FisioterapiaEPesquisa15-1

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ISSN: 1809-2950 FISIOTERAPIA PESQUISA REVISTA DE FISIOTERAPIA DA UNIVERSIDADE DE S…O PAULO ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL Volume 15 número 1 Janeiro Õ Março 2008 e

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ISSN: 1809-2950

FISIOTERAPIA PESQUISA

REVISTA DE FISIOTERAPIA DA UNIVERSIDADE DE S…O PAULO

ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL

Volume 15 número 1 JaneiroÕMarço 2008

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2a capa (verso da 1a capa)

Fisioterapia e Pesquisa continuação da Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitora Profa. Dra. Suely Vilela Sampaio Vice-Reitor Prof. Dr. Franco Maria Lajolo

Faculdade de Medicina Diretor Prof. Dr. Marcos Boulos

Depto. de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional Chefe Profa. Dra. Clarice Tanaka

Curso de Fisioterapia Coordenadora Profa. Dra. Raquel Aparecida Casarotto

Fisioterapia e Pesquisa v.15 n.1, jan/mar. 2008

Filiada à

Fisioterapia e Pesquisa / (publicação do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo)

v.1, n.1 (1994). – São Paulo, 2005. v.: il.

Continuação a partir de v.12, n.1, 2005 de Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo.

Semestral: 1994-2004 Quadrimestral: a partir do v.12, n.1, 2005 Trimestral a partir do v.15, n1, 2008 Sumários em português e inglês ISSN 1809-2950

1. FISIOTERAPIA / periódicos I. Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

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ISSN: 1809-2950

FISIOTERAPIA PESQUISA

Revista do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DE FISIOTERAPEUTAS DO BRASIL

Volume 15 número 1 JaneiroÕMarço 2008

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Publicação trimestral do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP Fisioterapia e Pesquisa visa disseminar conhecimento científico rigoroso de modo a subsidiar tanto a docência e pesquisa na área quanto a fisioterapia clínica. Publica, além de artigos de pesquisa originais, revisões de literatura, relatos de caso/s, bem como cartas ao Editor. INDEXADA EM: LILACS – Latin American and Caribbean Health Sciences; LATINDEX – Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Cientifícas de Américas; CINAHL – Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature; e SportDiscus.

EDITORA-CHEFE Profa. Dra. Amélia Pasqual Marques

EDITORAS ASSOCIADAS Profa. Dra. Isabel de Camargo Neves Sacco Profa. Dra. Sílvia Maria Amado João

CORPO EDITORIAL

Alberto Carlos Amadio Escola de Educação Fisica e Esportes / USP São Paulo SP Brasil

Antonio Fernando Brunetto Depto. de Fisioterapia /UEL – Univ. Estadual de Londrina Londrina PR Brasil

Armèle Dornelas de Andrade Depto. de Fisioterapia / UFPe ~ Univ. Federal de Pernambuco Recife PE Brasil

Augusto Cesinando de Carvalho Depto. de Fisioterapia / Unesp – Univ. Estadual Paulista Pres.Prudente SP Brasil

Barbara M. Quaney Medical Center / University of Kansas Kansas City KA EUA

Carmen Silvia Benevides Fellippa Centro de Ciências da Saúde / UFSM – Univ. Federal de Santa Maria Sta. Maria RS Brasil

Cláudia R. Furquim de Andrade Curso de Fonoaudiologia, Fofito/ Faculdade de Medicina/ USP São Paulo SP Brasil

Chukuka S. Enwemeka New York Institute of Technology Nova Iorque NY EUA Débora Bevilaqua Grossi Faculdade de Medicina/ USP Ribeirão Preto SP Brasil

Dirceu Costa Faculdade de Ciências da Saúde/ Unimep – Univ. Metodista de Piracicaba Piracicaba SP Brasil

Fátima Correa Oliver Curso de Terapia Ocupacional /Fofito/ Faculdade de Medicina/ USP São Paulo SP Brasil

Fay B. Horak Neurological Science Institute/ Oregon Health & Science University Portland OR EUA

Gil Lúcio Almeida Depto. de Fisioterapia / Unaerp – Univ. de Ribeirão Preto Ribeirão Preto SP Brasil

Helenice Jane C. Gil Coury Depto. de Fisioterapia/ UFSCar – Univ. Federal de São Carlos São Carlos SP Brasil

Jan Magnus Bjordal Department of Public Health and Primary Health Care/ University of Bergen Bergen Norue

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João Carlos Ferrari Corrêa Depto. de Ciências da Saúde / Uninove – Centro Universitário Nove de Julho São Paulo SP Brasil

José Rubens Rebelatto Depto. de Fisioterapia/ UFSCar – Univ. Federal de São Carlos São Carlos SP Brasil

Marcos Duarte Escola de Educação Fisica e Esportes / USP São Paulo SP Brasil Maria Ignêz Zanetti Feltrim Instituto do Coração, Faculdade de Medicina/ USPSão Paulo SP Brasil

Neide Maria Lucena Depto. de Fisioterapia / UFPb ~ Univ. Federal da Paraíba João Pessoa PB Brasil

Oswaldo Crivello Junior Depto. de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilofaciais, Faculdade de Odontologia/ USP São Paulo SP Brasil

Patricia Castelucci Instituto de Ciências Biomédicas / USP São Paulo SP Brasil

Rinaldo Roberto de J. Guirro Faculdade de Ciências da Saúde/ Unimep – Univ. Metodista de Piracicaba Piracicaba SP Brasil

Rosângela Corrêa Dias Esc.ola de Educ. Física, Fisioterapia e Terapia

Ocupacional/ UFMG – Univ. Federal de Minas Gerais

Belo Horizonte MG Brasil

Sérgio L. Domingues Cravo Depto. de Fisiologia/ Unifesp – Univ. Federal de São Paulo São Paulo SP Brasil

Sérgio Teixeira da Fonseca Escola de Educ. Física, Fisioterapia e Terapia

Ocupacional/ UFMG – Univ. Federal de Minas Gerais

Belo Horizonte MG Brasil

Simone Dal Corso Depto. de Ciências da Saúde / Uninove – Centro Universitário Nove de Julho São Paulo SP Brasil

Tânia de Fátima Salvini Depto. de Fisioterapia/ UFSCar – Univ. Federal de São Carlos São Carlos SP Brasil

Vera Maria Rocha Centro de Ciências da Saúde / UFRN – Univ. Federal do Rio Grande do Norte Natal RN Brasil

Fisioterapia e Pesquisa

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SUMÁRIO CONTENTS

Editorial 5 Editorial

Pesquisa original Original research

Retorno à produtividade após reabilitação de pacientes deambuladores vítimas de trauma craniencefálico 6

Return to productivity after rehabilitation by walking patients, traumatic brain injury survivors Cleuza B. da Silva, Ana Beatriz S. Brasil, Daniel B. Bonilha, Luciana Masson, Milene S. Ferreira

Reeducação postural global e alongamento estático segmentar na melhora da flexibilidade, força muscular e amplitude de movimento: um estudo comparativo 14

Global posture reeducation and static muscle stretching on improving flexibility, muscle strength, and range of motion: a comparative study

José Luís P. do Rosário, Adriana de Sousa, Cristina M. Nunes Cabral, Silvia M. Amado João, Amélia Pasqual Marques

Fatores de risco físicos e organizacionais associados a distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho na indústria têxtil 24

Physical and organisational risk factors associated to work-related musculoskeletal disorders in textile industry

Adriana C. de Souza Melzer

Efeitos de um programa de hidroterapia na pressão arterial e freqüência cardíaca de mulheres idosas sedentárias 33

Effects of a hidrotherapy program on blood pressure and heart rate in elderly, sedentary women

Juliana Monteiro Candeloro, Fátima Aparecida Caromano

Os componentes motor e visual de uma tarefa-dupla devem ser associados ou isolados durante o treinamento? 42

Should motor and visual components of a dual-task be associated or separated during training?

Mariana Callil Voos, Gisele Braga Pinheiro, Luciana Olcerenko Cicca, Andréia Lázaro, Luiz Eduardo R. do Valle, Maria Elisa P. Piemonte

Análise cinemática comparativa da fase de apoio da corrida em adultos e idosos 52 Comparative kinematic analysis during the stance phase of running in adults and elderly

Reginaldo Kisho Fukuchi, Marcos Duarte

Efeito de diferentes tempos de alongamento na flexibilidade da musculatura posterior da coxa 62

Effect of different stretching durations on posterior thigh muscle flexibility Ana Teresa Tirloni, Ana Carulina G. Belchior, Paulo de Tarso C. de Carvalho, Filipe Abdalla dos Reis

Efeitos da terapia fotodinâmica e de uma única aplicação de laser de baixa potência em bactérias in vitro 71

Effects of photodynamic therapy an of a sole low-power laser irradiation on bacteria in vitro Rogério Gubert Benvindo, Graziela Braun, Alberito Rodrigo de Carvalho, Gladson Ricardo F. Bertolini

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Desempenho funcional de crianças com mielomeningocele . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 Functional performance of children with myelomeningocele

Luanda André Collange, Renata Calhes Franco, Roberta Nunes Esteves, Nelci Zanon-Collange

Acidentes de trabalho envolvendo mãos: casos atendidos em um serviço de reabilitação . . . . 86 Hand occupational injuries: cases in a rehabilitation centre

Mariana A. Peixoto Souza, Lúcia Helena de A. Cabral, Rosana Ferreira Sampaio, Marisa Cotta Mancini

Efeito da continuidade da fisioterapia respiratória até a alta hospitalar na incidência de complicações pulmonares após esofagectomia por câncer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

Effect of sustained respiratory care until hospital discharge on the incidence of pulmonary complications following esophagectomy for cancer Adriana Claudia Lunardi, Juliana Mantovani Resende, Olívia Maio Cerri, Celso R. Fernandes de Carvalho

Relato de casos Case report

Atividade eletromiográfica dos músculos do joelho em indivíduos com reconstrução do ligamento cruzado anterior sob diferentes estímulos sensório-motores: relato de casos . 104

Electromyographic activity of knee muscles in individuals with anterior cruciate ligament reconstruction under different perturbations: case report Jefferson Rosa Cardoso, Artur Inacio Prado, Henrique Kiyoshi Iriya, Ana Beatriz de A. N. Santos, Hugo Maxwell Pereira

Revisão Review

Efeitos do exercício físico durante a hemodiálise em indivíduos com insuficiência renal crônica: uma revisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

Effects of physical exercise during hemodialysis in patients with chronic renal insufficiency: a literature review Regina M. Faria de Moura, Fernanda Camila R. Silva, Gláucia Marise Ribeiro, Lidiane Aparecida de Sousa

Principais instrumentos para avaliação da disfunção temporomandibular, parte I: índices e questionários; uma contribuição para a prática clínica e de pesquisa . . . . . 121

Main instruments for assessing temporomandibular disorders, part I: indices and questionnaires; a contribution to clinicians and researchers Thaís Cristina Chaves, Anamaria Siriani de Oliveira, Débora Bevilaqua Grossi

Principais instrumentos para avaliação da disfunção temporomandibular, parte II: critérios diagnósticos; uma contribuição para a prática clínica e de pesquisa . . . . . . . 132

Main instruments for assessing temporomandibular disorders, part II: diagnostic criteria; a contribution to clinicians and researchers Thaís Cristina Chaves, Anamaria Siriani de Oliveira, Débora Bevilaqua Grossi

Instruções para autores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140 Ficha de assinatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

* Atenção, entrou o zero de última hora, que devia ser o primeiro. São 15 artigos. Os arquivos

estão numerados começando de art.0.

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EDITORIAL EDITORIAL

Este é um novo ano de mudanças em Fisioterapia e Pesquisa, sempre buscando a melhor qualidade. Temos em mira a indexação da Revista pela base de dados SciELO, a Scientific Electronic Library Online, administrada pela Fapesp e pela Bireme que, por sua vez, é o centro da Organização Mundial da Saúde para nosso continente (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde).

Para adequar-nos aos parâmetros da SciELO, iniciamos 2008 com muito trabalho, mas com grande otimismo: estamos passando de três para quatro números por ano, ou seja, a Revista passa a ser trimestral, publicando um total mínimo de 60 artigos anuais. Dentre outras adequações, haverá ainda alterações no corpo editorial e dos colaboradores que dão parecer, para ampliar sua abrangência geográfica.

As editoras de Fisioterapia e Pesquisa agradecem a todos os que, nos últimos três anos, cederam seu nome para compor o corpo editorial; e aos que – num trabalho voluntário e, pela própria natureza, anônimo, porém imprescindível para conferir integridade e confiabilidade à publicação científica – procederam ao exame cuidadoso dos manuscritos submetidos. É graças à dedicação e compromisso desses profissionais que a Revista alcança hoje qualidade e regularidade de publicação. Deles – e dos próximos – colaboradores, porém, espera-se ainda mais dedicação, pois a nova periodicidade requer uma aceleração no ritmo de trabalho para agilizar o fluxo dos manuscritos.

Esperamos continuar a contar com o apoio de todos, quer na submissão de artigos – que hoje também pode ser feita online pelo portal www.mdportal.com.br/FP – quer na revisão dos manuscritos submetidos, nesta cruzada coletiva pelo aprimoramento da qualidade da pesquisa e da assistência em Fisioterapia.

Profa. Dra. Amélia Pasqual Marques

Editora-chefe

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Retorno à produtividade após reabilitação de pacientes deambuladores vítimas de trauma craniencefálico Return to productivity after rehabilitation by walking patients, traumatic brain injury survivors

Título condensado: Produtividade pós-trauma craniencefálico Cleuza Braga da Silva1, Ana Beatriz S. Brasil2, Daniel Bonucci Bonilha2, Luciana Masson2,

Milene Silva Ferreira3 Colaboradoras Rita C. M. Neves, fisioterapeuta; Carolina S. Lolo, psicóloga

1 Fisioterapeuta; Chefe da Clínica de Lesão Encefálica Adquirida no Setor de Fisioterapia Adulto da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente, São Paulo, SP)

2 Fisioterapeutas do Setor de Fisioterapia Adulto da AACD 3 Médica fisiatra; Coordenadora da Clínica de Lesão Encefálica Adquirida da AACD

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Cleuza B. Silva Al. dos Arapanés 419 apto. 175 Indianópolis 04524-000 São Paulo SP e-mail: [email protected]

RESUMO: Vítimas de trauma craniencefálico (TCE) freqüentemente alcançam independência nas atividades de vida diária, mas encontram limitações quanto à participação na comunidade ou no trabalho produtivo. Este estudo visou verificar o índice de retorno, após programa de reabilitação, à produtividade (estudo e/ou trabalho) de sujeitos que haviam tido TCE. Participaram 60 sujeitos deambuladores comunitários (média de idade 30,4 anos, mínima 18, máxima 53), selecionados dentre os prontuários de pacientes com diagnóstico de TCE que freqüentaram o programa de reabilitação entre 2002 a 2004 no Setor de Fisioterapia Adulto da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) em São Paulo, SP. Em entrevista, foi aplicado um questionário elaborado pela equipe da AACD. Os participantes – 51 homens e 9 mulheres – tinham sofrido em sua maioria (95%) trauma grave. Os resultados mostram que 71,7% dos participantes retomaram atividades ocupacionais ou escolares, mas apenas 38,3% estavam trabalhando por ocasião da entrevista. Embora sem significância estatística, o tempo decorrido entre o trauma e o início da reabilitação parece estar associado ao retorno à produtividade. O nível de escolaridade prévio ao trauma mostrou ter influência (p<0,01) no retorno à produtividade, alcançado por uma boa parte dos sujeitos que sofreram TCE. Descritores: Ajustamento social; Atividades cotidianas; Reabilitação; Traumatismo encefálico

ABSTRACT: Traumatic brain injury (TBI) survivors are frequently independent regarding daily life activities, but often face limitations concerning community participation or productive work. This study aimed at determining the rate of return to productivity (studying or working) of subjects having suffered TBI. Sixty walking TBI patients (mean age 30.4, range 18 to 53 years old) were selected by chart review of TBI patients who attended a rehabilitation program between 2002 and 2004 in AACD, São Paulo, and were interviewed to answer a questionnaire. Participants – 51 men, 9 women – had mostly (95%) undergone severe trauma. Results show that 71.7% of the patients returned to productivity (but only 38.3% were effectively working at the time of the interview). Though with no statistical significance, the time lag between the trauma and the onset of rehabilitation seems to be associated to social adjustment. The educational level previous to the trauma was shown to influence return to productivity, reached by a good part of TBI survivors. Key words: Activities of daily living; Brain injuries; Rehabilitation; Social adjustment

APRESENTAÇÃO nov. 2006

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO maio 2007

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INTRODUÇÃO

No município de São Paulo, a mortalidade por acidentes de tráfego e violência é alta e o trauma craniencefálico (TCE) é uma das lesões mais freqüentes. Em 1997, 3.635 indivíduos foram internados com diagnóstico de TCE; a faixa de maior incidência foi de adultos entre 20 e 39 anos (33%), seguidos de crianças menores de 10 anos (20,3%); a maioria (76,6%) eram homens e a taxa de mortalidade hospitalar foi de 10,2%1.

Segundo Souza e Koizumi 2, os distúrbios adquiridos após um TCE interferem na capacidade do indivíduo em desempenhar funções e cumprir papéis que dele são esperados. Johnston et al.3 afirmam que as disfunções cognitivas e comportamentais são importantes indicadores da incapacidade após o trauma. Limitações da função motora podem afetar as atividades da vida diária (AVD) e a inclusão na comunidade desses indivíduos. Sua satisfação está associada ao retorno à produtividade, que é definida por Morris et al.4 como retorno ao trabalho, estudo ou qualquer outra ocupação regular. Autores sugerem que idade, estado civil, capacidade de memorização, independência esfincteriana, extensão da incapacidade são fatores que afetam a satisfação pessoal e a inclusão social3,5,6.

Sobreviventes ao TCE, porém, freqüentemente perdem a capacidade de retornar às atividades acadêmicas ou ao mercado competitivo7. Essa capacidade de retorno não é apenas influenciada pelas condições físicas, emocionais e/ou cognitivas, mas também por fatores não-relacionados à saúde. Vários autores encontraram relações entre características sociodemográficas – idade, raça, nível de escolaridade, tipo de ocupação, função prévia exercida, salário antes do trauma (ou seja, nível de renda) – e a capacidade do indivíduo de voltar às atividades anteriores, retorno que também depende da participação em programas de reabilitação e do suporte social que o indivíduo recebe4,8-14.

Oddy et al.15, estudando sobreviventes de TCE grave, observaram que o reajuste social era restrito aos poucos que trabalhavam; os demais enfrentavam muitos problemas, semelhantes aos de uma pessoa desempregada crônica, como a perda da adequada distribuição de tempo no cotidiano, ausência de amigos, falta de objetivos a alcançar, falta de oportunidades para mostrar competência, entre outros15.

O retorno à produtividade – aqui entendido como retomada dos estudos e/ou trabalho – é tradicionalmente visto na sociedade contemporânea como proposta central de vida e assume papel principal no suprimento das necessidades econômicas e de auto-estima2. Por isso, a reabilitação tem como principais objetivos ajudar o indivíduo a recuperar antigas ou criar novas habilidades para manter relações sociais e encorajar o desenvolvimento de novos vínculos em substituição àqueles perdidos após a lesão, promovendo seu retorno a atividades como trabalho, estudo, atividades domésticas e outras relevantes5,16. Portanto, o retorno à produtividade é uma das metas na reabilitação e é particularmente relevante quando se examina o impacto econômico individual e social do trauma – a maioria de cujas vítimas são adultos jovens2.

Frente aos dados da literatura e pela falta de pesquisas no Brasil sobre esse tema, o objetivo deste estudo foi verificar o índice de retorno à produtividade de indivíduos

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deambuladores vítimas de TCE que completaram um programa de reabilitação.

METODOLOGIA

Este estudo transversal foi realizado no Centro de Reabilitação da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD/São Paulo) e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição (protocolo 41/2005).

Amostra No Serviço de Arquivo Médico e Estatístico da instituição foram identificados

285 prontuários de pacientes com diagnóstico de TCE que passaram por avaliação na Instituição no período de 2002 a 2004. Os prontuários foram revisados para a seleção da amostra de acordo com os seguintes critérios de inclusão: início no programa de reabilitação a partir de janeiro de 2002; conclusão do programa de reabilitação entre julho de 2002 e julho de 2004; deambuladores comunitários, com ou sem meios auxiliares; escolaridade maior ou igual à 4a série do ensino fundamental (para excluir analfabetos, para os quais seria impossível avaliar retorno à escolaridade).

Dos 285 prontuários examinados, excluíram-se 162 seguindo os critérios acima e 123 pacientes foram elegíveis para o estudo; destes, 47 não foram localizados e/ou não tinham transporte para comparecer e 16 não concordaram em participar; assim, 60 pacientes participaram do estudo, após assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

Coleta e análise dos dados O instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário sobre inclusão social e

produtividade composto por 100 questões envolvendo dados pessoais e afetivos, aspectos relacionados à produtividade, atividades físicas e sociais. Foi elaborado por profissionais especializados da equipe de reabilitação da Clínica de Lesão Encefálica Adquirida da AACD (médica fisiatra, fisioterapeuta e psicóloga), sendo aplicado de forma direta na instituição, por meio de entrevista.

Para análise dos dados, foram consideradas as respostas a três domínios do questionário: o primeiro, referente aos dados pessoais; o segundo, contendo perguntas relacionadas à lesão e ao tempo de reabilitação; e o terceiro, que aborda aspectos vocacionais como estudo, trabalho, atividade ocupacional.

As respostas foram agrupadas segundo o retorno ou não à produtividade, verificando-se em seguida as possíveis relações entre tal retorno e sexo, idade e nível de escolaridade. Também foram verificadas possíveis relações entre gravidade do trauma e o tempo decorrido entre o trauma e o início da reabilitação. Para a análise estatística dessas relações, levando-se em consideração a natureza das variáveis, foi utilizado o teste t de Student, não-paramétrico, fixando-se em 0,05 ou 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade.

RESULTADOS

Em relação às características da amostra, os resultados constam da Tabela 1. A maioria (85%) eram homens. A média de idade foi de 30,4 anos (mínima 18 e máxima 53). A maioria dos pacientes (55%) tinha entre 18 e 28 anos na ocasião do trauma, causado principalmente por acidentes de tráfego (motocicleta ou automóvel) e atropelamentos. Em relação à gravidade do TCE, a quase totalidade dos pacientes

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(95%) permaneceram mais de 8 horas em coma, o que caracteriza trauma grave. O tempo médio em estado comatoso foi de 30 dias. Quanto à escolaridade, quase metade tinha completado o 2o grau e 13,3%, o ensino superior.

Tabela 1 Características da amostra e do respectivo TCE

Características Variáveis n=60 %

Sexo Masculino 51 85,0 Feminino 9 15,0 Idade na ocasião do TCE 10-17 15 25,0 18-28 33 55,0 29-38 9 15,0 >39 3 5,0 Causa Acidente tráfego 29 48,3 Atropelamento 12 20,0 FAF 10 16,7 Quedas 8 13,3 Outros 1 1,7 Gravidade do TCE Coma > 8 horas 57 95,0 Coma < 8 horas 3 5,0 Nível de escolaridade < 1º grau 5 8,3 1º grau completo 18 30,0 2º grau completo 29 48,3 3º grau completo 8 13,3

FAF = ferimento por arma de fogo; TCE = traumatismo craniencefálico

Os dados quanto ao retorno à produtividade (estudo e/ou trabalho) são apresentados na Tabela 2. O total de pessoas que retornaram à produtividade (estudo ou trabalho, ou ambos) foi de 71,7%. Separando a amostra por sexo, verifica-se que 77,8% das mulheres e 70,6% dos homens voltaram à atividade produtiva. Destes, 28,3% retomaram ambas atividades, estudo e trabalho.

Tabela 2 Retorno à produtividade (estudo, trabalho, ou ambos), segundo o sexo (n=60)

Retorno Só a estudos Só a trabalho A estudo e trabalho Total n % n % n % n %

Homem (n=51) 16 31,4 5 9,8 15 29,4 36 70,6

Mulher (n=9) 4 44,4 1 11,1 2 22,2 7 77,8

Total 20 33,3 6 1,0 17 28,3 43 71,7

O tempo decorrido entre o TCE e a admissão ao programa de reabilitação é considerado um preditor de recuperação. Neste estudo, foi verificada a relação entre esse tempo e o retorno à produtividade: os pacientes que retomaram a atividade produtiva demoraram uma média de 10,7 meses para iniciar a reabilitação e os que não a retomaram levaram em média 27,3 meses (p>0,05 – Tabela 3). No conjunto da amostra e entre os homens, nota-se associação entre um tempo menor para iniciar a reabilitação e o retorno ao trabalho, mas isso não ocorreu com as mulheres (Tabela 3).

Também foi verificado se havia relação entre os dados de retorno à produtividade e nível de escolaridade. Os resultados mostram (Tabela 4) que quanto maior era o nível de escolaridade, maior foi o retorno à produtividade, isto é, a pelo menos uma atividade, ocupacional ou escolar (p<0,01).

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Tabela 3 Relação entre o retorno à produtividade e o tempo decorrido entre o TCE e o início da reabilitação

Retorno trabalho (sim/não) Casos (n= 60)

Tempo início reabilitação (média em

meses) Retornaram 23 (38,3%) 10,7±10,1 Não retornaram 37 (61,6%) 27,3±46,2 Sexo masculino n= 51 Retornaram 20 (39,2%) 8,7 ± 8,3 Não retornaram 31 (60,7%) 29,6±49,8 Sexo feminino n= 9 Retornaram 3 (33,3%) 24,3±12,2 Não retornaram 6 (66,6%) 15,1±17,0

Tabela 4 Relação entre nível de escolaridade e retorno à produtividade (p<0,01)

Nível de escolaridade Retorno à produtividade N* n %

1o grau incompleto 5 1 20 1o grau completo 7 3 42,8 2o grau incompleto 11 8 72,7 2o grau completo 18 13 72,2 3o grau incompleto 11 11 100 3o grau completo 8 7 87,5 Total 60 43 71,6

* Número de sujeitos em cada nível na amostra total

DISCUSSÃO O predomínio do adulto jovem do sexo masculino vítima de TCE é um achado

comum na literatura, atingindo a faixa de maior atividade produtiva1,2,8-14,17-22. Os dados do presente estudo concordam com esses autores, pois, na ocasião do trauma, os pacientes aqui estudados tinham entre 10 e 48 anos (média de 22,8 anos). O predomínio de homens (85%) também é compatível com a literatura1,4-

6,9,10,12,14,17,19,21-25. Entre os homens, a idade média na ocasião do trauma foi de 23 anos, mostrando que o grupo populacional de maior incidência entre as vitimas de TCE é o adulto jovem. A disparidade dos sexos está diretamente relacionada ao trauma (TCE), que incide preferencialmente sobre o sexo masculino.

O acidente de trânsito como causa do trauma também é um achado constante na literatura3,11,22,23 e os presentes dados reforçam essa informação, pois quase metade dos participantes foram vítimas de acidentes de tráfego.

O sobrevivente ao TCE pode apresentar incapacidades temporárias ou permanentes que interferem em sua capacidade para desempenhar funções e cumprir papéis sociais que dele são esperados2. As expectativas individuais não são uniformes; a maioria dependem da idade, cultura e classe social às quais as pessoas pertencem.

Desfrutar de boa qualidade de vida, segundo a Organização Mundial da Saúde, implica não só gozar de boa saúde e condições físicas, mas também sociais e culturais. A qualidade de vida relacionada à saúde pode ser determinada com certa objetividade por meio de questionários que incluem, por exemplo, aspectos relativos ao gerenciamento de decisões e execução de tarefas23,26. Assim, a qualidade de vida do sobrevivente ao TCE não está apenas relacionada à extensão da incapacidade

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física, mas aos diversos aspectos da saúde mental e participação social, como trabalho e estudo6,8. A habilidade de realizar uma ocupação que seja significativa é de vital importância e indivíduos que estão satisfeitos com o trabalho, normalmente estão satisfeitos com outros aspectos gerais da vida17.

A maioria dos estudos mostram que vítimas de TCE perdem seus empregos e muitos não os recuperam, mesmo com um serviço especializado de reabilitação. Aqueles que retornam ao trabalho geralmente não cumprem a mesma carga horária e/ou não retornam à função anterior, fazendo trabalhos leves ou com ajuda17,26. Hallett et al. 27 estudaram adultos vítimas de TCE e observaram que mais de 85% dos sujeitos referiram perda da função que exerciam no emprego. Neste estudo, constatou-se que 38,3% dos indivíduos estavam trabalhando no momento da entrevista, independente da função que exerciam anteriormente, concordando com os achados de alguns autores2,10 que encontraram 35% de retorno ao trabalho em uma população semelhante, assim como os de Rappaport et al.20, em que 39% dos indivíduos estavam empregados no momento da entrevista.

Dentre os fatores que interferem no retorno à produtividade, destaca-se o nível de escolaridade. Em um estudo feito com população norte-americana23, 84,4% dos participantes tinham diploma de nível médio e/ou superior, enquanto, no presente estudo, esse índice foi de 61,7%. Acredita-se que em países industrializados, onde o nível de escolaridade é maior, têm-se mais possibilidades de retorno ao trabalho após um trauma. Held e Pay28 sugerem que indivíduos enriquecidos com experiências prévias possam desenvolver de modo mais eficiente o circuito neural quando comparados a indivíduos restritos, e que isso pode propiciar maior capacidade de reorganização do sistema nervoso central (SNC) após a lesão, ou então a utilização de meios alternativos para executar uma tarefa.

Neste estudo, os achados mostram uma relação linear entre nível de escolaridade e retorno ao trabalho. Quanto maior foi o tempo de estudo prévio à lesão, maior foi o retorno à ocupação (p<0,01), concordando com autores que constataram menor freqüência de retorno ao trabalho em vítimas de TCE com baixa escolaridade prévia à lesão5,11,13,14,22. Kreutzer et al.10 encontraram também uma relação entre nível de escolaridade e estabilidade no emprego, mostrando que vítimas de TCE com mais anos de estudo têm significativamente mais estabilidade no trabalho do que aqueles com menor escolaridade.

Outro possível fator relacionado ao sucesso da reinserção profissional é o tempo decorrido entre o trauma e o início da reabilitação. Acredita-se que quanto menor o período entre o TCE e o início da reabilitação, maior a possibilidade de retorno ao trabalho. Segundo Oliveira et al.29, os processos de recuperação e organização do SNC começam a ocorrer logo após o trauma e, portanto, a intervenção terapêutica deve iniciar-se precocemente, evitando desusos, vícios e/ou compensações inadequadas, resgatando padrões de comportamento mais próximos da normalidade. Para isso, recomenda-se a intensificação da terapia na fase inicial em que a plasticidade neural é efetivamente mais intensa, embora ela possa ocorrer ao longo dos anos29. Neste estudo, foi possível observar que a maioria dos que retornaram à produtividade tinham levado uma média de 10,7 meses para iniciar a reabilitação, enquanto os que não se ajustaram levaram em média um tempo maior (27,3 meses); no entanto, essa relação não foi estatisticamente significante.

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Quanto ao retorno à atividade estudantil em vítimas de TCE, poucos dados são encontrados na literatura. Atribui-se essa escassez ao fato de a maioria dos acometidos serem adultos jovens, portanto uma população em idade de trabalho remunerado. A maioria dos estudos científicos preocupa-se com a porcentagem de indivíduos que não retornam ao trabalho devido ao custo que estes representam para o país. Nossos resultados indicam que mais da metade dos indivíduos (61,7%) estudaram em algum momento após a lesão. De acordo com a literatura, indivíduos com TCE podem retornar à escola, porém com um programa menos intenso, assistência especial e/ou modificações curriculares26.

Acredita-se que o retorno à produtividade de vítimas de TCE está diretamente relacionado à independência funcional motora9,30-33. Neste estudo, em que pelos critérios de inclusão todos os participantes eram deambuladores comunitários, não foi possível verificar essa relação; no entanto, é possível que essa condição tenha favorecido os presentes achados, de uma boa parte dos indivíduos terem conseguido êxito no retorno às atividades. Estudos futuros poderão buscar verificar não só a influência da independência funcional como também a de outros aspectos aqui não estudados, como grau de perdas cognitivas, nível de renda, apoio familiar e comunitário, que interferem no ajustamento social de pessoas que sofreram TCE.

CONCLUSÃO

Nos indivíduos deambuladores sobreviventes de TCE que completaram o programa de reabilitação, o retorno a atividades produtivas (estudo ou trabalho ou ambos) foi de 71,7%, considerado satisfatório, visto que quase todos tinham sofrido TCE grave. E, quanto maior a escolaridade, maior o retorno dos participantes à produtividade.

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Reeducação postural global e alongamento estático segmentar na melhora da flexibilidade, força muscular e amplitude de movimento: um estudo comparativo Global posture reeducation and static muscle stretching on improving flexibility, muscle strength, and range of motion: a comparative study

Título condensado: Comparação entre alongamento global e segmentar José Luís Pimentel do Rosário1, Adriana de Sousa2, Cristina Maria Nunes Cabral3,

Silvia Maria Amado João4, Amélia Pasqual Marques4 1 Fisioterapeuta; Ms. 2 Fisioterapeuta; mestranda em Ciências da Reabilitação no Fofito/FMUSP (Depto. de

Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP)

3 Fisioterapeuta; Profa. Dra. do Programa de Mestrado em Fisioterapia, Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP

4 Fisioterapeutas; Profas. Dras. do Curso de Fisioterapia, Fofito/FMUSP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Amélia P. Marques Fofito/ FMUSP Rua Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-160 São Paulo SP e-mail: [email protected] RESUMO: Exercícios de alongamento são usados para aumentar a flexibilidade e amplitude de movimento (ADM). Entre os métodos existentes, destacam-se a reeducação postural global (RPG), que promove o alongamento global das cadeias musculares, e o alongamento segmentar, que alonga um músculo ou grupo muscular específico. Este estudo visou comparar o alongamento segmentar e o global pela técnica de RPG quanto ao ganho de flexibilidade, ADM e força muscular. Trinta mulheres foram distribuídas aleatoriamente em três grupos (n=10 em cada): o grupo global fez alongamento de cadeias musculares; o grupo segmentar realizou alongamento segmentar; e o grupo controle não fez alongamento. Antes e depois do tratamento, em todos os grupos, foram avaliadas a ADM de extensão da perna, flexibilidade pelo teste 3o dedo-solo e força isométrica de flexão da perna em 45° e 90°. Os dois grupos experimentais realizaram oito sessões de alongamento de 30 minutos cada, duas vezes por semana. Toda a análise estatística foi realizada com p<0,05. Os resultados dos grupos global e segmentar foram semelhantes entre si e superiores aos do grupo controle na ADM, flexibilidade e força muscular em 45° e 90° (p<0,05). Na avaliação intra-sessões, os dois grupos também tiveram desempenhos semelhantes, com ganho relativo da ADM maior nas primeiras e decrescendo ao longo das sessões. Ambas as técnicas de alongamento foram pois igualmente eficientes no aumento de flexibilidade, ADM e força muscular. Descritores: Amplitude de movimento articular; Elasticidade; Exercícios de alongamento

muscular; Força muscular ABSTRACT: Stretching exercises are prescribed to increase flexibility and range of motion (ROM). Two current stretching methods are the global posture reeducation (GPR), where muscle chains are stretched, and segmentary exercises, where a single muscle or muscle group is stretched. The aim of this study was to compare these two techniques, assessing their effects on improving flexibility, ROM and muscle strength. Thirty women were randomly distributed into three groups (n=10 each): global group performed stretching following GPR method; segment group performed segment stretching exercises; and control group did no exercise. Before and after treatment, in all groups, knee extension ROM, flexibility by means of the fingertip-to-floor test, and isometric muscular strength at 45° and 90° knee flexion were measured. Each treated group performed eight stretching 30-minute sessions for four weeks, twice a week. Data were statistically analysed and the significance level set at p<0.05. Global and segment group results were similar and better than control group’s concerning ROM, flexibility and muscle strength at 45° and 90° knee flexion (p<0.05). When assessing improvement inter-sessions, both groups had better ROM improvement at the first sessions, decreasing along the others. Both global and segmentary stretching techniques were hence found effective in improving flexibility, ROM and leg muscle strength. Key words: Elasticity; Muscle strength; Muscle stretching exercises; Range of motion, articular

APRESENTAÇÃO set. 2006

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO ago. 2007

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INTRODUÇÃO Os exercícios de alongamento têm como principal objetivo proporcionar maior

flexibilidade a qual, segundo Bandy et al.1, é a habilidade de um músculo aumentar seu comprimento, possibilitando a uma ou mais articulações, em seqüência, se moverem em uma determinada amplitude de movimento (ADM).

Na prática clínica, freqüentemente o alongamento estático é o mais utilizado por ser considerado mais seguro, pois uma força relativamente constante é aplicada vagarosa e gradualmente até um ponto tolerado pelo paciente (que representa o ponto de maior comprimento muscular possível, de forma a evitar o reflexo de estiramento) e mantida por um curto período de tempo2,3. Ainda que Lardner4 considere alongamento estático só o que é realizado por uma força passiva, externa ao paciente (por exemplo, um fisioterapeuta), o mesmo pode ser realizado pelo próprio indivíduo, desde que haja relaxamento muscular na posição alongada.

O alongamento estático normalmente é utilizado para alongar isoladamente um músculo até um ponto tolerável e sustentar a posição por certo tempo, daí ser considerado segmentar. Por sua vez, o alongamento global alonga vários músculos simultaneamente, pertencentes à mesma cadeia muscular, e parte do pressuposto de que um músculo encurtado cria compensações em músculos próximos ou distantes5. Essa técnica, conhecida como reeducação postural global (RPG), preconiza a utilização de posturas específicas para o alongamento de músculos organizados em cadeias musculares, sendo considerado de longa duração (aproximadamente 15 minutos em cada postura). De acordo com a RPG, as cadeias musculares são constituídas por músculos gravitacionais que trabalham de forma sinérgica dentro da mesma cadeia. Por exemplo, todos os músculos da cadeia posterior possibilitam a manutenção da posição ortostática contra a ação da gravidade. O alongamento segmentar de um desses músculos, ao não levar em conta as compensações secundárias que ocorrem na respectiva cadeia muscular, poderiam torná-lo menos eficiente6.

Em relação ao aumento de ADM, alguns estudos foram realizados para demonstrar os benefícios do alongamento segmentar. Bandy et al.2 compararam os efeitos de diferentes repetições diárias e durações do alongamento ativo segmentar dos músculos isquiotibiais sobre a flexibilidade, medida pelo encurtamento dos mesmos músculos. Os sujeitos avaliados foram divididos em cinco grupos: o primeiro realizou três repetições de alongamento com duração de um minuto, o segundo três repetições com duração de 30 segundos, o terceiro, uma repetição de alongamento por um minuto, o quarto uma repetição com 30 segundos de duração e o quinto foi o grupo controle. Os alongamentos foram realizados durante seis semanas com freqüência de cinco vezes semanais. Os autores constataram que, quando o objetivo é aumentar a ADM, alongamentos com duração de 30 segundos mostram-se efetivos, e que não houve diferença quando a duração do alongamento aumentou de 30 para 60 segundos ou a freqüência de uma para três vezes diárias.

Guirro et al.7 avaliaram a flexibilidade e força dos músculos isquiotibiais em contração isométrica com a perna fletida a 30°, 90° e 120°, após um programa de alongamento segmentar em mulheres sem lesão musculoesquelética. O programa foi realizado durante cinco semanas com freqüência de três vezes semanais, sendo realizadas 15 repetições de alongamento passivo mantidas por 60 segundos. Os

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resultados mostraram diminuição do encurtamento dos músculos isquiotibiais e aumento da força muscular em todos os ângulos avaliados.

Na prática fisioterapêutica, são usados com freqüência os exercícios de alongamento de músculo ou grupos musculares, ou seja, o alongamento segmentar. Clinicamente, o alongamento global tem se mostrado eficiente no tratamento dos desvios posturais e no ganho de flexibilidade, porém a literatura ainda é escassa6,8,9. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi comparar os dois tipos de alongamento – segmentar e global pela técnica de RPG – na melhora da flexibilidade, força muscular e ADM de indivíduos sem lesão musculoesquelética.

METODOLOGIA O estudo foi realizado no Centro de Docência e Pesquisa do Departamento de

Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Sujeitos Participaram do estudo 33 voluntárias sem lesão musculoesquelética de tipo algum,

selecionadas de acordo com os seguintes critérios: ter idade entre 21 e 30 anos; ser do sexo feminino, para garantir maior homogeneidade da amostra; apresentar encurtamento dos músculos isquiotibiais, considerado como uma

perda de, pelo menos, 15° na extensão da perna; consentir em participar do estudo e assinar o termo de consentimento pós-

informação, livre e esclarecido. Foram excluídas as voluntárias com algum tipo de algia musculoesquelética dos

membros inferiores e de patologia que limitasse a amplitude de movimento; as participantes que relatassem mudança na freqüência e/ou intensidade de prática esportiva durante o tratamento; e as que faltassem a uma sessão e esta não fosse reposta na mesma semana.

Três participantes, devido às faltas, não completaram o tratamento. Dessa forma, a amostra final foi constituída por 30 mulheres, distribuídas aleatoriamente em três grupos com 10 indivíduos cada: o grupo global fez alongamento pela técnica de RPG; o grupo segmentar (fez alongamento segmentar; e o grupo controle não fez alongamento.

Instrumentos Foram utilizados um goniômetro de acrílico transparente (Carci®) com marcações de

zero a 360°; fita métrica; dinamômetro (Filizola®) cilíndrico com capacidade de 50 Kgf, devidamente calibrado; colchonetes e maca para as sessões de alongamento.

Procedimentos de avaliação A avaliação de todas as participantes, realizada na primeira e última sessões,

consistiu em: preenchimento de um protocolo onde se registraram dados pessoais; e avaliação das seguintes variáveis: Encurtamento dos músculos isquiotibiais: foi medido pela amplitude de extensão da

perna. A voluntária ficava em decúbito dorsal, mantendo as pernas fletidas com os pés apoiados no colchonete. A coxa direita foi posicionada em flexão de 90° e solicitava-se que estendesse ativamente a perna, aplicando-se o goniômetro com o

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braço fixo apontando para o trocânter maior do fêmur, o fulcro no centro da articulação do joelho seguindo a linha do epicôndilo lateral do fêmur, e o braço móvel apontando para o maléolo lateral 2,10. As medidas foram obtidas sempre no joelho direito.

Flexibilidade: foi utilizado o teste 3o dedo–solo. A voluntária ficava em posição ortostática com os pés paralelos e em seguida realizava flexão do tronco mantendo os braços e a cabeça relaxados. O avaliador media a distância perpendicularmente do terceiro dedo da mão direita ao solo10,11.

Força muscular: medida pelo teste realizado com a voluntária em decúbito ventral, com o dinamômetro fixado à parede e preso a seu tornozelo por meio de uma faixa de tecido sintético inextensível. O objetivo foi medir a intensidade da força isométrica (em Kgf) da flexão da perna a 45° e 90°, sendo realizadas três repetições de 6 segundos com intervalos de 30 segundos entre cada repetição. Um tempo de descanso de dois minutos foi dado antes da mudança de angulação. A instrução dada era que as voluntárias fizessem o máximo de força no sentido da flexão da perna assim que ouvissem o comando inicial, e relaxassem ao comando final. Durante as contrações isométricas, foram dados estímulos verbais por parte do examinador. Foi considerada a maior medida obtida nas três repetições em cada posição7.

Sessões de alongamento As sessões tiveram duração de 30 minutos e foram realizadas duas vezes por

semana durante quatro semanas, com intervalo mínimo de 48 horas entre as sessões.

No grupo RPG, as participantes foram submetidas a duas posturas de alongamento mantidas por 15 minutos cada, em abertura e fechamento do ângulo coxofemoral. A decisão sobre quais posturas seriam utilizadas em cada sessão teve como parâmetros os testes de abertura e fechamento de ângulo coxofemoral e membros superiores, segundo procedimento de Marques12. Essas posturas eram realizadas em decúbito dorsal quando o objetivo era trabalhar com maior ênfase os membros superiores e o segmento cervical da coluna vertebral; na posição sentada, quando a ênfase era no tórax e coluna vertebral; e em pé, quando se focalizavam tronco e membros inferiores.

Em todas as posturas eram tomados alguns cuidados: não permitir compensações em outras articulações, como aumento da lordose lombar ou protrusão de ombros; evitar que as costelas adotassem a posição inspiratória; e o segmento lombar da coluna vertebral deveria permanecer retificado.

No grupo segmentar, foram alongados músculos que fazem parte das cadeias musculares e que também foram alongados no grupo global. Cada alongamento durava 30 segundos, realizado passivamente ou de maneira autopassiva, bilateralmente, sempre com a preocupação de fixar os segmentos próximos a fim de evitar compensações. Os exercícios de alongamento foram baseados em Kisner e Colby13 e Kendall et al.14. Foram alongados os seguintes músculos nas posições: decúbito dorsal: músculos isquiotibiais, flexor curto e longo dos dedos, flexor

profundo e superficial dos dedos, flexor curto e longo do hálux, paravertebrais, glúteos, músculos lombares, flexor longo do polegar e adutor do polegar, subescapular, deltóide, pronador redondo e pronador quadrado;

decúbito ventral: músculos gastrocnêmios e sóleo, peitoral maior, peitoral menor, bíceps braquial e braquial;

sentada: músculos adutores de membro inferior, iliopsoas, trapézio superior, pronador redondo e pronador quadrado.

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Análise estatística Foi realizada com nível de significância de 5% e os intervalos com coeficientes

de confiança de 90%, pelos testes qui-quadrado, t de Student, ANOVA e Kruskal-Wallis. O teste qui-quadrado foi usado para analisar a variável qualitativa “atividade física” das voluntárias.

O teste ANOVA foi usado para comparar os grupos sob suposição de normalidade e igualdade de variância. A confirmação dos resultados da ANOVA foi feita pelo teste de Kruskal-Wallis, que é não paramétrico. Os intervalos de confiança para a média dos grupos foram construídos para a identificação dos grupos discrepantes. Para confirmação do que foi visualizado nos gráficos de intervalos de confiança, o teste Kruskal-Wallis foi utilizado na comparação dois a dois dos grupos.

A variável utilizada em todos os testes estatísticos foi o ganho relativo (GR) comparando-se o pré e o pós-tratamento, de acordo com as seguintes fórmulas: GR = 100 X (pós-pré)/pré, no caso onde aumento significa melhora; GR = 100 X (pré-pós)/pré, no caso onde diminuição representa melhora.

Os procedimentos estatísticos utilizados neste trabalho podem ser encontrados em detalhe em Noether15.

RESULTADOS A análise dos dados demográficos (Tabela 1) não evidenciou diferença estatisticamente

significante entre os grupos em relação à idade (p=0,16) e ao nível de atividade física (p=0,5). Além disso, todas as voluntárias eram do sexo feminino, estudantes e solteiras.

Tabela 1 Idade e atividade física das participantes dos grupos global, segmentar e controle

Variável Global (n=10)

Segmentar (n=10)

Controle (n=10) p

Idade (anos – média±dp) 22,7±1,8 21,7±1,7 21,3±1,3 0,16 Atividade física

Ativas Sem atividade

40% 60%

20% 80%

30% 70%

0,5

Os valores médios do ganho relativo de ADM da extensão da perna, de flexibilidade

e de força de flexão da perna a 45° e 90° são apresentados na Tabela 2. Foi observada diferença estatisticamente significante entre os três grupos no ganho de ADM, flexibilidade e força muscular (p<0,05) pela ANOVA. Quando o teste Kruskal-Wallis comparou os grupos dois a dois, não houve diferença significante entre os grupos que realizaram alongamento na ADM (p=0,12), flexibilidade (p=0,28) e força muscular a 45° (p=0,92) e 90° (p=0,92), indicando igualdade entre eles.

Tabela 2 Ganho relativo (média±desvio padrão e valores de p) após o tratamento em cada variável estudada nos grupos global, segmentar e controle

Variável Global (n=10)

Segmentar (n=10)

Controle (n=10) p Anova p K-W

Encurtamento dos músculos isquiotibiais (°) 16±3,8 12,6±7,8 0,9±4,1 0,001 0,12

Flexibilidade (cm) 9,6±8,8 2,7±2,5 1,3±0,9 0,02 0,28 Força muscular a 90° (Kgf) 1,1±1,4 1,4±2,0 -0,5±1,3 0,02 0,92 Força muscular a 45° (Kgf) 2,2±1,1 3,1±3,2 -1±1,8 0,02 0,92 K-W: teste de Kruskal-Wallis; os valores de p resultantes da aplicação desse teste

referem-se à comparação apenas entre os grupos global e segmentar.

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O Gráfico 1 mostra os intervalos de confiança para o ganho relativo de ADM de extensão da perna dos três grupos. Entre os grupos que realizaram alongamento, os intervalos de confiança apresentam intersecção, indicando que não diferem significantemente entre si, porém diferem do grupo controle.

Inserir Gráfico 1

Gráfico 1 Ganho relativo (intervalos de confiança a 90%) de ADM de extensão da perna nos grupos global, segmentar e controle

Na Gráfico 2 está representado o ganho relativo de ADM de extensão da perna intra-sessões para os grupos global e segmentar. A intersecção entre os grupos indica ausência de diferença estatisticamente significante. Nota-se em ambos que a melhora relativa foi maior nas primeiras sessões, decrescendo ao longo das mesmas.

Inserir Gráfico 2

Gráfico 2 Ganho relativo (intervalos de confiança a 90%) de ADM de extensão da perna intra-sessões de alongamento nos grupos global (à esquerda em cada coluna) e segmentar (à direita)

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi comparar o efeito da RPG e do alongamento segmentar no ganho de flexibilidade, força muscular e ADM, sendo que a hipótese inicial era que exercícios de alongamento com tempo de manutenção mais prolongado e em cadeias teriam resultados mais favoráveis. Os dados dos dois grupos estudados apresentaram ganhos significantes após a realização dos alongamentos, porém os exercícios de curta e longa duração (alongamento segmentar e RPG, respectivamente) mostraram-se igualmente eficientes.

Neste trabalho, a RPG foi aplicada por um período de 15 minutos em cada uma das duas posturas, enquanto o grupo segmentar alongou vários músculos, à razão de 30 segundos cada músculo, resultando em um tempo total de alongamento dos dois grupos de aproximadamente 30 minutos por sessão. Em relação ao tempo de manutenção, os achados deste estudo vão contra o postulado por Kisner e Colby13, de que o alongamento de 20 minutos ou mais traria melhores ganhos que os de curta duração.

A RPG pode ser enfática em um músculo, mas sua proposta é o alongamento máximo não permitindo que haja compensações, ou seja, consiste num tratamento que tem como uma de suas premissas alongar um número grande de músculos de uma única vez. Por isso, outra possibilidade para explicar a similaridade entre os grupos global e segmentar nas variáveis flexibilidade e encurtamento dos músculos isquiotibiais pode ser o fato de que a RPG, por distribuir a força de alongamento pelos músculos das cadeias, diminui a intensidade sofrida por cada músculo isoladamente. Como, pela Lei de Hooke16, o grau de deformação é igual à força aplicada multiplicada pelo tempo de aplicação, pode-se ter encontrado um resultado não estatisticamente significante entre os grupos tratados pelo fato de o alongamento segmentar promover uma intensidade alta o suficiente para compensar o curto tempo de alongamento.

Torna-se necessário discutir a intensidade do alongamento pela RPG nos músculos posteriores dos membros inferiores, já que essa técnica usa contrações excêntricas para a evolução das posturas, enquanto o alongamento segmentar trabalha os músculos

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passivamente. Salvini17 e Alter18 descrevem a eficácia da contração excêntrica no ganho de ADM e hipertrofia muscular. Portanto, esperava-se que, no presente estudo, houvesse no grupo global um ganho maior de flexibilidade, ADM de extensão da perna e, em especial, de força muscular, tanto pelo aumento da energia potencial elástica relativa à maior ADM de extensão da perna quanto pelo treino direto de força contrátil da musculatura. Mas tal fato não ocorreu, ou seja, não foram encontradas diferenças significantes dessas variáveis entre os dois tipos de alongamento. Isso pode significar que, durante o tratamento com alongamento global, não houve estimulação contrátil suficiente nos músculos isquiotibiais para provocar as diferenças esperadas.

Alguns estudos investigaram os efeitos do alongamento muscular segmentar na ADM, considerando como forma de avaliação o encurtamento dos músculos isquiotibiais. Bandy et al.2 observaram que, em uma população de adultos jovens, o tempo de manutenção de 30 segundos é suficiente para obter ganhos de flexibilidade. Grandi19 não obteve diferenças entre 18 e 30 segundos de manutenção no mesmo tipo de população, enquanto Feland et al.20 constataram um aumento na ADM de extensão da perna após a realização de alongamentos mantidos por 60 segundos estudando indivíduos idosos. Como a população deste estudo tinha idade entre 21 e 30 anos, inferiu-se que 30 segundos em posição de alongamento eram suficientes para aumentar a flexibilidade e ADM.

Outros autores estudaram os efeitos da técnica de RPG e do alongamento segmentar no tratamento de pacientes. Cabral et al.9 trataram pacientes com síndrome fêmoro-patelar por oito semanas e observaram que ambas as técnicas aumentaram a ADM de extensão da perna, porém o alongamento global produziu maior ganho de flexibilidade. Essa diferença em relação ao presente estudo pode ter ocorrido pela etiologia específica dessa síndrome, baseada em encurtamentos musculares. Já Fernández-de-las-Peñas et al.8 trataram pacientes com espondilite anquilosante e observaram uma melhora da mobilidade do esqueleto axial após a realização de ambas as técnicas, o que, apesar das diferentes regiões avaliadas, está de acordo com os resultados obtidos neste estudo.

Não existe consenso em relação à freqüência com que os exercícios devem ser realizados. Bandy et al.2 e Feland et al.20 realizaram alongamentos com freqüência de cinco vezes por semana e Grandi19 apenas uma vez por semana. Neste estudo, os exercícios de alongamento foram realizados duas vezes por semana e os resultados foram satisfatórios no ganho de flexibilidade e força muscular e na diminuição do encurtamento dos músculos isquiotibiais.

O aumento da força muscular relativo ao ganho de flexibilidade em humanos foi descrito por Guirro et al.7. Resultados semelhantes foram encontrados neste estudo, já que os grupos tratados tiveram melhor desempenho do que o controle, porém sem diferença entre si. Aliás, talvez nem seja possível falar apenas sobre aumento de força muscular, mas também de um mecanismo de maior vantagem mecânica possibilitando um melhor rendimento21 pela otimização do uso da energia potencial elástica22-24. Tendo em mente esse mecanismo de aproveitamento de energia potencial elástica, é possível relacionar os resultados de força muscular com o encurtamento dos músculos isquiotibiais, pois os dois grupos alongados se comportaram de maneira semelhante,

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21

ganhando igualmente flexibilidade e vantagem mecânica.

No presente trabalho, foi verificado um aumento da força muscular dos grupos que realizaram alongamento. Isso significa que a energia potencial elástica obtida pelo aumento da flexibilidade e ADM não substituiu a força perdida por uma suposta complacência do tendão. Os resultados aqui obtidos levam a concordar com Deyne25, que calculou uma intensidade enorme da tensão gerada pelo alongamento concentrada no músculo. É muito provável que o alongamento não afete negativamente a transmissão de força, e que, ao contrário, exerça um efeito positivo nessa tarefa.

Analisando o ganho de ADM obtido intra-sessões, não houve diferença entre os grupos alongados após a intervenção. Como alguns autores26,27 afirmam que o alongamento estático de 45 segundos resulta num relaxamento do estresse viscoelástico instantâneo de 18 a 20%, com o encurtamento usual voltando em menos de 1 hora, supõe-se que o ganho intra-sessão tenha relação com a viscoelasticidade. No Gráfico 2, é possível notar que a viscoelasticidade diminui progressivamente com as sessões, mostrando que quanto mais alongada uma pessoa está, mais difícil é o ganho maior de alongamento por efeito viscoelástico.

Outra justificativa para a resposta homogênea dos grupos é que o tratamento foi realizado seguindo os mesmos princípios: não permitindo compensações, estimulando um ritmo respiratório lento e sem bloqueio inspiratório. O alongamento estático segmentar é de execução mais simples, o que facilita sua aprendizagem. Porém, seu procedimento adequado, com atenção cuidadosa, se faz necessário para obtenção do efeito observado no presente estudo.

As sessões dos dois grupos foram individuais, permitindo um atendimento mais personalizado e sempre com o mesmo fisioterapeuta, o que facilita o vínculo e fortalece a motivação para atingir as metas terapêuticas. A figura do terapeuta que cuida e orienta faz parte do papel pedagógico na condução e aprendizagem dos exercícios, sugerindo sua influência nos resultados.

CONCLUSÃO

As duas técnicas de alongamento utilizadas, reeducação postural global e estático segmentar, foram igualmente eficientes no ganho de flexibilidade, amplitude de movimento e força muscular de indivíduos sem lesão musculoesquelética; ambas levaram a resultados superiores aos do grupo controle. Dessa forma, infere-se que ambas podem ser utilizadas em situações clínicas. Porém, para ampliar as repercussões clínicas, recomenda-se a realização de estudos semelhantes com diferentes lesões musculoesqueléticas.

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hamstring length over the course of 24 hours. J Orthop Sports Phys Ther. 2003;33:727-33.

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8 Fernández-de-las-Peñas C, Alonso-Blanco C, Morales-Cabezas M, Miangolarra-Page JC. Two exercise interventions for the management of patients with ankylosing spondylitis. Am J Phys Med Rehabil. 2005;84:407-19.

9 Cabral CMN, Yumi C, Sacco ICN, Casarotto RA, Marques AP. Eficácia de duas técnicas de alongamento muscular no tratamento da síndrome fêmoro-patelar: um estudo comparativo. Fisioter Pesq. 2007;14(2)48-56.

10 Marques AP. Manual de goniometria. 2a ed. São Paulo: Manole; 2003. 11 Perret C, Poiraudeau S, Fermanian J, Colau MML, Benhamou AM. Validity, reability, and

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Cadeias musculares: um programa para ensinar avaliação fisioterapêutica global. São Paulo: Manole; 2005.

18 Alter MJ. Ciência da flexibilidade. São Paulo: Artmed; 1996. 19 Grandi L. Comparação de duas “doses ideais” de alongamento. Acta Fisiatr. 1998;5:154-8. 20 Feland JB, Myrer JW, Schulthies SS, Fellingham GW, Measom GW. The effect of duration

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flexibility training. Med Sci Sports Exerc. 1992;24:116-23. 25 Deyne, PGD. Application of passive stretch and its implications for muscle fibers. Phys

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tendon unit is unaffected by increase in intramuscular temperature. J Appl Physiol. 2000;88:1215-20.

27 Shrier I, Gossal K. Myths and truths of stretching. Phys Sports Med. 2000;28:57-62.

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Ganho relativo de ADM: intervalos com 90% de confiança

0

2

4

6

8

10

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª

Mel

hora

rel

ativ

a

Limite superior

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Gráficos para visualização e conferência do diagramador

Ganho relativo de ADM

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2

1

3

2

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5

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19

Global Segmentar Controle

Mel

hora

rel

ativ

a

Limite superior

Média

Limite inferior

Gráfico 1 Ganho relativo (intervalos de confiança a 90%) de ADM de extensão da perna nos grupos global, segmentar e controle

(acrescentar o título do eixo dos X: Sessões Dan, checar se o Excel e s p a l h a certinho os números das sessões, pra ficarem em baixo de cada coluna

Gráfico 2 Ganho relativo (intervalos de confiança a 90%) de ADM de extensão da perna intra-sessões de alongamento nos grupos global (à esquerda em cada coluna) e segmentar (à direita)

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Fatores de risco físicos e organizacionais associados a distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho na indústria têxtil Physical and organisational risk factors associated to work-related musculoskeletal disorders in textile industry

Título condensado: DORT na indústria têxtil Adriana Cristina de Souza Melzer

Fisioterapeuta Ms.; doutoranda em Saúde Coletiva na Faculdade de Ciências Médicas, Depto. de Medicina Preventiva e Social da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP)

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Adriana C. S. Melzer R. Mons. Fergo O.C. Dauntre 768 13045-685 Campinas SP e-mail: [email protected]

Estudo financiado pela Capes

RESUMO: Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) atingem trabalhadores de diversas ocupações e constituem um dos maiores problemas de saúde em muitos países. Este estudo foi realizado em dois setores de fiação de uma mesma indústria têxtil, sendo um deles tecnologicamente mais moderno. Os objetivos foram identificar os fatores de risco físicos e organizacionais associados aos DORT nos dois setores e determinar a prevalência de sintomas de dor entre esses trabalhadores. Tendo como referencial a análise ergonômica, foram observadas as atividades de trabalho de 12 indivíduos; e 50 trabalhadores responderam a um questionário. Os fatores de risco físico identificados foram os seguintes: posturas inadequadas de ombro, trabalho na posição em pé, repetitividade de movimentos e aspectos ambientais desfavoráveis. Os fatores organizacionais identificados foram: ritmo intenso de trabalho, fragmentação e invariabilidade das tarefas, inexistência de pausas e impossibilidade de comunicação com os colegas. Foi encontrada prevalência de 60% e 76% de dor nos dois setores estudados, respectivamente. As conclusões mostram que investimentos em tecnologia que não acompanham mudanças na organização e nas condições de trabalho resultam na manutenção ou no agravamento das situações de risco reconhecidamente associadas aos DORT. Descritores: Engenharia humana; Indústria têxtil; Fatores de risco; Transtornos traumáticos

cumulativos

ABSTRACT: Work-related musculoskeletal disorders (WRMD) affect workers in several occupations and are one of the major health problems in many countries. This study was developed in two sectors of a textile industry, one of them being technologically more advanced. The objectives were to identify physical and organizational risk factors associated to WRMD in the two sectors and estimate prevalence of pain among these workers. The workplace and working activity of 12 individuals were observed on ergonomic grounds, and 50 workers answered a questionnaire. The following physical risk factors were identified: awkward shoulder postures, standing work position, repetitive movements, and unfavourable environmental features. Main organizational risk factors identified were: intense work pace, uneven and repetitive tasks, absence of pauses and impossibility of communication with peers. Pain symptoms prevalence of 60% and 76% was found in the two sectors. Conclusion shows that investments in technology that do not follow changes in work condition and organization may result in maintenance or aggravation of risk situations associated to WRMD. Key words: Cumulative trauma disorders; Human engineering; Risk factors; Textile industry

APRESENTAÇÃO set. 2006

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO dez. 2007

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INTRODUÇÃO

Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) destacam-se como um dos maiores problemas de saúde pública dos dias atuais, gerando impactos econômicos e sociais em diversos países.

Registrados inicialmente no Japão em 1958, nas ocupações de operadores de caixa registradora, perfuradores de cartão e datilógrafos, os DORT invadiram progressivamente as mais diversas indústrias e ocupações até, atualmente, não respeitarem fronteiras entre as categorias profissionais1-,3. Estudos epidemiológicos realizados em diferentes países identificaram casos de DORT em montadoras, confecções, indústrias de construção, indústrias fabricantes de embalagens, tesouras, moldes e cabines de caminhão e entre as ocupações de açougueiros, laminadores, telegrafistas, digitadores, enfermeiros e taxistas, entre outras4-12.

Embora a causa dos DORT seja uma questão não completamente elucidada, prevalece um consenso quanto à natureza multifatorial, em que diversos fatores em interação contribuem para o desenvolvimento do distúrbio. Estudos epidemiológicos têm mostrado a relação entre fatores de risco físicos como repetitividade, força muscular e posturas inadequadas, extremas e estáticas, e distúrbios osteomusculares13-16. Outros estudos identificam associação entre os DORT e fatores de risco organizacionais e psicossociais, como períodos prolongados de trabalho, altas demandas de trabalho, pressão por tempo e ambiente social de trabalho12,17-20.

Os objetivos deste estudo foram identificar os fatores de risco físicos e organizacionais ou psicossociais associados ao desenvolvimento de DORT em dois setores de fiação de uma indústria têxtil e determinar a prevalência de sintomas de dor e/ou desconforto osteomuscular.

METODOLOGIA

Foi realizada uma análise descritiva e comparativa de dois setores de fiação e de postos de trabalho de fiandeiros de uma mesma indústria têxtil de grande porte localizada em Fortaleza, Ceará, tendo como referencial a análise ergonômica do trabalho.

Os setores de fiação estão localizados entre os setores de preparação do algodão e o setor de acabamento e têm como função produzir “espulas” de fio de algodão que posteriormente seguem para a “conicalagem”, onde são formados os cones de fio. Os dois setores foram escolhidos porque, seguindo o processo de modernização iniciado pela empresa em 1997, um deles é dotado de equipamentos mais modernos, o que é traduzido tanto em termos de diferenças na estrutura do maquinário, como altura mais elevada e maior número de fusos, quanto em termos tecnológicos, apresentando um acréscimo que torna automatizada uma das atividades relacionadas à fiação. Por esse motivo e para efeito de nomenclatura, os dois setores estudados foram aqui identificados como “setor modernizado” e “setor antigo”.

O fiandeiro é responsável pela inspeção consecutiva dos filatórios (máquinas de fiação que contêm fusos sobre os quais se forma a “espula” de algodão), durante a qual executa duas atividades principais: a emenda dos fios quebrados e a troca das “maçarocas”. Na atividade de emenda dos fios, os fiandeiros freiam a máquina com um dos joelhos, enquanto com as duas mãos retiram a espula do fuso e emendam o

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fio rompido. Na atividade de troca da “maçaroca”, os fiandeiros retiram a “maçaroca” vazia, alcançam uma cheia em cima do filatório e a encaixam na máquina para rodar o processo.

Observação direta das atividades de trabalho Em cada setor de fiação, foram observadas as atividades de trabalho de 6

fiandeiros, sendo 2 em cada turno de trabalho (manhã, tarde e noite), totalizando 12 observações. Cada fiandeiro foi observado durante 30 minutos, em dias da semana alternados, abrangendo-se todos os turnos de trabalho.

As observações basearam-se em um Roteiro de Observação adaptado de McAtamney e Corlett21 e orientado para a investigação de aspectos gerais do trabalho, como jornada de trabalho, turno, pausas, rodízios, características do maquinário, fatores ambientais e EPIs (equipamentos de proteção individual); aspectos específicos da atividade do fiandeiro como tempo total de trabalho, descrição, duração e repetitividade das atividades principais e auxiliares, avaliação das posturas e movimentos por segmento corporal; e avaliação de aspectos organizacionais como ritmo, variedade no trabalho e comunicação entre os trabalhadores.

Entrevista Um total de 50 fiandeiros, 25 em cada setor de fiação, foram escolhidos

aleatoriamente e responderam a um questionário. Utilizou-se um questionário misto, constituído por perguntas abertas e fechadas, com informações sobre dados sociodemográficos, tempo de trabalho na indústria e na função de fiandeiro, sistema de trabalho, controle sobre o ritmo, repetitividade, pausas, posturas, altura da máquina, ambiente físico geral, aspectos relacionados à saúde e presença de dor e/ou desconforto em alguma parte do corpo.

O perfil sociodemográfico dos trabalhadores entrevistados foi o seguinte: 29 mulheres e 21 homens, média de idade de 32,2±8,0 anos, altura média de 1,62±0,10m, tempo médio de trabalho na indústria 6 anos e meio e, na função de fiandeiro, média de 5 anos e um mês.

Os dados obtidos a partir dos questionários foram analisados com auxílio do programa estatístico SPSS® para Windows.

RESULTADOS

As características gerais dos dois setores de fiação e aspectos específicos da atividade de trabalho de fiandeiro podem ser vistos no Quadro 1.

Inserção ideal Quadro 1

Os setores de fiação analisados assemelham-se em alguns aspectos gerais do trabalho, como sistema de turnos, extensão da jornada e ausência de pausas curtas. Com relação aos aspectos ambientais, embora os dados fornecidos pelo setor de segurança no trabalho revelem algumas variações, pode-se considerar que ambos os setores apresentam níveis elevados de ruído, justificando a utilização de protetores auriculares por todos os trabalhadores. As informações sobre iluminação – aspecto importante na atividade de emenda dos fios – não refletem a realidade, uma vez que há locais, em ambos os setores, com pouca iluminação, embora a disposição das lâmpadas

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no setor modernizado (perpendicularmente em relação ao filatório) resulte em um ambiente visivelmente melhor iluminado do que o setor antigo. A poeira de algodão é alta e justifica a utilização de máscaras por todos os trabalhadores. A temperatura média dos dois setores varia em torno de 28ºC a 30ºC, o que caracteriza o ambiente de trabalho como quente.

Com relação à organização do trabalho, os dois setores seguem um modelo taylor-fordista, em que há separação entre atividades de concepção e de execução, de forma fragmentada e individualizada. Somam-se a essas características a adoção parcial, no âmbito das chamadas novas técnicas organizacionais, de estratégias que se enquadram no movimento da qualidade total com destaque para os “cinco S”.

O ritmo de trabalho, determinado pela velocidade de rotação dos fusos (13.000 rpm), é elevado nos dois setores. A qualidade do algodão interfere com o ritmo de trabalho, na medida em que determina o grau de resistência e quebra do fio, ou seja, quanto pior a qualidade do algodão, maior a quebra dos fios e mais intenso o ritmo.

No setor modernizado, cada fiandeiro é responsável pelo monitoramento de cerca de 3.000 fusos enquanto no setor antigo, cada um é responsável por cerca de 2.600 fusos.

Em ambos os setores, as atividades principais do fiandeiro (emenda dos fios e troca da “maçaroca”) caracterizam-se como atividades de curta duração (de 4 a 9 segundos) e alta repetitividade (mais de 1.000 vezes ao dia para atividade de emenda dos fios e entre 200 e 300 vezes para troca da “maçaroca”). Durante toda a jornada de trabalho, os fiandeiros permanecem em pé, monitorando as máquinas de fiação e alternando posturas de elevação do braço acima da altura da cabeça (quando alcançam a “maçaroca” no topo da máquina) e movimentos repetidos de punho.

As opiniões dos trabalhadores quanto aos aspectos relacionados a fatores físicos gerais do trabalho e os ligados à organização do trabalho são apresentadas na Tabela 1, com base nas respostas ao questionário.

Tabela 1 Distribuição percentual de trabalhadores segundo as respostas “sim” às perguntas sobre fatores físicos e organizacionais do trabalho (N=50)

Unidade fabrilCaracterísticas

Modernizada SIM % (n)

Antiga SIM % (n)

Considera a iluminação adequada 84 (21) 88 (22) Considera o nível de ruído tolerável 36 (9) 32 (8) Considera a temperatura agradável 16 (4) 20 (5) Controla o ritmo de trabalho 44 (11) 88 (22) Considera o trabalho repetitivo 84 (21) 100 (25) Participa nas decisões 0 0 Tem bom relacionamento com colegas 100 (25) 96 (24) Está satisfeito com a chefia 92 (23) 92 (23) Acredita em promoção 40 (10) 44 (11)

Os dados apresentados na Tabela 1 foram comparados estatisticamente pelo teste de χ2. As diferenças que se mostraram estatisticamente significativas são as relativas ao controle sobre o ritmo de trabalho (χ2=10,784; p=0,001) e à repetitividade do trabalho

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(χ2=4,348; p=0,037). A maioria dos trabalhadores do setor antigo referiu ter controle sobre o ritmo de trabalho. O trabalho foi considerado repetitivo pela maioria dos trabalhadores dos dois setores, com maior percentual no setor antigo.

Uma das perguntas mais importantes do questionário era “Você sente alguma dor ou desconforto em alguma parte do corpo?”. Entre os entrevistados, 60% (15) do setor modernizado e 76% (19) do setor antigo admitiram sentir alguma dor e/ou desconforto. Não foram encontradas associações significativas entre dor/desconforto e setor (χ2=0,082; p>0,05), dor/desconforto e turnos (χ2=2,665; p>0,05), dor/desconforto e sexo (χ2=1,961; p>0,05), dor/desconforto e faixa etária (χ2=0,999; p>0,05), dor/ desconforto e tempo de trabalho na indústria (χ2=7,862; p>0,05), nem quanto ao tempo de trabalho como fiandeiro (χ2= 4,711; p>0,05). Os locais do corpo mais freqüentemente referidos como dolorosos foram: perna direita (25,3%), perna esquerda (24%), coluna lombar (10,7%), ombro direito (8%), coluna torácica (5,4%), coluna cervical (4%), ombro esquerdo (4%) e joelho esquerdo (4%). As respostas mais freqüentes à pergunta “o que você acha que causa essa dor” foram: “dias muito puxados” (32,3%), “ficar muito em pé” (17,6%), “atividade” (17,6%), “frear a máquina” (8,8%), “máquinas muito altas” (5,88%) e outras como “andar muito”, “movimentos” e “peso em uma perna”.

DISCUSSÃO A expectativa inicial era de que os investimentos da empresa na modernização

de um de seus setores de fiação, incluindo a adoção de maquinário aperfeiçoado e semi-automatizado e a reestruturação do ambiente físico, exerceriam efeitos favoráveis à empresa e aos trabalhadores, agilizando a produção e garantindo melhores condições de trabalho. No entanto, o estudo revelou que o incremento da produtividade, garantido pelo maior número de fusos por máquina e pela manutenção do alto ritmo de rotação do filatório, assim como o ganho de tempo possibilitado pela automatização de parte do processo, não vieram acompanhados de condições adequadas de trabalho, pelo contrário, acabaram por perpetuar as situações de risco.

Por conseguinte, em vez de se encontrarem diferenças organizacionais e em termos de sobrecarga física no setor modernizado, bem como um menor índice de queixas osteomusculares, encontraram-se semelhanças e aspectos críticos desfavoráveis, além de alta prevalência de dor, em ambos os setores.

Fatores de risco físicos Os principais fatores de risco físicos associados aos DORT identificados foram

repetitividade de movimentos, trabalho na posição em pé durante toda a jornada e posturas extremas de ombro. Esses fatores de risco estão entre os mais citados na literatura22-25.

O trabalho dos fiandeiros pode ser considerado como altamente repetitivo4 em ambos os setores de fiação. Essa característica torna-se evidente tanto na observação direta das atividades quanto na opinião dos trabalhadores que, em sua maioria, consideram o trabalho repetitivo.

As atividades são executadas na posição em pé, sem possibilidades de variação de postura. Como conseqüência, o trabalhador pode manifestar algias, fadiga e distúrbios osteomusculares devido à carga estática exigida para manter a posição de pés, joelhos, quadris e coluna26,27. Nos depoimentos dos trabalhadores, as pernas foram o segmento

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mais mencionado para a ocorrência de dor ou desconforto e “ficar muito em pé” foi a segunda maior causa de dor apontada pelos entrevistados, comprovando o potencial de risco que esse padrão postural acarreta.

Os fiandeiros também executam movimentos repetidos de elevação dos braços acima da altura da cabeça, como na atividade de troca da maçaroca, o que, como se sabe, é comprovadamente lesivo para as estruturas do ombro. Esse aspecto também reflete a inadequação das máquinas às características antropométricas da população, situação que se agrava ainda mais no setor modernizado, em que os filatórios foram elevados com vistas à maior produtividade.

Além destes, aspectos relacionados ao conforto proporcionado pelo ambiente de trabalho também podem ser incluídos entre os fatores de risco físicos. Ruído excessivo, temperatura elevada e iluminação inadequada em alguns locais podem ser determinantes na adoção de determinadas posturas e podem contribuir para um aumento dos níveis de estresse no trabalho, como referem outros autores28.

Fatores de risco organizacionais e/ou psicossociais Entre os fatores de risco organizacionais ou psicossociais do trabalho foram

identificados: ritmo intenso de trabalho, fragmentação e invariabilidade das tarefas, inexistência de pausas e impossibilidade de comunicação com os colegas. Esses dados são condizentes com estudos que identificam associação entre fatores organizacionais e/ou psicossociais e DORT12,18,19, 29. O trabalho em ambos os setores de fiação orienta-se segundo os padrões do taylorismo/fordismo. As atividades dos fiandeiros são fragmentadas, invariáveis, executadas em ritmo intenso e sem pausas.

O aumento da produtividade no setor modernizado decorreu da utilização de um menor número de máquinas, capazes de produzir a mesma quantidade de fio de algodão com uma significativa economia de tempo. Aliado a isso, os fiandeiros do setor modernizado passaram a ser responsáveis pelo patrulhamento de um maior número de fusos (3.000) em relação aos do setor antigo (2.640). Dessa forma, pode-se dizer que o processo de modernização traduziu-se na intensificação do trabalho dos fiandeiros que, em nome da produtividade e do menor tempo, foram sobrecarregados em suas funções.

Esse quadro acompanha o panorama geral das novas formas de gestão e controle do trabalho que emergem no Brasil a partir da década de 1980 e que, baseadas no aumento da produtividade, na eficiência, na qualidade e em novas formas de gestão, representam uma ampliação da exploração da força de trabalho, seja pela mais-valia relativa (inovação tecnológica) ou mais-valia absoluta (ampliação do ritmo de trabalho)30. Para Dejours31, trabalhadores submetidos a esse tipo de organização do trabalho vivenciam uma situação impregnada pelo risco de não acompanhar o ritmo de trabalho, gerando um estado de tensão e ansiedade. A intensificação do trabalho, quando não se buscam formas de proteger os trabalhadores da sobrecarga, da tensão e da fadiga, pode superar as possibilidades psicobiológicas do trabalhador32, favorecendo o desenvolvimento do distúrbio osteomuscular, entre outros.

Vários estudos identificam a relação entre trabalho em ritmo elevado e distúrbios osteomusculares. Comparando duas indústrias produtoras de vidro em diferentes fases de incorporação tecnológica, Queiroz e Maciel33 encontraram um maior número de queixas de dores musculares na indústria em que o ritmo de trabalho é mais elevado.

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No estudo de Fassa et al.34, dores nas costas, cansaço e irritação foram relatados por trabalhadores de um dos setores de uma indústria de celulose e papel como os principais problemas de saúde. Nesse setor, trabalhar em grande velocidade (referida por 56,5% dos trabalhadores) foi considerada uma das principais cargas de trabalho relacionadas à atividade. Ghisleni e Merlo35 entrevistaram trabalhadores portadores de DORT em Porto Alegre e apontaram o ritmo de trabalho elevado como um dos principais fatores organizacionais responsáveis pelo desenvolvimento do distúrbio.

Ainda no contexto de transformação iniciado pela empresa, vale ressaltar que investidas em programas de qualidade como os “cinco S” pouco significaram para os trabalhadores da fiação que, em essência, não vêem em absoluto alteradas suas condições de trabalho. Isso é condizente com estudos que mostram que as melhorias nas condições de trabalho efetuadas pelas empresas brasileiras estão restritas a questões de higiene, limpeza e organização dos locais de trabalho, deixando de lado pontos cruciais para a saúde dos trabalhadores, como o ritmo acelerado de trabalho36.

Outro aspecto revelador da organização social do trabalho e próprio do modelo taylorista de organização do trabalho presente nos setores de fiação é a restrição da comunicação entre os trabalhadores37. A restrição da comunicação entre colegas de trabalho segue uma das prerrogativas de Taylor, segundo a qual o trabalho bem planejado prescinde da comunicação entre trabalhadores. Todavia, como defendem alguns autores, quanto pior a qualidade da comunicação e as relações de suporte entre os trabalhadores, maiores os riscos de desenvolvimento de DORT18,38.

CONCLUSÃO A análise dos setores de fiação e das atividades de trabalho de fiandeiro permitiu

identificar fatores de risco físicos e organizacionais reconhecidamente associados aos DORT, bem como uma alta prevalência de dor e/ou desconforto, a despeito dos investimentos da empresa na inovação tecnológica de um dos setores de fiação. Conclui-se que investimentos em tecnologia que não acompanham mudanças na organização e nas condições de trabalho resultam na manutenção ou no agravamento das situações de risco reconhecidamente associadas aos DORT.

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17 Brisson C, Vinet A, Vézina M, Gingras S. Effect of duration of employment in piecework on severe disability among female garment workers. Scand J Work Environ Health. 1989;15:329-34.

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31 Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Oboré; 1992.

32 Seligmann-Silva E. Saúde mental e automação: a propósito de um estudo de caso no setor ferroviário. Cad Saude Publ. 1997;13(2):95-109.

33 Queiroz MF, Maciel RH. Condições de trabalho e automação: o caso do soprador da indústria vidreira. Rev Saude Publ. 2001;35(1):1-9.

34 Fassa AG, Faci LA, Dall´Agnol MM. Trabalho e morbidade comum em indústria de celulose e papel: um perfil segundo o setor. Cad Saude Publ. 1996;12(3):297-307.

35 Ghisleni AP, Merlo ARC. Trabalho contemporâneo e patologias por hipersolicitação. Psicol Reflex Crit. 2005;18(2):171-6.

36 Oliveira S. A qualidade da qualidade: uma perspectiva em saúde do trabalhador. Cad Saude Publ. 1997;13(4):625-34.

37 Merlo ARC, Vaz MA, Spode CB, Elbern JLG, Karkow ARM, Vieira PRB. O trabalho entre prazer, sofrimento e adoecimento: a realidade dos portadores de lesões por esforços repetitivos. Psicol Soc. 2003;15(1):117-36.

38 Codo W. Providências na organização do trabalho para a prevenção da LER. In: Codo W, Almeida MCCG, organizadores. LER: diagnóstico, tratamento e prevenção: uma abordagem interdisciplinar. Petrópolis: Vozes; 1998. p.222-48.

Quadro 1 Características dos setores de fiação e da atividade de fiandeiro

Setor de fiação Características Setor modernizado Setor antigo

Número de fiandeiros 58 (33 homens, 25 mulheres) 69 (19 homens, 50 mulheres)

Sistema de turnos Turnos fixos, diurno, vespertino e noturno

Extensão da jornada de trabalho 48 horas semanais

Pausas Não ocorrem pausas curtas

Ruído 92 a 93 dB 94 dB Iluminação (média) 158,25 lux 101,46 lux Poeira de algodão 0,52 mg/m3 0,67 mg/m3 IBUTG médio 26,02 °C 25,37 °C

Organização do trabalho Trabalho individualizado; divisão entre concepção e execução

Ritmo de produção Determinado pela velocidade de rotação dos fusos (13.000 rpm) e influenciado pela qualidade do algodão

Comunicação entre trabalhadores Limitada pelo ruído e ritmo de trabalho

Altura máxima da máquina (filatório) 2,20 m 2,10 m

Duração média / Repetição média da atividade de emenda dos fios

4 a 6 seg./ 1.028 vezes ao dia 5 a 7 seg./ 1.171 vezes ao dia

Duração média / Repetição média da atividade de troca da maçaroca

6 a 9 seg./ 312 vezes ao dia 7 a 9 seg./ 205 vezes ao dia

Posturas e movimentos Em pé (não estática) durante toda a jornada; movimentos de elevação de ombro acima da cabeça; movimentos de flexão, extensão, desvio

radial e ulnar e circundução de punho

EPI = equipamento de proteção individual; IBUTG = Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo (avalia a exposição ocupacional ao calor)

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Efeitos de um programa de hidroterapia na pressão arterial e freqüência cardíaca de mulheres idosas sedentárias Effects of a hidrotherapy program on blood pressure and heart rate in elderly, sedentary women

Título condensado: Respostas circulatórias à hidroterapia de idosas Juliana Monteiro Candeloro1, Fátima Aparecida Caromano2

1 Fisioterapeuta; Ms. Especialista em Hidroterapia 2 Fisioterapeuta; Prof. Dra. do Curso de Fisioterapia do Fofito/FMUSP (Depto. de Fonoaudiologia,

Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP)

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Juliana M. Candeloro Laboratório de Fisioterapia e Comportamento Curso de Fisioterapia /Fofito Rua Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-000 São Paulo SP

e-mail: [email protected] Este artigo é uma produção complementar da pesquisa de mestrado da autora 1.

RESUMO: Este estudo visou analisar as conseqüências cardiocirculatórias (na pressão arterial, PA, e freqüência cardíaca, FC) de um programa de hidroterapia cujo objetivo clínico era ganho de força muscular e flexibilidade para mulheres idosas saudáveis e sedentárias. Participaram 16 idosas, de 65 a 70 anos. O programa constou de 32 sessões, com uma hora de duração cada, de exercícios em imersão para ganho de força muscular e flexibilidade, com grau de dificuldade crescente, em sete fases. As quatro primeiras sessões foram usadas para adaptação ao meio aquático e desconsideradas para coleta de dados. As medidas de PA e FC foram coletadas ao final de cada fase, em quatro momentos: repouso fora da água, em repouso 3 minutos após imersão, em imersão ao final dos exercícios, e três minutos após a saída da piscina. Os dados foram analisados estatisticamente com nível de significância a p<0,05. Da sessão de base (5a) para a última (32a), foram observadas quedas significantes de 5,6 mmHg na média da PA sistólica de repouso e de 9,7 mmHg na média da PA diastólica de repouso, tendo a classificação do nível da PA das participantes passado de normal-limítrofe para normal; e um aumento, não estatisticamente significativo, de 1,0 bpm na média da FC de repouso. Os achados sugerem que, embora não tenham afetado a FC, exercícios de força e flexibilidade em imersão, com grau de dificuldade crescente, não sobrecarregam – e podem afetar positivamente – o sistema cardiocirculatório de idosas com 65 a 70 anos. Descritores: Envelhecimento; Freqüência cardíaca; Hidroterapia; Mulheres; Pressão arterial ABSTRACT: This study aimed at analysing cardiocirculatory effects (on blood pressure, BP, and heart rate, HR) of a hydrotherapy program of which the purpose was to increase muscle force and flexibility of 16 sedentary, healthy, 65-to-70 year-old women. The program consisted of 32 1-hour sessions of strength and flexibility training exercises, with increasing degree of difficulty in seven phases. The first four sessions were used for adaptation to the aquatic environment and the respective data were not considered. BP and HR were monitored at the end of each phase in four different moments: at rest before diving, at rest 3 minutes after immersion, still immerged at the end of exercises, and at rest, 3 minutes after exiting the pool. Collected measures were statistically analysed, and significance level set at p<0.05. Results show significant mean at-rest systolic BP decrease of 5.6 mmHg, and mean at-rest diastolic BP decrease of 9.7 mmHg, from the 5th (base) session to the 32nd (last) session; participants’ BP classification turned from threshold-normal to normal, according to the Brazilian Hypertension Society. Also found was a non-significant 1.0-bpm increase in mean HR. Findings suggest that, though HR has not been affected, aquatic strength and flexibility exercises with increasing difficulty do not overload – and may positively affect – cardiocirculatory system in healthy women aged 65 to 70 years old. Key words: Aging; Blood pressure; Heart rate; Hydrotherapy; Women

APRESENTAÇÃO out. 2006

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO dez. 2007

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INTRODUÇÃO

Na prática de exercícios em imersão, as respostas produzidas pela atividade física se somam às respostas desencadeadas pela imersão, uma das quais é um aumento da pressão arterial (PA) e da freqüência cardíaca (FC) em menor intensidade do que em exercícios realizados em solo, para o mesmo nível de consumo de oxigênio (VO2)1.

Com imersão até o pescoço, em repouso, ocorre o efeito da pressão hidrostática agindo sobre todo o corpo e produzindo deslocamento de aproximadamente 700 ml de sangue, que são desviados das extremidades e vasos abdominais para os grandes vasos do tórax, causando aumento significativo na pressão intra-ventricular direita, no volume de ejeção e no débito cardíaco. Em conseqüência, ocorre diminuição da resistência vascular sistêmica, resultando na diminuição da pressão arterial1,2. Com o aumento do retorno venoso, os barorreceptores desencadeiam o aumento do volume de enchimento cardíaco e o volume ejetado por contração, reduzindo de forma reflexa a FC. Esse mecanismo é denominado reflexo do mergulho3,4.

Duas medidas são fatores preditivos importantes da qualidade do sistema circulatório: a pressão arterial sistólica (PAS) e a pressão arterial diastólica (PAD). Para adultos, considera-se normal a PAS menor que 130 mmHg e a PAD menor que 85 mmHg. Aceitam-se como valores normais limítrofes a PAS de 130 a 140 mmHg, a PAD de 85 a 89 mmHg; acima desses valores, considera-se hipertensão arterial5. A freqüência cardíaca (FC) é o numero de batimentos cardíacos do coração em um minuto; sua medida é freqüentemente usada para descrever e regular a intensidade metabólica do exercício. Considera-se normal para um homem adulto em repouso uma freqüência de 80 a 100 batimentos por minuto (bpm)6. Em imersão, ocorre queda de 10 a 15 bpm7.

A população mais sujeita a apresentar hipertensão sistêmica, excetuando os portadores de herança genética predisponente, fumantes e diabéticos, são os idosos.

Durante o envelhecimento ocorre diminuição da capacidade aeróbica e esse declínio é maior quando associado ao estilo de vida sedentário8. Ocorrem modificações na elasticidade do miocárdio, provocando prolongamento do tempo de contração, aumento da resistência à estimulação elétrica, espessamento do tecido conjuntivo das grandes artérias e as células de revestimento dos vasos sangüíneos tendem a apresentar irregularidades, resultando em aumento da pressão arterial2,9. Esses fatores aumentam o risco de incidência de acometimentos como o acidente vascular encefálico, insuficiência cardíaca, eventos coronarianos, doenças arteriais oclusivas periféricas e insuficiência renal5,6.

Exercícios físicos regulares podem retardar ou mesmo impedir o aumento da pressão arterial decorrente do envelhecimento, principalmente por causar aumento da vasodilatação periférica, com diminuição da resistência vascular, melhora da complacência dos vasos arteriais, aumento da vascularização periférica e diminuição da freqüência cardíaca de repouso10-12. Estudo realizado por Forjaz et al.13 mostra que a diminuição da PA é imediata após a prática de exercícios físicos e se mantém por um período de até 24 horas após a realização de exercícios de moderada intensidade.

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O trabalho respiratório do corpo em imersão em água aquecida, em repouso, aumenta em aproximadamente 60%, devido à ação da pressão hidrostática e do calor da água, que geram aumento do volume sangüíneo central pelo incremento do retorno venoso e aumento do trabalho dos músculos inspiratórios. A alteração da capacidade pulmonar deve-se essencialmente à compressão da caixa torácica pela pressão hidrostática, produzindo limitação de movimentos e aumento na pressão dos grandes vasos localizados no tórax14,15.

Embora as respostas cardiocirculatórias de diferentes tipos de exercícios em imersão ainda sejam pouco estudadas, há na literatura indicadores de que exercícios em imersão afetam de forma positiva a PA e a FC de repouso1,16. A questão aqui é se esses benefícios se estendem a programas que incluam exercícios de resistência muscular, uma vez que, em solo, esses exercícios, durante sua realização, tendem a aumentar a pressão arterial e diminuir a freqüência cardíaca6.

O objetivo deste estudo foi analisar as conseqüências cardiocirculatórias, especificamente no comportamento da PA e FC, durante um programa de hidroterapia elaborado com objetivo clínico de ganho de força muscular e flexibilidade para mulheres idosas, sedentárias e saudáveis.

METODOLOGIA Este estudo é uma pesquisa experimental, com delineamento pré-teste e pós-

teste. A pesquisa foi realizada em uma escola de natação em São Paulo e no LaFi.Com (Laboratório de Fisioterapia e de Comportamento do Curso de Fisioterapia do Fofito da Faculdade de Medicina da USP).

Sujeitos A divulgação da pesquisa foi realizada por meio de cartazes no local da pesquisa.

Vinte e duas idosas submeteram-se à avaliação para participar da pesquisa. Concluíram a pesquisa 16 mulheres. Houve duas desistências por vontade própria, duas desistências por intercorrências de saúde e duas idosas foram desligadas do programa devido às faltas excessivas. As mulheres tinham idades entre 65 e 70 anos (66,9±1,7) anos, altura de 1,55±7,2 m, peso 69,6±14,0 k, índice médio de massa corpórea (IMC) considerado sobrepeso (28,6±4,8 kg/cm2) sem presença de obesidade, levando-se em conta sexo e idade17; as idosas eram todas ativas na comunidade, donas de casa, pertencentes à classe média, moradoras da cidade de São Paulo.

Para fins de inclusão no estudo, as participantes apresentaram indicação médica, constatando não serem portadoras de patologias limitantes para a prática de hidroterapia (doenças cardíacas, incluindo hipertensão arterial, doenças respiratórias, musculoesqueléticas ou neurológicas) e não faziam uso de medicamentos. Declararam não praticar qualquer atividade física específica ou caminhadas regulares (mínimo 30 minutos, três vezes por semana), caracterizando o estado de sedentarismo. Todas concordaram com os termos da pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética (Cappesq) do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Material Piscina de 4 x 2 metros, com profundidade de 1,3 metros, esfigmomanômetro,

estetoscópio, freqüencímetro cardíaco, ficha de coleta de dados e equipamentos aquáticos (halteres para membros superiores e tornozeleiras para membros inferiores).

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Procedimentos Entende-se que a hidroterapia consiste em intervenção fisioterapêutica em meio

aquático visando implementação ou manutenção de função. Portanto, elaborou-se um programa de hidroterapia específico para idosos saudáveis visando suas principais necessidades: força e flexibilidade19. O programa consistiu de 32 sessões, com uma hora de duração, durante 14 semanas consecutivas, com freqüência de duas sessões semanais, sempre no mesmo horário.

As quatro primeiras sessões foram de adaptação ao meio aquático e as demais sessões foram para ganho de força muscular e flexibilidade (Quadro 1). É esperado, em meio urbano não-costeiro, que boa parte das pessoas idosas se sintam inseguras no período de adaptação ao meio aquático e que essa insegurança afete os valores de PA e FC. Neste estudo, cujo objetivo foi verificar o comportamento da PA e FC, o período de adaptação ao meio aquático (4 sessões) foi desconsiderado. A fase de adaptação ao meio aquático constou de atividades motoras onde as idosas aprenderam a imergir a cabeça na água, soltar o ar em imersão, deslocar-se no ambiente sem apoio, usar a flutuação da água para apoiar seu corpo e recuperar a postura em pé18. Portanto, neste estudo, consideraram-se as primeiras medidas de PA e FC, ou medidas de base, as que foram coletadas na 5a sessão.

Foram elaboradas 33 atividades físicas com sete níveis de dificuldade, conforme descrito no Quadro 1. As sessões de hidroterapia foram realizadas em profundidade da água na altura do tórax, com temperatura da água a 32,5°C, As sessões foram realizadas em duplas e tiveram duração de uma hora, sendo 15 minutos para mensuração dos sinais vitais e 45 minutos para o treinamento das atividades físicas, de um a 33, em um dos sete níveis de dificuldades. As 33 atividades foram divididas em aquecimento, atividades físicas de flexibilidade, atividades físicas de força muscular e atividades físicas de relaxamento19.

Quadro 1 As sete fases das atividades físicas do programa de hidroterapia

Sessão Fase Graduação

1-4 Ø Adaptação ao meio aquático 5-8 1a Introdução aos exercícios Não são utilizados flutuadores como forma de resistência.

9-12 2a Fase de aumento da velocidade

Semelhante à 1a fase, com estímulo verbal para aumentar a velocidade dos exercícios.

13-16 3a Introdução aos flutuadores

Introdução de flutuadores pequenos após o aquecimento e exercícios de flexibilidade. Alternando os dias, ora com flutuadores em membros superiores ora em membros inferiores.

17-20 4a Uso de flutuadores Similar à 3a fase, com uso de flutuadores pequenos nos membros superiores e inferiores simultaneamente.

21-24 5a Flutuadores pequenos com aumento de velocidade

Semelhante à fase anterior, diferenciando-se pelo aumento da velocidade dos exercícios e os flutuadores desalinhados com a água.

25-28 6a Aumentando a dificuldade Uso de flutuadores grandes desalinhados com a água.

28-32 7a Dificuldade máxima Similar à 6a fase, com estímulo verbal para aumento da velocidade dos exercícios.

Os dados foram coletados sempre pela mesma pesquisadora. O comportamento da PA e FC foi usado como indicador fisiológico. Para aferimento da PA, as participantes mantiveram o braço no nível do coração, apoiado na borda da piscina; e usavam um freqüencímetro cardíaco para informar a FC. A coleta de dados de PA e FC foi feita

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em quatro tempos, com o intuito de gerar informações que demonstrassem as variações de PA e FC no solo, na imersão, na imersão com exercícios, e no solo após a intervenção. A primeira medida foi coletada após três minutos em repouso fora da água (momento A); a segunda, após três minutos de imersão em repouso (momento B); a terceira medida ao término do treinamento das atividades físicas em imersão (momento C); e a quarta medida, três minutos após a saída da piscina, em repouso (momento D). Segundo MacArdle6, períodos de 3 minutos após exercícios de leve a moderada intensidade são suficientes para produzir o retorno de PA e FC em níveis de repouso, como foi possível confirmar neste estudo.

Análise dos dados As três variáveis consideradas, variação da pressão arterial sistólica, variação da

pressão arterial diastólica e variação de freqüência cardíaca, foram analisadas em duas dimensões: 1. intra-sessão, comparando os resultados no momento A (basal) com os momentos B, C e D em cada sessão; e 2. entre sessões, comparando os resultados da sessão cinco com os da sessão 32, em cada momento A, B, C e D. Em ambos os casos, as comparações foram analisadas por meio de teste paramétrico e teste de médias pareadas, que compara se uma população, em diferentes situações relacionadas, apresenta ou não o mesmo comportamento. Em todas as comparações, consideraram-se significantes as probabilidades associadas aos resultados dos testes menores que 0,05, ou seja, com no máximo de 5% de chance de rejeitar a hipótese de igualdade de média quando é verdadeira20.

A definição de variação da pressão arterial, considerando a medida da sessão cinco no momento A como base, foi dada pela equação: pressão na sessão i no momento j menos pressão na sessão cinco no momento A, multiplicado por 100, e dividido pela pressão na sessão cinco no momento A. Sendo, i= 5, 8, 12, 16, 20, 24, 28, e 32 e j= A, B, C, D.

A definição de variação da freqüência cardíaca utilizada (%), considerando como base a medida da freqüência da sessão cinco, no momento A, foi análoga à definição de variação da pressão arterial.

RESULTADOS Da 5a para a 32a sessão, no momento A, a PAS (pressão arterial sistólica) reduziu-se

em 5,9% (p=0,044); no momento B teve uma queda de 13,2% (p=0,030); no momento C, redução de 7,9% (p=0,301); e no momento D, um aumento de 5,5% (p=0,584). A média da PAS de repouso do grupo, no momento A, na sessão de base (5a), foi de 133,1±18,52 mmHg; na última sessão (32a), após o término do treinamento, a média da PAS para o grupo foi de 125,0±20,66 mmHg (Gráfico 1).

Inserir Gráfico 1

Gráfico 1 Resposta (média) da pressão arterial sistólica à prática de atividade física em sessões selecionadas do programa de hidroterapia nos momentos A, B, C e D

Quanto à PAD (pressão arterial diastólica), a variação da sessão 5 para a 32, no momento A, consistiu em queda de 10,2% (p=0,020); no momento B, queda de 24,1% (p=0,128); no momento C, queda de 21,4% (p=0,022); e, no momento D, voltou a níveis próximos do basal, 0,0% (p=0,033). A média da PAD do grupo em repouso, na sessão 5, no momento A, foi de 82,5±10,65 mmHg, caindo para 73,8±14,55 mmHg na última sessão (Gráfico 2).

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Inserir Gráfico 2 Gráfico 2 Resposta (média) da pressão arterial diastólica à prática de atividade física em

sessões selecionadas do programa de hidroterapia nos momentos A, B, C e D

A freqüência cardíaca não apresentou variações significativas durante as sessões. Da 5a para a 32a, no momento A, ocorreu aumento de 3,4% (p=0,530); no momento B, queda de 8,8% (p=0,339); no momento C, queda de 2,0% (p=0,603); e no momento D, aumento de 0,5% (p=0,220). A média da FC de repouso do grupo sofreu um aumento mínimo da sessão de base para a última sessão, de 80,3±13,35 bpm para 81,3±11,33 bpm, não sendo estatisticamente significante (Gráfico 3).

Inserir Gráfico 3 Gráfico 3 Resposta (média) da freqüência cardíaca à prática de atividade física em sessões

selecionadas do programa de hidroterapia nos momentos A, B, C e D

DISCUSSÃO Lembrando que este estudo teve como objetivo analisar as conseqüências

cardiocirculatórias quanto à PA e à FC, durante um programa de hidroterapia – que atingiu o objetivo clínico de ganho de força muscular e flexibilidade para mulheres idosas19, sedentárias e saudáveis –, pode-se verificar que, comparando os dados da última sessão, em que as participantes desenvolviam o grau máximo de dificuldade de cada atividade física proposta, com os da sessão de base (5a), ocorreu queda da PAS de repouso. A análise dos dados referentes ao comportamento da PAS ao longo dos diferentes momentos mostrou que ocorreu diminuição da PAS do momento A para o B. Esse achado deve-se ao efeito físico da pressão hidrostática sobre o corpo que, conforme descrito pela literatura diminui a PA1,11. Foi encontrada elevação da PAS do momento B para o C, como esperado, em função dos exercícios físicos e, ainda, elevação da PAS do momento C para o D, atingindo aí valores maiores do que a PAS basal (momento A). Essa elevação da PAS no momento D é explicada pela resposta fisiológica esperada ao exercício físico e pela ausência da ação da pressão hidrostática, o que elimina a facilitação do retorno venoso, tendendo pois a elevar a PAS. Como uma resultante do treinamento, então, a PAS das participantes passou de normal-limítrofe (característica de idosos, sem determinar quadro clínico de hipertensão arterial) para normal, segundo a classificação do II Congresso Brasileiro de Hipertensão Arterial5, embora o programa de hidroterapia tenha visado ganho de força e flexibilidade, não tendo tido o objetivo de melhora cardiocirculatória.

Encontrou-se que, assim como a PAS, a PAD apresentou uma diminuição no momento A para o B, relacionado com o efeito físico da imersão, uma elevação da PAD no momento C, após as atividades físicas e, elevação do momento C para o D (Gráfico 2). Este resultado mostra a passagem das participantes dos níveis limítrofes para os níveis normais de PA5.

Durante as sessões, verificou-se que a FC sofreu uma queda à simples imersão na maioria das sessões, quando comparado o momento A com o B, confirmando o comportamento cardiovascular normal, dentro do esperado e descrito pela literatura quanto ao reflexo do mergulho em humanos4. No momento C, em todas as sessões a FC apresentou valores mais altos do que no momento B, o que se justifica pela resposta à realização das atividades físicas. No momento D, um aumento da FC era esperado pela ausência da ação da pressão hidrostática e em resposta aos exercícios;

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no entanto, o aumento aqui encontrado – com valor dentro dos níveis de normalidade para o adulto – foi mínimo e não-significativo. Pode-se dizer, portanto, que o programa de hidroterapia não afetou a FC de repouso.

Os estudos que abordam os efeitos do exercício em imersão na PA e na FC apresentam limites metodológicos, ou seja, consideram somente os valores coletados no início e no final dos treinamentos, unicamente dentro ou fora da água, desconsiderando os efeitos da imersão e da adaptação dos sujeitos a esta. Outra limitação desses estudos diz respeito às intervenções, que consistem em caminhadas ou exercícios de baixa intensidade, ou não especificam a intervenção. Os resultados do presente estudo são compatíveis com os obtidos por Steinhaus et al.8, mas com exercícios realizados no solo (com 13 sujeitos, 9 homens e 4 mulheres): compararam diferentes programas de exercícios aeróbicos de moderada intensidade e encontraram queda na média da PAS de repouso de 140,1 para 137,7 mmHg e queda na média da PAD de repouso de 90,3 para 89,4 mmHg; mas, ao contrário do presente estudo, encontraram queda na média da FC de repouso, de 82,4 para 77,7 bpm. No grupo que realizou exercícios de fortalecimento e alongamento, encontraram queda na média da PAS de repouso de 136,4 para 136 mmHg, aumento na média da PAD de repouso de 85,9 para 87,9 mmHg e queda mínima na média da FC de repouso, de 78,9 para 77,7 bpm, sendo esses dados compatíveis com os presentes achados. O programa de hidroterapia aqui proposto apresentou pois resultados similares aos obtidos com intervenção semelhante em solo – com a vantagem de que a intervenção realizada em meio aquático produz benefícios gerais para o organismo, desencadeados pela liberdade de movimento corporal produzido pela flutuação e menor sobrecarga nas articulações, sem risco de quedas ou lesões.

Estes achados também são compatíveis com os do programa de exercícios de baixa intensidade em meio aquático do estudo realizado por Arca et al. 21, com 20 mulheres hipertensas entre 44 e 65 anos, que participaram de um programa de hidroterapia, mostrando queda na média da PAS de repouso de 5 mmHg e na média da PAD de repouso de 10 mmHg. No estudo realizado por Gilbert et al.22, com 11 sujeitos (6 homens e 5 mulheres) com idades de 27,5±1,8 anos, submetidos a caminhadas em imersão, foram encontradas queda na média da PAS de 5 a 15 mmHg, na média da PAD de 5 a 10 mmHg e de 15% na média da FC.

CONCLUSÃO Confirmando o efeito do principio físico da pressão hidrostática sobre o corpo

submerso, na realização do programa aqui proposto, durante a imersão em repouso ocorreu diminuição da pressão arterial e freqüência cardíaca, e respectiva elevação após a saída da piscina. A queda na média da pressão arterial sistólica e diastólica, ao final do programa, foi suficiente para mudar a classificação do nível da pressão arterial das participantes, normal-limítrofe para normal. O comportamento da freqüência cardíaca durante as sessões variou conforme descrito pela literatura e não foi afetado pelo treinamento.

Este estudo oferece indicativos para futuras pesquisas realizadas com idosos, quanto ao método de avaliação das respostas cardiocirculatórias sob os efeitos da imersão e imersão com exercícios. Uma das limitações, porém, refere-se às características da amostra, devendo ser seguido por outros que incluam portadores de

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hipertensão arterial leve, independente de idade e sexo, pois este estudo sugere que exercícios de força e flexibilidade em imersão, com grau de dificuldade crescente, não sobrecarregam o sistema cardiocirculatório de idosas com 65 a 70 anos, podendo inclusive afetar de forma positiva esse sistema.

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antropométricas em mulheres hipertensas. Rev Bras Fisioter. 2004;8(3):279-83. 22 Gilbert W, Glein GW, Nicholas JA. Metabolic costs and heart rate responses to treadmill

walking in water at different depths and temperatures. Am J Sports Med. 1989;17:248-52.

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Gráficos para visualizacao e conferência do diagramador

Gráfico 1

Gráfico 2

Gráfico 3

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Os componentes motor e visual de uma tarefa-dupla devem ser associados ou isolados durante o treinamento? Should motor and visual components of a dual-task be associated or separated during training?

Título condensado: Treinamento de uma tarefa-dupla Mariana Callil Voos1, Gisele Braga Pinheiro2, Luciana Olcerenko Cicca3, Andréia

Lázaro3, Luiz Eduardo Ribeiro do Valle4, Maria Elisa Pimentel Piemonte5 1 Fisioterapeuta; doutoranda em Neurociências e Comportamento no IP/USP (Instituto de

Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP) 2 Fisioterapeuta; doutoranda em Fisiologia no ICB/USP (Instituto de Ciências Biomédicas da USP) 3 Fisioterapeutas; pós-graduadas em Fisioterapia em Neurologia 4 Médico; Prof. Dr. do ICB/USP 5 Fisioterapeuta; Profa. Dra. do Fofito/FMUSP (Depto. de Fonoaudiologia, Fisioterapia e

Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Mariana Callil Voos Fofito/ FMUSP Rua Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-160 São Paulo SP e-mail: [email protected] RESUMO: As atividades diárias requerem o desempenho simultâneo de tarefas (tarefa-dupla), não estando claro se seu treino deve ser realizado com tarefas isoladas ou associadas. Este estudo visou verificar se a aquisição de uma tarefa-dupla ocorre por meio do treinamento de tarefas isoladas ou associadas. Vinte voluntárias foram submetidas a avaliação inicial, treinamento e avaliação final. Dez treinaram as tarefas associadas (TA) e as demais, isoladas (TI). A tarefa motora consistia na alternância de passos do chão a uma plataforma. A tarefa visual consistia na nomeação de dois estímulos (ônibus ou caminhão), um no centro e outro na periferia da tela do computador. O número de passos por segundo na ausência e na presença da tarefa visual, e o número de erros na tarefa visual na ausência e na presença da tarefa motora, foram contados e comparados estatisticamente. O grupo TA apresentou melhora tanto no desempenho motor (inicial 1,10 alternâncias/s, final 1,25 alternâncias/s, p=0,028), quanto no desempenho visual (inicial 9,3 erros, final: 6,9 erros, p=0,039). O mesmo não ocorreu com o grupo TI: a melhora motora não atingiu nível significativo, provavelmente devido à maior variabilidade no número de alternâncias de passo por segundo durante o treinamento, e não houve melhora visual significativa (p=0,844). Portanto, o tipo de treinamento interferiu no desempenho. O melhor desempenho ocorreu após o treinamento da tarefa-dupla. Descritores: Análise e desempenho de tarefas; Atenção; Atividade motora; Percepção visual ABSTRACT: The association of tasks (dual-task) has functional importance in daily activities; people usually have to learn new tasks. It is unclear whether tasks should be trained isolated or associated. This experiment aimed at verifying whether the best dual-task performance occurs after training isolated or associated tasks. Twenty volunteers underwent initial assessment, training, and final assessment; ten trained associated tasks (AT) and the others trained tasks separately (IT). The motor task consisted of alternating steps between the ground and a platform. The visual task measured the ability to name two visual stimuli displayed on a computer screen (bus or truck). The number of step alternations per second in the absence and presence of the visual task, and the number of errors in the visual task in the absence and presence of the motor task, were counted and statistically analysed. The AT group showed both motor (initial 1.10 alternations/s, final 1.25 alternations/s; p=0.028) and visual (initial 9.3 errors, final 6.9 errors; p=0.039) improvement in performance. The same did not occur to the IT group: motor improvement did not reach significance level, probably due to the higher variability in the number of step alternations per second during training, and no visual improvement was shown (p=0.844). It may thus be said that the kind of training interfered on performance. The best performance occurred after dual-task training. Keywords: Attention; Motor activity; Task performance and analysis; Visual perception

APRESENTAÇÃO jan. 2007

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO dez. 2007

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INTRODUÇÃO

Muitas atividades de vida diária requerem gerenciamento simultâneo de componentes visuais e motores: atravessar a rua, levar o cão para passear, fazer compras, entrar e sair do metrô... Essas tarefas não são aprendidas apenas na infância; durante toda a vida deparamo-nos com novas demandas: dirigir, usar um joystick ou palm-top. As pessoas têm diferentes graus de dificuldade nesse aprendizado, de acordo com idade, escolaridade, experiência prévia, doenças. Muitos indivíduos procuram um fisioterapeuta por terem dificuldade em alguma tarefa visual-motora.

Atividades que envolvem tarefas associadas são denominadas tarefas-duplas. Idosos1, crianças2, pacientes com Parkinson3, acidente vascular encefálico4, traumatismo crânio-encefálico5, lesão medular6 apresentam dificuldade em tarefas-duplas. É importante o fisioterapeuta conhecer a aquisição do desempenho de tarefas-duplas em indivíduos saudáveis e, posteriormente, em pacientes, para treinamento adequado.

Geralmente, a realização da tarefa-dupla é mais difícil que a realização das tarefas isoladamente. Isso ocorre quando há interferência entre tarefas, ou seja, ambas competem pela mesma classe de recursos de processamento de informação no sistema nervoso central (SNC). NesSa situação, há interação negativa entre tarefas: quanto mais atenção for alocada para a realização de uma tarefa, pior será o desempenho na outra. A demanda atencional reflete o grau de competição entre representações corticais sobrepostas das duas tarefas (hipótese do campo cortical)7. A eficiência na realização de uma das tarefas pode determinar o grau de interferência com a tarefa concorrente8.

Outra hipótese que explica o fenômeno da interferência é a de que existe um centro de decisão e seleção de resposta, chamado gargalo (bottleneck), o qual tem capacidade limitada e restringe o desempenho de tarefas concorrentes9. Não se sabe em que região do SNC está situado o gargalo, mas há indícios de envolvimento do córtex pré-motor dorsal, córtex frontal, giro frontal inferior esquerdo e área motora suplementar10.

Com o treinamento, a interferência negativa entre as tarefas diminui11 e o desempenho na tarefa-dupla melhora. Há relatos de maior capacidade atencional em tarefas visuais, conforme as atividades prévias do indivíduo. Foi observado melhor desempenho atencional em pessoas que usavam jogos eletrônicos em comparação às que tinham outras atividades de lazer12. Pessoas não treinadas evoluíram com ganho no desempenho após treino com jogos eletrônicos. Portanto, o número de repetições da tarefa visual no experimento pode interferir nos resultados.

Estudos apontam ganho de desempenho com treinamento de uma tarefa-única e usam a tarefa-dupla como prova de automatização13,14. Automatização é a habilidade de desempenhar uma tarefa com recursos atencionais mínimos e ocorre quando a tarefa foi muito praticada15. Para testar automatização, acrescenta-se uma tarefa concorrente antes e depois do treinamento, para verificar se há diminuição da interferência negativa entre as tarefas após a prática15.

Considerando-se que essa vertente da literatura apresenta resultados favoráveis na condição tarefa-dupla após o treinamento na condição tarefa-única, esta poderia ser uma evidência de que treinar na condição tarefa-única melhoraria a condição

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tarefa-dupla. Brown e Bennett14 defendem a idéia de que é melhor primeiro automatizar uma tarefa e depois acrescentar outra como secundária. Os autores trabalharam com duas tarefas: uma temporal (pressionar o mouse a cada cinco segundos) e uma não-temporal (leitura de um texto espelhado). O treinamento da não-temporal minimizou a interferência desta sobre a tarefa temporal (efeito de atenuação)14.

Quando uma tarefa-única é treinada e o teste de automatização é realizado na condição tarefa-dupla, o componente introduzido para caracterizar a tarefa-dupla adota o papel de distrator, sendo considerado menos relevante que a tarefa treinada, tida como primária. Esse tipo de treinamento pode ser pouco adaptativo, já que é comum precisarmos realizar tarefas-duplas com componentes de mesma relevância, como carregar compras e descer uma escada ou desviar de obstáculos e andar na calçada. Isso significa que o paradigma de introdução da tarefa secundária após o treinamento da tarefa primária é bom para mensurar a automatização, mas talvez não seja a melhor forma de proporcionar um treinamento visando aquisição de uma tarefa cujos componentes tenham a mesma relevância.

Embora muitos estudos tenham abordado o desempenho de tarefas-duplas na literatura8-12,14, poucos realizaram a comparação do treinamento de tarefa-única X tarefa-dupla16,17 e nenhum teve como objetivo determinar qual a melhor forma de treinar uma tarefa-dupla: se separando-a em duas tarefas e associando os componentes ao final do treinamento, ou mantendo a condição tarefa-dupla desde o início.

Melzer e Oddsson16 estudaram o treinamento da estratégia do passo na condição tarefa-única (dar o passo após um toque no calcanhar, realizado pelo examinador) e tarefa-dupla (realizar a tarefa inicial concomitante ao teste de Stroop) e verificaram que o desempenho (tempo de iniciação do passo) de voluntários jovens melhorou após o treinamento na condição tarefa-única, mas não melhorou na condição tarefa-dupla. Os autores explicam esse resultado em função da menor variabilidade da condição tarefa-única, que poderia ter contribuído para a significância na comparação antes X depois do treinamento: como a variabilidade da condição tarefa-dupla foi maior, o desempenho não atingiu níveis significativos. Porém, também é possível que o número de repetições tenha sido inadequado para obtenção de melhora na condição tarefa-dupla, ou que ambas as condições sejam muito fáceis para jovens e que realmente os achados estatísticos sejam apenas decorrentes de diferentes variabilidades. Talvez esse estudo não seja suficiente para concluir sobre a melhor forma de treinamento de uma tarefa-dupla.

A análise dos dados de Melzer e Oddsson16 tomando como base a teoria do gargalo e a hipótese do campo cortical permite concluir que a demanda atencional imposta pela tarefa-dupla foi maior que a capacidade de gerenciamento do SNC. Porém, essas teorias são insuficientes para explicar os resultados de Erickson et al. 17, os quais compararam tarefa-única e tarefa-dupla trabalhando com ressonância magnética funcional e verificaram que uma tarefa-única é gerenciada por áreas diferentes de uma tarefa-dupla. Após o treinamento de uma tarefa-dupla, surge uma ativação pré-frontal dorso-lateral. Isso indica que, quando uma habilidade é treinada na condição tarefa-dupla, emerge uma nova capacidade de divisão de atenção, gerenciada pelo córtex pré-frontal dorso-lateral. O mesmo não ocorre durante o treinamento isolado dos subcomponentes da tarefa.

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Experimentos anteriores aos de Erickson et al. alegavam que um número menor de estruturas encefálicas seria necessário para gerenciar uma tarefa já treinada. Erickson et al. 17 afirmam que, embora estruturas responsáveis pelo controle sensório-motor de fato estejam menos ativas após o treinamento, estruturas responsáveis por funções executivas (como atenção, tomada de decisão, seleção de resposta) poderiam estar mais ativas.

Este estudo visou determinar se, para a melhor aquisição de uma tarefa-dupla visual-motora, o treinamento mais efetivo seria por meio da repetição de blocos alternados das tarefas isoladas (visual → motora → visual → motora) ou da repetição de blocos das tarefas associadas (visual + motora → visual + motora).

Caso o melhor desempenho fosse constatado para o grupo que treinou as tarefas isoladas, nossos dados estariam de acordo com a hipótese de que, treinando-se os componentes de cada tarefa isoladamente, a demanda atencional para a execução de cada um diminuiria, ou seja, cada um seria automatizado e a condição tarefa-dupla melhoraria. Caso o melhor desempenho ocorresse para o grupo que treinou as tarefas associadas, a hipótese de que o treinamento de uma tarefa-dupla desenvolve uma nova habilidade de gerenciar tarefas simultâneas seria contemplada. Caso não houvesse diferença entre os grupos (ambos melhores após o treinamento ou nenhum efeito do treinamento), não haveria possibilidade de concluir qual hipótese seria a mais adequada.

METODOLOGIA

O estudo foi realizado em uma sala com isolamento acústico e iluminação reduzida, no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP).

Participantes: 20 mulheres, alunas da Faculdade de Fisioterapia da USP, divididas em dois grupos de 10. Os critérios de inclusão foram: ter de 20 a 30 anos, ser destra, apresentar de 15 a 23 anos de escolaridade, não ter experiência prévia com jogos eletrônicos ou experimentos semelhantes a este, ter visão normal ou corrigida por lentes, e consentir em participar mediante assinatura de um termo de consentimento aprovado pelo Comitê de Ética do ICB/USP.

Material: computador com monitor comum com tela de 14”, com o aplicativo MEL2; plataforma de 10 cm de altura, fixa no chão, com cobertura antiderrapante; mesa de madeira com tampo de 110 X 60 cm e 80 cm de altura; anteparos de madeira de alturas variadas para ajuste da altura do monitor conforme a altura da voluntária; ficha de avaliação.

Tarefa visual A tarefa visual foi realizada com base na parte 2 do teste UFOV (Useful field of

view test)19. Consistia na nomeação de dois estímulos simultâneos, um no centro da tela do computador e outro na periferia (a dez graus do centro, em uma das oito possíveis posições demarcadas, numeradas de um a oito, em sentido horário), ambos com duração de 150 ms (Figura 1). A atividade visual era constituída por 32 tentativas, com duração total média de 2,5 minutos.

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A tela, de fundo cor cinza, trazia no centro uma cruz de fixação e oito retângulos brancos circundando-a (luminância de 20 cd/m2, 2,2º de altura por 3,6º de largura e 0,04º de borda). Após algum tempo (1750 ms), aparecia um estímulo de duração de 150 ms no centro da tela (sobre a cruz) e outro, simultaneamente, dentro de um dos retângulos periféricos. Os estímulos podiam ser um caminhão ou um ônibus (ambos com luminância de 20/m2, 1,5º de largura por 0,5º de altura) (Figura 1).

Figura 1 Tarefa visual: imagem apresentada na tela do computador; um ônibus ou um caminhão apareciam no centro e em um dos oito retângulos (estímulos simultâneos, de 150 ms) (Parte 2 do UFOV adaptada de Ball & Owsley19).

A participante deveria responder oralmente se os estímulos eram iguais (dois ônibus ou dois caminhões) ou diferentes (um ônibus e um caminhão). Como se tratava de uma tarefa de acurácia, após a exibição dos alvos o programa era interrompido até que a voluntária respondesse. Após cada tentativa, um examinador, que não tinha acesso à tela do teste, registrava a resposta da voluntária com o mouse e uma nova tentativa era iniciada. O programa forneceu o número de erros de cada voluntária na tarefa visual.

Assim, dentro de cada bloco de 32 tentativas, havia as 32 situações possíveis, apresentadas aleatoriamente: ônibus no centro e ônibus em um dos oito retângulos (iguais); ônibus no centro e caminhão em um dos oito retângulos (diferentes); caminhão no centro e caminhão em um dos oito retângulos (iguais) e caminhão no centro e ônibus em um dos oito retângulos da periferia (diferentes).

A voluntária ficava em pé, a 70 cm da tela, cuja altura era ajustada para que os olhos ficassem no nível da cruz de fixação. A voluntária era orientada a manter o olhar na cruz durante todo o experimento, mas deveria deixar sua atenção difusa para conseguir reconhecer os estímulos apresentados no centro e na periferia da tela.

Tarefa motora

A tarefa motora consistia na alternância de passos entre o chão e uma plataforma localizada à frente da voluntária, durante o mesmo tempo de duração da tarefa visual. A voluntária deveria realizar a tarefa o mais rápido possível. Um segundo examinador registrou o número de alternâncias de passos e esse valor foi dividido pelo tempo, obtendo-se o número de alternâncias por segundo.

Antes de ser iniciada a sessão, as participantes receberam detalhada explicação oral sobre o experimento. Todas as voluntárias realizaram a avaliação, que consistia na realização das duas tarefas simultaneamente (tarefa-dupla). O treino diferiu entre os grupos: o grupo TI (dez voluntárias) realizou o treino com as tarefas isoladas, alternadas (visual → motora → visual → motora); o grupo TA (dez voluntárias) treinou as tarefas associadas (visual + motora → visual + motora). A reavaliação foi igual à avaliação inicial.

O número de passos por segundo na ausência e na presença da tarefa visual e o número de erros na tarefa visual na ausência e na presença da tarefa motora foram analisados estatisticamente (por ANOVA). A primeira análise foi: quatro condições da tarefa visual – avaliação, treinamento 1 (tarefa visual e motora em um grupo ou tarefa visual + motora no outro), treinamento 2 (repetição do anterior) e reavaliação – X os

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dois grupos (TI e TA). A segunda análise foi: quatro condições da tarefa motora X dois grupos (TI e TA).

RESULTADOS

Tarefa visual Com relação ao número de erros, não houve diferença entre os grupos [F1,18=1,952;

p=1,209]. Houve diferença entre condições [F3,54=7,932; p<0,001], analisando-se os dois grupos em conjunto. A análise post hoc mostrou que a avaliação inicial foi significativamente pior que as demais medições (treinamento 1, treinamento 2 e re-avaliação) (p=0,020; p<0,001 e p=0,020, respectivamente), evidenciando o aprendizado ocorrido durante o experimento.

Houve interação momento X grupo [F3,54=5,068; p=0,004]. A análise post hoc mostrou que, para o grupo que treinou as tarefas isoladas (TI), o número de erros no treinamento 2 foi menor quando comparado à avaliação inicial (p<0,001), o que evidencia aprendizado durante a prática da tarefa visual isolada. Porém, o número de erros no treinamento 2 também foi menor que na reavaliação (p=0,006). Logo, embora tenha havido melhora do desempenho na tarefa isolada, essa melhora não foi verificada na condição associada com relação ao desempenho inicial, que era o interesse principal neste estudo (inicial: 10,9 erros, final: 10,1 erros; p=0,844).

Para o grupo que treinou as tarefas associadas (gTA), a única comparação que atingiu nível significativo foi entre a avaliação e a reavaliação (inicial: 9,3 erros, final: 6,9 erros; p=0,039), logo, o número de erros na reavaliação foi significativamente menor que na avaliação inicial, sendo possível constatar que o treinamento da tarefa visual associada à motora possibilitou aprendizado da tarefa visual (Figura 2).

Figura 2 Efeito do treinamento sobre a tarefa visual: desempenho dos dois grupos na tarefa visual na avaliação, treinamento 1, treinamento 2 e reavaliação; gTI = grupo que treinou tarefas isoladas; gTA = grupo que treinou tarefas associadas

Tarefa motora Com relação ao número de alternâncias de passo/segundo, não houve diferença

entre os grupos [F1,18=1,952; p=0,179]. Houve diferença entre os momentos [F3,54=13,196; p<0,001], analisando-se os dois grupos em conjunto. A análise post hoc mostrou que a avaliação inicial foi significativamente pior que as demais (treinamento 1, treinamento 2 e reavaliação) (p<0,001 para todas as comparações), evidenciando aprendizado com o treinamento.

Houve interação momento X grupo [F3,54=4,002; p=0,012]. A análise post hoc mostrou que, para o grupo TI, o número de alternâncias de passo no treinamento 1 e no treinamento 2 foi maior que na avaliação inicial (p<0,001 para as duas comparações), evidenciando aprendizado durante a prática da tarefa motora isolada. Porém, o número de alternâncias de passo na reavaliação não atingiu nível de significância com relação à avaliação inicial (p=0,075), de modo que a melhora do grupo TI na condição tarefa-dupla não foi estatisticamente confirmada.

Para o grupo TA, a única comparação que atingiu nível significativo foi entre a avaliação e a reavaliação (p=0,029), sendo o número de alternâncias de passo na

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reavaliação significativamente maior que na avaliação inicial. Esse dado confirmou o efeito positivo do treinamento da tarefa motora associada à visual (Figura 3).

Figura 3 Efeito do treinamento sobre a tarefa motora: desempenho dos dois grupos na tarefa motora na avaliação, treinamento 1, treinamento 2 e reavaliação; gTI = grupo que treinou tarefas isoladas; gTA = grupo que treinou tarefas associadas

Provavelmente, não foi possível verificar a melhora do grupo TI porque este apresentou valores superiores aos do TA nos treinamentos 1 e 2 e isso aumentou a variabilidade da amostra pois, numericamente, a diferença entre os grupos foi equivalente (gTI: inicial 1,12 alternâncias/s e final 1,27 alternâncias/s; gTA: inicial 1,10 alternâncias/s e final 1,25 alternâncias/s); ou seja, houve um aumento de 0,15 alternâncias por segundo em cada grupo.

DISCUSSÃO

Este estudo propõe novas reflexões quanto ao treinamento de uma tarefa-dupla. Enquanto a maioria dos trabalhos até o momento utilizou a condição de tarefa-dupla apenas como prova de automatização, introduzindo a tarefa secundária como distrator8-11,13,14 este propõe o estudo do treinamento e da aquisição de uma tarefa-dupla. O treinamento na condição tarefa-dupla foi comparado ao treinamento na condição tarefa-única.

Os resultados divergem dos de Melzer e Oddsson16, que obtiveram melhor aproveitamento da condição tarefa-única para ganho de desempenho na estratégia do passo. Enquanto no estudo de Melzer e Oddsson o desempenho dos jovens não melhorou após o treinamento na condição tarefa-dupla, em nosso estudo a melhora na condição tarefa-dupla foi a que chegou a níveis significativos.

Como Melzer e Oddsson avaliaram jovens e idosos, talvez a tarefa tenha sido muito fácil para os jovens e o número de repetições tenha sido insuficiente para gerar aprendizado em universitários, que já partem geralmente de um bom desempenho. Os autores explicaram seus resultados em função da menor variabilidade da condição tarefa-única, que poderia ter contribuído para a significância na comparação antes X depois do treinamento: como a variabilidade da condição tarefa-dupla foi maior, o desempenho não atingiu níveis significativos.

No presente estudo, ocorreu o oposto: o grupo que treinou as tarefas isoladas (gTI) apresentou aprendizado (aumento do número de alternâncias por segundo) nos treinamentos 1 e 2, mas, embora tenha havido uma tendência, o número de alternâncias de passo na reavaliação não foi significativamente maior que na avaliação inicial. O fato de o grupo TI ter tido maior ganho nos treinamentos 1 e 2 fez com que aumentasse a variabilidade da amostra, não sendo possível a confirmação estatística da melhora apresentada que, numericamente, é igual entre os grupos. Apesar de esses dados parecerem inconclusivos, ao comparar os resultados obtidos no desempenho motor no presente experimento com os de Melzer e Oddsson, o fato de ter sido dado o mesmo peso à tarefa visual e à tarefa motora e de ter sido analisado também o desempenho visual (ao invés de considerarmos a tarefa visual apenas como um distrator) facilitou a interpretação dos presentes achados.

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O teste visual utilizado exigiu atenção dividida para a comparação dos estímulos e seleção de resposta (“iguais” ou “diferentes”). Além da divisão de atenção entre os dois estímulos visuais, as voluntárias precisaram alocar recursos atencionais para a tarefa motora, realizando-a o mais rápido possível. Provavelmente, no presente estudo o teste visual foi mais difícil do que o utilizado por Melzer e Oddsson, pois as voluntárias partiram de um desempenho médio de 10 erros, num total de 32 tentativas. No estudo de Melzer e Oddsson houve efeito-teto no desempenho, portanto não foi possível constatar grande melhora. Neste estudo, com a tarefa visual utilizada, foi possível demonstrar que o treino na condição tarefa-dupla foi mais vantajoso para o aprendizado da tarefa visual (Figura 2).

Nossos resultados podem ser explicados com base nos achados de Erickson et al.17, que constataram que uma tarefa-única é gerenciada por áreas distintas de uma tarefa-dupla. Após o treinamento de uma tarefa-dupla, além das áreas ativadas na tarefa-única, Erickson et al. verificaram uma ativação pré-frontal dorso-lateral, decorrente da aquisição de uma nova capacidade de divisão de atenção. O mesmo não ocorreu durante o treinamento isolado dos subcomponentes da tarefa. Em nosso estudo, o treinamento na condição tarefa-dupla parece ter resultado numa nova habilidade de divisão de atenção entre as tarefas visual e motora, que não ocorreu no treinamento na condição tarefa-única.

Portanto, considerando-se que em nossas atividades de vida diária a condição tarefa-dupla é mais freqüente, parece ser mais interessante o treinamento de tarefas associadas. Não adianta treinarmos um indivíduo até que ele realize uma nova tarefa motora ou visual perfeitamente, acreditando que, com a diminuição da demanda atencional para cada tarefa, esse indivíduo será capaz de realizar a tarefa-dupla sem piora do desempenho.

A melhora da capacidade de dividir a atenção foi descrita por Green e Bavelier12

com o treinamento com jogos de ação. Todavia, o presente estudo apresenta uma contribuição que vai além dos achados de Green e Bavelier porque, enquanto estes avaliaram apenas a divisão de atenção espacial, no presente experimento, além da divisão da atenção em diferentes locais da tela do computador, conseguimos detectar e descrever a aquisição de uma habilidade de divisão de atenção visual e motora.

Uma limitação deste estudo é a participação apenas de mulheres jovens de alta escolaridade. Estudos futuros poderão verificar se esse comportamento é observado em indivíduos com outras características. Também destacamos o fato de as avaliações serem iguais a uma das formas de treinamento, que foi a que apresentou melhora. Em estudos futuros, serão aplicados testes de generalização, para verificar se a capacidade de divisão de atenção é transferida a outras habilidades. Os dados de Green e Bavelier12 e de Ball et al.19, que trabalharam com tarefas semelhantes à do presente experimento, constituem um forte indício de que essa generalização ocorra.

CONCLUSÃO

Para a melhor aquisição de uma tarefa-dupla visual-motora, concluímos que os componentes visual e motor devem ser treinados associados (visual+motora → visual+motora). É comum na prática fisioterapêutica a fragmentação de uma tarefa-

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dupla em subcomponentes simplificados, mas essa separação pode não resultar na habilidade futura de realização da tarefa-dupla.

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attention as a predictor of bumping while walking: the Salisbury eye evaluation. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2004;45(9):2955-60.

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5 Calvanio R, Williams R, Burke DT, Mello J, Lepak P, Al-Adawi S, et al. Acquired brain injury, visual attention and the useful visual field of view test: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2004;85:474-8.

6 Barbeau H, Fung J, Leroux A, Ladouceur M. A review of the adaptability and recovery of locomotion after spinal cord injury. Prog Brain Res. 2002;137:9-25.

7 Roland PE, Ziles K. Structural divisions and functional fields in the human cerebral cortex. Brain Res Brain Res Rev. 1998;26(2-3):87-105.

8 Matthews A, Garry MI, Martin F, Summers J. Neural correlates of performance trade-offs and dual-task interference in bimanual coordination: an ERP investigation. Neurosci Lett. 2006;400:172-6.

9 Pashler H. Dual-task interference in simple tasks: data and theory. Psychol Bull. 1994;116(2):220-44.

10 Marois R, Larson JM, Chun MM, Shima D. Response-specific sources of dual-task interference in human pre-motor cortex. Psychol Res. 2006;70(6):436-47.

11 Wickens CD. Multiple resources performance prediction. Theor Issues Ergonom Sci. 2002;3:159-77.

12 Green CS, Bavelier D. Action video game modifies visual selective attention. Nature. 2003;423:534-7.

13 Beilock SL, Wierenga SA, Carr TH. Expertise, attention and memory in sensorimotor skill execution: impact of novel task constraints on dual-task performance and episodic memory. Q J Exp Psychol. 2002;55A(4):1211-40.

14 Brown SW, Bennett ED. The role of practice and automaticity in temporal and nontemporal dual-task performance. Psychol Res. 2002;66(1):80-9.

15 Ahissar M, Laiwand R, Hochstein S. Attentional demands following perceptual skill training. Psychol Sci. 2001;12(1):56-62.

16 Melzer I, Oddsson LIE. The effect of a cognitive task on voluntary step execution in healthy elderly and young individuals. J Am Geriatr Soc. 2004;52:1255-62.

17 Erickson KI, Colcombe SJ, Wadhwa R, Bherer L, Peterson MS, Scalf PE, et al. Training-induced functional activation changes in dual-task processing: an FMRI study. Cereb Cortex. 2007;17(1):192-204.

18 Puttemans V, Wenderoth N, Swinnen SP. Changes in brain activation during the acquisition of a multifrequency bimanual coordination task: from the cognitive stage to advanced levels of automaticity. J Neurosci. 2005;25(17):4270-8.

19 Ball K, Owsley C J. The useful field of view test: a new technique for evaluating age-related declines in visual function. Am Optom Assoc. 1993;64(1):71-9.

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Gráficos para visualização e conferência do diagramador

Corrigir iniciais maiúsculas Número de erros, Avaliação etc. + Reavaliação; + aumentar fonte para dar legibilidade ao se reduzir o gráfico + afinar fio da borda do gráfico + se possível, todos os fios e simbolos em cinza 80% e não preto.

+ Se conseguir usar a fonte Optima, ótimo. Se não, a que conseguir que for a mais parecida (ver revista impressa)

Figura 2 Efeito do treinamento na tarefa visual...

Os mesmos ajustes, p.f.

Figura 3 Efeito do treinamento na tarefa motora...

+ Figura 1 (em 96 dpi...)

Ef eito do treinamento na taref a v is ual

Interação: F(3, 54)=5,0684, p=0,0036

grupo 1 grupo 2

av aliação treinamento 1 treinamento 2 re-av aliação

Condição

1

2

3

4

5

6

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Análise cinemática comparativa da fase de apoio da corrida em adultos e idosos Comparative kinematic analysis during the stance phase of running in adults and elderly

Título condensado: Cinemática da corrida em adultos e idosos Reginaldo Kisho Fukuchi1, Marcos Duarte2

1 Fisioterapeuta; Prof. Ms. do Curso de Fisioterapia do Uninove (Centro Universitário Nove de Julho, São Paulo, SP)

2 Físico; Prof. Associado, Coordenador do Laboratório de Biofísica da EEFE/USP (Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP)

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Reginaldo K. Fukuchi Laboratório de Biofísica EEFEUSP Av. Prof. Mello Moraes 65 Cidade Universitária 05508-030 São Paulo-SP e-mail: [email protected] RESUMO: A preocupação com a qualidade de vida tem levado ao aumento do interesse por atividades físicas pelos idosos. A corrida de rua é uma das atividades que obteve maior número de adeptos dessa faixa etária. Os movimentos excessivos da região do tornozelo têm sido associados às lesões musculoesqueléticas em corredores. Os achados da literatura sugerem que idosos são mais susceptíveis às lesões relacionadas à corrida do que adultos. Contudo, ainda é desconhecido se as alterações teciduais trazidas pelo envelhecimento realmente contribuem para esses resultados. O objetivo do presente estudo foi comparar a cinemática da fase de apoio da corrida em adultos e idosos. Foram analisados 17 adultos (31±5 anos) e 17 idosos (69±2 anos) recrutados voluntariamente. Os sujeitos correram em uma esteira ergométrica a 11 km/h, enquanto eram filmados por quatro câmeras de vídeo com freqüência de 120 Hz. Os ângulos do retropé e do joelho durante a fase de apoio da corrida foram mensurados. Os idosos apresentaram menor excursão de movimentos de flexão do joelho e de rotação medial da tíbia. Aparentemente os idosos apresentaram maior assincronia entre os movimentos do retropé e do joelho em relação aos adultos. Esses resultados sugerem que os idosos adotam padrões de movimentos diferentes dos adultos durante a fase de apoio da corrida. A prescrição de exercícios e as estratégias de prevenção de lesões em idosos corredores devem considerar essas diferenças. Descritores: Biomecânica; Corrida; Envelhecimento ABSTRACT: In elderly people, concern with quality of life has led to increased interest on physical activities, among which running or jogging in the streets is the favourite. In runners, excessive ankle movements have been linked to musculoskeletal injuries. Literature has suggested elderly runners are more susceptible to running-related injuries than adults, but it is still unknown whether aging-related tissue degeneration might be associated to this. This study aimed at comparing the stance phase kinematics of running in adults and elderly runners. Seventeen adults (31±5 years old) and 17 elderly runners (69±2 years old) ran on a treadmill at 11 km/h while they were filmed by four digital cameras at 120 Hz. Rearfoot and knee joint movements were measured during the stance phase of running. The elderly runners showed lower knee flexion and lower tibial internal rotation excursion. Elderly runners apparently presented greater asynchrony between rearfoot and knee joint movement than adults. These findings suggest that during running stance elderly runners adopt different movement patterns when compared to adults. Prescription of physical activities for the elderly and prevention strategies in elderly runners should consider these findings. Key words: Aging; Biomechanics; Running

APRESENTAÇÃO jan. 2007

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO dez. 2007

refs. Suely ok

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INTRODUÇÃO A prática regular de atividade física ajuda a prevenir ou postergar o aparecimento

de disfunções importantes que acometem os idosos como a osteoporose, diabetes melito, hipertensão arterial e outras doenças cardiovasculares1. A corrida de rua é uma das atividades que mais despertou adeptos dessa faixa etária. Dados da maior associação de corredores do Estado de São Paulo, a Corpore, registraram um aumento de 52% do número de atletas com mais de 65 anos que participaram das provas organizadas pela entidade nos últimos três anos.

Apesar dos benefícios da prática de atividade física em geral, e da corrida em particular, o aumento da prática desta última tem levado ao conseqüente aumento no número de lesões. Anualmente, cerca de 50% dos corredores americanos são acometidos por alguma lesão que é suficiente para causar alteração do desempenho2. Ambos os indivíduos, jovens e mais velhos, são freqüentemente expostos a lesões, com incidência anual entre 37% e 56%, respectivamente3. O maior acometimento dos idosos por lesões pode ser devido às modificações teciduais resultantes do processo de envelhecimento biológico4 e por eventuais mudanças nos padrões de movimento utilizados na corrida.

Movimentos excessivos da região do tornozelo (articulações subtalar e talocrural) têm sido atribuídos como causa de lesões musculoesqueléticas, tanto na região pé e tornozelo quanto no joelho5,6. Infelizmente existe uma grande confusão no uso dos termos utilizados para reportar os movimentos da região do tornozelo7. Por esse motivo, descreveremos as definições mais aceitáveis para reportar os movimentos dessas articulações e utilizaremos essas definições no presente estudo.

A região do tornozelo apresenta os seguintes pares de movimentos: 1. Inversão/ Eversão: movimento da articulação subtalar sobre um eixo quasi-ântero-posterior (orientado aproximadamente 16° medialmente ao eixo longo do pé); 2. Adução/Abdução: movimento da articulação subtalar sobre um eixo quasi-vertical (orientado aproximadamente 42° acima do eixo longo do pé); 3. Flexão plantar/Dorsiflexão: movimento da articulação talocrural sobre um eixo quasi-médio-lateral (orientado aproximadamente a 84° medialmente ao eixo longo do pé). Uma descrição mais completa dos movimentos do pé e tornozelo pode ser encontrada em Greiner7 e Czerniecki8.

O movimento da articulação subtalar não pode ser medido por métodos não-invasivos, devido à impossibilidade de descrever o movimento do tálus9,10. Baseado em métodos indiretos, pode-se mensurar os movimentos entre o calcâneo e a tíbia. A articulação entre esses dois ossos é definida como articulação do retropé11. A articulação do retropé apresenta um movimento combinado chamado de supinação/pronação, que é o resultado da inversão/eversão, flexão plantar/dorsiflexão e adução/abdução, como acima mencionado.

Muitas vezes, somente a inversão/eversão é analisada em muitos estudos sobre mecânica da corrida. Por essa razão, esses pares de termos supinação/pronação e inversão/eversão são freqüentemente confundidos na prática clínica. Essa simplificação é mais generalizada por análises bidimensionais do movimento do retropé, onde somente o plano frontal (do sistema de referência do laboratório) é analisado12. Em comparação com análises tridimensionais, os erros associados a análises bidimensionais do movimento de supinação/pronação não podem ser negligenciados. Portanto, deve-se dar preferência a análises tridimensionais2,12.

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No contato inicial com o solo, o pé geralmente encontra-se em inversão e, à medida que vai se apoiando no chão, começa a realizar a eversão para amortecer a carga e acomodar-se à superfície. Como o pé está apoiado no chão, o calcâneo não pode abduzir em relação ao tálus, pois está fixo no solo. Portanto, para se obter o componente da pronação no plano transverso da articulação subtalar, o tálus aduz ou roda medialmente. Devido à configuração da articulação talocrural, quando ocorre a adução do tálus, a tíbia roda medialmente. Portanto, existe um movimento acoplado entre a perna e o pé2,13.

Embora a cinemática dos membros inferiores durante a fase de apoio da corrida tenha sido investigada em adultos jovens2,14,15, o padrão de movimento em idosos corredores é desconhecido16-18. Bus16 não encontrou diferenças significativas nos padrões cinemáticos da corrida entre adultos e corredores mais velhos (entre 55 e 65 anos). Porém esse estudo investigou apenas os movimentos do joelho no plano sagital e os movimentos do retropé no plano frontal e sagital.

A carência de estudos que analisem a cinemática dos movimentos dos membros inferiores durante a corrida em idosos aponta para a necessidade de novos trabalhos que investiguem essa população. O presente estudo realizou, em adultos e idosos, a análise cinemática da fase de apoio da corrida em esteira à velocidade de 11 km/h. O comportamento cinemático tridimensional do joelho e do retropé foi analisado, bem como os movimentos acoplados entre as duas articulações.

METODOLOGIA Participaram deste estudo 34 indivíduos (17 adultos e 17 idosos) do sexo

masculino, todos praticantes assíduos de corrida de rua. Todos os sujeitos corriam entre 10 e 20 km por semana há um tempo médio de 5 anos. A estatura média dos adultos era 173±8 cm, massa média de 71±10 kg e idade média de 31±5 anos; a estatura média dos idosos era 168±5 cm, massa média de 65±9 kg e idade média de 69±2 anos.

Os idosos foram recrutados de uma lista cedida pela Corpore, que trazia os melhores atletas classificados na faixa acima de 65 anos. Só participaram do estudo os idosos que apresentaram boas condições para tal, devidamente atestadas por um exame ergoespirométrico realizado pelo Laboratório de Hemodinâmica e Atividade Motora da Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE-USP). Para os adultos, o principal critério de seleção foi o tempo gasto para percorrer uma distância de 10 km. O tempo mínimo exigido para participar do estudo foi de 50 minutos. Os critérios de exclusão foram qualquer queixa de comprometimento musculoesquelético que pudesse prejudicar o desempenho na corrida. Todos os sujeitos só realizaram o experimento após assinarem um termo de consentimento; o estudo foi aprovado pelo comitê de ética local.

Os experimentos foram realizados no Laboratório de Biofísica da EEFE-USP.

Instrumentos e tarefa Foi utilizada uma esteira ergométrica modelo Super ATL (Inbrasport®), onde os

sujeitos realizaram a corrida. Para melhorar a visualização das marcas refletivas pelas câmeras de vídeo, a barra lateral da esteira foi retirada. Os sujeitos correram na velocidade de 11 km/h, que não causaria grandes esforços na amostra estudada. A mesma velocidade foi escolhida para ambos os grupos para permitir uma comparação direta.

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Foram utilizadas quatro câmeras digitais (JVC® GRDVL9800U) com freqüência de aquisição de 120 Hz. Marcadores retro-refletivos foram colocados em proeminências anatômicas nas seguintes localizações do corpo, como ilustrado na Figura 1: espinha ilíaca ântero-superior direita e esquerda, trocânter maior do fêmur, epicôndilo lateral e medial do fêmur, ápice da cabeça da fíbula, tuberosidade anterior da tíbia, ápice distal do maléolo lateral e medial, cabeça do quinto metatarso, cabeça do segundo metatarso, cabeça do primeiro metatarso e tuberosidade do calcâneo do membro inferior direito19. Para minimizar os erros de medição dos dados cinemáticos, utilizou-se a técnica de calibração do sistema anatômico Cast – Calibration of Anatomical System Technique proposta por Cappozzo et al.19. Para tanto, utilizaram-se três clusters (conjuntos de até 4 marcadores refletivos de um segmento corporal, para descrever suas posições)20, um na coxa, um na perna e um no pé. Na utilização do protocolo Cast, a primeira etapa da coleta consiste na calibração estática, onde o sujeito permanece parado na posição anatômica, filmando-se todas as marcas descritas acima e os três clusters (Figura 1).

Inserir figura 1 Figura 1 Posicionamento dos clusters, das marcas anatômicas (esquerda) e convenção

adotada para medir os ângulos articulares (direita)

Assumindo que os segmentos coxa, perna e pé são corpos rígidos e que os clusters não se mexem em relação às marcas dos respectivos segmentos, o vetor posição das marcas em relação ao respectivo cluster não muda em função do movimento do segmento. Assim, com a calibração estática, todos os vetores-posição das marcas da coxa, da perna e do pé são determinados e descritos pelo sistema de coordenada local (cluster), possibilitando a retirada das marcas anatômicas durante a tentativa dinâmica (quando o indivíduo corre sem as marcas anatômicas), permanecendo apenas com os três clusters. A partir dos clusters, as posições das marcas retiradas foram reconstruídas virtualmente por meio de rotinas computacionais em ambiente Matlab® (versão 6.5, Mathworks Inc.) utilizando os vetores-posição obtidos na calibração estática.

Dado que a simetria entre os membros inferiores é assumida em vários estudos, no presente estudo somente o membro inferior direito foi analisado16, 21.

A digitalização das marcas foi realizada no software Apas® (Ariel Inc.) e a reconstrução tridimensional foi feita utilizando o algoritmo transformação linear direta (DLT)22, implementado em uma rotina computacional no ambiente Matlab. Para alisamento dos dados cinemáticos, splines quínticas foram ajustadas aos dados23 utilizando a função spaps da caixa de ferramentas Spline do Matlab.

Foi determinada a posição dos eixos e planos articulares (base anatômica) como descrito por Cappozzo et al. 19. Para definição dos eixos articulares, foi necessário determinar os centros das articulações do quadril24, joelho e tornozelo. A Figura 1 mostra a convenção dos ângulos articulares que foram mensurados. Todos os ângulos foram calculados em relação à posição estática, ou seja, as variáveis analisadas durante a corrida foram referenciadas à calibração anatômica.

Variáveis As excursões e os valores máximos dos movimentos de dorsiflexão do retropé,

eversão do retropé, rotação medial da tíbia, flexão do joelho e rotação medial do joelho foram obtidas. A excursão foi representada pela diferença entre o valor máximo e o

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valor mínimo de cada variável analisada durante todo o período de apoio.

Uma análise exploratória dos dados foi feita antes de ser aplicado o teste estatístico para verificar sua distribuição, utilizando os testes de Shapiro-Wilk e de Levene, respectivamente, para testar a normalidade e a homogeneidade dos dados. Foi utilizado o teste t pareado para identificar diferenças entre as velocidades dentro do mesmo grupo e o teste t não-pareado para identificar diferenças entre os grupos. Foi considerado o nível de significância de 0,01, para diminuir a chance de erro tipo I. O software utilizado foi o SPSS®.

RESULTADOS

Todos os sujeitos foram capazes de executar a tarefa sem intercorrências. A Tabela 1 mostra a média, o desvio padrão e a estatística das variáveis analisadas para as comparações entre os grupos.

Tabela 1 Variáveis analisadas (média±desvio padrão) dos adultos e idosos durante a fase de apoio da corrida na velocidade de 11 km/h; e valores de P da comparação entre os grupos (N=34)

Variáveis analisadas Adulto (n=17) Média±dp

Idoso (n=17) Média±dp P-valor*

Ângulo máximo (o) Dorsiflexão do tornozelo 20±3 19±5 0,13 Eversão do retropé 10±5 12±6 0,47 Rotação medial da tíbia 9±3 9±3 0,95 Flexão de joelho 37±5 35±7 0,30 Rotação medial do joelho 7±7 4±3 0,07

Excursão(o) Dorsiflexão do tornozelo 23±4 22±2 0,41 Eversão do retropé 13±3 11±3 0,15 Rotação medial da tíbia 12±2 9±2 p<0,01 Flexão de joelho 33±5 27±3 p<0,01 Rotação medial de joelho 13±8 12±4 0,63

Parâmetro de acoplamento EV / RMT ** 1,1±0,3 1,2±0,4 0,26

* Comparação inter-grupo (fator idade) na velocidade de 11 km/h ** EV / RMT: Razão entre os movimentos de eversão do retropé e rotação medial da tíbia

Descrevem-se a seguir as diferenças mais notáveis encontradas no presente estudo para os adultos e idosos durante a corrida a 11 km/h.

No plano transverso, os adultos jovens aterrissaram em rotação lateral da tíbia; na seqüência iniciaram a rotação medial, atingindo seu máximo por volta de metade do período de apoio e retornaram a realizar a rotação lateral até perderem o contato com o solo (toe off). Os idosos apresentaram um padrão similar, embora tenham aterrissado já em rotação medial (Figura 2). Essa diferença resultou em uma significativa redução da excursão desse movimento nos idosos (Tabela 1).

Inserir Figura 2

Figura 2 Série temporal (média) dos movimentos do retropé (A,B,C) e do joelho (D,E) e o ciclograma da flexão do joelho versus eversão do retropé durante a fase de apoio da corrida a 11 km/h (N=34)

Ambos os grupos adotaram uma leve flexão do joelho ao aterrissarem, sendo

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que o máximo de flexão foi atingida por volta de 50% do período de apoio. Apesar da máxima flexão não ter sido diferente, os idosos apresentaram menor excursão desse movimento, pois iniciaram o apoio com o joelho mais flexionado do que os adultos (Figura 3).

Inserir Figura 3

Figura 3 Série temporal (média) da flexão do joelho durante a fase de apoio da corrida em adultos e idosos a 11 km/h (N=34)

O ciclograma mostrado na Figura 4 representa a média do ângulo de eversão do retropé versus a média do ângulo de flexão do joelho durante o período de apoio. Nota-se que a curva dos idosos, no momento do contato do calcanhar com o solo (heel strike)25, apresenta-se em posição inferior e à direita em relação à curva dos adultos, demonstrando que os idosos iniciaram o apoio com o retropé em maior grau de eversão e o joelho mais flexionado do que os adultos. Observa-se também que tantos os idosos quanto os adultos apresentam um deslocamento inferior e à direita da curva, sendo que, após atingirem o máximo de eversão do retropé e de flexão de joelho, a curva se desloca superiormente e à esquerda. Embora o padrão das curvas seja similar, os idosos apresentam uma curva mais aberta, demonstrando que a máxima eversão do retropé foi atingida mais precocemente do que a máxima flexão de joelho. Esse achado sugere maior assincronia entre os movimentos de eversão do retropé e de flexão do joelho nos idosos.

Inserir Figura 4

Figura 4 Ciclograma representando a média da flexão do joelho versus eversão do retropé durante a fase de apoio da corrida em adultos e idosos a 11 km/h (N= 34)

DISCUSSÃO O objetivo do presente estudo foi comparar a cinemática dos movimentos dos

membros inferiores entre os adultos jovens e idosos durante o período de apoio da corrida. Algumas diferenças entre os grupos puderam ser observadas.

Os idosos exibiram maior flexão do joelho no contato inicial com o solo, porém a máxima flexão foi similar à dos adultos, resultando em diminuição significativa da excursão do joelho nos idosos. No estudo conduzido por Bus16, foram encontrados comportamentos similares nos indivíduos estudados, mas esse autor não investigou especificamente a população idosa, apenas sujeitos com menos de 60 anos. A diminuição da excursão nos idosos pode ser explicada pelo aumento da rigidez articular com o processo de envelhecimento biológico, que já foi relatado em outros estudos26,27. Bus16 argumentou que o maior grau de flexão do joelho durante o contato inicial em corredores mais velhos se deve a que a rigidez articular do joelho limita a extensão do joelho prévia ao contato inicial. A diminuição da excursão do movimento de flexão poderia ser explicada pelo padrão de marcha precavida adotada pelos idosos para fornecer maior estabilidade e menor risco de quedas durante a corrida16.

Na articulação do retropé não houve diferenças significativas entre os grupos para os padrões de movimento analisados. Okada et al.18 também não encontraram correlações significantes entre a idade e a diminuição da amplitude de movimento do tornozelo em corredores competitivos. A ausência de diferenças na cinemática do

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retropé em relação ao joelho pode ser explicada por o aumento da rigidez articular devido ao envelhecimento ser maior no joelho do que no tornozelo. conforme sugerido por Bus16, embora isso não seja evidente na literatura. Além disso, as estratégias adaptativas do joelho nos idosos podem ter sido mais importantes do que as do tornozelo, em resposta ao impacto a que é submetido durante o período de apoio na corrida16, já que alguns estudos têm demonstrado que, ao se adotar maior magnitude de flexão do joelho durante o contato inicial, o impacto inicial fica reduzido28-30. Os idosos podem alterar o padrão da corrida no joelho e não no tornozelo, instintivamente, com essa finalidade. No entanto, os efeitos causados pela mudança do comportamento angular do tornozelo durante essa fase da marcha e da corrida ainda não são bem compreendidos.

As principais metas no desenvolvimento de calçados para corrida são proporcionar controle de movimento do retropé e amortecimento durante o período de apoio. Essa tendência deve-se a que a pronação excessiva é apontada como uma das causas de lesões musculoesqueléticas5,6. Os resultados apresentados pelo presente estudo e pelas investigações anteriores demonstram que essa preocupação não é tão importante, visto que nenhuma diferença significante na máxima eversão e na excursão desse movimento foi encontrada.

No presente estudo foram investigados também os movimentos do retropé no plano transverso. Apesar do valor de máxima rotação medial da tíbia apresentar-se similar nos dois grupos, os idosos apresentaram menor excursão desse movimento em relação aos adultos. Provavelmente, essa diferença ocorreu devido ao padrão de contato inicial adotado pelos idosos. Enquanto os adultos aterrissaram em rotação lateral da tíbia, os idosos já iniciaram esse contato em posição neutra. Alguns estudos mostraram o acoplamento entre os movimentos da perna e do pé13,31, sugerindo que os movimentos da perna são influenciados pelo movimento do pé. Bellchamber e Van den Bogert32 reportaram que, durante a marcha, o torque que resulta na maior parte da rotação axial da tíbia é proveniente da região proximal, portanto uma diminuição de movimento do joelho poderia alterar o movimento da tíbia. Devido à escassez de estudos que investigaram a cinemática dos movimentos dos membros inferiores em idosos corredores, houve dificuldade para maiores comparações.

Alguns estudos reportam sincronia entre a máxima eversão do retropé e a máxima flexão do joelho (veja-se a revisão de DeLeo et al.13). No presente estudo, aparentemente, os idosos atingiram a máxima eversão mais precocemente do que a máxima flexão do joelho, como descrito nos resultados. Devido ao acoplamento mecânico entre o pé e a perna, à medida que a eversão progride, uma rotação medial da tíbia ocorre. Por outro lado, à medida que o joelho começa a realizar extensão após atingir sua máxima flexão, a tíbia realiza uma rotação lateral, devido à rotação automática entre a tíbia e o fêmur nos primeiros graus de flexão do joelho partindo da extensão (screw home)9. Sendo assim, caso o retropé comece a inverter (após atingir a máxima eversão) e o joelho ainda estiver flexionando, a tíbia enfrentará um dilema mecânico, pois o movimento do retropé forçará a rotação lateral da tíbia, enquanto o joelho forçará sua rotação medial. Essa assincronia de movimentos poderá resultar em lesões em ambas as articulações e na perna também.

A literatura utiliza a razão entre os movimentos de eversão e de rotação medial da tíbia para observar esse acoplamento13,33,34. Os achados demonstram maior

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freqüência de movimento de eversão do que de rotação medial da tíbia. No presente estudo, tanto os idosos quanto os adultos demonstraram resultados similares aos da literatura para essa variável.

CONCLUSÃO Com base nos resultados do presente estudo é possível concluir que os idosos

obtiveram comportamento cinemático diferente dos adultos, pois apresentaram menor excursão de flexão de joelho e de rotação medial da tíbia. Vale ressaltar que o achado da rotação da tíbia é inédito, uma vez que não havia relatos na literatura sobre esses movimentos em idosos corredores.

O presente estudo sugere que talvez seja desnecessária a preocupação em fornecer maior estabilidade ao calçado do idoso atleta, uma vez que, entre os atletas idosos investigados, não foram observadas diferenças de mobilidade na região do retropé em relação aos adultos. No entanto, mais estudos devem ser conduzidos com idosos sedentários para que esses achados possam ser generalizados.

Os resultados do presente estudo sugerem que estratégias para prevenção de lesões em idosos corredores devam concentrar-se na melhora da mobilidade articular, principalmente da articulação do joelho. O treinamento de força muscular poderia ser outro aspecto a ser prescrito, especialmente para o aparelho extensor do joelho.

Estudos futuros que investiguem as características cinéticas como os impactos e momentos articulares em idosos durante a corrida são necessários para a melhor compreensão de como as alterações degenerativas modificam a mecânica da corrida nessa população.

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34 Stacoff A, Nigg BM, Reinschmidt C, van den Bogert AJ, Lundberg A, Stüssi E, et al. Movement coupling at the ankle during the stance phase of running. Foot Ankle Int. 2000;21(3):232-9.

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Ângulo da tíbia

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1 50 99% do apoio

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Figuras – p/ visualização e conferência do diagramdor

Figura 1 Posicionamento dos clusters, das marcas anatômicas (esquerda) e convenção adotada para medir os ângulos articulares (direita)

Ao diagramador: só será impressa a foto à esquerda –v. arquivo art6Figura1.jpg

Figura 2 ... movimentos do retropé

Figura 3 ... flexão do joelho

Figura 4 Ciclograma...

Extensão do joelho

Rotação medial da

Dorsiflexão Inversão

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Flexão do joelho

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Idoso

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Efeito de diferentes tempos de alongamento na flexibilidade da musculatura posterior da coxa Effect of different stretching durations on posterior thigh muscle flexibility

Título condensado: Efeitos do alongamento na flexibilidade Ana Teresa Tirloni1, Ana Carulina Guimarães Belchior2, Paulo de Tarso Camillo de

Carvalho3, Filipe Abdalla dos Reis2 1 Fisioterapeuta 2 Fisioterapeutas; Profs. Ms. do Curso de Fisioterapia da Uniderp (Universidade para o

Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, Campo Grande, MS) 3 Fisioterapeuta; Prof. Dr. do Curso de Fisioterapia da Uniderp ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Filipe Abdalla dos Reis R. Goiás 1709 Vila Célia 79022-355 Campo Grande MS e-mail: [email protected]

RESUMO: O alongamento é uma das técnicas mais utilizadas para se obter aumento da amplitude de movimento (ADM), porém não há consenso sobre o tempo necessário de alongamento para aumentar a flexibilidade. O objetivo do estudo foi verificar qual tempo de duração de alongamento é mais eficaz, avaliando-se a flexibilidade pela mensuração do ângulo poplíteo (AP). Foram recrutadas 30 voluntárias com idade média de 21,1±2,9 anos, divididas aleatoriamente em cinco grupos (controle, 15, 60, 90 e 120 segundos), e submetidas a quatro semanas de alongamento passivo durante diferentes tempos, sendo avaliadas por três examinadores clínicos pelo teste do AP associado à ADM. Os dados foram submetidos a análise estatística, com nível de significância p<0,05; para verificar a confiabilidade inter-examinadores foi utilizado o coeficiente de correlação intraclasse (ICC); a confiabilidade foi excelente (ICC=0,985). Houve diferença significativa quando se compararam 15 segundos de alongamento com 120 segundos (p<0,01) e também na comparação entre os grupos de 90 e 120 segundos (p<0,05). O ganho de ADM foi maior nos grupos 90 e 120 segundos. O grupo de 120 segundos apresentou a maior média e o de 90 segundos, a maior variação no quesito confiabilidade entre examinadores. Conclui-se que quanto maior o tempo de sustentação do alongamento, maior será o ganho de flexibilidade. Descritores: Amplitude de movimento articular; Exercícios de alongamento muscular

ABSTRACT: Muscle stretching is one of the most used techniques for increasing range of movement (ROM), but there is no consensus on how long it must last to increase flexibility. The aim of this study was to determine which stretching duration is most effective. Flexibility was assessed by measuring the popliteal angle (PA). Thirty mean age 21.1±2.9 year-old female volunteers were recruited and randomly divided into five groups (control, 15, 60, 90, and 120 seconds). All underwent a four-week passive stretching program at these different stretching lengths. Each was assessed as to flexibility by three clinical examiners who measured the PA. Data were statistically analysed, with significance level set at p<0.05; inter-examiner reliability was assessed by the intraclass correlation coefficient (ICC) and the values found pointed to high reproducibility (ICC 0.985). Results show significant differences between the 15- and 120-second groups (p<0.01) and between 90- and 120-second groups (p<0.05) – both groups where ROM increase was higher. The 120-s group presented the greatest mean, and the 90-s group presented the greatest variation. Findings allow suggesting that the longer stretching is sustained, the more muscle flexibility is improved. Key words: Muscle stretching exercises; Range of motion, articular

APRESENTAÇÃO mar. 2007

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO dez. 2007

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INTRODUÇÃO

A flexibilidade é caracterizada pela habilidade de uma única articulação ou uma série de articulações se movimentarem com amplitude de movimento (ADM), de maneira confortável, livre de dor e restrições, enquanto um conjunto de componentes – tecido conjuntivo, tendão, ligamentos, cápsula articular, músculo e pele – se alongam1,2.

A mobilidade adequada dos tecidos moles e articulações é fator preponderante na prevenção de lesões. Os principais tecidos moles que podem restringir a mobilidade articular são músculos, tecido conectivo e pele. O encurtamento é caracterizado pela perda da extensibilidade dos tecidos moles, ou seja, redução parcial do comprimento de uma unidade musculotendínea saudável, resultando em limitação na mobilidade articular3.

O alongamento é uma das técnicas mais utilizadas para se obter o aumento da ADM, porém não há um consenso sobre a freqüência e o tempo necessário de alongamento para se obter ganho de flexibilidade4,5.

Diversos tipos de alongamento foram desenvolvidos com o objetivo de aumentar a flexibilidade, como o alongamento ativo, passivo, balístico, facilitação neuromuscular proprioceptiva e o alongamento estático. Segundo Spernoga et al.6, o alongamento estático é o mais utilizado para se obter aumento da flexibilidade e relaxamento muscular, além de ter se mostrado muito eficaz no aumento do comprimento da musculatura posterior de coxa.

Bandy et al.7 avaliaram 93 indivíduos a fim de determinar o tempo e a freqüência ideal de alongamento da musculatura posterior de coxa para promover aumento na ADM; concluíram que um alongamento sustentado por 30 segundos é tempo suficiente para aumentar a ADM; nenhum aumento na flexibilidade ocorreu quando a duração do alongamento foi aumentada de 30 para 60 segundos ou quando a freqüência do alongamento foi aumentada de uma para três vezes por dia.

Porém Bonvicine et al.8, ao comparar o ganho de ADM proporcionado por duas técnicas diferentes de alongamento muscular passivo, onde o membro inferior esquerdo foi alongado duas vezes com sustentação de 20 segundos e intervalo de 10 segundos entre um alongamento e outro, e o membro inferior direito com uma série de alongamento sustentado por 60 segundos, relataram que o ganho de ADM para musculatura posterior de coxa se mostrou maior em sessões de alongamento passivo com 60 segundos.

Ao avaliar três grupos, um realizando alongamento após aquecimento com ondas curtas, outro somente realizando alongamento, mais o grupo controle, Draper et al.9 encontraram que, após seis sessões, houve aumento da flexibilidade da musculatura posterior de coxa em todos os grupos, porém não houve diferença entre os grupos experimentais.

Kisner e Colby10 afirmaram que os ganhos obtidos com alongamentos de curta duração são transitórios e atribuídos a uma folga temporária entre os filamentos de actina e miosina nos sarcômeros; para eles, alongamentos com duração mais longa,

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trazem ganhos mais duradouros. É importante salientar que, quando se fala de ganho em longo prazo, o tecido muscular não aumenta de tamanho só pela viscoelasticidade, mas também pelo número de sarcômeros11.

Sugestões quanto ao tempo apropriado em que um alongamento deve ser mantido para se tornar eficaz têm sido oferecidas, mas esses estudos não trazem dados objetivos para sustentar suas hipóteses. Beaulieu12 desenvolveu um programa que incluía alongamento passivo e lento até que a resistência fosse sentida no músculo. Uma vez que o indivíduo sentisse a resistência, o alongamento era sustentado por 30 a 60 segundos. Em seu estudo, as posições mantidas por menos de 30 segundos não resultaram no relaxamento do músculo, e os benefícios máximos não foram atingidos.

Segundo DePino et al.13, para se aumentar ou manter a flexibilidade de um indivíduo sedentário deve-se alongar pelo menos uma vez ao dia, três a cinco vezes por semana, e sustentar o alongamento por 120 segundos.

Uma variedade de técnicas foi desenvolvida para a avaliação dos défices de flexibilidade com base nas articulações e nos movimentos participantes. Os métodos de avaliação dependem da cooperação dos indivíduos em realizar os procedimentos e da habilidade e do conhecimento dos examinadores em executá-las1.

As provas para constatar o comprimento muscular consistem em movimentos que alongam os músculos na direção oposta às suas ações habituais; sendo que os testes para verificar a flexibilidade da musculatura posterior da coxa incluem o teste do sentar-alcançar (TS), o teste para medida de tensão dos isquiotibiais, conhecido como elevação da perna (EP), e a medida do ângulo poplíteo (AP)14. Apesar de diversos trabalhos sobre o tema, a literatura é quase unânime em afirmar a escassez de dados e a falta de padronização para avaliação do ângulo poplíteo, mesmo sendo o mais utilizado na prática clínica da fisioterapia15.

Kuo et al.16 verificaram o encurtamento dos isquiotibiais em 369 crianças usando três testes comuns: EP, TS e AP. Observaram que as meninas apresentam maior grau de flexibilidade na musculatura posterior da coxa do que os meninos e que nenhuma variação significativa ocorre com o avanço da idade. Concluíram também que o teste de EP e o teste do AP são mais sensíveis à tensão da musculatura posterior de coxa e, por serem realizados passivamente, permitem melhor controle do examinador.

Malheiros et al.15, ao analisar a medida do AP em crianças de 7 a 13 anos que cursavam o 1o grau de escolas públicas e privadas, concluíram que esse ângulo aumenta progressivamente com a idade. Afonso Filho e Navarro17 avaliaram a medida do AP em joelhos de adolescentes assintomáticos e também verificaram o aumento progressivo do AP com o avanço da idade, além da diminuição nos valores desse ângulo na faixa de 14 a 17 anos no sexo masculino.

Considerando a escassa reprodutibilidade dos trabalhos encontrados na literatura, somada à insatisfatória exposição dos métodos empregados, justifica-se a realização deste estudo, que visa comparar o efeito de diferentes tempos de alongamento passivo na flexibilidade, pela mensuração do ângulo poplíteo. Tendo em vista os estudos acima, levanta-se a hipótese de que quanto maior o tempo de sustentação, maior será o ganho de flexibilidade.

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METODOLOGIA

Foram recrutadas por convite verbal 30 voluntárias, brancas, com idades entre 18 e 30 anos (21,1±2,9), acadêmicas do curso de Fisioterapia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp) em Campo Grande, MS.

Os critérios de inclusão, além da faixa etária, foram: sexo feminino (visto que a maior oferta de voluntários, no Curso de Fisioterapia, era de mulheres, optou-se por manter a amostra feminina, para maior homogeneidade dos dados) e sedentarismo (jovens que não fizessem atividade física mais de três vezes por semana há pelo menos 1 ano). Como critérios de exclusão, consideraram-se: presença de dor aguda lombar, muscular ou articular de membros inferiores, pela possibilidade de comprometimento do movimento do grupo muscular a ser avaliado; diagnóstico de hérnia de disco lombar, lesão medular ou cirurgia anterior em coluna, joelho, quadril ou tornozelo; patologias ortopédicas prévias; prática de atividade física ou desportiva em caráter profissional e não-profissional, em razão da freqüência de alteração da flexibilidade em atletas; uso regular de medicamentos analgésicos, relaxantes musculares ou antiinflamatórios, esteróides ou não; (6) falta de cooperação ou capacidade cognitiva para a realização dos procedimentos clínicos. Não foi excluída voluntária alguma nessas condições.

Antes do início do experimento, todas as voluntárias foram esclarecidas sobre os procedimentos da pesquisa, com assinatura de Termo de Consentimento Livre e Informado segundo as diretrizes do Conselho Nacional de Saúde. Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Uniderp.

Procedimentos Para a medição do ângulo poplíteo, foi utilizado um goniômetro universal de

plástico (Carci®) de braço duplo medindo 20 cm. No posicionamento do quadril em flexão de 90˚, o fulcro do goniômetro foi posicionado no trocânter maior do fêmur, o braço estacionário na linha axilar média do tronco e o braço móvel posicionado paralelamente à superfície lateral da coxa, usando como referência o côndilo lateral do fêmur. E para o posicionamento do joelho em ângulo de 90˚, o fulcro do goniômetro também se colocava no côndilo lateral do fêmur, com o braço móvel na face lateral da perna alinhado ao maléolo lateral, e o braço fixo em direção ao trocânter maior do fêmur18.

As 30 voluntárias foram divididas aleatoriamente em cinco grupos de seis pessoas cada: o grupo controle não realizou qualquer alongamento; um grupo fez alongamento sustentado por 15 segundos (grupo 15s); outro, por 60 segundos (grupo 60s); o quarto, por 90 segundos (grupo 90s); e o quinto grupo fez alongamento sustentado por 120 segundos (grupo 120s). Todos os grupos foram submetidos a uma série de alongamentos passivos da musculatura posterior de coxa por três sessões semanais, durante quatro semanas consecutivas, realizado pelo examinador (A).

Foi feita a mensuração do AP17 por três examinadores clínicos (B, C, D) no início das sessões (pré-teste), após duas semanas de alongamento (Intermediário) e ao final das quatro semanas de alongamento (pós-teste). Os resultados foram registrados em formulário padronizado posteriormente entregue ao coordenador da pesquisa (examinador A).

Os examinadores receberam treinamento prévio de duas semanas, em que diariamente era demonstrada a técnica de mensuração do AP por de vídeos e slides,

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executando-a em voluntários não incluídos na pesquisa.

Para a mensuração do AP, as voluntárias foram posicionadas em decúbito dorsal, com o quadril e joelho do membro inferior direito (MID) em flexão de 90º e tornozelo na posição neutra, enquanto o membro inferior contralateral foi posicionado em extensão completa, fixo à mesa do exame por meio de fitas, para evitar movimentos compensatórios. A seguir, o joelho do MID era estendido passivamente, com o pé em posição neutra, até que fosse referida resistência ao alongamento pela voluntária. Nesse ponto era tomada a medida do AP com auxílio do goniômetro.

Análise estatística Inicialmente calcularam-se as médias e desvios-padrão de todas as medições

nos cinco grupos experimentais. Em seguida, subtraíram-se os valores médios do pós-teste dos valores médios do pré-teste de cada voluntária. De posse desses valores aplicou-se a análise de variância (Anova-one way) utilizando o teste de Tukey para comparar as médias entre os grupos. Adotou-se 5% como nível para rejeição da hipótese de nulidade.

Para verificar a homogeneidade e normalidade da amostra, aplicaram-se os testes de Shapiro-Wilks e Levene, respectivamente, para as variáveis idade, massa, estatura e índice de massa corporal (IMC), para posteriormente aplicar o teste t de Student.

Para verificar a confiabilidade dos examinadores, utilizou-se o coeficiente de correlação intraclasse (ICC), onde valores mais próximos de 1 indicam excelente confiabilidade. O programa computacional BioEstat® 3.0 foi utilizado para tratamento estatístico dos dados.

RESULTADOS

O teste t de Student demonstrou homogeneidade da amostra para as variáveis idade (p=0,202), massa (p=0,526), estatura (p=0,406) e IMC (p=0,342).

Em relação às diferenças entre as médias do pré-teste e do pós-teste, encontrou-se no grupo controle média de -2,56º (±4,78); no grupo 15s, 5,67º (±1,25); no grupo 60s, 14,33º (±4,04); no grupo 90s, 13,22º (±9,08); e, no grupo 120s, 23,44º (±5,86). Os valores em graus pré-alongamento e pós-alongamento, de todos os grupos, são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 Valores (em graus) da amplitude de movimento pré e pós-alongamento em cada voluntária, nos cinco grupos estudados

Grupo Voluntária Controle 15s 60s 90s 120s Pré Pós Pré Pós Pré Pós Pré Pós Pré Pós

1 42,67 45,33 32,67 28,00 48,67 33,33 38,00 24,00 31,33 3,33 2 9,33 8,67 21,33 16,00 32,67 20,00 20,67 7,33 27,33 4,00 3 18,67 20,00 10,67 6,67 40,67 21,33 38,67 25,33 20,67 8,00 4 30,67 42,67 30,67 24,67 10,00 2,67 0,67 0,00 29,33 0,00 5 0,00 0,00 39,33 32,67 28,00 12,00 42,00 13,33 27,33 4,00 6 30,67 30,67 12,00 4,67 30,67 15,33 12,00 2,67 31,33 7,33 Média 22,00 24,55 24,45 18,78 31,78 17,44 25,34 12,11 27,89 4,44

Desvio padrão 15,70 18,29 11,68 11,54 13,08 10,26 16,88 10,74 3,96 2,91

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A análise de variância demonstrou que os valores médios dos grupos 60s, 90s e 120s eram estatisticamente significantes quando comparados ao grupo controle (p<0,01) (Tabela 2). O grupo 15s não apresentou diferença significativa quando comparado ao grupo controle (p>0,05). Observa-se que houve diferença estatisticamente significativa quando se compara o grupo 15s com o 120s e, também, na comparação do grupo 90s com o 120s. Observa-se que o grupo de 120 segundos apresentou a maior média e o grupo de 90 segundos, a maior variação (Gráfico 1).

Tabela 2 Comparação dos ganhos de flexibilidade (em graus) entre os grupos (por Anova)

Grupos Média p Controle X 60s -2,56 14,33 p<0,01 Controle X 90s -2,56 13,22 p<0,01 Controle X 120s -2,56 23,44 p<0,01 90s X 120s 13,22 23,44 p<0,01 15s X 120s 5,67 23,44 p<0,01

inserir Gráfico 1

Gráfico 1 Média (em graus) da amplitude de movimento da articulação do joelho direito das voluntárias dos cinco grupos

No cálculo do ICC para verificação de confiabilidade entre os examinadores, encontraram-se para o grupo controle 0,992; para o grupo 15s, 0,994; para o grupo 60s, 0,961; para o grupo 90s, 0,989; e, para o grupo 120s, 0,994. O valor médio para todos os grupos foi 0,985, indicando assim excelente confiabilidade inter-examinadores.

DISCUSSÃO

Persiste muita controvérsia em relação à técnica, duração e freqüência do alongamento, quando se propõe ganho de flexibilidade8,9 – e é isso que motivou a realização deste estudo, buscando elucidar o tempo de alongamento que seria mais eficaz no aumento da flexibilidade da musculatura posterior da coxa.

De acordo com Bonvicine et al.8, tanto o alongamento sustentado por 60 segundos como duas séries de alongamento sustentado por 20 segundos resultaram em aumento significativo da ADM. Bandy et al.7 afirmaram que 30 e 60 segundos de alongamento estático seriam mais eficazes em aumentar a flexibilidade do que 15 segundos ou nenhum alongamento. Com isso concordam os resultados do presente estudo, de que o alongamento sustentado por 15 segundos não se mostrou eficaz no aumento da flexibilidade. Segundo Knight et al.19 o alongamento não se torna eficaz quando utilizado por menos de 6 segundos, mas é eficiente quando utilizado de 15 a 30 segundos, com um número maior de repetições. Bandy et al.7 comentam em seu estudo que tempos superiores, como 90 e 120 segundos, precisam ser avaliados, pois poderiam levar a um aumento ainda maior da flexibilidade. No presente este estudo, que avaliou alongamentos com essa duração, foi possível constar que 120 segundos de sustentação do alongamento propiciaram os maiores ganhos de flexibilidade – no que está de acordo com DePino et al.13.

Segundo Doretto20, isso ocorre devido à presença dos órgãos tendinosos de Golgi (OTGs), que ajudam a impedir a força excessiva durante a contração muscular e alongamento. Eles emitem impulsos em resposta à tensão, quando o músculo, ao se

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68

contrair ou em resposta à tensão, é distendido passivamente. Os OTGs têm um limiar de excitabilidade muito alto; assim, quando são ativados, tanto na contração quanto no alongamento excessivo, seus impulsos são liberados e alcançam a medula pelas fibras Ib, estabelecendo sinapse inibitória com o motoneurônio Alfa, ativado em excesso, e sinapse facilitadora para o opositor. Com isso, os OTGs protegem o músculo contra uma tensão excessiva20.

Ainda há muito a estudar a respeito dos efeitos do alongamento em outras estruturas limitantes do movimento articular, tais como cápsula articular, ligamentos intra e extra-capsulares e grupamentos musculares. Outras variáveis relacionadas ao alongamento, como o número ideal de sessões por dia e por semana e a duração do efeito após a interrupção dos exercícios, necessitam ser determinados como forma de prevenir e tratar lesões musculoesqueléticas19.

Dentre as diversas técnicas de avaliação da flexibilidade, a mensuração do AP é a mais comumente utilizada15-17. Porém, apesar de diversos trabalhos sobre o assunto, a literatura é quase unânime ao afirmar a escassez de dados e a falta de padronização para avaliação desse ângulo18. Embora o AP seja utilizado para avaliar indiretamente a retração da musculatura posterior da coxa em quaisquer indivíduos, só foram encontrados estudos referentes a sua medição em crianças, ou em condições associadas à paralisia cerebral16.

No presente estudo, visando a padronização da mensuração, o membro contralateral foi mantido em extensão total durante a medição, pois a semiflexão do joelho ou quadril opostos altera o ângulo pelvifemoral, facilitando a extensão do joelho examinado15-17. Um ponto de divergência na mensuração do ângulo poplíteo é o momento da extensão do joelho no qual é tomada a medida do ângulo. No presente estudo, foi determinado o momento da extensão máxima em que as voluntárias referiam um desconforto decorrente do alongamento da musculatura posterior de coxa, como sugerido por Shiratsu & Coury21.

Quanto ao goniômetro universal, seu uso neste estudo está em consonância com Malheiros et al.15, que o consideram um dispositivo de mensuração cujo erro estimado é considerado mínimo. O eletrogoniômetro vem sendo demonstrado como equipamento efetivo para quantificar posturas lombares e movimentos articulares em tempo real mas há aspectos quanto a sua utilização, calibragem e validação que ainda requerem investigação22.

A diversidade de examinadores é discutida na literatura como fator responsável por um erro de até cinco graus. Neste estudo, isso não ocorreu: o coeficiente de correlação intraclasse (ICC) encontrado, próximo de 1, revela alta confiabilidade entre os examinadores. Isso pode ser devido ao treinamento prévio realizado com os examinadores e também devido à homogeneidade da amostra.

Este estudo limitou-se a realizar a mensuração do AP em indivíduos normais e utilizando um goniômetro universal; trabalhos futuros podem auxiliar a compreensão do tempo de sustentação de alongamento mais eficiente em indivíduos com lesões musculoesqueléticas e, também, utilizando técnicas de mensuração mais eficientes, como o eletrogoniômetro.

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CONCLUSÃO Aumentos na flexibilidade dos MMII puderam ser observados nos grupos que

tiveram alongamento sustentado por 60, 90 e 120 segundos, sendo que aumentos mais significativos foram observados no grupo que sustentou alongamento por 120 segundos. Isso sugere que, quanto maior o tempo de sustentação do alongamento, maiores serão os ganhos obtidos na flexibilidade.

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70

20 Doretto D. Fisiopatologia clínica do sistema nervoso: fundamentos da semiologia. São Paulo: Atheneu; 1996.

21 Shiratsu A, Coury HJCG. Avaliação de protocolos de confiabilidade propostos para eletrogoniômetro lombar. Rev Bras Fisioter. 2001;5(2):53-8.

22 Feland JB, Myrer JW, Merrill RM. Acute changes in hamstring flexibility: PNF versus static in senior athletes. Phys Ther Sport. 2001;2:186-93.

Gráfico para visualizacao e conferência do diagramador

-5

0

5

10

15

20

25

Controle 15s 60s 90s 120s

Grupos

Gra

us

Controle

15s

60s

90s

120s

****

**

*

Gráfico 1

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Efeitos da terapia fotodinâmica e de uma única aplicação de laser de baixa potência em bactérias in vitro Effects of photodynamic therapy and of a sole low-power laser irradiation on bacteria in vitro

Título condensado: Laser em bactérias in vitro Rogério Gubert Benvindo1, Graziela Braun2, Alberito Rodrigo de Carvalho3,

Gladson Ricardo Flor Bertolini4 1 Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Traumato-Ortopédica 2 Farmacêutica bioquímica; Profa. Ms. do Laboratório de Microbiologia da Unioeste

(Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Cascavel, PR) 3 Fisioterapeuta Especialista em Fisioterapia Traumato-Ortopédica; Prof. do Laboratório de

Estudo das Lesões e Recursos Fisioterapêuticos, Unioeste 4 Fisioterapeuta; Prof. Ms. do Laboratório de Estudo das Lesões e Recursos Fisioterapêuticos,

Unioeste ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Gladson R. F. Bertolini Clínica de Fisioterapia da Unioeste R. Universitária 2069 Jardim Universitário 85819-110 Cascavel PR e-mail: [email protected] RESUMO: O laser de baixa potência vem sendo usado para acelerar a cicatrização em úlceras de pressão devido a seus efeitos cicatrizante, antiinflamatório, antiedematoso e analgésico. No entanto, não há consenso quanto a seu efeito em úlceras infectadas. O objetivo deste estudo foi verificar o efeito bactericida da laserterapia e da terapia fotodinâmica (TFD) com laser de baixa potência, InGaP, 670 nm, em doses de 2, 4 e 6 J/cm2, em bactérias gram-positivas e gram-negativas in vitro. Foram preparadas 32 placas de Petri com bactérias, 16 com Pseudomonas aeruginosa e 16 com Staphilococcus aureus. Aleatoriamente dividiu-se cada grupo em oito subgrupos (duas placas cada): três subgrupos tratados só com laserterapia, em doses de 2 J/cm2, 4 J/cm2 e 6 J/cm2; três subgrupos tratados com TFD, em doses de 2 J/cm2, 4 J/cm2 e 6 J/cm2; um tratado apenas com fotossensibilizante (azul de metileno a 0,1 µg/ml); e um subgrupo não tratado (controle). Os subgrupos laser e TFD foram irradiados uma única vez e incubados por 24 horas. Os outros dois subgrupos não receberam irradiação. As culturas foram analisadas visualmente para verificação ou não do halo de inibição. Em todos os subgrupos, de ambas as bactérias, não foi observado qualquer halo de inibição nem de crescimento. Conclui-se que a terapia a laser e a fotodinâmica de baixa potência (InGaP, 670 nm) não produziram efeitos bactericidas e/ou bacteriostáticos, tampouco tendo havido efeito bioestimulante sobre as bactérias. Descritores: Bactérias/efeitos de radiação; Fotoquimioterapia/utilização; Terapia a laser de

baixa intensidade ABSTRACT: Low-level laser therapy has been used to speed up healing process of pressure ulcers due to its antiinflammatory, analgesic, anti-edematous, and scarring effects. However there is no consensus on its effect on infected ulcers. The aim of this study was to verify the bactericidal effect of low-level laser therapy (InGaP, 670 nm) and photodynamic therapy (PDT) at 2, 4 and 6 J/cm2 doses, onto gram-negative and gram-positive bacteria in vitro. Thirty two Petri plates were prepared, 16 with Pseudomonas aeruginosa and 16 with Staphilococcus aureus, and divided into eight subgroups each: three subgroups treated with 2 J/cm2, 4 J/cm2, and 6 J/cm2 laser; three subgroups treated with 2 J/cm2, 4 J/cm2, and 6 J/cm2 PDT; one treated solely with photosensitiser; and a non-treated (control) subgroup. Laser and PDT groups were irradiated once and incubated for 24 hours; the other two subgroups underwent no irradiation. Cultures were visually analysed in search of inhibition haloes. In all subgroups, for both bacteria, no inhibition or growing signs could be detected. Hence neither low-level laser or PDT (InGaP, 670 nm) produced any bactericidal or bacteriostatic effect, nor any biostimulation effect, onto analysed bacteria. Key words: Bacteria/radiation effects; Laser therapy, low level; Photochemotherapy/utilization

APRESENTAÇÃO maio 2007

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO dez. 2007

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INTRODUÇÃO

Infecções causadas por Pseudomonas aeruginosa e Staphilococcus aureus estão entre as de maior ocorrência em hospitais e são as duas bactérias mais freqüentes em úlceras de pressão1,2. Tais infecções podem atrasar ou impedir o processo de cicatrização de uma ferida, bem como debilitar o estado geral do paciente levando-o, em casos mais extremos, à morte3-5. Feridas infectadas, em especial as úlceras de pressão, constituem uma complicação clínica importante, com possível incidência em até 28% da população internada em hospitais, gerando gastos anuais estimados em mais de 1 bilhão de dólares com diagnóstico e tratamento6.

A fisioterapia tem um papel na prevenção e tratamento de tais feridas, lançando mão de recursos físicos como o laser, para acelerar o processo de cicatrização dos tecidos envolvidos7,8. Entretanto, a infecção da ferida constitui uma barreira à aplicação da terapia laser, pois acredita-se que a radiação pode causar aumento do crescimento bacteriano9.

Embora alguns estudos comprovem o efeito bactericida e/ou bacteriostático do laser, permanece ainda o paradoxo de estudos que verificaram aumento do crescimento bacteriano (principalmente de cepas de Escherichia coli)10-13. Nussbaum et al.14, ao irradiar com 660 nm P. aeruginosa, E. coli e S. aureus, observaram efeitos marginais no crescimento bacteriano (p=0,07), com tendência geral de diminuir o crescimento. Porém, em outros comprimentos de onda (630 e 810 nm) houve aumento geral no crescimento; apenas com 905 nm o crescimento não foi significativo. Relatam ainda que, sobre o Staphylococcus aureus, não houve efeito geral no crescimento.

Em outro estudo, os mesmos autores15 analisaram os efeitos de 810 nm sobre as mesmas bactérias, alterando a forma de entrega do laser. Ao avaliar as formas de entrega pulsada e contínua, obtiveram resultados bastante controversos, mas relatam que o crescimento bacteriano aumentou no modo contínuo apenas com 1 J/cm2, independente da espécie. Variando a modulação de freqüência e dose, induziu-se intensamente o crescimento de Pseudomonas aeruginosa; sobre Staphylococcus aureus, o efeito ocorreu principalmente em altas freqüências (1000 e 3800 Hz); e sobre Escherichia coli, apesar de em 1000 Hz ter ocorrido aumento de 138%, não houve efeitos estatisticamente significativos.

Postula-se que o efeito bactericida da laserterapia de baixa potência (efeito direto na membrana bacteriana) ocorra em virtude da absorção de fótons por cromóforos endógenos (dentro da bactéria), com concomitante produção de moléculas altamente reativas e citotóxicas, que provocam a ruptura da membrana e morte bacteriana11.

A terapia fotodinâmica (TFD) é usada pela medicina no tratamento alternativo para tumores superficiais pequenos. Tal técnica consiste na administração de um corante (fotossensibilizante) com posterior aplicação de radiação laser. O poder bactericida da TFD pode ser explicado pela escassa atenuação do laser em virtude da otimização da absorção gerada pelo corante, bem como pela produção de radicais livres (citotóxicos) pelo próprio corante, causando lesão na parede bacteriana16-18.

O aumento da resistência das bactérias às drogas antibióticas gera a necessidade de desenvolver novos meios bacteriostáticos e bactericidas que colaborem com a

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terapêutica de indivíduos infectados. No entanto, há poucos trabalhos que forneçam dados práticos sobre o efeito bactericida da TFD e da laserterapia de baixa potência, não havendo consenso nos resultados dessas terapias em feridas. Os estudos sobre o efeito bactericida de tais terapias usam vários tipos de laser, com diferentes comprimentos de onda, potência e doses de irradiação, e nenhuma recomendação pode ser feita a respeito do tipo de laser e comprimento de onda ótimo para tal terapia6.

O objetivo deste trabalho foi analisar o efeito bactericida in vitro da terapia fotodinâmica e da laserterapia de baixa potência (InGaP, 670 nm) sobre as principais bactérias presentes em úlceras de pressão infectadas, em bactérias gram-positivas e gram-negativas, com doses de 2, 4 e 6 J/cm2, buscando a padronização de uma dosagem para o tratamento de tecidos infectados.

METODOLOGIA

Este estudo foi desenvolvido no Laboratório de Microbiologia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).

Culturas bacterianas Foram utilizadas bactérias da bacterioteca do Laboratório descritas na literatura

como causadoras de infecção em úlceras de pressão. Cada grupo de bactérias foi diluído em solução fisiológica estéril, para obter a escala de turbidez semelhante à escala 0,5 de MacFarland (equivalente a 1,5 x 108 UFC/ml).

Para a amostra tratada com terapia fotodinâmica (TFD) foi acrescido 0,1 µg/ml de corante (azul de metileno) às bactérias nos tubos de ensaio. Dentro de 15 minutos procedeu-se à semeadura, introduzindo um cotonete (swab) estéril na suspensão (retirando o excesso pressionando na lateral do tubo) e estriando toda a superfície de uma placa de Petri com 50 mm de diâmetro, contendo o meio de cultura Ágar Mueller-Hinton (AMH) por duas vezes, girando a placa a 90° entre uma estriação e outra para obter uma inoculação homogênea.

Equipamento Foi utilizado o equipamento Laser, InGaP, da marca Bioset®, modelo Physiolux

Dual, com os seguintes parâmetros: saída de 30 mW, comprimento de onda 670 nm, feixe de luz único de cor vermelha, emissão contínua e direta. O aparelho foi aferido previamente ao início dos trabalhos.

Amostra Foram preparadas 32 placas de Petri com meio de cultura AMH, onde foram

semeadas as bactérias Pseudomonas aeruginosa (bactérias gram-negativas) (16 placas) e Staphilococcus aureus (bactérias gram-positivas) (16 placas), a partir de cepas padrão.

Aleatoriamente dividiu-se cada grupo em oito subgrupos (com duas placas cada), a saber: a) três subgrupos tratados somente com laserterapia, com dosimetrias em 2 J/cm2, 4 J/cm2 e 6 J/cm2; b) três subgrupos tratados com TFD, com dosimetrias em 2 J/cm2, 4 J/cm2 e 6 J/cm2; c) um subgrupo tratado somente com fotossensibilizante – azul de metileno a 0,1 µg/ml; d) e um subgrupo não tratado (controle).

As amostras dos subgrupos tratados com laserterapia e com TFD foram irradiadas, uma única vez, pela técnica por zona19,20 (visto a saída do equipamento produzir radiação

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divergente), sem contato, com irradiação na região central da placa, área de irradiação na placa de cultura de 1 cm2 (distância padronizada e mantida pelo suporte do laser, Figura 1).

inserir Figura 1 Figura 1 Ilustração do uso da radiação laser sobre a placa de Petri cultivada com bactérias,

com área de irradiação predeterminada

Os tempos de irradiação foram estabelecidos levando-se em conta a dose desejada, área a ser irradiada e potência do laser19,20, sendo que o tempo utilizado foi de 34 s para cada 1 J/cm2, com diâmetro de saída do feixe de 0,09 cm2.

As amostras do grupo tratado somente com fotossensibilizante e do grupo controle foram submetidas aos mesmos procedimentos de irradiação, porém com o aparelho laser desligado (simulacro).

Após irradiação ou simulacro, as placas foram incubadas por 24 horas em estufa aeróbia, com temperatura máxima aferida em 37°C. Após incubação, realizou-se a medição da área de inibição do crescimento bacteriano, com auxílio de um gabarito especialmente preparado (folha de papel milimetrado).

Os resultados foram considerados pela verificação da existência do halo de inibição. Os halos de inibição foram interpretados como resistente, intermediário ou sensível. Todas as amostras foram manuseadas em área livre de contaminação (fluxo laminar e bico de Bunsen) durante os procedimentos de preparo da cultura, irradiação, incubação e mensuração da área de inibição; todos os materiais envolvidos foram previamente esterilizados.

RESULTADOS

Para os oito subgrupos analisados – laser 2J, 4J e 6J, TFD 2J, 4J e 6J, azul de metileno e controle – de ambas as bactérias, não foram observados quaisquer halos de inibição e/ou crescimento nas zonas irradiadas, ou seja, das áreas avaliadas em cada placa, todas foram consideradas resistentes, indicando ausência de efeito bactericida e/ou bacteriostático.

DISCUSSÃO

A literatura é controvertida no que diz respeito aos efeitos do laser sobre crescimento bacteriano. Diversas pesquisas sobre o efeito da radiação laser em bactérias apontam para resultados bioestimulantes ou proliferativos, postulando que tais efeitos se devem às modificações geradas pelo aumento do aporte energético provido pela radiação na cadeia respiratória das bactérias10-13.

Pode-se citar como efeitos terapêuticos do laser de baixa potência o [1] efeito proliferativo, que aumenta a neo-angiogênese, síntese de fibroblastos, colágeno e ATP (adenosina trifosfato); [2] efeito fibrinolítico, que facilita a fibrinólise; [3] efeito anti-edematogênico, que facilita o retorno venoso-linfático, devido à ação vasodilatadora dos capilares; [4] efeito antiinflamatório, que interfere na síntese de prostaglandinas; [5] efeito analgésico, que libera substâncias quimiotáxicas, que estimulam a liberação de endorfinas; [6] e um possível efeito bactericida, pelo aumento da quantidade de interferon e pelo efeito direto na membrana bacteriana19-22.

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Pesquisas que evidenciam o efeito bactericida ou bacteriostático da radiação laser relatam que a radiação, absorvida por cromóforos, pode causar mudanças conformacionais em determinadas moléculas, gerando radicais livres e oxigênio reativo os quais, por sua vez, promovem a ruptura de membranas bacterianas9,23.

Nussbaum et al.24 utilizaram laser de 810 nm, com variação na irradiância de 0,015 W/cm2 (0-50 J/cm2) ou 0,03 W/cm2 (0-80 J/cm2), em uma única sessão, em bactérias gram-positivas e gram-negativas, com várias doses. Observaram que para a Escherichia coli houve aumento no crescimento bacteriano (p=0,01), similar nas duas irradiâncias (p=0,36); para a Pseudomonas aeruginosa, quando a irradiância foi baixa o crescimento foi diminuído, comparado ao controle, e quando a irradiância aumentou, a inibição foi maior; finalmente, para o Staphylococcus aureus, para ambas irradiâncias, o crescimento não foi diferente comparado com o controle em qualquer exposição. Relatam aumento no crescimento de Pseudomonas aeruginosa na irradiância de 0,015 W/cm2 e diminuição em 0,03 W/cm2, em dose de 1 J/cm2; sugerem que tal resultado pode ser explicado apenas por diferenças na irradiância e/ ou tempo de exposição, visto que outros fatores foram constantes. No presente estudo, a irradiância utilizada, de 0,03 W/cm2, em nenhuma das doses produziu os efeitos inibitórios como no estudo de Nussbaum e colaboradores.

Embora a maioria das pesquisas demonstre resultados que convergem para efeitos estimulantes ou inibitórios, os resultados do presente trabalho não apontam para qualquer dessas hipóteses. Os grupos tratados não apresentaram halo de inibição do crescimento bacteriano, evidenciando não haver qualquer efeito bactericida ou bacteriostático do laser utilizado com os parâmetros em questão. Por outro lado, não houve aumento do crescimento bacteriano dos grupos tratados quando comparados ao grupo controle, pois ambos cresceram de forma homogênea. Isso denota que a radiação laser nas doses utilizadas, com comprimento de onda de 670 nm, não provocou efeito bioestimulante sobre as bactérias. Contudo, vale ressaltar que o modo de aplicação, única dose no centro da placa, pode ter sido responsável pela ausência de efeitos sobre o crescimento bacteriano, visto que somente a região central recebeu a aplicação. Além disso, a quantidade de energia entregue nos grupos irradiados pode estar fora da janela terapêutica para o laser de baixa potência. E ainda, visto que a aplicação por zona ocorre sem contato da caneta aplicadora com a placa de cultura, de acordo com Baxter9 ocorrerá perda significativa da energia, pois a irradiância, nesse caso, cai devido à lei do quadrado inverso (a intensidade da radiação incidente é inversamente proporcional ao quadrado da distância entre a fonte e a superfície) e ao aumento da reflexão.

A ausência de efeito bactericida no grupo tratado com TFD pode dever-se à concentração extremamente baixa do agente fotossensibilizante utilizado. O azul de metileno foi usado com essa finalidade devido a sua eficácia demonstrada em sensibilizar tais bactérias; além disso, apresenta absorção máxima de energia nas faixas próximas à do laser utilizado (>620 nm)18. Chan e Lai25 relatam ter obtido efeitos bactericidas com concentrações dez vezes menores que a usada nesta pesquisa (0,1 µg/ml), porém Teichert et al.16 afirmam que a concentração ótima desse fotossensibilizante é de 500 µg/ml. Em vista dessa discordância, no presente estudo optou-se por uma concentração intermediária de azul de metileno.

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O meio de cultura Ágar Mueller-Hinton foi escolhido por ser o meio ótimo para o desenvolvimento das bactérias em questão, e também pela existência na literatura de trabalhos utilizando tal meio14,15,24, embora outras pesquisas utilizem outros meios de cultura16,25,26.

Apesar de os resultados deste trabalho não confirmarem efeitos bactericidas e/ou bacteriostáticos da laserterapia nem da terapia fotodinâmica, ressalta-se que este é um estudo in vitro, com irradiação por zona (o que pode produzir perdas de energia), com doses relativamente baixas de densidade de energia, e em uma única sessão, o que não permite vislumbrar um possível efeito cumulativo do laser de baixa potência (esta é uma prática metodológica comum nesse tipo de estudo10,12-15). Portanto, fazem-se necessários mais estudos para corroborar os resultados aqui obtidos.

CONCLUSÃO

Em placas contendo P. aeruginosa e S. aureus, nem a irradiação de laser de baixa potência (670 nm), nem a terapia fotodinâmica com azul de metileno, ambas em doses de 2, 4 e 6 J/cm2, nem o azul de metileno sem laser produziram qualquer alteração no crescimento ou inibição das bactérias.

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Para visualização e conferência do diagramador:

Figura 1 Ilustração do uso da radiação laser sobre a placa de Petri cultivada com bactérias,

com área de irradiação predeterminada

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Desempenho funcional de crianças com mielomeningocele Functional performance of children with myelomeningocele

Título condensado: Desempenho funcional em mielomeningocele Luanda André Collange1, Renata Calhes Franco2, Roberta Nunes Esteves3, Nelci

Zanon-Collange4 1 Fisioterapeuta; Especialista em Fisioterapia Hospitalar 2 Fisioterapeuta; Profa. Ms. do Curso de Fisioterapia do Uninove (Centro Universitário Nove

de Julho, São Paulo, SP) 3 Fisioterapeuta; mestranda em Ensino em Ciências da Saúde na Unifesp (Universidade

Federal de São Paulo); Supervisora do módulo de Enfermaria Neurológica e Neurocirúrgica do Curso de Especialização em Fisioterapia Hospitalar do Hospital Santa Marcelina, São Paulo, SP

4 Neurocirurgiã pediátrica; Dra. no Setor de Neurocirurgia Pediátrica da EPM/Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP)

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Luanda A. Collange Av . Eulina 217 Bairro do Limão 02755-140 São Paulo SP e-mail: [email protected]

Uma versão deste texto foi apresentada ao I Inter-Cobraf, Santos SP, 2006, e ao 11o Congresso Paulista de Pediatria, São Paulo SP, 2007.

RESUMO: Este trabalho visou analisar o impacto dos níveis de lesão, deambulação e alterações neurológicas associadas ao quadro clínico da mielomeningocele sobre o desempenho funcional de seus portadores. Neste estudo transversal prospectivo foram examinadas 40 crianças com mielomeningocele, avaliando-se nível de lesão, deambulação, malformação de Arnold-Chiari, hidrocefalia, hidromielia, medula ancorada e incontinência esfincteriana. O desempenho funcional foi avaliado pelo Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI), para um registro quantitativo da capacidade funcional e autonomia nas atividades cotidianas, nas áreas de autocuidado, mobilidade e função social. Os dados coletados foram analisados estatisticamente, estabelecendo-se o nível de significância em p<0,05. Os níveis de lesão e a deambulação influenciaram significativamente (p<0,01) os escores das três áreas do PEDI. Os graus de limitação foram diretamente proporcionais ao nível de lesão. O maior acometimento foi verificado no autocuidado e na mobilidade, tendo as crianças obtido melhor pontuação na área de função social. Nos pacientes com nível de lesão torácico, a hidromielia sintomática mostrou-se fator significativo na área de autocuidado (p<0,01). Conclui-se que os níveis de lesão e a deambulação influenciam, com impactos diferenciados, cada área do desempenho funcional. Em pacientes com lesão torácica, a hidromielia sintomática pode ser apontada como fator limitante do autocuidado. Descritores: Autocuidado; Criança; Desempenho psicomotor; Locomoção; Meningomielocele

ABSTRACT: This study aimed at analysing the impact of level of lesion, locomotion, and neurological changes associated to meningomyelocele clinical framework concerning functional performance. For this prospective cross-sectional study 40 children with meningomyelocele were assessed as to level of lesion, ambulatory ability, Arnold-Chiari malformation, hydrocephalus, hydromyelia, tethered cord, and sphincter incontinence. Functional performance was evaluated by the Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI) which quantitatively assesses functional performance and independence in daily activities in the areas of self-care, mobility, and social functioning. Collected data were statistically analysed and the significance level set at p<0.05. Lesion levels and ambulatory ability had a significant (p<0.01) impact on scores of all three PEDI areas. Limitation degree was found to be directly proportional to level of lesion. Functional performance was more severely affected in self-care and mobility activities, and the best functional scores being obtained in social functioning. In patients with thoracic lesion level, symptomatic hydromyelia proved to be a significant factor for self-care (p<0.01). Lesion level and ambulatory ability thus may be said to influence, at different levels of impact, each area of functional performance. For patients with thoracic lesion level, symptomatic hydromyelia may be pointed out as a self-care limiting factor. Key words: Child; Locomotion; Meningomyelocele; Psychomotor performance; Self care

APRESENTAÇÃO jun. 2007

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO dez. 2007

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INTRODUÇÃO

Mielomeningocele (MMC) é uma malformação do sistema nervoso central comum ao nascimento1, sendo considerada um complexo defeito do fechamento do tubo neural2. Está associada a freqüentes e severas seqüelas neurológicas3, que podem causar significativa morbidade e mortalidade4. Prevalências altas em centros de referência refletem os progressos no diagnóstico e a disponibilidade de equipes capacitadas para tratar essa malformação e suas conseqüências5.

Os problemas físicos comumente associados à MMC incluem graus variados de défices neurológicos e sensório-motores, disfunções urogenitais e intestinais, malformações esqueléticas6. Somando-se a estes, algumas complicações decorrentes da hidrocefalia compõe o quadro clínico desses pacientes7.

A avaliação do desempenho funcional em atividades do cotidiano pode ser um válido instrumento de análise para a criança e sua família. Pode contribuir para diminuir a ansiedade dos profissionais envolvidos na reabilitação desses pacientes, permitindo predizer alguns desfechos e focalizar condutas. Pode ainda esclarecer e orientar os responsáveis, dirimindo dúvidas sobre as futuras possíveis limitações, sobre o que a criança será apta a realizar de forma independente e quais fatores poderão influenciar seu desempenho.

Frente à escassa literatura nacional a respeito, o objetivo do presente estudo foi avaliar o desempenho funcional de crianças com mielomeningocele. Analisou-se a influência dos níveis de lesão, da deambulação e das alterações neurológicas sintomáticas associadas ao quadro da mielomeningocele sobre o desempenho nas atividades de autocuidado, mobilidade e função social propostas pelo Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI, Inventário de Avaliação Pediátrica de Disfunções).

METODOLOGIA

Este estudo, de caráter transversal prospectivo, foi realizado com crianças portadoras de MMC que compareceram ao ambulatório de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital Santa Marcelina - Itaquera (em São Paulo) durante 2006. Foram selecionadas 40 crianças com base nos seguintes critérios de inclusão: portadoras de MMC com hidrocefalia tratada com derivação ventrículo-peritoneal; idade entre 3 e 7,5 anos – o limite superior da faixa etária foi estabelecido para adequar-se ao do instrumento de avaliação do desempenho funcional utilizado, o PEDI; o limite inferior foi determinado por ter sido observado, na pratica clínica, que a maioria das crianças com MMC aos três anos já apresenta nível de deambulação definido. Os critérios para exclusão do estudo foram: presença de instabilidade clínica (por exemplo, sintomas de disfunção do sistema de derivação ventricular); ser acompanhado por pessoa que não fosse capaz de informar sobre seu desempenho nas atividades de vida diária. Todos os pais ou responsáveis assinaram o termo de consentimento informado, após esclarecimento dos objetivos e metodologia do estudo, que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital.

As crianças apresentavam diferentes níveis de lesão, classificados como torácico, lombar alto, lombar baixo e sacral8-9. Quanto à marcha, foram classificadas como deambuladoras e não-deambuladoras8, segundo fossem capazes ou não de andar. Foi

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avaliada a presença ou ausência das seguintes alterações: malformação de Arnold-Chiari, hidrocefalia, hidromielia, medula ancorada e incontinência vesical e/ou intestinal.

O desempenho funcional foi avaliado por meio do PEDI, questionário norte-americano11,12 que foi traduzido para o português e adaptado para contemplar as especificidades socioculturais brasileiras13. É aplicado no formato de entrevista estruturada com um dos cuidadores da criança, que possa informar sobre seu desempenho em atividades e tarefas típicas da rotina diária11-13.

O teste é composto de três partes: a primeira avalia habilidades do repertório da criança agrupadas segundo três áreas funcionais: autocuidado (73 itens), mobilidade (59 itens) e função social (65 itens). Cada item dessa parte é pontuado com escore 0 (zero) se a criança não é capaz de desempenhar a atividade, ou 1 (um), se a atividade fizer parte de seu repertório de habilidades. Os 73 itens avaliados na área de autocuidado referem-se a: alimentação (14 itens), higiene pessoal (14 itens), banho (10 itens), vestir-se (20 itens), uso do toalete (5 itens) e controle esfincteriano (10 itens). Os 59 itens relativos à mobilidade distribuem-se em transferências (24 itens), locomoção em ambientes internos (13 itens), locomoção em ambientes externos (12 itens) e uso de escadas (10 itens). Quanto à função social, os 65 itens são distribuídos em: compreensão funcional (15 itens), verbalização (10 itens), resolução de problemas (5 itens), brincar (15 itens), auto-informação (5 itens), participação na rotina doméstica ou comunidade (10 itens) e noção de autoproteção (5 itens)11-13. Os escores obtidos são somados por área (autocuidado, máximo de 73; mobilidade, 59; e função social, 65). Assim, quanto mais alto o escore, melhor o desempenho funcional da criança na respectiva área.

A segunda parte do PEDI avalia a assistência tipicamente fornecida pelo cuidador no desempenho das tarefas funcionais da criança nas mesmas três áreas. A pontuação de cada item é dada em uma escala que varia de zero (se a criança é totalmente dependente do cuidador para realizar a tarefa) a 5 (se a criança é independente no desempenho da tarefa, não necessitando de qualquer ajuda do cuidador). Escores intermediários indicam formas variadas de ajuda fornecida (supervisão mínima, moderada ou máxima)11-13.

A terceira parte destina-se a documentar as modificações no ambiente utilizadas para o desempenho funcional das atividades das mesmas áreas acima. Nessa parte, as modificações do ambiente não são pontuadas com escore, apenas notadas como “nenhuma”, “centrada na criança”, “de reabilitação” ou “extensiva”11-13.

Os resultados referentes às características das crianças são apresentados na forma de distribuição numérica segundo o nível de lesão. Foi calculada a média e o desvio padrão dos escores obtidos no PEDI para cada grupo de pacientes com o mesmo nível de lesão. O efeito dos níveis de lesão sobre o desempenho funcional foi verificado por meio da análise de variância de um caminho (ANOVA) com post-hoc de Scheffé, assumindo como nível de significância p<0,05. Na análise da relação entre capacidade de deambulação e alterações neurológicas associadas, foi utilizado o teste t não-pareado com nível de significância p<0,05.

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RESULTADOS Foram estudadas 40 crianças, sendo 22 do sexo feminino e 18 do sexo masculino,

com idades entre 3 e 7 anos e meio. A Tabela 1 resume as características da amostra, agrupada por nível de lesão. A totalidade dos casos apresentava hidrocefalia tratada com derivação ventrículo-peritoneal (DVP) e incontinências vesical e intestinal. Quanto à deambulação, todos os pacientes dos níveis torácico e lombar alto não andavam e, em contrapartida, a maioria dos pacientes com níveis de lesão mais baixos eram deambuladores comunitários.

Tabela 1 Idade dos pacientes e freqüência (n) de características segundo o nível de lesão (N=40)

Nível de lesão Torácico Lombar alto Lombar baixo Sacral Total

Idade (anos – média±dp) 4,2±1,5 4,3±1,3 4,1±1,1 4,7±1,7

Sexo Feminino Masculino

6 4

5 5

7 3

4 6

22 18

Hidrocefalia tratada (DVP) 10 10 10 10 40 Arnold-Chiari

Assintomática

10

10

9

8

37 Hidromielia

Sintomática Assintomática

3 0

0 0

0 0

0 1

3 1

Medula ancorada Assintomática

10

10

10

10

40

Incontinência Vesical Intestinal

10 10

10 10

10 10

10 10

40 40

Nível de deambulação Deambuladores Não-deambuladores

0

10

0

10

7 3

8 2

15 25

dp = desvio padrão

A Tabela 2 apresenta os escores médios obtidos no PEDI pelas crianças agrupadas segundo o nível de lesão, nas áreas de autocuidado, mobilidade e função social. Por meio da análise de variância de um caminho foi verificada influência estatisticamente significativa do nível de lesão sobre os resultados nas três áreas propostas pelo instrumento (p<0,01). O nível torácico refletiu-se de forma significativa (p<0,01) em pior desempenho funcional na área de autocuidado. Os escores dos pacientes com lesão nos níveis torácico e lombar alto não apresentaram diferença estatisticamente significativa nas áreas de mobilidade e função social (p=0,30), mas as médias de seus resultados foram estatisticamente diferentes das dos pacientes com níveis de lesão lombar baixo e sacral (p<0,01); não houve diferença significativa entre os resultados dos pacientes destes dois últimos níveis (p=0,85).

Tabela 2 Escores (média±desvio padrão) obtidos pelas crianças nas áreas funcionais do PEDI segundo o nível de lesão (N=40)

Nível de lesão Área funcional* Torácico Lombar alto Lombar baixo Sacral

Autocuidado (73) 25±6 41±5 48±9 51±11 Mobilidade (59) 2±1 15±4 40±20 47±22 Função social (65) 33±9 41±4 50±10 56±12

* Os números entre parênteses são os escores máximos em cada área.

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Os escores nas áreas de auto-cuidado, mobilidade e função social dos pacientes deambuladores (37,5% da amostra) foram significantemente superiores aos escores do restante dos pacientes, não-deambuladores (p<0,01). A Tabela 3 apresenta os escores obtidos nas três áreas segundo a condição do paciente, de deambulador ou não-deambulador.

Tabela 3 Relação entre a condição do paciente de deambulador ou não-deambulador e os escores (média±desvio padrão) obtidos nas áreas funcionais do PEDI

Área funcional Deambulador Não-deambulador Autocuidado p<0,01 53,5±56,9 33,9±36,1 Mobilidade p<0,01 54,6±56,7 8,3±10,8 Função social p<0,01 56,5±58,9 38,1±40,6 p: resultado do teste t não-pareado

A hidromielia sintomática foi identificada em três pacientes (7,5%), todos apresentando nível de lesão torácico. Ao se compararem os escores desses pacientes com os demais que apresentavam lesão no nível torácico, foi verificada diferença significativa na área de autocuidado (p=0,01), porém não houve diferença estatisticamente relevante nas áreas de mobilidade (p=0,83) e função social (p=0,30).

A medula ancorada estava presente em todos os casos e a malformação de Arnold-Chiari, em 37 (92,5%), mas ambas de forma assintomática, ou seja, sem repercussões clínicas. Assim, não foram analisados seus impactos no desempenho funcional. A hidrocefalia e incontinência esfincteriana estavam presentes na totalidade dos casos, o que impediu a análise de seus impactos no desempenho.

Como esperado, a capacidade de deambulação refletiu-se na necessidade de assistência do cuidador (p<0,01). Os pacientes não-deambuladores necessitam de assistência máxima nas atividades relacionadas à locomoção e transferência. Na totalidade dos casos houve necessidade de assistência máxima nas atividades referentes ao uso de toaletes e controle urinário e intestinal.

Nas respostas à terceira parte do PEDI, sobre as modificações necessárias para realização das atividades funcionais, foram relatados apenas equipamentos de reabilitação. As modificações citadas foram uso de órteses de membros inferiores (60% dos pacientes) e recursos auxiliares de marcha por 57,5% (n=23).

DISCUSSÃO

Em pacientes com MMC, tradicionalmente a terapia física focaliza melhora da força muscular, adequação de tônus e prevenção de contraturas, assim como a otimização do desenvolvimento infantil e funcionalidade. No entanto, é pouco estudada a forma como os danos secundários à MMC influenciam a independência e o desempenho funcional nas atividades cotidianas14. Neste estudo, o recurso ao PEDI foi importante para permitir análise funcional do desempenho diário da criança com MMC, visto que a funcionalidade é o foco primordial na intervenção multidisciplinar para a reabilitação.

Estudos prévios com crianças portadoras de disrafismo espinhal aberto encontraram baixos escores no PEDI, ou seja, limitações funcionais em atividades referentes ao autocuidado, mobilidade e função social14-16. Trata-se porém de estudos de outros

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paises e não foram encontrados estudos publicados sobre o desempenho funcional de crianças brasileiras com MMC. Este estudo propiciou informações relevantes sobre esses pacientes, seguindo a tendência de publicações recentes voltadas para a análise de padrões funcionais17.

As crianças acometidas pela malformação apresentam lento desenvolvimento da independência nas atividades de autocuidado, sendo que cerca de 60 a 69% dos casos necessitam de assistência entre máxima e moderada14,18. Na área de autocuidado proposta pelo PEDI, são quantificadas atividades que requerem graus variados de mobilidade e controle corporal, como as atividades de lavar-se, vestir-se e pentear os cabelos. De forma geral a MMC gera limitações nesses graus motores, conseqüentes à paralisia sensório-motora, que é diretamente proporcional ao nível da malformação. Além do nível de lesão, alguns fatores foram apontados como limitadores da habilidade nos cuidados pessoais, como os défices intelectuais e a não- deambulação14.

A lesão no nível torácico acarreta o comprometimento mais complexo desse tipo de disrafismo. Caracteriza-se freqüentemente por paralisia flácida nos quadris e abaixo deles e, dependendo do segmento torácico acometido, em parte da musculatura do tronco. É esperado que esses pacientes alcancem a postura sentada, o que proporcionaria certo grau de independência nas atividades avaliadas pelo PEDI, na área de autocuidado. No presente estudo os pacientes de nível torácico apresentaram os piores resultados funcionais em cuidados pessoais, sendo que, na presença de hidromielia sintomática, a limitação foi ainda mais acentuada.

A hidromielia está presente nas crianças com MMC em 40 a 80% dos casos19; no entanto, na presente amostra esse percentual foi de apenas 10%. Em geral, acarreta acometimento dos membros superiores e desenvolvimento de deformidades, como a escoliose20-21. A variável deformidade não foi analisada neste estudo, limitação que deve ser ressaltada. A hidromielia afeta o autocuidado (neste estudo foi encontrada relação significativa), na medida em que este requer controle de tronco e integridade das funções de membros superiores, as quais podem ser prejudicadas por deformidades da coluna vertebral e alterações do tônus e força das extremidades. Estudo anterior apontou que a integridade das funções motoras acima do nível de lesão é determinante no autocuidado14.

A necessidade de assistência máxima dos cuidadores nas atividades referentes ao uso do toalete e controle urinário e intestinal foi relatada na totalidade dos 40 casos. Para Tsai et al.15, que investigaram crianças com espinha bífida, o auxílio do cuidador para a gerência da bexiga era necessário por um período prolongado.

Mobilidade é a capacidade de o indivíduo de mover-se eficientemente no ambiente. Em geral, as crianças com MMC apresentam limitação na mobilidade, o que pode influenciar sua participação em diferentes atividades21. No presente estudo, os escores dos pacientes com lesão torácica e lombar alta não apresentaram diferença estatística entre si quanto à mobilidade, assim como os dos grupos com lesão nos níveis lombar baixo e sacral. Deve-se ressaltar que os pacientes com os dois primeiros níveis de lesão eram não-deambuladores e os com lesão lombar baixo e sacral, na maioria dos casos, eram deambuladores comunitários. Estudos prévios descrevem que, nos casos de lesão nos níveis lombares, a aquisição da marcha é inversamente proporcional à

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altura da malformação congênita e todos os pacientes com lesão sacral se apresentam deambuladores22-24. Embora não tendo evidenciado exatamente essa situação, o presente estudo encontrou correlação direta entre a deambulação e a área de mobilidade, não apenas no que se refere à locomoção, mas também com relação às transferências.

A MMC representa a mais grave forma de disrafismo espinhal. Ao comparar-se MMC com lipomielomeningocele, foi identificada pior habilidade de locomoção, controle vesical e desempenho funcional16; e os pacientes obtiveram escores mais baixos nas áreas de mobilidade e função social. No presente estudo observou-se comprometimento funcional na área de mobilidade, em concordância com a literatura. Porém, a área de função social foi a que representou os melhores resultados diferenciando-se da literatura em questão.

O acometimento cognitivo é freqüentemente atribuído à hidrocefalia25. O percentual de hidrocefalia associada à MMC na literatura varia de 15 a 25% ao nascimento26 até mais de 85% dos pacientes3. Em decorrência do local de seleção dos participantes e dos critérios de inclusão, a totalidade dos casos analisados apresentava associação de hidrocefalia tratada. Uma das limitações deste estudo relaciona-se à não-aplicação de um teste cognitivo. Observamos que os pacientes foram capazes de realizar itens que requeriam componentes cognitivos, mas essa análise sobre a função cognitiva poderia ser feita de forma especifica.

CONCLUSÃO Os níveis de lesão e a aquisição da deambulação influenciam, com impactos

diferenciados, o desempenho das crianças com mielomeningocele nas atividades diárias de autocuidado, mobilidade e função social avaliadas pelo PEDI. Os resultados mostram que os níveis de lesão apresentam uma relação diretamente proporcional à limitação no desempenho funcional, sendo maior quanto mais alta for a malformação. A não-deambulação refletiu-se em pior desempenho global. Na função social, os pacientes demonstraram os melhores resultados funcionais. A hidromielia pode ser identificada como fator limitante no desempenho, na área de auto cuidado, dos pacientes com lesão no nível torácico. O claro conhecimento da influência do quadro clínico secundário à MMC e das alterações associadas à mesma, na funcionalidade dos seus portadores, permitirá uma intervenção terapêutica específica e eficiente. Novas análises deverão ser efetuadas para confirmar os achados no presente estudo, principalmente considerando a limitação desta amostra, com acometimentos neurológicos sintomáticos associados.

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23 Bartonek A, Saraste H. Factors influencing ambulation in myelomeningocele: a cross-sectional study. Dev Med Child Neurol. 2001;43(4):253-60.

24 Collange LA, Martins RS, Zanon-Collange N, Santos MTS, Moraes OJS, Franco RC. Avaliação de fatores prognósticos da deambulação em crianças com mielomeningocele. Arq Bras Neurocir. 2006;25(4):161-5.

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Acidentes de trabalho envolvendo mãos: casos atendidos em um serviço de reabilitação Hand occupational injuries: cases in a rehabilitation centre

Título condensado: Reabilitação de acidentes envolvendo mãos Mariana Angélica Peixoto Souza1, Lúcia Helena de Assis Cabral2, Rosana Ferreira

Sampaio3, Marisa Cotta Mancini4 1 Fisioterapeuta 2 Terapeuta ocupacional; Ms. 3 Fisioterapeuta; Profa. Dra. Adjunta do Depto. de Fisioterapia da UFMG (Universidade

Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG) 4 Terapeuta ocupacional; Profa. Dra. Adjunta do Depto. de Terapia Ocupacional da UFMG ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Mariana A. P. de Souza R. José Mendes de Carvalho 254 apto. 703. Castelo 30840-350 Belo Horizonte MG e-mail: [email protected]

RESUMO: O objetivo do estudo foi caracterizar os casos de lesões na mão relacionadas ao trabalho atendidos no Setor de Terapia da Mão do Hospital Maria Amélia Lins, em Belo Horizonte, MG. Foram analisados 711 protocolos de avaliação dos pacientes atendidos de janeiro 2004 a dezembro 2005, dos quais 238 corresponderam a acidentes do trabalho, com 87% de homens e média de idade 34 anos. Em 45% dos casos, a lesão foi no lado direito, sendo o não-dominante mais acometido (52%). Manutenção e/ou reparação (35%) e serviços e/ou comércio (33%) foram as categorias ocupacionais com maior índice de acidentes e as máquinas o principal agente causador (57%). Tendão (29%) e osso (23%) foram as estruturas mais lesadas, sendo atingidos principalmente os dedos (73%) e as mãos (18%). A grande maioria dos pacientes (80%) levaram de 2 a 60 dias após o acidente para iniciar a reabilitação e a mediana do tempo de tratamento foi 55 dias. As associações da ocupação do paciente com o agente causador e com a estrutura lesada foram significativas (p<0,05), bem como as associações entre agente causador e estrutura lesada e dessa com o tempo decorrido entre a lesão e início da reabilitação. Tipo de lesão e agente causador estavam associados ao tempo em reabilitação, explicando porém apenas 6,7% de sua variabilidade. Essas características das lesões ocupacionais das mãos devem ser consideradas no planejamento das ações de prevenção e de melhoria dos serviços de saúde. Descritores: Acidentes de trabalho/estatística e dados numéricos; Acidentes de trabalho/

prevenção e controle; Serviços de saúde do trabalhador; Traumatismos da mão

ABSTRACT: The purpose of this study was to characterize work-related cases of hand injury admitted to the Hand Therapy sector of Maria Amélia Lins Hospital in Belo Horizonte, MG. Medical charts of 711 patients having attended the sector between January, 2004 and December, 2005 were reviewed; 238 were found to be of patients with work-related injuries, of which 87% were male, mean age 34 years old (sd=10.64). In 45% of the sample the right side of the body was injured and most cases showed impairment at the non-dominant side (52%). Workers in maintenance/overhaul (35%), and in trade and services (33%) had greater accident indices; machinery was the major causal agent (57%). Tendon (29%) and bone (23%) were the most frequently injured structures, fingers (73%) and hands (18%) being specially affected. Most patients (80%) took between 2 to 60 days post-accident to start rehabilitation and treatment median duration was 55 days. Associations between patients’ occupation and causal agent, and between occupation and injured structure were significant (p<0.05), as well as those between causal agent and injured structure, and between injured structure and lag of time between injury and the onset of rehabilitation. Type of injury and causal agent were associated with rehabilitation time, but they explained only 6.7% of the variance. Such features of work-related hand injuries should be taken into account in prevention planning and for improving health services. Key words: Accidents, occupational/prevention & control; Accidents, occupational/statistics &

numerical data; Hand injuries; Occupational health services

APRESENTAÇÃO jan. 2007

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO fev. 2008

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INTRODUÇÃO Acidentes de trabalho são uma das principais causas de afastamento de

trabalhadores do campo produtivo e um importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo1, gerando altos custos para a sociedade2.

Em 2006, a Previdência Social registrou 171.609 acidentes de trabalho envolvendo mão, punho e dedos, o que representa aproximadamente 36% do total de acidentes ocorridos naquele ano3. Entre os acidentes típicos, ou seja, aqueles que ocorrem durante o exercício da atividade ocupacional, as partes do corpo mais acometidas foram os dedos (29%) e as mãos (9%)3. Embora tais números sejam bastante elevados, muitos casos não são documentados, seja pela omissão das empresas ou pela informalidade no trabalho, que hoje atinge grande parte da população economicamente ativa4.

Traumas de mão têm implicações diversas quando comparados a outras regiões do corpo, porque freqüentemente levam ao afastamento do trabalho5. Qualquer lesão na mão, por mais leve que seja, ocasiona grande incapacidade funcional que pode limitar, de maneira temporária ou permanente, o indivíduo nas atividades básicas do dia-a-dia, como alimentar-se ou cuidar da higiene pessoal, prejudicando de forma importante sua qualidade de vida6.

A necessidade de prevenção tem sido enfatizada principalmente em relação à identificação e controle dos fatores de risco. Santos7 aponta que fadiga, inexperiência no uso de máquinas, uso inapropriado dos dispositivos de segurança, operação de máquinas após as refeições, dentre outros, são fatores de risco para acidentes de trabalho. A reabilitação especializada tem sido apontada como importante fator na redução do tempo e custos do tratamento e obtenção de melhores resultados após a alta2,8,9.

O Hospital Maria Amélia Lins (HMAL) da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) é uma unidade especializada no tratamento cirúrgico eletivo de indivíduos que sofreram lesões traumáticas. A maioria dos pacientes é proveniente do Pronto Socorro do Hospital João XXIII, que conta com uma equipe de cirurgiões, responsável pelo atendimento primário. Posteriormente, esses pacientes são encaminhados ao HMAL para a continuidade do tratamento, onde são retirados os pontos cirúrgicos e as talas, bem como feitas outras intervenções, quando necessário10. Aguiar et al.11 realizaram um estudo no Serviço de Cirurgia da Mão do HMAL e verificaram a importância desse serviço como referência em trauma de mão para a cidade de Belo Horizonte e região metropolitana. Identificaram a freqüência de 44% de atendimentos de lesões agudas, 39% de lesões crônicas e 17% de casos com seqüelas decorrentes de traumas de mão.

Os pacientes atendidos nesses serviços são encaminhados à reabilitação no Setor de Terapia da Mão da mesma unidade. Esse setor atende, em média, 605 pacientes por ano, sendo que os diagnósticos mais freqüentes são fraturas, lesões de tendão e nervos, amputações, queimaduras e traumas complexos12.

Este estudo teve como objetivo caracterizar os casos de indivíduos que sofreram um acidente de trabalho com lesão de mão e foram atendidos no Setor de Terapia da Mão do Hospital Maria Amélia Lins da FHEMIG, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2005.

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METODOLOGIA

Foi realizado um estudo observacional, de corte transversal. Os dados foram coletados dos protocolos de avaliação dos pacientes que concluíram o tratamento no Setor de Terapia da Mão do HMAL de janeiro de 2004 a dezembro de 2005 (n=711), sendo incluídos somente os casos referentes aos acidentes de trabalho.

A amostra foi descrita quanto a:

características sócio-demográficas: sexo, idade, procedência (Belo Horizonte, Região Metropolitana ou Interior de Minas Gerais);

lado acometido e acometimento do lado dominante; ocupação: recodificada a um dígito em um dos 10 grandes grupos da

Classificação Brasileira de Ocupações (CBO – 2002)13; agente causador: agrupado em acidentes com máquinas, materiais perfurocortantes

(vidro, faca, facão, tesoura e outros tipos de lâminas), queda (da própria altura ou não) e outras causas;

tipo de lesão: simples (quando acomete apenas uma estrutura anatômica) ou complexa (quando acomete duas ou mais estruturas anatômicas);

estrutura lesada: classificada em osso, tendão, nervo, partes moles, pele, artéria, músculo, ligamento, articulação ou dedo (no caso de amputações);

segmento anatômico acometido (braço, antebraço, punho, mão ou dedos) quantos e quais dedos foram envolvidos; tempo decorrido entre a lesão e o início do tratamento no setor: calculado (em

dias) pela “data da avaliação menos data do acidente”; tempo de reabilitação no setor: obtido (em dias) pela “data da alta menos data

da avaliação”.

O software SPSS® 11.0 (Statistical Package for Social Sciences) foi utilizado para a análise estatística considerando, em todo estudo, um α=0,05. As análises realizadas foram: Descritiva: utilizando medidas de tendência central (média e mediana) e de

variabilidade (desvio padrão e valores mínimo e máximo); Bivariada: teste do qui-quadrado, para as variáveis nominais; Multivariada: análise de regressão, com transformação de Box-Cox.

A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FHEMIG (parecer nº 340/05).

RESULTADOS

Os acidentes de trabalho com lesão de mão (n=238) corresponderam a 33,5% do total de casos atendidos no Setor de Terapia da Mão/HMAL no período pesquisado (N=711). Desses 238 protocolos, um não registrava a idade do paciente, cinco não informavam o lado dominante, em dois não constava a ocupação, 11 não relatavam o agente causador da lesão, em dois a estrutura lesada não estava claramente descrita, um não determinava o tempo decorrido entre a lesão e o início do tratamento no setor e quatro não informavam o tempo de tratamento. Mesmo assim foram mantidos, considerando-se que as variáveis que estavam adequadamente descritas poderiam ser utilizadas na análise dos casos.

A média de idade dos pacientes foi 34 anos (dp=10,64), sendo a mínima 17 e a máxima 68 anos. Do total da amostra analisada, 75% dos acidentes de trabalho ocorreram

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em indivíduos com até 42 anos de idade. Grande parte desses pacientes (87%) era do sexo masculino. A maioria morava na cidade de Belo Horizonte e região metropolitana e apenas 15 pacientes (6,3%) residiam no interior de Minas Gerais. Tiveram comprometimento do lado direito 45% e o restante, no lado esquerdo. Em pouco mais da metade da amostra, o acometimento ocorreu no lado não-dominante (52,4%).

Com relação à ocupação dos trabalhadores recodificada em grandes grupos, os grupos 9 (Trabalhadores de manutenção e reparação); 5 (serviços e vendedores do comércio); e 7 e 8 (produção de bens e serviços industriais) apresentaram o maior número de acidentes de trabalho com lesão de mão (35,2%; 32,6% e 19,5% respectivamente). As características das lesões encontram-se sintetizadas na Tabela 1.

Tabela 1 Caracterização das lesões dos pacientes que sofreram acidentes de trabalho com lesão de mão atendidos no Setor de Terapia da Mão do HMAL em 2004/2005

Características das lesões (N=238) n* %

Agente causador (Total) (227) (100,0)Máquinas 129 56,8 Materiais perfurocortantes 49 21,6 Quedas/Outras causas 49 21,6

Tipo de lesão e estrutura acometida (Total) (236) (100,0)Lesões simples: (subtotal) (145) (61,4) Tendinosa 69 29,2 Óssea 54 22,9 Pele ou partes moles 19 8,1 Nervo) 2 0,8 Articulação) 1 0,4 Lesões complexas: (subtotal) (91) (38,6) Amputação de um ou mais dedos 41 17,4 Tendinosa e óssea 15 6,4 Óssea e partes moles 6 2,5 Demais combinações de estruturas acometidas 29 12,3

Segmento anatômico acometido (Total) (238) (100,0)Dedos 175 73,5 Punho/mão 44 18,5 Antebraço/braço 19 8,0

Dedos acometidos (Total) (175) (100,0)Polegar 35 20,0 Indicador 33 18,8 Anular 19 10,9 Médio 17 9,7 Mínimo 14 8,0 Dois ou mais dedos 57 32,6 * Os totais relativos a agente causador e tipo de lesão são <238 devido a falhas no

registro dos protocolos (v. acima)

Os pacientes levaram de 2 dias a 10 anos (mediana=33 dias) após o acidente para iniciarem a reabilitação e permaneceram de 1 a 717 dias (mediana=55 dias) em reabilitação.

A realização do teste qui-quadrado demonstrou associação entre a ocupação do paciente e o agente causador da lesão (p<0,001). No Gráfico 1 observa-se que as máquinas foram o principal agente causador entre os trabalhadores dos setores de manutenção/reparação, produção de bens/serviços industriais, enquanto os materiais

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perfurocortantes foram os responsáveis pelas lesões nos trabalhadores do setor de serviços e comércio.

Inserir Gráfico 1 Gráfico 1 Distribuição dos pacientes que sofreram acidente de trabalho com lesão de mão

segundo ocupação e agente causador

Foi encontrada associação entre a ocupação e a estrutura lesada (p=0,003). A Tabela 2 mostra que a maioria dos que sofreram amputação eram trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (grupo 7/8) e de manutenção/reparação (grupo 9). Nos casos de lesões de osso, tendão-nervo e outras lesões complexas, a maioria eram trabalhadores dos setores do comércio e serviços (grupo 5) ou de manutenção e/ou reparação (grupo 9).

Tabela 2 Distribuição dos pacientes que sofreram acidente de trabalho com lesão de mão segundo ocupação e estrutura lesada

Estrutura lesada Ocupação dos trabalhadores Osso Tendão/

nervo Pele/ partes

moles Amputação Outras lesões complexas Total

N % N % N % N % N % N % Serviços administrativos 5 9,1 6 8,6 1 5,3 8 19,5 2 4,1 22 9,4Vendedores do comércio 18 32,7 30 42,9 7 36,8 3 7,3 17 34,7 75 32,1Produção de bens e serviços industriais 11 20,0 5 7,1 6 31,6 16 39,0 8 16,3 46 19,7

Manutenção e reparação 18 32,7 28 40,0 4 21,1 13 31,7 20 40,8 83 35,5Outras categorias 3 5,5 1 1,4 1 5,3 1 2,4 2 4,1 8 3,4Total 55 100,0 70 100,0 19 100,0 41 100,0 49 100,0 234 100,0

p=0,003 Houve também associação entre o agente causador da lesão e a estrutura lesada

(p<0,001). Nas lesões de pele/partes moles, amputação ou outras lesões complexas, as máquinas foram o principal agente causador (Tabela 3). O principal agente causador das lesões ósseas foram as quedas e outras causas (50%), seguidas das máquinas (46,2%) e, das lesões tendinosas ou nervosas, os materiais perfurocortantes (50%).

Tabela 3 Distribuição dos pacientes que sofreram acidente de trabalho com lesão de mão segundo agente causador e estrutura lesada

Estrutura lesada

Agente causador Osso Tendão/ nervo

Pele/ partes moles Amputação Outras lesões

complexas Total

N % N % N % N % N % N % Máquinas 24 46,2 24 35,3 16 88,9 35 87,5 28 59,6 127 56,4Materiais perfurocortantes 2 3,8 34 50,0 1 5,6 2 5,0 10 21,3 49 21,8Queda/ Outras causas 26 50,0 10 14,7 1 5,6 3 7,5 9 19,1 49 21,8

Total 52 100,0 68 100,0 18 100,0 40 100,0 47 100,0 225 100,0p<0,001

A associação entre a estrutura lesada e o tempo decorrido entre a lesão e o início do tratamento no setor foi estatisticamente significativa (p=0,003). A maioria dos pacientes procura o serviço de reabilitação especializada até 60 dias após o acidente (79,6%); para os pacientes com lesão tendinosa-nervosa ou amputação, esse tempo cai para até 30 dias de lesão na maioria dos casos (Tabela 4).

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Tabela 4 Distribuição dos pacientes que sofreram acidente de trabalho com lesão de mão segundo estrutura lesada e tempo decorrido entre a lesão e o início do tratamento no setor

Tempo decorrido entre a lesão e o início do tratamento no setor

Estrutura lesada Até 30 dias Mais de 30 a 60 dias

Mais de 60 a 90 dias

Mais de 90 dias Total

N % N % N % N % N %

Osso 15 27,3 24 43,6 6 10,9 10 18,2 55 100,0Tendão/nervo 47 67,1 12 17,1 4 5,7 7 10.0 70 100,0Pele/parte moles 5 26,3 9 47,4 3 15,8 2 10,5 19 100,0Amputação 21 51,2 14 34,1 5 12,2 1 2,4 41 100,0Outras lesões complexas 20 40,0 20 40,0 5 10,0 5 10,0 50 100,0

Total 108 46,0 79 33,6 23 9,8 25 10,6 235 100,0p=0,003

O tempo decorrido entre a lesão e o início do tratamento no Setor de Terapia da Mão não pôde ser associado ao tempo de permanência na reabilitação (p=0,413). As associações entre o agente causador e o lado acometido (p=0,217) e dominância (p=0,367) também não foram significativas, tampouco a associação entre sexo e tipo de lesão (p=0,303).

Na análise univariada, realizada para uma primeira seleção das variáveis que se associavam com o tempo de tratamento (considerando p=0,25), as variáveis idade, acometimento de lado dominante, agente causador e tipo de lesão foram significativas. No entanto, ao analisar essas variáveis no modelo multivariado (análise de regressão), apenas o agente causador e o tipo de lesão mantiveram-se significativos (p=0,05). Foi necessário realizar a transformação de Box-Cox para corrigir a distribuição dos resíduos da análise, tornando a distribuição normal. Assim, após a análise do modelo, obteve-se um R2 de 0,067, ou seja, tipo de lesão e agente causador explicam apenas 6,7% da variabilidade no tempo de tratamento.

DISCUSSÃO

A importância dos acidentes de trabalho envolvendo as mãos é apontada em vários estudos devido à gravidade e alta incidência, além de causarem graves prejuízos psicológicos, econômicos e nos papéis sociais desempenhados pelos indivíduos2,7-9,14-16. Dubert et al.17, em estudo multicêntrico, encontraram uma incidência de 28% desses acidentes. Essa freqüência tem variado, mas de modo geral permanece entre 21 a 37% 8,12,14,18, concordando com os achados deste estudo (33,5% de acidentes de trabalho envolvendo as mãos).

A descrição da amostra por sexo e faixa etária confirma a maior concentração de traumas de mão em homens com até 42 anos, parcela responsável por grande parte da atividade econômica do país, trazendo sérias implicações sociais e econômicas8,9,11,12,17. Além dos custos diretos, que incluem consultas, cirurgias, hospitalizações, acompanhamento ambulatorial e reabilitação, ainda há os custos indiretos, como indenizações, benefícios e pensões por afastamento temporário ou permanente2,9. Segundo tais autores, os custos indiretos seriam responsáveis pela maior parte dos custos de um acidente de trabalho.

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Almeida et al.19 destacaram que muitas vezes o sexo masculino está mais envolvido no exercício de atividades profissionais que oferecem maior exposição ao risco de lesões traumáticas da mão. No entanto, estudos mais recentes não encontraram diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres1, explicado em parte pela tendência de aumento da participação feminina no campo produtivo, inclusive industrial 20. Dessa forma, a ocorrência desses eventos em ambos os sexos e em diferentes setores de trabalho merece atenção especial.

Neste estudo não foi encontrada associação entre o agente causador e o lado acometido nem o lado dominante. Estudos sobre trauma de mão apontam maior ocorrência de acidentes na mão direita11,12,21, com predomínio de acometimento da mão dominante9. Uma maior incidência de acidentes no lado não-dominante poderia estar relacionada ao agente causador ou à forma como os trabalhadores manipulam os instrumentos, segurando-os com a mão dominante, ficando a não-dominante mais susceptível a lesões, já que cada atividade apresenta características particulares quanto à forma de execução e aos materiais e equipamentos utilizados. Somado a isso, um fato que ocorre no Brasil é que nem sempre os equipamentos utilizados correspondem às medidas antropométricas dos brasileiros, ainda mais quando se observa que grande parte desses equipamentos são produzidos em outros países, para trabalhadores com características físicas distintas da nossa população. Em estudo recente, Fikry et al.22 analisaram traumas de mão causados por serra circular e encontraram que a mão esquerda foi atingida em 88% dos casos. Acidentes que acometem a mão dominante freqüentemente ocasionam maior dificuldade no retorno ao trabalho, devido ao maior comprometimento no desempenho das atividades ocupacionais.

Segundo Pardini et al.8, Almeida et al.19 e Santos7, os acidentes de trabalho envolvendo as mãos podem variar de acordo com o tipo da empresa ou o serviço desenvolvido. O presente estudo evidenciou associação dos agentes causais com o perfil ocupacional. Os acidentes com máquinas atingiram um pouco mais da metade da amostra estudada e foram o principal agente causador de lesão entre os trabalhadores dos serviços de reparação/manutenção e produção de bens e serviços industriais. Outros estudos também apontaram que os equipamentos mecânicos, perfurantes ou de corte foram os que mais provocaram acidentes8,9,23. Trybus et al.9 destacam ainda que as lesões mais graves foram causadas por máquinas, das quais a serra circular foi a mais prevalente. Meiners et al.24, estudando pacientes com lesões nervosas, encontraram que 78% também foram causadas por serra circular. Os acidentes com máquinas, especialmente com serras, devem ser melhor explorados, devido à sua complexidade, alta incidência e por causarem prejuízo econômico e psicológico ao acidentado, já que geralmente levam a um alto índice de incapacidade22.

A elevada prevalência de lesões ósseas e tendinosas também foi encontrada em outras investigações, apesar de não adotarem a classificação das lesões em simples ou complexas11,17. A ocorrência de lesões complexas em quase metade dos casos pode ser atribuída à proximidade das estruturas anatômicas na mão, mais susceptíveis de sofrerem lesões combinadas, e ao fato de a maioria dos acidentes ter sido provocada por máquinas.

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93

As lesões nos dedos e no nível da mão foram as mais freqüentes neste e em outros estudos7,8,11,18. Neste estudo foi observado que o polegar e o indicador foram os dedos mais atingidos. Almeida et al.19 e Batista & Figueira25 encontraram resultados semelhantes, relatando o 1o e 2o dedos como os mais afetados em acidentes de trabalho, destacando ainda que tais dedos são funcionalmente os mais importantes da mão, e por isso estariam em maior exposição durante as atividades laborais.

Os pacientes que realizam a reabilitação no Setor de Terapia da Mão do HMAL recebem alta após avaliação do terapeuta responsável pelo atendimento. Cada caso é avaliado em termos de melhora completa, parcial ou quadro estabilizado. Nesses casos geralmente observa-se a ocorrência de seqüelas físicas decorrentes do trauma de mão. Foi observado que a grande maioria dos pacientes (79,6%) levaram de 2 a 60 dias desde o acidente até o início da reabilitação. Estudando pacientes com lesões da extremidade superior relacionadas ao trabalho, Cheng et al.15 encontraram uma média de 7 dias entre a lesão e o início da reabilitação. No entanto, no trabalho de Cheng et al.15 os pacientes realizavam a reabilitação numa clínica instalada dentro da própria empresa. Também, a demora no início do tratamento de alguns pacientes do presente estudo pode ser causada por falta de encaminhamento precoce da equipe médica, ou pela demora dos pacientes em procurar o Setor de Terapia de Mão após o encaminhamento médico. A dificuldade para se encontrar vagas nos serviços públicos de saúde no Brasil não se refletiu na presente amostra, já que no período estudado não houve recusa de pacientes por falta de vagas no Setor. Além disso, alguns casos que apresentam lesões complexas e incapacitantes demandam intervenções cirúrgicas corretivas9, levando os pacientes a buscar a reabilitação somente alguns anos após decorrido o acidente. Isso reforça as graves implicações das lesões de mão relacionadas ao trabalho na vida dos trabalhadores.

Neste estudo não foi encontrada associação entre o tempo de lesão, o início do tratamento no Setor de Terapia da Mão e o tempo de permanência na reabilitação. Assim, a idéia de que o atraso na busca pela reabilitação levaria a um tratamento mais prolongado, defendida por profissionais da área, não se confirmou nesta amostra. Esses dados discordam dos encontrados por Pardini et al.8, que concluíram que os pacientes que buscaram a reabilitação mais precocemente tiveram um tempo de tratamento menor. No entanto, a alta dos pacientes do presente estudo nem sempre foi vinculada à melhora completa. Em alguns casos essa ocorre com melhora parcial, ou quando há constatação de seqüela irreversível logo no início da reabilitação. Esses fatos podem ser responsáveis por mascarar o tempo de tratamento no setor, e assim, a associação deste com as demais variáveis.

A análise multivariada evidenciou que poucas variáveis deste estudo tiveram impacto no tempo de tratamento da amostra analisada. Tipo de lesão e agente causador foram as variáveis que se mantiveram significativas explicando, entretanto, apenas 6,7% da variabilidade no tempo de reabilitação. Isso evidencia que o tempo de tratamento deve ser explicado também por outras características não analisadas neste estudo. Lai26 aponta fatores como otimismo, atitude diante da incapacidade, suporte social no trabalho, dentre outros, que poderiam contribuir para a motivação do indivíduo e conseqüentemente influenciar o tempo despendido na reabilitação de lesões de mão. Esse autor realizou um estudo qualitativo para verificar a influência da motivação na recuperação de pacientes com trauma de mão, relacionado ou não ao trabalho, e encontrou que o medo de um novo episódio foi destacado por todos os

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entrevistados. A relação com colegas, o desejo de superar a dependência de outros e a presença de suporte psicológico foram fortes motivadores para que os trabalhadores retornassem às atividades profissionais. Feuerstein et al.27 argumentam que a satisfação do paciente é preditor de desfechos clínicos devido ao seu papel na adesão ao tratamento. Em outro estudo, satisfação, envolvimento e motivação com o programa de reabilitação foram positivamente correlacionados com os desfechos de retorno ao trabalho28. O melhor esclarecimento desses fatores pode otimizar o processo de tratamento, diminuindo os custos sociais dos acidentes de mão.

CONCLUSÃO

Assim como em outros serviços, as lesões da mão relacionadas ao trabalho representam uma parcela significativa dos atendimentos realizados no Setor de Terapia da Mão do HMAL. Considerando a elevada incidência descrita na literatura sobre acidentes de trabalho envolvendo as mãos e as graves implicações dessas lesões, espera-se contribuir com os resultados deste estudo para um maior entendimento dos fatores relacionados a esses acidentes, conseqüentemente impactar o planejamento das ações de prevenção e melhorar a qualidade da atenção oferecida pelos serviços de reabilitação à população trabalhadora.

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Gráfico para visualização e conferência do diagramador

Agente causador

0

10

20

30

40

50

Setor de ocupação

Máquinas

Materiais perfurocortantes

Queda/ outras causas

Outras categorias Administrat ivo Serviços, Comércio

Produção,Indústria

Manutenção, Reparação

Máquinas

Materiais perfurocortantes

Queda/ outras causas

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Efeito da continuidade da fisioterapia respiratória até a alta hospitalar na incidência de complicações pulmonares após esofagectomia por câncer Effect of sustained respiratory care until hospital discharge on the incidence of pulmonary complications following esophagectomy for cancer

Título condensado: Fisioterapia no pós-esofagectomia Adriana Claudia Lunardi1, Juliana Mantovani Resende2, Olívia Maio Cerri2, Celso

Ricardo Fernandes de Carvalho3 1 Fisioterapeuta; Ms. do Fofito/FMUSP (Depto. de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia

Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP) 2 Fisioterapeutas 3 Fisioterapeuta; Prof. Livre-docente do Fofito/FMUSP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Adriana Claudia Lunardi Fofito/FMUSP - Secretaria da Fisioterapia Rua Cipotânea 51 Cidade Universitária. 05360-000 São Paulo SP e-mail: [email protected]

RESUMO: O presente estudo avaliou os efeitos na incidência de complicações pulmonares do cuidado contínuo de fisioterapia respiratória no pós-operatório de esofagectomia, até a alta hospitalar. Examinaram-se retrospectivamente 40 prontuários de pacientes de esofagectomia consecutivos (nenhuma exclusão), que foram divididos em dois grupos: um dos que receberam fisioterapia respiratória apenas na unidade de tratamento intensivo (gUTI, n=20) e outro dos que a receberam até a alta hospitalar (gALTA, n=20). Foram coletadas informações referentes ao pré, intra e pós-operatório. Os resultados mostram que gUTI e gALTA, respectivamente, apresentaram-se similares (média±dp) quanto a idade (55,5±9,9 e 57,1±10,8 anos), IMC (22,5±3,3 e 18±4 kg/m2), tempo de cirurgia (400±103,8 e 408,5±142 min), tempo de anestesia (498,3±107,3 e 516±148,9 min) e número de atendimentos de fisioterapia na UTI (9,6±14,9 e 8,3±7,6). Apesar de o gALTA apresentar história de tabagismo superior (35,7±17,6 vs 26,1±18,4 maços-ano, p<0,05), houve menos 20% de complicações respiratórias após esofagectomia nesse grupo quando comparado ao gUTI (10% vs 30%, p<0,05): incidência 75% menor de derrame pleural e 50% menos broncopneumonia. Além disso, o gALTA teve permanência menor de dreno pleural no hemitórax direito (menos 4,5 dias, p<0,05). Estes achados sugerem que os cuidados de fisioterapia respiratória até a alta hospitalar podem reduzir a incidência de complicações pulmonares após esofagectomia por câncer. Descritores: Cuidados pós-operatórios; Esofagectomia/complicações;

Esofagectomia/reabilitação; Fisioterapia (respiratória) ABSTRACT: This study assessed the effects of chest physical therapy all through hospital stay until discharge onto the incidence of pulmonary complications in patients having undergone esophagectomy for cancer. Medical records of esophagectomy patients were examined and 40 subsequent ones selected (none excluded), and divided into two groups: one having received chest physiotherapy only in the intensive care unit (ICUg, n=20) and the other having received it during full hospital stay (DISg, n=20). Information concerning pre-, peri- and postoperative periods were drawn from patients’ records. Results show that ICUg and DISg were similar (mean±sd) concerning age (55.5±9.9 vs 57.1±10.8 years old), BMI (22.5±3.3 vs 18±4 kg/m2), operating time (400±103.8 vs 408.5±142 min), anesthesia time (498.3±107.3 vs 516±148.9 min) and number of chest physical therapy sessions in the ICU (9.6±14.9 vs 8.3±7.6 sessions). Despite the fact that DISg patients had higher tobacco consumption than ICUg ones (35.7±17.6 vs 26.1±18.4 packs-year, p<0.05), there were 20% less pulmonary complications in this group when compared to the ICU group (10% vs 30%, p<0.05): lesser incidence (75%) of pleural effusion and 50% less of bronchopneumonia. DISg also had undergone a shorter time (less 4.5 days) with pleural drain on (p<0.05). These findings suggest chest physical therapy care all along hospital stay until discharge may reduce pulmonary complications after esophagectomy for cancer. Key words: Esophagectomy/complications; Esophagectomy/rehabilitation; Physical therapy

(respiratory); Postoperative care

APRESENTAÇÃO jun. 2007

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO fev. 2008

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INTRODUÇÃO

As cirurgias no compartimento abdominal superior e as torácicas apresentam a maior incidência de morbidade e mortalidade de causa respiratória1,2, sendo que a taxa de complicações pulmonares no pós-operatório varia entre 20% e 69%3. Dentre as cirurgias, a esofagectomia é o tipo abdominal que mais comumente cursa com complicações respiratórias, especialmente quando realizada com acesso torácico, superando as taxas observadas nas ressecções pulmonares4-6. Essa elevada ocorrência deve-se principalmente a broncoaspiração, complicações cardíacas, infecções, pneumonias, insuficiência renal ou respiratória e sepse7.

A alta incidência de complicações pulmonares após esofagectomias tem sido apontada há décadas e diversas técnicas intra- e pós-operatórias de caráter profilático têm sido utilizadas com o objetivo de reduzir a morbidade dessa cirurgia4,8. A grande maioria dos estudos indica uma prevalência de 20 a 35% de complicações gerais em pacientes submetidos à ressecção do esôfago3-5,8-10. Entretanto, há relatos de que a prevalência de acometimentos respiratórios supere os 30%, independentemente dos critérios adotados para determinar o que seja considerado complicação, podendo causar óbito em até 55% dos casos2,11.

A eficácia da fisioterapia respiratória durante o período pós-operatório em pacientes submetidos a cirurgias abdominais altas inclui a reversão de atelectasias e a melhora na saturação de oxigênio12-16. Além disso, se realizada de maneira profilática, a fisioterapia respiratória também parece reduzir a incidência de pneumonia em pacientes de alto risco submetidos a cirurgias abdominais altas17. Vários estudos avaliam o efeito da fisioterapia respiratória em pacientes submetidos a cirurgias abdominais, mas esses estudos não discriminam as cirurgias segundo o porte18,19, e não há como comparar as complicações pós-operatórias de uma colecistectomia ou de uma correção de hérnia inguinal com aquelas verificadas na esofagectomia, que é a cirurgia com maior morbimortalidade respiratória4,13. Numa análise detalhada das revisões sistemáticas sobre a efetividade da fisioterapia nas complicações pós-operatórias abdominais altas, os autores17 constataram que não foi analisado um único caso de esofagectomia, portanto não se conhecem estudos que avaliaram os efeitos da fisioterapia respiratória nas complicações dessa cirurgia.

O objetivo do presente estudo foi pois o de avaliar os efeitos, sobre a incidência de complicações pulmonares, do cuidado contínuo de fisioterapia respiratória após o período crítico até a alta hospitalar, de pacientes submetidos à esofagectomia por câncer de esôfago.

METODOLOGIA

Foram estudados retrospectivamente 40 pacientes consecutivos (nenhuma exclusão) submetidos à esofagectomia por câncer de esôfago num hospital universitário entre abril de 1999 e abril de 2004. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital (protocolo n. 179/05).

Os sujeitos foram divididos em dois grupos (n=20): pacientes submetidos à esofagectomia entre junho de 1999 e junho de 2001, que receberam fisioterapia respiratória somente na unidade de terapia intensiva (gUTI); e pacientes submetidos à

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esofagectomia entre julho de 2001 (quando passou a ser oferecido o atendimento de fisioterapia na enfermaria cirúrgica) e abril de 2004, que receberam cuidados de fisioterapia respiratória no período pós-operatório na enfermaria, até a alta hospitalar (gALTA). Todos os casos analisados receberam cuidados de fisioterapia respiratória após a cirurgia na unidade de terapia intensiva (UTI). As informações referentes aos períodos pré e intra-operatórios e as complicações pós-cirúrgicas foram obtidas do prontuário dos pacientes.

Dados pré-operatórios: foram coletadas informações no prontuário dos pacientes referentes a idade, sexo, peso, altura, índice de massa corpórea (IMC, calculado pelo produto do peso, em quilogramas, dividido pela altura em metros ao quadrado), dados clínicos, diagnóstico, hábitos e vícios (tabagismo e etilismo).

Dados dos procedimentos cirúrgicos: foram coletadas informações sobre tipo e duração das cirurgias e dos procedimentos anestésicos.

Dados pós-operatórios: as informações referentes à evolução clínica observada no período entre a cirurgia e a alta hospitalar incluíram os seguintes eventos considerados como complicações pulmonares pós-operatórias (CPO): (1) atelectasia – confirmada pela imagem radiográfica de redução do volume pulmonar

associada à opacificação num lobo pulmonar, podendo estar relacionada à queda da pressão parcial de O2 no sangue arterial ou saturação periférica de oxigênio16;

(2) pneumonia – definida como presença de um infiltrado radiográfico com adição de pelo menos dois dos seguintes eventos: temperatura corpórea superior a 37,7°C, contagem de células brancas sangüíneas acima de 10.500/µL e/ou demonstração de organismos patogênicos;

(3) derrame pleural – identificado na radiografia de tórax pela presença de velamento de seio costofrênico, podendo conter imagem de menisco quando houvesse acúmulo de líquido no espaço pleural20.

Fisioterapia respiratória: todos os pacientes (do gUTI e do gALTA) receberam cuidados respiratórios na UTI, porém apenas os pacientes do gALTA continuaram a receber atendimento de fisioterapia respiratória durante sua estadia na unidade de internação após a cirurgia. O atendimento de fisioterapia respiratória na enfermaria não foi protocolado, mas orientado pelo mesmo profissional fisioterapeuta durante todo o período avaliado e foi aplicado com base nas condições clínicas dos pacientes visando: (i) reduzir ou prevenir o acúmulo de secreção brônquica (através de estímulo de tosse e manobras para higiene brônquica); (ii) melhorar a ventilação pulmonar (por meio de exercícios de respiração profunda e uso de inspirômetros de incentivo); e (iii) estimular o paciente a deambular o mais precocemente possível após a cirurgia. A duração do atendimento de fisioterapia foi, em média, de 20 minutos e nenhum paciente foi submetido a exercícios com pressão positiva.

Análise estatística: para a análise dos dados, foram considerados os seguintes parâmteros: sensibilidade (power) de 80%; e nível de significância de 5% (p<0,05). O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para analisar os dados de distribuição normal. Os dados de distribuição não-paramétrica foram comparados pelo teste de Mann Whitney (rank sum). O teste qui-quadrado foi usado para comparar percentuais entre os grupos. O nível de significância foi ajustado em 5% (p<0,05).

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RESULTADOS Os pacientes do gUTI e gALTA apresentaram características antropométricas

similares com relação à idade, sexo e IMC (Tabela 1). Antecedentes etílicos dos grupos gUTI e gALTA também foram semelhantes, mas o gUTI apresentava uma história de tabagismo mais importante do que o gUTI (Tabela 1). O gUTI também apresentava maior número de pacientes idosos (maiores de 65 anos) quando comparado ao gALTA (respectivamente, 25% vs 15%), apesar de na média não haver diferença estatística.

Tabela 1 Características pré-operatórias (média±dp) dos pacientes com câncer de esôfago, submetidos à esofagectomia

Dados antropométricos gUTI (n= 20) gALTA (n= 20) p Idade (anos) 55,5±9,9 57,1±10,8 0,32 IMC (Kg/m2) 22,5±3,3 18,0±4,0 0,26 Sexo (F/M) (%) 30/70 25/75 1,00

Hábitos e vícios Tabagismo (maços-ano) 26,1±18,4 35,7±7,6 <0,05 Etilismo (%) 72 90

gUTI = grupo com fisioterapia respiratória apenas durante a permanência na unidade de terapia intensiva; gALTA = grupo com fisioterapia respiratória até a alta hospitalar; IMC = índice de massa corpórea; F = feminino; M = masculino; 1 maço-ano = consumo diário de 1 maço durante 1 ano

Os procedimentos cirúrgicos realizados foram de dois tipos: esofagectomia trans-hiatal (com laparotomia xifo-umbilical e cervicotomia à esquerda), ou esofagectomia com acesso torácico, que incluía a toracotomia (acesso convencional) ou toracoscopia (acesso vídeo-assistido) à direita. Não houve diferença quanto ao tipo de procedimento cirúrgico entre os grupos gUTI e gALTA, sendo que a maioria dos pacientes foi submetida à esofagectomia trans-hiatal e o restante foi submetido à esofagectomia com acesso torácico (metade com toracotomia e a outra metade por vídeo-toracoscopia, Tabela 2). O tempo de duração da cirurgia, duração de anestesia, dias de permanência em UTI e dias de assistência de ventilação mecânica após a cirurgia foram similares entre o gUTI e o gALTA (Tabela 2).

Tabela 2 Dados (média±dp ou %) intra e pós-operatório dos pacientes com câncer de esôfago submetidos à esofagectomia

gUTI (n=20) gALTA (n=20) p Procedimento cirúrgico

Trans-hiatal (%)

65,0

60,0

1,00 Toracotomia (%) 15,0 20,0 1,00 Toracoscopia (%) 20,0 20,0 1,00

Variáveis cirúrgicas Tempo de cirurgia (minutos) 400,0±103,8 408,5±142,0 0,42 Tempo de anestesia (minutos) 498,3±107,3 516,0±148,9 0,33 Tempo VM (dias) 1,9±3,3 1,7±1,4 0,42 Tempo UTI (dias) 8,6±12,7 4,1±2,7 0,07

Fatores pós-operatórios Atendimentos de fisioterapia na UTI 9,6±14,9 8,3±7,6 0,45 Tempo de dreno no HTD (dias) 12,57±3,41 7,94±1,7 0,001 Tempo de dreno no HTE (dias) 10,36±4,6 8,38±4,1 0,08 Hospitalização (dias) 15,85±7,6 14,65±12,7 0,28

gUTI = grupo com fisioterapia respiratória apenas durante a permanência na unidade de terapia intensiva; gALTA = grupo com fisioterapia respiratória até a alta hospitalar; VM = ventilação mecânica; HTD = hemitórax direito; HTE = hemitórax esquerdo

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Foi aplicada fisioterapia respiratória em todos os pacientes durante sua permanência na UTI, sem diferença estatística entre os grupos no número de atendimentos nesse período (Tabela 2). Os pacientes do gALTA receberam, em média, 12,3 atendimentos na enfermaria no período médio de 15,2 dias de internação hospitalar. No total, os pacientes do gUTI receberam em média 9,6 atendimentos, enquanto os pacientes assistidos pela equipe de fisioterapia até a alta hospitalar receberam 20,7 sessões.

Além disso, o gALTA permaneceu com o dreno pleural no hemitórax direito, em média, 4,5 dias a menos que o gUTI (p<0,05). Por outro lado, não foi observada diferença entre os dois grupos no tempo de permanência do dreno pleural do lado esquerdo do tórax (diferença de apenas 2 dias) e no tempo de internação no hospital, tendo o grupo que recebeu fisioterapia respiratória na enfermaria permanecido em média apenas 1 dia a menos (Tabela 2).

Os pacientes do gALTA apresentaram uma incidência três vezes menor de complicações pulmonares quando comparados ao do gUTI (p<0,05, Figura 1). A menor incidência de CPO nos pacientes que receberam fisioterapia respiratória até a alta explica-se pela ocorrência de quatro vezes menos derrame pleural do que no gUTI (4 de 20 pacientes no gUTI vs 1 de 20 pacientes no gALTA, p<0,05) e de metade da incidência de broncopneumonia (2 de 20 pacientes do gUTI vs 1 de 20 pacientes do gALTA, p<0,05).

Inserir Figura 1 Figura 1 Percentual de complicações pulmonares pós-operatórias nos dois grupos de pacientes

com câncer de esôfago submetidos à esofagectomia: gUTI = grupo com fisioterapia respiratória apenas durante a permanência na unidade de terapia intensiva; gALTA = grupo com fisioterapia respiratória até a alta hospitalar; Complicações respiratórias = total de afecções avaliadas; * p<0,05 comparado ao grupo controle.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Complicações pós-operatórias (CPO) como broncopneumonia e insuficiência respiratória estão entre as mais freqüentes após a esofagectomia, excedendo mesmo a incidência de morbidade respiratória encontrada nas ressecções pulmonares4,21,22. As CPO prolongam a estadia hospitalar, aumentam os custos do tratamento e, por fim, a mortalidade cirúrgica4,23. A taxa de incidência dessas complicações encontradas no presente estudo variou de 5 a 30%, sendo menor do que as taxas descritas na literatura, que variam entre 17 e 88%12,23-25. Alguns estudos sugerem que certos fatores predispõem à incidência de complicações pós-cirúrgicas, tais como idade superior a 65 anos, função pulmonar deteriorada, presença de malignidade, sítio cirúrgico, desnutrição e desempenho físico e psicossocial4,11,14,17,26,27. Analisando alguns desses fatores no presente estudo, verificou-se que, apesar de não haver diferença estatística entre os grupos, o gALTA apresentou maior número de idosos e de pacientes com história tabágica do que o gUTI e, mesmo assim, apresentou significante menor incidência de CPO.

Os benefícios da fisioterapia respiratória obtidos pelos pacientes submetidos a cirurgias abdominais altas têm sido objeto de muitos estudos. Até o momento, porém, a grande maioria dos estudos avaliou os benefícios obtidos pelo atendimento da fisioterapia respiratória profilática28, ou comparou, no período pós-operatório, a efetividade de diferentes técnicas fisioterapêuticas, como o inspirômetro de incentivo, os exercícios com pressão positiva, a respiração profunda e a deambulação precoce – com efeito equivalente, excluindo-se pacientes de alto risco19,29.

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Os resultados aqui observados apresentam evidências de que os benefícios da fisioterapia respiratória no período pós-crítico parecem ocorrer independentemente do critério de seleção para inclusão dos pacientes, já que não houve qualquer seleção de gravidade dos pacientes analisados (todos os prontuários foram estudados consecutivamente, sem exclusão). Além disso, os cuidados fisioterapêuticos foram iniciados já no período pós-operatório crítico em ambos os grupos, sem diferença estatística no tempo de permanência e no número de sessões de fisioterapia respiratória recebidas pelos pacientes na UTI, o que denota homogeneidade entre os grupos analisados. Portanto, os resultados benéficos no gALTA devem decorrer diretamente do prolongamento da fisioterapia respiratória até a alta hospitalar.

Quanto ao tempo de hospitalização, o hospital onde este estudo foi realizado é considerado referência para cirurgia abdominal, recebendo pacientes com um elevado número de co-morbidades, o que pode explicar o prolongado período no hospital.

De maneira geral, a continuidade do cuidado respiratório nesses pacientes cirúrgicos visou a manutenção das vias respiratórias livres de secreção, a redução da incidência de atelectasias e a melhora na ventilação pulmonar30. No presente estudo, os benefícios foram observados, apesar de os pacientes receberem, em média, menos de uma sessão de fisioterapia respiratória por dia.

O uso do dreno torácico é freqüente no pós-operatório de esofagectomias nos casos de acesso torácico, a fim de drenar o líquido acumulado no espaço pleural20. Apesar de sua importância no pós-operatório, os drenos limitam a mobilidade dos pacientes e causam dor em alguns, reduzindo a eficiência da tosse e podendo levar à hipoventilação, causar atelectasias e infecção pulmonar31. A fisioterapia respiratória, por meio das técnicas de reexpansão pulmonar e de deambulação precoce, objetiva reduzir ou prevenir o acúmulo de secreção e melhorar a ventilação pulmonar, facilitando a drenagem do líquido do espaço pleural, diminuindo assim o desconforto do paciente e as taxas de infecção. Os resultados deste estudo permitem sugerir que a fisioterapia respiratória na enfermaria pôde estimular a saída de liquido do espaço pleural pelo dreno torácico, auxiliando a equipe médica na antecipação da obtenção dos critérios de sua retirada (débito seroso menor de 100 ml em 24 horas), já que houve remoção mais precoce do dreno no gALTA23. Além disso, os pacientes desse grupo apresentaram menor incidência de broncopneumonia e derrame pleural, porém sem redução no tempo de hospitalização.

Este estudo foi realizado de forma retrospectiva e os prontuários dos pacientes analisados consecutivamente, reforçando a importância dos resultados, já que não houve critérios de exclusão. Alguns fatores podem ser limitantes na análise destes resultados, visto que os prontuários podem subestimar informações da rotina clínica, omitindo-se anotações pela ausência de padronização em seu preenchimento. Por outro lado, o grupo que recebeu fisioterapia respiratória na enfermaria foi atendido cronologicamente após o grupo que não recebeu esse tratamento; assim, a utilização de modalidades cirúrgicas ou anestésicas mais recentes ou mesmo a maior experiência dos cirurgiões poderia ter interferido, pelo menos parcialmente, nas diferenças observadas entre os grupos. No entanto, isso não parece ter ocorrido porque o tempo cirúrgico, as abordagens cirúrgicas, a duração do efeito anestésico e o tempo que os pacientes permaneceram na UTI no pós-operatório foram similares entres os dois grupos. Além disso, não houve diferença significativa entre os grupos no tempo de permanência e no número de

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sessões de fisioterapia recebidas pelos pacientes na UTI.

Dessa forma, acredita-se que houve homogeneidade entre os grupos analisados, sem influência da intervenção recebida na UTI. De qualquer maneira, entende-se que a realização de estudos prospectivos aleatorizados seja essencial para corroborar os resultados aqui obtidos ou expandi-los, incluindo variáveis como a quantificação da dor, da mortalidade e da função pulmonar.

Com base nos resultados obtidos, conclui-se que a continuidade dos procedimentos de fisioterapia respiratória após o período crítico até a alta hospitalar parece ter papel fundamental na diminuição da incidência de complicações pulmonares pós-operatórias em pacientes submetidos à esofagectomia por câncer.

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Gráfico apenas para visualizacao e conferência do diagramador

0%

10%

20%

30%

Derrame pleural Broncopneumonia Complicaçõesrespiratórias

Figura 1 Percentual de complicações pulmonares pós-operatórias nos dois grupos ...

gUTI

gALTA

**

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Atividade eletromiográfica dos músculos do joelho em indivíduos com reconstrução do ligamento cruzado anterior sob diferentes estímulos sensório-motores: relato de casos Electromyographic activity of knee muscles in individuals with anterior cruciate ligament reconstruction under different perturbations: case report

Titulo condensado: Eletromiografia na reconstrução do LCA Jefferson Rosa Cardoso1, Artur Inacio Prado2, Henrique Kiyoshi Iriya2, Ana Beatriz de

Almeida Noronha Santos3, Hugo Maxwell Pereira4 1 Fisioterapeuta; Prof. Dr. do Laboratório de Eletromiografia e Análise Cinemática do Depto.

de Fisioterapia da UEL (Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR) 2 Fisioterapeuta; Especialista em Recursos Terapêuticos e Técnicas Posturais na UEL 3 Graduanda em Fisioterapia (Bolsista de Iniciação Científica - CNPQ) na UEL 4 Fisioterapeuta; mestrando em Educação Física no Programa Associado Universidade

Estadual de Maringá-UEL ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Jefferson R. Cardoso Av. Robert Kock 60 86038-440 Londrina PR e-mail: [email protected]

Artigo apresentado à UEL para obtenção do título de Especialista em Recursos Terapêuticos e Técnicas Posturais dos autores 2 e 3

RESUMO: O objetivo deste foi descrever a atividade eletromiográfica dos músculos estabilizadores do joelho de indivíduos que receberam diferentes enxertos na cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA). Foram avaliados dois casos de enxerto patelar, dois de enxerto posterior e dois controle, durante seis estímulos proprioceptivos ao indivíduo em apoio unipodal (em solo, prancha inclinada, prancha redonda, balancinho e rollerboard em sentido ântero-posterior, AP, e médio-lateral, ML). O sinal eletromiográfico normalizado foi captado durante contração isométrica voluntária máxima (CIVM) de cada músculo (vasto medial oblíquo, vasto lateral, semitendinoso, bíceps femoral e gastrocnêmio). Ao comparar os músculos vasto medial oblíquo e vasto lateral entre os casos, foi encontrada porcentagem da CIVM maior na amostra com enxerto patelar durante os estímulos solo, prancha inclinada e rollerboard AP, enquanto nos casos de enxerto posterior isso ocorreu sob os estímulos de balancinho e prancha redonda. Ao analisar somente os músculos flexores, os sujeitos com enxerto posterior apresentaram maior atividade sob os estímulos de balancinho e rollerboard ML. Conclui-se que os casos com enxerto patelar ativam mais sua musculatura que aqueles com enxerto posterior; e a quantidade de ativação muscular parece variar para cada estímulo sensório-motor, conforme o tipo de enxerto usado. Estes achados podem orientar a reabilitação de indivíduos submetidos à cirurgia de reconstrução do LCA. Descritores: Eletromiografia; Estudo de caso; Ligamento cruzado anterior; Propriocepção ABSTRACT: The aim of this case study was to describe electromyographic (EMG) activity of the knee stabilizing muscles in subjects having received different autografts in anterior cruciate ligament (ACL) surgical reconstruction: two subjects with anterior bone-tendon-bone graft, two with hamstring graft and two controls. Normalised EMG signal was collected during maximum voluntary isometric contraction (MVIC) of each muscle (vastus medialis obliques, vastus lateralis, semitendinosus, biceps femoris and gastrocnemius) and then under six perturbation stimuli at one-leg stance: on the ground, inclined and round board, balance board, anterior-posterior (AP) and medium-lateral (ML) roller-board. When comparing only extensor muscles between cases, a higher percent of MVIC was found in vastus medialis obliques and vastus lateralis in the anterior graft group (during one-leg stance, inclined board, and AP roller-board), whereas in hamstring graft cases this occurred on the round and balance boards. The analysis of flexor muscles showed greater activity on balance board and ML roller-board in subjects with hamstring graft. The amount of muscle activation thus may vary according to the stimulus. It may be said that muscles are most activated in subjects with anterior graft. These findings may guide rehabilitation of patients submitted to ACL reconstruction. Keywords: Anterior cruciate ligament; Case studies; Electromyography; Proprioception

APRESENTAÇÃO ago. 2006

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO dez. 2007

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INTRODUÇÃO O ligamento cruzado anterior (LCA) é o principal responsável pela estabilidade

ântero-posterior do joelho, junto com o ligamento cruzado posterior; 50% das lesões na articulação do joelho recaem sobre o LCA1,2. As lesões ocorrem principalmente em atividades esportivas, por submeterem o ligamento a grandes tensões3.

As lesões no LCA são reparadas por cirurgia em que se procede a um enxerto para formar um neo-ligamento. A literatura aponta divergências na escolha do enxerto ideal3-5. Entre as possibilidades de enxertos autólogos, duas técnicas são mais usadas: terço médio do tendão patelar e tendão do músculo semitendinoso associado ou não ao tendão do músculo grácil6. Em uma meta-análise ficou demonstrado que as duas técnicas não apresentaram diferença estatisticamente significante quanto à estabilidade, porém sua escolha deve ser individualizada7. Tem havido aumento do uso dos tendões flexores8; um estudo nacional precursor nesse campo foi desenvolvido por Gomes e Marczyk em 19819. A técnica de uso dos tendões flexores somente conquistou reconhecimento após o desenvolvimento de melhores placas para fixação do enxerto10.

A fisioterapia após a reconstrução cirúrgica do LCA tem objetivo inicial de controle do processo infamatório e alívio da dor, além do ganho do arco de movimento. Na fase final da fisioterapia dá-se ênfase ao recrutamento muscular, além do estímulo sensório-motor11,12. É importante lembrar que, mesmo ao final do tratamento, permanece com certa freqüência um deficit proprioceptivo13. Esse deficit é devido ao LCA não apresentar apenas função biomecânica, mas também uma função sensorial proveniente dos mecanorreceptores aí presentes14.

Os mecanorreceptores do LCA têm o papel de proteção; sua excitação pode iniciar um arco reflexo que leva à contração muscular. Dessa forma a instabilidade após uma lesão do LCA não é causada somente pela estabilidade mecânica perdida: há também instabilidade funcional, devido ao menor número de mecanorreceptores14,15.

Alguns estudos já demonstraram o comportamento dos estabilizadores do joelho em indivíduos com lesão do LCA durante estímulos sensório-motores em cadeia cinética fechada16,17; contudo, a influência do tipo de enxerto usado na reconstrução quando se aplicam os estímulos sensório-motores ainda é motivo de discussão. O objetivo deste estudo foi descrever o comportamento dos músculos estabilizadores do joelho em indivíduos sem lesão e indivíduos que usaram diferentes enxertos para reconstrução do LCA enquanto realizavam exercícios de estímulo sensório-motor.

METODOLOGIA Este é um estudo de casos, que foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética

em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (CEP 038/04); todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Participantes Foram selecionados seis participantes do sexo masculino (quatro com reconstrução

do LCA e dois sem lesão) que realizavam atividade física moderada entre duas e três vezes por semana e apresentavam tempo de lesão até o teste entre 12 e 18 meses. Os casos que haviam se submetido a cirurgia para reconstrução do LCA tinham os seguintes critérios de inclusão: cirurgia realizada há pelo menos 12 meses, tempo de reabilitação entre 6 e 8 meses, ter realizado treinamento com estímulos sensório-

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motores durante o período de tratamento e recuperado amplitude de movimento normal (flexão e extensão do joelho). Os indivíduos seriam excluídos se apresentassem dor no joelho ao movimento ou repouso, derrame articular ou edema.

Nesses casos com reconstrução do LCA, dois participantes haviam recebido na cirurgia enxerto posterior com tendões quádruplos de semitendinoso e grácil (idades 24 e 33 anos; massa, 82,8 kg e 94,8 kg; estatura, 1,82 m e 1,84 m); e em fora feito enxerto anterior com o terço central do tendão patelar (idades 20 e 30 anos; massa, 72 kg e 94,3 kg; estatura, 1,67 m e 1,67 m). Os outros dois participantes foram indivíduos sem lesão (idades 27 e 35 anos; massa, 81,5 e 77,4 kg; estatura, 1,86 m e 1,87 m). Esses participantes tinham características morfológicas parecidas com os que haviam sido operados, porém sem história de lesão no joelho ou em membro inferior.

Instrumentação Para caracterizar as condições dos participantes quanto ao desempenho físico foi

usado o Single Leg Hop Test18 (SLH-Test) e, para avaliar a funcionalidade subjetiva do joelho, o questionário de Lysholm19. No SLH-Test, o indivíduo é solicitado a fazer, com cada membro inferior, três tentativas de um único salto à frente em apoio unipodal, calculando-se a razão entre as distâncias saltadas com cada perna. Essa caracterização do desempenho físico foi realizada apenas nos indivíduos que haviam se submetido à reconstrução do LCA, já que indivíduos da amostra controle não apresentariam alteração nesses testes.

Para obtenção dos sinais elétricos foi utilizado um eletromiógrafo de superfície com 16 canais (EMG System do Brasil) composto por um conversor analógico-digital de 12 bits, freqüência de corte com banda de 20 a 450 Hz, ganho de amplificação total 2000x, sendo 20x no eletrodo ativo e 100x no segundo estágio de amplificação. Cada canal é acoplado a dois eletrodos ativos e um de referência. Os eletrodos foram conectados a um pré-amplificador de alta impedância (1.0 x 1012 Ohm), pré-amplificação de 20x, com razão de rejeição do modo comum de 120 dB. Os sinais foram coletados com freqüência de amostragem de 2.000 amostras por segundo por canal, e analisados em um programa computacional de aquisição de dados (AqDados® 5.0).

Procedimentos Eletrodos de superfície circulares (Ag/AgCl), com 10 mm de diâmetro (Meditrace®),

foram colocados em pares (distância entre eletrodos de 2 cm) no membro inferior sobre os músculos vasto medial oblíquo (VMO), vasto lateral (VL), semitendinoso (ST), bíceps femoral (BF) e gastrocnêmio – porção média (GAS), segundo as recomendações do Seniam (Surface EMG for a non-invasive assessment of muscles20). Realizou-se tricotomia e a limpeza do local com algodão e álcool 70% antes da colocação dos eletrodos. A impedância intereletrodos foi menor que 10 kΩ. O eletrodo de referência foi colocado no punho contra-lateral. Foram captados os sinais elétricos do membro inferior que havia sido operado ou no membro inferior dominante, nos casos controle. Todos os indivíduos eram destros ou receberam cirurgia no membro inferior dominante.

Coletaram-se em seguida os sinais elétricos durante contrações isométricas voluntárias máximas (CIVM). Para a coleta da CIVM dos músculos extensores do joelho (vasto medial oblíquo e vasto lateral) foi utilizada uma mesa extensora com o paciente sentado, quadril a 60º de flexão e o joelho em flexão de 30º. Para os músculos flexores (semitendinoso e bíceps femoral) o paciente se posicionava de pé em uma mesa flexora com as mãos apoiadas e anteparo na região anterior da coxa; nessa postura uma resistência no sentido súpero-inferior era aplicada sobre o terço

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distal posterior da perna com 90º de flexão de joelho. Para o gastrocnêmio, a CIVM foi realizada com o paciente em pé sob uma barra transversal fixa; o voluntário fazia força, com os joelhos em extensão, no sentido de elevar a barra com os ombros.

Após a coleta das CIVM, foram captados os sinais elétricos durante os exercícios de estímulos sensório-motores. A ordem dos estímulos foi aleatória, evitando fadiga no último aparelho. Foi permitido aos participantes realizar um leve treinamento nos exercícios. Após isso, houve um minuto de captação do sinal pelo eletromiógrafo. Foram descartados os dez primeiros e os dez últimos segundos. Foram feitos seis exercícios: 1 - apoio unipodal em solo (superfície plana); 2 - apoio unipodal sobre uma prancha inclinada (base retangular de madeira com 100 cm de comprimento por 50 cm de largura, duas estruturas semi-ovais com 50 cm de comprimento, 3 cm de largura e 6 cm de raio posicionadas na base em cada extremidade do equipamento); 3 - apoio unipodal sobre uma prancha redonda (base de madeira, com 50 cm de diâmetro e uma semi-esfera fixada na face inferior com 13 cm de diâmetro e 6,5 cm de raio); 4 - apoio unipodal sobre um balancinho(estrutura de alumínio, com base de sustentação de 54 cm de comprimento por 42 cm de largura e, nas extremidades, quatro barras com 40 cm de altura ligadas à base sustentação; quatro correntes com 32 cm de comprimento, fixadas nessas barras, sustentam uma base suspensa de apoio para o pé – 10 cm de altura, 31 cm de comprimento e 15 cm de largura); 5 e 6 - apoio unipodal sobre um rollerboard (base quadrada de madeira com 42 cm de lado, altura de 10 cm e quatro rodas fixadas nos cantos inferiores); esse equipamento foi utilizado no deslocamento ântero-posterior e médio-lateral. Em cada um desses estímulos o indivíduo não usou apoio para as mãos ou para o membro inferior contralateral. O joelho do membro inferior de apoio foi posicionado a 30º de flexão para evitar a trava articular de extensão e o individuo era estimulado verbalmente a manter essa posição (em isometria), bem como seu centro de gravidade, numa posição o mais estável possível. Para a manutenção dos 30º de flexão do joelho, um dos avaliadores mantinha um goniômetro próximo à articulação testada, dando ao sujeito feedback sobre seu posicionamento.

Análise do sinal Os sinais eletromiográficos foram retificados e filtrados pelo programa

AcqKnowledge 3.7.1 (Biopac System Inc.). O método usado para a análise quantitativa da amplitude do potencial elétrico foi o da raiz quadrada da média (RMS – root mean square), expresso em microvolts (µV). O valor da CIVM foi usado para normalizar os sinais obtidos durante os estímulos sensório-motores.

Análise dos dados As variáveis funcionais são apresentadas de forma descritiva. As variáveis

eletromiográficas (% CIVM) são apresentadas com média e desvio padrão, em forma de tabela e não foram comparadas entre si por se tratar de um relato de casos.

RESULTADOS O primeiro participante com reconstrução do enxerto posterior apresentou

resultado do SLH-Test de 93% no membro operado em relação ao membro contralateral e 89 pontos na escala de Lysholm. O segundo participante com enxerto posterior obteve 99% no SLH-Test e 95 pontos na escala de Lysholm.

O primeiro participante com reconstrução usando enxerto patelar apresentou 90% em relação ao membro contralateral no SLH-Test e 85 pontos na escala de

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Lysholm. Já o segundo participante com esse enxerto obteve 103% em relação ao membro contralateral no do SLH-Test de e 76 pontos no Lysholm. Os resultados das respostas de cada músculo aos diferentes estímulos são apresentados nas Tabelas 1 a 5.

A maior atividade elétrica do músculo VMO foi apresentada nos exercícios de solo, prancha inclinada e rollerboard AP nos casos de reconstrução do LCA com enxerto patelar. Nesse músculo, os casos controle apresentaram menor atividade em todos os estímulos, conforme Tabela 1. No músculo VL a maior atividade elétrica é encontrada no solo, prancha inclinada, balancinho e rollerboard AP, nos casos de reconstrução do LCA com enxerto patelar, conforme Tabela 2.

Tabela 1 Porcentagem da CIVM do músculo vasto medial oblíquo sob diferentes estímulos sensório-motores

Sujeito Solo Pr. inclinada Pr. redonda Balancinho Rollerboard AP Rollerboard ML

Controle 1 42,6 53,6 73,2 59,3 36,7 54,0

Controle 2 47,2 61,4 61,6 70,5 46,1 68,2

Enx Post 1 70,2 73,0 92,2 90,2 72,2 78,6

Enx Post 2 72,0 82,0 99,4 90,4 80,4 87,2

Enx Ant 1 100,7 92,2 78,0 77,0 90,2 63,2

Enx Ant 2 97,1 103,0 94,0 97,0 103,2 73,4

Pr. = prancha; AP = ântero-posterior; ML = médio-lateral, Enx = Enxerto, Ant = Anterior, Post = Posterior

Tabela 2 Porcentagem da CIVM do músculo vasto lateral sob diferentes estímulos sensório-motores

Sujeito Solo Pr. inclinada Pr. redonda Balancinho Rollerboard AP Rollerboard ML

Controle 1 48,0 64,0 79,4 87,2 57,0 67,3

Controle 2 53,0 79,0 86,0 75,4 50,2 74,1

Enx Post 1 43,7 43,0 62,4 81,2 45,2 36,5

Enx Post 2 46,1 48,2 82,0 88,0 48,4 46,3

Enx Ant 1 92,3 94,1 72,2 87,4 92,0 53,0

Enx Ant 2 100,1 105,3 88,2 97,2 101,2 64,0

Pr. = prancha; AP = ântero-posterior; ML = médio-lateral, Enx = Enxerto, Ant = Anterior, Post = Posterior

Quanto ao músculo semitendinoso, a maior ativação foi encontrada na prancha redonda, balancinho e rollerboard ML em um dos casos de reconstrução do LCA com enxerto posterior. Nesse músculo, os casos controle apresentaram a menor atividade elétrica em todos os estímulos, com exceção do rollerboard AP (Tabela 3).

Tabela 3 Porcentagem da CIVM do músculo semitendinoso sob diferentes estímulos sensório-motores

Sujeito Solo Pr. inclinada Pr. redonda Balancinho Rollerboard AP Rollerboard ML

Controle 1 7,2 9,7 21,2 15,0 20,0 8,5

Controle 2 11,2 12,1 25,6 19,2 18,4 15,3

Enx Post 1 10,0 14,5 39,5 37,6 12,1 41,2

Enx Post 2 19,0 17,3 54,1 50,2 21,3 51,4

Enx Ant 1 41,3 26,0 35,6 40,5 33,4 33,1

Enx Ant 2 42,3 34,0 46,2 42,3 42,2 44,1 Pr. = prancha; AP = ântero-posterior; ML = médio-lateral, Enx = Enxerto, Ant = Anterior, Post = Posterior

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Para o músculo bíceps femoral, em todos os estímulos, a maior atividade elétrica foi apresentada pelos casos de reconstrução do LCA usando enxerto anterior (Tabela 4). No músculo gastrocnêmio, a maior atividade elétrica ocorreu nos casos de reconstrução do LCA com enxerto patelar. Houve discreta diferença no estímulo do balancinho entre casos com enxerto patelar e posterior (Tabela 5).

Tabela 4 Porcentagem da CIVM do músculo bíceps femoral sob diferentes estímulos sensório-motores

Sujeito Solo Pr. inclinada Pr. redonda Balancinho Rollerboard AP Rollerboard ML

Controle 1 9,2 12,1 32 16,2 31,1 13,0

Controle 2 15,6 20,3 51 30,4 34,7 15,0

Enx Post 1 6,4 4,7 10,1 42,2 5,7 40,0

Enx Post 2 8,2 5,3 6,1 50,6 8,1 54,4

Enx Ant 1 51,3 50,0 92,2 53,7 65,5 61,3

Enx Ant 2 60,5 66,0 96,6 56,1 72,1 67,3 Pr. = prancha; AP = ântero-posterior; ML = médio-lateral, Enx = Enxerto, Ant = Anterior, Post = Posterior

Tabela 5 Porcentagem da CIVM do músculo gastrocnêmio sob diferentes estímulos sensório-motores

Sujeito Solo Pr. inclinada Pr. redonda Balancinho Rollerboard AP Rollerboard ML

Controle 1 19,8 19,9 38,1 32,9 28 14,4

Controle 2 11,4 33,9 40,3 37,1 39 23,2

Enx Post 1 13,4 13,4 23,5 86,1 14,3 62,0

Enx Post 2 14,2 15,8 41,3 109,9 17,3 73,4

Enx Ant 1 77,1 60,2 77,5 115,1 68,4 92,0

Enx Ant 2 112,1 46,4 70,3 84,7 73,4 74,2 Pr. = prancha; AP = ântero-posterior; ML = médio-lateral, Enx = Enxerto, Ant = Anterior, Post = Posterior

DISCUSSÃO

Os casos de reconstrução do LCA com enxerto posterior apresentaram um índice excelente no Single Leg Hop Test (maior que 85%)18 e na escala de Lysholm. Os casos com enxerto patelar também apresentaram um índice excelente no SLH-Test, porém na escala de Lysholm apresentaram menor pontuação do que os casos com enxerto posterior, talvez devido à morbidade causada pela agressão ao mecanismo extensor.

Optou-se por realizar o trabalho em cadeia cinética fechada, pois oferece grande estímulo sensório-motor e estabilização dinâmica por meio da co-contração muscular16. Observa-se de um modo geral que a musculatura extensora do joelho apresentou atividade elétrica superior à musculatura flexora. Talvez esses valores tenham sido encontrados neste estudo devido à permanência em 30º de flexão do joelho em apoio unipodal durante o teste, pois o joelho sai da posição de trava articular quando está totalmente estendido e a musculatura extensora entra em melhor posição para contração. Resultados semelhantes, relatados por Heller et al.17, apontam uma maior ativação elétrica dos músculos extensores em relação aos flexores durante estímulo sensório-motor (deslocamento lateral) em cadeia cinética fechada (com variação na angulação do joelho).

Quando se observa apenas a musculatura extensora do joelho, o músculo VMO apresenta maior ativação nos indivíduos com reconstrução, independente do enxerto

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usado, quando comparado aos indivíduos sem lesão. Porém o VL da amostra com enxerto posterior tem menor atividade comparado ao dos indivíduos sem lesão nos exercícios de solo, prancha inclinada, prancha redonda, rollerboard AP e rollerboard ML.

No estudo de Ciccotti et al.16 os sujeitos com lesão do LCA que não fizeram reconstrução apresentaram maior atividade elétrica do VL quando comparados a sujeitos controle e a sujeitos com reconstrução do ligamento, quando esses sujeitos realizavam atividades funcionais. Isso indica a variabilidade de ativação do mecanismo extensor conforme o tipo de enxerto usado e reconstrução do ligamento.

A amostra com enxerto patelar obteve, em geral, alta porcentagem da CIVM dos músculos VMO e VL; contudo, no exercício de rollerboard ML isso não foi tão evidente, talvez pelo fato de esse estímulo não exigir tanto deslocamento ântero-posterior. Essa grande ativação do mecanismo extensor apresentado pelos casos com enxerto patelar, quando comparados aos outros casos, não se repetiu na amostra com enxerto posterior, talvez pela morbidade menor causada ao mecanismo extensor quando a cirurgia é realizada com os tendões flexores.

Quando analisados apenas os músculos flexores em todos os casos, os participantes com enxerto patelar tiveram maior atividade elétrica do músculo bíceps femoral em todos os estímulos. Nos casos com enxerto dos tendões semitendinoso e grácil, essa mesma relação não foi encontrada, provavelmente devido ao uso dos tendões desses músculos como enxerto.

Quando se observa o músculo semitendinoso, a atividade elétrica das amostras com reconstrução (independente do tipo de enxerto) é sempre maior quando comparada à da amostra controle, com exceção dos pacientes com reconstrução usando enxerto posterior no estímulo do rollerboard AP.

Esperava-se que o músculo gastrocnêmio tivesse sido altamente recrutado na amostra com enxerto posterior, com a função de auxiliar o controle da flexão do joelho, devido à falta dos tendões do grácil e semitendinoso. Entretanto, sua maior ativação foi nos casos de enxerto patelar. Talvez isso não tenha ocorrido devido à flexão de 30º do joelho durante os estímulos usados, o que pode ter colocado o gastrocnêmio em posição desfavorável para seu desempenho.

Parisaux et al.21 relataram, por meio da avaliação isocinética, o deficit de força apresentado pela musculatura flexora do joelho em indivíduos em que foi utilizado o tendão do músculo semitendinoso associado ao tendão do músculo grácil para reconstrução do LCA. Alguns autores, porém, contradizem esse deficit de força após seis meses da reconstrução e ainda relatam um progressivo aumento da força de flexão após seis meses de reabilitação22-24. Quando se estudam as atividades funcionais pela eletromiografia de superfície, poucos estudos levam em consideração as alterações anatômicas decorrentes de cada tipo de reconstrução do LCA. Talvez esse aumento progressivo de força de flexão do joelho possa alterar as estratégias de ativação muscular e conseqüentemente mudar os mecanismos de co-contração no membro inferior.

Quanto ao controle motor após a lesão do LCA, Chmielewski et al.25 consideram o estímulo sensório-motor essencial para a normalização da co-contração muscular e sinergia entre extensores e flexores. Portanto, talvez essa diferença na atividade elétrica entre extensores e flexores encontrada neste estudo possa representar algum deficit funcional de co-contração exacerbado durante os estímulos sensório-motores, sem um treinamento prévio.

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Talvez a atividade elétrica reduzida do bíceps femoral encontrada neste estudo se deva ao tecido cicatricial formado no local, além do reposicionamento do ventre muscular após a retirada de seus tendões para uso como enxerto. Os sujeitos que foram submetidos à cirurgia usando enxerto patelar parecem apresentar maior ativação elétrica nos estímulos do solo, prancha inclinada e rollerboard AP. Enquanto, nos sujeitos submetidos à cirurgia que recorreu aos tendões flexores, os estímulos de balancinho, prancha redonda e rollerboard ML parecem provocar maior ativação elétrica. O músculo gastrocnêmio apresenta grande ativação durante o estímulo do balancinho, independente do tipo de enxerto usado.

A maior atividade elétrica pode sugerir que o estímulo é mais intenso ou talvez mais difícil para o paciente e, dessa forma, o fisioterapeuta pode escolher primeiro os estímulos de menor atividade elétrica em uma fase inicial de pós-operatório e, depois, evoluir para os estímulos que demandam maior atividade elétrica. Isso talvez permita graduar o tipo de estímulo, dependendo do tipo de cirurgia a que o paciente foi submetido.

A principal limitação deste relato descritivo de casos é a amostra limitada, que não permite testar uma hipótese. Acredita-se que este estudo tenha implicações para a prática clínica, pois os fisioterapeutas devem estar atentos quanto à importância dos exercícios sensório-motores individualizados para cada tipo de enxerto usado na cirurgia para reconstrução do LCA, devido ao possível deficit de recrutamento dos músculos estabilizadores (alteração na co-contração) característico de cada procedimento cirúrgico. Espera-se que estudos futuros possam ser feitos com uma amostra adequada e com poder para comparar resultados entre os diferentes tipos de cirurgia.

CONCLUSÃO Os casos submetidos às cirurgias de reconstrução apresentam maior atividade

elétrica do que os casos controle, independente do estímulo sensório-motor. E, durante os exercícios de estímulos, a ativação muscular parece variar conforme o tipo de enxerto usado. Nos casos com enxerto patelar, os estímulos de solo, prancha inclinada e rollerboard AP provocaram maior atividade elétrica nos músculos VL e VMO. Nos casos com enxerto posterior, os estímulos da prancha redonda e balancinho resultaram em maior ativação do VMO e VL. Os casos com enxerto patelar apresentaram maior atividade muscular que os casos com enxerto posterior ou controle, sob todos os estímulos. Dentre os estímulos, o balancinho provocou a menor variação de ativação muscular nos sujeitos com reconstrução de LCA mas, ainda assim, essa ativação ainda foi maior do que nos casos controle.

Os fisioterapeutas devem considerar esses dados ao proceder à reabilitação de pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução do LCA – considerando no entanto sua limitação, devido ao pequeno número de casos analisados.

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Efeitos do exercício físico durante a hemodiálise em indivíduos com insuficiência renal crônica: uma revisão Effects of physical exercise during hemodialysis in patients with chronic renal insufficiency: a literature review

Título condensado: Exercício durante hemodiálise: uma revisão

Regina Márcia Faria de Moura1, Fernanda Camila Ribeiro Silva2, Gláucia Marise Ribeiro2, Lidiane Aparecida de Sousa3

1Fisioterapeuta; doutoranda em Ciências da Reabilitação na UFMG (Universidade Federal de Mina Gerais); Profa. do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, MG

2 Fisioterapeutas 3Fisioterapeuta; doutoranda em Infectologia e Medicina Tropical na UFMG; Profa. Ms. do

Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Regina Márcia Faria de Moura R. Nascimento Gurgel 21 ap.1503 Gutierrez 30430-340 Belo Horizonte MG e-mail:[email protected]

RESUMO: As principais alterações observadas em indivíduos com insuficiência renal crônica são anemia, hipertensão arterial sistêmica e atrofia muscular, que levam à baixa capacidade aeróbica e perda de força muscular. Assim, parte do tratamento desses indivíduos consiste em programas de exercício físico. O objetivo desta revisão da literatura foi documentar os efeitos agudos e as adaptações crônicas, cardiovasculares e musculares em indivíduos no estágio final da doença renal, submetidos a programas de exercício físico durante a hemodiálise. Foram selecionados artigos científicos nas bases eletrônicas Medline, Lilacs e PEDro, assim como no acervo de periódicos da biblioteca da Faculdade de Medicina da UFMG. Foram analisados 13 artigos envolvendo exercício físico aeróbico associado ou não a fortalecimento muscular durante a hemodiálise, variando quanto à intensidade, freqüência e duração da intervenção. A maioria demonstrou que exercícios físicos realizados durante a hemodiálise promovem efeitos benéficos na melhora da capacidade aeróbica, força muscular e no controle dos fatores de risco cardiovasculares, auxiliando a remoção dos solutos durante a hemodiálise. Embora o tema seja ainda pouco explorado, a literatura disponível evidencia benefícios do exercício durante a hemodiálise sobre a capacidade aeróbica e força muscular dos pacientes. Descritores: Diálise renal; Insuficiência renal crônica; Terapia por exercício

ABSTRACT: Main alterations seen in patients with chronic renal insufficiency are anemia, systemic arterial hypertension, and muscular atrophy, which lead to low aerobic capacity and loss of muscle strength. Hence part of these patients treatment consists in programs of physical exercise. The purpose of this literature review was to assess muscle and cardiovascular acute effects and chronic adaptations in end-stage renal disease patients submitted to physical exercise during hemodialysis. After browsing through Medline, Lilacs and PEDro databases, as well as searching for periodic articles at the UFMG Medicine School library, 13 articles were selected, related to aerobic exercise associated or not to muscle strengthening during hemodialysis. Studies varied as to exercise intensity, frequency and duration. Most articles found that physical exercise performed during hemodialysis favoured better aerobic capacity, muscle strength, and control of cardiovascular risk factors, helping solute removal during hemodialysis. Though the subject is scarcely studied, available literature shows that exercises during hemodialysis are beneficial to patients’ aerobic capacity and muscle strength. Key words: Exercise therapy; Renal dialysis; Renal insufficiency, chronic

APRESENTAÇÃO nov. 2006

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO ago. 2007

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INTRODUÇÃO

A insuficiência renal crônica (IRC) é considerada um dos principais problemas de saúde no mundo, sendo importante causa de morbidade e mortalidade, caracterizada por perdas lentas, progressivas e irreversíveis das funções renais1-6. Hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes melito e história familiar de doença renal crônica são os fatores de risco mais prevalentes para desenvolvimento da IRC 3-5,7-10,11. Recentes dados do Ministério da Saúde mostram que no Brasil a HAS e o diabetes correspondem a 26% e 18% das causas de IRC, respectivamente11.

A prevalência da IRC aumenta com a idade e aproximadamente 17% dos indivíduos com idade acima de 60 anos apresentam maior probabilidade de desenvolver a doença3. Sua incidência aumenta cerca de 8% ao ano no Brasil e a prevalência de indivíduos mantidos em diálise aumentou mais de 100% nos últimos 8 anos7,4,12.. Atualmente, há aproximadamente 390 indivíduos/milhão de habitantes em tratamento dialítico12.

Pacientes com IRC apresentam menor capacidade física e funcional quando comparados à população geral18. Acredita-se que anormalidades musculares e cardiovasculares, comuns nesses indivíduos, contribuam para a ocorrência dessas alterações10,19. As anormalidades estruturais e funcionais dos músculos são caracterizadas por miopatia urêmica, que se manifesta como atrofia e fraqueza muscular10,13,19,20. As causas da miopatia não são bem conhecidas. As possíveis causas descritas na literatura são anemia, miopatia por desuso, alterações no metabolismo energético incluindo metabolismo alterado de carboidratos, diminuição da utilização de lipídios associada à deficiência de carnitina, decréscimo no fluxo sanguíneo muscular, neuropatia periférica e toxinas urêmicas10, 19, 22.

Indivíduos com IRC apresentam risco aumentado para desenvolvimento de doenças cardiovasculares17,21, 23, 24. De acordo com Knap et al.21, esse risco é devido principalmente à alta prevalência de fatores como diabetes melito, dislipidemias, sedentarismo e HAS, sendo que esta última acompanha a IRC em 60% a 90% dos casos8.

Em virtude dessas alterações, têm sido propostos programas de exercício físico que visam não somente o tratamento dos sinais clínicos da doença, mas de suas repercussões na função e na qualidade de vida (QV), já que esses indivíduos tendem ao sedentarismo e à limitação funcional 14-16.

Há aproximadamente 30 anos vem sendo discutida na literatura a utilização de programas de exercícios físicos visando reabilitação física e funcional de indivíduos submetidos à hemodiálise (HD)3. Os benefícios citados na literatura incluem melhora da capacidade funcional, redução dos fatores de risco cardiovasculares, melhora da tolerância ao exercício, melhora da tolerância à glicose e de problemas psicossociais1,14,21,25,26. Apesar de a literatura evidenciar tais resultados, a aplicação de programas de exercícios durante HD na prática clínica ainda é restrita10, 13, 15,16,27.

O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão da literatura sobre os efeitos agudos e adaptações crônicas, cardiovasculares e musculares, de indivíduos com IRC submetidos a programas de exercício físico durante HD.

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METODOLOGIA Foi realizada consulta às bases de dados Medline, Lilacs, PEDro e busca ativa no

acervo de periódicos da Biblioteca da Faculdade de Medicina da UFMG em dezembro de 2006, utilizando os seguintes critérios prévios: data de publicação entre janeiro de 1996 e dezembro de 2006; idiomas, português e inglês; unitermos incluídos no título e/ou resumo – hemodiálise (hemodialysis), estágio final da doença renal (end-stage renal disease), exercício (exercise) e força muscular (muscle strength); estudos experimentais relacionados à IRC, HD e exercício físico durante a HD.

Para a seleção dos artigos, inicialmente foi feita a leitura dos resumos, verificando se continham as informações que preenchiam os seguintes critérios de inclusão: estudos com participantes adultos (maiores de 18 anos) em tratamento de HD por mais de três meses, em uso ou não de eritropoetina (EPO); estudos que avaliaram os efeitos de programas de exercícios constituídos de treinamento aeróbico e/ou fortalecimento muscular durante HD. Os estudos que, além de participantes em tratamento hemodialítico, também envolviam participantes em tratamento de diálise peritoneal, foram incluídos, porém somente os resultados dos participantes em HD foram considerados. Os artigos da seleção final foram incluídos e lidos na íntegra.

RESULTADOS Foram analisados 13 artigos, dos quais 1118,23,29,30-37 avaliaram as adaptações

crônicas ao exercício e dois estudos avaliaram os efeitos agudos17,38. Apenas um estudo envolveu grupo de participantes em HD e em diálise peritoneal, porém os resultados foram analisados separadamente18.

A HAS, diabetes melito e glomerulonefrite foram as principais causas de IRC citadas nos estudos17,18, 23, 29,30-38. A duração total de intervenção variou de seis semanas a quatro anos, sendo o treinamento aeróbico a modalidade de exercício mais utilizada. Os principais dados referentes aos estudos selecionados estão sintetizados no Quadro 1.

Inserção ideal Quadro 1

DISCUSSÃO

Os estudos selecionados são aqui comentados segundo se refiram aos efeitos agudos e adaptações crônicas de programa de exercícios físicos realizados durante a HD.

Efeitos agudos do exercício físico Kong et al.38, em ensaio clínico aleatorizado, demonstraram que 60 minutos de

exercício aeróbico intermitente durante a HD promoveram aumento significativo da remoção de três solutos – uréia, creatinina e potássio – no grupo intervenção, melhorando a eficiência da HD e redução de sua duração em 30 minutos. O possível mecanismo do aumento significativo da remoção dos solutos é a vasodilatação que ocorre na musculatura esquelética, propiciando aumento na remoção de catabólitos. Os autores salientam que mais pesquisas são necessárias para confirmar tais achados.

Moore et al.17 descreveram as respostas cardiovasculares ocorridas durante o exercício aeróbico intermitente realizado no início, após uma, duas e três horas de HD, totalizando 20 minutos de exercício. Após três horas de HD, as alterações cardiovasculares ocorridas com o exercício foram hipotensão e taquicardia, limitando a continuação do exercício. Uma possível causa da hipotensão, segundo os autores, é que indivíduos com IRC apresentam maior ativação do sistema nervoso simpático

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associado a uma diminuição dos receptores alfa-adrenérgicos, favorecendo ocorrência da hipotensão durante a HD. Outra possível explicação para a hipotensão é que muitas vezes a remoção do soluto durante a HD ultrapassa a capacidade do organismo desses indivíduos urêmicos de compensar a perda excessiva de volume, por apresentarem alteração do sistema nervoso simpático. Segundo os autores, esses mecanismos são pouco conhecidos, sendo necessários mais estudos para elucidá-los.

Em decorrência dos efeitos deletérios induzidos pelo exercício realizado após três horas de HD, a maioria dos estudos subseqüentes conduziu os programas de exercícios nas primeiras duas e até três horas de HD30,33-38.

Os efeitos agudos adversos decorrentes do exercício físico durante HD citados nos estudos foram: dispnéia, fadiga, dor nas pernas, câimbras e hipoglicemia. Os autores não mencionaram em qual momento da sessão essas alterações ocorreram, nem suas possíveis causas17,23,29,30,32,36. Portanto, a realização de atividades físicas durante a HD deve incluir monitoramento rigoroso de parâmetros clínicos e hemodinâmicos dos pacientes.

Adaptações crônicas Embora tenham ocorrido grandes avanços em relação ao tratamento da IRC, o

tratamento dialítico isolado não assegura melhora física e funcional desses indivíduos. Portanto, a incorporação de exercícios físicos a sua rotina deve ser considerada1.

Sakkas et al.18 investigaram os efeitos de seis meses de exercícios aeróbicos durante a HD na morfologia do músculo gastrocnêmio de indivíduos com IRC. Foram evidenciados após treinamento aumento da área de secção transversa (46%) e redução da atrofia das fibras musculares tipo I (51% para 15%), tipo IIA (58% para 21%) e tipo IIB (62% para 32%). Diferenças significativas também foram encontradas com relação ao aumento da capilarização muscular.

Storer et al.37 avaliaram os efeitos do treinamento aeróbico com intensidade de 50% do consumo máximo de oxigênio, na força muscular e na performance física. Os autores demonstraram que houve melhora da força bem como do desempenho (performance) físico no grupo intervenção, mesmo com baixa intensidade de exercício aeróbico, realizado com cicloergômetro de membros inferiores. Esses resultados podem ser explicados pela marcada fraqueza muscular e pelo baixo condicionamento cardiorrespiratório apresentado por esses indivíduos. Apesar da melhora apresentada pelos participantes que realizavam os exercícios, o consumo máximo de oxigênio permaneceu 30% abaixo daquele do grupo de indivíduos saudáveis. Os autores afirmam que é possível que o exercício físico em curto prazo, com baixa intensidade, em indivíduos com marcada miopatia urêmica e outras comorbidades, não seja suficiente para restabelecer função aeróbica igual à de indivíduos saudáveis.

Depaul et al.34 verificaram melhora da força muscular e capacidade aeróbica no grupo intervenção após 12 semanas de tratamento. Os resultados dos testes de força muscular e de caminhada de 6 minutos aproximaram-se dos valores de indivíduos saudáveis, porém essa melhora não foi sustentada 5 meses após o tratamento. Oh-Park et al.30, em estudo envolvendo treinamento aeróbico associado ao fortalecimento muscular, observaram melhora significativa da força muscular dos extensores de joelho e da capacidade aeróbica. Nesse estudo, o fortalecimento muscular foi mais bem aceito pelos participantes do que o treinamento aeróbico.

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Estudos têm documentado efeitos de programas de exercícios físicos no controle dos fatores de risco cardiovasculares28,31,34,36 e diminuição do uso de medicamentos anti-hipertensivos29. Miller et al.29, em estudo controlado, verificaram que exercícios aeróbicos durante a HD promoveram redução do uso de anti-hipertensivos de 54% no grupo intervenção e de 12,5% no grupo controle, após 6 meses de treinamento. Corroborando esses resultados, Parsons et al.36 demonstraram benefícios nas adaptações do sistema cardiovascular no grupo de participantes em tratamento dialítico que realizou exercícios aeróbicos, comparado ao grupo controle. Os autores relatam significativa redução da pressão arterial no grupo intervenção, porém não mencionaram redução da dosagem dos anti-hipertensivos.

A avaliação da QV vem sendo incorporada aos desfechos de estudos envolvendo pacientes com IRC1. Painter et al.32, em estudo controlado de 16 semanas de exercício aeróbico individualizado, demonstraram que houve aumento da distância caminhada e velocidade da marcha, bem como melhora da função física avaliada pelo questionário Medical Outcomes Study Short-form 36 (SF-36) no grupo intervenção, comparado ao grupo controle, que não realizou exercícios. Oh-Park et al.30 também evidenciaram melhora dos escores do componente mental do SF-36 após treinamento aeróbico durante HD.

Segundo a Fundação Nacional do Rim norte-americana, que publicou diretrizes para o tratamento da anemia na doença renal crônica (2000, apud Depaul et al.34), a eritropoetina (EPO) tem sido amplamente utilizada em indivíduos submetidos à HD, com objetivo de manter os níveis de hemoglobina entre 11 e 12 g/dl. Estudos de Depaul et al.34 e Painter et al.31 documentaram que o uso de EPO combinado ao exercício promoveu melhora da tolerância ao exercício, aumento do consumo de oxigênio e redução da fadiga.

Konstantinidou et al.34 compararam os efeitos de três modelos de treinamento: em dias de não-HD, durante a HD, e domiciliar. A capacidade aeróbica melhorou significativamente nos três modelos de treinamento. Os resultados foram mais evidentes no treinamento em dias de não-HD quando comparados ao de dias de HD e domiciliar. Nesse estudo a taxa de desistência no grupo que realizava os exercícios nos dias de não HD foi de aproximadamente 24%, em razão das dificuldades de transporte e falta de tempo, enquanto no grupo que realizava os exercícios durante a HD foi de 17%.

Kouidi et al.23 compararam dois programas de exercícios: o grupo A fazia exercícios nos dias de não-HD e o grupo B, durante a HD. Os resultados mostraram que houve melhora significativa da capacidade aeróbica e da QV após 1 ano e após 4 anos de intervenção, nos dois grupos. O número de desistências foi maior no grupo A (37,5%) comparado ao grupo B (21%). Exercícios realizados durante a HD mostraram ser de preferência pelos mesmos motivos descritos por Konstantinidou et al.34. Com base nos resultados desses dois estudos28,34, pode-se inferir que as duas formas de intervenção promovem benefícios, porém as desistências e dificuldades encontradas pelos indivíduos para fazer exercício físico nos dias em que não vão à hemodiálise são maiores.

Em apenas um estudo, de Moug et al.33, verificou-se que, após seis semanas de intervenção durante a HD, não houve melhora estatisticamente significativa da capacidade aeróbica, nem da força muscular do quadríceps. Os autores defendem que o treinamento aeróbico promove benefícios para os indivíduos com IRC, mas acreditam

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que o curto período de intervenção foi o responsável pelos achados.

CONCLUSÃO Após extensa revisão da literatura, pode-se concluir que o exercício físico

realizado durante a hemodiálise promove benefícios físicos e funcionais. Há diversidade quanto à forma de aplicação desses programas em termos de intensidade, freqüência e duração, devendo estas ser adequadas às realidades de cada serviço e de cada paciente. Por se tratar de um tema ainda pouco explorado, mais estudos são necessários para confirmação desses achados.

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Quadro 1 Síntese do conteúdo dos 13 artigos selecionados para esta revisão

Estudo Programa de exercícios Principais resultados Autor, data, país Tipo Pacientes, grupos Modalidade Intensidade Freqüência Duração Moore GE et al. (1998)17 EUA ENC GI: 8 Exerc DHD GI: 20’ de CEM de MMII (5’ no início

e após 1, 2 e 3 horas de HD) 60% do VO2máx - MU Após 3 horas de HD houve ↓ PA e ↑ FC, limitando realização dos exercícios

Kong CH et al. (1999)38 Itália

ECA GI: 11 Exerc DHD GC: 11 só HD

GI: 60’ de CEM de MMII (5’ a 20’ de exerc com 10’ de repouso)

GC: não fez exerc. Não especificada - MU

GI:↑da eficiência da HD, ↑ significativo da remoção dos solutos creatinina, uréia e potássio e ↑ FC e PA GC: FC constante e • PA

Painter P et al. (2000)32 EUA

EEC Total: 286 GI: Exerc DHD GC: só HD

GI: 8 sem de exerc domiciliar + 8 sem de 30’ de CEM de MMII

GC: não fez exerc.

Individualizado com ↑ progressivo da carga e duração

Pelo menos 3x/sem

16 sem GI: ↑ da distância caminhada, função física e velocidade da marcha

Depaul V et al. (2002)34 Canadá

ECA GI: 20 Exerc DHD GC: 18 Exerc DHD GS: não descrito

GI: 20’ CEM de MMII+ fortalecimento muscular de quadríceps e isquiossurais

GC: 30’ cinesioterapia

GI: 80% FCmáx; 50% do teste de 5 RM (↑ progressivo da carga)

GC: exerc livres 3x/sem 12 sem

GI: ↑ FM de quadríceps e isquiossurais, ↑ da capacidade aeróbica

Melhora não-sustentada após 5 meses

Konstantinidou E et al. (2002)35 Grécia

ECA

GA: 16 Exerc DN-D GB: 10 Exerc DHD GD: 10 Exerc em casa GC: 12 (sem exerc) GS: 15

GA: 60’ de CEM de MMII ou esteira, step, exerc calistênico, flexibilidade e esporte

GB: 60’ de CEM de MMII, fortalecimento muscular e flexibilidade

GD: 30’ de CEM de MMII + exerc simples

GA: 60-70% FCmáx GB: 70% FCmáx GD: 50-60% FCmáx

GA e GB: 3x/sem

GD: mínimo 5x/sem

6 meses

Todos os programas foram efetivos na melhora capacidade aeróbica. Exerc físicos em DN-D são mais eficazes, mas os dias de HD são preferência dos participantes

Miller BW et al. (2002)29, EUA EEC GI: 40 Exerc DHD

GC: 35 só HD GI: 30’ CEM de MMII GC: não fez exerc

Velocidade auto-selecionada 3x/sem 6

mesesGI: ↓ PA + ↓ da dosagem de antihipertensivos (GI, 54%, GC, 12.5%)

Oh-Park M et al. (2002)30 EUA

ENC GI: 18 Exerc DHD GI: 30’ CEM de MMII (5’ de exerc e 1’ de repouso) Fortalecimento muscular de extensores de joelho

70-85% FCmáx 50% do TRM (↑ pro-gressivo da carga) Escala de Borg ≤ 13

2-3x/sem 3 meses

↑ significativo FM dos extensores de joelho e ↑ do condicionamento aeróbico. Treinamento de FM foi mais bem aceito pelos participantes

Painter P et al. (2002)31 EUA

ECA

GA: 14 baixo HC s/ exerc GB: 10 baixo HC c/ exerc GD:12 HC normal s/exercGE: 12 HC normal c/exerc

GB e GE: 30’ de CEM de MMII 70% FCmáx Escala de Borg 12- 14 3x/sem 5

meses

↑ significativo do VO2 no GB e GE comparado com GA e GD e com os valores iniciais

Moug S et al. (2003)33 Escócia

ECA GI: 10 Exerc DHD GC: 7 só HD

GI: 45’ CEM de MMII (5’ de exercícios e 5’ de repouso)

GC: não realizou exercício

60% a 85% da FCmáxEscala de Borg 8- 15 2x/sem 6 sem GI: Não houve mudança significativa na

FM do quadríceps e na PA

Sakkas K et al. (2003)18 Inglaterra

ENC GA: 12 DPAC + exerc GB: 12 HD+ exerc GB: 40’ CEM de MMII 90% do VO2máx 3x/sem 6

meses

GB: Melhora do trofismo muscular, ↑ da área de secção transversa e↑ da capilarização muscular

Kouidi E et al. (2004)23 Grécia

ENC GA: 16 Exerc DN-D GB: 18 Exerc DHD

GA: 60’ de CEM de MMII+ fortalecimento muscular

GB: 60-90’ de CEM de MMII+ fortalecimento muscular

GA: 60-80% FCmáx

GB: Escala de Borg 13 3x/sem 4 anos

↑ significativo da capacidade aeróbica nos 2 grupos, após 1 ano (ganhos maiores) e 4 anos de treinamento

GA: ↑ número de desistências

Parsons T et al. (2004)36 Canadá ECA GI: 6 Exerc DHD

GC: 7 só HD

GI: 45’ de CEM de MMII (15’ a cada hora durante 3 horas)

GC: não tez exerc

40-50% VO2máx

Escala de Borg (13) 3x/sem 8 sem ↑PA GC e ↓ no GI; ↑ eficácia da HD

Storer T et al. (2005)37 EUA

ECA GI: 12 Exerc DHD GC: 12 só HD GS: 12

GI: 40’ de CEM de MMII GC: não tez exerc 50% VO2 máx 3x/sem 10 sem

GI: ↑ significativo FM e VO2 máx , ↑ significativo da velocidade da marcha, capacidade de subir/ descer escadas e mobilidade funcional

EEC = Estudo experimental controlado; ENC = Estudo experimental não-controlado; ECA = Ensaio clínico aleatorizado; GC = Grupo controle; GI = Grupo intervenção; GS = Grupo de indivíduos saudáveis; ↑ = Aumento; ↓ = Diminuição; CEM = Cicloergômetro; DHD = durante a diálise; DN-D = Dias de não-diálise; DPAC = Diálise peritonel ambulatorial contínua; Exerc = exercício/s; FCmáx= Freqüência cardíaca máxima; FM = Força muscular; HC = Hematócrito; HD = Hemodiálise; MMII = membros inferiores; MU = Medida única; PA = Pressão arterial; sem = semana; TRM = Teste de resistência máxima; VO2 máx = Consumo máximo de oxigênio 12

0

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Principais instrumentos para avaliação da disfunção temporomandibular, parte I: índices e questionários; uma contribuição para a prática clínica e de pesquisa Main instruments for assessing temporomandibular disorders, part I: indices and questionnaires; a contribution to clinicians and researchers

Título condensado: Instrumentos para avaliação da DTM - 1 Thaís Cristina Chaves1, Anamaria Siriani de Oliveira2, Débora Bevilaqua Grossi2

1 Fisioterapeuta; Ms. 2 Fisioterapeutas; Profas. Dras. do Depto. de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho

Locomotor, FMRP/USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP)

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Débora Bevilaqua Grossi Depto. de Biomecânica – RAL FMRP/USP Campus Universitário 14049-900 Ribeirão Preto SP e-mail: [email protected] RESUMO: Na literatura especializada, encontram-se variados instrumentos para avaliação da disfunção temporomandibular (DTM), sob a forma de índices, questionários, protocolos, escalas de avaliação e critérios de diagnóstico. Este estudo, dividido em duas partes, visou caracterizar os principais instrumentos de avaliação da DTM disponíveis na literatura, para auxiliar o clínico e o pesquisador na correta escolha da ferramenta apropriada para contemplar seus objetivos clínicos ou científicos. Nesta parte I são apresentados dois índices clínicos e três questionários (anamnésicos e funcionais); na parte II, um questionário funcional e dois conjuntos de critérios diagnósticos. Os índices são ferramentas que organizam a avaliação de sinais e sintomas, pela obtenção de pontuações. Os questionários são melhor aplicados para traçar perfis populacionais em estudos epidemiológicos. Para avaliação dos eventuais impactos da DTM nas atividades de vida diária, os questionários funcionais são mais adequados. Finalmente, há poucos conjuntos de critérios sistematizados para obter o diagnóstico da disfunção. A utilização de uma ou outra ferramenta depende de sua aplicabilidade e dos objetivos do profissional que a irá utilizar. Descritores: Avaliação; Índice de gravidade de doença; Questionários; Transtornos da articulação

temporomandibular

ABSTRACT: Several instruments for assessing temporomandibular disorders (TMD) are available in literature, such as indices, questionnaires, protocols, scales, and diagnostic criteria. The purpose of this study, divided into two parts, was to characterise main tools available for TMD evaluation, so as to offer both researchers and clinicians guiding information on instrument selection according to their clinical or research needs. Two clinical indices and three (anamnestic and functional) questionnaires are presented here in part I; and, in part II, one functional questionnaire and two diagnostic criteria. Indices consist of organised forms for assigning scores to signs and symptoms thus obtaining severity degrees. Questionnaires are better employed for epidemiological purposes. Functional questionnaires are better used to estimate impact of TMD on daily life activities. There are few specific sets of systematised diagnostic criteria available for diagnosing TMD. The use of either tool depends on its applicability and on the user’s purposes. Key words: Evaluation; Questionnaires; Severity of illness index; Temporomandibular joint disorders

APRESENTAÇÃO set. 2006

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO ago. 2007

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INTRODUÇÃO

Disfunção temporomandibular (DTM) é um termo que se aplica às alterações funcionais relativas à articulação temporomandibular (ATM) e estruturas mastigatórias associadas1. DTM refere-se a um aglomerado de desordens caracterizadas por ruídos articulares, limitações na amplitude de movimento ou desvios durante a função mandibular, que são considerados sinais de DTM, e dor pré-auricular, dor na ATM ou nos músculos mastigatórios, caracterizados como sintomas2.

A etiologia da DTM é multifatorial3. Traumas da mandíbula ou ATM, má oclusão e interferências oclusais, alterações nos músculos mastigatórios, microtraumas provocados por hábitos parafuncionais contínuos1, condições reumáticas, estresse emocional, ansiedade e anormalidades posturais4-8 podem estar relacionados com o desenvolvimento de DTM. Considerando-se que esta é uma condição caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas2,9,-11, estes devem ser organizados de maneira clara, padronizada e operacional para avaliação e classificação correta da DTM, tanto funcional quanto diagnóstica.

Na literatura, pode-se verificar a existência de diferentes instrumentos para avaliação de DTM organizados sob diversas formas: questionários12, índices anamnésicos13,14 e clínicos13,15,16 e critérios de diagnóstico17,18. Cada uma dessas ferramentas apresenta vantagens, desvantagens e limitações, bem como aplicabilidades distintas. Assim, tanto o clínico quanto o pesquisador precisam estar cientes dos dados que podem ser obtidos com a aplicação de cada instrumento, para empregá-lo adequadamente.

Este artigo tem por objetivo caracterizar os principais instrumentos de avaliação da DTM existentes na literatura e fornecer esclarecimentos quanto à natureza dos dados obtidos com seu emprego, auxiliando o clínico e o pesquisador na correta escolha da ferramenta apropriada para contemplar seus objetivos clínicos ou científicos. Nesta parte I são apresentados os índices e questionários e, na parte II, um questionário funcional e os critérios diagnósticos.

METODOLOGIA

Os instrumentos aqui apresentados resultam de uma pesquisa na base de dados PubMed de artigos recentes (publicados entre 2000 e 2007) mediante o descritor temporomandibular joint disorders associado a assessment, index e clinical diagnosis. Foram retidos os artigos referentes às ferramentas mais citadas e que contivessem a íntegra do instrumento proposto.

ÍNDICES

Os índices encontrados na literatura são classificados como anamnésicos13,14 ou clínicos13,15,16. Em geral, caracterizam-se pelo agrupamento operacional de conjuntos de sinais e ou sintomas sob a forma de itens e subitens, para os quais são predeterminadas pontuações ou scores que, ao final, são somados e permitem classificar os voluntários em subcategorias funcionais ou de severidade.

Índice de disfunção clínica craniomandibular (IDCCM) Helkimo13 foi um dos pioneiros a desenvolver um índice para avaliação da

DTM. Os estudos iniciais que conduziu visavam uma investigação epidemiológica da

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função e disfunção do sistema mastigatório na Finlândia. O Índice de Disfunção Clínica Craniomandibular – IDCCM (Clinical Dysfunction Index, ou Índice de Helkimo) tem por objetivo classificar os voluntários em categorias de severidade de sinais clínicos de DTM. É subdividido em cinco itens: limitação na amplitude de movimento mandibular, limitação na função da ATM, dor muscular, dor na ATM e dor no movimento mandibular. Para cada item são possíveis três pontuações, dependendo da avaliação clínica: 0, 1 e 5 (Quadro 1). Ao final, a somatória das pontuações de cada item permite classificar os voluntários em quatro categorias: sem sintomas de DTM (0 ponto), sintomas leves (1 a 4 pontos), moderados (5 a 9 pontos) e severos (10 a 25 pontos). Os dados necessários para preencher o item “a” do índice clínico devem ser obtidos pelo Índice de Mobilidade Mandibular (IMM) (Quadro 1).

O índice de Helkimo é um dos primeiros índices preconizados na literatura e, apesar de algumas limitações, tem sido empregado na literatura19-22. No entanto, não fornece classificação diagnóstica, apenas avaliação de severidade de sinais e sintomas, opondo-se às tendências atuais na área de DTM, em que se preconiza a abordagem diagnóstica. Além disso, as propriedades psicométricas desse índice ainda não foram verificadas23 e, dessa forma, sua aplicabilidade clínica em distinguir pacientes de não-pacientes ainda não foi evidenciada. Outra limitação do índice é seu sistema de pontuação: apenas o voluntário que apresentar ausência total de sinais e sintomas de DTM é classificado como “assintomático”; valores de pontuação entre um e 25 pontos já classificam o voluntário como portador de algum grau de severidade de DTM. Dessa forma, se um voluntário apresentar apenas estalidos durante o movimento mandibular, de acordo com o índice de Helkimo já apresentará algum grau de severidade de DTM. Tendo em vista que a prevalência de sons articulares na população geral é alta, em torno de 34%24 e nem sempre são indicativos clínicos de disfunção da ATM17, a possibilidade de classificar um voluntário saudável em algum grau de severidade do índice demonstra uma falha importante no conjunto de sinais e sintomas organizados sob seu sistema de pontuação.

Índice Craniomandibular (ICM) ou Índice Temporomandibular (ITM) Fricton e Schiffman15,25 propuseram, para avaliação de DTM, o Índice

Craniomandibular, que foi posteriormente revisado e renomeado Índice Temporomandibular, tendo suas propriedades psicométricas testadas16,26. Esse índice é subdividido em três: Índice Funcional, Índice Muscular e Índice Articular (Quadro 2). Em cada subíndice são listados itens específicos relativos aos sinais clínicos de DTM, para os quais é possível atribuir valor zero, na ausência do sinal clínico, ou valor 1, na presença do sinal clínico. As somas das respostas positivas para cada subíndice são, ao final, divididas pelo número total de itens, obtendo-se o grau de comprometimento em cada nível. Dessa forma, pode-se classificar os voluntários em porcentagens de comprometimento nos níveis funcional, muscular e articular. No entanto, diferentemente dos índices de Helkimo13 e de Fonseca et al.14, não é possível, com esse índice, classificar os voluntários em categorias de severidade de sinais clínicos e sintomas. A validade de critério e de construto26 já foi testada para esse instrumento, bem como a confiabilidade intra e interexaminadores16.

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Uma das justificativas alegadas pelos autores para esse índice é que forneceria, em uma única avaliação clínica, a classificação diagnóstica de DTM e a classificação de severidade da disfunção. Entretanto, os autores não fornecem um sistema de pontuação para a classificação em níveis de severidade. Tampouco são oferecidos critérios operacionais para obtenção do diagnóstico com base nos dados clínicos obtidos, portanto esse índice não permite tal classificação. Porém, apesar de os autores não definirem valores de corte para diferenciar pacientes de não-pacientes, Pehling et al.16 demonstraram que, usando as pontuações obtidas pelo ITM, é possível distinguir pacientes diagnosticados nos subgrupos do RDC/TMD (Critérios diagnósticos para DTM, Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders – ver parte II, neste número da revista).

QUESTIONÁRIOS

Os questionários são amplamente utilizados na literatura para avaliação dos sintomas de DTM14,27-32 e podem ser utilizados de diferentes formas: em entrevista pessoal, com auxílio de um entrevistador ou não (auto-administráveis) e por telefone.

Os questionários específicos para DTM são ferramentas adequadas para estudos epidemiológicos ou populacionais, nos quais o objetivo é traçar perfis populacionais dos sintomas de DTM. Assim, a avaliação obtida pode ser útil para triar pacientes em potencial para pesquisas e para avaliação inicial na clínica30. Apesar de úteis, os questionários devem ser interpretados com cautela, uma vez que a presença de sinais e sintomas de DTM não necessariamente é indicativa da presença de DTM, devido à baixa especificidade dessas ferramentas, quando incorretamete utilizadas como instrumentos de diagnóstico33. Gerstner et al.30 chamam a atenção para a necessidade de se associar à avaliação de sintomas uma avaliação clínica mais direcionada.

Questionário e Índice Anamnésico de Fonseca O Questionário anamnésico de Fonseca et al.14 foi elaborado nos moldes do

Índice anamnésico de Helkimo13, e é um dos poucos instrumentos disponíveis em língua portuguesa para caracterizar a severidade dos sintomas de DTM. Foi previamente testado em pacientes com DTM14 e demonstrou uma correlação de 95% com o índice clínico de Helkimo13.

Para cada uma das questões do questionário de Fonseca são possíveis três respostas (sim, não e às vezes) para as quais são preestabelecidas três pontuações (10, 0 e 5, respectivamente) (Quadro 3). Com a somatória dos pontos atribuídos obtém-se um índice anamnésico que permite classificar os voluntários em categorias de severidade de sintomas: sem DTM (0 a 15 pontos), DTM leve (20 a 45 pontos), DTM moderada (50 a 65) e DTM severa (70 a 100 pontos).

Alguns estudos brasileiros têm utilizado o índice de Fonseca para classificação dos pacientes quanto aos sintomas de DTM8,34-36. A simplicidade desse índice favorece seu uso em estudos epidemiológicos populacionais. No entanto, ainda não foi completamente validado e também não oferece classificação diagnóstica de DTM; os dados obtidos com esse índice são pois restritos à classificação de severidade de sinais e sintomas de DTM. Outra limitação é seu sistema de pontuação, uma vez que se três respostas afirmativas forem atribuídas às questões sobre relato de dor de

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cabeça, dor cervical e percepção de tensão emocional, o voluntário será classificado como portador de DTM leve. No entanto, esses mesmos sintomas podem ocorrer de maneira isolada, sem que exista qualquer associação com a DTM.

Questionário da Academia Americana de Dor Orofacial A American Academy of Orofacial Pain recomenda um questionário12 para triagem

inicial de potenciais pacientes com dores orofaciais, inclusive DTM. Esse questionário apresenta dez questões especificas relacionadas à DTM (Quadro 4). Entretanto, o próprio autor recomenda que a triagem por questionário deva ser associada à coleta de dados pela história clínica e exame clínico.

Manfredi et al.32 aplicaram esse questionário para triagem de dor orofacial em 46 pacientes com DTM e verificaram uma sensibilidade de 85,37% e especificidade de 80% para pacientes com DTM miogênica. No entanto, para disfunções articulares foram verificados baixos níveis de sensibilidade e especificidade32. Os autores concluem que o questionário é útil para uma pré-triagem dos pacientes e, como mencionado, não permite a obtenção de diagnóstico.

Questionário e Índice de Limitação Funcional Mandibular – MFIQ O Mandibular Function Impairment Questionnaire (MFIQ)29 ou Questionário de

Limitação Funcional Mandibular, tal como o de Fonseca et al.14, tem um sistema de pontuação que o caracteriza como índice, possibilitando classificar os voluntários em categorias de severidade de limitação funcional relacionada à DTM. A validade de construto do questionário foi testada em uma amostra de 95 pacientes29.

O questionário apresenta 17 questões para as quais são possíveis cinco respostas, com valores variando de 0 a 4 (Quadro 5). A pontuação total é obtida somando-se os valores das respostas a cada questão, mas a graduação não é linear. Os autores propuseram uma ponderação em que a pontuação total é dividida pelo número de itens respondidos multiplicado por quatro (que é o valor máximo da resposta a cada questão); e o coeficiente assim obtido ainda deve ser cotejado a determinadas condições do conjunto de respostas, para se obter o grau de acometimento e a categoria de severidade. As regras para obtenção da graduação de severidade estão no Quadro 5.

Bom nível de consistência interna foi obtido para esse questionário-índice29. Entretanto, os próprios autores sugerem que estudos adicionais devam ser conduzidos em diferentes amostras de pacientes com DTM; também, outras etapas do processo de validação ainda precisam ser conduzidas, embora ele esteja sendo utilizado na literatura29, 27-39. Sua grande vantagem é que mede a limitação funcional relativa à DTM, diferentemente de outros índices que avaliam especificamente a severidade dos sinais e sintomas clínicos. Assim, esse questionário apresenta-se como uma ferramenta adequada para verificar ganhos em termos funcionais após programas de tratamento ou intervenções terapêuticas.

CONCLUSÃO

Há diferentes ferramentas disponíveis na literatura para avaliação de DTM e, para que seu uso seja apropriado, a escolha da ferramenta mais adequada deve basear-se no julgamento fundamentado, vinculado ao intuito específico do pesquisador ou do clínico. Os índices consistem na verdade em roteiros de perguntas e de tópicos de

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avaliação organizados e pontuados, que podem fornecer a classificação da severidade da condição. Os questionários são melhor empregados em estudos epidemiológicos, para traçar perfis populacionais, para fazer triagens iniciais de pacientes. ou ainda, na avaliação de qualidade de vida. Critérios diagnósticos são apresentados no artigo de mesmo título parte II, neste número da revista.

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Page 130: FisioterapiaEPesquisa15-1

Quadro 1 Índice de Helkimo13 ou de Disfunção Clínica Craniomandibular (IDCCM) com Índice de Mobilidade Mandibular (IMM) [Tradução não-oficial]

a) Índice de amplitude de movimento (ver abaixo IMM) Pontos Variação normal de movimento Movimento levemente prejudicado Movimento severamente prejudicado

0 1 5

b) Dor ao movimento da mandíbula Nenhuma dor ao movimento Dor durante um movimento Dor durante dois ou mais movimentos

0 1 5

c) Dor na ATM Nenhuma dor à palpação Dor à palpação lateral Dor à palpação posterior

0 1 5

d) Alterações na função da ATM (movimento de abertura ou fechamento) Movimento suave, sem ruído na ATM, com desvio ≤ 2 mm Ruídos na ATM em uma ou ambas as articulações e/ou desvio ≥ 2 mm Travamento e/ou luxação da ATM

0 1 5

e) Dor muscular Nenhuma sensibilidade à palpação nos músculos mastigatórios Sensibilidade à palpação em uma a três áreas Sensibilidade à palpação em quatro ou mais áreas

Soma: a + b + c + d + e

0 1 5

Valor total Intervalo Índice de disfunção Classificação da disfunção 0 Índice 0 Nenhuma disfunção 1 - 4 Índice 1 Disfunção suave 5 - 9 Índice 2 Disfunção moderada 10 - 13 Índice 3 Disfunção severa 15 - 17 Índice 4 Disfunção severa 20 - 25 Índice 5 Disfunção severa

Índice de mobilidade mandibular – IMM

Movimento/ pontos Grau de mobilidade Valores encontrados (mm)

a) Máxima abertura da boca (mm) 0 > 40 1 30 – 40 5 < 30

b)Movimento de lateralidade para direita 0 > 7 1 4 – 7 5 < 4

c) Movimento de lateralidade para esquerda 0 > 7 1 4 – 7 5 < 4

d) Protrusão máxima 0 > 7 1 4 – 6 5 < 4

Soma a + b + c + d Valor total Intervalo Índice de disfunção clínica Classificação da disfunção

0 Índice 0 Mobilidade mandibular normal

1 - 4 Índice 1 Mobilidade ligeiramente reduzida 5 - 20 Índice 5 Mobilidade severamente reduzida

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Quadro 2 Índice Temporomandibular de Fricton e Shiffman15,25 [Tradução não-oficial do apresentado por Pehling et al.26]

1 Índice funcional Amplitude de movimento Dor durante

Máxima abertura da boca ativa sem dor (>40mm) ____ mm (0) (1) movimentação

Máxima abertura da boca ativa (>40mm) ____ mm (0) (1) (0) (1) Máxima abertura passiva da boca (>40mm) ____ mm (0) (1) (0) (1) Desvio lateral direito (> 7mm) ____ mm (0) (1) (0) (1) Desvio lateral esquerdo (> 7mm) ____ mm (0) (1) (0) (1) Protrusão (> 7mm) ____ mm (0) (1) (0) (1) Superposição vertical dos incisivos ± ______ mm

Padrão de abertura (marque apenas uma linha nesta seção) Sem presença de desvio da linha média (0) Desvio com retorno para a linha média (1) Deflexão (1) Outro (1)

Índice funcional: Total de respostas positivas _______/12 = _______

2 Índice muscular: dor à palpação de áreas musculares Lado direito Lado esquerdo

Temporal anterior (0) (1) Temporal anterior (0) (1) Temporal médio (0) (1) Temporal médio (0) (1) Temporal posterior (0) (1) Temporal posterior (0) (1) Origem do masseter (0) (1) Origem do masseter (0) (1) Ventre do masseter (0) (1) Ventre do masseter (0) (1) Inserção do masseter (0) (1) Inserção do masseter (0) (1) Região posterior da mandíbula (0) (1) Região posterior da mandíbula (0) (1) Região submandibular (0) (1) Região submandibular (0) (1) Área do pterigóideo lateral (0) (1) Área do pterigóideo lateral (0) (1) Tendão do temporal (0) (1) Tendão do temporal (0) (1)

Índice muscular = Total de respostas positivas ______/20 = ______

3 Índice articular: dor à palpação e sons articulares Palpação da ATM: Lado direito Lado esquerdo Pólo lateral (0) (1) Pólo lateral (0) (1) Região posterior (0) (1) Região posterior (0) (1)

Pontuação dos sons articulares da ATM: conte apenas um positivo por lado para as seções A e B Lado direito Lado esquerdo

Estalido reprodutível durante abertura (0) (1) Estalido reprodutível durante abertura (0) (1)Estalido reprodutível durante fechamento (0) (1) Estalido reprodutível durante fechamento (0) (1)Estalido recíproco reprodutível (0) (1) Estalido recíproco reprodutível (0) (1)Estalido reproduzível na lateralização (0) (1) Estalido reproduzível na lateralização (0) (1)Estalido reprodutível na protrusão (0) (1) Estalido reprodutível na protrusão (0) (1)Estalido não-reprodutível* (0) (1) Estalido não-reprodutível* (0) (1) *Estalidos não-reprodutíveis em qualquer movimento mandibular não são válidos para pontuação

Lado direito Lado esquerdo Crepitação áspera (0) (1) Crepitação áspera (0) (1) Crepitação fina (0) (1) Crepitação fina (0) (1)

Índice articular: Total de respostas positivas _______/8 = _______

ITM: Índice funcional + Índice muscular + Índice articular / 3 = _________

B

A

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Quadro 3 Questionário anamnésico de Fonseca14 (com o qual se obtém o Índice Anamnésico de Fonseca)

Pergunta Sim (10) Não (0) Às vezes (5)

Sente dificuldade para abrir a boca?

Você sente dificuldades para movimentar sua mandíbula para os lados?

Tem cansaço/dor muscular quando mastiga?

Sente dores de cabeça com freqüência?

Sente dor na nuca ou torcicolo?

Tem dor de ouvido ou na região das articulações (ATMs)?

Já notou se tem ruídos na ATM quando mastiga ou quando abre a boca?

Você já observou se tem algum hábito como apertar e/ou ranger os dentes (mascar chiclete, morder o lápis ou lábios, roer a unha)?

Sente que seus dentes não se articulam bem?

Você se considera uma pessoa tensa ou nervosa?

Obtenção Índice anamnésico Grau de acometimento do índice: 0 - 15 Sem DTM

Soma dos pontos 20 - 40 DTM leve atribuídos acima 45 - 65 DTM moderada

70 - 100 DTM severa

Quadro 4 Questionário para avaliação de disfunção temporomandibular recomendado pela Academia Americana de Dor Orofacial12 [Tradução oficial]

Pergunta Sim Não

Você tem dificuldade, dor ou ambas ao abrir a boca, por exemplo, ao bocejar?

Sua mandíbula fica “presa”, “travada” ou sai do lugar?

Você tem dificuldade, dor ou ambas ao mastigar, falar ou usar seus maxilares?

Você percebe ruídos na articulação de seus maxilares?

Seus maxilares ficam rígidos, apertados ou cansados com regularidade?

Você tem dor nas orelhas ou em volta delas, nas têmporas e bochechas?

Você tem cefaléia, dor no pescoço ou nos dentes com freqüência?

Você sofreu algum trauma recente na cabeça, pescoço ou maxilares?

Você percebeu alguma alteração recente na sua mordida?

Você fez tratamento recente para um problema não-explicado na articulação mandibular?

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Quadro 5 Questionário e Índice de Limitação Funcional Mandibular (MFIQ)29 [Tradução não-oficial]

Item Nível de dificuldade Nenhuma Um pouco Bastante Muita Muitíssima*

Pontuação (0) (1) (2) (3) (4)

Com relação a queixas de dores na mandíbula, quanto de dificuldade você apresenta para realizar as seguintes atividades:

1 Atividades sociais 2 Falar 3 Dar uma boa mordida 4 Mastigar comida dura 5 Mastigar comida mole 6 Trabalhar ou realizar atividades de vida diária 7 Beber 8 Rir 9 Mastigar comida dura 10 Bocejar 11 Beijar

Comer inclui morder, mastigar e deglutir. Quanto de dificuldade você tem para comer os seguintes alimentos:

1 Uma bolacha dura 2 Um bife 3 Uma cenoura crua 4 Um pão francês 5 Amendoim 6 Uma maçã

Soma das pontuações S = = _____ + _____ + _____ + _____ + _____ Cálculo do índice: C = S/N.4, onde S = soma das pontuações obtidas e N = número de itens respondidos (divida a

soma S encontrada pelo número de itens respondidos vezes 4) Para chegar ao grau de acometimento funcional, calcule C e siga as regras da 1a coluna:

Regras (R = resposta/s) Faixas de variação do índice C Grau de acometimento funcional

Todas as R com pontuação < 2 C < 0,3 0 Pelo menos uma R > 2 C < 0,3 1 Todas as R com pontuação < 3 0,3 < C < 0,6 2 Pelo menos uma R > 3 0,3 < C < 0,6 3 Todas as R ≠ 4 C > 0,6 4 Todas as R = 4 C > 0,6 5

I baixo 0 ou 1 II moderado 2 ou 3 Graduação da severidade

III severo 4 ou 5

* Pontuação (4): no original, “é muito difícil OU é impossível sem ajuda”

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132

Principais instrumentos para avaliação da disfunção temporomandibular, parte II: critérios diagnósticos; uma contribuição para a prática clínica e de pesquisa Main instruments for assessing temporomandibular disorders, part II: diagnostic criteria; a contribution to clinicians and researchers

Título condensado: Instrumentos para avaliação da DTM – 2

AS AUTORAS AINDA FARÃO ADAPTAÇÕES À p.134 PARA SUPRIR A AUSÊNCIA DO (EX-)QUADRO 2

E AINDA FALTA ACERTAR O (NOVO) QUADRO 2 Thaís Cristina Chaves1, Anamaria Siriani de Oliveira2, Débora Bevilaqua Grossi2

1 Fisioterapeuta; Ms. 2 Fisioterapeutas; Profas. Dras. do Depto. de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho

Locomotor, FMRP/USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo)

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Débora Bevilaqua Grossi Depto. de Biomecânica – RAL FMRP / USP Campus Universitário 14049-900 Ribeirão Preto SP e-mail: [email protected]

RESUMO: Na literatura especializada, encontram-se variados instrumentos para avaliação da disfunção temporomandibular (DTM), sob a forma de índices, questionários, protocolos, escalas e critérios de diagnóstico. Este estudo, dividido em duas partes, visou caracterizar os principais instrumentos de avaliação da DTM disponíveis na literatura, para auxiliar o clínico e o pesquisador na correta escolha da ferramenta apropriada para seus objetivos clínicos ou científicos. Na parte I foram caracterizados dois índices clínicos e três questionários (anamnésicos e funcionais); e, nesta parte II, um questionário funcional e dois conjuntos de critérios diagnósticos. Os índices são ferramentas que organizam a avaliação de sinais e sintomas, pela obtenção de pontuações. Os questionários são melhor aplicados em estudos epidemiológicos. Para avaliação dos eventuais impactos da DTM nas atividades de vida diária, os questionários funcionais são mais adequados. Finalmente, os critérios permitem obter o diagnóstico da disfunção. O RDC/TMD (Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders, Critérios diagnósticos para pesquisa em DTM) é um dos poucos instrumentos que define critérios operacionais para o diagnóstico clínico. O RDC/TMD, disponível em tradução oficial para o português, tem a maior parte de suas propriedades psicométricas e acurácia verificadas, caracterizando-se como uma das ferramentas mais apropriadas para avaliação da DTM. Descritores: Avaliação; Diagnóstico; Índice de gravidade de doença; Questionários; Transtornos

da articulação temporomandibular ABSTRACT: Several instruments for assessing temporomandibular disorders (TMD) are available in literature, such as indices, questionnaires, protocols, scales, and diagnostic criteria. The purpose of this study, divided into two parts, was to characterise main tools available for TMD evaluation, so as to offer both researchers and clinicians guiding information on instrument selection according to their clinical or research needs. Two clinical indices and three (anamnestic and functional) questionnaires were presented in part I; and, here in part II, one functional questionnaire and two sets of diagnostic criteria. Indices consist of organized forms for assigning scores to signs and symptoms thus obtaining severity degrees. Questionnaires are better employed for epidemiological purposes. Functional questionnaires are better used to assess impact of TMD on daily life activities. There are few specific sets of systematised diagnostic criteria available for diagnosing TMD. The Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD) has been partially translated into Portuguese and had its accuracy and most psychometric properties validated, hence seems the best choice for assessing TMD. Key words: Diagnosis; Evaluation; Questionnaires; Severity of illness index; Temporomandibular

joint disorders

APRESENTAÇÃO set. 2006

ACEITO PARA PUBLICAÇÃO ago. 2007

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INTRODUÇÃO

Disfunção temporomandibular (DTM) é um termo que se aplica a alterações funcionais relativas à articulação temporomandibular (ATM) e estruturas mastigatórias associadas1, como ruídos articulares, limitações na amplitude de movimento ou desvios durante a função mandibular, que são considerados sinais de DTM, e dor pré-auricular, dor na ATM ou nos músculos mastigatórios, caracterizados como sintomas2.

Considerando-se que a etiologia da DTM é multifatorial, e que tal disfunção é caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas, estes devem ser organizados de maneira clara, padronizada e operacional para avaliação e classificação correta da DTM, tanto funcional quanto diagnóstica. Os vários instrumentos para avaliação de DTM disponíveis na literatura apresentam vantagens, desvantagens e limitações, bem como aplicabilidades distintas.

Este estudo visou caracterizar os principais instrumentos de avaliação da DTM disponíveis na literatura, para auxiliar o clínico e o pesquisador na correta escolha da ferramenta apropriada para contemplar seus objetivos clínicos ou científicos. Na parte I (ver artigo neste mesmo número da revista) foram apresentados índices e questionários. Neste, discutem-se um questionário funcional e os critérios diagnósticos.

METODOLOGIA

Os instrumentos aqui apresentados resultam de uma pesquisa na base de dados PubMed de artigos recentes (publicados entre 2000 e 2007) mediante o descritor temporomandibular joint disorders associado a assessment, index e clinical diagnosis. Foram retidos os artigos referentes às ferramentas mais citadas e que contivessem a íntegra do instrumento proposto.

QUESTIONÁRIO FUNCIONAL

O Questionário de Sintomas Mandibulares e Hábitos Orais foi proposto por Gerstner et al.3 e é caracterizado por dois domínios: avaliação da dor mandibular e avaliação da função mandibular (Quadro 1). Para cada questão há cinco possibilidades de resposta, com pontuações variando entre 0 e 4. A vantagem desse questionário é permitir avaliar ao mesmo tempo a severidade de sinais e sintomas clínicos e a severidade da limitação funcional relativa à DTM.

Foram verificados níveis de sensibilidade variando entre 90,3% e 97,7% e especificidade de 95,7% a 100% para valores de corte entre 5 e 9 da pontuação total do índice, para diferenciar pacientes com DTM em relação a um grupo controle3. Diferentemente do MFIQ (Questionário de Limitação Funcional Mandibular – ver parte I), não foi estabelecido para esse questionário-índice um sistema de graduação para quantificar a severidade da dor ou da limitação funcional. Assim, em estudos em que se objetiva fazer uma avaliação única da limitação funcional relativa à DTM, e não ao longo do tempo, ou ainda para aplicações não-relacionadas a pesquisa, o MFIQ pode ser uma alternativa mais adequada.

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CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Uma das classificações diagnósticas disponíveis na literatura mais amplamente utilizada e aceita e para a qual foram relatados níveis de confiabilidade aceitáveis é o RDC/TMD – Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders ou Critério de Diagnóstico para Pesquisa em Disfunção Temporomandibular4. Este já foi formalmente traduzido para 18 línguas5, incluindo o português* – a parte denominada Eixo II do questionário já foi aplicada em uma amostra brasileira e, portanto, a etapa de validação de face já foi realizada6,7.

Um obstáculo crítico para o conhecimento da DTM é a falta de um critério diagnóstico padronizado para definir subtipos clínicos da disfunção. Corrigindo essa falha, o RDC/TMD agrupa um conjunto de critérios diagnósticos para pesquisa, visando permitir padronização e replicação da pesquisa sobre as formas etiológicas mais comuns de DTM (miogênicas e artrogênicas). O RDC/TMD tem abordagem biaxial, permitindo uma mensuração confiável de achados físicos no Eixo I e avaliação do status psicossocial, que envolve indivíduos com perfil de disfunção dolorosa crônica (depressão, ansiedade e relação desses fatores com outros sintomas físicos) no Eixo II 4. Dessa forma, o RDC/TMD é uma das poucas ferramentas disponíveis na literatura que permite a avaliação diagnóstica da disfunção e das condições psicossociais a ela relacionadas, uma vez que a DTM é basicamente uma condição de dor crônica4.

O sistema de diagnóstico não é hierárquico e permite diagnósticos múltiplos para um único indivíduo. Os diagnósticos são divididos em três grupos: grupo I, Diagnósticos musculares (dor miofascial e dor miofascial com abertura limitada); grupo II, Deslocamentos de disco (deslocamento de disco com redução, deslocamento de disco sem redução com abertura limitada, e deslocamento de disco sem redução, sem abertura limitada); e grupo III, Artralgia, artrite, artrose (artralgia, osteoartrite da ATM e osteoartrose da ATM).

Como regra para o diagnóstico, a um indivíduo poderá ser atribuído no máximo um diagnóstico muscular (grupo I) (dor miofascial ou dor miofascial com abertura limitada, mas não ambos) para cada articulação; e no máximo um diagnóstico do grupo II e um do grupo III. Os diagnósticos dentro de qualquer grupo são mutuamente exclusivos. Isso significa que, em princípio, um indivíduo pode receber desde um diagnóstico zero (sem condições articulares ou musculares diagnosticáveis) até cinco diagnósticos (um diagnóstico muscular mais um diagnóstico do grupo II mais um diagnóstico do grupo III, para cada articulação). No Quadro 2 apresentam-se os critérios para obter o diagnóstico a partir da avaliação clínica (Eixo 1). Para obtenção do diagnóstico, cada critério deve ser consultado nos itens da avaliação clínica (AC) ou no questionário de história (Q). Essas fichas de avaliação estão disponíveis no site do RDC/TMD internacional (www.rdc-international.org).

Algumas limitações foram apontadas nesse sistema de diagnóstico. Como se trata de um critério para pesquisa, pacientes com sinais e sintomas clinicamente relevantes e característicos de DTM podem não se enquadrar nas classificações do

* As diversas versões em diferentes línguas do RDC/TMD estão disponíveis no seguinte endereço eletrônico: www.rdc-tmdinternational.org/index.htm.

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RDC/TMD. Assim, caso um paciente não apresente estalido articular recíproco em pelo menos duas de três repetições consecutivas do movimento de abertura/fechamento da boca, este pode não ser incluído na categoria de deslocamento de disco com redução –o que não significa que o paciente não apresente deslocamento de disco. Tal aspecto pode somente indicar que os sinais clínicos de DTM desse paciente não apresentam reprodutibilidade compatível com a exigida pelos padrões de avaliação do RDC/TMD.

Outro aspecto que deve ser considerado é a falta de evidência científica para alguns critérios operacionais como, por exemplo, para a utilização de uma libra (lb) para a palpação manual da ATM e estruturas intra-orais e 2 lbs para a palpação das estruturas extra-orais. Relatos sobre a especificidade e sensibilidade desses valores de pressão para a palpação manual são escassos na literatura8.

Quanto a suas propriedades psicométricas, não se encontraram na literatura trabalhos que tenham estabelecido os níveis de sensibilidade e especificidade do diagnóstico pelo RDC/TMD em amostras de pacientes com DTM que procuraram atendimento, ou seja, não há relatos sobre “reais pacientes com DTM” que tenham sido considerados como “não-portadores de DTM” por esse critério.

No entanto, este é o único sistema de diagnóstico que fornece a descrição detalhada de sua obtenção, em um manual de critérios operacionais; e, ainda, por se tratar de uma ferramenta biaxial, fornece um protocolo de avaliação detalhado que deve ser seguido para efetivação do diagnóstico (Eixo I) e um questionário estruturado para avaliação do status psicossocial do paciente com DTM (Eixo II). Os autores e membros do consórcio internacional em prol da iniciativa têm feito grandes esforços para que versões transculturalmente adaptadas sejam efetivadas em diferentes centros5,9-11, a fim de se obter uniformização dos termos entre diferentes culturas e dentro de um mesmo país. E estudos de confiabilidade têm sido conduzidos para seu estabelecimento por diferentes examinadores em diferentes locais do mundo5.

Vale ressaltar que, apesar de suas limitações, por ser um instrumento que contempla a maior parte dos aspectos que o tornam uma ferramenta viável do ponto de vista diagnóstico, o RDC/TMD tem sido amplamente utilizado na literatura10,12-15. Assim, renomados pesquisadores em diferentes partes do mundo têm se voltado para a verificação de suas propriedades psicométricas e testes de acurácia de diagnóstico5,8,16,17.

Critério de Diagnóstico Clínico para a Disfunção Temporomandibular (CDC/TMD)

O Clinical Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (CDC/TMD) ou Critério de diagnóstico clínico para a disfunção temporomandibular é um dos poucos sistemas de diagnóstico clínico disponíveis18. Este é o sistema utilizado pela Clínica de Dor Orofacial e Desordens Temporomandibulares da Universidade de Washington (Quadro 2). O aspecto mais importante desse critério, tal como do RDC/TMD, é seu caráter explicitamente clínico, ou seja, o clínico é capaz de obter um diagnóstico na ausência de testes laboratoriais sofisticados, com níveis satisfatórios de confiabilidade e validade19.

Dworkin e LeResche4, em uma revisão de literatura, consideraram o CDC/TMD18 como o sistema de diagnóstico que contempla a maior parte dos aspectos metodológicos

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aplicáveis na pesquisa e na clínica de um instrumento, como método amostral utilizado no estudo de proposição da ferramenta; aplicabilidade clínica; confiabilidade intra e inter-examinadores; especificidade e sensibilidade da ferramenta; plausibilidade diagnóstica; sistema taxonômico abrangente; e a possibilidade de múltiplos diagnósticos.

Os autores desse instrumento chamam a atenção para o fato de que é um dos poucos critérios de diagnóstico clínico que possibilita a classificação de condições artrogênicas e miogênicas, além de múltiplos diagnósticos, ou seja, a classificação da disfunção de um paciente não fica restrita a um grupo apenas. Em geral, os sistemas de diagnóstico supervalorizam o diagnóstico de condições artrogênicas em detrimento do de condições miogênicas, quando o paciente pode apresentar ambas as condições. Por outro lado, porém, os autores não descrevem critérios operacionais para obtenção dos dados clínicos.

CONCLUSÃO

As várias ferramentas de avaliação de DTM disponíveis na literatura e aqui examinadas devem ter a utilização vinculada às esferas de avaliação do pesquisador ou clínico, ou seja, aspectos físicos, psicológicos, nível de interferência na realização das atividades de vida diária. Quando o objetivo é a obtenção de um diagnóstico, detacam-se o Critério de Diagnóstico Clínico para a DTM e o RDC/TMD. Este último, que resulta dos esforços dos maiores pesquisadores da área, tem a acurácia diagnóstica e a maior parte de suas propriedades psicométricas verificadas, caracterizando-se como uma das mais bem-estruturadas ferramentas disponíveis na literatura para avaliação da DTM.

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14 Ohlmann B, Rammelsberg P, Henschel V, Kress B, Gabbert O, Schmitter M. Prediction of TMJ arthralgia according to clinical diagnosis and MRI findings. Int J Prosthodont. 2006;19(4):333-8.

15 Schmitter M, Gabbert O, Ohlmann B, Hassel A, Wolff D, Rammelsberg P, et al. Assessment of the reliability and validity of panoramic imaging for assessment of mandibular condyle morphology using both MRI and clinical examination as the gold standard. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2006;102(2):220-4.

16 Schmitter M, Ohlmann B, John MT, Hirsch C, Rammelsberg P. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: a calibration and reliability study. Cranio. 2005; 23(3):212-8.

17 Nilsson I, List T, Drangsholt M. The reliability and validity of self-reported temporomandibular disorder pain in adolescents. J Orofac Pain. 2006;20:138-44.

18 Truelove EL, Sommers EE, LeResche L, Dworkin SF, Von Korff M. Clinical diagnostic criteria for TMD: new classification permits multiple diagnoses. J Am Dent Assoc. 1992;123(4):47-54.

19 Schiffman EL, Anderson G, Fricton JR, Burton K, Schellhas K. Diagnostic criteria for intra-articular TM disorders. Community Dent Oral Epidemiol. 1989;17;252-7.

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138

Quadro 1 Questionário de Sintomas Mandibulares e Hábitos Orais3 [Tradução não-oficial]

Questões relacionadas à dor mandibular Intensidade da dor

Nenhuma Pouca Muita Quase insuportável

Insuportável sem alívio

1 Sua mandíbula dói quando você abre bem a boca ou quando boceja?

2 Sua mandíbula dói quando você mastiga ou utiliza a mandíbula?

3 Sua mandíbula dói quando você não está mastigando ou utilizando a mandíbula?

4 Sua dor piora quando você acorda? 5 Você tem dor na frente das orelhas ou

dores de ouvido?

6 Você tem dor nos músculos da mandíbula (bochecha)?

7 Você tem dor nas têmporas? 8 Você tem dor ou desconforto nos dentes?

Questões relacionadas à função mandibular Intensidade do incômodo

Não Talvez um pouco Bastante Quase

sempre O tempo todo

sem parar 9 Suas articulações da mandíbula

apresentam ruídos que incomodam você e os outros?

10 Você sente dificuldade em abrir a boca completamente?

11 Sua mandíbula fica travada fechada, ao ponto de você não conseguir abrir a boca?

12 Sua mandíbula fica travada aberta, ao ponto de você não conseguir fechar a boca?

13 Sua mordida é desconfortável?

Quadro 2 Critérios de diagnóstico clínico para DTM18 [Tradução não-oficial]

Diagnóstico Critérios operacionais Critérios opcionais (sintomas que devem estar presentes com o? diagnóstico)

Mialgia tipo 1

Relato de dor orofacial Dor à palpação muscular em dois ou mais locais (músculos masseter, temporal, tendão do temporal, supra-hióideo, região do estilo-hióideo, pterigóideo lateral) Em mais de um local, a dor deve ter intensidade de pelo menos 2, em uma escala de 0 a 3

Dor maçante nos músculos da face Sensação de tensão ou rigidez nos músculos da face Dor ou fadiga nos músculos da face durante função Sintomas de ouvido – vertigo, tinitus

Mialgia tipo 2

Relato de dor orofacial Dor à palpação muscular em dois ou mais locais (acima citados) Em mais de dois locais, a dor deve ter intensidade de pelo menos 2, em uma escala de 0 a 3

Os mesmos descritos acima

Disfunção dolorosa miofascial

Mialgia 1 ou 2, mais: AM mandibular ativo <40 mm e AM mandibular passivo maior que o ativo em 4 ou mais mm

Os mesmos critérios para a mialgia, mais: Sensação de mudança variável na mordida Desvio para o lado afetado durante abertura da boca Variação do comportamento da dor ao longo do dia

Abr = abertura; AM = Amplitude de movimento; Fech = fechamento

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Quadro 2 Critérios de diagnóstico clínico para DTM [Tradução não-oficial] (cont.)

Diagnóstico Critérios operacionais Critérios opcionais (sintomas que devem estar presentes com o? diagnóstico)

Desarranjo interno tipo 1

Estalido articular durante realização de movimento Estalido articular durante protrusão e desvio lateral Fech da boca normal com ou sem estalido

Desvio mandibular durante Abr da boca com subseqüente correção após estalido Dor leve ocasional durante realização da amplitude de movimento Estalido recíproco durante movimento

Desarranjo interno tipo 2

Mesmos critérios para o desarranjo interno tipo 1, com períodos breves de captura do disco durante Abr da boca

Mesmos critérios para desarranjo tipo 1, mais: desvio durante Abr com recaptura; amplitude de Abr da boca limitada até 35 mm ou menos, durante captura e antes do estalido

Desarranjo interno tipo 3 (deslocamento de disco sem redução) A - Agudo B – Crônico

AM mandibular ativo <35 mm Aumento da AM mandibular passivo em relação ao ativo de 3 ou mais mm História de redução súbita da amplitude de Abr da boca História prévia de estalidos articulares, desaparecimento do estalido e diminuição repentina coincidente com Abr da boca

Deflexão durante movimento mandibular amplo Dor articular durante movimento mandibular amplo ou Abr da boca passiva Dor à palpação articular Dor articular ao repouso Aumento dos contatos oclusais no lado afetado

Capsulite/Sinovite Dor articular durante: - palpação - função - realização de ?movimento passivo

Dor articular no repouso Inchaço articular Dor no ouvido

Estiramentos ou compressões relacionados a traumas

Mesmos critérios para diagnóstico de capsulite mais História recente de trauma precedendo o aparecimento de dor Dor nas excursões laterais para direita ou esquerda, ou dor nos movimentos de retrusão ou protrusão

Os mesmos critérios para capsulite mais Inchaço articular Desvio da mandíbula durante amplitude de abertura da boca Diminuição da amplitude de movimento secundária à dor

Perfuração posterior do disco ou ligamento

Sem critérios diagnósticos para distinção

Estalido na abertura da boca Dor durante estalido Crepitação suave Dor articular durante função Captura do disco durante Abr ou Fech da boca

Doença articular degenerativa artrite/artrose com artralgia

Mesmos critérios para capsulite, mais: ausência de sinais positivos em testes laboratoriais para doenças vasculares do colágeno Crepitação ou rangido duro

Desvio durante amplitude de movimento mandibular Dor articular sem função Mordida aberta anterior ou no lado não afetado Evidências radiográficas de mudanças articulares Crepitação suave

Doença articular degenerativa artrite/artrose sem artralgia (relacionada ao envelhecimento, traumática ou idiopática)

Mesmos critérios da anterior, com artralgia, exceto pela dor durante palpação, função ou movimentação articular

Mesmos critérios para doença articular degenerativa sem artralgia, exceto pela ausência da dor na ausência de função

Doenças vasculares do colágeno (doença sistêmica com envolvimento local)

Os mesmos critérios para capsulite mais: Testes laboratoriais positivos para doenças do

sistema imune ou presença de critérios clínicos requeridos para o diagnóstico de doença colagenosa

Mordida aberta anterior Inchaço articular Mudanças radiográficas Redução na AM mandibular Crepitação ou rangido articular durante realização da amplitude de movimento Sinais sistêmicos ou periféricos de doença vascular do colágeno

Abr = abertura; AM = Amplitude de movimento; Fech = fechamento

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3a capa (não houve mudança em relação ao n. anterior) Fisioterapia e Pesquisa revista do Curso de Fisioterapia do Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Fofito/FMUSP

CONSELHO CONSULTIVO (Fofito/FM/USP)

Profa. Dra. Carolina Fu Profa. Dra. Celisa Tiemi N. Sera Prof. Dr. Celso Ricardo F. de Carvalho Profa. Dra. Clarice Tanaka Profa. Dra. Fátima Aparecida Caromano Profa. Dra. Raquel Aparecida Casarotto Profa. Dra. Maria Elisa Pimentel Piemonte Profa. Dra. Renata Hydee Hasue Vilibor

SECRETARIA Patrícia Pereira Alfredo

INDEXAÇÃO E NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Serviço de Biblioteca e Documentação da FMUSP e-mail: [email protected]

EDIÇÃO DE TEXTO, PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTE Tina Amado, Alba A. G. Cerdeira Rodrigues e Daniel Carvalho Pixeletra ME

IMPRESSÃO Gráfica UNINOVE

Tiragem: 800 exemplares

Fisioterapia e Pesquisa Curso de Fisioterapia Fofito/FM/USP R. Cipotânea 51 Cidade Universitária 05360-160 São Paulo SP e-mail: [email protected] http://medicina.fm.usp.br/fofito/fisio/revista.php

INSTITUIÇÕES PARCEIRAS

APOIO INSTITUIÇÕES COLABORADORAS

Logos FMUSP, SIBI, CREFITO, Uninove Logo FM-RP

‘legendas”:

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO / USP