________________________________.

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Ao meu filho Tomás

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PENHOR DE DIREITOS EM GARANTIA DE CRÉDITOS BANCÁRIOS

(Resumo)

O presente estudo tem por objeto o penhor de direitos, em particular o penhor de

direitos como direito real de garantia. Esta figura encontra o seu regime padrão no CC,

embora existam normas dispersas por outros diplomas a ter em consideração, tais como

o CSC, O CCom, o CIRE, o DL n.º 105/2004 de 8 de Maio, o DL n.º 29 833 de 17 de

Agosto de 1939 e o DL n.º 32 032 de 22 de Maio de 1942.

Esta garantia real insere-se nas garantias especiais das obrigações o que

representa uma vantagem para o credor garantido, na medida em que vê o seu crédito

ser satisfeito preferencialmente perante os restantes credores comuns.

Sendo o penhor de direitos uma garantia das obrigações pressupõe a existência

de um crédito, é neste contexto que nos deparamos com a figura do penhor como

garantia de créditos bancários. Assim, aquando da constituição de um crédito bancário o

devedor terá de apresentar à Instituição Bancária uma garantia especial, nomeadamente

o penhor de direitos, para garantir o cumprimento da dívida.

Perante a existência de um crédito bancário garantido por um penhor de direitos

o credor, em caso de incumprimento do devedor, será satisfeito preferencialmente

perante os restantes credores comuns do património do devedor e esta situação mantém-

se mesmo em caso de insolvência do devedor. Assim, perante a declaração de

insolvência do devedor o penhor mantém-se, e devido à sua natureza de garantia real

das obrigações o credor mantém o seu direito de ver o seu crédito a ser satisfeito com

preferência perante os restantes credores comuns.

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PLEDGE OF RIGHTS GUARANTEED CREDIT BANK (Summary)

This study´s purpose is the pledge of rights, particularly the rights of pledge and

security interest. This figure is your standard regimen in CC, although there are various

rules for other pieces to consider, such as CSC, the CCom, the CIRE, the DL n.º

105/2004 of 8 May, the DL n.º 29 833 of 17 August 1939 and DL n.º 32 032, May 22,

1942.

This collateral is part of the special guarantees of obligations which is a benefit

to the secured creditor, in that it sees your credit preferably be satisfied before other

unsecured creditors.

Being the pledge of a security obligations presupposes the existence of a claim it

is here that we encounter the figure of the pledge as collateral for bank loans. Thus,

upon incorporation of a bank loan borrower must submit to a special guarantee Banking

Institution, including the pledge of rights, to enforce the debt.

Given the existence of a bank loan secured by a pledge of the lender in case of

default by the debtor shall be filled preferably before other unsecured creditors of the

debtor´s assets and this situation is maintained even in the event of insolvency of the

debtor. Thus, before the declaration of insolvency of the debtor his pledge remains and

due to its nature as collateral obligations of the lender retains the right to see your credit

to be satisfied with a preference against other unsecured creditors.

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vi

ÍNDICE GERAL

DEDICATÓRIA ………………………………………………………………………iii

PENHOR DE DIREITOS EM GARANTIA DE CRÉDITOS BANCÁRIOS

(Resumo) ……………………………………………………………………………….iv

PLEDGE OF RIGHTS GUARANTEED CREDIT BANK (Summary) ……………v

ÍNDICE GERAL ……………………………………………………………………...vi

ABREVIATURAS ……………………………………………………………………..x

INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………..1

CAPÍTULO I

O Penhor de Direitos

SECÇÃO I

Características Gerais

1. Natureza Jurídica do Penhor ……………………………………………….....3

2. Características do Penhor ……………………………………………………..4

SECÇÃO II

1. Noção e Objeto …………………………………………………………………6

2. Legitimidade para empenhar …………………………………………………9

3. Constituição ………………………………………………………………….....9

4. Regime ………………………………………………………………………...12

5. Relações entre o obrigado e o credor pignoratício …………………………15

5.1 Deveres do credor pignoratício ………………………………………….15

5.2 Direitos do credor pignoratício ………………………………………….17

5.3 Deveres do titular do direito empenhado ……………………………….18

6. Proibição do pacto comissório ……………………………………………….18

7. Transmissão…………………………………………………………………...22

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vii

8. Extinção ……………………………………………………………………….23

9. Compensação …………………………………………………………………24

SECÇÃO III

EXECUÇÃO DO PENHOR

1. Considerações Gerais ………………………………………………………...27

1.1 Venda judicial e extrajudicial ……………………………………………28

1.2 Adjudicação ……………………………………………………………….31

CAPÍTULO II

O DIREITO BANCÁRIO: OS CRÉDITOS BANCÁRIOS

SECÇÃO I

CARACTERISTICAS GERAIS

1. Natureza e Princípios do Direito Bancário ………………………………….32

2. Sujeitos e Objeto ……………………………………………………………...33

SECÇÃO II

CRÉDITOS BANCÁRIOS

1. Preliminares …………………………………………………………………..34

1.1 Mútuo Bancário …………………………………………………………..36

1.1.1 Mútuo Civil ……………………………………………………….36

1.1.2 Empréstimo Mercantil …………………………………………...37

1.1.3 Mútuo Bancário …………………………………………………..38

1.2 Juros ……………………………………………………………………….39

SECÇÃO III

CONTRATOS ESPECIAIS DE CRÉDITO

1. Preliminares …………………………………………………………………..41

1.1 Abertura de Crédito ……………………………………………………...41

1.2 Descoberto em Conta ……………………………………………………..43

1.3 Antecipação Bancária …………………………………………………….43

1.4 Descoberto Bancário ……………………………………………………...44

1.5 Crédito Documentário ……………………………………………………44

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viii

1.6 Crédito ao Consumo ……………………………………………………...45

SECÇÃO IV

GARANTIAS BANCÁRIAS

1. Preliminares …………………………………………………………………..46

1.1 Penhor Bancário ………………………………………………………….46

1.2 Penhor de aplicações financeiras ………………………………………...48

2. Penhores bancários especiais ………………………………………………...51

3. Penhor bancário versus garantia bancária autónoma ……………………..53

4. Compensação …………………………………………………………………53

CAPÍTULO III

PARTICULARIDADES DA INSOLVÊNCIA

SECÇÃO I

CARACTERISTICAS GERAIS

1. Razão de Ordem ……………………………………………………………...55

2. Efeitos da Declaração de Insolvência ………………………………………..55

2.1 Quanto aos negócios em curso …………………………………………...56

2.2 Quanto aos créditos sobre a insolvência ………………………………...56

SECÇÃO II

EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA PERANTE A

EXISTÊNCIA DE PENHOR

1. Preliminares ………………………………………………………………58

1.1 Quanto aos negócios em curso garantidos por penhor …………….58

1.2 Quanto aos créditos sobre a insolvência, nomeadamente créditos

garantidos por penhor ……..…………………………………………59

SECÇÃO III

Particularidades do Penhor quanto à resolução do contrato em benefício da

massa insolvente ………………………………………………………………………60

SECÇÃO IV

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ix

Execução do Penhor depois da declaração de insolvência …………………………62

SECÇÃO V

Compensação de créditos garantidos por penhor depois da declaração de

insolvência …………………………………………………………………………….65

SECÇÃO VI

QUESTÃO PERTINENTE

1. Graduação de créditos em caso de insolvência: privilégio mobiliário geral

da Segurança Social versus Penhor (garantia real)…………………………66

CONCLUSÃO …………………………………………………………………….73

BIBLIOGRAFIA …………………………………………………………………75

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x

ABREVIATURAS

Ac. – Acórdão

Al. – Alínea

Art.º - Artigo

CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas

CC – Código Civil

CCom – Código Comercial

CPC – Código de Processo Civil

CSC – Código das Sociedades Comerciais

DL – Decreto-Lei

Proc. – Processo

Ss - Seguintes

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

TRC – Tribunal da Relação de Coimbra

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1

INTRODUÇÃO

Na presente dissertação, cujo tema é o Penhor de Direitos em Garantia de

Créditos Bancário, pretendemos em primeiro lugar fazer uma abordagem ao penhor,

nomeadamente às particularidades do penhor de direitos, enquanto direito real de

garantia. O penhor enquanto forma de garantia das obrigações pressupõe a existência de

um crédito, que tem que ser válido e existente, sob pena de nulidade. A existência do

penhor depende de uma relação creditícia, na medida em que as garantias reais visam

assegurar e prevenir as consequências do incumprimento de uma obrigação.

Começamos então por abordar as particularidades da constituição do contrato de

penhor de direitos e o seu regime para posteriormente podermos desenvolver o tema dos

créditos bancário.

A temática em causa para além de ser um tema muito atual tem uma elevada

importância prática, uma vez que a economia de hoje, como sabemos, assenta, cada vez

mais, no crédito bancário como motor do desenvolvimento. E sem garantias adequadas,

não há, geralmente, concessão de crédito, ou este é demasiado oneroso.

Assim, no desenvolvimento do estudo dos créditos bancários destacamos a

necessidade de apresentar uma garantia para poder constituir o crédito bancário. As

Instituições Bancárias para poderem conceder créditos, quer aos particulares, quer às

empresas, têm como exigência a prestação de uma garantia e ao longo do nosso trabalho

pretendemos desenvolver uma das garantias possíveis e admissíveis pelas Instituições

Bancárias, que é o penhor de direitos em particular.

Por fim ainda problematizaremos toda esta situação aquando de um possível

processo de insolvência, quer por parte do empenhador da garantia, quer por parte do

beneficiário da garantia. Nesta perspetiva, a dissertação que nos propomos realizar

procurará fundamentalmente caracterizar o regime jurídico do Penhor de Direitos em

Garantia de Créditos Bancários, mas também confrontá-lo com o regime numa

situação de insolvência, nomeadamente quais os seus efeitos quando existe um penhor

de direitos em garantia do crédito bancário.

Em conclusão o que pretendemos ao longo do nosso trabalho é desenvolver o

tema do penhor de direitos, nomeadamente quando prestado como garantia de um

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crédito bancário. Quais as vantagens e desvantagens da constituição do penhor para

garantir um crédito bancário para ambas as partes, empenhador e beneficiário da

garantia. E aquando de um possível processo de insolvência, perante a existência de um

contrato de penhor a garantir um crédito bancário, destaca-se a vantagem da prevalência

no pagamento dos credores garantidos.

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CAPÍTULO I

O Penhor De Direitos

Secção I

Características Gerais

1. Natureza Jurídica do Penhor

O penhor é uma garantia real e podemos encontrar as regras padrão desta figura

previstas no Código Civil, apesar de a sua regulamentação estar dispersa por vários

diplomas extravagantes1 que o regulam em termos especiais. Esta garantia real insere-se

nas garantias especiais das obrigações, o que representa uma vantagem acrescida para o

credor garantido, em relação à garantia comum, que é conferida pelo património do

devedor. Com a constituição de uma garantia especial, nomeadamente uma garantia

real, o credor vê o seu crédito a ser pago preferencialmente em relação a outros credores

comuns, precisamente, por a garantia real afetar determinados bens do património do

devedor àquela dívida. Deparamo-nos assim com um desvio ao princípio da igualdade

dos credores, que dita que todos os credores estão em pé de igualdade, desvio este

causado pelas disposições próprias das garantias reais que atribuem preferência aos

credores garantidos, sobre os credores comuns, na satisfação dos seus créditos. As

garantias reais podem ainda ser constituídas quer pelo devedor, sujeito passivo da

obrigação garantida, ou por terceiro. Deve também referir-se que o penhor enquanto

garantia real de origem negocial tem sempre a sua origem num negócio jurídico, ao

contrário, por exemplo da hipoteca que tem origem legal, ou seja pode ter origem em

negócios jurídicos ou na lei. A obtenção de uma garantia real traz assim vantagens para

o credor, nomeadamente assegurar que o crédito será pago mesmo em caso de

insolvência do devedor, o que diminui o risco de financiamento, que também é uma

vantagem para o devedor, na medida em que consegue mais facilmente adquirir um

crédito. Outra vantagem será o facto de o credor poder concentrar-se apenas no bem

afeto, objeto daquela garantia e não mais se preocupar com o restante património do

1 Para o estudo do penhor temos de ter em conta as nomas do Código de Valores Mobiliários, o Código das Sociedades

Comerciais, o Código Comercial, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o DL n.º 105/2004, de 8 de Maio, o DL

n.º 29 833, de 17 de Agosto de 1939 e o DL n.º 32 032, de 22 de Maio de 1942.

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devedor. Desta forma verificamos que as garantias reais constituem, quer uma mais-

valia para o devedor, pois este consegue mais facilmente a concessão de um crédito,

quer uma mais-valia para o credor, uma vez que este vê o seu financiamento garantido,

o que lhe trará maior segurança em relação aos restantes credores e menor probabilidade

do seu crédito não ser pago.

Como depreendemos do que já foi dito, o penhor sendo uma garantia real

confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, com preferência sobre os demais

credores, pelo valor do bem ou direito afeto àquela garantia. Esta conclusão pode ser

facilmente retirada da noção de penhor plasmada no Código Civil no seu art.º 666º, nº.1,

onde se pode ler: “O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito,

bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo

valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis

de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro”. Assim, o credor pode sempre fazer

valer o seu direito de preferência na satisfação do seu crédito perante todos os demais

credores. O direito de garantia do credor não incide sobre a totalidade do património do

devedor, mas sim, sobre um bem ou direito, determinado, afeto àquela garantia.

2. Características do Penhor2

O penhor como direito de garantia que é, tem como característica a

acessoriedade, pois este está ligado ao crédito que visa garantir, numa situação de

dependência quanto a este. O penhor é acessório ao crédito que garante, sem a

existência e validade do crédito não faria sentido a existência de uma garantia,

nomeadamente o penhor. Assim, o crédito deve ser válido e existente, sob pena de

nulidade. A garantia visa assegurar o cumprimento da obrigação, pelo que não faria

sentido existir penhor, sem crédito. Coloca-se aqui a problemática da possibilidade de

penhor sobre créditos futuros ou condicionais, que adiante desenvolveremos, mas que o

legislador quis consagrar no art.º 666º, n.º 3 do CC.

Uma outra característica do penhor é a indivisibilidade, que decorre do princípio

da acessoriedade. O penhor é indivisível, na medida em que tem de subsistir na

totalidade do bem até integral pagamento do crédito, pois não basta que se pague

parcialmente o crédito para que este seja reduzido. Mesmo que se pague parte da dívida

o penhor mantém-se na totalidade até pagamento integral da dívida. Esta característica

2 O presente ponto tem por base HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, págs. 53 e seguintes.

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não é essencial pelo que pode ser perfeitamente afastada pelas partes, através de uma

cláusula aquando da constituição do penhor. As partes podem estipular, mediante

acordo, que deve ser feita a restituição de parte dos bens dados em penhor aquando do

pagamento parcial da dívida. A indivisibilidade da garantia é mais uma forma de

garantir que o credor receberá o seu crédito, uma vez que no caso de incumprimento da

obrigação, incumprimento este total ou parcial, o credor pode promover a execução do

bem na sua totalidade, sendo assim maior a probabilidade de ver satisfeito o seu crédito,

mas sempre pagando-se apenas pelo valor do seu crédito e respetivos juros e nunca por

valor superior, sob pena de enriquecimento sem causa.

Mais uma característica do penhor que deve ser realçada é a especialidade, que

consiste em dar de garantia bens individualizados, uma vez que o legislador não permite

o penhor genérico, que consistiria na totalidade do património do devedor. O que aqui

se pretende é proibir que a garantia incida sobre a totalidade dos bens ou direitos do

devedor, e permitir apenas que seja dada como garantia um bem em específico. Daí que

se ressalve a possibilidade do penhor apenas sobre bens ou direitos especificados.

Acrescente-se que, a garantia deve ser sobre um bem ou direito especificado, mas

também o crédito deve ser determinado, a garantia não é para qualquer crédito mas sim

para aquele crédito em concreto, indicando-se ainda a quantia que se assegura com

aquela garantia. Assim, não só o bem ou direito tem que ser especialmente indicado mas

também o crédito tem que ser determinado e indicada a quantia global desse crédito,

pois visa-se estabelecer o montante máximo sobre o qual o bem ou direito dado em

garantia responde. Ademais, coloca-se aqui a questão sobre a admissibilidade do penhor

rotativo3, pelo que, se tradicionalmente se negava a possibilidade de os bens dados em

3 Estaremos perante um penhor rotativo, quando por acordo das partes, se estipule que o objeto da garantia pode ser

substituído, sem que para tal o penhor cesse, ou seja não há a constituição de um novo penhor, há sim e apenas uma alteração do

objeto que terá de ter um valor similar ao objeto substituído, mantendo-se sempre a data inicial da sua constituição. A garantia

mantém-se a mesma o que altera é apenas o objeto. Esta figura traz vantagens quer para o devedor, que pode desta forma alterar o

objeto da garantia, o que lhe permite fazer uso dos seus bens e rentabilizar a sua atividade, quer para o credor que não vê abalada a

sua garantia, porque esta apesar de substituída não pode ser por um bem de valor inferior e também porque vê o seu crédito mais

facilmente satisfeito, uma vez que o devedor não se encontra privado dos bens objetos do seu negócio. Contudo, há determinados

requisitos que têm que ser respeitados para que se possa verificar o penhor rotativo. As partes devem desde logo, aquando da

constituição do penhor, convencionar o carácter rotativo do penhor, os bens que irão ser alvo da garantia e o momento da

substituição. Só desta forma, se permite o penhor rotativo pois é imperativo que a qualquer momento se possa saber claramente e de

forma determinada qual é o bem objeto da garantia. O penhor a todo o momento terá de ser certo, determinado e presente. Quanto a

esta modalidade de penhor ver: L. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das garantias, pp. 292 ss.

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penhor serem substituídos, atualmente e cada vez mais se admite por acordo das partes

na substituição dos bens empenhados. Diga-se que o mais importante não será tanto a

identidade do bem que se dá em garantia, mas sim o valor deste, pelo que no caso de as

partes acordarem na rotatividade do bem ou direito dado em garantia é imperativo que o

valor do bem substitutivo seja idêntico ao do bem substituído.

Com a admissibilidade do penhor rotativo não se está a pôr em causa a

característica da especialidade, uma vez que aquando da constituição do penhor as

partes devem desde logo convencionar a rotatividade do penhor, mas também indicar

quais os bens que serão objeto do penhor e em que momentos serão substituídos, para

que a qualquer momento se possa saber qual é o objeto da garantia daquele crédito,

porquanto se salvaguarda a especialidade e determinabilidade do bem afeto à garantia.

O penhor de direitos vem regulado no artigo 679º e seguintes do CC, daí

depreendemos que o regime aplicável a esta figura nos remete para o regime do penhor

de coisas, com as necessárias adaptações, em tudo o que este não for regulado por

regime especial. A maior distinção do penhor de direitos em relação ao penhor de coisas

deve-se essencialmente ao objeto afeto à garantia, uma vez que já não estamos perante

um bem corpórea, mas sim um direito, daí também a denominação de penhor de

direitos.

Secção II

Penhor de Direitos

1. Noção e Objeto

Só podem ser objeto do penhor de direitos, coisas móveis que sejam suscetíveis

de transmissão, artigo 680º do CC, desde que preenchido também o requisito do artigo

666º, nº.1 do mesmo Código, isto é, englobam-se aqui créditos e outros direitos não

sujeitos a hipoteca4, pertencentes ao devedor ou a terceiro. Delineado o objeto do

penhor de direitos cumpre defini-lo, como sendo um direito real de garantia, de natureza

negocial, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos

4 HUGO RAMOS ALVES, Do penhor, p. 142, entende que nada obstará a que sejam dados em penhor créditos

hipotecários. O autor considera que este penhor tem de ser considerado admissível na medida em que o direito empenhado não é o

prédio hipotecado mas sim a prestação.

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juros5, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de créditos

ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes a devedor ou a terceiro.

Com efeito, o penhor de direitos assenta na ideia de que os bens, para serem objeto do

penhor, têm que ser suscetíveis de transmissão, ou seja o direito objeto da garantia tem

que poder ser cedido. O objeto do penhor tem de ter natureza de coisa móvel,

excluindo-se assim as coisas imóveis. Como já foi referido anteriormente, podem ser

objeto de penhor créditos e outros direitos, como pode ler-se no artigo 666º do CC, já

mencionado mas de forma não exaustiva podemos elencar alguns dos outros direitos

suscetíveis de penhor. Podemos assim ter, no campo do penhor de direitos, penhor de

ações (participações sociais), de valores mobiliários, de aplicações financeiras, de

depósitos a prazo, de alvará, entre outros.

No que diz respeito a obrigações futuras ou condicionais, a lei também as prevê

no nº. 3 do artigo 666º do CC, permitindo que estas sejam garantidas pelo penhor. No

entendimento de Vaz Serra, no caso de crédito condicional, extingue-se o penhor, caso

não se verifique a condição para a sua existência, o mesmo acontecendo para o crédito

futuro, uma vez que também aqui o penhor se extingue, no caso de o crédito não nascer.

No penhor de créditos futuros, engloba-se uma série de créditos futuros com ou

sem limitação temporal6. Com a permissão legal do penhor sobre créditos futuros

coloca-se a questão da determinabilidade do objeto abrangido pelo penhor, que deveria

ser desde logo determinado aquando da sua constituição.

Tendo em conta o princípio da acessoriedade, é difícil entender que um penhor

seja constituído validamente sem que nesse momento o crédito garantido ainda não

exista, dado que será difícil prever quais os créditos garantidos naquele penhor. Apesar

destas dificuldades, o certo é que o legislador previu a possibilidade do penhor de

créditos futuros e por isso é importante delimitar certos requisitos para que o penhor

possa ser validamente constituído e sempre respeitando o critério da determinabilidade.

5 No penhor, a garantia prestada cobre o crédito mas também os juros, sem qualquer limite temporal, ao contrário do que

se verifica na hipoteca em que apenas ficam cobertos três anos de juros, tal como se pode ler no artigo 693º, nº. 2 do Código Civil.

6 HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, p. 299, a propósito do penhor de créditos futuros, define-o como sendo “o

crédito ainda não nascido no momento da celebração do contrato de penhor, sendo que, em algumas hipóteses, ainda não terá,

sequer, sido celebrado o contrato que ditará o seu nascimento e, em outros casos, já estarão estabelecidas as regras gerais em que se

desenvolverá o contrato. De igual modo, também serão considerados créditos futuros os que nasçam sucessivamente de relações

obrigacionais pré-existentes, como acontece, tendencialmente, nos contratos duradouros”.

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8

Quanto ao critério da determinabilidade, o penhor de créditos futuros só será

determinável se no momento do seu nascimento se puder aferir com segurança quais os

créditos abrangidos pela garantia. É necessário conseguir calcular qual o montante da

garantia aquando da celebração do contrato de penhor. É então agora altura de colocar a

seguinte questão: qual o momento em que nasce efetivamente o penhor? Será no

momento da celebração do contrato de penhor, como seria o normal, ou será no

momento em que nasce o direito empenhado? Devido ao princípio da acessoriedade

teríamos aqui um sério problema, contudo a doutrina tem entendido que o momento

relevante não será tanto o momento da constituição do penhor, mas mais o momento da

execução deste. Podemos assim entender que estaríamos perante um contrato preliminar

de constituição de penhor que só se tornaria definitivo aquando do momento da

determinabilidade do objeto do penhor, ou seja do seu nascimento. Por outro lado

poderíamos entender que estaríamos perante um penhor com objeto determinável

genericamente, e desta forma o penhor só surgiria com o desapossamento efetivo do

penhor7.

Como já foi referido anteriormente, o critério da determinabilidade do objeto é

um requisito essencial para a constituição do penhor, não sendo diferente no caso de

constituição de penhor de créditos futuros. Na noção de penhor vertida no art.º 666º, nº.

1 do CC desde logo resulta que o direito empenhado tem de ser da pertença do

devedor ou de terceiro, o que efetivamente não se verifica no caso de penhor de

créditos, uma vez que neste momento o direito ainda não faz parte do património do

empenhador.

A figura do penhor de créditos futuros tem grande relevo na prática bancária.

Grande parte das vezes as cláusulas constantes do contrato de penhor a favor dos

Bancos são tão vagas de tal forma que deveriam ser consideradas nulas, a menos que

apenas se considerem válidas no momento em que se possam limitar a um máximo de

responsabilidade8, só neste momento é que o empenhador consegue aferir do limite da

7 Coloca-se aqui a questão da preferência entre credores, ora só gozará de preferência o credor que em primeiro lugar

constituir um penhor efetivo, ou seja o credor de crédito futuro só gozará de preferência quando os créditos já existirem, ca so

contrário não gozará de qualquer preferência.

8 A determinabilidade do objeto e o limite da responsabilidade do empenhador pode fixar-se através da estipulação de

uma quantia pecuniária determinada que funciona como o limite máximo da responsabilidade que a garantia cobre e também

mediante a determinação do crédito que está a ser garantido, pois não só a garantia tem que ser determinada mas também o crédito

que é garantido, adotamos assim o entendimento de HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, p. 304.

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9

sua responsabilidade e por conseguinte verificar as vantagens e desvantagens da

constituição daquele penhor.

Sem este requisito do limite da responsabilidade do empenhador, tais cláusulas

do contrato de penhor devem ser consideradas nulas devido ao critério da

determinabilidade e também ao princípio da acessoriedade, ainda que indiretamente9.

2. Legitimidade para empenhar

Podem ser empenhados direitos pertencentes ao devedor ou a terceiro, na

constituição da garantia, contudo só tem legitimidade para dar bens em penhor quem os

puder alienar. Ora não faria sentido que a lei permitisse que se empenha-se um bem

alheio. Este entendimento decorre do direito conferido ao credor, previsto no art.º 675º

do CC, pois se o credor, no caso de incumprimento do devedor, pode promover a venda

do bem empenhado, no momento da constituição do penhor pode importar a alienação

desse mesmo bem. O art.º 675º do CC remete-nos ainda para o art.º 717º do mesmo

Código.

Assim, o penhor constituído por terceiro10

extingue-se, na medida em que, por

causa imputável ao credor, não se puder dar a sub- rogação do terceiro nos direitos do

credor. E ainda, o caso julgado proferido em relação ao devedor produz efeito

relativamente a terceiro que haja constituído o penhor, nos termos em que os produz em

relação ao fiador, remetendo assim, para o art.º 635º do mesmo Código. Ou seja, o caso

julgado entre o credor e o devedor não é oponível ao terceiro empenhador, mas a este é

lícito invoca-lo em seu benefício, salvo se verifique uma situação em que não se exclui

a responsabilidade do terceiro empenhador.

3. Constituição

9 Num contrato de penhor em que o direito dado em garantia existe e é determinado, pode acontecer que em determinada

cláusula se faça alusão ao penhor de créditos futuros, e neste caso se considerarmos essa cláusula como nula, esta nulidade não se

estende ao contrato de penhor na sua globalidade, pelo que temos de aferir da validade do penhor relativamente a cada direito caso

estejamos perante um penhor que garanta vários créditos. Assim, e de forma resumida, temos uma nulidade parcial do contrato de

penhor, resultante da indeterminação também parcial do objeto.

10

HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, págs. 98 e seguintes.

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10

Conforme se depreende da leitura do art.º 681º nº. 1 do CC, para a constituição

do penhor de direitos estabelece-se a forma e a publicidade exigida para a transmissão

dos direitos empenhados11

. Ademais, e à imagem do que acontece no penhor de coisas,

passou a exigir-se, para se considerar a constituição do penhor de direitos válida, a

entrega ao credor, no que diz respeito às coisas móveis. Assim, tal como no penhor de

coisas se exige a entrega da coisa empenhada ou documento que confira a exclusiva

disponibilidade dela, para que o penhor produza os seus efeitos, também no penhor de

direitos se exige a entrega dos documentos que conferem a exclusiva disponibilidade do

direito, para desta forma evitar que o empenhador pudesse dispor do direito empenhado

sem o consentimento do credor.

No tocante ao regime do penhor de direitos sujeitos a registo, este só produz os

seus efeitos a partir do momento em que for feito o registo12

. Quanto ao penhor de

direitos, cujo objeto é um crédito, este só produz os seus efeitos após a notificação do

devedor, ou desde que este aceite o crédito. Esta regra, para efeitos de constituição, está

contida no nº. 2 do art.º 681º do CC, que se refere expressamente ao penhor de

créditos. Na opinião de Vaz Serra, enquanto que no penhor de coisas se exige a entrega

da coisa, ou seja “subtrair a coisa à disponibilidade material do empenhador” para evitar

situações prejudiciais a terceiros, por pensarem que a coisa não estava onerada, no

penhor de créditos, o autor entende que, esta formalidade conseguida através da entrega

no penhor de coisas, se consegue com a notificação do devedor, mediante a qual este

fica advertido da existência do penhor, e se pretende ainda dar publicidade ao penhor,

perante terceiros. Assim, para efeitos de constituição de penhor de créditos válido e para

que este possa produzir os seus efeitos é necessário a notificação do devedor ou a

aceitação deste, sendo que até este momento não se pode considerar a existência de

penhor.

Com efeito, não podemos deixar de fazer uma breve comparação entre o penhor

de créditos e a cessão de créditos13

. É do entendimento comum que na cessão de

11 Assim, temos por exemplo o penhor de créditos hipotecários relativos a bens imóveis, em que se exige escritura

pública ou documento particular autenticado e registo para que seja constituído validamente.

12 Está sujeito a registo, nos termos da alínea o) do nº. 1 do artigo 2º do Código de Registo Predial, o penhor de créditos

hipotecários ou de créditos garantidos por consignação de rendimentos de coisas imóveis.

13 ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, vol II, 7.ª Edição, p. 545, é do entendimento que na cessão de

créditos o negócio produz imediatamente efeitos entre as partes (cedente e cessionário) e em relação a terceiros e só a sua eficácia

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11

créditos se verifica a produção de efeitos por mero efeito do contrato, apenas sendo

necessária a notificação para produção de efeitos perante o devedor cedido e terceiros

adquirentes do mesmo direito. Ressalva-se assim a tutela de terceiros de boa-fé, já que

perante estes os efeitos só se verificam após a notificação, aceitação ou o simples

conhecimento. Pelo exposto, verificamos que em ambos os casos, quer no penhor de

direitos, quer na cessão de créditos, os negócios não produzem os seus efeitos enquanto

houver desconhecimento, ou falta de notificação, de um dos interessados do teor do

negócio celebrado. Efetivamente, apesar desta proximidade de regimes, temos que ter

em conta, que na cessão de créditos estamos perante a alienação de um direito e no

penhor de créditos não é essa a realidade, mas sim a afetação de determinado direito ao

cumprimento de outro negócio. Sintetizando, enquanto que a cessão de créditos produz

efeitos entre as partes e em relação a terceiros, independentemente da notificação do

devedor, o penhor de créditos não produz quaisquer efeitos, quer entre as partes, quer

em relação ao devedor do crédito empenhado, sem a notificação ou aceitação.

Assim, para que o penhor de direitos produza os seus efeitos o credor terá de

levar a cabo determinadas formalidades após a celebração do contrato, nomeadamente a

notificação do devedor/empenhador para que este possa produzir os efeitos pretendidos

e tenha relevância externa. Note-se, porém, que apesar da ineficácia do penhor de

direitos antes da notificação ou aceitação, o legislador quis ressalvar a produção de

alguns efeitos, art.º 681º, nº.3 do CC, remetendo com as necessárias adaptações para o

art.º 583º, nº2 do mesmo Código. Deste preceito se depreende que o conhecimento

efetivo da existência do penhor por parte do devedor afasta a necessidade de notificação

ou aceitação deste quanto à constituição do penhor. Podemos afirmar que, à semelhança

do que acontece no penhor de coisas por efeito da entrega, a notificação tem como

função privar o autor do penhor da possibilidade de dispor do bem empenhado. A

notificação pode ser feita quer pelo sujeito que constitui o penhor quer pelo credor

pignoratício. Quanto à entrega dos documentos comprovativos do direito de penhor

sobre o bem empenhado, não deve condicionar a constituição do penhor, pelo que este

em relação ao devedor fica dependente da notificação deste ou do conhecimento do ato por parte deste. Quanto ao penhor de direitos

entende que, em princípio, só com a notificação do devedor se deve considerar feita a advertência deste da existência do penhor e a

publicidade do ato perante terceiros. A lei prevê duas exceções em relação a esta regra de que o penhor só tem eficácia após a

notificação do devedor sendo elas no caso de penhor sujeito a registo, em que este produz efeitos logo a partir da data do registo e

nas situações em que o credor prove que é do conhecimento do devedor a existência do penhor, e neste caso também não é

necessária a notificação deste para a eficácia do penhor, suprindo o conhecimento do devedor dessa existência a falta de noti ficação.

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12

já está validamente constituído com a notificação ou aceitação. Esta entrega não é

essencial para a existência ou eficácia do penhor. Somos do entendimento de que a

forma de constituição do penhor visa prosseguir a publicidade deste, enquanto que a

entrega dos referidos documentos deve-se a uma função probatória14

, esta entrega serve

para provar a existência do penhor em relação àquele direito e também para publicitar o

penhor. Quanto ao direito de preferência conferido ao credor pela constituição de um

penhor de direitos é de referir que são requisitos dessa preferência a notificação ou

aceitação do devedor. Daqui também se depreende que, não há qualquer dificuldade em

constituir mais do que um penhor sobre o mesmo direito para garantia de diferentes

créditos, pois terá sempre direito de preferência o credor cujo seu penhor de direitos foi

constituído em primeiro lugar. É, no entanto, sempre necessária a notificação ao

devedor para que prevaleça o penhor constituído em primeiro lugar.

Não obstante, cumpre salientar que a forma do negócio jurídico não pode ser

confundida com a sua publicidade. Assim, a publicidade ou falta desta, em nada afeta o

negócio jurídico, uma vez que este já está concluído, apenas tendo como efeito a

inoponibilidade em relação a terceiros. Pese embora se produzam na mesma os efeitos

em relação às partes. Quanto à falta de forma negocial, estamos perante a conclusão do

negócio jurídico e aqui sim, a falta desta implica a não celebração do negócio, ou seja

inexistência do penhor.

4. Regime

Após a constituição do penhor de direitos, e tal como se lê no art.º 682º do CC, o

auto do penhor é obrigado a entregar os documentos comprovativos do direito de

penhor, que estiverem na sua posse, ao credor pignoratício.

Apesar desta obrigação imposta pela lei, a entrega de tais documentos não é

essencial para a existência do penhor ou para a sua eficácia, pois esta entrega serve

apenas como meio probatório desse direito adquirido pelo credor. Para além da função

probatória, esta entrega de documentos serve também para impedir fraudes por parte do

devedor, que sem os documentos fica impedido de dispor do bem empenhado.

Deparamo-nos assim, com um dever de cooperação entre as partes do negócio

14 No caso de estarmos perante um penhor de títulos de crédito, a entrega do documento será essencial para uma

constituição válida do penhor, este é o entendimento de HUGO ALVES RAMOS, Do penhor, p. 155.

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13

celebrado, quer seja entre o devedor e o credor, quer entre o devedor e eventuais

relações com terceiros. Não obstante, este dever de cooperação nada tem que ver com a

constituição do penhor propriamente dita, pois não é essencial para que este se

constitua. Este dever de cooperação que se consubstancia na entrega dos documentos

comprovativos do direito de penhor do credor, tem, como já foi referido, carácter

probatório da existência deste direito mas não é de todo elemento essencial para a

constituição do penhor.

O penhor constitui-se com o acordo das partes e começa a produzir os seus

efeitos com a notificação do devedor ou a aceitação por parte deste, pelo que a entrega

de documentos serve como prova da existência daquele direito.

O credor pignoratício é ainda obrigado a praticar atos indispensáveis à

conservação do direito empenhado e a cobrar os juros e demais prestações acessórias

compreendidas na garantia, art.º 683º do CC. O mesmo é dizer que o credor pignoratício

é obrigado a guardar e administrar aquele direito de forma diligente, respondendo pela

sua existência e conservação. Apesar do credor pignoratício não ser o proprietário

daquele direito mas pelo facto de ter aquele direito como garantia da satisfação

preferencial do seu crédito tem de agir como um proprietário diligente e conservar

aquele direito como se fizesse parte do seu património.

Mas, cumpre salientar, que existem regimes especiais, como é o caso, por

exemplo, do penhor constituído em garantia de créditos de estabelecimentos bancários

autorizados15

. Ora, neste tipo de penhor não havendo lugar a entrega, o possuidor, não

sendo o credor mas sim o titular do crédito empenhado, considera-se um mero

possuidor em nome alheio, sendo-lhe aplicáveis sanções penais, caso este aliene,

modifique, destrua ou desencaminhe o objeto sem autorização escrita do credor, bem

como se empenhar novamente os bens, sem mencionar neste novo contrato de penhor a

existência de penhor anterior ao agora constituído. Por consequência da não entrega do

bem ao credor, este fica livre dos deveres que lhe são incumbidos enquanto detentor,

nomeadamente a obrigação de guardar e administrar o bem de forma diligente.

Quanto à cobrança de créditos empenhados, prevê-se no art.º 685º do CC que o

credor pignoratício deve cobrar o crédito empenhado logo que este se torne exigível,

passando o penhor a incidir sobre a coisa prestada em satisfação desse crédito. Antes do

vencimento do crédito empenhado, não pode o credor exigir o cumprimento da

15 Regulado pelo Decreto-Lei 29.833, de 17 de Agosto de 1939.

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14

obrigação, mas após este vencimento o credor não só pode como deve cobrar o crédito

empenhado para evitar possíveis prejuízos. Este artigo refere-se expressamente ao

penhor de créditos, pelo que estamos perante a existência de dois credores, o credor do

crédito empenhado e o credor pignoratício. O credor tem o dever de cobrar o seu crédito

tal como prescreve a lei, contudo este não está obrigado a fazê-lo logo que o crédito se

torne exigível, pode fazê-lo mais tarde pois é livre de correr os riscos que entender.

Contudo, no caso de penhor de créditos, o credor pignoratício, esse sim tem o

dever de cobrar de imediato o crédito, logo que este se torne exigível pois não tem o

direito de sujeitar o credor aos riscos da não cobrança imediata, nomeadamente o

perecimento da coisa devida, a insolvência do devedor, entre outros. Com a cobrança do

crédito não se dá de imediato a satisfação do crédito garantido, pois este pode ainda nem

se ter vencido. O que se verifica nesta situação é que o penhor passa a incidir sobre a

coisa prestada em satisfação do crédito, ou seja passa a incidir sobre o dinheiro que se

obteve com a satisfação do crédito empenhado. Assim, se até ao momento o penhor

tinha como objeto uma coisa incorpórea, ou seja um direito passa agora a ter como

objeto uma coisa, quase sempre dinheiro. No nº. 2 do art.º 685º do CC, prevê-se a

situação de o crédito ter por objeto a prestação de dinheiro ou outra coisa fungível, ora

nesta situação o devedor não pode cumprir a obrigação senão aos dois credores

conjuntamente, e na falta de acordo destes, o obrigado tem a faculdade de usar da

consignação em depósito. É esta a solução que melhor garante os direitos do autor do

penhor e do credor pignoratício. O nº. 3 do mesmo artigo prevê ainda uma outra

situação que é quando o mesmo crédito for objeto de vários penhores. Quando assim

acontece, só o credor cujo direito prefira em relação a todos os demais credores tem

legitimidade para cobrar o crédito empenhado. O credor com direito de preferência é

aquele cujo direito de penhor primeiramente foi notificado ao devedor ou por este

primeiramente aceite, tratando-se de penhor sujeito a registo, a prioridade é determinada

como não poderia deixar de ser pela data do registo. Quanto aos credores que não

gozam de preferência, confere-lhes a lei a faculdade de compelirem o devedor a

satisfazer a prestação ao credor preferente, para que satisfeito o crédito ao credor

preferente, eles possam ainda aproveitar sobre o mesmo crédito alguma coisa do saldo

da garantia, segundo a ordem de prioridade entre os vários penhores. O credor do

crédito empenhado não pode receber a respetiva prestação sem o consentimento do

credor pignoratício, art.º 685º nº. 4 do CC. Se esta situação fosse permitida, deixaria de

ser possível a eficácia da garantia e ficaria frustrado o direito do credor pignoratício.

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15

Assim, havendo consentimento por parte do credor pignoratício para que o credor titular

do crédito receba a prestação extingue-se o penhor.

5. Relações entre o obrigado e o credor pignoratício

De acordo com o art.º 684º do CC, as relações entre o devedor e o credor

pignoratício estão sujeitas às normas aplicadas na cessão de créditos, às relações entre o

devedor e o cessionário, pelo que se remete assim para o art.º 585º do mesmo código. O

mesmo será dizer que o devedor poderá opor ao credor pignoratício todos os meios de

defesa que lhe seria lícito invocar contra o credor, titular do crédito empenhado, com

ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento do penhor.

5.1 Deveres do credor pignoratício

Um dos principais deveres do credor pignoratício é a prática de atos

indispensáveis à conservação do direito empenhado e cobrança de juros e mais

prestações acessórias compreendidas na garantia, tal como decorre do art.º 683º do CC.

Este dever é consequência do princípio segundo o qual o credor pignoratício é obrigado

a guardar e a administrar a coisa empenhada como um proprietário diligente,

respondendo pela sua existência e conservação. Assim, tal como decorre da lei o credor

tem obrigação de conservar o direito empenhado, sendo este um dever que no caso de

não ser cumprido pode responsabilizar o credor pignoratício16

, nomeadamente pelas

perdas e deterioramento do bem empenhado, e deve ainda custear todas as despesas

advindas da conservação do penhor. Decorre do dever de administrar, a obrigação de

fazer frutificar o bem empenhado, sendo que os frutos obtidos serão utilizados para

amortizar as despesas realizadas com o bem, os juros e por fim o capital em dívida. O

credor tem também o dever de não utilizar o bem empenhado, sendo que este pode usar

o bem na medida do indispensável para a sua conservação. Por conseguinte, temos o

16 Há vários autores, nomeadamente A. VAZ SERRA, que sustentaram a ideia de que a prática de atos indispensáveis à

conservação do direito empenhado, na falta de estipulação em contrário caberia ao devedor e não ao credor pignoratício, pois este é

que deveria conservar o crédito. Nesta perspetiva só os atos que não pudessem ser praticados pelo devedor é que seriam praticados

pelo credor pignoratício, desta forma este teria a faculdade de os praticar mas não o dever como impõe o legislador no artigo 683º

do Código Civil.

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16

dever de restituição17

, este dever só existe a partir do momento em que tenha sido

satisfeito o crédito garantido, pelo que neste momento não há mais motivo para o credor

continuar com a guarda do bem empenhado. A falta de restituição por parte do credor

implica a obrigação de indemnizar o empenhador normalmente no valor do bem

empenhado.

Quanto à cobrança de juros e mais prestações acessórias compreendidas na

garantia cabe apenas ao credor pignoratício fazer essa cobrança, sob pena de este poder

correr prejuízos se fosse permitido que o titular do direito o fizesse.

Outro dever do credor pignoratício e não menos importante é, o dever de cobrar

o crédito empenhado logo que este seja exigível, que decorre do art.º 685º nº. 1 do CC.

Depois de cobrado o crédito o penhor passa a incidir sobre a coisa prestada em

satisfação desse crédito. Assim, o penhor de direitos confere o dever ao credor

pignoratício de cobrar o crédito empenhado, contudo enquanto o penhor vigorar não

pode ser exigido o cumprimento da obrigação empenhada. Apesar disto, e no caso de a

obrigação vencer antes do penhor, o credor pignoratício pode cobrar o crédito

empenhado, sendo que é nestes casos que o penhor passa a incidir sobre a coisa prestada

em satisfação desse crédito, ou seja o penhor deixa de ser sobre o direito empenhado e

passar a ser sobre o dinheiro dado em cumprimento da obrigação.

Note-se que no penhor de direitos não opera qualquer transferência do direito,

apenas se atribui ao credor pignoratício o direito de exigir o crédito, este não pode ceder

o direito mas efetivar a sua cobrança na data de vencimento da obrigação garantida.

Sempre que esteja em causa dinheiro ou outra coisa fungível o devedor terá de satisfazer

a obrigação em simultâneo ao credor pignoratício e ao seu credor18

.

17 Numa situação em que foi satisfeito o crédito garantido e deveria ser restituído o bem empenhado, pode por vezes

haver lugar ao uso do direito de retenção por parte do credor, na medida em que existem outras dívidas do empenhador perante o

credor, dívidas estas relacionadas com o contrato de penhor. Para se poder lançar mão do direito de retenção têm de estar

preenchidos os requisitos do artigo 754º do Código Civil. Requisitos: a) detenção de um bem sobre o qual incide a obrigação de o

entregar; b) existência de um crédito a favor do detentor do bem; c) o crédito resultar de despesas feitas por causa da detenção do

bem ou danos por ela causados. Assim, o credor tem direito de reaver o dinheiro gasto em benfeitorias necessárias, mas o seu direito

não está salvaguardado pelo contrato de penhor mas sim pelo direito de retenção.

18 Comparando com a cessão de créditos, deparamo-nos com duas relações obrigacionais em simultâneo, sendo que o

credor pode dirigir-se, indiferentemente, ao cedente ou ao cedido, bem como pode exigir o pagamento ao cedido antes do

vencimento da obrigação garantida, o que não acontece no penhor. Na cessão de créditos temos dois contratos distintos, o contrato

de cessão de créditos e o acordo de garantia enquanto que no penhor de direitos temos apenas um contrato que é o contrato de

penhor. HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, pág. 162.

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17

Para além destes deveres o credor pignoratício tem apenas os poderes conferidos

pela lei, sendo o essencial o direito de satisfação preferencial pelo valor obtido com a

venda do crédito.

5.2 Direitos do credor pignoratício

O principal direito do credor pignoratício está plasmado no art.º 666º nº. 1 do

CC, que diz respeito ao direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros se os

houver, com preferência sobre os demais credores. Deparamo-nos com dois direitos,

sendo o direito à satisfação do seu crédito, garantido pela possibilidade de execução do

bem empenhado, e o direito de preferência sobre os demais credores, na medida em que

em caso de concurso de credores, o credor pignoratício detém prioridade perante os

restantes credores.

O legislador elencou no art.º 670º do CC os direitos concedidos ao credor

pignoratício mediante o penhor, sendo estes o direito de usar de ações possessórias. Este

direito pressupõe a entrega do bem empenhado, pois não havendo entrega o credor

pignoratício não poderá lançar mão das ações destinadas à defesa da posse. Pressupondo

assim a entrega do bem empenhado o credor pignoratício tem o direito de usar das ações

destinadas à defesa da posse, em relação ao bem empenhado, quer contra o próprio dono

quer contra terceiro. Apesar de o credor pignoratício não ser um possuidor em nome

próprio do bem empenhado, o legislador não quis impedir o direito de usar das ações

possessórias para a defesa do seu direito. Outro direito é o de ser indemnizado pelas

benfeitorias necessárias e úteis à conservação do bem empenhado. Cumpre salientar que

o limite ao reembolso destas benfeitorias é o do enriquecimento sem causa, proíbe-se

assim o enriquecimento sem causa. Temos que distinguir assim entre as benfeitorias

necessárias e as benfeitorias úteis. Assim, quanto às benfeitorias necessárias, estas são

sempre indemnizáveis, ainda que o credor esteja de má fé, e quanto às benfeitorias úteis

serão indemnizáveis com limite no enriquecimento sem causa nos casos em que não

possam ser levantadas em detrimento do bem, ou quando não houver risco de

detrimento do bem haverá lugar ao levantamento destas, art.º 1273º do CC. Por fim o

credor tem ainda direito de exigir a substituição ou o reforço do penhor ou o

cumprimento imediato da obrigação, se a coisa empenhada perecer ou se tornar

insuficiente para a segurança da dívida. O legislador manda aplicar a esta situação os

termos fixados para a garantia hipotecária, nomeadamente o art.º 701º do CC. Tal

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18

regime só será aplicável se o perecimento e deterioração do bem não for por causa

imputável ao credor pignoratício caso contrário não haverá lugar a este direito.

5.3 Deveres do titular do direito empenhado

O dever do titular do direito empenhado resume-se ao dever de entregar ao

credor pignoratício os documentos comprovativos desse direito que estiverem na sua

posse e em cuja conservação não tenha interesse legítimo, art.º 682º do CC. Este dever

do titular do direito empenhado em nada tem a ver com a constituição do penhor, não

sendo assim essencial para a sua eficácia mas é um dever imposto pela lei. É importante

este dever de entrega dos documentos comprovativos da existência deste direito, na

medida em que pode ser necessária para o exercício do direito e também para a sua

conservação e defesa.

6. Proibição do pacto comissório

A proibição do pacto comissório é uma das normas inseridas no regime da

hipoteca, que se aplica ao penhor, quer penhor de coisas, quer penhor de direitos, por

remissão do art.º 678º para o art.º 694º, ambos do Código Civil. Desta maneira proíbe-se

que o credor faça seu o bem empenhado nos casos em que o devedor não cumpra a

obrigação garantida. Serão nulos os pactos celebrados entre as partes do negócio

jurídico que estejam contra esta proibição, o contrato de penhor mantém-se mas é nula a

cláusula contrária a esta proibição. O pacto comissório consiste em convencionar a

perda ou extinção da propriedade de um bem do devedor a favor do respetivo credor

numa situação em que estamos perante o incumprimento do primeiro perante o segundo.

Como refere Tiago Soares Da Fonseca, “o pacto comissório acaba por corresponder a

uma transferência antecipada da propriedade do bem empenhado sujeita à condição

suspensiva do incumprimento do devedor”. Com efeito, a razão de ser desta proibição é

bastante complexa, podendo desde logo apontar-se duas razões distintas. A primeira

razão será pelo facto de a maior parte dos casos em que se verifica um contrato de

penhor, ter na sua origem uma necessidade de solvência económica por parte do

devedor, o que leva a uma situação de desigualdade entre as partes, por se verificar uma

dependência do devedor que poderia ser aproveitada pelo credor, forçando-se assim o

primeiro a aceitar todas as condições impostas pelo segundo, ainda que lesivas para a

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19

sua posição. Com esta proibição pretende-se evitar este destroçamento do devedor, pois

este acredita na possibilidade de resgatar o bem dado em penhor em momento futuro.

Outra razão é a falta de preços de mercado que são facilmente controláveis o que

permitiria prejudicar o devedor.

Pergunta-se se será possível fixar previamente uma cláusula, que em caso de

incumprimento, permitirá ao credor fazer seu o bem empenhado, mediante o pagamento

de um preço, também este previamente fixado, ou a determinar aquando do

incumprimento. Segundo Hugo Ramos Alves estamos na fronteira entre a proibição do

pacto comissório e a potencial admissibilidade do pacto marciano19

. O pacto marciano

consiste na transferência do bem dado em garantia para o património do credor,

mediante o pagamento de um preço justo, ou seja as partes acordam na formulação de

um cláusula que determina que em caso de incumprimento do devedor o bem

empenhado transfere-se para o credor que terá de restituir nesse momento o valor

correspondente à diferença entre o valor do bem e o valor da dívida. De realçar é a

questão da admissibilidade deste pacto marciano pois se é consensual a proibição legal

ao pacto comissório, o mesmo não se poderá dizer quanto ao pacto marciano. À partida

poderemos considerar lícito este tipo de pacto uma vez que não implica uma vantagem

injustificada para o credor, na medida em que tem de haver uma semelhança entre o

19 A proibição legal do pacto comissório justifica-se pela necessidade de tutela do devedor, visando impedir eventuais

abusos por parte do credor e também que este se apropriasse de um bem muito mais valioso do que o montante da dívida.

Atualmente o fundamento para a proibição do pacto comissório não é apenas o da tutela do devedor, como parte mais fraca, e a

prevenção da pressão que o credor poderia exercer sobre o devedor para obter o cumprimento mas também a necessidade de

preservar o sistema de garantia das obrigações. Assim, os interesses em causa não são apenas o do devedor e credor mas um

interesse geral de tráfego jurídico, daí a sanção desta violação seja a nulidade, artigo 286º do Código Civil, e não a anulabilidade,

artigo 287º do mesmo código.

Quanto ao pacto marciano, o aparecimento desta figura serviu para reequilibrar as relações negociais, prevenindo-se as

situações de aproveitamento injustificado pelo credor da debilidade económico-financeira do devedor. Em relação à admissibilidade

deste pacto, Vaz Serra nos trabalhos preparatórios do Código Civil, sustentava que a proibição legal quanto ao pacto comissório se

deveria estender mesmo às situações em que o credor se obrigasse a entregar o excedente do valor do bem sobre o seu crédito. Ou

seja, não fazia referência expressa ao pacto marciano mas parece defender a aplicação da proibição legal também quanto a esta

figura. Assim, numa primeira análise o pacto marciano seria um instrumento adequado a suprir os riscos do pacto comissório, por

força da obrigatoriedade de se proceder à avaliação do bem dado em garantia, cabendo essa avaliação a um terceiro relativamente às

partes da relação negocial. Todavia, poderá não passar de uma mera garantia formal. Neste sentido temos duas razões para sustentar

a proibição legal do pacto marciano, sendo elas, o facto de a avaliação do bem empenhado ser efetuada por um terceiro que terá de

reunir as características de isenção e de imparcialidade, assim como ter por base critérios objetivos de avaliação (o valor de mercado

do bem em concreto), e também o facto de se exigir o respeito pelo sistema de garantia das obrigações, bem como pela necessidade

de garantir a ausência de violação da par conditio creditorum. Por estas razões se defende que o pacto marciano não funciona como

um instrumento idóneo para acautelar a posição dos demais credores, nem o respeito pelo processo de execução das garantias das

obrigações.

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valor do bem empenhado e o valor da dívida garantida. Terá, contudo, de haver uma

avaliação do bem para determinar o preço justo aquando do vencimento da obrigação.

Esta avaliação do bem empenhado tem de ser efetuada por um terceiro que terá de

reunir as características de isenção e de imparcialidade, e tenha também por base

critérios objetivos de avaliação, nomeadamente o valor de mercado do bem em

concreto. Hugo Ramos Alves entende que é lícito o recurso ao pacto marciano, e caso

os restantes credores se sintam lesados terão sempre a possibilidade de lançar mão dos

meios de conservação da garantia patrimonial, que o legislador coloca à sua disposição,

nomeadamente a impugnação pauliana.

Com efeito, a proibição legal do pacto comissório tem sido posta em causa

sempre que o valor do bem empenhado se determina por critérios objetivos. Na verdade,

o que se pretende proibir com o pacto comissório mais não é que o credor se aproprie de

bens de valor superior ao da obrigação garantida, e se tivermos em conta critérios

objetivos, não haverá receio de eventuais aproveitamentos de uma parte para com a

outra.

Nesta perspetiva será fácil entender a admissibilidade do pacto comissório no

penhor financeiro, o que resulta do artigo 11º do DL 105/2004 e do preâmbulo do

referido decreto-lei, em desvio da regra do art.º 694º do CC20

. Permite-se

excecionalmente que o credor execute a garantia por apropriação do objeto desta,

ficando obrigado a restituir o valor correspondente à diferença entre ao valor do bem

dado em garantia e o montante da dívida, desde que as partes o convencionem e

acordem na forma de avaliação dos instrumentos financeiros dados em garantia21

. O

artigo 11º do DL admite assim o pacto comissório, desde que preenchidos

cumulativamente os requisitos nele contidos. Os requisitos contidos são dois, a saber,

ter sido essa a possibilidade convencionada pelas partes22

e ter havido acordo entre as

20 O penhor financeiro é uma modalidade dos contratos de garantia financeira, regula pelo DL nº. 105/2004, de 8 de

Maio, que resulta da transposição da Diretiva 2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Concelho, de 6 Junho de 2002. Os contratos

de garantia financeira têm duas modalidades, uma é o penhor financeiro e outra é a alienação fiduciária em garantia.

21 Esta possibilidade de apropriação direta do bem dado em garantia só se verifica quando o penhor financeiro tem por

objeto instrumentos financeiros, afastando-se assim os casos em que o objeto é numerário, devido à sua natureza, não sendo

necessário o recurso à avaliação do objeto. DIOGO MACEDO GRAÇA, Os Contratos de Garantia Financeira, págs. 59 e

seguintes.

22 Discutível é saber quando será o momento adequado para celebrar o acordo das partes relativamente à avaliação dos

instrumentos financeiros. Ora se por um lado poderíamos defender como momento adequado, o momento da celebração do contrato

de garantia financeira, essa ideia fica desde logo abalada pelo facto dos inconvenientes que traria para o devedor, na medida em que

poderia haver um aproveitamento do credor em relação à posição de necessidade em que se encontra o devedor. Por esta razão e

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21

partes relativamente à avaliação dos instrumentos financeiros dados em garantia. O nº. 2

do artigo 11º do DL, estipula ainda a restituição da diferença entre o valor do bem

empenhado e o valor da dívida. Esta regra não poderia deixar de ser assim, na medida

que se assim não fosse estaríamos perante um enriquecimento sem causa por parte do

credor.

Na verdade, segundo a doutrina mais recente, neste artigo 11º do DL estamos

sim perante a consagração do pacto marciano e não verdadeiramente do pacto

comissório, até porque não se afasta a proibição legal referente ao pacto comissório23

.

O pacto marciano como já foi referido anteriormente consiste na convenção nos

termos da qual, em caso de incumprimento do devedor, a propriedade do bem

empenhado se transmite para o credor, ficando este, no entanto, obrigado a restituir ao

devedor o valor correspondente à diferença entre o valor do bem empenhado e do

crédito garantido. Contudo, para que seja possível a restituição da diferença, será

necessário avaliar o bem empenhado, mais concretamente os instrumentos financeiros

uma vez que estamos no âmbito do penhor financeiro, para tal têm de estar preenchidos

os requisitos do artigo 11º do DL.

Somos da opinião de Diogo Macedo Graça24

, que refere que o legislador no

artigo 11º do DL 105/2004 não quis consagrar o pacto comissório mas sim o pacto

pelas razões apontadas à proibição do pacto comissório devemos adotar a posição de que o momento adequado à avaliação dos

instrumentos financeiros é no momento do vencimento da obrigação.

A avaliação do objeto do penhor deve ainda, salvaguardar os interesses do devedor, pois só assim este fica numa posição

equivalente à do credor e será indiferente que este se pague com a alienação do bem, na medida em que este foi avaliado com um

valor justo. Esta é a posição de Alexandre Jardim, Acordos de garantia Financeira: O Respetivo Regime Jurídico face ao Decreto-

Lei nº. 105/2004, de 8 de Maio, Algumas Questões, em Revista da Banca, nº. 62, Julho/Dezembro, 2006; e Isabel Andrade de Matos,

O Pacto Comissório, Contributo para o Estudo do Âmbito da sua proibição, Coimbra, Almedina, 2006. Esta última autora elenca

ainda requisitos que devem ser preenchidos para estarmos perante uma adequada avaliação, sendo eles: “(i) que no contrato de

penhor financeiro sejam claramente indicados os critérios a que deve obedecer a avaliação e os prazos dentro dos quais a mesma

deverá realizar-se, (ii) que tais critérios sejam objetivos e conformes com os ditames da boa fé, e (iii) que o credor só possa exercitar

o seu direito de apropriação até ao momento das obrigações financeiras garantidas que se encontre em dívida”. Patrícia Fonseca, O

Penhor Financeiro – Contributo para o Estudo do seu Regime Jurídico, relatório de mestrado apresentado no ano letivo 2004/2005,

na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entende que “os critérios de avaliação devem ser objetivos e equitativos,

podendo convencionar-se, por exemplo, a referência a preços de mercado, verificados no momento do vencimento da obrigação, ou

até mesmo à designação de um terceiro imparcial”. E ainda, se o que se pretende é uma solução justa e equitativa para ambas a s

partes contratantes então o momento adequado à avaliação do objeto do penhor é sem dúvida o momento do vencimento da

obrigação, sob pena de se correr o risco de o valor acordado não corresponder ao valor real na data do vencimento se a avaliação for

feita aquando do momento da celebração do contrato de penhor.

23

DIOGO MACEDO GRAÇA, Os Contratos de Garantia Financeira, pág. 62.

24 DIOGO MACEDO GRAÇA, Os Contratos de Garantia Financeira, Dissertação do Segundo Ciclo de Estudos,

Mestrado em Direito, Ciências Jurídicas Empresariais, Coimbra, Almedina, 2010.

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22

marciano relativamente ao penhor financeiro, “uma vez que continua a ser nula, mesmo

que seja anterior ou posterior à constituição da garantia, a convenção, sem mais, pela

qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir (por força dos

artigos 678º e 694º do Código Civil).”

É também este o entendimento de Alexandre Jardim pois se o que distingue o

pacto comissório do pacto marciano é o facto de no segundo se verificar a obrigação de

restituição da diferença entre o valor do bem dado em penhor e o valor da dívida

garantida então fica claro que o artigo 11º do DL se refere ao pacto marciano e não ao

pacto comissório. No mesmo sentido, Pestana de Vasconcelos escreveu à cerca do DL

105/2004, “ao contrário do que proclama no preâmbulo, não há aqui qualquer exceção à

proibição do pacto comissório, que se mantém intocado; consagrou-se a este propósito

foi o pacto marciano”.

Com o DL 105/2004 continua a tutelar-se o devedor e terceiros, na medida que

se impõe que as partes tenham convencionado a possibilidade de transferência do objeto

da garantia e acordado previamente quanto à avaliação dos instrumentos financeiros.

Para além desta tutela o legislador permite ainda a possibilidade de o devedor recorrer

às autoridades competentes para que efetuem um controlo25

quanto à determinação do

valor que foi atribuído ao bem. Este controlo pode também verificar-se quanto a

condutas abusivas, nomeadamente quando não é cumprido o acordo, ou quando não é

entregue o valor da diferença entre o bem dado em garantia e a dívida garantida.

Quanto á execução do penhor, neste caso não está dependente de notificação

prévia ao prestador da garantia a informar essa intenção nem qualquer outra

formalidade.

De realçar, que estas normas imperativas que regem o penhor financeiro não têm

aplicação em mais nenhum outro tipo de penhor, nem penhor comum, nem penhor

comercial.

7. Transmissão

25 Estes mecanismos de controlo valem quer para o devedor quer para o credor, pois nem sempre estas situações

abusivas surgem por parte do credor, mas sim do devedor, podendo por este motivo também o credor lançar mão deste controlo das

autoridades competentes.

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23

De realçar que a transmissão de penhor se distingue do subpenhor, uma vez que

neste estamos perante um ato de disposição do credor em relação à garantia que

recebeu. Na transmissão de penhor o credor limita-se a transmitir a posição que detém

no contrato de penhor, não havendo por isso sobreposição de contratos como acontece

no subpenhor26

.

A transmissão de penhor assemelha-se às regras da transmissão da hipoteca,

destacando-se dois requisitos: que estejamos perante outro credor do mesmo devedor e

que a garantia a ser transmitida não seja estritamente pessoal.

Saliente-se ainda, a proximidade às regras da cessão de créditos, no que diz

respeito ao penhor de créditos, isto porque por exemplo é necessário o consentimento de

terceiro, na eventualidade deste ser o autor da garantia. Ou seja, numa situação em que

estejamos perante um penhor de créditos e em que há um terceiro que empenhou o seu

crédito, este tem que dar o seu consentimento para que seja possível haver transmissão

desse penhor. Note-se que, com a transmissão de penhor não se verifica um aumento do

valor da garantia, ou seja o novo crédito transmite-se tal e qual como existia

originalmente, não se alterando em nada, e o novo credor, tal como o credor inicial,

carece de poderes para ampliar o objeto da garantia que recebeu do devedor27

.

8. Extinção

Da conjugação dos artigos 679º, 677º e 730º do CC, se conclui que o penhor se

extingue pela restituição do bem empenhado, ou do documento a que se refere o nº. 1 do

art.º 669º do mesmo Código, e também pelas mesmas causas de extinção do direito de

hipoteca com exceção da prescrição a favor de terceiro adquirente ( artigo 730º al. b)).

A primeira forma que deve ser indicada é que o penhor se extingue logo que a

obrigação garantida se extinga, ou seja se o devedor cumprir normalmente com a

obrigação a que está adstrito o penhor extingue-se de imediato, assim como se extingue

se se verificar alguma forma de caducidade do crédito. Esta forma de extinção está

estritamente ligada ao princípio da acessoriedade, na medida em que a garantia depende

da existência do crédito, ora se o crédito deixa de existir, quer por ter sido pago quer por

outro motivo, o penhor também se extingue por não haver razão da sua existência.

26

HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, pág. 166.

27

HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, pág. 166.

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24

O penhor também se extingue por acordo das partes, como não poderia deixar de

ser, dado que o penhor é constituído por negócio jurídico, ou seja por acordo das partes,

também poderá extinguir-se da mesma forma.

Outra forma de extinção é a renúncia do credor. Contudo a renúncia do credor

àquela garantia não implica a renúncia ao crédito, uma vez que a extinção deste se

verifica por remissão, art.º 863º nº. 1 do CC28

. A renúncia àquela garantia também nada

impede que seja constituída uma nova garantia para aquele crédito, ou na eventual

existência de várias garantias para aquele crédito se renuncie a uma e se mantenham as

restantes. A renúncia é unilateral pois não depende da aceitação do devedor, o credor

tem o direito de renunciar independentemente do consentimento do devedor, o mesmo

não acontece na remissão da dívida pois neste caso já terá de haver consentimento do

devedor.

Por fim o penhor pode ainda extinguir-se por confusão. A confusão verifica-se

quando se reúnam na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor da mesma

obrigação. Neste caso o penhor extingue-se por ser acessório ao crédito, pois neste caso

extingue-se a dívida por efeitos de confusão e por consequência extingue-se o penhor.

Há contudo uma exceção a esta regra de extinção do penhor por efeito de confusão que

é quando estamos perante um penhor de créditos. O legislador quis proteger terceiros,

nomeadamente o credor pignoratício e por isso estabeleceu no art.º 871º nº. 2 do CC que

se houver a favor de terceiro penhor sobre o crédito, este subsiste, não obstante a

confusão, na medida em que o exija o interesse do credor pignoratício. No nº. 4 o

legislador estipula ainda que em caso de reunião na mesma pessoa das qualidades de

credor e de proprietário do bem empenhado não impede que o penhor se mantenha,

se o credor nisso tiver interesse e na medida em que esse interesse se justifique. Nesta

medida apesar da confusão nem sempre há lugar à extinção do penhor, nomeadamente

para salvaguarda de interesses de terceiros.

9. Compensação

28 A remissão verifica-se através de contrato, em que o credor remite a dívida ao devedor, nº. 1 do artigo referido. A

remissão é uma das causas de extinção das obrigações prevista no Código. De acordo com o artigo 867º do Código Civil, o facto de

se renunciar a uma garantia não implica que se presuma a remissão da dívida pelo que nos faz entender que mesmo que o credor

renuncie à sua garantia, neste caso o penhor, nada interfere na existência do crédito, pelo que este se mantém só que sem garantia ou

com outra que substitua a que existia.

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25

Uma vez constituído o penhor, temos a possibilidade de compensar a obrigação,

quando verificados os requisitos legais da compensação29

. A compensação das

obrigações simultâneas e cruzadas é assim, uma forma de extinguir a obrigação

garantida. Ademais, poderemos ter uma obrigação legal ou convencional, também

designada por voluntária, sendo que a compensação legal visa assegurar um interesse

geral, previsto na lei e a compensação convencional, funda-se num consenso comum

das partes destinada àquela situação em concreto, onde as partes visam superar

dificuldades e compensar as suas obrigações recíprocas. A compensação é uma forma

simplificada de efetuar o pagamento da obrigação, uma vez que se evita pagamentos

recíprocos e também a execução do bem da garantia, mas também é uma forma de

garantir o pagamento, pois no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação,

nomeadamente em caso de insolvência, com a compensação não se corre o risco de não

se ser pago.

A figura da compensação tem grande relevância no penhor de créditos devido ao

objeto da prestação ser representado por créditos, neste caso o credor pignoratício pode

declarar a compensação do crédito de que seja titular contra o empenhador, mas como é

óbvio têm de estar preenchidos os requisitos legais da compensação. Com esta figura,

evita-se assim a utilização de meios de pagamento desnecessários, bem como se evita a

execução do penhor.

Uma das situações mais comuns do penhor de créditos em que se verifica a

compensação de créditos, compensação esta convencional30

, é o caso de um credor que

geralmente é um Banco, conceder um crédito a um cliente, que será o empenhador. Ao

constituir o penhor de créditos as partes convencionam desde logo a possibilidade de

compensar o crédito garantido, nomeadamente com saldos e depósitos do cliente junto

do Banco, entidade credora. É também comum que a compensação convencionada pelas

partes se verifique ainda que os créditos não estejam vencidos ou não sejam ainda

exigíveis perante o Banco. É nesta perspetiva que se pode defender que a compensação

29 Os requisitos para se verificar a figura da compensação, estão plasmados no artigo 847º do Código Civil, onde se pode

ler: ” Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de

compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.” O artigo refere ainda que no caso de os

créditos não serem de igual valor pode mesmo assim verificar-se a compensação na parte correspondente.

30

HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, pág. 173

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26

prossegue fins de garantia pois para além de se facilitar a extinção da obrigação,

também se garante que a obrigação seja cumprida. Esta forma de extinção é uma

realização supletiva, não sendo por isso necessário haver pagamento para se extinguir a

obrigação, é como se pode ler na própria epígrafe do art.º 847º do CC, uma causa de

extinção das obrigações para além do cumprimento. Desta forma basta apenas uma

declaração de compensação das partes nos casos de existirem contra créditos para que

se verifique a extinção da obrigação.

Pelo exposto se entende que para a compensação ser invocada basta uma simples

coexistência dos créditos, sendo que a eficácia é retroativa ao momento da celebração

da convenção.

Quanto aos requisitos estipulados pela lei no art.º 847º do CC é habitual que as

partes convencionem que não seja necessário que estes estejam preenchidos. Este

afastamento dos requisitos legais é permitido pelo princípio da liberdade contratual

plasmado no art.º 405º do mesmo Código. Desta forma a compensação convencional

permite que sejam compensados créditos que de outra forma não poderiam ser alvo

desta forma de extinção das obrigações.

Nesta perspetiva, a compensação convencional é vantajosa para o credor

compensante, na medida em que este gozará de preferência no pagamento bastando que

exista simultaneidade nos créditos entre credor-devedor. Esta simultaneidade grande

partes das vezes é mesmo querida pelas partes, o que pode ser muito desvantajoso para

os restantes credores no caso de existirem, e por tal têm de haver limites ou requisitos

para que se possa opor esta situação de preferência na compensação aos restantes

credores. Ainda sobre a compensação convencional Hugo Ramos Alves31

, entende que

nesta figura se englobam situações estruturais distintas, nomeadamente: “(i) casos em

que as partes preveem a compensação para relações creditícias já existentes, (ii)

situações em que as partes convencionam os termos e condições nos quais poderá

ocorrer, no futuro, a compensação de créditos, sendo igualmente admissível, em teoria,

(iii) o pacto através do qual, em sede de anticrese, as partes convencionam que os frutos

sejam compensados com juros no todo ou em parte.”

Com a compensação convencional as partes pretendem uma extinção imediata

dos créditos recíprocos, deste modo as partes convencionam, por mútuo acordo, a

compensação dos seus créditos sem necessidade destes preencherem os requisitos da

31 HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, pág. 172

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27

compensação legal, são assim as partes que estipulam todas as qualidades que os

créditos devem ter para que a compensação se possa verificar. Cumpre salientar, que

estamos perante uma compensação meramente facultativa, na medida em que esta se

verifica por mera vontade das partes.

Quando falamos da compensação convencional estamos muitas vezes a falar de

uma cláusula de vencimento antecipado futuro que pode ser de um ou de ambos os

créditos, ora nestes casos a eficácia da compensação não retroage ao momento da

celebração da cláusula mas sim apenas se verifica aquando do momento da

exigibilidade de ambos os créditos. Sendo este o momento de eficácia da compensação,

esta não pode ser oponível a terceiros que tenham adquirido direitos anteriores à sua

eficácia, e ainda que adquiridos após a celebração da cláusula, o que faz com que este

tipo de compensação tenha uma função garantística muito fraca. De realçar, com o

exemplo que já foi dado que o penhor sobre um depósito bancário dá preferência ao

Banco na satisfação do seu crédito perante os demais credores e havendo lugar à

compensação convencional o Banco adquire legitimidade para compensar o seu crédito

em caso de incumprimento por parte do empenhador.

É também possível a compensação ou vencimento antecipado no penhor

financeiro32

. Assim, as partes podem convencionar o vencimento antecipado da

obrigação garantida ou o seu cumprimento através da compensação, caso se verifique

uma situação de incumprimento. Dito de outra forma a previsão desta figura permite

que em caso de incumprimento as partes possam promover a extinção do contrato ou

pela determinação do vencimento antecipado, em que se verifica a restituição do bem

dado em garantia, ou pela compensação, em que se verifica a extinção dos créditos

recíprocos, onde o remanescente deve ser entregue à contraparte, que tanto pode ser o

prestador da garantia como o beneficiário da garantia.

Secção III

Execução do Penhor

1. Considerações Gerais

Em caso de incumprimento da obrigação garantida pelo devedor, não resta outra

alternativa ao credor senão a venda do bem empenhado, pois tal como já foi referido,

32

DIOGO MACEDO GRAÇA, Os Contratos de Garantia Financeira, págs. 57 e seguinte.

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devido à proibição do pacto comissório o credor não pode fazer seu o bem empenhado

ainda que a obrigação não seja cumprida. Esta ideia é retirada desde logo do art.º 675º,

nº. 1 do CC onde se pode ler: “vencida a obrigação, adquire o credor o direito de se

pagar pelo produto da venda judicial da coisa empenhada, podendo a venda ser feita

extrajudicialmente, se as partes assim o tiverem convencionado”. No nº. 2 do mesmo

artigo o legislador prevê também a possibilidade do bem ser adjudicado ao credor pelo

valor que o tribunal fixar para aquele bem. Por via de regra, o credor recorre à fase

executiva do penhor para poder satisfazer o seu crédito através do produto da venda do

bem empenhado, claro que esta fase só se pode verificar após o incumprimento da

obrigação garantida. A ação executiva é assim o principal meio colocado à disposição

do credor para que este possa ver o seu crédito satisfeito. Tal como refere Hugo Ramos

Alves33

também em sede executiva se deve ter em atenção a proibição do pacto

comissório, o que não impede porém que o bem empenhado seja vendido fora do

processo judicial. O que se pretende salientar é que com a proibição do pacto

comissório na ação executiva se cria um limite externo ao livre arbítrio do credor, e

assim se tutela o interesse do devedor e os interesses dos restantes credores na

eventualidade de com a execução se obter um valor que exceda o montante garantido

pelo penhor.

1.1 Venda judicial e extrajudicial

Atualmente, qualquer credor que tenha um penhor e que seja detentor de um

título executivo pode lançar mão da ação executiva para pagamento de quantia certa, tal

como acontece no caso da hipoteca e da consignação de rendimentos. Havendo lugar à

ação executiva, este procedimento deve sempre ser levado a cabo pelo agente de

execução. Esta entidade é quem orienta o procedimento executivo, ou seja toma a

decisão da venda, nomeadamente é quem determina a modalidade de venda, o valor

base do bem a vender e a eventual formação de lotes em caso de haver um conjunto de

bens a vender34

. O agente de execução é assim a figura central da ação executiva, quer

haja lugar à venda judicial ou extrajudicial, contudo as decisões apesar de serem

33

HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, pág. 176.

34 Ver artigo 886º - A do Código de Processo Civil.

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29

tomadas pelo agente de execução, este antes de as tomar tem de ouvir o exequente, o

executado e os restantes credores com garantias sobre os bens a vender.

Na venda judicial, o agente de execução pode a requerimento de um dos

interessado ou oficiosamente, quando considere vantajoso, providenciar as diligências

necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado. A sua decisão

é posteriormente por si notificada ao exequente, ao executado e aos credores

reclamantes de créditos com garantias sobre os bens a vender. Se algumas destas

pessoas interessadas discordar da decisão do agente de execução pode reclamar para o

juiz, nos termos do art.º 886º - A do CPC, e da decisão deste não cabe recurso. Quanto

às modalidades de venda estão previstas no art.º 886º do CPC, sendo estas a venda

mediante propostas em carta fechada, venda em bolsas de capitais ou de mercadorias,

venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens, venda por

negociação particular, venda em estabelecimento de leilões, venda em depósito público

ou equiparado, e por fim venda em leilão eletrónico.

Ademais, se o produto da venda do penhor não for suficiente para pagamento da

dívida, o credor até agora garantido pode reclamar o restante crédito perante o devedor,

devendo recorrer aos institutos gerais, tal como outros possíveis credores não

garantidos.

Quanto à venda extrajudicial do bem empenhado, pode dizer-se bastante mais

vantajosa para as partes, nomeadamente pode apresentar-se como vantagem a maior

rapidez na venda e não há despesas como implica uma venda judicial. Contudo, também

se pode dizer que a venda extrajudicial não beneficia de todas as garantias de que se

dispõe na venda em processo judicial. Pode acontecer que na venda extrajudicial não se

chegue a um preço justo tal como se chega na venda judicial, ou ainda que o bem seja

alienado pelo credor antes do vencimento da obrigação, situação em que o devedor deve

acionar o credor para que este o indemnize. Também nos casos em que o credor não

procede à entrega voluntária do bem empenhado, nos casos de penhor com

desapossamento, tem de haver aqui uma intermediação judicial para que o bem seja

entregue. Ademais, para que possa haver lugar a uma venda extrajudicial é necessário

que tenha havido convenção das partes aquando da constituição do penhor e não no

momento da venda. O que também não pode acontecer é que haja lugar à venda do bem

empenhado sem avaliação ou mediante avaliação efetuada pelo credor.

Assim a distinção entre uma venda judicial e uma venda extrajudicial resume-se

a que a primeira se verifica dentro do processo e a segunda não. Apesar desta distinção,

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30

o legislador no código atual não procedeu à distinção expressamente tal como fazia no

código anterior, pelo que se pode dizer que não há grande sentido em fazê-la, uma vez

que ambas as vendas se englobam numa venda executiva, tal como refere Hugo Ramos

Alves35

.

O legislador prevê ainda uma outra situação no art.º 674º do CC, como sendo a

venda antecipada36

, a sua realização dá-se quando previamente acordada pelas partes.

Contudo, para além do acordo das partes para que a venda antecipada se verifique é

necessário que haja fundado receio das partes de que o bem se deteriore ou se perca e

para além disso tem de haver uma prévia autorização judicial. O legislador estabelece

ainda que o poder de promover esta venda cabe quer ao credor quer ao empenhador, o

que leva a concluir que o credor não está de todo obrigado a praticar este ato, pois

ambas as partes estão autorizadas a fazê-lo. Assim, esta venda antecipada é uma

faculdade que o credor tem ao seu dispor mas que só a pratica na medida em que julga

vantajoso para os seus interesses. O que acontece grande parte das vezes é que quem

detém o bem empenhado é o credor, e por isso só ele é que pode aferir dessa

necessidade de vender o bem empenhado por perigo de deterioração deste.

Apesar da possibilidade de se verificar uma venda antecipada do bem

empenhado, o credor não se pode fazer pagar pelo produto dessa venda, pelo que este

mantém os direitos que tinha sobre o bem empenhado, mas agora sobre o produto da

venda. Assim sendo, a lei estabelece que o produto da venda antecipada do bem

empenhado seja depositado, sem que este depósito perca a natureza de penhor. Isto

justifica-se pelo facto de no momento da venda o cumprimento da obrigação ainda não

ser exigível devido à venda ter sido antecipada.

A venda antecipada pode, contudo, ser evitada caso assim o devedor o deseje,

basta que este ofereça outra garantia real idónea, ou deposite a soma devida para que a

obrigação continue garantida e o credor não corra riscos adicionais. Desta forma o

credor vê a obrigação assegurada com uma garantia alternativa à inicialmente

constituída, mas que cessa qualquer risco de incumprimento.

35

HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, pág. 178.

36 Hugo Ramos Alves entende a respeito da faculdade desta venda antecipada poder ser promovida quer pelo credor quer

pelo devedor que deve “vigorar o princípio da boa fé, que impõe o dever de avisar o empenhador do risco de deterioramento, de

molde a que este possa igualmente estar em posição de decidir acerca do exercício desta faculdade.” Esta situação deve-se

precisamente ao facto de a maior parte das vezes ser o credor o detentor do bem empenhado e por isso o devedor não poder ter

conhecimento por si da realidade em que se encontra o bem empenhado.

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31

1.2 Adjudicação

A adjudicação pode ser definida como sendo o ato judicial mediante o qual se

declara e se estabelece que a propriedade de um bem, se transfere do seu dono para o

credor, que então assume sobre o mesmo os direitos de domínio e posse inerentes a toda

e qualquer alienação.

No regime atual, o legislador de facto permite a adjudicação do bem empenhado,

contudo para que esta situação se possa verificar é necessário uma avaliação feita pelo

tribunal e nessa medida, a adjudicação é feita ao credor pelo valor que o tribunal

determinar. Esta imposição do legislador em tudo tem a ver com a proibição do pacto

comissório, pois não faria sentido que fosse qualquer pessoa a avaliar o bem a ser

vendido ou mesmo o próprio credor. Se assim acontece-se estaríamos a violar a

proibição do referido pacto e por conseguinte o devedor seria alvo de grandes

desvantagens37

.

A adjudicação rege-se nos termos dos artigos 875º e seguintes do CPC, sendo

que tem lugar por proposta de compra por parte do exequente ou de qualquer outro

credor que tenha garantia real sobre aquele bem, essa proposta deverá ser feita por

requerimento onde deve constar o preço oferecido pelo bem. Depois das propostas

apresentadas o bem será adjudicado ao requerente que ofereceu um valor superior aos

restantes requerentes.

Pelo exposto, se pode concluir que a adjudicação é uma forma indireta de

satisfação do credor à semelhança da dação em cumprimento. Ao verificar-se a

adjudicação o que acontece é que o devedor cumpre a obrigação de uma forma que não

a originariamente prevista pelas partes para o cumprimento daquela obrigação. É uma

forma indireta na medida em que o credor aceita substituir o pagamento em dinheiro

pela adjudicação do bem, por um valor fixado pelo tribunal.

Com a adjudicação do bem empenhado garante-se não só o pagamento da dívida

inicial mas também o pagamento dos respetivos juros se os houver, tal como explicam

Pires de Lima e Antunes Varela na anotação ao Código Civil38

.

37

HUGO RAMOS ALVES, Do Penhor, pág. 181 e seguinte.

38 PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 695.

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32

Capítulo II

O Direito Bancário: Os Créditos Bancários

Secção I

Características Gerais

1. Natureza e Princípios do Direito Bancário

Os créditos bancários inserem-se no ramo do direito bancário, pelo que para

iniciarmos o nosso estudo, será importante fazer uma abordagem a este ramo do direito

para termos um enquadramento geral.

Desta forma, podemos definir o direito bancário39

como sendo o conjunto de

regras e princípios especialmente aplicáveis ao conjunto da atividade bancária em

sentido lato, compreendendo a receção de depósitos, o empréstimo de fundos, e uma

série de outros tipos de operações ativas e passivas. Este ramo do direito deve o seu

crescimento recente à incapacidade do direito privado tradicional, civil e comercial

acompanhar o desenvolvimento da atividade económica subjacente à atividade bancária.

Não podemos fazer uma abordagem, ainda que breve, ao direito bancário sem falar dos

princípios que o caracterizam. Nesta medida será de realçar o princípio da simplicidade,

que é basilar na conjuntura do direito bancário. O princípio da simplicidade resulta de

vários subprincípios, sendo eles, a desformalização, que assenta no art.º 219º do CC, na

medida em que os atos bancários surgem sem grandes formalidades; a unilateralidade,

pois os atos bancários completam-se, a maior parte das vezes, apenas por simples cartas,

assinadas pelo cliente, dispensando-se as propostas e a aceitação que tradicionalmente

se exigia; a rapidez, na medida em que se visa a celeridade no giro bancário e se evita

negociações complexas e com muito tempo de espera; por fim temos a

desmaterialização pois o giro bancário apoia-se fortemente na informática, lidando com

valores e representações desmaterializadas.

39 A respeito do ramo de direito bancário podemos fazer a distinção entre direito bancário institucional e direito bancário

material. No primeiro caso será a disciplina jurídica do direito financeiro e das instituições especializadas, no tratamento do

dinheiro, com autonomia do Banco de Portugal, Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. No segundo caso será o direit o

dos atos bancários, das atividades das instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras e o seu relacionamento com os

particulares. O direito bancário material submete-se ao direito das obrigações, é assim um direito contratual na medida em que estão

em causa contratos bancários. De realçar nestes contratos o dever de informação e lealdade pós-contratual e a responsabilidade

bancária.

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33

Outro princípio que se destaca no direito bancário é o princípio da ponderação

bancária, assente num modo próprio deste ramo do direito gerir as realidades sociais.

Este princípio assenta em vários vetores, tais como a prevalência das realidades, ou seja

o banqueiro aquando da preparação de certos negócios e subordinado ao dever de

informação não irá atender à regularidade formal dos atos mas sim à sustância

económica da situação. A abrangência é outro vetor deste princípio uma vez que o

direito bancário tende a gerar negócios e atos em cadeia e que se relacionem de certa

forma, raramente acontecendo que se recorra a atos isolados. Por fim temos a

flexibilidade do direito bancário que é responsivo, no sentido de enfrentar vários

problemas que vão surgindo de novo com soluções diferentes.

Este ramo do direito assenta ainda numa tutela da aparência, pois perante a

analise de atos jurídicos correntes dará primazia ao primeiro entendimento que deles

resulte, daí se defenda como que uma tutela da aparência. Já quanto à aplicação de

sanções, o direito bancário aponta para o princípio da eficácia, o que também é

facilmente compreensível na medida em que este visa corrigir situações erradas da

forma mais eficaz possível.

O direito bancário rege-se também pelo princípio da autonomia privada, assente

no art.º 405º do CC, na medida em que predomina a liberdade contratual, pois as partes

têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo do contrato, de celebrar contratos

estipulados pela lei ou diferente destes, incluir cláusulas novas junto de cláusulas

legalmente previstas, ou ainda associar no mesmo contrato regras provenientes de dois

ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Podemos falar, assim, em usos

bancários, associados a esta autonomia privada, sendo eles os estatutos, a lei e o

costume.

2. Sujeitos e Objeto

A situação jurídica bancária caracteriza-se pelos sujeitos e pelo objeto. Quanto

aos sujeitos surge necessariamente uma “instituição de crédito”, uma “sociedade

financeira”, ou uma “empresa de investimento”, que serão designadas posteriormente

por banqueiros. O sujeito que contacta com o banqueiro é o cliente (outra parte no

contrato a celebrar), que pode ser pessoa singular ou coletiva, desde que capaz de

exercício. Na relação que se estabelece entre banqueiro e cliente predominam os

deveres de informação e de diligência, na medida em que ambas as partes devem

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34

informar-se reciprocamente sobre todos os factos relevantes à celebração do contrato e

por parte do banqueiro acresce ainda o dever de proceder com diligência para assegurar

a boa constituição daquele negócio, uma vez que esta prática profissional assenta no seu

caracter habitual, no seu fim lucrativo e é tendencialmente exclusiva. Quanto ao objeto

da situação jurídica, esse é o complexo de direitos e deveres emergentes do concreto ato

bancário em causa.

O direito bancário, como não poderia deixar de ser devido aos negócios em

causa, prima pelo dever de segredo e pelo dever de informação por parte dos

banqueiros. O dever de segredo pode, contudo, ser considerado um dever acessório,

derivado da boa-fé. Temos assim que, o sigilo bancário concretiza-se numa tutela da

confiança, embora na atualidade, esta tutela se veja enfraquecida. Não obstante, existem

exceções40

a este princípio como em quase todos os princípios. Quanto ao dever de

informação bancária, este é essencial no giro bancário, e já não só por parte do

banqueiro mas também por parte do cliente para que desta forma seja possível a

regularidade das operações monetárias. Sendo a relação entre o bancário e o cliente,

uma relação duradoura, não poderia deixar de ser permanente este dever de informação

quer sobre o passado, o presente e o futuro.

Secção II

Créditos Bancários

1. Preliminares

Na atualidade, o crédito bancário detém uma grande importância para os

diversos agentes económicos, pois para que se verifique desenvolvimento económico é

necessário que os agentes económicos disponham de fundos necessários ao seu

investimento, nomeadamente para aplicarem em matéria-prima, equipamentos, entre

outras despesas. Ora a maior parte das vezes, não existe este fundo que permite efetuar

40 O sigilo bancário é de facto um dever essencial no direito bancário, contudo existem situações em que este tem de ser

quebrado, no direito público nomeadamente em situações de branqueamento de capitais, nestes casos, muitas vezes, se utilizam os

banqueiros para dissimular a origem criminosa da obtenção de fundos. Mais recentemente, também se afasta este dever para evitar

fugas fiscais que se consideram causadoras do défice das contas públicas, segundo MENEZES CORDEIRO. Assim, para se afastar

o sigilo bancário tem de haver razões imperiosas de interesse geral. No direito privado também podemos ter cedência deste dever de

sigilo perante sucessores do cliente e os seus clientes, em processo executivo.

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35

os pagamentos necessários na compra de produtos ou serviços, daí que os agentes

económicos recorram aos créditos bancários para que seja possível o desenvolvimento

económico desejado. São assim os Bancos, ainda que indiretamente, que financiam a

produção e a compra dos produtos finais, através da concessão de créditos bancários às

empresas e aos clientes destas41

.

Cabe então agora apresentar uma definição para crédito bancário, assim, este

consiste na disponibilização de determinado montante em dinheiro por parte das

instituições bancárias aos seus clientes, que são os beneficiários, montante esse que

estes se comprometem a reembolsar na totalidade, acrescidos de juros fixados

previamente e num prazo acordado. Com o crédito bancário o Banco adquire o direito,

através de uma entrega inicial em dinheiro a um cliente, de receber desse cliente, o valor

em dívida, em datas futuras, uma ou várias prestações em dinheiro cujo valor total é

igual ao da entrega inicial, acrescida do preço fixado para esse serviço.

Quando falamos de créditos bancários não podemos deixar de referir seis

elementos essenciais, sendo eles a finalidade do crédito, o seu prazo, o preço, o

montante, o risco e as garantias. Quanto à finalidade, podemos defini-la como sendo o

fim a dar ao montante disponibilizado pelo Banco, ou seja é aquilo que será comprado

com aquele dinheiro fruto do crédito. O prazo relaciona-se com a vida útil do bem

adquirido com aquele crédito e com os fundos que foram disponibilizados. Contudo, o

prazo de pagamento, não deve ser superior ao tempo de vida útil do bem adquirido.

Quanto ao preço, este assume o nome de juros e comissões do crédito bancário, uma vez

que tal como qualquer outra atividade, também esta tem como objetivo o lucro. O

montante está ligado à finalidade do crédito e será determinado em função do valor do

bem a adquirir e das necessidades do cliente. Já o risco é o prejuízo potencial que

decorre da operação de crédito. Por fim, resta falar do último elemento mas não menos

importante, e que será alvo de um estudo mais desenvolvido, que são as garantias. Estas

estão relacionadas com a finalidade, o montante e o prazo do crédito bancário, e devem

garantir a capacidade do cliente em cumprir as obrigações creditícias, ou seja,

constituem uma via alternativa para ressarcir o credor, neste caso o Banco.

41 No seio dos créditos bancários podemos distinguir quanto ao sujeito a que se destina o crédito entre particulares e

empresas. Assim sendo, no caso do destinatário do crédito ser um particular, podemos ter créditos à habitação, créditos ao consumo

ou descoberto bancário. Se o destinatário do crédito bancário for uma empresa, podemos ter créditos de apoio à tesouraria, créditos

de apoio ao financiamento ou créditos por assinatura.

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36

Em particular, e ao longo do trabalho iremos dar maior importância ao penhor

enquadrado nas garantias, nomeadamente o penhor bancário.

1.1 Mútuo Bancário

Desde logo e antes de analisar o mútuo bancário, será importante abordar a

figura do mútuo civil e do mútuo comercial para posteriormente poder analisar o mútuo

bancário. Será importante esta abordagem ao mútuo civil, antes de qualquer abordagem

ao mútuo bancário, na medida em que o regime do mútuo civil é subsidiariamente

aplicável aos mútuos comercial e bancário.

1.1.1 Mútuo Civil

A nossa análise ao mútuo civil começa desde logo pela definição de mútuo civil

para que desta forma possamos ter elementos gerais para prosseguir com a análise.

Assim, o mútuo civil, de acordo com o art.º 1142º do CC, define-se, como sendo “o

contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível,

ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.

Hoje em dia, o mútuo pode ser gratuito ou oneroso, consoante haja, ou não,

retribuição do mutuante. Não obstante, a lei presume que na dúvida o mútuo se presume

oneroso, art.º 1145º do CC. Quanto a esta presunção de onerosidade, o legislador

baseou-se no Código Italiano, pois se tivesse recorrido à prática da vida em sociedade, a

presunção seria antes de mútuo gratuito, uma vez que no quadro familiar e entre amigos

é recorrente esta prática de emprestar dinheiro uns aos outros sem fim lucrativo42

.

O mútuo pode, ainda, ser considerado consensual ou formal43

, consoante o seu

valor. Assim, quanto à forma o legislador prevê no art.º 1143º do CC que o contrato de

mútuo de valor superior a €25.000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou

por documento particular autenticado e o contrato de mútuo de valor superior a €2.500

terá de ser celebrado por documento assinado pelo mutuário para ser válido.

42

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2º Edição, 2001, Almedina, pág. 575.

43

Distinção elencada por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2º Edição, 2001,

Almedina, pág. 575.

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37

Por força do art.º 1144º do CC, “as coisas mutuadas tornam-se propriedade do

mutuário pelo facto da entrega”. Por conseguinte, a partir deste momento o mutuário

fica obrigado a pagar a retribuição, acrescida de juros, quando a estes haja lugar, assim

como a restituir coisa do mesmo género, quantidade e qualidade.

No caso de o mútuo recair sobre uma coisa, e não dinheiro, e a restituição se

tornar impossível ou difícil por causa não imputável ao mutuário, este pode pagar o

valor que a coisa tiver no momento e lugar do vencimento da obrigação, esta situação

está prevista pelo legislador no art.º 1149º do CC.

Quanto ao prazo do mútuo oneroso, art.º 1147º do CC, este é estipulado a favor

de ambas as partes, podendo o mutuário antecipar o pagamento, desde que satisfaça os

juros por inteiro. Na falta de estipulação de prazo, art.º 1148º do CC, em caso de mútuo

gratuito, a obrigação do mutuário vence-se 30 dias após a sua interpelação. Sendo o

mútuo oneroso, qualquer das partes pode pôr termo ao contrato, operando a denúncia

com 30 dias de antecedência.

Cabe ao mutuante resolver o contrato, caso o mutuário não pague os juros no seu

vencimento, art.º 1150º do CC.

O legislador prevê ainda, quanto ao mútuo gratuito, a responsabilidade do

mutuante, art.º 1151º que remete para o art.º 1134º, ambos do CC, onde podemos

verificar que a responsabilidade deste se limita aos vícios ou limitações do direito ou

pelos vícios da coisa se, expressamente, se tiver responsabilizado ou se tiver procedido

com dolo caso contrário não responde por nada disto.

1.1.2 Empréstimo Mercantil

Esta figura, também denominada de empréstimo comercial, encontra a sua

previsão nos artigos 394º, 395º e 396º do CCom. Assim, podemos ler no art.º 394º do

CCom que “para que o contrato de empréstimo seja havido por comercial é mister que a

cousa cedida seja destinada a qualquer ato mercantil”. O empréstimo comercial, apesar

de se destinar a ato mercantil, não exige que as partes estipulem um destino

determinado para a coisa mutuada44

, distinguindo-se assim do mútuo de escopo que é

uma figura fundamental no Direito Bancário, como adiante veremos.

44

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2º Edição, 2001, Almedina, pág. 576.

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38

Quanto a este tipo de empréstimo é importante referir que este é sempre

retribuído, art.º 395º do CCom, e quanto à prova, art.º 396º do mesmo código, “o

empréstimo mercantil entre comerciantes admite, seja qual for o seu valor, todo o

género de prova”.

Em relação à presunção de onerosidade que se coloca em relação ao empréstimo

civil, na verdade e apesar de se pensar que fará mais sentido esta presunção no

empréstimo comercial do que no empréstimo civil, pode dizer-se que também aqui,

entre comerciantes, nada impede que sejam celebrados mútuos gratuitos.

A liberdade de prova estabelecida no art.º 396º do CCom deve ser entendida

como liberdade de forma. Ora, se a lei admite qualquer meio de prova, também se deve

entender que admite qualquer forma de constituição de empréstimo mercantil.

1.1.3 Mútuo Bancário

Este distingue-se de qualquer outro, na medida em que é celebrado por um

banqueiro, como mutuante, agindo no exercício da sua profissão. Nos termos do DL nº.

32 765, de 29 de Abril de 1943, “os contratos de mútuo ou de usura, seja qual for o seu

valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem provar-se por

escrito particular, ainda mesmo que a outra parte contratante não seja comerciante”. A

forma escrita é assim, a forma exigida para os mútuos bancários, sendo que esta

exigência se deve estender aos elementos acessórios. Não obstante esta exigência se

estender aos elementos acessórios no tocante aos juros esta regra também está fixada no

art.º 102º § 1º do CCom, onde se pode ler “a taxa de juros comerciais só pode ser fixada

por escrito”, daí que independentemente desta exigência se estender aos elementos

acessórios, no tocante aos juros já teriam que ser designados por escrito para

constituírem uma obrigação válida.

O mútuo bancário fica assim afastado do mútuo comercial e do mútuo civil

quanto à forma, pois independentemente do seu valor o contrato de mútuo bancário é

sempre um contrato formal45

.

45 Isto não significa, porém, que estes contratos tenham que ser sempre celebrados por escrito particular. Assim, nada

obsta a que o mútuo bancário seja reduzido a escritura pública se esta for a vontade das partes, o que releva é que,

independentemente do valor, no mínimo este tipo de contrato tem de ser reduzido a escrito particular, não podendo ser substituído

por outro meio de prova ou por outro documento que não tenha força probatória superior, art.º 364º, n.º 1 do CC.

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39

É de referir que os mútuos bancários dispõem de regras específicas,

nomeadamente o DL n.º 344/78 de 17 de Novembro, que procede à classificação dos

mútuos segundo o prazo e o regime dos juros46

.

O mútuo bancário tem, ainda, uma particularidade importante, pois esta figura é

um mútuo de escopo, ou seja, é um mútuo em que o mutuário fica adstrito a dar um

determinado destino à importância recebida, destino esse que foi a razão da concessão

daquele mútuo47

.

Quanto à figura do escopo, inicialmente e durante o período do dirigismo

bancário, os banqueiros estavam limitados nas decisões de conceder créditos. Os

clientes tinham de apresentar um escopo admissível, quando procuravam o crédito e

comprová-lo. O dinheiro do mútuo tinha mesmo que ser utilizado no escopo

apresentado e o banqueiro tinha o dever de assegurar a efetividade dessa utilização. No

caso de haver incumprimento, o banqueiro poderia resolver o contrato provocando o

vencimento imediato da obrigação de restituição48

.

Contudo, esta faculdade de resolver o contrato por desrespeito do escopo tinha

que ficar contratualmente consignada, para que fosse permitida. Esta necessidade de

escopo e o respeito por este sob pena de resolução tem, no entanto, vindo a atenuar

devido à liberalização da economia. Surgem assim, mútuos de tipo “crédito pessoal”,

“crédito ao consumo”, e “crédito à tesouraria”, que são mútuos livres, ou seja, sem

escopo. Não obstante esta atenuação, perante créditos, a médio e a longo prazo o escopo

mantém um papel relevante, devendo ser contratualmente consignado e por conseguinte

respeitado.

1.2 Juros

Os juros estão no cerne do comércio bancário, daí a importância da sua

abordagem para melhor entendermos a sua obrigação. O nosso código Civil estabelece a

obrigação de juros nos artigos 559º a 561º. Esta obrigação de juros pressupõe a

46 Assim, consoante o prazo de vencimento podemos ter créditos a curto prazo, quando não excedam um ano; créditos a

médio prazo, quando for superior a um ano e inferior a cinco anos; e créditos a longo prazo, quando excedam os cinco anos. Esta

divisão é retirada dos artigos 1º e 2º do DL n.º 344/78 de 17 de Novembro.

47

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2º Edição, 2001, Almedina, pág. 584.

48

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2º Edição, 2001, Almedina, pág. 584.

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40

existência de capital e como tal essa obrigação é determinada em função do montante e

da duração do mútuo mas também de uma concreta e determinada relação que se

estabelece entre as partes, mutuante e mutuário.

A prestação de juros é em regra pecuniária, mas não tem necessariamente de o

ser. Apesar de na atualidade os juros serem tão legítimos como qualquer outro

rendimento, é necessário que se fixem limites máximos para o seu montante. Contudo,

há uma certa tendência para liberalizar esta temática dos juros, sendo que os Estados e

os Bancos centrais dispõem de fórmulas indiretas mas eficazes para gerir a política de

juros, enquanto o Direito Civil e as leis de tutela dos consumidores podem, em concreto,

resolver as situações injustas.

Cumpre ainda, fazer uma abordagem às possíveis classificações de juros, assim,

os juros podem ser voluntários ou legais consoante resultem da vontade das partes ou da

lei respetivamente; podem também ser remuneratórios ou de mora, conforme visem a

retribuição do capital mutuado ou o ressarcimento dos danos causados pela mora na

restituição; juros compensatórios ou juros compulsórios, quando pretendam,

respetivamente, repor a degradação do capital devido ou incitar o devedor ao

pagamento; e ainda juros convencionados e juros legais stricto sensu, em função da

natureza pactuada ou não pactuada das respetivas taxas49

.

Os juros podem ainda distinguir-se quanto aos intervenientes na operação como

sendo juros civis, comerciais ou bancários.

Podemos ainda, falar no anatocismo que consiste em fazer vencer juros de juros.

Do art.º 560º do CC podemos retirar que só é permitido o anatocismo em duas

situações, quando haja convenção entre as partes posterior ao vencimento, ou mediante

notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao

seu pagamento, sob pena de capitalização. O n.º 2 do mesmo artigo vai mais além, só

permitindo a capitalização de juros correspondentes ao período mínimo de um ano.

Contudo, o n.º 3 acrescenta que não são aplicáveis as restrições anteriores, se estas

forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio.

Secção III

Contratos Especiais de Crédito

49 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2ª Edição, 2001 Almedina, pág. 580.

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41

1. Preliminares

As instituições bancárias detêm um papel económico fundamental no

investimento e desenvolvimento do mercado. Aqueles que têm recursos mas não têm

capacidade e apetência para o investimento direto confiam-nos à Banca e aqueles que

têm essa capacidade e apetência mas não têm os recursos necessário recorrem à Banca

para obter financiamento. A Banca desempenha assim, um papel de intermediário entre

a poupança e o investimento, pois recebe as poupanças de uns que posteriormente

servirão de financiamento para o investimento de outros. Esta é a essência da

comercialidade e que permite otimizar os meios disponíveis.

Nesta medida é fácil entender que só através de contratos de crédito é possível o

investimento e desenvolvimento económico do mercado daí que antes de abordarmos a

garantia do crédito propriamente dita passamos a fazer uma breve exposição dos vários

tipos de contratos especiais de crédito.

1.1 Abertura de crédito

A lei portuguesa não regula expressamente a abertura de crédito, contudo, este

tipo de contrato é referido no art.º 362º do CCom como sendo uma operação de banco50

.

A abertura de crédito implica a maior parte das vezes negociações bastante demoradas,

mas que valem apena pois, esta figura colmata necessidades importantes no tráfego

comercial. A morosidade das negociações deve-se essencialmente ao facto de o Banco

exigir múltiplos elementos comprovativos da situação económica do cliente e que

demostrem a sua atividade para posterior negociação das taxas de juros e garantias. Mas

também pelo facto de o cliente ter ao seu dispor a possibilidade de consultar outros

Bancos, na medida em que pretende saber se consegue de facto um crédito e em que

condições.

A abertura de crédito é um contrato consensual, ficando completo com o acordo

das partes, sem necessidade de qualquer entrega do dinheiro, ao contrário do que

50 O Código Civil Italiano define a abertura de crédito como sendo o contrato pelo qual o banqueiro se obriga a ter, à

disposição do cliente, uma soma em dinheiro, por um dado período ou por tempo indeterminado. Esta é também a definição adotada

pela nossa jurisprudência.

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42

acontece com o mútuo clássico. Não obstante, quanto à forma aplicam-se as regras do

mútuo bancário e por isso exige-se a forma escrita. Nada impede, no entanto, que seja

pedida escritura pública, nos casos em que estejam incluídos na abertura do crédito

negócios que o exijam.

A abertura de crédito tem várias modalidades que passamos a analisar51

:

a) a abertura de crédito pode ser simples ou em conta-corrente, no primeiro caso

o crédito disponibilizado pode ser usado uma só vez; e no segundo caso o cliente pode

fazer retiradas ao crédito por diversas vezes, solvendo as parcelas de que não precisa

numa conta-corrente com o banqueiro. Nesta última modalidade temos ainda que ter em

conta as regras da conta-corrente.

b) a abertura de crédito pode ser garantida ou a descoberto, sendo que será

garantida quando acompanhada com uma garantia, seja ela pessoal ou real, e a

descoberto quando não é oferecida garantia nenhuma.

Quanto aos atos subsequentes à abertura de crédito e à disponibilidade do cliente

quanto à movimentação do montante disponibilizado, as regras variam de Banco para

Banco, sendo que há como que um acordo entre as partes em relação a esta

disponibilização.

Em relação aos juros, o mesmo se verifica, pois mantém o critério do

estabelecido por acordo das partes, sendo que estes podem ser debitados ora

mensalmente ora trimestralmente.

No que toca à cessação duma abertura de crédito, entre nós não encontramos

regime legal direto, pelo que esta questão deve ser alvo de regulamentação contratual.

As partes devem prever, com clareza, o prazo desta abertura de crédito e as condições

de uma eventual renovação. Na falta de disposição das partes teremos que recorrer a

direito subsidiário52

, para podermos encontrar um regime adequado àquela situação em

concreto.

De realçar que ao longo de todo o processo quer de cessação, quer de renovação

deve manter-se um fluxo de informações, sob pena de se originarem situações de

51

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2º Edição, 2001, Almedina, pág. 586 e seguinte.

52 Temos como direito subsidiário nomeadamente as regras da conta-corrente em geral, as regras do mandato, quanto à

disponibilidade e as regras do mútuo, quanto ao saldo.

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43

responsabilidade, do mesmo modo que esta informação também se verifica ao longo da

movimentação do crédito.

1.2 Descoberto em conta

Estamos perante um descoberto em conta quando numa conta-corrente

subjacente a uma abertura de conta, o banqueiro admita um saldo a seu favor, ou seja

um saldo negativo para o cliente.

O descoberto pode surgir por duas razões53

: por negócio prévio entre o

banqueiro e o cliente, nomeadamente abertura de crédito ou crédito pessoal, ou pode

também ser consequência automática de outros dispositivos como o lançamento de

despesas, pagamentos de cheques sem provisão a que o banqueiro se encontrava

obrigado, entre outros.

Esta situação de descoberto, regra geral é tolerada por parte do banqueiro por um

curto período de tempo, apenas para facilitar a tesouraria do cliente, mas não lhe

atribuindo qualquer direito.

Em tudo que o descoberto em conta não esteja regulamentado, por regra, aplica-

se as normas do mútuo bancário, pode também acontecer que se recorra às cláusulas

contratuais gerais relativa à abertura de conta.

1.3 Antecipação Bancária

A antecipação bancária é um contrato pelo qual um banqueiro concede ao seu

cliente, um crédito mediante um penhor, equivalente de títulos, dinheiro ou outros bens.

Ou seja, o cliente que possui bens mas que não se quer desfazer deles, dirige-se ao

banqueiro para que lhe seja concedido um crédito e para tal oferece aqueles bens como

garantia, há como que um antecipar do pagamento do preço daqueles bens.

Na antecipação bancária podemos distinguir dois elementos, um que será o

penhor e outro que será a entrega de uma quantia em dinheiro de valor proporcional ao

da garantia constituída.

53

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2º Edição, 2001, Almedina, pág. 589.

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44

Somos do entendimento de Menezes Cordeiro54

, quando escreve “a antecipação

bancária distingue-se do mútuo por não pressupor a entrega do dinheiro (…) além disso,

ela está económica e funcionalmente ligada ao penhor “antecipado”. Mas ela distingue-

se, também, do comum empréstimo sobre penhor por traduzir, na prática bancária, uma

pré-realização do valor da garantia e não (apenas) uma garantia dum empréstimo.”

Contudo, na falta de regulamentação específica para esta figura recorremos à

combinação de regimes quer do mútuo quer do penhor de títulos.

1.4 Desconto bancário

O desconto bancário é o contrato pelo qual o banqueiro entrega ao seu cliente,

uma determinada quantia, em troca do seu crédito, ainda não vencido, sobre terceiro. O

banqueiro terá de deduzir uma parcela referente aos juros e a extinção opera salvo boa

cobrança55

.

Por regra o desconto verifica-se sobre títulos de crédito, ou seja o cliente cede ao

banqueiro um título que faz parte do débito de terceiro.

O legislador não prevê normas legais específicas em relação ao desconto, apesar

de fazer referência a este no art.º 362º do CCom.

Quanto à forma, aplica-se a exigência comum dos empréstimos bancários que é

a forma escrita.

Em relação a esta figura é relevante acrescentar que as posições jurídicas

prescrevem, não havendo outro prazo, em 20 anos.

1.5 Crédito documentário

O crédito documentário é a operação pela qual um banqueiro, a pedido de um

cliente, abre um crédito a favor de terceiro. Esse crédito poderá ser mobilizado pelo

terceiro, mediante a entrega, ao banqueiro, de determinados documentos.

Este tipo de crédito visa facultar pagamentos à distância, ou mesmo

internacionais. Assim, o comprador de uma mercadoria, que se encontre distante, pede

54 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2ª Edição, 2001, Almedina, pág. 591.

55

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2º Edição, 2001, Almedina, pág. 591.

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45

ao banqueiro que efetue o pagamento ao vendedor, mas este terá de entregar

documentação que comprove a existência, a qualidade e a entrega da mercadoria

acordada. O comprador, que é o cliente do banqueiro, constitui-se assim, perante este

como devedor da importância que o banqueiro pagou por aquela mercadoria, e suporta

ainda todas as taxas e encargos salvo cláusula em contrário.

A abertura de crédito documentário tem assim, duas funções: uma que será um

negócio de crédito em que o banqueiro disponibiliza uma importância em dinheiro que

posteriormente irá reaver com lucro, outra que será o pagamento à distância, com

entrega de determinados documentos.

1.6 Crédito ao consumo

O crédito ao consumo inicialmente era concedido pelos próprios vendedores e

sem juros, o que lhes possibilitava uma melhor colocação das suas mercadorias. Mais

tarde os Bancos vieram juntar-se a esta operação, concedendo créditos destinados

especificamente ao consumo, ou criando departamentos especializados no

financiamento de aquisições a prestações. A partir deste momento o crédito ao consumo

ganha uma grande dimensão mas também um outro destino diferente do inicial que é o

lucro.

Este tipo de crédito tem assim, grandes vantagens, nomeadamente a

possibilidade da população mais carenciada ter acesso a bens de equipamento e

consumo, mas também traz desvantagens, como não poderia deixar de ser, que será a

exploração financeira dessas populações, que assumem débitos superiores às suas

possibilidades de pagamento. Esta situação leva a que se redobre o dever de informação

precisamente por este tipo de crédito se destinar a maior parte das vezes a pessoas sem

experiência em contatos bancários.

Em relação ao crédito ao consumo existe legislação, nomeadamente o DL n.º

359/91 de 21 de Setembro, onde se estabelece a necessidade de informar o consumidor,

que a celebração deste contrato é feita por escrito e tem que obedecer a determinados

requisitos e ainda que existe um período após o contrato para o consumidor pensar e

caso assim o queira revogar a sua declaração negocial. Existem assim, medidas de tutela

aos consumidores perante a concessão deste crédito, para que estes não sejam

desfavorecidos e tenham informação suficiente.

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46

Secção IV

Garantias Bancárias

1. Preliminares

Quando falamos de garantias podemos distinguir a garantia geral das obrigações

e as garantias especiais. Neste seguimento, a garantia geral das obrigações, devido à

responsabilidade patrimonial, será salvo alguns desvios todo o património do devedor e

apenas o património deste. Devido às necessidades do próprio sistema, temos também

as ditas garantias especiais, que melhor permitem assegurar os direitos dos credores. No

momento de constituir a dívida o credor terá de ponderar se o património do devedor é

suficiente para garantir o seu direito daí que quando verifica que este não é suficiente

exija ao devedor a prestação de uma garantia suplementar.

No seio das garantias especiais, podemos distinguir ainda entre garantias reais e

garantias pessoais, conforme estejamos perante coisas corpóreas ou prestações de

terceiros. Ao longo do nosso estudo temos vindo a desenvolver uma das figuras que se

insere nas garantias reais, nomeadamente o penhor. Cumpre agora abordar a figura do

penhor mas no seio do Direito Bancário, ou seja será alvo do nosso estudo o penhor

bancário, uma vez que na atualidade o papel de maiores credores pertence aos

banqueiros e o penhor é por isso uma figura essencial e muito usada no tráfego

bancário.

1.1 Penhor Bancário

Como teremos oportunidade de observar os Bancos gozam de um regime

excecional relativamente à disciplina comum do penhor de coisas, civil ou comercial.

Assim, estamos perante um penhor bancário quando este tem por finalidade garantir

créditos de estabelecimentos bancários autorizados.

O seu regime é especialmente estatuído no DL n.º 29 833 de 17 de Agosto de

1939 e no DL n.º 32 032 de 22 de Maio de 1942.

Nos termos do n.º 1 do art.º 1º do DL n.º 29 833, este tipo de penhor tem a

particularidade de para a produção de efeitos, quer entre as partes, quer em relação a

terceiros, dispensar a tradição da coisa, isto é, neste penhor especial o autor não precisa

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47

proceder à entrega dos bens ao credor pignoratício ou a outrem. A desnecessidade da

tradição da coisa veio a ser confirmada pelo art.º único do DL n.º 32 032, que assim

dispõe: “para que o penhor constituído em garantia de créditos de estabelecimentos

bancários autorizados produza efeitos em relação a terceiros basta que conste de

documento particular, ainda que o dono do objeto empenhado não seja comerciante”.

Porém, nos termos do art.º 1º do DL n.º 29 833, se o objeto empenhado ficar em

poder do dono56

, este passa a possuí-lo em nome alheio, podendo ser responsabilizado

por furto se alienar, modificar, destruir ou desencaminhar o objeto do penhor sem

autorização escrita do credor pignoratício. Poderá ainda ser responsabilizado se

empenhar novamente o objeto sem que no contrato se mencione expressamente a

existência do penhor ou penhores anteriores, que, em qualquer caso, preferem por

ordem de data.

No art.º 2º do referido DL, pode ler-se que “o contrato de penhor regulado neste

diploma constará de documento autêntico ou de documento autenticado e os seus efeitos

contar-se-ão da data do documento no primeiro caso e da data do reconhecimento

autêntico no segundo”. Refere ainda, que nesse documento tem que se transcrever

obrigatoriamente as disposições do art.º 1º, e cumpre ao notário assegurar a observância

do preceito.

Posteriormente veio a exigir-se que para a constituição do penhor bancário e

para que este produza efeitos, bastaria documento particular57

, tal como refere o artigo

único do DL n.º 32 032, de 22 de Maio de 1942.

No Direito Bancário admite-se um penhor sem desapossamento, desde logo

porque traz benefícios para ambas as partes e porque se tutela o perigo resultante de o

bem ficar em poder do dono por via de sanções penais. Este penhor sem

desapossamento traz vantagens quer para o devedor, que poderá continuar a usar o bem

ou direito na sua atividade normal, mas também para o próprio banco, uma vez que

sendo assim este não terá de armazenar os bens empenhados, para o qual não tem

vocação e também fica liberto dos custos que esse armazenamento acarreta.

56 No caso de o objeto pertencer a uma pessoa coletiva, o possuidor em nome alheio neste caso é aquele a quem incumbe

a sua administração e é também sobre este que recaem as possíveis responsabilidades referidas para o dono do objeto.

57 No entendimento de L. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, Almedina, 2010, pág.

265, ao penhor sem desapossamento deve aplicar-se o referido no art.º 2º do DL n.º 29 833 de 17/8/1939, e só se se tratar de penhor

com desapossamento é que devem valer as exigências mais leves de forma do artigo único do DL n.º 32 032, de 22/5/1942.

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48

De ressalvar o estatuído no art.º 3º do DL n.º 29 833, de 17 de Agosto de 1939,

que faz referência ao penhor de créditos, de títulos de crédito, de quotas e de coisas

imateriais, na medida em que estes, mesmo dados em garantia de operações bancárias,

continuarão submetidos ao regime que até então vigorava.

1.2 Penhor de aplicações financeiras

O penhor de aplicações financeiras é, frequentemente, utilizado pelas

instituições de crédito, pode revestir a modalidade de penhor de direitos, aplicando-se o

art.º 679º do CC, e que mais especificamente se designa por penhor bancário, que se

traduz num penhor de créditos, na medida em que o objeto do penhor é o crédito do

depositante sobre o banco, ou seja é uma garantia especial sobre direitos, porquanto

incide sobre documentos e não sobre o saldo da conta. O dinheiro depositado é

propriedade do banco credor, que adquire a sua disponibilidade e, simultaneamente se

constitui devedor da restituição do valor correspondente, vinculando-se o depositante a

manter o provisionamento da conta58

.

Quanto ao penhor financeiro, este é alvo de regulamentação especial, porquanto

temos o DL n.º 105/2004 de 8 de Maio, que disciplina os acordos de garantia financeira,

por transposição da Diretiva n.º 2002/47/CE. O penhor financeiro está então regulado

nos artigos 9º a 13º do referido DL. O penhor financeiro é um contrato de garantia

financeira destinado a prestadores e beneficiários que se insiram na categoria de

instituição de crédito ou entidade para o efeito equiparada e uma pessoa coletiva,

respetivamente. Quanto ao objeto do penhor financeiro pode ser numerário ou

instrumentos financeiros, artigos 3º e 5º do DL 105/200459

.

58

De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2009 (processo n.º 3116/06 TVLSB.S1).

59

Pode ler-se no art.º 3º do DL 105/2004, referente aos sujeitos que: “n.º1 - O presente diploma é aplicável aos

contratos de garantia financeira cujo prestador e beneficiário pertençam a uma das seguintes categorias:

a) Entidades públicas, incluindo os organismos do sector público do Estado responsáveis pela gestão da dívida pública ou

que intervenham nesse domínio e os autorizados a deter contas de clientes;

b) Banco de Portugal, outros bancos centrais, Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional, Banco de

Pagamentos Internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento nos termos referidos no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/93 e

Banco Europeu de Investimento;

c) Instituições sujeitas a supervisão prudencial, incluindo:

i) Instituições de crédito, tal como definidas no n.º 1 do artigo 2.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e

Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;

ii) Empresas de investimento, tal como referidas no n.º 2 do artigo 293.º do Código dos Valores Mobiliários, aprovado

pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro;

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49

Assim, quanto ao penhor de aplicações financeiras, este pressupõe um depósito

no banco, o qual se torna propriedade do banco, nos termos do art.º 1144º do CC, que

posteriormente se transforma num determinado produto bancário, de acordo com o que

for estabelecido entre as partes, (depositante e depositário), criando-se perante o

depositante o direito de crédito sobre o montante em causa.

Com a constituição de um penhor de aplicações financeiras, estamos perante o

empenhamento de um direito de crédito, sobre determinada quantia monetária, que se

encontra no poder do credor pignoratício.

Porém, o credor pignoratício está obrigado a não usar a coisa empenhada, sem o

consentimento do autor do penhor, a não ser que esse uso seja indispensável à

conservação da coisa, de acordo com o art.º 671º al. b) do CC. Contudo, o DL n.º

105/2004 no seu art.º 9º convenciona o direito de disposição da coisa dada em garantia,

desde que essa convenção seja estabelecida pelas partes. Assim, o credor pode alienar

ou onerar o objeto da garantia nos termos do estabelecido no contrato como se fosse

proprietário. O direito de disposição não resulta diretamente da lei, é por isso de

natureza contratual, verificando-se como que uma autorização por parte do devedor ao

credor para alienar, utilizar ou até emprestar o objeto da garantia através do próprio

contrato.

iii) Instituições financeiras, tal como definidas no n.º 4 do artigo 13.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e

Sociedades Financeiras;

iv) Empresas de seguros, tal como definidas na alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 Abril;

v) Organismos de investimento coletivo, tal como definidas no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro;

vi) Entidades gestoras de organismos de investimento coletivo, tal como definidas no n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei

n.º 252/2003, de 17 de Outubro;

d) Uma contraparte central, um agente de liquidação ou uma câmara de compensação, tal como definidos,

respetivamente, nas alíneas e), f) e g) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 221/2000, de 9 de Setembro, no que aos sistemas de

pagamento diz respeito, e no artigo 268.º do Código dos Valores Mobiliários, incluindo instituições similares regulamentadas no

âmbito da legislação nacional que operem nos mercados de futuros e opções, nos mercados de instrumentos financeiros derivados

não abrangidos pela referida legislação e nos mercados de natureza monetária;

e) Uma pessoa que não seja pessoa singular, que atue na qualidade de fiduciário ou de representante por conta de uma ou

mais pessoas, incluindo quaisquer detentores de obrigações ou de outras formas de títulos de dívida, ou qualquer instituição tal

como definida nas alíneas a) a d);

f) Pessoas coletivas, desde que a outra parte no contrato pertença a uma das categorias referidas nas alíneas a) a d)”.

No art.º 5º do mesmo DL, referente ao objeto das garantias financeiras lê-se: “O presente diploma é aplicável às garantias

financeiras que tenham por objeto:

a) «Numerário», entendido como o saldo disponível de uma conta bancária, denominada em qualquer moeda, ou créditos

similares que confiram direito à restituição de dinheiro, tais como depósitos no mercado monetário;

b) «Instrumentos financeiros», entendidos como valores mobiliários, instrumentos do mercado monetário e créditos ou

direitos relativos a quaisquer dos instrumentos financeiros referidos”.

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50

Nos termos do art.º 671º al. a) do CC recai, ainda sobre o credor ou beneficiário

da garantia, a obrigação de guardar e administrar o objeto dado em garantia como um

proprietário diligente, respondendo pela sua existência e conservação.

Não obstante, estipula o art.º 694º, por remissão do art.º 678º, ambos do CC, que

“é nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição (do penhor), a convenção

pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir”. Estamos,

assim, perante a proibição legal do pacto comissório, que faz todo o sentido devido ao

facto de o devedor se encontrar numa posição de maior debilidade e com necessidade,

perante a superioridade do credor, e também pelo facto de se querer proteger terceiros

credores, não se permitindo que o credor fique com a coisa empenhada, sem avaliação

ou perante uma avaliação por ele efetuada, mesmo que exista convenção das partes que

o permita.

Efetivamente acrescente-se que o credor não tem, em princípio, a faculdade de

dispor da coisa, só em situação de incumprimento pode desencadear os mecanismos de

execução, para poder receber o correspondente à obrigação garantida.

Em caso de incumprimento da obrigação pelo devedor, o credor pode fazer seu o

depósito bancário empenhado, no sentido de cobrar o valor em dívida, não com base no

pacto comissório, que é nulo, mas através do instituto da compensação, que adiante

melhor desenvolveremos.

Para se assegurar a constituição de um penhor de aplicações financeiras, o

devedor a maior parte das vezes obriga-se sem determinação de qualquer prazo,

enquanto as responsabilidades dos beneficiários do contrato, neste caso de abertura de

crédito, se mantiverem, a garantir a dívida. É também frequente que as partes

convencionem a faculdade do banco, instituição bancária, se pagar do que lhe for

devido, em caso de incumprimento pontual das obrigações contratuais e para tal

proceder, sem prévio aviso, à venda judicial no todo ou em parte, dos títulos objeto do

penhor, ou optar pela venda extrajudicial. Nos casos de o objeto do penhor ser o saldo

de uma conta não seria necessária a venda quer judicial, quer extrajudicial, bastando a

apropriação do saldo da conta.

Nesta medida, as aplicações financeiras dadas em penhor, têm de subsistir

enquanto durar a obrigação cujo cumprimento asseguram, ou seja até ao pagamento

integral do que for devido, ficando cativas, até à extinção do penhor, que só se extingue

quando se extinguir a obrigação ou for prestada outra garantia idónea.

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51

2. Penhores bancários especiais

No âmbito do penhor bancário encontramos, ainda, penhores bancários

especiais, tais como o penhor de conta bancária e o penhor de seguros.

O penhor de conta bancária é uma figura derivada do penhor bancário. Sendo o

objeto do penhor o direito de crédito sobre um depósito bancário deparamo-nos com um

penhor sobre aplicações financeiras, traduzido como um penhor de depósito bancário e

por conseguinte um penhor de direitos.

Embora a lei não preveja expressamente o penhor de depósito bancário, tal não

significa a sua inadmissibilidade quer tenha resultado de acordo das partes quer de

negócio jurídico unilateral, tal situação não lhe retira validade nem eficácia.

O penhor de conta bancária constituído em garantia de créditos bancários tem

por objeto um depósito (no Banco credor), pelo que a propriedade do dinheiro

depositado se transfere para o credor, ficando para o depositante (devedor, cliente do

Banco), o correspondente direito de crédito sobre esse montante. Deparamo-nos assim,

com uma obrigação contraída pelo depositante de não movimentar o depósito enquanto

subsistirem as dívidas garantidas.

Esta modalidade de penhor levanta algumas divergências quer na doutrina quer

na jurisprudência, quanto à questão do objeto da garantia e por consequência a sua

natureza e oponibilidade em relação a terceiros. Assim, a jurisprudência divide-se por

um lado considerando o penhor de conta bancária como um penhor regular e oponível a

terceiro e por outro lado considerando-o um penhor irregular e inoponível a terceiros, na

medida em que é um direito real de garantia atípico.

No Ac. do STJ, datado de 07/06/200560

, defendeu-se a posição que o penhor de

conta bancária é um direito real de garantia e que respeita a característica da tipicidade

destes. Entendeu-se pois que o legislador não previu todas as modalidades possíveis

inseridas no seio do penhor de direitos pelo que se deve assumir que o penhor de conta

bancária se insere neste tipo de penhor sendo por isso um penhor regular, apesar de a lei

não o referenciar de forma determinada, nem descrever de forma precisa os seus traços

específicos.

O acórdão referido segue a opinião de António Pedro A. Ferreira, in Direito

Bancário, a p. 662 que escreveu que “este penhor tem por objeto os créditos do garante

sobre o banco, tem um funcionamento específico, que se traduz no débito das

60

Ac. STJ, datado de 07/06/2005, proc. n.º 05A1774.

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importâncias garantidas na conta do depositante; e obriga o garante a manter a conta

provisionada…; trata-se de um penhor de crédito (nos termos dos artigos 680º e 681º n.º

2 do CC), incidindo especificamente sobre um objeto determinado (o saldo daquela

conta e não o de outra qualquer) de que o próprio garante é o titular, e não um qualquer

terceiro”.

Não obstante, o acórdão recorrido (Ac. do TRC, DE 14/12/2004, proc. n.º

859/04) entendeu que o penhor de depósito bancário é um direito real de garantia atípico

e por isso inoponível a terceiros.

Segundo o entendimento de Hugo Ramos Alves, “o penhor de conta bancária é

um penhor irregular, na medida em que o depositário é o proprietário da quantia

entregue, assumindo este último a obrigação de restituir quantidade igual do mesmo

género”. Contudo, apesar de este autor considerar esta modalidade de penhor um penhor

irregular atribui-lhe como regime as regras do penhor de créditos, dado que o objeto do

penhor incide sobre o crédito que o depositante é titular sobre o banco. Será um penhor

irregular devido à transmissão da propriedade sobre o bem empenhado mas que se rege

pelo regime do penhor de créditos que é o tipo de penhor base ao penhor de conta

bancária. A designação de penhor irregular dada por este autor nada tem a ver com a

tipicidade ou não do penhor de conta bancária mas sim pelo facto de haver transmissão

de propriedade do objeto da garantia.

Esta garantia caracteriza-se, por determinados depósitos bancários ficarem afetos

ao pagamento de certas dívidas; os depositantes obrigam-se a não os movimentar,

enquanto subsistirem as dívidas garantidas; e ainda os depositantes autorizam o Banco a

debitar, na conta dos depósitos em causa, as dívidas garantidas vencidas. Tal penhor,

pela especificidade do seu objeto, distingue-se do penhor comum. Assim, ele não recai

sobre uma coisa corpórea ou semelhante, é regulado por um regime particular de

funcionamento e por fim obriga o garante a manter a conta provisionada. O penhor de

conta bancária reporta-se então, ao saldo da conta, limitando a responsabilidade do

garante ao montante da conta, não é pois, uma garantia de conteúdo indeterminado. Tal

como se escreveu no Ac. do STJ de 7 de Maio de 2009, “O penhor de conta bancária

tem, no entanto, um regime específico de funcionamento, uma vez que é executado,

através da cativação do saldo em conta, o que se justifica pelo facto de a conta bancária

implicar uma representação escritural do crédito do depositante, servindo o saldo credor

do cliente de moeda dos bancos, aceite pelos agentes económicos”. No mesmo Acórdão

pode também ler-se que “O penhor de conta bancária passou a ser considerado como um

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penhor financeiro, regulado pelo DL nº 105/2004, de 8 de Maio, podendo ser conferido

ao beneficiário da garantia o direito de disposição sobre o objeto desta, não com

carácter automático, mas antes na sequência do clausulado pelas partes no competente

contrato, em conformidade como o estipulado pelos artigos 5º, a), 9º e 10º, do aludido

diploma legal”.

O penhor de seguros verifica-se quando o Banco aceita como garantia a posição

jurídica do beneficiário de um seguro, sendo-lhe aplicáveis, em princípio, as regras

próprias do penhor de créditos, com as necessárias adaptações e alterações induzidas

pelas partes no contrato entre elas celebrado.

3. Penhor bancário versus garantia bancária autónoma

Pelo exposto, o penhor bancário não pode ser confundido com garantias

bancárias, pois enquanto o penhor bancário consiste numa garantia dada a

estabelecimentos bancários autorizados aquando da concessão de um crédito por parte

destes, as garantias bancárias são garantias pessoais prestadas pelos próprios bancos.

A garantia autónoma é um contrato celebrado entre o interessado, (o mandante),

e o garante a favor de um terceiro, (o garantido ou beneficiário). Nesta o garante obriga-

se a pagar ao beneficiário uma determinada importância, e esse pagamento operará na

primeira solicitação, ou seja o garante pagará ao beneficiário determinada importância

assim que este lha peça.

Assim, a função da garantia autónoma não é a de assegurar o cumprimento dum

determinado contrato, mas antes assegurar que o beneficiário receberá, nas condições

previstas no texto da própria garantia, uma determinada quantia em dinheiro. Não

podendo, de todo, ser confundida com o penhor, cuja função é garantir que o credor

receberá o seu crédito em caso de incumprimento do devedor na obrigação principal,

com preferência sobre os demais credores.

4. Compensação

No penhor bancário também se coloca a questão da admissibilidade da

compensação, sendo que esta será um dos instrumentos mais naturais e mais justos de

fazer baixar os custos do crédito. A possibilidade do banco compensar o seu crédito

perante o devedor é uma garantia que se junta a outras possíveis garantias exigidas pelo

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banco para a concessão de um crédito, mas que leva a maior facilidade na concessão do

crédito.

O primeiro problema a colocar-se é o de saber se será admissível a compensação

convencional no seio do direito bancário. É certo que o banqueiro e o seu cliente podem

convencionar a compensação, fora de quaisquer requisitos legais, apesar de terem que

ter em conta regras imperativas que possam ocorrer. Este tipo de convenção é muitas

vezes implícito, advindo das próprias regras de funcionamento do negócio em causa,

neste caso da concessão de um crédito. Tais cláusulas implícitas dispõem nos seguintes

termos: “o Banco poderá debitar as importâncias que lhe sejam devidas de quaisquer

contas de que o mutuário seja titular, único ou em regime de solidariedade”.

Assim, em caso de incumprimento da obrigação por parte do devedor, o banco

pode fazer seu o depósito bancário empenhado, no sentido de se fazer cobrar do valor

devido, não estando aqui em causa o pacto comissório, que é nulo mas sim através da

compensação.

Contudo, coloca-se a questão de se saber se a compensação é vantajosa para

ambas as partes ou apenas para o banqueiro, na medida em que este é uma entidade de

peso, com recursos económicos alargados, enquanto o seu cliente pode muito bem ser

um pequeno consumidor.

À partida, a compensação tem vantagens para ambas as partes mas a vantagem

que mais se evidencia é em caso de insolvência do cliente, devedor, nestes casos

convencionada a compensação o Banco poderá compensar o seu crédito com depósitos

que o cliente possua. Mas também traz vantagens para o cliente na medida em que este

evita o pagamento avulso e ainda evita incorrer em mora, por possíveis distrações nos

pagamentos.

Assim, a compensação convencional, previamente acordada pelas partes, em

abertura de crédito ou em quaisquer outros negócios de onde possam resultar créditos,

para o banqueiro, sobre o seu cliente, é a solução mais indicada e desejável, pois previne

litígios e protege totalmente os particulares quando devidamente acompanhada das

competentes informações61

.

61 Compensação convencional, pode ler-se no Ac. do STJ de 7 de Maio de 2009 (proc. n.º 3116/06 TVLSB.S1) que “A

compensação convencional bancária, previamente, acordada em qualquer negócio, de que possam resultar créditos do banqueiro

sobre o seu cliente, é compatível com a possibilidade de o banco debitar as importâncias que lhe sejam devidas, em quaisquer contas

de que o mutuário ou os garantes sejam titulares, únicos ou no regime de solidariedade”

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Capítulo III

Particularidades da Insolvência

Secção I

Características Gerais

1. Razão de Ordem

Resta-nos analisar o regime do penhor aquando de uma possível insolvência

quer por parte do devedor quer por parte do credor do crédito garantido. Analisaremos

os efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso, nomeadamente

quando estão em causa créditos garantidos por penhor e os efeitos sobre os créditos da

insolvência, também em especial os créditos garantidos por penhor. Para podermos

fazer esta análise temos que ter em conta os efeitos em geral da declaração de

insolvência perante todos os tipos de negócios em curso e também relativamente a todos

os créditos da insolvência para melhor compreendermos esses mesmos efeitos aquando

da existência de negócios e créditos garantidos com penhor.

Temos também de ter em conta a questão da possibilidade ou não de execução

do penhor aquando da declaração de insolvência por parte do devedor do crédito

garantido. Será que se mantém a possibilidade de executar o bem empenhado mesmo

após a declaração de insolvência do prestador da garantia?

E por fim temos a questão de saber se, mesmo em caso de insolvência do

devedor, podemos lançar mão do instituto da compensação, e nessa medida compensar

os créditos recíprocos existentes.

Depois da análise do exposto lançaremos duas questões alvo de discordância na

jurisprudência que tentaremos desenvolver e tirar algumas conclusões.

2. Efeitos da declaração de insolvência

A declaração de insolvência acarreta muitos efeitos, sendo que o CIRE divide

esses efeitos por capítulos, nomeadamente efeitos sobre o devedor e outras pessoas,

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efeitos processuais, efeitos sobre os créditos, efeitos sobre os negócios em curso e

efeitos sobre os atos prejudiciais à massa insolvente.

Contudo, ao nosso estudo apenas interessam os efeitos sobre os negócios em

curso e os efeitos sobre os créditos que passamos a desenvolver.

2.1 Quanto aos negócios em curso

Relativamente aos negócios em curso à data da declaração de insolvência, o

CIRE prevê no art.º 102º um princípio geral quanto a negócios ainda não cumpridos.

Prevê-se a suspensão do cumprimento até que o administrador de insolvência declare

optar pela execução ou recusar o cumprimento.

Nos artigos seguintes o legislador prevê uma série de outros efeitos especiais

sobre situações particulares que se podem verificar quanto aos negócios em curso. Estão

assim previstos os casos de prestações indivisíveis (art.º 103º), venda com reserva de

propriedade e operações semelhantes (art.º 104º), venda sem entrega (art.º 105º),

promessa de contrato (art.º 106º), operações a prazo (art.º 107º), locação em que o

locatário é o insolvente e locação em que o insolvente é o locador (art.º 108º e 109º),

contratos de mandato e de gestão (art.º 110º), contrato de prestação duradoura de

serviço (art.º 111º), procurações (art.º 112º), insolvência do trabalhador (art.º113º),

prestações de serviço pelo devedor (art.114º), cessão e penhor de créditos futuros (art.º

115º), contas correntes (art.º 116º), associação em participação (art.º 117º), e

agrupamento complementar de empresas e agrupamento europeu de interesse

económico (art.º 118º). Por fim faz ainda referência no art.º 119º que todas estas normas

são imperativas, não podendo ser excluídas por convenção das partes. Os n.ºs 2 e 3 do

mesmo normativo fazem, ainda, referência à proibição do funcionamento da insolvência

como condição resolutiva dos negócios ou como facto gerador de um direito de

indemnização, de resolução ou de denúncia, o que não impede que a situação de

insolvência possa configurar justa causa de resolução ou de denúncia em atenção à

natureza e conteúdo das prestações contratuais.

2.2 Quanto aos créditos sobre a insolvência

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Quando falamos em créditos sobre a insolvência, estamos a referir-nos a créditos

cujo fundamento existe à data da declaração de insolvência62

, e desde logo temos como

efeitos da declaração da insolvência perante esses créditos já existentes, o vencimento

imediato das dívidas e consequente cálculo de juros, a extinção de privilégios

creditórios e garantias reais, a concessão de privilégio ao credor requerente, e o direito

de compensação.

Assim, a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as

obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva, art.º 91º do

CIRE. Quanto aos juros prevê-se que continuem a ser debitados sob a forma de

“créditos subordinados”. Isto significa que os juros mesmo com a declaração de

insolvência continuam a contar, só que serão graduados sob a forma de créditos

subordinados. De facto a declaração de insolvência não faz cessar a contagem de juros,

contudo ressalva-se a situação das obrigações ainda não exigíveis à data da declaração

de insolvência pela qual não fossem devidos juros remuneratórios, ou pela qual fossem

devidos juros inferiores à taxa de juros legal, nestes casos, havendo vencimento

antecipado da obrigação devido à declaração de insolvência, reduz-se para o montante

que corresponderia ao valor da obrigação em causa. Desta forma, pretende-se evitar que

o credor beneficie com o vencimento antecipado da obrigação, fazendo-se corresponder

o montante da obrigação da data do vencimento antecipado com o montante da data de

vencimento normal.

O art.º 97º do CIRE, estabelece que quer os privilégios creditórios gerais quer

especiais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência, cujos titulares sejam o

Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social, respetivamente

constituídos ou vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de

insolvência se extinguem com a declaração de insolvência. Estes normativos ressalvam

que apenas se mantêm os privilégios relativos a créditos mais recentes, extinguindo-se

os mais antigos e por tal os credores devem ser diligentes requerendo desde logo a

insolvência do devedor, pois só desta forma têm maior probabilidade de verem os seus

créditos privilegiados.

62 Art.º 47º do CIRE – Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência. N.º 1 “Declarada a

insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes na massa

insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua

nacionalidade e domicílio.” N.º 2 “Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas

que lhes correspondem, são neste Código denominados, respetivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas de insolvência.”

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Quanto às hipotecas legais acessórias aos créditos das mesmas entidades,

também se estabelece que estas só não se extinguem com a declaração de insolvência se

forem registadas antes dos dois meses anteriores ao início do processo de insolvência.

Também aqui se pretende que as entidades providenciem o registo logo que constituam

a hipoteca legal para não correrem o risco de se extinguir.

O mesmo acontece com as garantias reais sujeitas a registo, cujo este não se

verificou, ou não é alvo de pedido, também aqui se extinguem com a declaração de

insolvência.

Em relação ao direito de compensação, previsto pelo legislador no art.º 99º do

CIRE, podemos dizer que se trata de uma compensação condicionada, na medida em

que esta só pode operar mediante o preenchimento de pelo menos um dos requisitos

estabelecidos na alíneas do n.º 1 do referido artigo. No n.º 4 o legislador prevê ainda as

situações em que não é admissível a compensação de créditos sobre a insolvência com

dívidas à massa após a declaração de insolvência.

Secção II

Efeitos da Declaração de Insolvência Perante a Existência de Penhor

1. Preliminares

Os efeitos da declaração de insolvência mantêm-se os mesmos em relação à

declaração de insolvência do empenhador, ou seja o insolvente que tenha prestado

garantias, nomeadamente créditos garantidos por penhor, tem como efeitos da

declaração de insolvência os mesmos que teria caso não tivesse prestado essas garantias.

Neste entendimento, e apesar da declaração de insolvência acarretar diversos efeitos

importa-nos sobretudo os efeitos sobre os negócios em curso e os efeitos sobre os

créditos da insolvência, e dentro destes os créditos garantidos. É precisamente sobre

estes efeitos que de seguida analisaremos as suas particularidades.

1.1 Quanto aos negócios em curso garantidos por penhor

Como já tivemos oportunidade de ver, a regra quanto aos negócios não

cumpridos à data da declaração de insolvência é que o seu cumprimento fica suspenso

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até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o

cumprimento, art.º 102º do CIRE. Contudo, esta regra não terá grande aplicabilidade em

relação aos negócios em curso à data da declaração de insolvência, garantidos por

penhor, uma vez que nestes casos a maioria das vezes a entidade financiadora a esta

data já terá efetuado o financiamento. O que se verifica é que à data da declaração da

insolvência, pelo menos uma das partes já executou o contrato, e como tal o seu

cumprimento já não ficará suspenso até decisão do administrador da insolvência por

precisamente já se encontrar cumprido.

No entanto, coloca-se a questão das operações a prazo, previstas no art.º 107º do

CIRE. Ora, nestes casos, o comprador ou o devedor, consoante o caso, tem apenas

direito ao pagamento da diferença entre o preço ajustado e o preço de mercado do bem

ou prestação financeira no segundo dia posterior ao da declaração da insolvência,

relativamente a contratos com a mesma data ou prazo de cumprimento. Nesta situação

somos do entendimento de Tiago Soares da Fonseca63

que defende que “esta diferença,

sendo exigida ao insolvente, constitui crédito sobre a insolvência e o penhor que tenha

sido prestado mantém-se sobre ela, apesar de passar a assegurar uma obrigação de valor

inferior à que inicialmente visava”.

1.2 Quanto aos créditos sobre a insolvência, nomeadamente créditos

garantidos por penhor

A declaração de insolvência determina o vencimento imediato de todas as

obrigações do insolvente, não subordinadas a uma condição suspensiva. O mesmo se

verifica com as obrigações garantidas por penhor, também estas se vencem de imediato

com a declaração de insolvência. Aplica-se também o cálculo especial quanto à

contagem dos juros, para os casos em que a obrigação garantida não seja exigível à data

do vencimento, art.º 91º n.º 2 a 7 do CIRE.

Assim, apesar da declaração de insolvência o penhor dado em garantia de

créditos mantém-se, e isto só não será assim nas situações do art.º 97º n.º1 al. e) do

CIRE, pois as garantias reais sobre bens integrantes da massa insolvente acessórias de

créditos havidos como subordinados extinguem-se com a declaração de insolvência. Os

créditos havidos como subordinados são os previstos pelo legislador no art.º 48º als. a) a

g) do CIRE. Nos restantes casos o penhor subsistirá o que nos faz crer que o regime do

63

TIAGO SOARES DA FONSECA, O Penhor de Ações, Almedina, pp. 108.

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60

penhor poder ser bastante vantajoso para o credor não só numa situação normal como

garantia do seu crédito mas também numa situação em que o seu devedor é declarado

insolvente.

Quanto ao pagamento do crédito garantido após a declaração de insolvência, este

só pode ser efetuado, tal como qualquer outro crédito que não seja garantido, depois de

os créditos terem sido verificados por sentença transitada em julgado, art.º 173º do

CIRE. Contudo os créditos garantidos têm uma particularidade em relação aos restantes

créditos, é que estes são imediatamente pagos após a liquidação dos bens onerados com

a garantia real, com respeito pela prioridade que lhes caiba, art.º 174º do CIRE. Quanto

aos restantes credores serão pagos posteriormente, como credores comuns. Caso os

créditos garantidos não sejam pagos integralmente com a liquidação dos bens onerados

com a garantia real, estes credores podem ainda concorrer com os credores comuns em

relação ao património do devedor/insolvente.

Havendo um plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores e

posteriormente homologada pelo juiz, em nada interfere com as garantias reais

existentes, pois os direitos decorrentes de garantias reais não são afetados, art.º 197º al.

a) do CIRE.

Secção III

Particularidades do Penhor quanto à resolução do contrato em benefício da massa

insolvente

A resolução de contratos em benefício da massa insolvente, prevista no art.º 120º

do CIRE, permite ao administrador da insolvência resolver atos prejudiciais à massa

praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

Para tal consideram-se atos prejudiciais à massa aqueles que diminuam, frustrem,

dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

A resolução em benefício da massa insolvente pressupõe a existência de

determinados requisitos gerais, sendo eles a temporalidade, pois o ato tem de ser

praticados nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, e a

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prejudicialidade, pois o ato praticado tem de ser prejudicial à massa no sentido em que

afeta os interesses dos credores, diminuindo os bens da massa ou atrasando o

pagamento dos credores.

Podemos ainda, ter uma resolução condicional, prevista no n.º 2 do art.º 120º ou

incondicional, art.º 121º, ambos do CIRE.

A resolução condicional pressupõe a existência dos requisitos gerais e ainda a

má-fé do terceiro que contrata com o insolvente, ou seja este tem de conhecer, à data do

ato, uma das circunstâncias referidas nas três alíneas do n.º 5 do art.º 120º, sendo estas a

situação de insolvência atual do devedor, a situação de insolvência iminente do devedor

e o prejuízo à massa que implicava o ato, e por fim o inicio do processo de insolvência.

Quanto à resolução incondicional, não implica a existência de quaisquer outros

requisitos para além de ser uma das situações elencadas no art.º 121º do CIRE e não

admite prova em contrário. Assim, resolve-se incondicionalmente, em benefício da

massa insolvente, os seguintes atos: a) partilha celebrada menos de um ano antes da data

do início do processo de insolvência; b) atos celebrados pelo devedor a título gratuito

dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência; c)

constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de

outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data do início do processo de

insolvência, d) fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja

outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações

negociais com real interesse para ele; e) constituição pelo devedor de garantias reais em

simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro de 60 dias anteriores à data

do início do processo de insolvência; f) pagamento ou outros atos de extinção de

obrigações cujo vencimento fosse posterior à data de início do processo de insolvência,

ocorridos nos seis meses anteriores à data de início do referido processo, ou depois

desta mas anteriormente ao vencimento; g) pagamento ou outra forma de extinção de

obrigações efetuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de

insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse

exigir; h) atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data

do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam

manifestamente as da contraparte; i) reembolso de suprimentos, quando tenha lugar

dentro do mesmo período referido na alínea anterior.

Pelo exposto, da aplicação estrita do CIRE, presume-se que os atos celebrados

dentro dos períodos referidos seriam inválidos. Contudo, apesar de o contrato de penhor

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62

estar englobado nos atos que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente,

quer a título condicional quer incondicional, o certo é que as normas do CIRE são

derrogadas por legislação especial que é o que se verifica quanto ao penhor financeiro.

Assim, por força do art.º 17º n.º 1 do DL 105/2004, não podem ser resolvidos os

contratos de garantias financeiras, apenas com fundamento no facto do contrato ter sido

celebrado nos chamados “períodos suspeitos”64

.

De acordo com o art.º 17º n.º 2 do DL, também não serão nulos ou anulados os

atos, ainda que praticados nesses períodos, de prestação de nova garantia no caso de

variação do montante das obrigações financeiras garantidas ou a prestação de garantia

financeira adicional em situação de variação do valor da garantia financeira, nem a

substituição da garantia financeira por objeto equivalente. O que se pretende com esta

norma é impedir que pelo facto de a garantia ser prestada em relação a obrigações já

existentes ou por ser prestada em determinados períodos ditos como “suspeitos”, fossem

resolvidos esses atos em benefício da massa insolvente.

Esta disposição, permite assim, afastar a aplicação do art.º 120º e 121º do CIRE,

mesmo que os atos sejam praticados nos “períodos suspeitos” e sejam prejudiciais à

massa insolvente.

Secção IV

Execução do penhor depois da declaração de insolvência

Tal como tivemos oportunidade de ver o penhor mantém-se mesmo com a

declaração de insolvência, quer do devedor, quer do credor, e mantém-se com todas as

suas características.

De facto a melhor forma de obter o pagamento de uma dívida referente a uma

obrigação em incumprimento é recorrendo ao processo executivo, onde responde todo o

património do devedor que não cumpriu a obrigação.

O processo executivo é, assim, o meio judicial próprio e adequado a obter o

pagamento de uma dívida, esteja ela garantida ou não, sendo que quando aciona este

meio o credor não executa a dívida somente pela garantia que está associada ou adstrita

ao ato jurídico donde decorre a exigência do pagamento, mas todo o património do

devedor.

64

Tal como referido no preâmbulo do DL 105/2004.

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63

Contudo, apesar de ser este o meio adequado para obter o pagamento de uma

dívida coloca-se a questão de saber se podemos lançar mão do processo executivo

mesmo com a declaração de insolvência do devedor.

Ora, de acordo com o art.º 88º do CIRE, a declaração de insolvência determina a

suspensão de quaisquer diligências executivas que atinjam os bens integrantes da massa

insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva

intentada pelos credores da insolvência65

. Ou seja, sendo decretada a insolvência do

devedor todas as ações executivas em curso ou aquelas que poderiam vir a ser

intentadas pelos credores suspendem, ou não podem ser instauradas respetivamente, esta

suspensão é automática66

.

No entanto, e apesar das ações executivas, sejam elas garantidas por penhor ou

não, se suspenderem com a declaração de insolvência o facto é que se verifica mesmo

assim uma execução do património do devedor, isto porque o próprio processo de

insolvência é um processo de execução universal. Esta conclusão pode desde logo ser

retirada da letra da lei, art.º 1º do CIRE, “o processo de insolvência é um processo de

execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma

prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa

compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação

do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.

O processo de execução universal, denominado de “processo de insolvência”,

tem por finalidade a proteção e satisfação dos interesses dos credores, e tem por objeto

apreender todo o património do insolvente, liquidá-lo e repartir o produto obtido pelos

credores convocados para reclamar os seus créditos.

Perante esta finalidade e este objeto é fácil compreender a proibição estabelecida

no art.º 88 º do CIRE, em relação à instauração e prosseguimento de ações executivas

por parte dos credores da insolvência.

65

A insolvência tem como escopo axial a satisfação paritária dos interesses dos credores (par conditio creditorum), ou,

pela negativa, impedir que após a declaração da insolvência algum credor possa vir a obter ou adquirir na satisfação do seu crédito

uma posição privilegiada ou mais eficaz (mais rápida ou mais completa) do que os restantes credores. Ac. STJ de 12/07/2011, proc.

n.º 509/08.8TBSCB-K.C1.S1.

66

Quando referimos que as ações executivas se suspendem não queremos com isso dizer que se deve pôr fim à execução,

pois uma coisa é suspender outra é pôr fim ao processo executivo. Assim, suspender significa que a ação executiva fica interrompida

temporariamente e caso seja necessário, findo o processo de insolvência, pode ser retomado aquele processo, sem necessidade d e

iniciar novo processo.

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64

No processo de insolvência, todo o património do devedor fica à disposição da

generalidade dos credores, contrapondo-se assim, à ação executiva singular, na qual se

procura a liquidação de bens concretos desse património com vista a satisfazer um

crédito específico. Note-se que os fins de ambos os procedimentos se distinguem,

apesar de em ambos os casos estarmos perante um processo executivo, só que um visa o

interesse direto e próprio do credor e, o outro, o interesse de todos os credores,

adicionando-se ainda, neste caso, tratando-se de uma sociedade, a sua dissolução e

liquidação.

Conclui-se assim, que apesar de não ser possível instaurar uma ação executiva

contra o devedor depois de declarada a insolvência deste, e mesmo as ações pendentes

se suspenderem, o facto é que o credor, garantido ou não, ao reclamar os seus créditos

no processo de insolvência está a executar a sua dívida, na medida em que o processo de

insolvência visa a apreensão de todo o património do insolvente para posterior

liquidação e pagamento aos credores. A grande diferença neste caso é que no processo

de insolvência os bens a executar não são os bens afetos àquela dívida em concreto mas

todo o património do devedor que não só vai pagar a um credor mas a todos os credores

concorrentes.

Atente-se que, mesmo se tratando da apreensão de todo o património do

devedor, e havendo credores garantidos com garantias reais, nomeadamente o penhor,

temos que ter em consideração que os bens dados em penhor, quando liquidados serão

em primeiro lugar para satisfazer a dívida daquele crédito garantido.

Pelo exposto, é importante referir os artigos 174º e 166º do CIRE, pois referem-

se ao pagamento de créditos garantidos e ao atraso na venda de bem objeto de garantia

real, respetivamente.

Assim, liquidados os bens garantido por garantia real, e abatidas as

correspondentes despesas, é imediatamente feito o pagamento aos credores garantidos,

com respeito pela prioridade que lhes caiba. Não ficando estes credores garantidos

totalmente pagos com os valores apurados com a liquidação dos bens afetos à garantia

podem concorrer, com o restante valor em dívida, com os credores comuns perante a

generalidade do património do devedor.

O credor com garantia real deve, ainda, ser compensado pelo prejuízo causado

pelo retardamento da alienação do bem objeto da garantia que lhe não seja imputável,

bem como pela desvalorização do mesmo resultante da sua utilização em proveito da

massa insolvente.

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65

Ressalva-se o caso do penhor financeiro, em que temos que ter em atenção o DL

105/2004, desde logo por remissão do art.º 16º n.º 2 do CIRE, onde se lê “o disposto no

presente Código não prejudica o regime constante de legislação especial relativa a

contratos de garantia financeira.

Num caso de insolvência do devedor, autor de um penhor financeiro, o

administrador da insolvência deve entregar o valor em dívida ao credor. Pois em caso de

incumprimento, e mesmo que o objeto faça parte da massa insolvente, o credor pode

executar a garantia isoladamente. Destaca-se que, no penhor financeiro, cabe ao credor

a liquidação do bem dado em garantia e não ao administrador de insolvência67

.

Secção V

Compensação de créditos garantidos por penhor depois da declaração de

insolvência

Quanto à possibilidade de compensação de créditos após a declaração de

insolvência, o legislador previu essa situação no art.º 99º do CIRE. Estabelece o artigo

que após a declaração de insolvência só é possível compensar os créditos sobre a

insolvência com dívidas à massa se se verificarem os requisitos aí elencados, sendo

estes: a) ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data de

declaração de insolvência; b) ter o crédito sobre a insolvência preenchido antes do

contra crédito da massa os requisitos estabelecidos no art.º 847º do CC.

Ou seja, a possibilidade de compensar créditos sobre a insolvência com dívidas à

massa é agora admitida, genericamente, se os pressupostos legais da compensação se

verificassem já à data da declaração de insolvência, ou se, verificando-se em momento

posterior, o contra crédito da massa não houver preenchido em primeiro lugar os

requisitos estabelecidos no art.º 847º do CC.

O mesmo acontece em relação ao penhor de direitos, pois podem ser

compensados caso estejam preenchidos os requisitos da compensação. Em relação ao

penhor financeiro esta ideia vem reforçada no art.º 14º do DL 105/2004. Havendo lugar

à compensação, “deverá integrar a massa insolvente o objeto que havia sido dado em

garantia, o objeto equivalente, o montante em dinheiro ou o remanescente que decorra

67

DIOGO MACEDO GRAÇA, Os Contratos de Garantia Financeira, Almedina, pp. 103.

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66

da compensação, consoante os casos, e que podem ser exigidos diretamente ao credor

pelo administrador da massa insolvente”68

.

O art.º 99º n.º 4 do CIRE, prevê também a não admissibilidade da compensação,

nos casos em que a dívida à massa se tiver constituído após a data da declaração de

insolvência, designadamente em consequência da resolução de atos em benefício da

massa insolvente; se o credor da insolvência tiver adquirido o seu crédito de outrem,

após a data de declaração de insolvência; com dívidas do insolvente pelas quais a massa

não seja responsável; e por fim entre dívidas à massa e créditos subordinados sobre a

insolvência.

Secção VI

Questão Pertinente

1. Graduação de Créditos em caso de Insolvência: privilégio mobiliário da

segurança social versus penhor (garantia real).

Primeiramente, antes de analisarmos a questão propriamente dita importa fazer

referência ao conceito de credores da insolvência e à classe de créditos sobre a

insolvência.

Assim, credores da insolvência são todos aqueles que após a declaração desta são

titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens

integrantes da massa insolvente, cujo fundamento desse crédito é anterior à data da

declaração de insolvência.

Os créditos sobre a insolvência, de acordo com o CIRE, art.º 47º, podem ser

garantidos e privilegiados, sendo estes os que beneficiem, respetivamente, de garantias

reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais

sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor

dos bens objeto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais

onerações prevalecentes; subordinados, que são os créditos detidos por pessoas

especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já

aquando da respetiva aquisição, por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos

dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; os juros de créditos não

68

DIOGO MACEDO GRAÇA, Os Contratos de Garantia Financeira, Almedina, pp. 103.

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67

subordinados constituídos após a declaração da insolvência; os créditos cuja

subordinação tenha sido convencionada pelas partes; os créditos que tenham por objeto

prestações do devedor a título gratuito; os créditos sobre a insolvência que, como

consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro

de má-fé; os juros de créditos subordinados constituídos após a declaração de

insolvência; e os créditos por suprimentos. Todos estes créditos são subordinados

exceto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de

hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência. E por fim

os créditos comuns que são os demais créditos69

.

69

Créditos garantidos: créditos que são garantidos por bens individualizados da massa insolvente (tendo natureza real),

assumindo duas origens: processuais e não processuais. As garantias de origem processual, penhora e hipoteca judicial, perdem o

seu estatuto preferente no processo de insolvência (art.º 140º do CPC). Diferente é a situação das garantias de origem não processual

e compreendidas na lei substantiva cuja ordem de prevalência é acolhida e respeitada no processo de insolvência, com algumas

limitações. Como garantias de origem não processual temos: a consignação de rendimentos, penhor, hipoteca e o direito de retenção.

Estas beneficiam de garantias reais sobre determinados bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao

valor dos bens objeto das garantias – e só estes não se transmitindo para os bens existentes na massa. Quanto aos juros, dispõe a al.

b) do art.º 48º que os juros de garantias reais ou abrangidos por privilégios creditórios gerais são também créditos garantidos até ao

valor do bem. O remanescente passa a ser considerado subordinado. São também créditos garantidos, como dispõe a al. a) do n.º 4

do art.º 47º, os créditos que beneficiem de privilégios creditórios especiais sobre bens integrantes da massa insolvente (art.º 735º n.º

2 e 3 do CC), sendo estes pagos em primeiro lugar, de acordo com a prioridade que lhes caiba.

Créditos privilegiados: são créditos que beneficiam de privilégios imobiliários (bens imóveis) ou mobiliários (bens

móveis) sendo especiais ou gerais consoante incidam sobre um bem específico ou sobre uma universalidade de bens (art.º 735º n.º 1

e 2 do CC). Os privilégios especiais são garantias reais de cumprimento das obrigações, e assiste-lhes o chamado direito de sequela

sobre o bem que incidem (art.º 749º do CC). Já os privilégios gerais são destituídos da característica dos direitos reais – não se

consubstanciam em garantias reais de cumprimento de obrigações por não incidirem sobre imóveis certos e determinados, só

funcionando como acusa de preferência legal de pagamento. Nos termos do n.º3 do art.º 735º do CC, entre os créditos que gozam de

privilégio creditório imobiliário especial temos: despesas de justiça, IMI, IMT e imposto de sucessões e doações quando incide

sobre bens imóveis e créditos dos trabalhadores. Como créditos com privilégio imobiliário geral temos, entre outros: impostos de

IRC e IRS e as contribuições e juros para a segurança social. O IVA goza de privilégio mobiliário geral. Estes são os créditos

garantidos que beneficiam de privilégios creditórios gerais, recaindo sobre a totalidade dos bens móveis que integram a massa

insolvente. Esta classe de créditos é paga à custa dos bens móveis que não estiverem afetos a garantias reais prevalecentes sobre

estes (art.º 175º). Como privilégio creditório mobiliário especial temos as despesas de justiça e imposto sobre as sucessões e doações

quando incidem sobre bens móveis, imposto de selo, crédito do autor de obra intelectual entre outros. Entre os privilégios

mobiliários gerais temos, a título de exemplo, os créditos provenientes da falta de pagamento de impostos mencionados no art.º 736º

n.º1 do CC e os créditos do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Estes, não são garantias reais, pois não incidem sobre

coisas determinadas nem prevalecem sobre direitos de terceiros, sendo apenas preferências gerais anómalas relevantes para efeitos

de graduação de créditos.

Créditos comuns: categoria residual, em que se integram os créditos que não se enquadram em nenhuma das outras

categorias. Não gozam de uma garantia real prevalecente, nem de um privilégio creditório geral, e que também não se incluem na

categoria de créditos subordinados. Estes são pagos após a satisfação das dívidas da massa insolvente, do pagamento dos credores

garantidos e privilegiados, mas são pagos em primeiro lugar, relativamente aos credores subordinados.

Créditos subordinados: os enumerados no art.º 48º, que são pagos em último lugar. Nos termos da al. e) do n.º1 do art.º

97º as garantias reais são bens integrantes da massa insolvente acessórias de créditos havidos como subordinados extinguem-se com

a declaração de insolvência. Este tipo de créditos sobre a massa insolvente, os créditos “subordinados”, estão elencados no art.º 48º

e são graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência. Só serão, então, pagos, depois de integralmente pagos os créditos

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68

Contudo, apesar do legislador identificar quais as classes de créditos sobre a

insolvência, não o faz de forma a saber qual a ordem que deve ser atribuída a cada

classe de crédito para futura graduação de créditos sobre a insolvência.

Nos artigos 172º e seguintes do CIRE, temos apenas referência ao pagamento aos

credores mas nada se encontra a respeito da graduação de créditos. Assim, em primeiro

lugar, os bens da massa insolvente são para pagar as dívidas da própria massa70

, e só

posteriormente se procede ao pagamento dos créditos sobre a insolvência. O pagamento

dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os créditos que estiverem verificados

por sentença transitada em julgado.

O art.º 174º do CIRE, faz referência ao pagamento dos credores garantidos, sendo

que estes são imediatamente pagos após a liquidação dos bens onerados com a garantia

real, sempre com respeito pela prioridade que lhes caiba. Aqueles que não fiquem

totalmente pagos, os saldos respetivos serão integrados nos créditos comuns.

Quanto ao pagamento dos credores privilegiados, art.º 175º do CIRE, este são pagos

à custa dos bens não afetos às garantias reais prevalecentes, com respeito pela

prioridade que lhes caiba, e na proporção dos seus montantes, quanto aos que sejam

igualmente privilegiados.

O pagamento dos credores comuns, art.º 176º do CIRE, tem lugar na proporção dos

seus créditos, se a massa for insuficiente para a respetiva satisfação integral.

O pagamento dos créditos subordinados, art.º 177º do CIRE, só tem lugar depois de

integralmente pagos os créditos comuns, e é efetuado pela ordem segundo a qual esses

créditos são indicados no art.º 48º do mesmo Código, na proporção dos respetivos

comuns. Os juros de créditos não subordinados, constituídos após a declaração de insolvência, são também créditos subordinados,

com exceção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos respetivos bens. LUÍS M.

MARTINS, Processo de Insolvência – anotado e comentado, Reimpressão da 2ª Edição, Almedina, 2011, pág. 168 e seguintes.

70 São dívidas da massa insolvente, de acordo com o art.º 51º do CIRE, as custas do processo de insolvência; as

remunerações do administrador de insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; as dívidas emergentes

dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; as dívidas resultantes da atuação do administrador da

insolvência no exercício das suas funções; qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado

pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; qualquer

dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida

correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a

período anterior a essa declaração; qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objeto uma prestação duradoura, na medida

correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial

provisório; as dívidas constituídas por atos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; as

dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; e a obrigação de prestar alimentos relativa a período

posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do art.º 93º do CIRE.

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69

montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se a massa for insuficiente para o

seu pagamento integral.

Ora, como no CIRE nada se diz a respeito da graduação dos créditos, recorremos ao

art.º 666º, n.º 1 do CC, referente ao penhor para podermos saber em que lugar graduar o

crédito garantido por penhor. Neste sentido, no artigo o legislador estabeleceu que o

penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os

demais credores. Segundo esta norma, um crédito garantido por penhor ficaria à frente,

na graduação de créditos, perante qualquer outro crédito. Assim, na falta de disposição

do CIRE, quanto à graduação dos créditos, recorremos às normas do CC e de outras

legislações especiais.

Neste caso, temos que ter em atenção as normas do Código dos Regimes

Contributivos do Sistema Providencial da Segurança Social, uma vez que a nossa

questão se põe perante a graduação de créditos aquando da existência de um penhor e de

um privilégio mobiliário geral da segurança social.

Importa então saber o estipulado no art.º 204º do Código dos Regimes Contributivos

do Sistema Providencial da Segurança Social. Assim, n.1 do referido artigo, “os créditos

da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de

privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do

art.º 747ºdo CC”, n.º 2 “este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de

constituição anterior”.

Pelo exposto, o crédito garantido por penhor é derrogado pela prevalência na

graduação do privilégio mobiliário geral conferido à segurança social.

Vejamos em particular as características do penhor e do privilégio mobiliário geral.

O art.º 666, n.º 1 do CC prevê expressamente que o penhor confere ao credor o

direito à satisfação do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor

de certa coisa móvel, assistindo inclusivamente ao credor pignoratício, nos termos do

art.º 675º, n.º1 do CC, o direito a ser pago pelo produto da venda judicial da coisa

empenhada.

Pelo facto do penhor ser uma garantia real que confere ao credor o direito à

satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores, pelo valor do direito

empenhado, este deve assim, prevalecer à frente na graduação de quaisquer créditos.

De acordo com os artigos 666º, n.º1 e 749º, n.º 1 do CC, o penhor constituído

validamente é oponível erga omnes e prefere ao privilégio mobiliário geral, pelo que

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70

todos os créditos aos quais lhe seja reconhecido um privilégio mobiliário geral não

podem ser, quanto ao bem empenhado, graduados antes do crédito pignoratício71

.

Dada a natureza jurídica do penhor, por regra, o credor que goze do direito de

penhor sobre um direito pertencente ao devedor ou a terceiro, goza de preferência, sobre

qualquer outro credor, na realização ou satisfação do seu direito de crédito pelo valor do

bem empenhado.

Neste sentido, Ac. do TRC, de 18/05/201072

, “na verdade é comummente aceite que

os privilégios mobiliários gerais não constituem verdadeiros direitos reais de garantia

pois que não incidem sobre coisa certa e determinada, como é da natureza do direito real

de garantia (de gozo, de aquisição ou de preferência) e, consequentemente, não

conferem ao respetivo titular direito de sequela sobre os bens em que recaiam. Assim,

eles assumem-se como meros direitos de prioridade que apenas têm algo de parecido

com a eficácia própria dos direitos reais na medida em que prevalecem contra os

credores comuns na execução do património do devedor. Numa outra perspetiva, pode

dizer-se que enquanto uma garantia real constitui um direito subjetivo pois que concede

autorização legal de aproveitamento de um bem para efeito de assegurar o cumprimento

da obrigação, os privilégios gerais são um mero esquema de beneficiação do credor, em

termos de responsabilidade patrimonial, não constituindo um direito subjetivo. (…) os

privilégios gerais não são, ex vi do art.º 749º do CC, oponíveis a outros direitos reais,

como é o caso do penhor”73

.

Assim, e tal como já foi referido os créditos que beneficiem de privilégio mobiliário

geral, não constituem verdadeiros direitos reais de garantia sobre coisa certa e

determinada, como é da natureza dos direitos reais de garantia, sendo que os privilégios

mobiliários gerais, cedem perante os direitos reais de garantia de terceiros,

individualizados sobre bens concretos.

71

“O penhor é uma verdadeira garantia de cumprimento das obrigações, especial e de cariz real, logo com sequela e

oponível erga omnes, versus o privilégio mobiliário geral que se consubstancia como uma mera prioridade de pagamento perante os

credores comuns; destarte, se constituído validamente o penhor, o crédito assim garantido prefere aos que apenas estejam

acobertados por aquele privilégio” (…), Ac. do TRC, de 18/05/2010, proc. n.º 854/04.1TBTMR-D.C1; neste sentido também o Ac.

do TRC, de25/01/2011, proc. n.º 825/08.9 TBMGR-K.C1

72

Ac. TRC, datado de 18/05/2010, proc. n.º 854/04.1 TBTMR-D.C1.

73

Neste sentido Acs. do STJ de 22.06.2005, in dgsi.pt, p. 05B1511 citando Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações,

pág. 498 e Orlando de Carvalho in Direitos das Coisas, 1977, pág. 220, 221 e 370; de 30.05.2006 p. 06A1449; de 08.06.2006, p.

06B998; de 11.10.2007, p. 07B3427; de 25.03.2009, p. 08B2642 e de 10.12.2009, p.864/07.7TBMGR-I.C1.S1, no qual se cita vasta

jurisprudência e doutrina.

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71

Ora a questão coloca-se quanto ao privilégio mobiliário conferido à segurança

social, também se deveria graduar abaixo dos créditos garantidos por penhor (direito

real de garantia), o certo é que não é assim que acontece. No caso de existir penhor em

conflito com o privilégio mobiliário geral da segurança social, de acordo com o art.º

204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança

Social, o penhor cede perante este.

De acordo com o estabelecido no CC, em caso de processo de insolvência em que

concorram um crédito garantido por penhor e um privilégio mobiliário geral, os créditos

graduar-se-ão na seguinte ordem: em primeiro lugar o crédito garantido por penhor e em

segundo lugar o privilégio mobiliário geral concedido à segurança social.

Esta é a regra quanto à graduação de créditos quando temos créditos garantidos por

penhor de um lado e privilégio mobiliário geral por outro. Contudo, apesar deste regime

contido no CC temos que ter em atenção o art.º 204º do Código dos Regimes

Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, que no seu n.º 1 estabelece

que os privilégios mobiliários gerais da segurança social se equiparam ao privilégio

mobiliário geral do Estado, por créditos de impostos, art.º 747º, n.º 1 al. a) do CC.

De acordo com o estabelecido no n.º 1 do referido art.º 204º em nada se altera a

regra quanto à graduação de créditos já elencada. No entanto, o problema coloca-se por

causa do n.º 2 deste mesmo artigo onde o legislador estabelece que os créditos da

segurança social prevalecem em relação ao penhor, ainda que de constituição anterior.

Então, se os créditos da segurança social, em concreto por contribuições,

quotizações e respetivos juros de mora, são equiparados aos créditos por impostos do

Estado e estes últimos são graduados a seguir aos créditos garantidos por penhor qual

será o sentido de os créditos da segurança social serem graduados antes dos créditos

garantidos por penhor.

Se ambos os créditos, da segurança social e do Estado, gozam de um privilégio

mobiliário geral por que razão é que um se gradua acima dos créditos garantidos por

penhor e outro abaixo desse mesmo crédito? Esta norma (art.º 204º) levanta assim

muitas dúvidas e não será fácil entender a sua razão de ser.

No nosso entendimento, um argumento plausível será o de que a prevalência do

privilégio mobiliário geral da segurança social sobre o penhor se deve ao facto de a

regra geral do CC cair quando em confronto com uma regra especial prevista em lei

especial posterior, neste caso a regra do art.º 204º do Código do Regimes Contributivos

do Sistema Previdencial de Segurança Social. No entanto, este argumento vai contra o

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argumento da prevalência do penhor devido à natureza dos dois institutos em análise,

pois os privilégios mobiliários gerais não constituem verdadeiros direitos reais de

garantia sobre coisa certa e determinada pelo que deveriam ceder perante os direitos

reais de garantia de terceiros, sobre bens concretos, como é o caso do penhor.

Depois de feita esta análise, cumpre dizer que a dúvida permanece uma vez que a

norma estabelece que os créditos da segurança social se graduam no mesmo lugar que

os impostos devidos ao Estado, ora se estes se graduam depois do penhor como podem

os créditos da segurança social graduar-se antes do penhor?

Apesar desta dúvida, cremos que o penhor independentemente de estar em confronto

com os créditos do Estado por impostos, ou dos créditos da segurança social por

contribuições, quotizações e respetivos juros de mora deve prevalecer sobre estes,

devido à sua natureza de direito real de garantia oponível erga omnes (art.º 666º, n.º 1

do CC) enquanto que os privilégios mobiliários gerais não valem contra terceiros,

titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam

oponíveis ao exequente (art.º 749º, n.º 1 do CC).

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CONCLUSÃO

O penhor de direitos é uma garantia real que se insere nas garantias especiais

das obrigações, o que representa uma vantagem acrescida para o credor

garantido em relação à garantia comum, conferida pelo património do

devedor.

O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, com

preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou

pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca,

pertencentes ao devedor ou a terceiro.

O credor pode sempre fazer valer o seu direito de preferência na satisfação

do seu crédito perante todos os demais credores. O direito de garantia do

credor não incide sobre a totalidade do património do devedor, mas sim,

sobre um bem ou direito, determinado, afeto àquela garantia.

Estamos perante um desvio ao princípio da igualdade dos credores, na

medida em que o direito real atribui preferência à satisfação do crédito do

credor pignoratício em relação aos restantes credores comuns.

As garantias reais constituem mais valias quer para o devedor quer para o

credor da obrigação garantida, pois o primeiro prestando uma garantia real

consegue mais facilmente a concessão de um crédito e o segundo ao

beneficiar de uma garantia real vê o seu crédito garantido, o que lhe traz

maior segurança na sua satisfação perante os demais credores.

São objeto do penhor de direitos, coisas móveis suscetíveis de transmissão,

englobando-se créditos e outros direitos não sujeitos a hipoteca, pertencentes

ao devedor ou a terceiros.

Pode constituir-se mais que um penhor sobre o mesmo direito, sendo que

terá preferência o de constituição anterior.

O crédito bancário detém uma grande importância para o desenvolvimento

económico, na medida em que consiste na disponibilização de determinado

montante em dinheiro por parte de uma Instituição Bancária aos seus

clientes.

Perante a concessão de um crédito a Instituição Bancária exige a prestação

de uma garantia ao beneficiário do crédito, que será uma garantia adicional

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ao património do devedor, temos portanto o penhor de direitos que será uma

garantia especial perante o património comum.

Com o penhor de direitos a garantir o cumprimento do crédito bancário a

Instituição Bancária fica garantida, na medida em que em caso de

incumprimento pode executar o penhor para a satisfação do seu crédito.

Com a execução do penhor o credor pignoratício consegue satisfazer o seu

crédito com preferência sobre os demais credores comuns.

Aquando de uma possível declaração de insolvência do devedor, o credor

garantido vê o seu crédito graduado em primeiro lugar, o que lhe garante a

satisfação do seu crédito preferencialmente perante os restantes credores

com a liquidação do bem empenhado.

Conclusão: um crédito garantido por penhor traz grandes vantagens para o

credor pignoratício, quer em caso de incumprimento da obrigação, quer em

caso de declaração de insolvência do devedor, pois em ambos os casos o

penhor de acordo com o art.º 666º n.º 1 do CC gradua-se preferencialmente

perante os restantes credores.

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