Fisica Quântica e Formação Docente: Confluência de Várias Redes
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE EDUCAO, INSTITUTO DE BIOCINCIAS,
INSTITUTO DE FSICA, INSTITUTO DE QUMICA
OSVALDO CANATO JNIOR
FSICA QUNTICA E FORMAO DOCENTE:
CONFLUNCIA DE VRIAS REDES
So Paulo 2014
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OSVALDO CANATO JNIOR
FSICA QUNTICA E FORMAO DOCENTE:
CONFLUNCIA DE VRIAS REDES
Tese apresentada Universidade de So Paulo
como parte dos requisitos necessrios obteno
do ttulo de doutor em Ensino de Cincias
rea de concentrao: Ensino de Fsica.
Comisso Examinadora:
Prof. Dr. Iv Gurgel (IFUSP)
Prof. Dr. Lus Carlos de Menezes (IFUSP)
Prof. Dr. Osvaldo Frota Pessoa Jr (FFLCH)
Prof. Dr. Nilson Jos Machado (FEUSP)
Prof. Dr. Pedro Demo (UNB)
Orientador: Prof. Dr. Lus Carlos de Menezes
So Paulo 2014
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
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FICHA CATALOGRFICA Preparada pelo Servio de Biblioteca e Informao do Instituto de Fsica da Universidade de So Paulo
Canato Jnior, Osvaldo Fsica quntica e formao docente: confluncia de vrias redes. So Paulo, 2014. Tese (Doutorado) Universidade de So Paulo. Faculdade de Educao, Instituto de Fsica, Instituto de Qumica e Instituto de Biocincias. Orientador: Prof. Dr. Lus Carlos de Menezes rea de Concentrao: Ensino de Fsica Unitermos: 1. Fsica (Estudo e ensino); 2. Fsica quntica; 3. Redes complexas; 4. Formao de professores; 5. Complexidade e aprendizagem. USP/IF/SBI-006/2014
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AGRADECIMENTOS
Ao professor Lus Carlos de Menezes, pela orientao e parceria, sempre voltadas ao
desenvolvimento da autonomia e ao convite a novas e desafiantes perspectivas.
Aos professores Nilson Jos Machado e Manoel Roberto Robilotta, pelas
contribuies feitas no exame de qualificao.
professora Yassuko Hosoume, pela colaborao na reescrita do projeto de
doutoramento, bem como por suas valiosas dicas quanto a possibilidades de novos trajetos
acadmicos e profissionais que acabaram por me levar ao IFSP, inaugurando perspectivas
muito mais abrangentes para o prprio doutoramento, bem como para o desenvolvimento
profissional.
Aos colegas do IFSP, pela acolhida quando da entrada na instituio e no apoio e
sugestes referentes ao desenvolvimento das disciplinas por mim ministradas, incluindo-se
nisso a prpria escolha/atribuio de disciplinas que dialogassem com esta pesquisa de
doutoramento.
Ao Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de So Paulo (IFSP), pela
concesso de afastamento remunerado durante o ltimo ano de doutoramento, que tornou
possvel apostar em pesquisa de maior abrangncia, bem como reolhar minhas prticas na
formao docente sem estar em meio ao processamento de novas prticas e afazeres
profissionais.
Direo Geral do Campus So Paulo do IFSP, pelo convite e parceria quanto ao
trabalho na coordenao EaD que possibilitou maior experincia na gesto de ambientes
virtuais, bem como a toda a equipe de professores e servidores do IFSP (Campus SP e
Reitoria) envolvidos de uma forma ou outra na gesto das prticas em tais ambientes, com
especial meno ao colega Mrcio Corrallo pelo aceite em assumir a referida coordenao
quando de meu afastamento para qualificao.
Aos licenciandos do IFSP, especialmente queles que participaram de verses por
mim ministradas das disciplinas Oficinas de Projetos de Ensino e Estrutura da Matria, pela
parceria na evoluo das aulas e na realizao das atividades.
Veranice, pelo companheirismo, apoio, pacincia, e inmeras outras qualidades e
aes, incluindo-se as leituras de diversas verses deste texto e das constantes conversas sobre
o desenvolvimento da pesquisa, fonte de valiosas sugestes.
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RESUMO
CANATO JR., O. Fsica Quntica e Formao Docente: Confluncia de Vrias Redes.
2014. 210 f. Tese (Doutorado) Instituto de Fsica, Instituto de Biocincias, Instituto de
Qumica, Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, 2014.
Tendo reformulado a mecnica surgida da termoestatstica das radiaes
eletromagnticas, a fsica quntica abriu o caminho nas baixas energias para a complexidade
dos materiais e da vida, e nas altas energias para as partculas elementares e conexes
cosmolgicas. Entre as demais cincias, ela fundamenta a qumica fina, a biologia molecular e
inmeras aplicaes prticas. No cotidiano tecnolgico, atravs dos semicondutores e lasers
da microeletrnica, a quntica a alma conceitual das telecomunicaes e das redes
informticas, instrumentando todas as atividades humanas, das relaes pessoais s prticas
mdicas, e condicionando a emergncia de uma sociedade em rede. Em associao com as
tecnologias que promove, o domnio quntico tem sido central na investigao das redes
complexas que transforma a compreenso de processos naturais, tecnolgicos e sociais. Das
redes neurais s sociais, qualquer campo de atividade e de conhecimento est sendo
modificado ou desequilibrado pela percepo de seu carter complexo. Impactada pelo novo
ambiente, a educao j se desenvolve com recursos em rede amplamente difundidos e rev a
conceituao do aprender como algo complexo e em rede em lugar da velha sequncia linear
de contedos. Sendo convergncia e fonte de vrias redes, a quntica pode cumprir importante
papel na trama de redes de significados no processo de ensino e aprendizagem. Formar os
professores com e para tais prticas pode dar mais significado a esse domnio cientfico j
presente em nossa escola bsica, mas cujo sentido real frequentemente escapa para quem
aprende tanto quanto para quem ensina. Esta tese busca apresentar uma viso em rede do
conjunto das redes entretecidas com a fsica quntica, tendo como contexto prtico a
formao inicial de professores.
Palavras-chave: Fsica (estudo e ensino). Fsica quntica. Redes complexas. Formao de
professores. Complexidade e aprendizagem
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ABSTRACT
CANATO JR., O. Quantum Physics and Teacher Training: Confluence of Several
Networks. 2014. 210 f. Tese (Doutorado) Instituto de Fsica, Instituto de Biocincias,
Instituto de Qumica, Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, 2014.
Quantum Physics, a reconceptualization of Mechanics that emerged from the thermo
statistics of electromagnetic radiation, has paved the way to the complexity of materials and
life, at low energies, and to elementary particles and its cosmological connections, at high
energies. Among the other sciences, quantum physics is the foundation to the new fine
chemistry, as well as to the molecular biology and to their numerous practical applications. In
everyday technology, through semiconductors and lasers of the microelectronic, quantum
physics is the conceptual soul of telecommunications and informatics networks, giving tools
to all sort of activities, from social relationships to the medical practices, and conditioning the
emergency of a network society. In relation with technologies, the quantum domain has been
central to the research of complex networks that changes the understanding of natural,
technological and social processes. From neural to social networks, every field of activity and
knowledge is nowadays modified or unbalanced by the perception of its complex character.
Impacted by this new environment, education already develops with highly available network
resources and reevaluates the concept of learning, as something complex instead of the old
linear sequence of subjects. As convergence and source of many networks, quantum physics
can play important role in the network of meanings of teaching and learning process. The
training of teachers with and for these practices can give broader meaning to this scientific
field already present in our basic school, but whose real meaning frequently is missed both by
who learns as well as by who teaches. This tesis wants to presents a network vision of the
ensemble of the networks weaved togheter with quantum physics, in the practical context of
training future teachers.
Keywords: Physics (study and teaching). Quantum physics. Complex networks. Teacher
training. Complexity and learning.
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SUMRIO
1 Introduo ........................................................................................................................................... 11
1.1 Percurso ...................................................................................................................................... 11 1.2 Apresentao .............................................................................................................................. 14
2 Fsica quntica tecido de vrias redes ........................................................................................... 19 2.1 Na construo histrica e interligao conceitual da fsica ........................................................ 20 2.2 Na interligao entre as cincias e outras reas ........................................................................ 32 2.3 Na vivncia contempornea ....................................................................................................... 37 2.4 Na catlise da evoluo social e tecnolgica ............................................................................. 43
3 O mundo das redes ........................................................................................................................... 49 3.1 Ns, links e suas propriedades ................................................................................................... 50 3.2 Redes biolgicas ......................................................................................................................... 57 3.3 Redes cerebrais .......................................................................................................................... 61 3.4 Internet e web ............................................................................................................................. 64 3.5 Empresas em rede ...................................................................................................................... 67 3.6 Coautorias ................................................................................................................................... 69 3.7 Coocorrncia de citaes ........................................................................................................... 71 3.8 Minerao de textos e redes conceituais ................................................................................... 75 3.9 O enredo como rede ................................................................................................................... 83 3.10 Histrias contrafactuais e redes de influncias entre avanos ................................................. 87 3.11 Conexes .................................................................................................................................. 90
4 Uma educao cientfica em rede ..................................................................................................... 91 4.1 Hipertextos, rizomas e complexidade ......................................................................................... 92 4.2 Mapa, narrativa, avaliao e formao docente ....................................................................... 102
4.2.1 Ideias fundamentais e mapas de relevncias ................................................................... 102 4.2.2 Construo dos significados e narrativas .......................................................................... 107 4.2.3 Avaliao qualitativa e formao docente ......................................................................... 114
4.3 Virtual e real .............................................................................................................................. 118 4.4 Ensino, aprendizagem e fsica quntica ................................................................................... 129
5 Prticas na formao de professores ............................................................................................. 141 5.1 Oficinas de Projetos de Ensino ................................................................................................. 142
5.1.1 OFICINAS Fase I ............................................................................................................ 144 5.1.2 OFICINAS Fase II ........................................................................................................... 149
5.1.2.1 Respirando quntica..................................................................................................... 152 5.1.2.1.1 Nuvens de palavras como filtros de relevncias ................................................... 155 5.1.2.1.2 Redes de palavras como realce ao individual dentro do coletivo ......................... 159
5.1.2.2 Redes conceituais ........................................................................................................ 164 5.1.3 Novas percepes sobre a quntica e seu ensino ............................................................ 171
5.2 A disciplina Estrutura da Matria .............................................................................................. 177 5.2.1 As radiaes como teia quntica ....................................................................................... 178 5.2.2 Perguntas qunticas .......................................................................................................... 182 5.2.3 Um feixe de atividades ...................................................................................................... 185
5.3 Um ambiente virtual .................................................................................................................. 190 6 (IN)Concluso: redes abertas ......................................................................................................... 201 Referncias Bibliogrficas ................................................................................................................... 205 APNDICE A - Exemplos de inseres da quntica como rede ........................................................ 213 APNDICE B Textos reflexivos de licenciandos - OFICINAS_V4 .................................................. 229 APNDICE C Avaliao diagnstica OFICINAS_V5 - 2012_01................................................... 231 APNDICE D - Macros desenvolvidas no Word ................................................................................. 235 APNDICE E - Classificao dos ns da rede conceitual - OFICINAS_V7 ....................................... 237 APNDICE F Respostas da avaliao diagnstica aplicada na OFICINAS V_7 ............................ 241 APNDICE G - Exemplo de texto utilizado em ESM .......................................................................... 247 APNDICE H Perguntas qunticas ................................................................................................. 251 APNDICE I Cruzadas e outros passatempos online utilizados em ESM. ..................................... 259 APNDICE J Roteiros referente ao experimento de Millikan .......................................................... 263 NDICE DOS AUTORES CITADOS .................................................................................................... 271
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1 Introduo 11
1 INTRODUO
1.1 PERCURSO
O incio das atividades que resultaram na elaborao desta tese deu-se no mesmo
perodo de minha posse no cargo de Professor de Ensino Bsico Tcnico e Tecnolgico no
Instituto Federal de Educao Cincia e Tecnologia, Campus So Paulo (IFSP-SP),
determinando diversas experincias que condicionaram nova perspectiva para a pesquisa.
Aps uma carreira j consolidada de 23 anos de atuao como professor de fsica no
ensino bsico, me vi diante do desafio de atuar no ensino superior e preparar cursos para
licenciandos em fsica. Ainda que a experincia anterior me desse certa confiana quanto
atuao em sala de aula e, devido atuao concomitante nas esferas pblica e privada,
estivesse acostumado a um intenso ritmo de trabalho, tratava-se quase de um recomeo,
exigindo uma dedicao efetivamente exclusiva ao novo cargo. Digo isso porque no se tratou
apenas de optar pelo afastamento dos empregos nas escolas de ensino bsico para aceitar o
Regime de Dedicao Exclusiva (RDE) do IFSP-SP e, com isso, ter mais condies para
iniciar de forma simultnea minha pesquisa de doutoramento. Tratou-se, isso sim, de
mergulhar em um novo universo de contedos a serem (re)aprendidos, burocracias a serem
incorporadas, novas funes e responsabilidades a serem exercidas.
Vale dizer que o IFSP-SP, parte do projeto do Governo Federal de rpida extenso da
Rede Federal de Ensino, carece de um nmero adequado de professores, acarretando intensa
jornada de trabalho docente. Acrescente-se a isso as caractersticas da Licenciatura em Fsica
do IFSP-SP, com a prtica de laboratrio e os estgios orientados tendo importante relevncia
na grade curricular, alm do fato da rea de fsica fazer parte do chamado ncleo comum,
atendendo a diversos outros cursos. O resultado, especialmente para um professor iniciante na
instituio, uma jornada de trabalho com muita diversificao e variao a cada novo
semestre. Assim, em cinco semestres no IFSP-SP j havia lecionado em 10 diferentes
disciplinas ou cursos: Mecnica dos Slidos e Fluidos (teoria e laboratrio), Fenmenos
Ondulatrios (teoria e laboratrio), ptica (laboratrio), Estrutura da Matria (teoria e
laboratrio), Oficina de Projetos de Ensino 1, 2, 3 e 4 (teoria e orientaes de estgios),
Interface da Fsica com a Matemtica - 3 e 3o ano do Ensino Mdio Integrado. Alm disso,
em virtude de projetos institucionais, exerci por dois semestres a curadoria do Clube de
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1 Introduo 12
Cincias do IFSP-SP, fiz pesquisas sobre evaso no banco de dados da instituio, ofertei dois
cursos de extenso sobre Moodle, orientei alguns licenciandos no Programa Institucional de
Bolsa de Iniciao Docncia (PIBID) e, ao longo de 2012 e incio de 2013 cumpri a funo
de coordenador dos projetos EaD do Campus So Paulo.
Se, por um lado, essa intensa atividade tomou parte do tempo que me dedicaria s
leituras e estudos mais diretamente vinculados minha pesquisa de doutoramento, por outro
ela deslocou o direcionamento do projeto ao abrir uma nova perspectiva para a tomada de
dados e testes de aplicao da ideia central a ser apresentada. No projeto entregue para o
processo de seleo, ainda muito prximo anlise terica apresentada no texto A Fsica
Moderna e Contempornea como facilitadora do aprendizado em rede (CANATO JR.,
MENEZES, 2009), elaborado para o VII Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de
Cincias (VII ENPEC), a perspectiva apontada era elaborar um material instrucional com base
na premissa do papel da fsica moderna e contempornea como facilitadora do aprendizado
em rede e aplic-lo junto aos meus prprios alunos de, ento, ensino bsico. Conforme se
acumulava a experincia no IFSP-SP, fui gradativamente ganhando a percepo de que mais
rico e apropriado seria deslocar o foco para a formao de professores, ambientando o
universo de minha pesquisa a partir nas orientaes a estgios.
nesse contexto que foram elaborados os trabalhos Integrao de atividades
presenciais e virtuais no ensino de fsica (CANATO JR., 2010), Fsica Moderna e
Contempornea e aprendizado em rede (CANATO JR.; MENEZES, 2011) e Construindo
redes de conhecimento a partir da Fsica Moderna e Contempornea em estgios orientados
(CANATO JR., 2011), apresentados, respectivamente, ao Moodle Moot Brasil 2010, ao VI
Encontro da Ps-Graduao Interunidades em Ensino de Cincias (VI EPIEC) e ao XIII
Encontro de Pesquisa em Ensino de Fsica (XIII EPEF). Tambm imerso neste percurso est o
contnuo desenvolvimento de um domnio prprio (www.fisicaemrede.com) configurado
como um ambiente virtual de ensino e aprendizagem Moodle que tem sido intensamente
utilizado em meus cursos no IFSP-SP. Uma pausa e correspondente desgaste neste processo
foram impostos pelo longo movimento paredista dos servidores do IFSP-SP ocorrido no 2o
semestre de 2011, resultando em complexo perodo de reposies de aulas.
Maior consistncia pde-se, ento, perceber na pesquisa quando, j ambientado ao
IFSP-SP, cumpridos todos os crditos referentes a disciplinas deste Programa de Ps-
Graduao e publicados alguns trabalhos sobre minha pesquisa, passei a atuar
majoritariamente em disciplinas da licenciatura em fsica que dialogavam com minha
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1 Introduo 13
pesquisa (Estrutura da Matria e Oficinas de Projetos de Ensino) e a coordenar a rea de EaD
no IFSP-SP, ao consonante com a aprendizagem no gerenciamento do fisicaemrede.com.
Nesse mbito, j visando o Exame de Qualificao, intensificou-se a parceria com o
orientador e melhor se definiu o objetivo, os limites e a modelao do trabalho. Como campo
e objeto de pesquisa escolheu-se a prpria prtica do pesquisador como formador de
professores junto aos licenciandos em fsica do IFSP-SP. Do universo de toda a fsica
moderna e contempornea, recortou-se a fsica quntica por nela reconhecer de forma mais
concreta o papel de enredamento que se quer demonstrar. Alm disso, percebeu-se que em
vez de apresentar a fsica quntica como um campo de conhecimento central, tal qual
sinalizada pela figura 1A, extrada do trabalho relativo ao VII ENPEC, melhor seria apostar
na representao exemplificada na figura 1B, com a fsica quntica fazendo o papel de fio no
tecer conceitual.
A
B
Figura 1 - (A) A fsica moderna e contempornea com centro da rede conceitual;
(B) A fsica quntica como fios da teia conceitual.
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1 Introduo 14
O Exame de Qualificao e a participao no XIV EPEF com apresentao do
trabalho A Fsica Quntica como conhecimento em rede no ensino de fsica (CANATO JR;
MENEZES, 2012) lanaram luz sobre outros aspectos, como a importncia do mapeamento
de relevncias e da narrativa na (re)construo do feixe de relaes entre os ns da rede de
significados prprias de cada aluno e a possibilidade de contextualizar o trabalho com as
redes conceituais tecidas pela quntica no campo das pesquisas sobre as chamadas redes
complexas. Tais contribuies demandaram um conjunto de novas leituras, assim como a
introduo ao uso de softwares comumente utilizados na anlise dos ns e links de uma rede,
com a proximidade do final do prazo para o depsito da tese parecendo determinar a
necessidade de uma escolha quanto a necessrios recortes dos diversos caminhos abertos pela
pesquisa. Felizmente, j na reta final, a ampliao do Programa de Qualificao e
Capacitao oferecido pelo IFSP-SP possibilitou meu afastamento remunerado e permitiu
apostar na perspectiva de um texto que tanto pudesse representar um percurso sntese dos
caminhos j trilhados, como apontar possveis continuidades de pesquisa.
1.2 APRESENTAO
Que a fsica quntica esteja presente em boa parte dos materiais didticos elaborados
para a escola mdia fato consumado. Por genuna convico na importncia dessa incluso
ou por atender a recomendaes educacionais oficiais, assuntos como efeito fotoeltrico,
espectros pticos, tomo de Bohr, dualidade onda-partcula, princpio da incerteza, fisso e
fuso nucleares, partculas elementares e modelo padro l esto apresentados. Outra conversa
a forma com que tais temas esto inseridos: se distribudos ao longo da coleo ou
concentrados ao final do ltimo volume; se contextualizados na vivncia contempornea ou
apresentados como objetos tericos quase que restritos rea cientfica; se tratados em sua
fenomenologia e modelagem ou como objetos matemticos para resoluo de exerccios.
Por observao prpria e pelo acompanhamento a estgios de licenciandos do IFSP-SP
em escolas de ensino bsico percebo, no entanto, a permanncia de significativas resistncias
do professorado para a insero da fsica quntica em suas aulas. Quantidade j excessiva de
contedos referentes fsica clssica, qualificao dos fenmenos e teorias qunticas como
entidades por demais abstratas, falta de pr-requisitos do alunado e reconhecimento de sua m
formao ou de carncia em sua atualizao, so algumas das consideraes comumente
anunciadas como justificativas para tal resistncia.
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1 Introduo 15
Ainda que a m formao de alunos e professores, associadas s pssimas condies
de trabalho, relativas tanto a excessivas jornadas e baixos salrios como inadequada
estrutura de muitas escolas, sejam, de fato, um dos principais, seno o principal problema do
sistema educacional brasileiro, a dificuldade para com o trato da quntica nas aulas praticadas
na escola mdia parece ter muito mais a ver com a enraizada absolutizao do mtodo
cartesiano de dar-se sequncia a um encadeamento linear de pr-requisitos. E nesse sentido, a
discusso extrapola o ensino bsico, com o ensino da quntica sendo normalmente previsto
nas grades curriculares apenas na segunda metade dos cursos de licenciatura e bacharelado em
fsica.
Independentemente das condies de trabalho e do nvel de escolaridade, no ensino de
fsica h predomnio, em larga escala, da sequncia que, iniciada pelas mecnicas de Galileu e
Newton, segue internamente fsica clssica at o eletromagnetismo de Maxwell, quando,
ento, se apresenta a chamada fsica moderna, quase sempre com a discusso da relatividade
de Einstein antecedente apresentao dos fenmenos qunticos.
De fato, so necessrios alguns pr-requisitos para se explicar o porqu dos
coeficientes angular e linear da reta traada no grfico do potencial de corte em funo da
frequncia da luz incidente sobre um material sujeito ao efeito fotoeltrico corresponderem,
respectivamente, ao quantum de ao, h, e funo trabalho, , do material. No h, porm,
qualquer lacuna quanto a algum conhecimento prvio formal que impea uma apresentao
fenomenolgica do efeito fotoeltrico logo na primeira aula do primeiro ano do ensino mdio.
Pelo contrrio, discusses sobre a segurana das portas de elevadores que no fecham
enquanto entre elas estiverem posicionados objetos ou pessoas, a abertura automtica de
portas de lojas e aeroportos, o funcionamento de um controle remoto, o acionamento da
iluminao pblica ao anoitecer e a converso de energia solar em eltrica por telhados
contendo placas fotovoltaicas, so muito mais pertinentes a uma aula inaugural de fsica do
que a apresentao de definies como as de ponto material e corpo extenso.
Com isso, j se anuncia um dos motes desta tese: a compreenso da fsica quntica
como conhecimento em rede. Todas as partes em que a fsica tradicionalmente
compartimentada esto presentes nesse conjunto de exemplos relacionados ao efeito
fotoeltrico: tica, mecnica e eletromagnetismo no mecanismo de abertura de portas ao se
interromper o fluxo de luz sobre uma clula ou sensor fotoeltrico acoplado a um motor
eltrico que fornece a energia mecnica para o movimento da porta; ondulatria, ptica e
eletromagnetismo na transmisso de informaes pelo controle remoto que a cada tecla ou
boto apertado envia luz infravermelha de comprimento de onda precisamente necessrio para
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1 Introduo 16
acionar determinado circuito eltrico no aparelho remotamente localizado; ptica e
eletromagnetismo nos dispositivos presentes nos postes de iluminao pblica que tem sua
resistncia eltrica variada de acordo com a luminosidade; fsica trmica e eletromagnetismo
na converso de energia solar em eltrica pelos ou nos telhados com clulas fotovoltaicas. A
quntica, manifestada neste caso pelas tecnologias associadas ao uso do efeito fotoeltrico,
atua como fio que tece a rede de conhecimentos constituda pelos diferentes campos da fsica.
na perspectiva de estender e aprofundar esta discusso que no Captulo 2, de ttulo
Fsica Quntica: tecido de vrias redes, ser analisado o papel desempenhado pela quntica
no enredamento de diversos domnios: interno prpria fsica, em seu desenvolvimento
histrico e conceitual; na interligao das cincias e destas com outras reas; no cotidiano
contemporneo; como catalisadora da atual evoluo social.
Na sequncia, O mundo das redes, Captulo 3, abordar o campo das redes complexas
que tem seu desenvolvimento intimamente vinculado emergncia da microeletrnica e das
tecnologias da informao e comunicao. O processamento de bases de dados cada vez mais
extensas tem motivado inmeras pesquisas sobre as caractersticas das mais diversas redes,
tais como as interaes proteicas no campo da biologia, as conexes neuronais mapeadas no
estudo do crebro, as empresas-rede na rea econmica, os hipertextos da web, as
interconexes entre roteadores e outros dispositivos via internet e os mapeamentos de
coautorias e cocitaes em trabalhos acadmicos.
A distribuio dos ns e a verificao da importncia de suas relativas centralidades
para aspectos como a vitalidade da rede ou a transmisso de informaes por meio dos links
que os conectam so elementos centrais da teoria de redes que tm possibilitado caracterizar
como topologicamente semelhantes redes de natureza muito diferentes. Como parte desse
processo, a frequncia e disposio das palavras presentes em um texto, ou em um conjunto
de textos, tm sido investigadas como forma de caracterizar, dentre outros estudos, aspectos
culturais refletidos na lngua escrita, estilos e qualidades autorais, a relativa importncia entre
os personagens de um enredo, mapeamentos de redes de conceitos e de redes de influncias
entre avanos cientficos.
De potencial interesse para o campo educacional, as investigaes em neurocincia
vm crescentemente vinculando processos de aprendizagem com alteraes cerebrais. No
parece, no entanto, estar no horizonte prximo a descoberta de uma relao direta entre
anatomia cerebral e cognio. De qualquer forma, pelo prprio desenvolvimento da
linguagem, entende-se que o conhecimento se desenvolve por meio de redes de significados.
Esta , alis, uma premissa do Captulo 4, intitulado Uma educao cientfica em rede que se
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1 Introduo 17
apoia na validade das metforas do hipertexto e do rizoma na esfera educacional, qualifica a
aprendizagem como fenmeno complexo, argumenta quanto necessidade de no apenas
tecer redes de significados, mas tambm de mapear relevncias e desenvolver narrativas,
explora a necessidade de se avaliar de forma qualitativa e processual, alm de defender o uso
de simulaes computacionais e dos ambientes virtuais de ensino e aprendizagem.
Ainda neste mesmo captulo, se estabelece uma ponte com a discusso apresentada no
Captulo 2, j projetando as prticas de ensino a serem analisadas no Captulo 5: se o
conhecimento se constri como uma rede de significados e se a fsica quntica cumpre
destacado papel na interligao entre os mais diversos campos de conhecimento, ento
possvel nela apostar como veculo privilegiado para se tecerem redes conceituais no processo
de ensino-aprendizagem. Nesse sentido se apresentam algumas sequncias didticas
praticadas junto aos licenciandos do IFSP-SP que visam concretizar essa ideia e se argumenta
quanto maior facilidade em se aprender fsica quando os fenmenos qunticos so
abordados ao longo do processo de ensino e aprendizagem. tambm neste captulo que se
problematizam algumas dificuldades e resistncias do professorado para com a insero da
fsica quntica na escola mdia e se defende a necessidade do professor perceber-se como um
pesquisador, devendo-se apostar muito mais em mudanas emergentes da prpria escola
mdia do que esperar-se por reformas universitrias promotoras de uma formao inicial
caracterizada por uma concepo mais integradora do conhecimento.
O conjunto das premissas apresentadas nos captulos anteriores balizam as prticas
educacionais descritas e analisadas no Captulo 5, denominado como Prticas na formao de
professores. Procede-se aqui descrio e anlise de minhas prticas junto aos licenciandos
do IFSP-SP, com a orientao a estgios pautados na investigao da quntica como
promotora de conexes entre diferentes campos de conhecimento cumprindo papel de
destaque. Tambm realadas so as prticas relativas a um curso sobre a estrutura da matria
e ao uso do fisicaemrede.com.
Fechando o trabalho, em (IN)Concluso: redes abertas, Captulo 6, identificam-se
perspectivas para a continuidade da pesquisa, seja quanto a lacunas nela percebidas, seja
quanto a novos caminhos por ela abertos. Trata-se, nesse caso, de entender que eventuais
trilhas abertas por uma pesquisa, como a aqui apresentada, possam ser pensadas tanto como
lacunas ainda a cumprir, como perspectivas de novos percursos, ou seja, concluso que no se
resume a fecho.
Em tempo, vale ponderar de que algum didatismo descritivo que eventualmente se
perceba nos captulos iniciais pode ser compreendido (ou desculpado) no sentido de adiantar
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1 Introduo 18
elementos e roteiros essenciais para a formao em rede defendida, especificamente, nos
captulos 4 e 5. Afinal, quanto maior a compreenso que se tenha do papel desempenhado
pela quntica no desenvolvimento cientfico e social, mais facilidade se tem em visualizar
caminhos alternativos em seu uso como teia no processo de ensino e aprendizagem. Por sua
vez, uma viso global dos emergentes estudos sobre a teoria de redes lana luz sobre possveis
maneiras de se visualizar produes discentes em seu conjunto e nelas caracterizar tendncias
e discrepncias.
Tambm h interao na via inversa, com a prtica no ensino da quntica e a
orientao a projetos envolvendo redes de conceitos por ela tecidas proporcionando
constantes aprofundamentos e extenses quanto percepo daquele papel de conexo
atribudo quntica. Papel ainda mais claramente caracterizado quando se aplica ao
desenvolvimento histrico e conceitual da fsica algumas das metforas atribudas ao
conhecimento: tal como uma rvore, a fsica se enraza na mecnica e na termodinmica;
entrelaada pela quntica lembra o rizoma.
Este texto pode ser, enfim, percebido como a confluncia de vrias redes: as conexes
estabelecidas pela quntica (Captulo 2); a viso global dos estudos emergentes sobre a teoria
de redes (Captulo 3); o conhecimento como rede (Captulo 4); prticas na formao docente
articuladas por essas redes (Captulo 5). justamente na explorao dessas redes em um s
texto que reside uma das contribuies desta tese.
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 19
2 FSICA QUNTICA TECIDO DE VRIAS REDES
Sociedade em Rede, Era da Informao, Sociedade Ps Industrial e Terceira Onda
so alguns dentre muitos termos cunhados para exprimir grande diversidade de
caracterizaes da sociedade contempornea. Por mais discrepantes que elas sejam, difcil
escapar da percepo de que a microeletrnica e demais tecnologias da informao e
comunicao, bem como tecnologias mais recentes como a nanotecnologia e a biotecnologia,
figuram como um dos fatores chave das transformaes sociais, econmicas e culturais.
Se a microeletrnica e demais tecnologias dela emergentes tem tal importncia para a
sociedade contempornea, pode-se assegurar que a fsica quntica tambm a tem como sua
base tecnolgica. Isso vale desde o desenvolvimento dos circuitos integrados das dcadas de
50 e 60, decorrente da inveno dos transistores, dispositivos em que materiais
semicondutores fazem amplificao de corrente, anloga amplificao de tenso por
vlvulas termoinicas clssicas.
Unificaes conceituais e experimentais como essas no so, alis, exceo na histria
da quntica, fazendo mesmo parte de sua prpria emergncia, haja vista alguns dos famosos
problemas tericos do incio do sculo XX, como a questo da luz emitida por fornos e gases
incandescentes, a dualidade onda-partcula e a condutncia eltrica pela incidncia de luz nos
semicondutores.
Assim, seja pela promoo de vnculos histricos e conceituais internos fsica, pelos
estreitos laos que se estabelecem com contedos das demais cincias da natureza, bem como
pela sua ntima relao com as tecnologias hoje impregnadas na vivncia contempornea e na
estrutura social, a fsica quntica cumpre destacado papel na interligao entre os mais
diversos campos de conhecimento. a partir da explicitao de algumas destas conexes que
este captulo busca apresentar a fsica quntica enquanto tecido de vrias redes, cujos
entrelaamentos conformam a primeira grande rede abordada neste trabalho.
Grande, vale esclarecer, por sua composio como interconexo entre vrios
enredamentos e no como qualificao de sua amplitude. Alm de apontar possibilidades de
extenses para cada um dos enredamentos trabalhados, neste captulo tambm se reconhecem
possveis limites da abrangncia da fsica quntica, deixando aberto o caminho para a
incorporao de novas investigaes, tal qual a referente aos sistemas complexos e evolutivos.
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 20
2.1 NA CONSTRUO HISTRICA E INTERLIGAO CONCEITUAL DA FSICA
Segundo Menezes (2005), o conjunto de conhecimentos que conformam a fsica pode
ser representado por uma combinao de mapa conceitual e roteiro histrico (figura 2), uma
espcie de arquitetura da fsica:
O conhecimento do mundo material [...] tem carter histrico e se desenvolve por
meio de contradies. Novas vises hegemnicas incorporam elementos das vises
superadas, novas ideias so frequentemente construdas com formas antigas, assim
como uma nova cultura no independente das suas precedentes. Isso se reflete na
estrutura do conhecimento, atribuindo-lhe uma curiosa arquitetura, que lembra
templos que passaram por sucessivas civilizaes, onde os pavimentos erguidos
pelos conquistadores usam blocos tirados da demolio daqueles construdos pelos
conquistados sobre as mesmas fundaes. (MENEZES, 2005, p. 29).
So vrias as leituras que podem ser elaboradas dessa arquitetura. De baixo para cima,
faz-se um percurso histrico de sculos, do mais antigo ao mais novo no desenvolvimento da
fsica. Da esquerda para a direita, um percurso energtico, das altas s baixas energias. No
por acaso, esse percurso energtico tambm o percurso de bilhes de anos do simples ao
complexo. Das quebras de simetria nos primeiros instantes do conhecido universo precedente
bola de fogo, o Universo foi se resfriando e da nucleossntese inicial sntese das estrelas
Figura 2 - Uma arquitetura para a fsica (MENEZES, 2005, p. 32)
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 21
foi se tornando mais e mais complexo at originar a vida na Terra e eventualmente em outras
partes.
Traados simultaneamente, estes dois percursos nos levam (no exatamente por uma
linha diagonal sem desvios laterais ou verticais) da fsica clssica fsica dos sistemas
complexos e evolutivos. Do todo, cartesianamente decomponvel em partes, totalidade
quntica, em que um nico prton ou eltron a mais ou a menos faz toda a diferena entre um
gs nobre e um elemento altamente interagente, ao mesmo tempo em que esse prton ou
eltron exatamente sempre o mesmo, indistinguvel, seja l onde esteja. Menezes (2005) faz
interessante explorao a esse respeito:
Os objetos clssicos, martelos, ou penhascos, podem ser distinguidos de seus
semelhantes e guardam marcas de sua histria. Em contrapartida, seus processos so
relativamente controlveis, como a trajetria de um martelo ou a queda de um
penhasco. Talvez exatamente isso que permite a infinita e contnua variedade
clssica com que nos habituamos em nosso cotidiano no qual os pes, por exemplo,
podem ter diferentes tamanhos, texturas e sabores, em oposio aos prtons, todos
to tediosamente idnticos.
Pes so feitos de coisas vivas, como o fermento e o trigo, mais complicados, por
exemplo, do que os cristais de sal, tambm presentes no po. O fermento e o trigo,
assim como o sal, so feitos de tomos qunticos, mas sendo vivos, so ordens
emergentes de processos complexos adaptativos, atravs dos quais a precisa ordem
quntica se traduz na imprecisa e criativa variedade clssica. Cada ser vivo se funda
na ordem infinitesimal da mensagem fsico-qumica de seu DNA, assim como o
cristal, herda sua transparncia e cor da ordem quntica de suas clulas moleculares,
mas entre a vida e o cristal, h um abismo de complexidade. (MENEZES, 2005, p.
247).
Atuando em todos esses percursos como se fosse um n decisivo para a fluidez de
informao atravs de uma rede, est o quantum de ao, h, gestado com certa aflio por
Planck, um fsico clssico por excelncia. Constituinte conceitual fundamental dos
processos naturais descontnuos, o quantum de ao provocou uma descontinuidade no
prprio desenvolvimento da fsica que abriu as portas para reinterpretaes de fenmenos h
muito conhecidos, explicaes de outros considerados enigmticos e inauguraes de novos
campos de conhecimento.
Como retrato desse processo vale resgatar o registro de Segr (1980) acerca da
desconfiana depositada pela comunidade cientfica na hiptese atmica s vsperas de sua
consagrao:
Em 1905 [...] o ceticismo ainda imperava, com alguns cientistas rejeitando
incontinenti a teoria corpuscular da matria e outros reconhecendo a utilidade da
teoria atmica na qumica, mas considerando-a longe da realidade. Esses cticos no
eram loucos nem incompetentes. Por exemplo, pouco tempo antes Sir Benjamim
Collins Brodie (1817-1880), professor de qumica em Oxford, elaborava relatrios e
escrevera livros para mostrar que os tomos no eram necessrios qumica. Com
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 22
toda seriedade, desenvolvera um sistema de onde os tomos foram excludos, e ao
qual deu o nome de qumica ideal. Sentiu-se ofendido quando usaram arames e bolas para construir modelos de molculas em qumica orgnica: considerou essas
construes como obra de carpinteiro e de natureza inteiramente materialista, um ultraje, algo absolutamente abaixo da dignidade da qumica.
Em 1887, o estandarte do antiatomismo foi erguido por Wilhelm Ostwald (1853-
1932), um proeminente qumico alemo e um dos primeiros cientistas a serem
laureados com o Premio Nobel (1901). Naquele ano, na qualidade de professor de
qumica em Leipzig, Ostwald pronunciou uma aula inaugural na qual apresentou
uma doutrina energtica, em que afirmava que todos os fenmenos podiam ser explicados atravs da ao recproca da energia, sem a necessidade de tomos. Mais
tarde, publicou um manual de qumica que no usava a teoria atmica e em 1909
esse livro foi traduzido para o ingls com o ttulo de Fundamental Principles of
Chemistry. Ostwald manteve-se arraigado em sua posio at que J.J.Thomson e S.
A. Arhenius conseguiram abalar-lhe as convices e ele se retratou na edio de
1912 de sua Allgemeine Chemie. (SEGR, 1980, p. 7).
Ainda segundo Segr (1980, p. 7-8), mesmo Planck receava manifestar sua crena
no tomo, somente a aceitando quando ela se tornou necessria para a fundamentao
terica de sua lei da radiao, tendo inclusive escrito em sua autobiografia que chegou a ser
no apenas indiferente, mas, em certa medida, at mesmo hostil teoria atmica.
Na raiz dessa questo situa-se o prestgio ganho pela termodinmica, impulsionada
pela ascenso das mquinas a vapor inglesas e suas converses de calor em trabalho,
associadas a processos irreversveis, assim como a ulterior interpretao estatstica por
Boltzman. Diferentemente da simples transmisso de movimento que caracteriza um moinho
ou roda dgua, uma mquina a vapor produz movimento em ciclos: aquecido e pressionado
pelo ganho de calor de uma fornalha, o vapor expande e empurra o pisto que, ento, retorna
posio original aps a liberao do vapor e resfriamento do sistema. No fosse necessrio o
resfriamento, todo o calor fornecido pela fornalha seria transformado em movimento,
equivalendo a um rendimento de 100% e a uma mquina perfeita!
A cincia termodinmica no tardou a notar a impossibilidade de tal rendimento e
percepo de que a energia algo que sempre se conserva, se acrescentou o reconhecimento
de sua tendncia degradao associada s transformaes irreversveis, processo
contextualizado por Prigogine e Stengers (1984) como uma das marcas da era industrial:
Quando comparamos aparelhos mecnicos aos motores trmicos, como as caldeiras
em brasa das locomotivas, percebemos com um golpe de vista o degrau entre a idade
clssica e a tecnologia do sculo dezenove. De incio os fsicos pensaram que esse
degrau podia ser ignorado, que os motores trmicos podiam ser descritos como os
mecnicos, negligenciando o fato crucial de que o combustvel usado pelo motor a
vapor desaparece para sempre. Mas tal complacncia tornou-se logo impossvel.
Para a mecnica clssica o smbolo da natureza era o relgio; para a era industrial,
ele se tornou um reservatrio de energia sempre ameaado por sua extino. O
mundo queima como uma fornalha; energia, embora conservada, tambm est sendo
dissipada. (PRIGOGINE e STENGERS, 1984, p. 111, traduo nossa).
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 23
As transformaes irreversveis apontavam para uma evoluo espontnea do sistema
desde um estado de maior organizao, portanto com maior quantidade de energia disponvel
para a realizao de trabalho, para um estado de maior desordem. Tal preferncia da natureza
por estados de maior entropia, como veio a ser chamada a grandeza fsica formulada para se
quantificar o grau de desordem de um sistema, apresentava-se como um srio problema para a
mecnica newtoniana. Ainda que em nosso cotidiano possa parecer absurdo ver cacos de
vidro se juntar e reverter a queda de um copo de gua, o legado newtoniano no apresentava
obstculo terico a essa possibilidade: conhecidas as condies iniciais e todas as foras
envolvidas, poderamos rodar o filme tanto para o futuro como para o passado; efeitos
energticos dissipativos, como o atrito, apenas imporiam maior dificuldade para se conhecer
em detalhe a realidade, nada que um cuidadoso estudo ou um aprimoramento das tcnicas de
observao e medida no pudessem resgatar com preciso cada vez mais acurada.
Mas o que os motores a vapor indicavam no era uma questo restrita maior ou
menor preciso nas medidas efetuadas e, sim, a existncia de uma tendncia universal de
degradao da energia mecnica, inviabilizando o caminho para o passado: tendo chego ao
cho com grande velocidade (passado), aquele copo de vidro se espatifou (futuro); o contato
de dois objetos a diferentes temperaturas (passado) resultar em seu equilbrio trmico
(futuro). lei da degradao da energia associava-se, assim, uma flecha do tempo, um vetor,
apontando do passado para o futuro. Em seu conjunto, a termodinmica se mostrava, assim,
como uma nova cincia, muito mais comprometida com uma viso global do sistema
amparada nas medidas de grandezas macroscpicas, como presso, volume e temperatura, do
que com a descrio da dinmica de cada partcula componente do sistema.
Na tentativa de reconciliar a mecnica com a termodinmica, floresceu a mecnica
estatstica e a hiptese de Boltzmann de que a entropia relativa a determinado estado
macroscpico de um sistema estaria associada probabilidade do conjunto de suas partculas
se organizarem daquela forma: calculadas todas as combinaes possveis de um sistema
isolado de muitas partculas, muito maior a probabilidade de encontr-lo na situao de
equilbrio, com as partculas tendendo mesma distribuio de velocidade e se movimentando
em direes aleatrias. Portanto, a tendncia ao estado de maior entropia se explicaria pela
maior probabilidade de assim estar organizado um sistema isolado, hiptese que, como bem
analisado por Prigogine e Stengers (1984), se afastava dos pressupostos newtonianos:
O resultado de Boltzmann significa que a transformao termodinmica irreversvel
uma transformao para estados de maior probabilidade e que o estado atrator o
estado macroscpico que corresponde mxima probabilidade. Isto nos leva bem
longe de Newton. Pela primeira vez um conceito fsico era explicado em termos de
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 24
probabilidade. Sua utilidade se faz presente de imediato. Probabilidade pode
adequadamente explicar o esquecimento do sistema de todas as assimetrias iniciais,
de todas as distribuies especiais (por exemplo, o conjunto de partculas
concentradas em uma sub-regio do sistema, ou a distribuio de velocidades que
criada quando dois gases de diferentes temperaturas so misturados). Este
esquecimento possvel porque seja qual for a evoluo peculiar para o sistema,
cedo ou tarde ele ser levado a um dos estados microscpicos correspondente ao
estado macroscpico de mxima desordem e simetria, haja vista que este estado
macroscpico corresponde esmagadora maioria dos possveis estados
microscpicos. Uma vez atingido esse estado, o sistema dele se afastar somente por
pequenas distncias e por curto perodo de tempo. Em outras palavras, o sistema
meramente flutuar ao redor do estado atrator. (PRIGOGINE e STENGERS, 1984,
p. 124, traduo nossa).
Segundo Baggott (2011) foi com o intuito de rebater a anlise de Boltzmann e
encontrar uma comprovao definitiva da termodinmica enquanto uma cincia independente
da hiptese atmica que Planck se dedicou ao, na poca, intrigante problema da radiao de
corpo negro emitida por cavidades de fornos aquecidos:
Parecia uma escolha perfeita. A fsica terica da radiao da cavidade parecia no
ter conexo com tomos ou molculas. Era um problema das ondas contnuas de
radiao eletromagntica, tal qual descrito pela teoria de Maxwell, e da
termodinmica, cuja segunda lei dirigiria a radiao ao equilbrio. Planck raciocinou
que se ele pudesse demonstrar como o equilbrio era estabelecido sem recorrer ao
modelo mecnico estatstico dos atomistas, ele poderia minar a prpria base da
descrio mecnica. (BAGGOTT, 2011, p. 9).
Como modelo para a reflexo da radiao nas paredes da cavidade, Planck a imaginou
constituda de osciladores hertzianos que, vibrando em movimento harmnico simples,
garantiriam o necessrio equilbrio entre absoro e reemisso da radiao. Planck esperava,
ento, encontrar uma distribuio contnua para a energia destes osciladores. No entanto, o
resultado a que chegou foi que a energia, E, dos osciladores harmnicos no se distribua
continuamente, mas sim, em pacotes mltiplos inteiros de uma quantidade mnima
correspondente a cada frequncia, f, ou seja, E = nhf, com n inteiro e h, por ele chamado de
quantum de ao, valendo aproximados 6,6.10-34
Js. Em vez de rebater a abordagem da
mecnica estatstica para interaes na matria, Planck a estendeu para interaes entre
matria e radiao, estabelecendo importante conexo entre a mecnica, a termodinmica e o
eletromagnetismo. Tal conexo foi logo aprofundada pelo prprio Planck que com auxlio de
seu quantum de ao derivou a carga do eltron e o nmero de Avogadro com uma preciso
somente ultrapassada 20 anos depois (SEGR, 1980, p. 75-76).
Apesar da exatido com que resolveram o enigmtico problema do corpo negro, os
pacotes energticos de Planck careciam de uma interpretao fsica mais consistente, papel
cumprido por Einstein alguns anos depois em sua explicao para o efeito fotoeltrico. Para
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 25
Einstein, no apenas os osciladores, mas a prpria radiao emitida pela cavidade, bem como
a luz em geral se caracterizaria por sua granulao energtica determinada pelos quanta hf. A
ejeo de eltrons pela incidncia de luz seria resultado da absoro por parte destes eltrons
de pacotes hf de energia. Os quanta de luz comportavam-se, assim, como partculas, mais
tarde apelidadas de ftons1. Tal manifestao corpuscular no negava, no entanto, o
comportamento ondulatrio apresentado pela luz nos fenmenos de difrao e interferncia.
Florescia a o reconhecimento do carter dual da luz, nova conexo entre a mecnica e o
eletromagnetismo possibilitado pelo quantum de ao.
Apostando na granulao da energia como uma regra fundamental da natureza,
Einstein desenvolveu tambm uma satisfatria explicao para a dependncia do calor
especfico para com a temperatura observada em slidos submetidos a baixas temperaturas.
Para tanto, Einstein tratou os tomos da substncia como osciladores vibrando com valores
discretos de energia, mltiplos inteiros de uma energia fundamental de vibrao, E = hf,
caracterstica de cada material: em altas temperaturas, os osciladores vibram com grande
energia e a absoro de um quantum de energia a mais ou a menos tem efeito desprezvel,
levando-os ao comportamento clssico de terem suas energias mudando continuamente e com
o slido no sofrendo variaes em seu calor especfico; mas conforme a temperatura do
slido diminuda, um quantum de energia deixa de ser desprezvel e a energia dos
osciladores revela seu carter descontnuo, comportamento que tem como consequncia a
diminuio do calor especfico do material que tende a zero prximo ao zero absoluto.
As interpretaes qunticas de Einstein para o efeito fotoeltrico e para o calor
especfico dos slidos tiveram influncia direta ou indireta na formulao de diversas
descobertas tericas ou experimentais, inspirando-nos a reolhar aquela arquitetura da fsica
proposta por Menezes (2005) de forma a considerar a evoluo do quantum de ao como
uma flecha do tempo no desenvolvimento histrico e conceitual da fsica ao longo do sculo
XX: os quanta de luz mostraram-se fundamentais na elaborao do modelo atmico de Bohr
e, por extenso, no desenvolvimento da fsica atmica e nuclear, intimamente vinculada ao
estudo de partculas e campos e, portanto, s teorias cosmolgicas de como tudo comeou
1 De acordo com Kragh (2014), o termo fton foi cunhado de forma independente e em sentido diferente do que
hoje conhecemos em (a) 1916, por Leonard Thompson Troland, como uma unidade para a iluminao da retina,
(b) 1921, por John Joly, como unidade de estmulo ou sensao visual e (c) 1926, por Gilbert N. Lewis como um
novo tipo de tomo que, associado a uma completa simetria entre os processos de emisso e absoro de luz,
teria sua quantidade sempre conservada em sistemas isolados. Foi somente a partir da Conferncia de Solvay de
1927, que o termo comeou a ganhar maior presena e equivalncia com os quanta de luz de Einstein, tendo sido
utilizado nas apresentaes de H. A. Lorentz, Louis de Broglie, Paul Dirac, Lon Brillouin, Paul Ehrenfest e
Arthur Compton.
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 26
(figura 3, seta azul); por sua vez, a percepo do comportamento quntico dos slidos a baixa
temperatura foi o ponto de partida para a impulso da fsica da matria condensada que veio
reconhecer as propriedades semicondutoras e supercondutoras que caracterizam alguns
materiais, bem como a existncia das transies de fase e dos pontos crticos, termos que j
dialogam com o estudo da evoluo dos sistemas complexos (figura 3, seta vermelha).
recomendvel ponderar alguns limites da argumentao aqui apresentada. Longe da
fidelidade ao uso de consagrados termos tericos e a precisas anlises histricas, intenciona-se
destacar o papel desempenhado pela fsica quntica, essencialmente por sua interpretao
descontnua da matria e da radiao, na conexo conceitual e histrica da fsica desenvolvida
desde a virada do sculo XIX ao XX. Nos dois percursos histricos acima identificados,
decerto h uma infinidade de ramificaes, alm de algumas pontes que os identifiquem como
Figura 3 - Dois percursos histricos que podem ser percebidos como decorrentes da teoria
dos quanta: (seta azul) rumo s teorias cosmolgicas de como tudo comeou,
passando pela fsica atmica e nuclear, intimamente vinculada ao estudo de
partculas e campos; (seta vermelha) rumo evoluo dos sistemas complexos,
passando pelo desenvolvimento da fsica da matria condensada que veio
reconhecer as propriedades semicondutoras e supercondutoras que
caracterizam alguns materiais, bem como a existncia das transies de fase e
dos pontos crticos.
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 27
parte de processos conjuntos, ou mesmo que possibilitem a descrio de caminhos
alternativos.
A fim de realar o enredamento conceitual desempenhado na fsica pelo quantum de
ao, pode-se tambm pensar em representaes menos histricas e mais conceituais, como a
representada na figura 4, abrindo espaos prprios para campos de conhecimento como a
tica e ondulatria, absorvidas em vises mais globais pelo eletromagnetismo ou pela
mecnica.
Vale a pena descrever as conexes apresentadas nesta figura que ainda no foram
objeto de anlise ao longo do texto. A opacidade luz visvel e a condutncia eltrica de um
metal, contrapondo-se ao comportamento transparente e isolante do vidro, so fenmenos
associados extenso dos intervalos entre as bandas de valncia e conduo do material,
pequena no caso do metal e maior no caso do vidro. Cor e temperatura so caractersticas da
matria associadas pela emisso de ftons por eltrons que transitam desde nveis qunticos
mais energticos para aqueles de menor energia. A cor dos semicondutores determinada
pelo gap energtico entre a banda de valncia e a banda de conduo. Eletromagnetismo e
Figura 4 Uma interligao de campos da fsica com exemplos de pontes qunticas.
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 28
fsica trmica conectam-se a partir da propriedade de alguns materiais em se tornarem
supercondutores a partir de seu resfriamento. Os espectros pticos dos elementos qumicos
formados pela interferncia das radiaes difratadas por mltiplas fendas fornecem uma ponte
entre a ptica e a ondulatria. Eletromagnetismo e mecnica vinculam-se pela conservao do
momento e da carga eltrica na criao e aniquilao de pares de partculas e anti-partculas.
Mecnica e fsica trmica ligam-se, por exemplo, em razo da interpretao quntica da
entropia e do desenvolvimento da mecnica estatstica quntica de Bose-Einstein, aplicada
aos ftons e outros bsons, e a de Fermi-Dirac, aplicada aos eltrons e outros frmions.
Caractersticas pticas, eltricas, mecnicas, ondulatrias e trmicas dos materiais,
so, assim, conectadas umas s outras por meio da intimidade quntica da matria. Quando se
mergulha na estrutura da matria, h pouco espao para a identificao de fenmenos que
genuinamente pertenam a este ou aquele campo da fsica e ainda que possamos imaginar
diferentes maneiras pela qual a fsica quntica poderia ter surgido, difcil defender uma via
de desenvolvimento histrico na qual ela no tivesse exercido um papel protagonista ou, ao
menos, de importante ator sempre presente.
Alis, a ltima afirmao abre o caminho para um eventual estudo complementar ao
presente texto rumo ao terreno das histrias contrafactuais definidas por Pessoa Jr (2000)
como histrias possveis que no se realizaram e que mapeadas poderiam explicar melhor
por que os diferentes episdios da histria da cincia ocorreram. A partir da anlise da
correlao de assuntos e citaes presentes em centenas de artigos publicados na transio da
fsica clssica quntica, Pessoa Jr identifica na rede de influncias entre artigos (figura 5)
quatro grandes vias que poderiam ter levado ao surgimento da fsica quntica: a prpria via
factual da radiao trmica que poderia ter trilhado caminhos alternativos e as vias da
espectroscopia, dos efeitos pticos e do calor especfico. A investigao de Pessoa Jr sugere
possveis caminhos alternativos para o desenvolvimento da fsica quntica ao longo do sculo
XX, estudo que poderia melhor caracterizar o enredamento construdo pela quntica, objeto
de anlise nesta tese.
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 29
Figura 5 - Rede de influncias entre artigos publicados na transio da fsica clssica quntica com
destaque a quatro vias que poderiam ter levado ao surgimento da fsica quntica: radiao
trmica, espectroscopia, efeitos pticos, calores especficos (PESSOA JR, 2000).
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 30
Antes de se avanar para a investigao de outros enredamentos tecidos pela fsica
quntica, vale explicitar que no se trata aqui de meramente enaltecer este campo de
conhecimento, mas de enfatizar seu papel como piv na formao cientfica. Apesar do
grande xito alcanado pela fsica quntica na explicao de diversos fenmenos e da
versatilidade de sua aplicao tecnolgica, h, por exemplo, todo um debate que segue aberto
acerca da interpretao quanto a aspectos que lhe so essenciais, tal como a dualidade onda-
partcula: o que realmente acontece com ftons e eltrons para tornar possvel a projeo de
padres de interferncia em um anteparo aps suas passagens por um dispositivo de dupla
fenda?
Segundo Pessoa Jr. (2003, p. 5) as dezenas de interpretaes existentes podem ser
agrupadas nos seguintes blocos: (a) interpretao ondulatria, que supe a propagao do
objeto como onda redutvel a um pacote de onda bem estreito no momento da deteco; (b)
interpretao corpuscular, que considera o objeto como partcula sem existir qualquer onda a
ele associada e com o padro de interferncias sendo formado devido natureza das leis
qunticas; (c) interpretao dualista-realista, que associa uma onda partcula, com a
probabilidade da partcula se propagar em certa direo dependendo da amplitude da onda que
lhe est associada, no havendo partcula nas regies em que as ondas se cancelam; (d)
interpretao da complementaridade, que nega dar sentido definio da real natureza de um
objeto quntico, que tanto pode se comportar como onda ou como partcula, comportamentos,
alis, mutuamente excludentes, sendo o fenmeno ondulatrio quando ocorre ou possa ocorrer
franjas de interferncia e corpuscular quando se pode inferir a trajetria passada do quantum
detectado, deteco essa explicada pelo postulado de Planck que considera a existncia de
uma descontinuidade essencial em qualquer processo atmico2.
problemtica da identificao da real natureza dos objetos qunticos e respectivo
questionamento se tal identificao at mesmo provida de algum sentido, soma-se a questo
das abordagens subjetivista e objetivista da medio, com a primeira atribuindo ao observador
um papel de destaque e a segunda buscando excluir qualquer essencial influncia do
observador nos resultados. Na base do problema est a contradio entre a evoluo temporal
determinista que caracteriza o estado quntico antes da medio e o indeterminismo inerente
ao processo da medio:
A mecnica quntica (MQ) pode ser estruturada da seguinte maneira. Um sistema
fechado descrito por um "estado" que evolui no tempo de maneira determinista (de
2 Mais recentemente o autor considerou importante destacar um quinto grupo associado s interpretaes
instrumentalistas dos fsicos matemticos.
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 31
acordo com a equao de Schrdinger). Ao contrrio da mecnica clssica, este
estado em geral fornece apenas as "probabilidades" de se obterem diferentes
resultados de uma medio. Aps a medio, o sistema passa a se encontrar em um
novo estado, estado este que depende do resultado obtido. Assim, pode-se dizer que
no decorrer da medio o sistema evoluiu de maneira indeterminista. Esta transio
tem sido chamada de "colapso do pacote de onda" ou "reduo de estado", sendo
descrita pelo postulado da projeo de Von Neumann. (PESSOA JR, 1992, p.177-
178).
Alm das polmicas envolvendo suas diversas interpretaes, a teoria quntica no
tem conseguido abranger tudo o que hoje se conhece de fsica. Uma teoria que d conta da
unificao entre quntica e relatividade geral ainda est, por exemplo, a ser formulada. Ainda
que fortalecido com a deteco do bson de Higgs, a famosa partcula de Deus, o modelo
padro ainda no esclarece todos os mistrios, a exemplo das chamadas matria e energia
escuras.
Assim tambm, as questes da entropia, da irreversibilidade e da flecha do tempo que
a quntica procurou responder em seu nascimento, talvez precisem da formulao de uma
teoria que transcenda tanto a fsica clssica como a quntica. Esta ltima ideia j , claro, um
resgate aos estudos de Prigogine sobre a instabilidade dos sistemas distantes da condio de
equilbrio e sujeitos a diversas possibilidades evolutivas irreversveis.
Diferentemente da estabilidade de um pndulo que oscila em torno de sua posio de
equilbrio aps a ao de uma pequena perturbao, grupos de pndulos acoplados apresentam
comportamento catico a cada nfima perturbao que lhes seja aplicada. A problemtica da
previso do tempo, a evoluo da fumaa de uma chamin, a ocorrncia de arritmias do
corao e de ataques epilticos e a dinmica do crescimento populacional so tambm
exemplos que se enquadram no estudo dos sistemas caticos, assim denominados devido
imprevisibilidade da ordem a ser instaurada aps determinada perturbao e no por serem
desordenados.
Tambm emergentes de situaes distantes do equilbrio, transies de fase como as
que ocorrem na imantao e no congelamento da gua, so fenmenos de particular interesse
para o estabelecimento de uma primeira ponte com O mundo das redes, ttulo do prximo
captulo desta tese. Resgato, ento, a explicao sobre o assunto dada por Duncan Watts, um
dos pioneiros nos estudos das chamadas redes complexas:
bem estranho, mas, no ponto crtico de transio, todas as partes do sistema agem
como se pudessem se comunicar entre si, apesar de suas interaes serem puramente
locais. A distncia atravs da qual os spins individuais parecem se comunicar
geralmente chamada de distncia de correlao do sistema, e uma forma de pensar
no ponto crtico o estado no qual a distncia de correlao cobre o sistema inteiro.
Nessa condio, conhecida como criticalidade, minsculas perturbaes, que em
qualquer outro estado s seriam sentidas localmente, podem se propagar sem limites
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 32
at mesmo por um sistema infinitamente grande. O sistema, portanto, parece exibir
uma espcie de coordenao global, mas o faz na ausncia de uma autoridade
central. Nenhum centro necessrio quando se est em criticalidade, porque
qualquer ponto, no apenas um centro, capaz de afetar qualquer outro ponto. De
fato, como cada ponto , por definio, idntico, e todos esto identicamente
conectados, no h base para que um esteja encarregado de outros, e, assim, para
que haja um centro. Em consequncia, nenhuma medida de centralidade teria
utilidade para se descobrir a causa inicial do comportamento observado. Em vez
disso, [...] uma srie de eventos randmicos eventos que passariam despercebidos em condies normais pode, no ponto crtico, empurrar o sistema para um estado organizado universal, dando a ele a aparncia de ter sido dirigido para isso
estrategicamente. (WATTS, 2009, p.38).
O que cada vez mais se acentua nas investigaes cientficas que fenmenos
emergentes de situaes de no equilbrio so muito mais comuns do que se pensava, sendo
este o contexto no qual vem se desenvolvendo os estudos dos j citados sistemas complexos e
evolutivos, identificados por Prigogine (1996) muito mais com o comeo da aventura
cientfica do que com seu fim:
Neste fim de sculo, a questo do futuro da cincia muitas vezes colocada. Para
alguns, como Stephen Hawking em sua Breve histria do tempo, estamos prximos
do fim, do momento em que seremos capazes de decifrar o pensamento de Deus. Creio, pelo contrrio, que estamos apenas no comeo da aventura. Assistimos ao
surgimento de uma cincia que no mais se limita a situaes simplificadas,
idealizadas, mas nos pe diante da complexidade do mundo real, uma cincia que
nos permite que se viva a criatividade humana como a expresso singular de um
trao fundamental comum a todos os nveis da natureza. (PRIGOGINE, 1996, p.
14).
2.2 NA INTERLIGAO ENTRE AS CINCIAS E OUTRAS REAS
As conexes estabelecidas pela fsica quntica perpassam o campo conceitual da fsica
e se estendem pelo conjunto das cincias da natureza. O estudo da composio qumica de
uma estrela, identificada pela luz por ela emitida, assim como o estudo da sntese estelar dos
elementos qumicos estabelecem, por exemplo, um elo entre a fsica, a qumica e a
astronomia. Conexo ainda mais abrangente promovida pela anlise das interaes entre luz
e matria na atmosfera terrestre e sua extrapolao para outros astros. A ao dos filtros
naturais terrestres e de outros astros sobre os raios infravermelhos emergentes e ultravioletas
incidentes, bem como sobre outras radiaes ionizantes e partculas csmicas assunto que
interliga fsica, qumica, biologia e astronomia. Estes quatro campos de conhecimento
tambm se interligam atravs das propriedades radiativas de alguns istopos de elementos
qumicos, como o carbono-14 e o urnio-238, cujas taxas de meia-vida respectivamente de
aproximados 5,7 milhares de anos e 4,5 bilhes de anos, associam-se s dataes de mmias e
telas de linho, no caso do carbono e da Terra e outros astros, no caso do urnio.
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No Laboratrio Nacional de Luz Sncroton (LNLS), em Campinas, assim como em
outros aceleradores de partculas espalhados pelo mundo, fsicos, qumicos e bilogos
cooperam entre si no estudo da estrutura de protenas e demais demandas do contexto da
biologia molecular, campo de conhecimento que se desenvolveu a partir da descoberta da
estrutura do DNA, protagonizada em 1953 por Watson e Crick a partir da tcnica da difrao
de raios X. E se o assunto vida, claro que a investigao das caractersticas fsicas e
qumicas do carbono, bem como da incidncia da luz solar na superfcie de plantas, ativando a
fotossntese, e na pele humana, provocando bronzeamento ou queimadura, so tambm
exemplos do papel da fsica quntica na articulao dos conhecimentos fsicos, qumicos e
biolgicos.
Por sua vez, a extrema coerncia associada luz laser feixe de importantes conexes
entre a fsica e a biologia, haja vista o uso de pinas pticas na manipulao de clulas e da
holografia na investigao dos efeitos ambientais na germinao de sementes. No primeiro
caso, faz-se uso de um feixe de luz que, embora de baixa potncia, apresenta intensidade
grande o suficiente para exercer foras sobre uma clula viva, sem danific-la. No segundo
caso, sequenciais holografias da semente submetida s condies ambientais a serem
experimentadas so comparadas a fim de se perceber eventuais perdas de foco, caso em que
se infere a movimentao da semente, na faixa de angstrons, causada pela ocorrncia de
reaes qumicas em seu interior, tpicas do processo de germinao.
A figura 6 representa um mapeamento das conexes acima identificadas, alm de
tambm apresentar conexes mais estreitas entre a fsica e a qumica, tais como a questo da
estrutura eletrnica dos elementos qumicos, das snteses e descobertas de novos materiais e
elementos qumicos e dos processos nucleares de fisso e fuso.
Figura 6 - A fsica quntica na interligao entre as cincias.
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Vale observar que o mapeamento aqui identificado apenas um conjunto de exemplos
de diversas possibilidades alternativas. A abrangncia dos assuntos envolvidos com a biologia
molecular, por exemplo, justificaria identific-la como um quinto campo de conhecimento,
juntamente fsica, qumica e astronomia. Similarmente, a astrobiologia e a astroqumica
poderiam ser tambm explicitadas neste mapa.
Alm da ampliao desse mapa focado nas cincias naturais, pode-se tambm explorar
as conexes destas cincias para com outras reas de conhecimento. o que se faz no
enredamento apresentado na figura 7, essencialmente tecido pelas tcnicas e tecnologias
direta ou indiretamente associadas fsica quntica.
Como protagonistas de todo um feixe de conexes interno a esse mapeamento esto as
tecnologias que se utilizam de decaimentos radiativos. De particular interesse antropologia e
arqueologia, o mtodo de datao por carbono 14, por exemplo, utilizado na identificao da
idade de mmias e antigos artefatos, ao passo que istopos de meia vida mais longa so
utilizados na paleontologia, geocronologia e geofsica. Dataes radiativas so tambm
eficazes em muitos casos em que se necessita comprovar a autenticidade de quadros e
esculturas artsticas. Na medicina so diversas as tcnicas diagnsticas e teraputicas baseadas
na monitorao de substncias radiativas injetadas no paciente. A ruptura da estrutura celular
de bactrias em alimentos expostos a decaimentos radiativos vem sendo crescentemente
explorada na engenharia de alimentos como tcnica de melhor conserv-los. Na engenharia e
na indstria em geral so inmeros os usos de elementos radiativos, tais como traadores
radiativos na identificao de vazamentos na indstria qumica, medies da atenuao na
penetrao das emisses radiativas como controle de qualidade na determinao de espessuras
na indstria de papel e esterilizao no apenas de alimentos, mas tambm de materiais
cirrgicos, remdios e materiais de valor histrico.
As radiaes eletromagnticas emitidas por processos no nucleares tambm se
constituem como importante feixe de conexes neste mapeamento. Radiografia, termografia,
terapias com exposio a raios infravermelhos e ultravioletas, tomografia e ressonncia
nuclear magntica so alguns exemplos do amplo uso das radiaes na medicina. Alm de
identificar anomalias em tecidos humanos, os raios X podem ser teis em diversas outras
aplicaes tcnicas, como na comprovao da autenticidade de uma obra de arte, na
identificao de porte de armas em aeroportos, na caracterizao da colorao das penas de
fsseis de aves extintas na paleontologia e na percepo de fraturas em peas na indstria. Os
raios ultravioletas tambm tm larga aplicao tecnolgica para alm da medicina, como na
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ativao de certos tipos de cola, na secagem de tintas e vernizes, na esterilizao de alimentos
e bebidas e no tratamento de gua de piscina ou mesmo gua potvel.
Figura 7 - A interligao das cincias com outras reas.
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 36
Aps pouco mais de 50 anos de sua inveno, o laser tem uma presena to
significativa no conjunto dos campos de conhecimento que merece destaque especial no
mapeamento aqui explorado. Alguns exemplos de suas aplicaes: cortes precisos em peas
industriais, cirurgias de correo de defeitos de viso, preciso na mira de armamentos
militares, shows de projeo, maior preciso em gravuras sobre joias, transmisso e
armazenamento de informaes via CDs, DVDs ou fibras pticas, alm das j citadas
holografias e pinas pticas com usos que em muito extrapola os limites das cincias da
natureza.
A manipulao gentica, inserida no contexto da biologia molecular e, portanto
tambm j identificada no mapa anterior como uma ponte entre as cincias da natureza,
abrange uma dimenso filosfica e tica, com as questes da tcnica da clonagem e da
produo de alimentos transgnicos sendo alvos de enorme impacto econmico assim como
de grande polmica social. Polmicas parte, fato que o cultivo mundial de transgnicos j
atingiu 160 milhes de hectares em 2011 e a cada ano so anunciados diversos novos
investimentos em pesquisas referentes a clonagens de embries, clulas tronco e modificaes
genticas de animais, um caminho que no parece ter volta e cuja influncia cada vez maior
na economia mundial, sendo, pois, um marco na histria humana.
As destruies de Hiroshima e Nagasaki e acidentes nucleares como o de Fukushima,
tambm se constituem como marcos histricos associados a tecnologias possibilitadas pelo
desenvolvimento da fsica quntica. Longe de uma questo j esquecida na histria humana, a
energia nuclear continua, ainda que controversa, sendo uma das alternativas concretas futura
extino do petrleo e do carvo, permanecendo com amplo uso em diversos pases como
Frana, Blgica, Japo, Alemanha e Estados Unidos e representando cerca de 17% da gerao
mundial de energia eltrica.
A manipulao dos semicondutores e a consequente construo de transistores e chips,
base de toda a microeletrnica, transformaram para sempre e de forma radical as tcnicas de
comunicao, inaugurando as prticas simultneas a distncia e as interaes assncronas e
provocando uma estruturao da sociedade baseada na constituio de redes globais. A
ascenso do Vale do Slicio, nos Estados Unidos, bem como de toda a indstria de hardwares
e softwares na economia mundial, so tambm destacados aspectos da histria humana.
Alm das tcnicas e tecnologias direta ou indiretamente associadas fsica quntica,
h tambm desenvolvimentos tericos e conceituais a ela vinculados que interligam as
cincias da natureza com outros campos de conhecimento. Exemplo disso a enorme margem
para a emergncia de questes filosficas relacionadas sua prpria interpretao, fonte de
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 37
alimentao para misticismos qunticos e imaginao de novos super-heris, como o
enigmtico Dr. Manhattan, de Watchmen, com poderes para controlar os tomos do seu
prprio corpo, mudar de tamanho, se teleportar, ocupar simultaneamente vrios lugares e
viajar no tempo.3
Da mesma forma que apontado para o caso das cincias da natureza, aqui tambm vale
indicar a possibilidade de expanso do mapeamento apresentado com a incorporao de reas
recentemente acopladas ao conhecimento humano, tais como a nanobiotecnologia e a
nanomedicina, indicando, alis, que a prpria nanotecnologia poderia ter modificado seu
status neste mapa, passando a nele figurar como um novo n e no apenas uma conexo entre
dois ns.
2.3 NA VIVNCIA CONTEMPORNEA
notvel como a evoluo tecnolgica tem provocado intensa acelerao na
modificao dos utenslios e materiais que utilizamos no cotidiano, algo muito bem
representado pela seguinte anlise feita pela NASA (1960 apud BUCHANAN, 2010) em
meados do sculo XX:
800 ciclos de vida podem durar mais de 50000 anos. Mas destas 800 pessoas, 650
passaram suas vidas em cavernas ou em um local pior, e apenas 70 delas
conseguiram algum meio real e efetivo de se comunicar com as outras. Destas 70,
apenas as ltimas 6 chegaram a ver a mdia impressa ou conseguiram algum meio
para medir a temperatura, das quais apenas 4 conseguiram calcular o tempo com
alguma preciso. Destas, apenas as 2 ltimas usaram um motor eltrico, e a grande
maioria dos artigos que compem nosso mundo material foram desenvolvidos no
ciclo da vida da 800 pessoa. (NASA, 1960 apud BUCHANAN, 2010, p. 88).
Uma atualizao dessa anlise decerto revelaria que nem mesmo uma gerao inteira
mais necessria para perceber uma renovao de boa parte, seno da maioria, dos artigos que
compem nosso mundo material. Como diria minha finada av, alcancei um tempo em que
era comum o uso de uma tela de faixas coloridas na frente dos televisores preto e branco
constitudos de canho e vlvula eletrnicos. Hoje, assisto minha LED-TV de imagem
incrivelmente ntida e colorida e que de to fina, pode ser pendurada na parede como um
quadro. Infelizmente, tendo sido comprada j h trs anos, ela no veio acoplada com a
tecnologia que permite assistir canais de internet, como a NetFlix, me obrigando a nela
conectar via cabo HDMI um notebook que, sintonizado em minha rede Wi-Fi, roda o filme
3 Interessante artigo de Pessoa Jr. a esse respeito encontra-se disponvel em
(Acesso em 31 Mar. 2014).
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2 Fsica Quntica tecido de vrias redes 38
desejado. A prxima TV a ser comprada no apenas contar com essa e outras
funcionalidades, como tambm dever ter imagem em trs dimenses. Alis, j adiantando
assunto a ser mais frente explorado no contexto da discusso do processo de ensino-
aprendizagem, faz-se curiosa e preocupante a popularizao de termos como LED (Light-
Emitting Diode), HDMI (High-Definition Multimedia Interface) e Wi-Fi (marca registrada
comumente utilizada como sinnimo de redes wireless), sem que alunos e mesmo boa parte
dos prprios professores da escola mdia tenham noo de seus significados.
E quanto produo de textos? Guardo at hoje meu certificado de datilografia
conquistado em 1979 aps 6 meses de curso. A sensao, de ento, eram as mquinas de
escrever eltricas e portteis, leves e bem mais sensveis ao toque. As fitas de duas cores,
preta e vermelha, j eram comuns e apagava-se o texto letra a letra, trocando a fita de escrever
por uma fita branca. Aps a mquina de escrever veio o computador acoplado a telas pretas
com letras verdes, disquetes magnticos de 3,5 ou 5,25 polegadas, impressora matricial e ...
nada raras dores de cabea associadas perda de horas de digitao devido ao esquecimento
da necessria ao no automatizada de salvar o texto. Hoje digito este texto em meu
notebook conectado via rede Wi-Fi impressora jato de tinta multifuncional e com os dados
no apenas sendo salvos automaticamente no disco rgido do aparelho, como tambm em meu
disco virtual do Google Drive. A prxima aquisio talvez seja um ultrabook 2 em 1,
notebook mais fino, leve e de maior velocidade de processamento, cuja tela sensvel ao toque
pode ser desacoplada do teclado e funcionar como tablet.
A essa percepo da rapidez com que a tecnologia tem mudado nossas vidas, pode-se
acoplar o exerccio de investigar a extenso de sua presena em nosso cotidiano. O retrato do
incio de um dia de trabalho de uma secretria de telemarketing assim apresentado no texto
Toda a Fsica: hoje e atravs de sua histria (MENEZES et al., 2003, p. 5-7):
Ela acorda com um relgio despertador, que mede o tempo pela contagem de
pulsaes de um cristal de quartzo, feita por um chip eletrnico, que um
microcircuito integrado a um cristal semicondutor. Vai direto ao banheiro, onde
ralos, pia e vaso sanitrio so providos de sifes hidrulicos, para reter odores. Toma
um banho, com gua que vem de um reservatrio dotado de bia e registro e que
passa por um chuveiro eltrico, um resistor sob uma tenso de 220 V, mas que, no
apartamento vizinho, circula por um aquecedor de passagem, um tubo metlico
sobre um queimador a gs.
Em dvida sobre que roupa vestir, procura se informar da previso do tempo, no
noticirio das 7 horas. Se fosse assinante de TV a cabo, poderia ver um canal
especializado, cujo sinal lhe chegaria por uma rede de fibras pticas; como no , a
antena coletiva do prdio leva at seu receptor o sinal, em freqncia modulada,
transmitido pelas ondas eletromagnticas a partir da emissora de TV aberta. Ela
aciona e desliga o aparelho usando um controle remoto de raio infravermelho.
Prepara ento seu caf, fervendo a gua em fogo a gs, com botijo de GLP (gs
liquefeito de petrleo) protegido por vlvula de segurana, sensvel a variaes
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abruptas de presso. Tira o pacote de leite UHT (tratado em ultra-alta temperatura)
do refrigerador, cujo ciclo trmico usa motor-compressor eltrico e tem controle
automtico de degelo. Pe uma fatia de po na torradeira, outro simples resistor
como o do chuveiro, mas com tenso de 110 V e provido com termostato de par
metlico. Esquenta um pouco de leite na prpria xcara, colocando-a em um forno
que s esquenta alimentos midos, pois faz uso de um feixe de microondas, com
freqncia de oscilao igual das molculas de gua. No visor, de cristal lquido,
registra o tempo de somente 40 segundos, para evitar a ebulio e o derramamento
do leite.
Pronta para sair, pega seus culos, com lentes que combinam correo esfrica para
miopia e cilndrica para astigmatismo; abre e fecha a porta do apartamento com sua
chave, uma alavanca de lato temperado, que se encaixa e faz girar o fecho
mecnico, cujo segredo est registrado em um pequeno tambor de cobre. Chama o
elevador acionando um boto, que fecha o circuito de um rel, o qual liga um
potente motor eltrico, que ergue at seu andar a grande caixa de estrutura metlica;
outro motor, menor, tambm acionado por rel automtico, abre a porta do elevador.
Prepara-se ento para sair rua, para o incrvel desafio do trnsito urbano, com seus
automveis e caminhes, movidos pelos ciclos Otto e Diesel de seus motores a
combusto interna, e com os semforos automticos orientando o fluxo do trnsito a
partir de informaes computadas por um sistema central de processamento de
dados. Sirenes ensurdecedoras anunciam a emergncia das ambulncias. Lembra-se
de ter visto o interior de uma delas, uma