FIOS E TRAMAS: A INDÚSTRIA TÊXTIL EM MARIANA E OURO … · de foros e de contratos (para o caso...

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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

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ApresentAção

Introdução

AbrevIAturAs

I – duAs FábrIcAs

compAnhIA IndustrIAl ouropretAnA

FIAção e tecelAgem são José

II – A AlmA do negócIo

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trAbAlhAdores

Anexos

Acervos pesquIsAdos

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oUma das linhas mestras do Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale é a valorização

da história de Mariana e Ouro Preto. Iniciativa da Fundação Vale, o Programa busca identi-

ficar, conhecer e dar a conhecer aspectos importantes e comuns à memória, à cultura e ao

patrimônio histórico das duas cidades mineiras.

Este livro trata de um desses aspectos – a experiência de moradores cuja vida esteve,

em parte, entrelaçada com as fábricas de tecidos que funcionaram em Mariana e Ouro

Preto no século XX, a Fiação e Tecelagem São José e a Companhia Industrial Ouropretana,

respectivamente.

Os moradores – 42 entrevistados pelo subprograma Vale Registrar – se dispuseram a con-

tar e a compartilhar lembranças do tempo em que foram funcionários das duas empresas.

Esses depoimentos, disponíveis para consulta na Biblioteca Infanto-Juvenil da Estação Ferro-

viária de Mariana, formam a trama da história que ora se apresenta.

Uma história capaz de nos levar a uma época simultaneamente tão diferente – em termos

de mundo do trabalho, de sua dinâmica interna, cotidiano e costumes – e próxima a nós,

pois cada um sabe as linhas com que se cose.

Fundação Vale

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Esta publicação, concebida e realizada pelo Núcleo de História Oral do Programa de

Educação Patrimonial – TREM DA VALE, dá a conhecer a história de duas antigas fábricas

de tecidos: a FIAÇÃO E TECELAGEM SÃO JOSÉ, em Mariana, e a COMPANHIA IN-

DUSTRIAL OUROPRETANA, em Ouro Preto.

Extensa documentação institucional sustenta a origem, o desenvolvimento e o desfecho da

história dessas empresas; os interesses, sonhos e expectativas dos seus idealizadores e su-

cessores, desde as vicissitudes iniciais do pioneirismo, os momentos fecundos de êxito até a

crise que as inviabilizou e lhes determinou o fim. Servindo de marco histórico, conjunturas

econômicas e sociopolíticas desafiadoras balizaram, durante o século XX, a história de

nosso país, e suas repercussões locais pesaram, sem dúvida, na decisão de extinguir aquelas

companhias em ambos os municípios mineiros.

O estudo abrange depoimentos qualificados de ex-trabalhadores dessas indústrias, alguns

inclusive com vivências que remontam às suas origens, nas décadas iniciais do século pas-

sado. Os depoimentos constituem, por eles mesmos, uma revelação, dentre outros, de um

elemento-chave da educação patrimonial: o reconhecimento da própria história. Neles se

faz ouvir a voz antes emudecida no intenso processo produtivo e na disciplina inerente ao

trabalho. Aspectos pontuais vinculados às condições de trabalho são lembrados – o baru-

lho excessivo das máquinas e as nuvens de poeira dos resíduos, por exemplo. E, em algum

momento, até mesmo a falta de dinheiro para tomar o trem para o trabalho e as peripécias

do trajeto cumprido a pé.

Por outro lado, não estão ausentes as recordações festivas: o Primeiro de Maio, de cunho

religioso e de festa, e as comemorações do Natal, com suas bonificações concedidas e

lembradas como gesto de boa vontade das empresas. Os depoentes expressam também

sentimentos de gratidão a quem lhes propiciou a oportunidade de garantir a subsistência

mediante o emprego de seu trabalho – identificado como seu único patrimônio –, o que

de certa forma amplia o sentido de patrimônio histórico, nele dando maior visibilidade à

categoria “Trabalho”.

Com esta nova iniciativa, a Fundação Vale confirma seu compromisso de restituir à memó-

ria dos habitantes de Ouro Preto e Mariana parcela importante de sua história. E, ao dotá-la

de realidade existencial contemporânea, espera que este ato cultural contribua para o

fortalecimento da solidariedade e da identidade social dessas simbólicas cidades de Minas.

Santa Rosa Bureau Cultural

Parceiro executor do Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale

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Fios e Tramas: a indústria têxtil em Mariana e Ouro Preto surgiu a partir do acervo de entre-vistas realizadas pelo Núcleo de História Oral do subprograma Vale Registrar/Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale, com funcionários remanescentes das antigas fábricas de tecidos de Mariana e Ouro Preto – a Fiação e Tecelagem São José e a Companhia Industrial Ouropretana, respectivamente. Parte da memória das duas cidades, as fábricas são sempre lembradas por moradores mais antigos, pela importância que tiveram na vida econômica municipal, nos períodos de sua existência.

Tais entrevistas formam o eixo “Tecelagem”, da tipologia “História Temática”, composta ainda dos eixos “Ferrovia”, “Mineração” e, em fase de gravação, “Clubes Socioesportivos”. Também integram a metodologia do Núcleo as entrevistas “Histórias de Vida”, de cunho mais amplo, abordando questões relacionadas ao cotidiano dos dois municípios ao longo do século XX.

A proposta de trabalho sobre as fábricas de tecidos foi feita em 2008 (depoimentos) e 2010 (livro), pelo então supervisor do Vale Registrar Jason Barroso Santa Rosa, e o início do processo de pesquisa, escolha de nomes e realização de entrevistas esteve a cargo da assessora técnica à época, Elodia Honse Lebourg, do pesquisador Eder Donizete de Melo e dos estagiários Bráulio Gomes Felisberto e Giovani Barbosa Prado. Entre 2008 e 2010, o eixo “Tecelagem” contemplou 42 pessoas ao todo – 21 em Ouro Preto e 21 em Mariana –, com entrevistas que duraram, em média, uma hora.

A escolha dos entrevistados, feita com base em intensa pesquisa prévia, inicialmente levou em consideração a disponibilidade para conceder a entrevista e a facilidade para discor-rer sobre o tema em questão. A isso foram acrescidos outros aspectos relacionados ao objetivo de garantir equilíbrio entre os gêneros e à busca de possíveis entrevistados que ocuparam funções diversificadas no universo das fábricas. Nessa perspectiva, procurou-se entrevistar fiandeiras, tecelãs, funcionários administrativos, gerentes, contramestres, telefo-nistas, eletricistas e representantes sindicais, por exemplo.

A realização das entrevistas seguiu um roteiro geral com perguntas sobre o funcionamento da unidade fabril e a atividade (ou atividades) que o(a) entrevistado(a) exerceu. Quando necessário, foram elaborados sub-roteiros que permitissem a exploração de áreas ou facetas específicas de cada uma das duas fábricas. Foi o caso, por exemplo, dos sub-roteiros sobre energia elétrica e telefonia, áreas que extrapolavam o mundo da produção dos tecidos e colocavam as fábricas como fornecedoras de serviços às cidades.

Todas as entrevistas passaram pelo processamento técnico adotado no Núcleo de História Oral, que consta das seguintes etapas: transcrição; conferência de fidelidade; pesquisa para notas de rodapé; copidesque. Ao mesmo tempo, suas gravações foram devidamente ar-mazenadas pelo Núcleo de Audiovisual do Vale Registrar, que também é responsável pela cópia de cada uma delas em DVD, entregue aos entrevistados em um encontro promovido ao término de cada ano trabalhado. Nesse mesmo encontro, as entrevistas processadas e as gravações são incorporadas ao acervo da Biblioteca da Estação de Mariana, onde ficam disponíveis para consulta.

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Diante da importância das informações obtidas e do significado histórico, cultural e afetivo que a memória das fábricas ainda traz consigo para Mariana e Ouro Preto, o Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale, por intermédio dos historiadores do Núcleo de His-tória Oral, também chamou a si a tarefa de valorizar e difundir essas informações. Nessa perspectiva, são os primeiros pesquisadores a se debruçar sobre tais fontes para delas pro-duzir conhecimento organizado e acessível, especialmente à população das duas cidades.

Seguindo os fios estabelecidos pelos entrevistados na relação entre lembrança e esqueci-mento, em cada reelaboração do passado no presente, a pesquisa abarcou outros docu-mentos que pudessem ampliar, corroborar, esclarecer, relativizar aspectos e informações sobre a história das duas fábricas.

Em parte, esses documentos são de cunho privado. De maneira geral, a preservação desse tipo de documentação é ainda incipiente no Brasil. Na grande maioria dos casos, os atores/produtores desses documentos os descartam assim que sua função cotidiana é cumprida, sem atentar para a possibilidade de seu uso histórico, como testemunho de uma época, de um fazer, de um viver. Com isso, perdem a memória e a história do país.

Quando preservados, o pesquisador muitas vezes ainda se depara com dois problemas: saber se o acesso a esses documentos é franqueado e se sua preservação incluiu sua or-

ganização para consulta. Como são de natureza privada, o acesso depende de autorização

dos proprietários, o que nem sempre é fácil: desconfiança ou apego excessivo são entraves

sempre presentes na vida do pesquisador. De outro lado, às vezes o acesso é facilitado, mas

as condições para a pesquisa se mostram inadequadas: se um conjunto de centenas de do-

cumentos não apresentar uma mínima organização, é quase como se esse acervo não exis-

tisse, porque isso impede a busca e localização das informações desejadas em tempo hábil.

No caso do trabalho que ora se apresenta, a equipe pôde contar com a sensibilidade e senso

público dos administradores da Massa Falida da Companhia Industrial Itaunense (à qual a

Companhia Industrial Ouropretana foi incorporada). Aqui agradecemos, em especial, a Luiz

Rogério Mitraud de Castro Leite, José Carlos Magalhães Motta e Patrícia Gonçalves Nogueira,

que, numa atitude rara, não apenas franquearam o acesso à documentação como permitiram

seu deslocamento até a Estação Ferroviária de Mariana, viabilizando a pesquisa dentro dos

prazos e metas estabelecidos pelo Programa. Assim, atas de instalação, de assembleias gerais,

de reuniões de diretoria, folhas de pagamentos, listagens de maquinários e equipamentos, re-

lação de acionistas, entre outros, puderam ser consultadas. No que diz respeito à fábrica São José, o caminho que se impôs para a obtenção de dados semelhantes foi o da consulta aos documentos arquivados na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg).

Outro acervo particular de fundamental importância para este trabalho é o de proprie-dade do professor Rafael Arcanjo dos Santos, composto de jornais marianenses do século XX. Apesar de não possuir toda a seriação, essa coleção tornou-se fonte única, pois os exemplares não podem ser encontrados em nenhum outro local. A consulta a esse acervo

forneceu preciosas informações sobre os primórdios da fábrica de tecidos São José e a maneira como sua instalação foi vista nos meios de comunicação locais.

Simultaneamente, jornais de abrangência estadual e municipal (no caso de Ouro Preto), anuários e almanaques com informações a respeito de atividades econômicas dos muni-cípios foram consultados em instituições públicas estaduais e municipais. Ainda no que se refere a periódicos, os pesquisadores foram gentilmente recebidos pela Associação Co-mercial de Minas Gerais (ACMG) e pelo Centro de Memória do Sistema Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (CMSFiemg) para consulta às revistas especializadas de ambas as entidades.

Sobre o processo de instalação das fábricas, outros documentos também foram pesquisa-dos: as atas das câmaras municipais, relatórios da Presidência da Província e do Estado, livros de foros e de contratos (para o caso da concessão de energia elétrica e telefonia).

Dessa massa documental Fios e Tramas foi urdido. O livro é dividido em duas par tes. A primeira – Duas Fábricas – compõe-se de dois capítulos, cada um deles dedicado a uma das fábricas. Neles são apresentadas, com maior ênfase, as informações históricas sobre a gênese e o fechamento das indústrias, entremeadas, quando possível, de depoimentos dos entrevistados do Vale Registrar.

A segunda parte – A Alma do Negócio – também abrange dois capítulos: “O Trabalho” e “Tra-balhadores”. Em “O Trabalho”, o processo de produção, as funções, os equipamentos, produtos e relações sociais, entre outros aspectos, desvelam-se diretamente da voz dos agentes dessa história e conduzem toda a narrativa, agora não mais seccionada em duas fábricas, mas como experiências de vida que apresentam semelhanças. Assim, ao longo do texto, revezam-se as falas de entrevistados de Mariana e Ouro Preto; quando há diferença, ela é indicada.

O último capítulo, “Trabalhadores”, é composto de trechos das entrevistas concedidas ao Vale Registrar, os quais acrescentam informações ou temas que não couberam nos capítulos ante-riores, mas igualmente revelam situações e acontecimentos que, de maneira variada, insistem na memória de cada funcionário, seja por que motivo for. Aqui, nossos entrevistados mostram seus rostos e permanecem de forma duradoura na história que ajudaram a construir.

É importante ressaltar que a equipe fez algumas escolhas. A primeira: optou por manter as citações de documentos escritos com a grafia e a pontuação da época em que foram produzidos. No que tange às citações de trechos das falas dos entrevistados, e como ado-tado metodologicamente pelo Núcleo de História Oral, elas nem sempre estão de acordo com a norma culta da língua, para permanecerem o mais próximo possível do registro da oralidade. A segunda: como esta não é uma obra de cunho acadêmico, indicaram-se apenas os documentos efetivamente usados na construção do texto, em notas de referência.

Com isso, o Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale cumpre mais uma tarefa no sen-tido de contribuir para a preservação do patrimônio cultural de Mariana e Ouro Preto, dis-ponibilizando uma das várias e possíveis tramas que estes fios de lembranças podem conter.

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ACMG - Associação Comercial de Minas Gerais

AEAM - Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana

AGPM - Arquivo Geral da Prefeitura de Mariana

AHCMM - Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana

AIMFCII - Acervo Institucional da Massa Falida da Companhia

Industrial Itaunense

APMOP - Arquivo Público Municipal de Ouro Preto

CMSFiemg - Centro de Memória do Sistema Federação

das Indústrias do Estado de Minas Gerais

Jucemg - Junta Comercial do Estado de Minas Gerais

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um novo negócIo

Com “palavras repassadas de saudade”, um ano após o falecimento do comendador Vic-torino Antônio Dias seus companheiros de negócios se lembraram dele e pediram que se lançasse em ata “uma lagrima pela morte de nosso saudoso diretor-gerente”, que seu retrato a óleo fosse afixado na sala de sessões solenes da sede da empresa e que se erigisse um busto na entrada do edifício da fábrica3.

O comendador falecera em 1930, ano de reviravoltas políticas no país, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, e da crise econômica mundial, com a quebra da Bolsa de Nova York e seus desdobramentos. Mal teve tempo de viver tudo isso, não se regozijou nem sofreu com tais mudanças. Ali se encerrava sua destacada atuação em alguns empreendi-mentos em Ouro Preto, dentre eles a fábrica de tecidos.

A ideia de instalar uma indústria têxtil na cidade não fora dele, tampouco a incumbência de encontrar o terreno no lugar certo e aforá-lo, erguer as paredes do edifício, formar o capital social necessário, adquirir máquinas, contratar funcionários e dar início à produção. Victorino Dias assumiu o negócio em 1912, quando tudo isso e mais alguma coisa já esta-vam resolvidos, bem ou mal resolvidos.

Sua casa foi o local escolhido para a reunião de maio, cujo objetivo era constituir a socieda-de anônima incorporadora da fábrica. Como as conversações e os arranjos já haviam sido realizados, o encontro foi profícuo.

Até então mais conhecida como fábrica de tecidos do Tombadouro – região onde está ainda hoje a cachoeira do Tombadouro –, o nome do negócio foi oficializado como Fá-brica de Fiação e Tecidos Itacolomy4. O laudo de avaliação da fábrica e suas dependências, “com todas as machinas existentes, acessórios, installações de força e agua potavel, casas e terrenos descriptos na escriptura de compra”, registrava o valor de 370 contos de réis5; acrescentaram-se 50 contos para “capital de gyro commercial, despezas de installação etc.”6, e o capital social foi fixado em 420 contos de réis, dividido em 2.100 ações do valor nomi-nal de 200 mil réis cada7. Em que pese o fato de a soma das ações não corresponder ao número citado no documento, compunham o quadro de acionistas:

3. AIMFCII. Ata de 30 de março de 1931. In: Livro de actas das Assembleas Geraes da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-30 maio 1941. f. 28v.

4. AIMFCII. Ata de 12 de maio de 1912. In: Idem. f. 1-1v; AIMFCII. Estatutos sociaes da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy; 15 maio 1912. In: Idem. f. 4.

5. Em novembro de 1912, esse valor foi assim detalhado: “immoveis 7:500$000; edificio da Fabrica e suas dependencias 80:000$000; machinas existentes 236:000$000; ferramentas 482$500; moveis e utensilios 385:000; agua potavel 4500$000; installação de força 37:842$000 e mercadorias existentes 3:290$500.” Cf.: AIMFCII. Ata de 18 de novembro de 1912. In: Idem. f. 2v.

6. AIMFCII. Ata de 15 de maio de 1912. In: Idem. f. 1v-2v.

7. AIMFCII. Ata de 12 de junho de 1912. In: Idem. f. 2v-3v.

companhia industrial ouropretana

ruAs

Na origem, Ouro Preto foi ouro, barroco e rococó. Em torno deles, imagens da cidade e de seus habitantes foram construídas e reinterpretadas ao sabor de circunstâncias e sujeitos históricos.

A “gente intratável” da terra, como falou certa vez o conde de Assumar, representante da Coroa Portuguesa na capitania das Minas Gerais1, ainda haveria de esperar bem mais de um século para merecer o reconhecimento como baluarte da liberdade – o nome de uma praça e de um dia para Tiradentes, uma rua para Felipe dos Santos, padre Rolim e Chico Rei.

A rua do Aleijadinho, parece, sempre inconteste, seja quando os edifícios da cidade foram vistos como destituídos de nobreza2, seja quando, na visita de 1924, Mário e Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral tomaram a cidade como preciosidade histórica.

Entre a origem e o título de Monumento Nacional, declarado em 1933, Ouro Preto abri-gou o projeto modernizante da Escola de Minas, berço da formação técnica de engenheiros que deveriam identificar as jazidas minerais em todo o território nacional e traçar linhas políticas de atuação. Para seu fundador, a rua Henri Gorceix.

Todavia, houve quem buscasse na cidade a riqueza e a modernização por caminhos distan-tes de ouro e jazidas, nem sempre retilíneos, nem sempre previsíveis. Dessa iniciativa, surgiu o nome da rua de um comendador, um coronel, um jornalista.

1. DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. p. 59. (Col. Mineiriana, Série Clássicos).

2. TEIXEIRA COELHO, José João. Instrução para o governo da capitania de Minas Gerais; [1780]. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. p. 61. (Col. Mineiriana, Série Clássicos).

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ACIONISTAS NÚMERO DE AÇÕES

Comendador Victorino Antônio Dias 707

Major Raymundo Guido de Andrade 419

Burlamaqui, Mattos & Cia. 299

José Honório Mourão 251

Coronel Antônio Augusto de Oliveira 150

Randolfo Rodrigues Trindade 40

José Mendes de Magalhães 50

Clodomiro Augusto de Oliveira 25

Coronel Joaquim Severiano de Carvalho 25

Manoel Fiúza da Rocha Sobrinho 25

Joaquim Affonso Painhas 25

Bernardino de Oliveira Gomes 15

Marciano Pereira Ribeiro 10

Affonso Peixoto 5

Total 2.046

Dentre os sócios proprietários foram escolhidos os membros efetivos e suplentes do con-selho fiscal, bem como aqueles que deveriam ocupar a diretoria pelos três anos seguintes, como definido em estatuto: Victorino Antônio Dias, diretor-gerente-tesoureiro; Clodomiro Augusto de Oliveira, diretor-presidente; Raymundo Guido de Andrade, presidente da As-sembleia Geral dos acionistas8.

O ano subsequente à reunião de maio de 1912 parece ter sido de adaptações dos acio-nistas ao novo negócio. Assim, por exemplo, em junho “sobrelevava a defficuldade de obter pessoal devidamente habilitado, principalmente para a secção de tecelagem”9; em dezem-bro se afirmava a “inutilidade de um balanço na presente ephoca em que, infelizmente a

8. Idem. Ibidem.

9. AIMFCII. Ata de 13 de junho de 1912. In: Livro de actas da Directoria da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 jun. 1912-18 fev. 1928. f. 1.

nossa fabrica ainda não sahiu do período de organização”10. A compra de matéria-prima, feita “a dinheiro á vista”, e a exiguidade de capital de giro levavam Victorino Dias a se prontificar “a supprir a sociedade das importancias necessarias, em conta corrente, á taxa de seis por cento (6%) ao anno”11. E não houve como demover o diretor-presidente Clo-domiro Augusto de Oliveira de seu propósito de renunciar ao cargo, alegando “falta de conhecimentos especiaes da industria que estamos explorando”, alegação essa, completou Victorino Dias, “certamente muito sincera, mas, que podia ser feita pela quase totalidade dos nossos consocios, inclusive pelo diretor-gerente”12.

A pAcIÊncIA de dom s Ilvér Io

A fábrica adquirida por Victorino Dias e seus sócios esteve nas mãos da Arquidiocese de Mariana, representada por Dom Silvério Gomes Pimenta, durante cerca de 12 anos. A transmissão da propriedade da empresa para o prelado, ao custo de 150 contos de réis, foi feita por volta de 1899-1900, e a escritura pública, lavrada em 190113.

Nela, constam como outorgantes vendedores Santos, Irmão Rezende e Companhia, resi-dentes em Ouro Preto, naquele ato representados pelo sócio-gerente doutor Gabriel de Oliveira Santos. Dom Silvério é o outorgado comprador da fábrica de tecidos

denominada do Tombador e também conhecida por Itacolomy [...] com todos os

seus machinismos de fiação, tecelagem, engomação de fio, tinturaria, officinas mecha-

nicas de reparos, montados todos os machinismos [...] e assentes em um predio todo

construido de pedra, cal e cimento, cobrindo uma superficie de mil novecentos e vin-

te e quatro metros quadrados, com as paredes exteriores de cincoenta centimetros

de espessura, construido em blocos de calcareo de primeira rejuntados a cimento,

superestrutura toda de ferro em forma de dente de serra e coberta de telha francesa,

casa para operarios, situadas proximas a fabrica e respectivos terrenos [...]14

10. AIMFCII. Ata de 30 de dezembro de 1912. In: Idem. f. 2v.

11. AIMFCII. Ata de 30 de março de 1913. In: Livro de actas das Assembleas Geraes da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-30 maio 1941. f. 9.

12. AIMFCII. Ata de 12 de outubro de 1912. In: Livro de actas da Directoria da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 jun. 1912-18 fev. 1928. f. 2. Clodomiro Augusto de Oliveira torna-se membro do conselho fiscal, assumindo a vaga deixada pelo acionista Marciano Pereira Ribeiro, que havia falecido. Raymundo Guido de Andrade assume a presidência da fábrica e Desidério Gonçalves de Mattos torna-se o presidente da Assembleia Geral. Cf.: AIMFCII. Ata de 30 de março de 1913. In: Livro de actas das Assembleas Geraes da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-30 maio 1941. f. 9.

13. AIMFCII. Traslado de uma escriptura de compra e venda da fabrica do Tombadouro em Ouro Preto comprada pelo Exmo. Snr. Dom Silverio Gomes Pimenta pelo preço e quantia de RS (150:000$000), Marianna, Cartorio do Primeiro Oficio, 07 mar. 1901. 5f.

14. Idem. Ibidem.

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Assim, antes de Victorino Dias, antes de Dom Silvério, a fábrica pertencia a uma firma. O material a que se teve acesso permite dizer que essa firma foi sua proprietária por um curto período e que adquiriu o negócio das mãos de outra empresa. Não é o nome Santos, Irmão Rezende e Companhia que aparece em documentos e jornais de 1889 a 1893, dando conta de alguns aspectos do empreendimento, inclusive a energia elétrica para movimentar os motores e ainda iluminar a própria cidade. Mas sim o nome Companhia Industrial de Ouro Preto, sediada no Rio de Janeiro, dirigida por Luiz de Carvalho e Mello, João Kastrup e Augusto Carlos Grey Tavares.

1) “Somos informados de que no dia 12 do corrente será installada na Côrte esta companhia, cujo fim é estabelecer nesta capital uma fabrica de tecidos de algodão.

São seus directores os Srs. Dr. Luiz de Carvalho e Mello, Augusto C. Grey Tavares e João Kastrup.

Acha-se encarregado da construcção das obras o Sr. engenheiro civil Henrique de Oliveira Amaral.” (COMPANHIA Industrial de Ouro Preto. A Provincia de Minas, Ouro Preto, 11 set. 1889. Gazetilha, p. 2.)

2) “A Companhia Industrial de Ouro Preto, por seo Director Presidente abaixo assignado, precisando construir nos terrenos denominados – Cachoeira do Tomba-douro, na freguesia de Antonio Dias, uma fabrica de fiação e tecelagem de algodão, vem respeitosamente pedir a esta Camara Municipal que se digne conceder-lhe por aforamento os referidos terrenos, á margem esquerda do Rio Funil, na extensão de 150 metros de frente, sendo nos terrenos altos de 100 metros de frente por 150 de fundo, e na parte baixa de 50 metros de frente por 40 de fundo; outrosim, pede á mesma Camara o uso das aguas do mencionado rio Funil e da cachoeira situada no mesmo local. Ouro Preto, 9 de outubro de 1889. L. de Carvalho Mello. Dir. Presidente.” (APMOP. Aforamento de 45 braças de terreno sito no Tombadouro para instalação de industria de tecelagem por José de Mello Freitas, contestado pelo foreiro João Ferreira de Ulhôa Cintra; 1887-1889 (processo). (28 docs. avulsos não catal.)

3) “Um dos grandes melhoramentos prestados a esta capital é a fabrica de fia-ção e tecelagem que está sendo montada, no lugar denominado Tombadouro, pela Companhia Industrial de Ouro Preto.

Quem conhece as vantagens que auferem as fabricas de algodão em Minas Ge-raes não deixará de applaudir e de animar esta industria, louvando os esforços empregados por aquella Companhia em favor do progresso de Ouro Preto.

Página inicial do extrato para transação da “Fabrica de Tecidos do Tombadouro, tambem conhecida por Itacolomy”, datado de 11 de fevereiro de 1907.

Acervo Massa Falida da Companhia Industrial Itaunense. Foto equipe Vale Registrar.

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As obras em construcção, sob a habil direcção dos distinctos engenheiros drs. Venceslau Bello e Henrique Amaral, lentes da Escola Politechinica, estão em adian-tado estado, offerecendo altamente aprazivel ponto de reunião aquelle lugar.

Em breve, em julho do corrente anno, terá lugar a inauguração da fabrica, a qual será servida de machinismos modernos e aperfeiçoados.

É nosso intento, com esta noticia, felicitar a directoria da Companhia e chamar a attenção do povo ouro-pretano para o real serviço que a esta cidade está prestando a mesma Companhia.” (A COMPANHIA Industrial de Ouro Preto. Correio da Noite, Ouro Preto, 07 mar. 1890. p. 2.)

4) “Pelo representante da companhia industrial de Ouro Preto, sr. dr. Grey Tavares, vai ser assingnado o contracto para iluminação da capital á luz electrica.

A cachoeira do – Tombadouro – formada pelas aguas do corrego – Itacolomy – confluente do – Ribeirão do Funil –, será aproveitada como motor para os machi-nismos.” (ILLUMINACÇÃO da capital. O Itacolomy, Ouro Preto, 10 out. 1890. p. 1.)

5) “A Companhia Industrial de Ouro Preto acaba de montar uma linha telepho-nica entre o seu escriptorio, à rua S. José 25, e a sua fabrica de fiação e tecelagem de algodão, nesta capital.” (O MOVIMENTO. Ouro Preto, 24 mar. 1891. p. 2.)

6) “S. exc. o senador Gama Cerqueira, vice-presidente do Estado, acompanha-do do sr. dr. Theophilo Ribeiro, director da secretaria do interior e de outros cavalheiros visitou este importante estabelecimento industrial.

S. exc. e comitiva foram recebidos pelo director gerente, engenheiro Grey Tavares e pessoal technico do estabelecimento com todas as deferencias.

Depois de haver percorrido todas as dependencias da fabrica e assistido ao funcionamento de todos os apparelhos por habilissimos operarios e operarias foi lhe offerecido e a sua comitiva pelo engenheiro Tavares, em esplendido pic nic, durante o qual manifestaram-se os convivas as mais significativas provas de enthusiasmo pela maneira brilhante com que a companhia industrial de Ouro Preto, procurou montar um estabelecimento modelo, aparelhado para compe-tir com os seus congeneres europeus.

O sr. vice-presidente e comitiva regressaram á cidade as 3 horas da tarde, tra-sendo todos a grata recordação dos obsequios que receberam do engenheiro

Grey Tavares e pessoal da fabrica.” (FABRICA de tecidos do Tombadouro.

O Estado de Minas, Ouro Preto, 24 fev. 1892. Noticiario. p. 1.)

7) “Aos dezoito dias do mez de junho de mil oitocentos e noventa e três, no

paço municipal, entre os abaixo assignados, directores da Companhia Industrial de

Ouro Preto, e o Dr. Agente executivo da camara, ficaram definitivamente contrac-

tadas as estipulações do teor seguinte, adoptadas em sessão de doze de junho

proximo findo, relativamente ao serviço da illuminação electrica d’esta capital.

Primeira: A Companhia Industrial de Ouro Preto fica no direito de fazer passar

em qualquer das ruas, praças, caminhos e outras vias de comunicação, cabos,

fios aereos ou subterraneos, bem como supportes, apparelhos e acessorios

destinados ao transporte de fluido ou corrente electrica para a illuminação.

Segunda: O presente contracto subsistirá por vinte e cinco annos, durante os

quaes a companhia será obrigada a ministrar a cidade, pelos preços sob as

condições ora indicadas, a luz necessaria para a illuminação das ruas, praças

e vias de comunicação e assim tambem para os estabelecimentos publicos e

particulares da mesma cidade. [...]” (APMOP. Termo de contrato para a illu-

minação electrica da cidade; 17 jun. 1893. In: Livro de Registro de Contratos de

Arrematações; 1887-1896. f. 67v.-73.)

Não foi possível precisar como se deu o processo de transferência dos negócios da Com-

panhia Industrial de Ouro Preto – fábrica e serviço de iluminação – para Santos, Irmão

Rezende e Cia. Mas, por uma notícia de jornal de outubro de 1896, sabe-se que

os Srs. Santos, Irmão Rezende e Cia., proprietarios da Fabrica Itacolomy, situada no

Tombadouro, bairro desta capital, têm grande variedade de tecidos de algodão, de

cor, trançados e lisos. Chamamos a attenção dos srs. negociantes para ás producções

daquelle estabelecimento industrial de primeira ordem15.

Sabe-se ainda que no mesmo ano de 1896 foram concedidos aos cidadãos Santos, Ir-

mão Rezende e Companhia o aforamento do terreno situado no lugar denominado

15. O ESTADO DE MINAS. Ouro Preto, 28 out. 1896. p.1.

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Tombadouro16 e a queda d’água necessária à geração de energia, e que eles eram deten-tores de equipamentos elétricos e do contrato de iluminação pública da cidade em 189917.

Gabriel Santos, o sócio-gerente da fábrica de tecidos, era “grande amigo e consultor”18 de Dom Silvério. É provável que ambos tenham trocado impressões sobre aqueles anos iniciais e conturbados da República brasileira. A fábrica estava hipotecada ao Banco do Brasil; Dom Silvério, apreensivo com as finanças das instituições sob sua responsabilidade:

O Seminario de Marianna, o Collegio Providencia e o Recolhimento de Macahubas

possuiam um bom numero de apolices federaes, de cujos juros se serviam estes

estabelecimentos de ensino para auxilio de suas não pequenas despezas. A situação

financeira do Governo da Republica, na occasião, era precaria, correndo voz en-

tre pessoas auctorizadas, e bem depressa derramada pelas camadas populares, que

o Governo iria suspender o pagamento dos respectivos juros. Semelhante noticia

trouxe alarme a todos os que, na occasião, tinham economias pessoaes, ou sob sua

administração no Thesouro Federal19.

As apreensões de Dom Silvério diminuíram com a proposta de compra da fábrica – as apólices federais seriam convertidas em ações aceitas pelo Banco do Brasil, no valor real, ou seja, a hipoteca seria levantada com os títulos da dívida pública que possuía, sem que ele precisasse desembolsar um tostão. Foi-lhe assegurado pelo amigo Gabriel Santos que a fábrica era “negócio promissor de garantida e não pequena porcentagem”, e que um dos sócios da empresa se encarregaria de sua administração20. A isso o Jornal Mineiro acrescen-tava que Dom Silvério poderia aplicar o estabelecimento industrial

à obra meritoria a que tem dedicado todos os seus esforços, isto é, á proteção e am-

paro da infancia desvalida [...] fornecendo trabalho [...] a numerosas creanças pobres

de ambos os sexos que por ahi vivem na ociosidade, soffrendo privações crueis21.

16. APMOP. Aforamento 422. In: Livro de termos, medições, posse e obrigação de foros; 1885-1900. f. 205.

17. APMOP. Contracto para o serviço de illuminação electrica da cidade, entre a Camara Municipal e a firma Santos, Irmão Resende & Cia.; 12 dez. 1899. In: Livro de Registro de Contratos da Câmara; 1896-1917. f. 36v.-38v.

18. OLIVEIRA, Alypio Odier de. Traços biographicos de D. Silverio Gomes Pimenta no centenario do seu nascimento; 1840-1940. São Paulo: Escolas Profissionaes Salesianas, 1940. p. 79.

19. Idem. Ibidem.

20. Idem. Ibidem.

21. FABRICA de Tecidos do Tombadouro. Jornal Mineiro, Ouro Preto, 01 maio 1898. p. 1.

Com tudo isso em jogo, Dom Silvério aquiesceu, e, nos 12 anos em que a fábrica esteve com a arquidiocese, “quis Deus provar a paciência do Prelado”22. Sabia-se que a adminis-tração do negócio não caberia a ele. Parece que o sócio mencionado por Gabriel Santos se recusou. Parece que não deu certo o arrendamento, por tempo limitado, a uma firma

que compõe-se de distinctos industriaes do Rio de Janeiro e desta cidade, sendo seu

gerente technico o sr. J. C. Bragante, ex-director gerente da Fabrica de S. João em

Nictheroy, e gerente commercial o sr. Joaquim Affonso Baeta Neves, nome vantajo-

samente conhecido no commercio23.

Por algum tempo, de 1906 a 1912, a fábrica funcionou sob a forma de sociedade em comandita – a Arquidiocese de Mariana como sócio comanditário e Orosimbo Gomes Sabará de Vasconcellos como sócio solidário, “investido das funcções de gerente com plena autonomia de administração tanto na parte technica como na commercial [...]”24. De fato, assim a empresa aparece em estatísticas da época:

Cidade: Ouro Preto

Nome da fábrica: Fabrica do Tombadouro

Proprietário: Orozimbo Vasconcellos & Cia.

Capital e reservas: 300 contos de réis

Fusos: 1.640

Teares: 52

Nº de operários: 60

Produção anual em metros: 600.000

Consumo anual de algodão em quilos: 55.000

Especialidade: tecidos brancos.25

22. OLIVEIRA, Alypio Odier de. Op. cit. p. 79.

23. FABRICA do Tombadouro. Jornal Mineiro, Ouro Preto, 11 jun. 1899. Expediente. p. 3.

24. AEAM. Livro de escripturação diaria da Fabrica de Tecidos S. José do Tombadouro; 29 nov. 1907-30 mar. 1908. f. 1.

25. SENNA, Nelson de. Annuario de Minas Geraes. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1906. Anno I. p. 129.; JACOB, Rodolpho. Minas Geraes no XXº seculo. Rio de Janeiro: Gomes, Irmão & Cia., 1911. v. 1. p. 271.

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Mas também aí alguma coisa não deu certo, a ponto de levar Dom Silvério a pagar 30 con-tos de réis para rescindir o contrato26. Nesse momento, Victorino Dias adquire a maioria das ações do prelado e funda, com seus sócios, a Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy.

Ainda ficaram alguns papéis em mãos da arquidiocese, desfeitos anos depois pelo triplo do valor nominal. “E assim se deu fim á compra desta Fabrica, que tantas lagrimas e amarguras trouxe ao venerando Bispo de Marianna”27.

26. OLIVEIRA, Alypio Odier de. Op. cit. p. 80.

27. Idem. Ibidem.

I tAcolomY ( 19 12- 1924)

Não se tem notícia de que a Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy causou alguma amar-

gura em Victorino Dias e seus sócios. Como foi dito, sabe-se que eles passaram por um

período de adaptação ao novo negócio, e tudo leva a crer que passaram bem.

Já no balanço relativo a 1919,

verificou-se com prazer que, a despeito de ter commeçado esse exercicio sob maos

auspicios, devido, principalmente, ao panico que se estabeleceu em seguida ao

Armisticio da grande guerra, assignado em Outubro de 1918, os lucros excederam á

expectativa, permittindo-nos um dividendo de 15% sobre o capital, o cumprimento

das verbas estatuidas, ficando ainda um saldo liquido de [150 contos de réis] credita-

do á conta de ‘Lucros Suspensos’28.

Os balanços imediatamente seguintes acusaram ora “magnifico”, ora “explendido” resulta-

do, ou prometiam ser “o melhor da vida de nossa empresa”, e dividendos de 25% e 30%

puderam ser distribuídos aos acionistas, e 200 e 247 contos de réis levados aos “Lucros

Suspensos”29. Contribuíram para esse quadro “os preços de nossos tecidos em marcha as-

cendente e estes com boa acceitação” na praça “para onde continuamos a vender grande

parte de nossa produção”, o mercado de fazendas do Rio de Janeiro30.

A situação da empresa permitia investimentos na produção. Aos seus agentes em Londres

ela dirigia por carta o pedido de máquinas; eles entravam em contato com a casa Brooks

& Doxey, de Manchester, encomendavam o equipamento, acompanhavam a montagem31 e

o despacho de navio para o Brasil, e tudo levava bem mais de um ano.

Já naquela época, a fábrica auxiliava a Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto. Combinan-

do talvez o bom andamento dos negócios com o reconhecimento por parte de diretores

e acionistas de que “ha muito vem a Santa Casa de Misericordia d’esta cidade assistindo os

28. AIMFCII. Ata de 28 de fevereiro de 1920. In: Livro de actas da Directoria da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 jun. 1912-18 fev. 1928. f. 5.

29. Sobre esses dados, ver : AIMFCII. Atas de 30 de dezembro de 1920, 20 de fevereiro de 1921, 24 de fevereiro de 1922, 20 de fevereiro de 1923, 28 de fevereiro de 1924, 30 de setembro de 1925. In: Livro de actas da Directoria da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 jun. 1912-18 fev. 1928. f. 6, 6-6v., 7v., 8v., 9v., 12v.

30. AIMFCII. Atas de 24 de dezembro de 1919, 30 de junho de 1920. In: Idem. f. 5, 5v.

31. AIMFCII. Atas de 25 de agosto de 1921, 30 de março de 1925. In: Idem. f. 6v.-7, 11v.

Estatutos sociais da Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy, de 19 de junho de 1912. Acervo Massa Falida da Companhia Industrial Itaunense. Foto equipe Vale Registrar.

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operarios da fabrica com serviços medicos e medicamentos gratuitamente”32, a empresa

por várias vezes destinou certa quantia àquela benemérita instituição. Em 1917, a subvenção

correu por conta da “Caixa Beneficente da fabrica”, e para reforço dessa rubrica se propôs

“que se levasse d’ora em diante, á esta conta, o producto da venda dos reziduos de algo-

dão, capas servidas de fardos, arames, arcos [...]”33. Em 1921, não se alterou a disposição de

ajudar a Santa Casa, mas a conta da qual sairia o dinheiro – foi então criado o Fundo de

Gratificações e Donativos34.

Mesmo antes da criação oficial desse fundo, a Itacolomy realizava, junto com o pagamento

de dezembro, uma distribuição de gratificação “ao pessoal operario, chefes de secção e do

escriptorio”, para aquele “calculada em quantia aproximada á 10% de suas diarias durante

o anno e para estes á criterio da gerencia”35. Se mantinham a praxe da distribuição, os dire-

tores Raymundo Andrade e Victorino Dias avisavam que não constituíam “as gratificações

direito de ninguem, podendo vir a ser suspensas de futuro, a criterio da diretoria”36.

Mais avisos foram dados. Um deles aconselhava “o pessoal e chefes de secção a serem eco-

nomicos e a faserem o seu peculio, mesmo no escriptorio da Fabrica, mediante o juro de

6% ao anno”37. Outro informava que, verificada a boa ordem e prosperidade em que vão

os negócios sociais, a empresa ficaria fechada “em regosijo pela data do primeiro centena-

rio da independencia do Brasil”38. Sem regozijo, mas com preocupação, os seguintes dizeres

foram afixados nas diversas seções da fábrica: “A Directoria julga-se no dever de aconselhar

os seus operarios e empregados a não fazerem causa commum com o movimento produ-

zido lá fora, no sentido de reducção do dia de trabalho [...]”39.

De maneira imediata, o movimento lá fora consistia na tentativa dos operários da constru-

ção civil de Ouro Preto de obterem a jornada de oito horas de trabalho. De forma mais

32. AIMFCII. Ata de 30 de junho de 1917. In: Idem. f. 3v.

33. Idem. Ibidem.

34. AIMFCII. Ata de 20 de fevereiro de 1921. In: Livro de actas da Directoria da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-18 fev. 1928. f. 6-6v. Sobre outras doações feitas pela fábrica à Santa Casa, ver : AIMFCII. Ata de 24 de fevereiro de 1922. In: Idem. f. 7v.; AIMFCII. Atas de 04 de março de 1945, 14 de março de 1948. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 15-15v., 25v.-26.

35. AIMFCII. Ata de 30 de dezembro de 1920. In: Livro de actas da Directoria da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-18 fev. 1928. f. 6. Em 1924, os chefes de seção receberam a gratificação em ações: Francisco Justo Mitraud, José Juventino Costa e José Victor Gonçalves, 15 ações cada um; e Arbogasto de Andrade, quatro ações. Cf.: AIMFCII. Ata de 29 de dezembro de 1924. In: Idem. f. 10-10v. A informação de gratificações feitas em outros anos pode ser vista em: AIMFCII. Atas de 02 de janeiro de 1922, 20 de fevereiro de 1923, 03 de janeiro de 1924. In: Idem. f. 7, 8v., 9v.

36. AIMFCII. Ata de 20 de fevereiro de 1923. In: Idem. f. 8v.

37. Idem. Ibidem.

38. AIMFCII. Ata de 06 de setembro de 1922. In: Idem. f. 8.

39. AIMFCII. Ata de 05 de dezembro de 1920. In: Idem. f. 5v.

ampla, tratava-se do “movimento social que se vem operando no mundo com repercução

em nosso Paiz”, como disse Victorino Dias em 191940, talvez se referindo à Revolução Russa

e à atuação anarquista e às greves operárias ocorridas nos principais centros urbanos brasi-

leiros. Seja como for, ele já tomara providências: a transformação da diária em salário-hora,

“com augmento de 50% para as horas de serviço accrescidas as 10 regimentaes”; a criação

de uma escola noturna para “nella aprenderem a ler os operarios menores de ambos os

sexos”41, experiência encerrada meses depois “por falta de frequencia”42.

A administração da Itacolomy às vezes encontrava Victorino Dias fora do país, quem sabe

revendo seu Portugal; às vezes ausente da própria fábrica, para tratar dos negócios de outra

empresa da qual era acionista e diretor-gerente.

A Fusão

No Brasil do fim do século XIX, a iluminação elétrica de ruas e casas era uma novidade.

Predominavam a vela, o lampião, a tocha.

Quando a fábrica de tecidos foi instalada em 1890, o serviço de iluminação pública e parti-

cular – uma concessão do governo municipal – também passou a fazer parte dos negócios

da Companhia Industrial de Ouro Preto, e seu diretor Grey Tavares informava que “os

moradores desta cidade que desejarem a collocação de luz electrica em suas casas, queirão

communicar ao escriptorio d’esta companhia, á rua do Tiradentes, n. 25”43.

Como se disse, a fábrica e o serviço passaram para as mãos de Santos, Irmão Rezende

e Cia. Doutor Gabriel vendeu a fábrica para a arquidiocese, mas ficou com alternado-

res, dínamos, postes, cabos, motores, transformadores, isoladores e o contrato com a

Câmara Municipal de Ouro Preto para a iluminação. Quase ao mesmo tempo que se

transferia a unidade fabril para Dom Silvério, equipamentos elétricos e contrato eram

incorporados pela Companhia Luz Electrica Ouro Pretana no instante de sua constitui-

ção legal, janeiro de 190244.

40. AIMFCII. Ata de 22 de julho de 1919. In: Idem. f. 4v.

41. Idem. Ibidem.

42. AIMFCII. Ata de 30 de dezembro de 1920. In: Idem. f. 6.

43. COMPANHIA Industrial de Ouro Preto. A Ordem, Ouro Preto, 20 dez. 1890. p. 4.

44. AIMFCII. Ata de 06 de fevereiro de 1902. In: Livro de actas das Assembléas da Companhia Luz Electrica Ouro Pretana; 06 fev. 1902-09 maio 1926. f. 1-2v. Segundo jornal da época, “já foram publicados no orgam official, em obediencia á lei das sociedades anonymas, os estatutos da companhia luz electrica ouro-pretana que, felizmente, acha-se definitivamente organisada. São seus directores o commendador Francisco Affonso Painhas, coronel Antonio Augusto de Oliveira, Antonio José Netto e capitão Candido Augusto da Cruz. O conselho fiscal ficou composto dos srs. Arthur Rosemburg, José A. da Fonseca e dr. Joaquim Candido da Costa Sena.” Cf.: A CIDADE. Ouro Preto, 25 fev. 1902. A Cidade. p. 1.

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Formalizada a nova empresa, no ano seguinte ela já havia contratado o engenheiro eletricis-ta responsável pelo serviço de custeio da iluminação45, bem como encaminhava o contrato de iluminação do correio, do quartel e da cadeia46. Para fazer “funcionar outro dynamo e at-tender aos muitos pedidos que ha de installações em predios particulares”, um empréstimo de 12 a 15 contos de réis foi necessário47. E na mesma época a empresa aceitou a redução do pagamento anual que a Câmara Municipal lhe devia, de 20 para 18 contos de réis48.

45. AIMFCII. Ata de 24 de junho de 1903. In: Livro de actas das Assembléas da Companhia Luz Electrica Ouro Pretana; 06 fev. 1902-09 maio 1926. f. 3-4v.

46. Idem. Ibidem.

47. Idem. Ibidem.

48. “Essa modificação consistia em ficar reduzido de vinte contos a dezoito contos de reis annuaes o pagamento da illuminação publica, reducção que a Camara Municipal via-se obrigada a fazer em consequência da diminuição de suas rendas [...]” Cf.: Idem. Ibidem.

Algumas dessas medidas podem ter trazido dificuldades no andamento dos negócios da companhia. Mas parece que isso não foi por muito tempo. Ao renunciar a qualquer porcen-tagem a que tinha direito até dezembro de 1906, seu diretor-gerente Victorino Dias com-pletou: “[...] attendendo que só agóra a Companhia entra em uma ephoca promettedora de prosperidade [...]”49. Dez anos depois, a empresa estava com o capital social aumentado de 125 para 250 contos de réis, justificado pela valorização de seu ativo – serviços já exe-cutados e em vias de execução com lucros que não foram distribuídos50.

No seu desenvolvimento, a Companhia Luz Elétrica Ouropretana se tornou, em certo sentido, bem próxima da Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy. Ambas tinham acionistas em comum, além de membros do conselho fiscal e da diretoria51, bem como utilizavam a mesma queda d’água para a geração de energia. Já em 1917, no bojo da reforma projetada para a construção de uma segunda unidade hidroelétrica, Victorino Dias aventou, como presidente da Luz Elétrica, a possibilidade de fusão dos dois negócios: nos terrenos da fá-brica “se poderia obter uma diferença de nivel com capacidade para o augmento de 130 cavallos approximadamente”52.

Sua ideia ficou de ser estudada por uma comissão. Parece que o foi, e não se obteve, “na occasião em que disso se tratou, unanimidade de vistas, como seria necessario [...]”53.

Todavia, a fusão ocorreu, em duas etapas. Primeiro, a fábrica comprou a maioria das ações da Companhia Luz Elétrica, o que deu àquela “liberdade para resolver, quando julgar op-

49. AIMFCII. Acta da Assemblea Geral Ordinaria; 04 mar. 1906. In: Idem. f. 9.

50. “Esse augmento tem a sua justificação na valorisação do activo da Companhia em virtude da nova installação hydro-electrica, caixa de areias etc., executada em 1907 [...], no pagamento feito aos representantes de Santos, Irmão Rezende & Cia. [...] por saldo de materiaes incorporados pela acta da installação e de accordo com o que n’ella se estabeleceu; no fundo de reserva [...] e finalmente na nova reforma em execução [...]. Para a execução d’esses serviços e pagamento da divida acima referida dispôz a Companhia dos lucros accumulados até 31 de Dezembro de 1908 [...], dos lucros excedentes dos dividendos de 5% destribuidos nos annos de 1909 1910 [...] e mais do fundo de depreciação de machinas [...]. Não se trata pois, de um augmento de capital para accrescimo de obras [...], mas de serviços já executados e em via de execução com lucros que não foram destribuidos e outros recursos sociaes [...].”Cf.: AIMFCII. Ata de 04 de fevereiro de 1916. In: Idem. f. 22-23v.

51. Como participantes das duas empresas, destacam-se, dentre outros: Victorino Antonio Dias, Raymundo Guido de Andrade, José de Castro Magalhães, José Honório Mourão, Carlos Thomaz de Magalhães Gomes, Joaquim Augusto de Oliveira Santos, Gabriel de Oliveira Santos, Joaquim Affonso Painhas, Joaquim Severiano de Carvalho, Clodomiro Augusto de Oliveira, Randolfo Rodrigues Trindade, João Baptista Fortes, Antônio José Netto, José Filippe de Santa Cecília, Desidério Gonçalves de Mattos, Antônio Augusto de Oliveira. A esse respeito, ver : AIMFCII. Livro de transferências de acções da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; jul. 1912-dez. 1958; AIMFCII. Ata de 20 de fevereiro de 1915. In: Livro de actas das Assembléas da Companhia Luz Electrica Ouro Pretana; 06 fev. 1902-09 maio 1926. f. 20-20v.; AIMFCII. Accionistas da Companhia Luz Electrica Ouropretana em 31 de dezembro de 1919. 1f. Maço Assemblea geral ordinária, 1919.

52. AIMFCII. Ata de 14 de abril de 1917. In: Livro de actas das Assembléas da Companhia Luz Electrica Ouro Pretana; 06 fev. 1902-09 maio 1926. f. 24-24v. Também em reunião de 1918 se tratou da questão “de uma nova unidade hydro-electrica ou á um accordo d’esta Companhia com a Fabrica de Tecidos Itacolomy, de modo a aproveitar-se a mesma queda d’agua de que actualmente se utilisam as duas empresas.” Cf.: AIMFCII. Ata de 20 de fevereiro de 1918. In: Idem. f. 27-27v.

53. AIMFCII. Ata de 30 de março de 1924. In: Livro de actas das Assembléas Geraes da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-30 maio 1941. f. 19v.

Logomarca e carimbo da Companhia Luz Elétrica Ouro-Pretana. Acervo Massa Falida da Companhia Industrial Itaunense. Foto equipe Vale Registrar.

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portuno, a revelia dos dessidentes de todos os tempos [...]”54. Logo depois se configurou com a companhia uma situação prevista em lei da época: quando da redução do número de sócios a menos de sete, a sociedade deveria se entender dissolvida. Diante disso, a

Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy [...] tendo conhecimento [...] de que a Compa-

nhia [Luz Elétrica Ouropretana] admitte a possibilidade de proceder á sua liquidação,

ou venda de seus bens e direitos, vem propor a compra de todo o acervo constituido

pela Usina do Tombadouro, linhas primarias e secundarias, postes, transformadores,

predio á praça Tiradentes, esquina da rua das Flores, com o annexo que serve de dis-

tribuidora, materiaes em deposito no escriptorio e fora delle, dividas activas, moveis,

contracto corrente com a Camara Municipal desta cidade para illuminação publica e

particular e outras applicações de energia electrica, emfim, tudo quanto constitue o seu

activo, subrogando-se em todos os seus direitos e compromettendo-se por outro lado

a assumir todas as obrigações e liquidar o seu passivo, pela quantia global de duzentos

e cincoenta contos de reis, pagos á dinheiro á vista, no acto de passar a respectiva es-

criptura. Ouro Preto, vinte e quatro de Dezembro de mil novecentos e vinte e quatro55.

Ainda levaria algum tempo para que as questões burocráticas junto aos órgãos públicos fossem concluídas – a Luz Elétrica seria declarada extinta em 192656, e um novo contrato de iluminação pública e particular, fornecimento de energia elétrica e serviço telefônico seria assinado com a Câmara Municipal em 192757.

Mas a fusão estava feita e, com ela, uma das primeiras medidas foi alterar em estatuto a denominação da empresa: agora, a Companhia Industrial Ouropretana, com sede em Ouro Preto, daria continuidade à “exploração das industrias de tecidos, distribuição de energia electrica para força e luz, telephones e outras que não contrariem os seus fins principaes, mantida a forma anonyma”58.

54. Idem. Ibidem.

55. AIMFCII. Ata de 25 de dezembro de 1924. In: Livro de actas das Assembléas da Companhia Luz Electrica Ouro Pretana; 06 fev. 1902-09 maio 1926. f. 34-34v.

56. “Nesses termos fica declarada extinta a sociedade anonyma Companhia Luz Electrica Ouropretana, devendo esta acta ser lavrada em duplicata, publicada no orgão official dos poderes do Estado, e um exemplar archivado no Registro de Hypothecas da Comarca.” Cf.: AIMFCII. Ata de 09 de maio de 1926. In: Idem. f. 35v.

57. APMOP. Termo de contracto para serviço de illuminação publica e particular, fornecimento de energia electrica e serviço telephonico entre a Camara Municipal de Ouro Preto e a Companhia Industrial Ouropretana; 8 fev. 1927. In: Livro de Registro de Contratos da Câmara; 1917-1927. f. 78-83v.

58. “A Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy, tendo adquirido todos os bens e direitos da Companhia Luz Electrica Ouropretana, resolveu, em assembléa geral extraordinaria, hoje realisada, alterar os estatutos de 15 de Maio de 1912, a principio pela sua denominação que passa a ser ‘Companhia Industrial Ouropretana’, com sede nesta cidade de Ouro Preto, para a continuação dos fins das duas emprezas [...].” Cf.: AIMFCII. Ata de 28 de dezembro de 1924. In: Livro de actas das Assembléas Geraes da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-30 maio 1941. f. 21v.-22.

Logomarca da Companhia Industrial Ouropretana. Acervo Massa Falida da Companhia Industrial Itaunense. Foto equipe Vale Registrar.

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Além disso, mais trabalhadores passaram a responder a uma mesma direção, como se pode ver na tabela a seguir :

ANO MêSPRODUÇãO

(METROS)NÚMERO DE OPERáRIOS

1924 Janeiro 111.257 195

Fevereiro 102.677 186

Março 106.463 187

Abril 94.849 199

Maio 92.573 203

Junho 90.534 211

Julho 98.117 210

Agosto 101.562 200

Setembro 122.292 196

Outubro 148.469 189

Novembro 128.080 186

Dezembro 110.602 183

1926 Janeiro Sem informação 231

Fevereiro Sem informação 201

Março Sem informação 207

Abril 127.813 205 (+eletricidade: 9)

Maio 129.779 199 (+eletricidade: 9)

Junho 121.263 199 (+eletricidade: 9)

Julho 146.158 201 (+eletricidade: 11)

Agosto 132.720 199 (+eletricidade: 9)

Setembro 126.943 198 (+eletricidade: 10)

Outubro 124.462 199 (+eletricidade: 9)

Novembro 134.025 204 (+eletricidade: 9)

Dezembro 105.096 204 (+eletricidade: 9)

1930 Janeiro 67.432 177 (+eletricidade: 12)

Fevereiro Sem informação 176 (+eletricidade: 12)

Março 104.467 181 (+eletricidade: 13)

Abril 115.076 181 (+eletricidade: 16)

Maio 120.729 173 (+eletricidade: 13)

Junho 98.192 181 (+eletricidade: 12)

Julho 106.638 186 (+eletricidade: 12)

Agosto Sem informação 181 (+eletricidade: 12)

Setembro 128.778 181 (+eletricidade: 12)

Outubro Sem informação 198 (+eletricidade: 12)

Novembro Sem informação 185 (+eletricidade: 13)

Dezembro Sem informação 187 (+eletricidade: 12)

As funções desempenhadas pelos trabalhadores não eram intercambiáveis. Mas, em pelo menos uma ocasião, a turma da indústria esteve junto com a turma da eletricidade. Um acidente fez com que o aparelho de guias de admissão da água da turbina hidráulica se inutilizasse completamente, avariando também o rotor. Problema elétrico, paralisação do motor da fábrica. Diante disso, o diretor-gerente Victorino Dias pediu e obteve o auxílio de Arthur J. Bensusan, “nosso acionista e superintendente da Companhia Minas da Passa-gem”, em cujas oficinas se faria o reparo no prazo de 15 dias. Nesse período,

resolveu-se manter em serviço todos os operarios do sexo masculino, que serão

utilisados para intensificar o serviço de montagem de machinas e ajudar a turma de

pedreiros a melhorar a nossa tomada dagua no rio Funil e caixa de areia, ficando

igualmente resolvido abonar-se ás operarias os seus ordenados, como se estives-

sem em effectivo serviço, isto por equidade59.

sob novA d Ireção

Em janeiro de 1943, o coronel Desidério Gonçalves de Mattos afirmou que “os membros da atual Diretoria são os unicos sobreviventes dos que assinaram a ata de fundação desta Companhia, sendo isto uma garantia do grande amor que têm à mesma”60. O coronel se

59. AIMFCII. Ata de 26 de junho de 1925. In: Livro de actas da Directoria da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 jun. 1912-28 fev. 1918. f. 11v.-12.

60. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefones S/A, de 21 de janeiro de 1943. Arquivamento 22.407. s.p.

(AIMFCII. Folha de pagamento da Fiação e Tecidos Itacolomy; abr. 1917-set. 1925; AIMFCII. C.I.O. - Folha de pagamentos; out. 1925-ago. 1933.)

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referia a si próprio e a Randolfo Rodrigues Trindade, presentes em 1912 na constituição da Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy e em 1943 ocupando os cargos de diretor-gerente e diretor-presidente da empresa, respectivamente.

Entre um ano e outro, ambos foram acionistas atuantes nas reuniões, membros do conse-

lho fiscal, presidentes de assembleias gerais. Participaram das decisões que fundiram fábrica

e luz. Viram Victorino Dias ir embora em 1930 e Raymundo Guido de Andrade em 1935.

Apuseram suas assinaturas aos documentos deliberativos quando a segunda geração assu-

miu a empresa – Jefferson Araújo Dias e José de Sales Andrade, diretores gerente e presi-

dente61 – e quando, procedendo a mais uma alteração estatutária, todo o negócio foi posto

no próprio nome da sociedade: Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem

de Algodão, Energia Elétrica e Telephones S/A62.

Em 1943, Washington Araújo Dias, filho de Victorino, acionista da fábrica, fundador da

associação comercial da cidade e então prefeito de Ouro Preto, referiu-se ao coronel e a

Randolfo Trindade como aqueles que estavam em condições “melhormente que quaisquer

outros acionistas, pelas suas tradições nesta casa, de seguir a trilha até agora palmilhada e

manter esta sociedade no alto nível em que sempre viveu”63.

A sociedade seguiu em frente, mas algo mudou antes de restar apenas o coronel Mattos se

dirigindo para a fábrica, como de costume, a cavalo64. Na Assembleia Geral Extraordinária

de 1944, ocorreu a renúncia aos cargos dos dois remanescentes da velha-guarda, bem

como a mudança em algumas cláusulas do estatuto, elevando de dois para cinco o número

de diretores, com mandato de seis anos, e acrescentando um conselho consultivo65.

A direção da companhia passou, então, a espelhar a progressiva predominância de outros

acionistas, com tradição no ramo têxtil sem dúvida, mas construída na cidade mineira de

Itaúna (Ver Anexo I).

61. Em 1933, foram reeleitos Jefferson Araújo Dias (diretor-presidente), Raymundo Guido de Andrade (diretor-gerente), Desidério Gonçalves de Mattos (presidente das assembleias gerais) e os seguintes membros do conselho fiscal: Coronel Antonio José Netto, Randolfo Rodrigues Trindade, José Felippe de Santa Cecilia, Clodomiro Augusto de Oliveira, João Baptista Fortes e Manoel Vieira da Silva. Cf.: AIMFCII. Ata de 30 de março de 1933. In: Livro de actas das Assembleas Geraes da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-30 maio 1941. f. 30. Em 1935, Jefferson Araújo Dias se torna diretor-gerente, e José de Sales Andrade, diretor-presidente, “não só pelos meritos pessoaes e como homenagem aos optimos e relevantes serviços que, desinteressadamente, vem prestando a sociedade, ha largo tempo, como ainda em homenagem a seu pae, e nosso saudoso director gerente Raymundo Guido de Andrade, há pouco fallecido.” Cf.: AIMFCII. Ata de 20 de abril de 1935. In: Idem. f. 33-34v. Em 1936 e 1939, Jefferson Araújo Dias e José de Sales Andrade foram reeleitos. Cf.: AIMFCII. Atas de 30 de abril de 1936 e de 30 de agosto de 1939. In: Idem. f. 35, 38.

62. AIMFCII. Ata de 30 de maio de 1941. In: Idem. f. 40-40v.

63. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefones S/A, de 21 de janeiro de 1943. Arquivamento 22.407. s.p.

64. VR-HT-OP-042 - Ephigênia Antônia de São José Ignácio dos Anjos.

65. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefones S/A, de 28 de junho de 1944. Arquivamento 24.930. s.p.

Propaganda veiculada no jornal Diário de Minas, em 25 de dezembro de 1952. seção 4. p. 5.

Acervo Hemeroteca Histórica da Biblioteca

Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

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Talvez como uma despedida, a reunião de 1944 propôs uma homenagem especial à

memória do comendador Victorino Dias e “à figura proba, honesta [...] do major Raymun-

do Guido de Andrade”, a quem “os ouro-pretanos e mineiros muito devem pela ação

realizadora” que desenvolveram nos setores econômico e industrial de Minas Gerais66.

Dito isso, um donativo foi destinado à Santa Casa de Misericórdia e tomaram posse José

de Cerqueira Lima (presidente), José Maria Lopes Cançado (vice-presidente), Theódulo

Pereira (superintendente), Desidério Gonçalves de Mattos (gerente) e Moacyr Gonçalves

da Costa (secretário), e, como membros do conselho consultivo, Dario Gonçalves de

Souza, Ignácio Valadares Ribeiro, José de Sales Andrade, Antônio Cosme Valentim Nery e

Aguinaldo Figueiredo67.

66. Idem. Ibidem.

67. AIMFCII. Atas de 30 de março de 1944 e 28 de junho de 1944. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A.; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 6, 12v.-13.

Nas décadas seguintes, os cargos variaram bastante. Por vezes, a diretoria se reduziu a três ou aumentou para seis o número de cargos; um diretor comercial, um financeiro, um industrial ou técnico assumiram o lugar da nomenclatura antiga; ora o conselho consultivo, ora o conselho de administração, com sete, dez ou quatro membros, assistia a diretoria68.

À frente desses cargos, nem sempre as mesmas pessoas. De maneira pontual, alguém renunciava porque se tornara difícil gerir a fábrica e uma federação, ou porque a lei não permitia acumular a administração com o mandato legislativo ou a secretaria de Estado. De maneira definitiva, o falecimento de alguém, restando o espólio para ser dividido69. No meio-termo, a conjuntura econômica e os interesses pessoais determinavam a compra e a venda de ações, a maior ou menor participação e poder de decisão nos negócios.

Em que pesem essas variações, duas figuras merecem destaque. Por ordem cronológica, Theódulo Pereira, que chegou a residir em Ouro Preto por um tempo, tornou-se presi-dente da associação comercial da cidade e proprietário de jazidas de pirita70. Sua atuação profissional não havia começado por aí, mas como jornalista dos Diários Associados e, depois, promotor de Justiça justamente na comarca de Itaúna. Como disse Vida Industrial, publicação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg):

[...] quando mais se impunha como figura de evidência do Poder Judiciário, não teve

outro recurso senão abandonar sua promissora carreira, ante a insistência com que

os industriais de tecido foram ali buscá-lo, para entregar-lhe o comando de uma das

mais poderosas organizações das classes produtoras de Minas. Assumindo, então, a

direção geral da Companhia Industrial Ouropretana, Theódulo Pereira [...] pôde dar-

-lhe nova estrutura, traçando rumos definitivos ao seu desenvolvimento71.

A segunda figura foi o advogado Miguel Augusto Gonçalves de Souza, filho dos industriais de tecidos de Itaúna, vale dizer, da Companhia Industrial Itaunense, diretor e presidente

68. Sobre essas mudanças, ver, por exemplo: AIMFCII. Ata da Assembleia Extraordinária de 30 de março de 1949; Atas de 20 de setembro de 1956, 22 de abril de 1957, 11 de abril de 1959, da assembleia extraordinária de 28 de novembro de 1961, 29 de abril de 1965, 17 de abril de 1971. In: Idem. f. 29-29v., 68, 78v.,86-87, 94v.-95, 115-115v., 136v.-140.

69. Alguns exemplos dessas situações: em 1947, José Maria Lopes Cançado se afasta temporariamente das funções de diretor vice-presidente por ter sido eleito deputado federal; em 1949, o nome de Ranfolfo Rodrigues Trindade aparece em espólio; em 1957, Theódulo Pereira se ausenta da sede da empresa em função de suas novas atividades como presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), e em 1961 renuncia ao cargo de diretor-presidente da Ouropretana, permanecendo como acionista e membro do conselho consultivo; em 1963, Antônio Fortes ocupa, no conselho consultivo, a vaga deixada em decorrência do falecimento de Theóphilo Marques Alvares da Silva; em 1964, Miguel Augusto Gonçalves de Souza ocupa a Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais.

70. BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE MINAS. Belo Horizonte, Associação Comercial de Minas Gerais, dez. 1949, p. 20; EXPANSÃO Industrial. Vida Industrial, Belo Horizonte, Fiemg, abr. 1955, p. 15.

71. TEÓDULO Pereira. Vida Industrial, Belo Horizonte, Fiemg, set. 1956, p. 22-23.

Três dirigentes da Ouropretana emprestaram o nome a logradouros de Ouro Preto.

Foto Eugênio Sávio.

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da Associação Comercial de Minas Gerais (ACMG), diretor do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Minas Gerais, do Banco Econômico de Minas Gerais e do Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais72. Na virada da década de 1960, ele tomou a frente da Companhia Industrial Ouropretana e deu-lhe novos rumos.

luZ e teleFone

Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informava que, em 1955, o município de Ouro Preto estava servido por 13 estações postais e uma postal--telegráfica, além do serviço telegráfico de estações ferroviárias. E completava: “É servido também pela rêde de telefones interurbanos, com dois postos de telefones públicos e 249 aparelhos instalados, estes, porém, sem funcionamento, atualmente, por motivo de acidente ainda não reparado, ao serem registrados os presentes dados”73.

O referido acidente foi assim lembrado por dois funcionários da Companhia Industrial Ouropretana, concessionária do serviço telefônico:

“Um caminhão, de um tal Lourival Marota, bateu no coisa, queimou a central, estourou tudo! Aí acabou, não teve mais...”

(Pedro Müller Moutinho, eletricista de 1953 a 1966. VR-HT-OP-047)

“Um caminhão bateu no poste ali na saída para Mariana, nas Lages. O caminhão bateu, deu um curto. Pronto! Queimou a central, acabou o ‘Telefone’.”

(Alda Gualberto Teixeira, telefonista e auxiliar contábil de 1952 a 1984. VR-HT-OP-036)

Parece que não houve mesmo o reparo. Os assinantes particulares deveriam, então, se di-rigir ao posto telefônico da praça Tiradentes, onde talvez já estivesse instalado o moderno equipamento cuja aquisição havia sido informada pelo superintendente Theódulo Pereira alguns anos antes do acidente74. No posto, solicitava-se a ligação interurbana e enfrentava--se uma espera de duas, três horas, conforme horário e linha, para completar a chamada.

72. VIDA INDUSTRIAL. Belo Horizonte, Fiemg, maio-junho 1964. s.p.; MENSAGEM ECONÔMICA. Belo Horizonte, Associação Comercial de Minas Gerais, mar. 1956, p. 25.; ENTREVISTA. Miguel Augusto Gonçalves de Souza. Belo Horizonte: UFMG/Programa de História Oral, fev. 1992.

73. ENCICLOPÉDIA dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. v. 26. p. 235.

74. AIMFCII. Ata de 10 de março de 1951. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A.; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 45-45v.

O acidente e, mais tarde, o fim da concessão do serviço telefônico a particulares foram responsáveis pela redução do nome e dos negócios da empresa – Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A, agora, como disse Alda Teixeira, sem “Telefone”.

Antes de algo semelhante se verificar com a energia, houve um período de investimento e expansão desse serviço, sob a superintendência de Theódulo Pereira. Desde pelo menos 1947, a construção de uma nova usina hidroelétrica foi aventada em reuniões (a usina do Gualaxo)75, e a empresa adquiriu a Companhia Melhoramentos de Ponte Nova, “conces-sionária dos serviços de utilidade pública de energia elétrica nesse importante município”76. Com essa aquisição, tornou-se proprietária da Usina do Brito e tratou de aumentar a sua capacidade, construir o prédio da estação transformadora e distribuidora principal da-quela cidade, reformar linhas de transmissão e erguer outras tantas, pois agora o serviço

75. Sobre a construção da nova usina, ver : AIMFCII. Atas de 22 de março de 1947 e da Assembleia Extraordinária de 30 de março de 1949. In: Idem. f. 21v., 27v.-28v.

76. AIMFCII. Ata da Assembleia Extraordinária de 30 de março de 1949. In: Idem. f. 27v.-28v.

Luminárias que pertenciam aos postes de iluminação elétrica da

Companhia Luz Elétrica Ouropretana. Acervo Wanderley Alexandre da Silva.

Foto Eugênio Sávio.

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extrapolava Ouro Preto para abarcar também Ponte Nova, Urucânia, Piedade, Orató-rios, Amparo da Serra, Vau-Açu e Santa Cruz do Escalvado77.

Para tudo isso, aumento de capital, empréstimos bancários, dividendos não distribuídos78; turbina, gerador, quadros de comando importados da Alemanha e dos Estados Unidos79; e o “dinamismo”, o “desassombro”, a “inteligência nova”80 do industrial Theódulo Pereira, homenageado anos depois na placa afixada no muro da fábrica: “Ponte Theódulo Pereira”, ligando dois passados, a rua Desidério Gonçalves de Mattos e a rodovia Rodrigo Melo Franco de Andrade.

À expansão energética verificada na década de 1950 seguiu-se o término de mais essa atividade nos negócios da Ouropretana, na década de 1960. Por meio de decretos presi-denciais de 1966 e 1967, transferiu-se a concessão do serviço de energia elétrica para as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), transferência “recomendada e desejada” pela diretoria da Ouropretana: “Extingui-se, assim, setor altamente deficitário da emprêsa”81.

Fizeram parte do processo de extinção a venda de imóveis não “necessários aos objetivos sociais”82 da companhia e a desmontagem da antiga rede elétrica, com a retirada de fios de cobre e alumínio, dos medidores, transformadores, isoladores, postes de aroeira-do-sertão e outros materiais, tudo colocado à venda “pelos melhores preços encontrados”. O valor arre-cadado com a transação foi destinado a “investimentos em nossa indústria têxtil” e ao paga-mento de funcionários do setor elétrico que tiveram seu contrato de trabalho rescindido83.

Tendo restado apenas a unidade fabril, a empresa tornou-se, mediante estatuto, Ciosa – Companhia Industrial Ouropretana S/A84.

77. Sobre esses investimentos, ver : AIMFCII. Atas da assembleia extraordinária de 05 de julho de 1949, 10 de março de 1951, 22 de agosto de 1954. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A.; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 41-41v., 45-45v., 62v.; AIMFCII. Ata da Assemblea Extraordinaria da Companhia Melhoramentos de Ponte Nova, 06 dez. 1949. In: Livro de actas das reuniões da Companhia Melhoramentos de Ponte Nova S.A.; 20 jul. 1925-06 dez. 1949. f. 50-53v.; AIMFCII. Ata de reunião da Diretoria e do Conselho de Administração; 12 fev. 1952. In: Livro de atas da Companhia Industrial Ouropretana S.A.; 02 set. 1943-26 mar. 1982. f. 9-9v.

78. AIMFCII. Atas da assembleia extraordinária de 05 de julho de 1949, 22 de agosto de 1954. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A.; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 41-41v., 62v.; Atas de reunião da Diretoria e do Conselho de Administração; 12 fev. 1952; 07 fev. 1953. In: Livro de atas da Companhia Industrial Ouropretana S.A.; 02 set. 1943-26 mar. 1982. f. 9-9v.

79. AIMFCII. Ata de 10 de março de 1951. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A.; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 45-45v.

80. NOTAS e Informações – Dr. Teódulo Pereira. Vida Industrial, Belo Horizonte, Fiemg, out.-nov. 1955, p. 9.

81. A respeito da transferência e da posição da empresa, ver: AIMFCII. Atas de 29 de abril de 1967, 30 de abril de 1968. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A.; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 122-123v., 124-124v.; AIMFCII. Ata de reunião da Diretoria e do Conselho Consultivo; 01 abr. 1967; 29 abr. 1968. In: Livro de atas da Companhia Industrial Ouropretana S.A.; 02 set. 1943-26 mar. 1982. f. 25v.-26v., 28-29v.

82. AIMFCII. Ata de reunião da Diretoria; 05 ago. 1980. In: Idem. f. 46.

83. AIMFCII. Ata da reunião da Diretoria e do Conselho Consultivo; 01 abr. 1967. In: Idem. f. 25v-27. AIMFCII. Ata de reunião da Diretoria e do Conselho Consultivo; 29 abr. 1968. In: Idem. f. 28-29v.

84. AIMFCII. Ata de 06 de abril de 1969. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 130-130v.

A Fábr IcA

“Deixa colocar uma data: até 1970, a fábrica tinha um panorama bonito, mas muito boni-to!” – recorda-se Luiz Gordiano Gonçalves, funcionário de 1962 a 1982. Havia o bambuzal, montes de lenha para a caldeira a vapor e o rio “que vinha lá de cima, fazendo os contor-nos, passando rente à fábrica”85.

Naquela década, a paisagem mudou para “a sociedade acelerar o seu próprio crescimento, inclusive com a aquisição de novas e modernas máquinas e a ampliação da área construída com a edificação de novos galpões”86. Sem bambu, com caldeira movida a óleo, o rio “foi levado lá para o canto do barranco”87, onde se encontra atualmente, e um aterro ocupou o lugar dos seus contornos rentes à fábrica. De três mil metros quadrados de área construída, a companhia passou a dispor de 16 a 18 mil metros quadrados, espaço destinado ao de-pósito de algodão, ao prédio novo da tecelagem – e só dela – e ao escritório da empresa, além do antigo galpão ampliado88.

Junto com as obras, o aumento da produção de cem para quatrocentas, quinhentas tonela-das de pano por mês, com a compra de muitas máquinas. “Para o Brasil”, segundo o gerente Fernando Antônio Affonso de Araújo, “máquinas atualizadas [...]. Enquanto lá fora eles já estavam cem anos na nossa frente, nós estávamos com máquinas que nós achávamos que eram modernas e que não eram mais. Mas, pelo menos em nível de competir dentro do Brasil, nós nos igualamos. Compramos muitas máquinas”89.

Capitaneada por Miguel Augusto Gonçalves de Souza, a mudança na paisagem atendeu também “ao imperativo de racionalidade administrativa”. Desde 1961, havia um escritório em Belo Horizonte, mas a sede da empresa era o escritório da praça Tiradentes, no 32, em Ouro Preto. A partir de 1976, a sede foi transferida para a capital mineira, precisamente no imóvel próprio à rua São Paulo, 409, 23o andar, “eis que se concentram em Belo Horizon-te as direções financeiras e comerciais da empresa, bem como a supervisão de todos os setores de atividades da companhia”90. Sediada na capital, e com “um moderno e funcional escritório junto à fábrica de tecidos em Ouro Preto”91, a sociedade vendeu o prédio da praça Tiradentes.

85. VR-HT-OP-050 A / B - Luiz Gordiano Gonçalves.

86. AIMFCII. Ata de reunião da Diretoria; 03 dez. 1973. In: Livro de atas da Companhia Industrial Ouropretana S.A.; 02 set. 1943-26 mar. 1982. f. 33.

87. VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

88. Idem; VR-HT-MA-040 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo.

89. VR-HT-MA-040 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo.

90. AIMFCII. Ata de reunião da Diretoria e do Conselho Consultivo; 28 nov. 1961. In: Livro de atas da Companhia Industrial Ouropretana S.A.; 02 set. 1943-26 mar. 1982. f. 16-16v.; AIMFCII. Atas de 22 de março de 1976 e da Assembleia extraordinária de 03 de dezembro de 1977. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana; 04 nov. 1973-30 jul. 1982. f. 36, 55-55v.

91. AIMFCII. Ata da Assembleia extraordinária de 03 de dezembro de 1977. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana; 04 nov. 1973-30 jul. 1982. f. 55-55v.

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Sua venda, como a de alguns outros imóveis espalhados por Ouro Preto, foi assim justifi-cada: tratava-se de “imóveis antigos que acarretam excessivos gastos para a conservação e não eram necessários ao bom cumprimento dos objetivos sociais da empresa. A importân-

cia a ser percebida seria aplicada na compra de moderna maquinaria têxtil”92. Tudo dentro

do programa de crescimento.

Ao que se sabe, em dois casos foram expostos motivos diferentes para a companhia se

desfazer de imóveis. Na primeira situação, “a Diretoria da empresa, imbuída dos melhores

propósitos de harmonia social e considerando o bom entendimento que existe e sempre

existiu entre a empresa e seus trabalhadores, entende que esta doação deve ser feita”93

– e um lote do terreno situado à rua Padre Faria foi entregue para que o Sindicato dos

Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Ouro Preto construísse sua sede,

como de fato o fez.

Na segunda situação, em 1978 a Prefeitura Municipal de Ouro Preto “desejava adquirir

uma área de terreno de aproximadamente 9.700 metros quadrados de propriedade da empresa, próxima à fábrica de tecidos, à direita da Rua Desidério de Mattos”, para construir “um Centro Social Urbano, obra de grande alcance social e da qual resultariam amplos be-nefícios, diretos e indiretos, para a empresa”94, coisa que o órgão público não fez por razões não se sabe atinentes a quem ou a quê.

Nenhum dos dois casos significou desvios no programa de crescimento da sociedade. A paisagem havia mudado na década de 1970 e, como afirmou Miguel Augusto Gonçalves de Souza, a empresa estava preparada para ser incorporada e absorvida pela Companhia Industrial Itaunense95, como ocorreu em 1982.

Após cuidadosos estudos, levando em conta os altos interesses da Companhia e de

seus acionistas e ponderando a situação atual da economia brasileira, vimos apresen-

tar-lhes, com essa justificação, razões que aconselham a incorporação desta socie-

dade pela Companhia Industrial Itaunense. Tanto a Ouropretana como a Itaunense

atuam no ramo têxtil, desenvolvendo, na manufatura dos seus produtos, técnicas

92. AIMFCII. Ata de 14 de abril de 1973. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 148v.-149.

93. AIMFCII. Ata de 17 de dezembro de 1971. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana de Fiação e Tecelagem de Algodão, Energia Elétrica e Telefone S/A; 21 jan. 1943-14 set. 1973. f. 143v. Ver também: AIMFCII. Ata de reunião da Diretoria; 06 dez. 1971. In: Livro de atas da Companhia Industrial Ouropretana S/A; 02 set. 1943-26 mar. 1982. f. 32v.

94. AIMFCII. Ata da Assembleia Extraordinária de 29 de novembro de 1978. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Ouropretana; 04 nov. 1973-30 jul. 1982. f. 57v.-58.

95. ENTREVISTA. Miguel Augusto Gonçalves de Souza. doc. cit.

que as levam a um bem próximo padrão de qualidade. São, também, co-

muns os mercados consumidores e as linhas de comercialização. Por outro lado,

a composição dos quadros acionários das empresas indica que, na sua expressiva

maioria, as ações do capital da Ouropretana pertencem a acionistas também parti-

cipantes do quadro de acionistas da Itaunense. São, assim, favoráveis as condições

para a incorporação dessa Companhia pela Itaunense que, como companhia aberta

e possuidora de recursos patrimoniais maiores, poderá desenvolver melhor, com

benefício para todo o seu corpo de acionistas, a atividade fabril. Além disso, o pró-

prio parque industrial da Ouropretana, passando a compor um complexo, poderá

ser melhor utilizado96.

Com a incorporação, a derradeira mudança de nome – Companhia Industrial Itaunense Unidade III97 – e a desativação do setor de fiação e da tinturaria. Parte de um complexo, a Ouropretana seguiu-lhe o caminho nos anos 80, “uma década quase perdida sob o ângulo econômico”98, e teve o mesmo fim: a falência nos anos 90.

Cem anos, então, haviam se passado desde quando tudo começou – uma ideia de riqueza na terra do ouro, do barroco e do rococó.

96. AIMFCII. Ata de 26 de março de 1982. In: Livro de atas das reuniões da Diretoria da Companhia Industrial Ouropretana; 26 mar. 1982-31 jun. 1982. f. 3v.-4. Ver também: AIMFCII. Ata de 29 de março de 1982. In: Livro de atas das reuniões da Diretoria da Companhia Industrial Itaunense; 26 jun. 1978-26 dez. 1983. f. 67, 69v.; AIMFCII. Ata da Assembleia Geral Extraordinária de 10 de abril de 1982. In: Livro de atas das Assembleias Gerais da Companhia Industrial Itaunense; 04 nov. 1973-30 jul. 1982. f. 72v.-73.

97. AIMFCII. Ata de 13 de setembro de 1982. In Livro de atas das reuniões da Diretoria da Companhia Industrial Itaunense; 26 jun. 1978-26 dez. 1983. f. 80v.-81.

98. ENTREVISTA. Miguel Augusto Gonçalves de Souza. doc. cit.

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Naquela época, a vida passava devagar. A notícia do início da Grande Guerra não chegaria a Mariana em menos de seis horas, se viesse impressa num jornal de Belo Horizonte atra-vessando os 167 quilômetros da Estrada de Ferro Central do Brasil, que ligavam as duas cidades. E Mariana, em comparação com outros lugares do país, era moderna, servida pelo trem e pela estação ferroviária inaugurada em 1914.

O município compunha-se de 13 distritos de paz, onde predominavam a criação do gado vacum e muar e o cultivo de cereais e cana-de-açúcar. Sob o título de estabelecimentos industriais abrigavam-se 16 negócios de bebidas, nove de calçados, um de vela, 14 de quei-jos e requeijões e uma perfumaria. Estabelecimentos comerciais eram em maior número, dispersos em bodegas, armarinhos e boticas. A extração do ouro ainda se fazia na bateia dos garimpeiros e pela empresa que, fincada em Passagem de Mariana, mudou por vezes de mãos e de nome99.

Os sinos das igrejas irmãs, Carmo e São Francisco, marcavam as horas, anunciavam missas e morte, repicavam em dias festivos e na chegada de autoridades, como a de Dom Helvécio Gomes de Oliveira, que assumiu a Arquidiocese em 1922. Entre as matinas e as completas, “seminaristas de sotainas negras” cumpriam deveres e obrigações, caminhavam pelos logra-douros e ficavam parados perto das lojas100.

Frio e indiferente a tudo, deslizava o ribeirão do Carmo101.

99. Sobre a economia de Mariana, ver : SENNA, Nelson de. Annuario de Minas Geraes. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1913. Anno V. p.532; SILVEIRA, Victor. (org.). Minas Geraes em 1925. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1926. p. 895-903, 1348.A mina de ouro localizada no distrito de Passagem de Mariana pertenceu a Thomas Bawden (1859), à Anglo Brazilian Gold Mining Company Limited (1863) e à The Ouro Preto Gold Mines of Brazil Limited (1875). No início do século XX, o controle acionário da empresa passou para as mãos da família Ferreira Guimarães (Coronel Benjamin Ferreira Guimarães e seu filho Júlio Mourão Guimarães), sob o nome Companhia Minas da Passagem.

100. Como registrou o viajante Richard Burton, em 1869. Cf.: BURTON, Richard Francis. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/USP, 1976. p. 276.

101. As expressões “igrejas irmãs” e “no ribeirão do Carmo que desliza / Indiferente e frio [...]” são de: MENDES, Murilo. Contemplação de Ouro Preto. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 494, 495.

e As máquInAs AndArAm. . .

Num tempo assim, a notícia de que uma fábrica de tecidos seria instalada em Mariana quebrou a rotina, deu o que falar em praças, sessões solenes, jornal.

No segundo semestre de 1933, os trâmites burocráticos e administrativos do novo esta-belecimento industrial estavam resolvidos. Antes deles, por certo, cumpriram-se outros trâmites menos tangíveis, para unir sócios, alinhavar interesses, fazer escolhas.

A constituição legal da empresa ocorreu em novembro. Seu nome: Fiação e Tecelagem São José, Limitada. Sua sede: avenida Gomes Freire, Mariana. Objeto: “exploração da indústria de fabricação e comércio de tecidos, ou outras que lhe sejam conexas”. Capital: 600 contos de réis. Duração prevista: trinta anos102.

Quatro foram os fundadores da fábrica, cada um dos quais dispondo de 150 contos de réis. Oscar Magalhães Ferreira era “bisneto de Antonino Mascarenhas, portanto, Mascarenhas da quarta geração”103, família associada, desde o século XIX, à primeira fábrica de tecidos movida a força hidráulica, a Cedro, no município de Sete Lagoas, Minas Gerais104.

Oscar Ferreira havia se formado em engenharia em 1921 e trabalhado na Estrada de Ferro Central do Brasil e na Prefeitura de Belo Horizonte. Pouco tempo depois, ingressou no setor têxtil como gerente da Companhia Industrial de Belo Horizonte, prestigiosa fábrica da capi-tal mineira. A atividade empresarial o levou a atuar nas entidades de classe então existentes no estado, ampliando o círculo de contatos, relacionamentos, interesses – foi sócio e diretor da ACMG e ocupou a vice-presidência da Federação das Indústrias de Minas Gerais105.

Nessa trajetória, é possível que Oscar Ferreira tenha encontrado as pessoas certas para a fundação da São José. Emygdio Berutto, de ascendência italiana, nascido em Ouro Preto, foi seu colega de turma no curso de engenharia e também trabalhou em estradas de ferro106;

102. JUCEMG. Contrato de sociedade por quotas de responsabilidade limitada sob a denominação FIAÇÃO E TECELAGEM SÃO JOSÉ, LIMITADA, nov. 1933. Arquivamento 14.338. s.p.

103. TAMM, Paulo. Uma dinastia de tecelões. 2 ed., s/l: s/e. 1960. p. 227-228.

104. “Sem auxilio dos poderes publicos, contando somente com os proprios capitaes, os irmãos Mascarenhas, investindo contra preconceitos, a rotina e a descrença geral, vencendo embaraços desanimadores, fundarão na freguezia do Taboleiro, municipio de Sete Lagoas, em 1868 a primeira fabrica de tecidos movida a força hydraulica.” In: FALLA que o exmo. sr. dr. Antonio Gonçalves Chaves dirigio á Assembleia Provincial de Minas Geraes, na 2ª sessão da 24ª legislatura, em 2 de agosto de 1883. Ouro Preto: Typographia do Liberal Mineiro, 1883. p. 40.

105. Sobre Oscar Magalhães Ferreira, ver : ACMG. ACTA da sessão semanal da directoria, 9 set. 1932.In: Actas 1932 a 1934. f. 59; ACMG. Matrícula. p. 127; DR. OSCAR Magalhães Ferreira. Minas Gerais, Belo Horizonte, 17 maio 1941. Luto. p. 9; 18 maio 1941, p. 11; ESTADO DE MINAS. Belo Horizonte, 17 maio 1941. p. 3; FEDERAÇÃO das Industrias de M. Geraes. Revista da Producção, Bello Horizonte: Secretaria da Agricultura, Industria, Commercio e Trabalho, abr. 1937, anno I, n. 2, p. 24; JUCEMG. Contrato de sociedade por quotas de responsabilidade limitada sob a denominação FIAÇÃO E TECELAGEM SÃO JOSÉ, LIMITADA, nov. 1933. Arquivamento 14.338. s.p.

106. JUCEMG. Contrato de sociedade por quotas de responsabilidade limitada sob a denominação FIAÇÃO E TECELAGEM SÃO JOSÉ, LIMITADA, nov. 1933. Arquivamento 14.338. s.p.; CMSFiemg. ENTREVISTA Aristides Mário Rache Ferreira. CDR nº reg.: 210, 21 maio 1998; DR. EMÍDIO Berutto. Minas Gerais, Belo Horizonte, 4 jul. 1950. Luto. p. 9.

Fiação e tecelagem são José

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José Antônio Assumpção, “que abreviadamente se assigna J. Assumpção”, era um comer-ciante natural de Belo Horizonte, eleito sócio da ACMG em 1915107; e Gercino Barbosa da Silva, domiciliado no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, era aí o representante da Companhia Industrial Belo Horizonte, provavelmente com bom trânsito comercial entre os grossistas – cinco ou seis portugueses que, endinheirados, açambarcavam a produção inteira de uma fábrica para repassá-la ao varejo108.

O acordo entre os fundadores, concretizado no registro da firma junto aos órgãos compe-tentes, se deu em um momento em que pelo menos duas outras questões já haviam sido encaminhadas. A primeira, o maquinário. Ao que se sabe, Oscar Ferreira aceitou a oferta de uma fábrica que fora fechada no Rio Grande do Sul, terra de seu pai, o que resultou na aquisição de maquinismos usados, mas necessários109.

A segunda questão envolveu diretamente os agentes do poder público de Mariana. Data de outubro de 1933 a petição dirigida ao prefeito municipal, em que os sócios,

[...] pretendendo estabelecer uma fabrica de tecidos nesta cidade, pedem a V. Exa. se digne conceder-lhes, para si ou empresa que organizarem, por aforamento, os ter-renos necessarios as suas installações, situados na Avenida Gomes Freire, ao lado do Rio Carmo [...]. Aos peticionarios parece escusado ponderar a V. Exa., espirito cla-rividente e judicioso, os beneficios de ordem economica, que tal emprehendimento trará a esta cidade, contribuindo efficazmente para sua prosperidade e augmentando o coefficiente das rendas municipaes. Por este motivo, que por certo calará no animo de V. Exa., pedem a isenção de fóros pela concessão pretendida, assim como dos impostos de industria e profissão e das demais taxas municipais [...]110

De fato, o pedido calou fundo no espírito do prefeito e do conselho consultivo, todos se congratulando “com os nossos municipes, em geral, e com os habitantes desta cidade, em particular, pela iniciativa dos requerentes que vêm assignalar o nosso progresso”111.

Em dezembro, o terreno da fábrica estava medido e demarcado, e o contrato de afora-mento, assinado, com isenção de impostos e taxas municipais pelo prazo de seis anos. Os 18 lotes tinham as seguintes confrontações:

107. JUCEMG. Contrato de sociedade por quotas de responsabilidade limitada sob a denominação FIAÇÃO E TECELAGEM SÃO JOSÉ, LIMITADA, nov. 1933. Arquivamento 14.338. s.p.; ACMG. Matrícula. p. 8.

108. JUCEMG. Contrato de sociedade por quotas de responsabilidade limitada sob a denominação FIAÇÃO E TECELAGEM SÃO JOSÉ, LIMITADA, nov. 1933. Arquivamento 14.338. s.p.; ACMG. Matrícula. p. 61; ENTREVISTA Aristides Mário Rache Ferreira. doc. cit.

109. ENTREVISTA Aristides Mário Rache Ferreira. doc. cit.; VR-HT-MA-040 A/B - Fernando Antônio Affonso de Araújo.

110. AGPM. Contrato de aforamento de terrenos do patrimônio municipal, nesta cidade, entre a Prefeitura de Mariana e a Sociedade “Fiação e Tecelagem São José Ltda”. In: Livro de aforamentos; 31 out. 1891-23 out. 1936. f. 109.

111. Idem. f. 109v.

[...] pela frente, a ‘Avenida ‘Gomes Freire’, numa extensão de cento e oitenta metros;

pelo lado direito, limitam com a casa e terreno do Sr. Manoel Teixeira da Fonseca e

destas até o Ribeirão do Carmo, com terrenos municipais, incluindo toda essa con-

frontação do lado direito a extensão total de cento e vinte e quatro metros e cinco-

enta centimetros; pelo lado esquerdo, limitam com o lote nº dez (10), assinalado na

referida planta e deste até o Ribeirão do Carmo, com terrenos municipais, medindo

toda a linha divisoria, do lado esquerdo, a extensão total de cento e dezesseis me-

tros; pelos fundos, limitam com o Ribeirão do Carmo. [...]112.

112. Idem. f.110v.

Vista panorâmica de Mariana. Em primeiro plano, o complexo da

Fiação e Tecelagem São José. Décadas de 1940-1950

(aproximadamente). Acervo Maria Clara Celestino Souza.

Vista panorâmica da região onde existia a Fiação e

Tecelagem São José, em 2012. Foto Eugênio Sávio.

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Como hoje, dezembro era um mês chuvoso, mas isso não impediu o início das obras de construção do prédio da fábrica. No terreno aforado – onde, até então, o time do Maria-nense Futebol Clube realizava seus treinos113 –, foi feito o estaqueamento e a abertura das caixas para os alicerces do edifício. Um dia após o Natal, o jornal O Germinal informava que,

Não obstante as chuvas incessantes destes ultimos dias, os serviços tiveram o anda-

mento que se lhes podia dar, só não prosseguindo com o desenvolvimento desejado

por motivo de demora na remessa do material necessario á construcção e, há muito,

despachado. No entanto, há três dias já vem aportando aqui parte desse material, o

que faz crer que em janeiro se intensifiquem as citadas obras114.

113. “Com o inicio da construcção do seu edificio; a ‘S. José Limitada’ teve que demarcar, no antigo campo da avenida ‘Gomes Freire’, a area necessaria; de modo que o estaqueamento e a abertura das caixas para os alicerces do edificio já foram feitos, ficando assim privado o treino naquelle campo.” M.F.C. O Germinal, Marianna, 26 dez. 1933. Columna esportiva. p. 2.

114. “S. José Limitada”. O Germinal, Marianna, 26 dez. 1933. p. 1.

O início do período da seca, maio de 1934, encontrou o processo de instalação da fábrica já bastante avançado, sendo possível ao jornal O Cruzeiro anunciar a data de sua inaugura-ção – agosto –, adiantar o número de teares quando ela estivesse completa – “uns 150” – e augurar prosperidade aos distintos industriais fundadores pelas inúmeras famílias que, com tal atividade, obteriam o necessário ganha-pão115. A 15 de agosto, a Fiação e Tecelagem São José Limitada foi inaugurada:

Às 16 horas, na Praça fronteira à Estação da Central, onde se ergue o grande edificio

da Fabrica de Tecidos S. José, teve lugar a cerimonia de bênção e inauguração de mais

esse importante melhoramento para a cidade de Marianna. Recebido o Snr. Nun-

cio Apostolico [D. Benedito Aloisio Masella], o Interventor [Benedito Valadares],

Secretarios, Bispos e Sacerdotes, pelos ilustres industriaes capitalistas, foram todos

introduzidos no recinto da grande fabrica, que estava caprichosamente ornada de

flores e bandeiras.

Terminada a cerimonia de bênção, que foi feita pelo Nuncio Apostolico, e auxiliada

por Dom Helvecio e Bispos presentes, usou da palavra o Dr. Augusto Freire de

Andrade, que discursou brilhantemente saudando os presentes [...]

Ao champagne falou o Dr. Oscar Assumpção [...] que, em ligeiras palavras, agradeceu

a honra da presença do Snr. Nuncio, Interventor e demais autoridades naquella util

realização que acabara de ser entregue ao bem comum da colletividade de Marianna,

demonstrando o quanto de progresso e vida adviria para a cidade desse centro de

atividade que acabara de ser inaugurado com as bênçãos de Deus e da Egreja116.

Provavelmente presente à cerimônia, o primeiro gerente da fábrica, Emygdio Berutto, não deve ter se esquecido do sentimento de quase incredulidade que os maquinismos – usa-dos, desmontados no Sul, transportados, remontados em Mariana – lhe causaram quando postos em movimento, a ponto de lhe fazer enviar um telegrama para Belo Horizonte: “Oscar, e as máquinas andaram...”117.

115. MARIANNA. O Cruzeiro, Marianna, 05 maio 1934. p. 4.

116. A fábrica foi inaugurada no mesmo dia em que se abriam as portas do Seminário de São José, obra de destaque levada a efeito por iniciativa de Dom Helvécio Gomes de Oliveira. Cf.: A GRANDIOSA solennidade da inauguração do Seminario S. José, em Marianna. O Cruzeiro, Marianna, 19 set. 1934. p. 4. Não foi possível precisar a atuação de Augusto Gomes Freire de Andrade (agente executivo municipal de 1927 a 1931) no processo de instalação da fábrica, mas, por uma notícia da época, sabe-se que foi relevante: “Que tenha sinceros imitadores o gesto patriótico do Dr. Augusto Gomes Freire de Andrade, a cujos insistentes esforços se deve a fundação aqui da importante industria. Seu nome ficou tão ligado a este emprehendimento, que não é possível falar-se de um sem lembrar o outro.” Cf.: FABRICA de Tecidos. O Germinal, Marianna, 10 nov. 1934. p. 1.

117. ENTREVISTA. Aristides Mário Rache Ferreira. doc. cit.

Fundadores da Fiação e Tecelagem São José inspecionado as obras de construção da fábrica, na segunda metade da década de 1930. In: BERMAN, Debora; HABIB, Roseane Luz. 150 Anos da Indústria Têxtil Brasileira. Rio de Janeiro: Senai-Cetiqt/Texto & Arte,

2000. p. 150. Acervo Centro de Memória do Sistema Fiemg. Foto Eugênio Sávio.

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Na edição de abril de 1937, a Revista da Producção trazia alguns dados sobre a importância da indústria têxtil em Minas Gerais. Havia 78 fábricas de fiação e tecelagem, número que colocava o estado em segundo lugar dentre as regiões manufatureiras do Brasil (São Paulo contava com 114 estabelecimentos)118. No interior do parque industrial mineiro, essas 78 fábricas só perdiam para o setor de laticínios, como se vê no gráfico a seguir.

118. REVISTA DA PRODUCÇÃO. Op. cit. p. 49.

A lista das empresas é extensa. Aqui se apresenta uma seleção, capaz de mostrar a dis-persão delas por Minas Gerais, os dados concernentes à São José e sua posição relativa às demais fábricas.

MUNICíPIOS FIRMASNÚMERO DE FUSOS

NÚMERO DE TEARES

1. BarbacenaCia. Fiação e Tecidos

Barbacenense5.620 201

2.Bello

HorizonteCia. Industrial Bello

Horizonte22.528 589

3.Bello

Horizonte

Cia. Fiação e Tecidos de Minas

Geraes S/A12.044 371

4.Bello

HorizonteCia. Minas Fabril 3.800 62

5. CurvelloCia. Fiação e

Tecidos Cedro e Cachoeira

7.158 50

6. DiamantinaCia. Fiação e

Tecidos de Beriberi4.806 142

7. ItabiraCia. Fabril da

Pedreira1.670 65

8. ItabiritoCia. Itabirito

Industrial de Fiação e Tecelagem

2.144 80

9. ItabiritoCia. Industrial

Itabira do Campo3.600 130

10. ItajubáCia. Industrial Sul

Mineira8.000 324

11. ItaúnaCia. Industrial

Itaunense6.772 250

12. ItaúnaCia. Tecidos Santanense

5.350 200

13. Juiz de Fóra Irmãos Surerus 21.528 602

14. MariannaFiação e Tecidos São José Ltda.

4.312 135

15.Montes Claros

Fabrica da Cidade, Luiz Pires

2.270 72

REVISTA DA PRODUCÇãO. Bello Horizonte: Secretaria da Agricultura,

Industria, Commercio e Trabalho, abril de 1937, anno I, n. 2, p. 49.

Acervo Centro de Memória do Sistema Fiemg.

Foto Eugênio Sávio.

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16. Ouro PretoCia. Industrial

Ouropretana S/A5.172 149

17. ParaopebaCia. Fiação e

Tecidos Cedro e Cachoeira

5.260 200

18. Santa Lusia

Cia. Fiação e Tecidos Cedro

e Cachoeira São Vicente

7.000 224

19.São João del-Rei

Cia. Fiação e Tecelagem São

João del-Rei6.084 150

20. UberabaCia. Fabril

Triangulo Mineiro2.100 133

O levantamento publicado pela Revista da Producção foi um dos poucos a que se teve

acesso no que diz respeito à especificidade da São José de Mariana. Quando a revista fez

sua pesquisa, talvez ainda não lhe tivesse chegado a informação de que os quatro sócios

fundadores haviam feito uma alteração contratual em 1936. Oito novos cotistas foram

admitidos, a maioria dos quais comerciantes domiciliados no Rio de Janeiro; apenas José

Edwards Ribeiro, cunhado de Oscar Ferreira, residia nessa época em Mariana119.

O capital social passou a ser de 2.400 contos de réis, dividido em 2.400 cotas de um conto

de réis cada. Metade do valor já havia sido realizada “com entradas em dinheiro e lucros

verificados no balanço encerrado em 31 de Dezembro de 1935”; a outra metade deveria

ser paga em dinheiro, em prestações mensais. A sociedade seria administrada por uma

diretoria composta por três diretores, tendo sido investidos nessa função Gercino Barbosa

da Silva, José Edwards Ribeiro (também gerente) e John McGowan Glen120.

119. Os novos sócios foram assim identificados: José Edwards Ribeiro, brasileiro, engenheiro, residente em Mariana; e, domiciliados no Rio de Janeiro, João Ildefonso da Silva, brasileiro, industrial; John McGowan Glen, inglês, comerciante; José Duarte Martins Caldeira, português, comerciante; Cícero Fernandes da Costa, brasileiro, comerciante; José Hermínio de Castro, brasileiro, comerciante; Francisco Miranda, brasileiro, comerciante; Antônio Duarte Martins, português, comerciante. JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada; fev. 1936. Arquivamento 15.440 A. s.p.

120. Idem. Ibidem.

A grande novidade, que parecia atestar o acerto do empreendimento, foi a abertura de outra Fiação e Tecelagem São José Limitada, agora na cidade mineira de Barbacena, que passou, então, a ser a sede da empresa121.

A listagem mais próxima à da Revista da Producção encontrada pela pesquisa traz dados relativos ao ano de 1939, e nela a São José é uma só, independentemente do local de funcionamento.

NOME FUNDAÇãOCAPITAL EM

CONTOSTEARES QUILOS

PRODUÇãO EM CONTOS

Cia. Fiação e Tecidos Beriberi,

Diamantina

1884 1.300 144 120.000 1.000

Cia. Cachoeira de Macacos, Sete Lagoas

1886 2.500 193 254.750 2.500

Cia. Têxtil Bernardo

Mascarenhas, Juiz de Fora

1888 1.600 312 461.311 7.000

Cia. Tecidos Santanense,

Itaúna1891 2.000 215 206.379 1.860

Cia. Industrial São Joanense,

São João del Rei1891 300 156 329.927 2.970

Cia. Industrial Itabira do

Campo, Itabirito1892 720 140 124.889 1.150

Cia. Industrial Belo Horizonte, Belo Horizonte, Pedro Leopoldo,

Cachoeirinha

1906 9.000 689 950.701 10.000

Cia. Industrial Itaunense,

Itaúna1911 4.000 254 316.094 2.350

Cia. Industrial Ouropretana, Ouro Preto

1912 3.600 150 116.000 1.500

121. “A sociedade girará sob a denominação de Fiação e Tecelagem São José, tendo sua sede na cidade de Barbacena, Estado de Minas Gerais.” Cf.: Idem. s.p.

MUNICíPIOS FIRMASNÚMERO DE FUSOS

NÚMERO DE TEARES

Tabela adaptada de: Fábricas de Fiação e Tecelagem existentes no Estado de Minas Gerais. Revista da Producção, Bello Horizonte: Secretaria da Agricultura,

Industria, Commercio e Trabalho, abr. 1937, anno I, n. 2, p. 48.

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Cia. de Melhoramentos Pará de Minas

1920 3.000 112 109.066 1.490

Fiação e Tecelagem

São José Ltda., Mariana,

Barbacena

1934 3.000 359 230.999 6.000

Entre 1936 e 1939, nova alteração contratual122 elevou o capital da empresa para três mil contos de réis, como aparece na tabela acima. E é desse período o início das várias trans-ferências de cotas: de J. Assumpção e Emygdio Berutto para o engenheiro e diretor da Associação Comercial Vicente Assumpção; de Oscar Ferreira para sua mãe, Olga Magalhães Ferreira; de John Glen para Oscar e Gercino Barbosa; e a parte que coube a Carmosina França d’Assumpção quando do falecimento do primeiro dos quatro fundadores, seu mari-do José Antônio Assumpção, que mal teve tempo de ver a nova sede funcionar123.

entre duAs FestAs

Na lembrança de ex-funcionárias da fábrica de Mariana, o 1º de Maio costumava ser antes festivo do que reivindicador, e isso mesmo em anos anteriores a 1955, quando o Papa Pio XII consagrou o dia a “São José Operário, o trabalhador”.

Assim, em 1941 a Folha Mariana trazia, em hipérbole, detalhes da festa:

As classes trabalhistas se reuniram e confraternizaram-se amistosamente ao ensejo

da grande efeméride, promovendo grandes solenidades, a que não faltou o concurso

brilhante da Fábrica de Tecidos São José Ltd., desta cidade, que, em numero elevado,

122. JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, maio 1937. Arquivamento 16.391. s.p. Como novo sócio, aparece o nome de Vicente Assumpção.

123. Sobre a transferência de cotas nesse período, ver, por exemplo: JUCEMG. Contrato de transferência de cotas da Fiação e Tecelagem São José, Limitada, que entre si fazem Dr. Emygdio Berutto e Dr. Vicente Assumpção. Arquivamento 15.548; J. Assumpção e Vicente Assumpção. Arquivamento 15.493. s.p.; John McGowan Glen e Gercino Barbosa da Silva. Arquivamento 16.649. s.p.; John McGowan Glen e Oscar Magalhães Ferreira. Arquivamento 16.650. s.p.; D. Carmosina França d’Assumpção e Vicente Assumpção. Arquivamento 16.760. s.p.; Oscar Magalhães Ferreira e Olga Magalhães Ferreira. Arquivamento 16. 818. s.p.

promoveu, com vibração, estupenda parada, cujo aspécto organisador valeu-lhe ca-

lorosas manifestações de júbilo por parte da população, tornando-se pelo seu inedi-

tismo uma das maiores solenidades do dia.

Pela manhã, às 8 horas, celebrou-se u’a missa na Igreja da Ordem 3ª de São Francisco

oficiando-a o revmo. Cônego Marcial Muzzi, Cura da Catedral, que falou ao Evange-

lho, produzindo magnifica oração congratulatoria ao trabalho.

A essa ceremonia liturgica compareceram todos os operarios da cidade, tendo par-

tido da sede da Fábrica São José, todos os operarios, operarias, Diretores e de-

mais funcionarios do Escritorio, precedidos pela Corporação Musical ‘União 15 de

Novembro’.

Terminado o Santo Sacrificio, em frente á igreja de São Francisco, usou da palavra o

sr. Benjamin Lemos, Redator-gerente desta Folha e Chefe do Escritorio da Fábrica, o

qual, em nome desta, pronunciou bem elaborado discurso alusivo á data, com eluci-

dar os primordios da organização social trabalhista nos moldes cristãos. A sua oração

foi calorosamente aplaudida.

A seguir, reorganizou-se a passeata trabalhista, acompanhando-a a Corporação Mu-

sical ‘União 15 de Novembro’ a qual percorreu as principais ruas da cidade na maior

vibração e perfeita organização.

[...]

Oxalá que todos os anos se verifique com o mesmo entusiasmo essa virtuosa Festa

Trabalhista124.

Difícil saber se outro 1º de Maio conseguiu despertar igual entusiasmo. Sabe-se que a data foi comemorada, com alegria, em anos subsequentes. Em geral, a fábrica oferecia um lanche reforçado pela manhã, após a missa celebrada no amplo espaço ao redor de seu edifício. Depois, brincadeiras, músicas, teatro.

Eva Lemos Paiva, prima de Benjamin Lemos e funcionária da São José de 1946 a 1959, certa vez representou uma viúva. Roupa preta, sapato preto, meia preta, ela dizia: “Eu sou é uma viúva muito feliz / Meu marido chamava Luiz / Era calado, obediente / Comia pouco e não tinha dente”. E o coro das donas de preto entoava: “Quatro viúvas, quatro coitadas / Quatro viúvas desamparadas / Não têm marido, não temos nada / Têm perna bamba e a cara enrugada”125.

124. O DIA do Trabalho comemorado brilhantemente em Mariana. Folha Mariana, Mariana, 22 maio 1941. p. 4.

125. VR-HT-MA-049 - Eva Lemos Paiva.

NOME FUNDAÇãOCAPITAL EM

CONTOSTEARES QUILOS

PRODUÇãO EM CONTOS

Tabela adaptada de: MOREIRA, Vivaldi. Panorama Industrial de Minas Gerais. In: Anuário comercial e industrial de Minas Gerais.

Belo Horizonte: ACM/Fiemg, jan. 1946, ano I, n. 1, p. 80-1.

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Uma década separa o 1º de Maio noticiado por Folha Mariana da festa de confraternização de Natal promovida pela São José e estampada, página inteira, no Diário de Minas126. O evento ocorreu em dia de máquinas paradas, domingo, 14 de dezembro de 1952. Como de costume, primeiro a missa na igreja São Francisco, com a participação do coro formado por moças da fábrica; às 9h30, concentração no pátio da empresa para as homenagens sob a forma de discursos, de entrega de flores, distribuição do abono de Natal aos traba-lhadores e brinquedos às crianças filhas de operários. A Corporação Musical União 15 de Novembro marcou mais uma vez sua presença, e houve churrasco, baile, jogo de maçã, corrida em marcha a ré e corrida do cigarro127.

126. CONFRATERNIZAÇÃO entre operários e dirigentes da Fiação e Tecelagem São José S.A. de Mariana. Diário de Minas, Belo Horizonte, 19 dez. 1952. p. 5.

127. De acordo com o jornal, participaram das competições: Rubens de Castro Magalhães, Amadeu da Silva, Ataliba da Silva, Antônio Cirino Xavier da Silva, Wilson de Meira, José Adriano Severino, Adão Lemos, Adelino José de Souza, Waldenor Batista, Alonso da Motta, José Miguel, Raimundo Inácio (corrida em marcha a ré); Juraci de Oliveira, Maria José T. Soares, Alvarina G. Carvalho, Maria Imaculada Silva, Efigênia, Jair Dias, José Florentino Diniz, João Batista Ferreira, Rubens de Castro Magalhães, José Raimundo da Costa (corrida do cigarro); Maria Aparecida da Silveira, Inês dos Santos, Emília de Souza, Maria José André e Adalete Iva (jogo das maçãs). Idem. Ibidem.

Partindo de lugares diferentes, dois discursos se encontraram na festa:

Olhando para trás, para o período decorrido entre uma festa e outra, vê-se que certas coisas haviam mudado na São José. Oscar Ferreira, até falecer em 1941, permaneceu no cargo de gerente da Cia. Industrial Belo Horizonte e proprietário da São José; Emygdio Berutto manteve sua condição de cotista mesmo assumindo uma diretoria da então Companhia Vale do Rio Doce, e faleceu em 1950; e sobre Gercino Barbosa da Silva, a última notícia a que se teve acesso foi a de transferência de suas cotas em maio de 1952.

Na trajetória de desaparecimento e substituição dos sócios fundadores, o aumento pro-gressivo do número de cotistas – muitos dos quais parentes (esposas, filhos, irmãos, cunhados) – não significou uma pulverização, já que as famílias Ferreira e Berutto se tornaram majoritárias.

Outubro de 1952 é um bom momento para se observar esse e outros pontos de mu-dança na São José. Naquela data, o processo anterior de discussões e propostas adquiriu a forma de escritura pública128 que trazia, como se pode ver no Anexo II, nome, estado civil, profissão, domicílio e participação de cada um dos 59 proprietários da empresa.

128. JUCEMG. Escritura pública passada no Cartório do Segundo Ofício de Notas, em 10 de outubro de 1952, que transforma a sociedade por cotas de responsabilidade limitada Fiação e Tecelagem São José em sociedade anônima. Arquivamento 58.871. s.p.

Funcionários e diretoria da Fiação e Tecelagem São José durante comemoração de Natal, na escadaria da capela de São Francisco de Assis, em Mariana.

Década de 1950 (aproximadamente). Acervo João Luiz dos Santos.

Nesta casa, Sr. gerente, onde existe uma prece perene de cada dia, a par das sinfonias das máquinas e do estrídulo magestoso que move tôdas as atividades, não existe o desâ-nimo e a tristeza; mas, sôbre tudo paira uma visão mais ampla e significativa: - É o nosso dever, o cumprimento sagrado de nossas obrigações, a obediência aos postulados da disciplina e da ordem, que gera a paz e a fe-licidade de tôdos.

(Senhorinha Maria José Teixeira, em nome das moças operárias). In: CONFRATER-NIZAÇãO entre operários e dirigentes da Fiação e Tecelagem São José S.A. de Mariana. Diário de Minas, Belo Horizonte, 19 dez. 1952. p. 5.

O trabalho honesto que enobrece a quem o pratica tem o seu exemplo sublime quando o Menino Jesus ajudava seu Pai no ofício de carpinteiro. É este quadro que toda família católica tem em sua sala. Símbolo sagrado do Trabalho, São José dando nome à nossa organização, é, portanto, nosso patrono. [...] Uma fábrica como a nossa é uma célula de trabalho onde se forjam a nossa economia e o bem-estar de todos; mas para isso é ne-cessário que empregados e empregadores compreendam que são eles os construtores, de fato, do nosso progresso, marchando lado a lado para frente e para cima.

(Caetano Barbosa Mascarenhas, gerente geral). In: CONFRATERNIZAÇãO entre operários e dirigentes da Fiação e Tece-lagem São José S.A. de Mariana. Diário de Minas, Belo Horizonte, 19 dez. 1952. p. 5.

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Essa participação se fazia, agora, por meio de ações, e não mais de cotas – a São José havia deixado sua natureza Limitada e se tornado Sociedade Anônima.

A escritura também indicava uma alteração então recente. As propagandas encontradas em nossa pesquisa permitem visualizar tal mudança.

Não se sabe a época em que a fábrica se desfez do escritório do Rio de Janeiro. Sabe-se que o que mudou em Mariana foi o nome da avenida onde a São José sempre esteve – de Gomes Freire para Presidente Vargas129 − e que foi em 1952 que a sede da empresa passou a ocupar, depois de um breve tempo na rua Caetés, as salas do edifício Acaiaca, o mesmo que abrigava o Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Minas Gerais130.

129. Em 8 de novembro de 1938, com a promulgação do Decreto-Lei 12/38, a avenida Gomes Freire passou a se chamar avenida Presidente Vargas.

130. Na escritura pública de outubro de 1952, há registro de localização da sede da empresa no edifício Acaiaca. Em dois contratos de transferência de cotas, datados de maio do mesmo ano, a sede está na rua Caetés, 386, 6º andar, salas 602/4/6, em Belo Horizonte. Cf.: JUCEMG. Contrato de transferência de cotas da Fiação e Tecelagem São José Limitada que entre si fazem Gercino Barbosa da Silva e Íris Rache Magalhães Ferreira. Arquivamento 57.981. s.p.; Gercino Barbosa da Silva e José França Gontijo. Arquivamento 57.986. s.p.

Propaganda veiculada no Diário de Minas, Belo Horizonte,

25 de dezembro de 1952. seção 5. p. 1. Acervo Hemeroteca Histórica da Biblioteca

Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

Propaganda veiculada na revista Vida Industrial. Belo Horizonte: Fiemg, abr. 1956, p. 13. Acervo Centro de Memória do Sistema Fiemg.

Foto Eugênio Sávio.

Moreira, Vivaldi W. Anuário Comercial e Industrial

de Minas Gerais, Belo Horizonte, jan. 1946, ano I, n.1, p. 85.

Acervo Arquivo Público Mineiro.

Foto Eugênio Sávio.

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A escritura ainda confirmava alterações ocorridas em anos anteriores. De 1937 a 1946, perío-do no meio do qual a moeda brasileira mudou de réis para cruzeiros, houve por quatro vezes aumento do capital social: de 2.400 para três mil contos de réis; de três mil para 4.500; de 4.500 para nove mil contos de réis, e 18 milhões de cruzeiros, valor mantido de 1946 a 1952131.

Tais aumentos, via de regra, se faziam em prestações mediante chamadas da diretoria e/ou com a transferência de determinadas importâncias para a conta de capital. Assim, em 1940, 750 contos de réis foram transferidos dos Fundos de Reserva e de Depreciação de Imóveis e Maquinismos132. Para o ano de 1942, quando se transferiram 4.500 contos de réis conforme balanço de 31 de dezembro de 1941, o quadro é mais detalhado.

de Fundo de Reserva 559:212$528

de Fundo de Depreciações 242:945$751

de Maquinismos (Fabrica de Barbacena)- valorização de 100% sobre o s/ custo em 31/12/1941

2.156:850$100

de Maquinismos (Fabrica de Mariana)- valorização de 100% sobre o s/ custo em 31/12/1941

1.215:572$591

de Oficina de gravação e seção eletrolítica - valorização de 100% sobre s/ custo em 31/12/1941

115:103$500

de Ações da Cia. Força e Luz Marianense - valorização de 1140 ações desta Cia., sobre o s/ custo considerado em 31/12/1941

210:315$530

TOTAL (quatro mil e quinhentos contos de réis) Rs 4.500:000$000

E, em 1946, nove milhões de cruzeiros se realizaram com a transferência das seguintes Contas, conforme Balanço encerrado em 31 de dezembro de 1945, a saber:

Saldo da Conta ‘Lucros e Perdas’ .......................... Cr$ 8.492.215,73Parte da Conta ‘Fundo de Reserva ..................... Cr$ 507.784,27TOTAL ................................................................................. Cr$ 9.000.000,00133.

131. Sobre esses aumentos, ver, respectivamente: JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, maio 1937. Arquivamento 15.391. s.p.; Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, fev. 1940. Arquivamento 18.701. s.p.; Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, jun. 1942. Arquivamento 21.655. s.p.; Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, mar. 1946. Arquivamento 28.770. s.p.

132. JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, fev. 1940. Arquivamento 18.701. s.p.

133. JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, mar. 1946. Arquivamento 28.770. s.p.

Talvez uma forma de entender os números seja buscar em Mariana outros números, em anos muito próximos a esses. Por exemplo, nas coisas mínimas, como a diária no Hotel Central, que variava de 20 a 30 cruzeiros. Ou em dados mais robustos, de 1947 – o valor total geral da produção agrícola do município: Cr$ 16.911.996,00; o valor da produção ex-trativa: Cr$ 15.318.719,00; o valor de sua indústria de laticínios: Cr$ 1.203.613,00; e o valor da fiação e tecelagem: Cr$ 2.964.430,00134.

Entre um ponto e outro, o imposto pago à prefeitura por alguns negócios da cidade, sem computar o desconto. A tabela a seguir apresenta uma seleção das atividades então existen-tes em Mariana. A escolha dos três anos se explica por terem sido o momento em que o va-lor do imposto devido pela São José à prefeitura sofreu alteração. Para todos os anos consta o negócio cujo valor do imposto está imediatamente abaixo daquele pago pela fábrica:

Imposto sobre Indústria e Profissões

ANONOME DO

CONTRIBUINTEESPECIFICAÇãO IMPOSTO

1946

Abdo Nahim Faz.- armarinho etc. 953,00

Banco Minas Gerais S/A Agência bancária 500,00

Benjamim Gomes de Carvalho

Alfaiataria 360,00

Chaves e Irmãos Gen. Beb. Faz. etc. 2.239,00

Cia. Minas da Passagem Faz. Gen, Beb. etc. 5.650,00

Enoque do Carmo Farmácia 270,00

Fiação e Tecelagem São José Ltda.

Fábrica de tecidos 7.242,00

Marianense Foot-Bal Club Jogos permitidos 255,00

Pio Porto de MenezesGerente da fábrica de

tecidos60,00

Salvador Tropia e Irmão Cinema 210,00

Vicente Cândido da Silva Hotel com 16 quartos 385,00

134. MUNICIPIO de Mariana. Boletim da Associação Comercial de Minas, Belo Horizonte: Associação Comercial de Minas Gerais, jul. 1949, anno VIII, n. 105, p.51-53.

JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, jun. 1942. Arquivamento 21.655. s.p.

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ANONOME DO

CONTRIBUINTEESPECIFICAÇãO IMPOSTO

1948

Cia. Minas da Passagem Faz. Gen. Beb. etc. 9.700,00

Cia. Siderúrgica Belgo Mineira

Licença exportação carvão

2.000,00

Clodomiro Silva Gêneros, ferragens, etc. 4.300,00

Geraldo Ferreira Carneiro

Farmácia 360,00

Irmãos Salim Mansur Fazendas, etc. 3.366,00

Fiação e Tecelagem São José Ltda.

Fábrica de tecidos 14.544,00

José Agostinho Mesquita Marcenaria 810,00

Nicanor de Oliveira Mota Sapataria 620,00

Pio Porto de MenezesGerente da fábrica de

tecidos240,00

Rita de Souza Pensão 340,00

Viúva José Verona Padaria 780,00

1954

Ary FerreiraDiretor-presidente da

fábrica de tecidos570,00

Amâncio Arinos de Queiroz

Farmácia 810,00

Banco da Lavoura de Minas Gerais S/A

Agência bancária 1.000,00

Cia. Minas da Passagem Faz. Gen. Beb. etc 8.912,50

Clodomiro Silva Gêneros, etc. 5.442,00

Fiação e Tecelagem São José S/A

Fábrica de tecidos 16.000,00

Geraldo Cotta Açougue 185,00

Idílio Cardoso Roriz Selaria 279,00

Pedro Petrus Fazendas, etc. 3.678,00

Raul José de Almeida Botequim 1.122,00

Regina de Castro Queiroz Livraria, etc. 1.020,00

Por fim, na escritura se estipulavam a existência do conselho fiscal e uma nova administra-ção da sociedade – o diretor-presidente, o diretor vice-presidente e o diretor-secretário, cargos em que foram investidos Ary Ferreira, Ildefonso Mascarenhas da Silva e Íris Rache Magalhães Ferreira, respectivamente.

Dessa forma, as funções da administração antiga135 foram rearranjadas, como a figura do diretor-gerente que até então existia e durante vários anos teve o rosto de José

135. Na fundação da empresa, em 1933, ficou estabelecido que “a sociedade será administrada por um gerente, eleito entre os sócios na reunião anual destes, tendo o mesmo gerente um substituto escolhido também entre os sócios, pela mesma ocasião. [...] É desde já investido das funções de gerente da sociedade o sócio Dr. Emygdio Berutto e de seu substituto o sócio J. Assumpção [...].” Cf.: JUCEMG. Contrato de sociedade por quotas de responsabilidade limitada sob a denominação FIAÇÃO E TECELAGEM SÃO JOSÉ, LIMITADA; nov. 1933. Arquivamento 14.338. s.p. Em 1936, a sociedade era administrada por uma diretoria composta de três membros, havendo ainda um gerente, “cargo que poderá ser ocupado por um dos directores ou por pessoa nomeada pela Directoria [...].” Cf.: JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, fev. 1936. Arquivamento 15.440 A. s.p. Na alteração contratual de 1942, consta que “a sociedade será administrada por três diretores, sendo um diretor-gerente, um diretor-comercial e um diretor-secretário. [...] Ao diretor-gerente incumbe: a) – dirigir todos os trabalhos do estabelecimento, providenciar a venda de seus produtos sempre que se tornar necessário, aquisição da matéria prima e demais objetos necessários à sociedade, nomear e demitir livremente os empregados que trabalham sob sua administração, marcar os ordenados e gratificações destes e autorizar os respectivos pagamentos, tudo de acordo com a diretoria; b) – ter em boa guarda todos os bens, valores e documentos da sociedade; c) – fazer escriturar os livros da sociedade. Ao diretor-comercial incumbe: dirigir e orientar comercialmente os negócios da empresa, juntamente com o diretor-gerente. Ao diretor-secretário cumpre não só as funções que o próprio cargo indica, como também substituir qualquer dos demais diretores e de acordo com a diretoria.” Cf.: JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Limitada, jun. 1942. Arquivamento 21.655. s.p.

Dados retirados de: AGPM. Imposto sobre Indústria e Profissões. Passagem de Mariana: 1945-1947. Livro 01; 1948-1951. Livro 02; 1952-1955. Livro 03;

Mariana: 1945-1947. Livro 01; 1948-1951. Livro 02; 1952-1955 Livro 03.

Ildefonso Mascarenhas da Silva: nascido em Taboleiro

Grande, formado em Direito e Medicina, professor

catedrático de Direito Civil na Universidade Federal

de Minas Gerais. Em 1946, assumiu a Secretaria de Edu-

cação de Minas Gerais, durante a interventoria de

Alcides Lins. Nomeado Desembargador do Tribunal de

Justiça do Estado da Guanabara em abril de 1969, fale-

ceu em agosto do mesmo ano. Seus pais, João Ildefonso

da Silva e Francisca Mascarenhas da Silva, e os irmãos

Maria Mascarenhas Mendonça e Geraldo Mascarenhas

da Silva, foram acionistas da São José.

(MINAS GERAIS. Belo Horizonte, 7 ago. 1969. p. 4.)

Ary Ferreira: nascido em dezembro de 1896, seu pai

Cícero Ferreira foi médico da Comissão Construtora

de Belo Horizonte e liderou a fundação da Escola de

Medicina, da qual foi o primeiro diretor. Ary Ferreira

seguiu a carreira médica e foi professor da Escola de

Medicina de 1920 a 1956, quando se aposentou. Por 40

anos, chefiou a enfermaria de mulheres da Santa Casa

de Misericórdia de Belo Horizonte, e fundou e dirigiu a

Casa de Saúde Santa Clara durante 17 anos. Presidiu o

Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem e o Sindi-

cato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde de Minas

Gerais. Era casado com Maria Alice Magalhães Ferreira,

irmã de Oscar Ferreira, com quem teve sete filhos.

O escritor Pedro Nava se referiu a ele “como clínico

dos mais completos, o verdadeiro criador da Tisiologia

e Pneumologia em nosso Estado”.

(MINAS GERAIS. Belo Horizonte, 7 jun. 1978. DIáRIO DO

LEGISLATIVO. p. 8; ESTADO DE MINAS. Belo Horizonte,

13 maio 1978. p. 12.).

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Edwards Ribeiro – o qual permaneceu como acionista, presente às reuniões, e a isso acres-centou a carreira política em Barbacena, tornando-se prefeito da cidade de 1951 a 1955, pelo Partido Social Democrático (PSD)136; e a figura do diretor comercial, cargo ocupado durante parte da década de 1940 por Ranor Thales Barbosa da Silva137, parente de Gercino Barbosa da Silva. Só o diretor-secretário se manteve inalterado, cargo e rosto de Íris Rache, viúva de Oscar Ferreira.

Abaixo da antiga e da nova administração, agindo de acordo com a diretoria e prestando--lhe contas, havia o gerente de cada fábrica. Em Mariana, por algum tempo dos idos de 40, a função foi exercida por Pio Porto de Menezes, natural de Ouro Preto, professor da Escola de Minas, vicentino fervoroso. Acompanhado de sua primeira esposa, Eneida Assunção Me-nezes, Pio Porto chegou a ocupar a Prefeitura de Mariana138 de 1945 a 1947. O casal é lem-brado com carinho por funcionárias da São José, como a contramestre Juraci de Oliveira: “Quando chegou um gerente, Doutor Pio, ele arranjou uma sala [...] com mesas forradinhas, onde as pessoas deveriam entrar para a refeição. Arranjou tudo direitinho. Nessa época é que eles arranjaram também uma professora para alfabetizar e tudo. [...] Quem entrava para trabalhar às 14 horas chegava uma hora mais cedo. A professora estava lá e dava aula para a gente. Quem saía às 14 horas ficava até as 15. Também era uma hora de aula. Era bom mesmo, ajudou muito”139.

Eni Esmeralda do Nascimento da Cruz, auxiliar de escritório, se lembra “muito bem de Dona Eneida, uma senhora superdistinta [que] cuidou muito da parte espiritual do pessoal

136. Desde a alteração contratual de maio de 1937, José Edwards Ribeiro teve como domicílio a cidade de Barbacena. Em 1958, o vice-presidente Ildefonso Mascarenhas da Silva destacou o nome dele em reunião: “[...] grande acionista e antigo diretor-gerente durante vários anos, cargo que deixou para ser prefeito de Barbacena [...]”. Cf.: JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 15 mar. 1958. Arquivamento 88.334. s.p.

137. O nome de Ranor Thales Barbosa da Silva aparece na alteração contratual de março de 1946, como proprietário de cinquenta cotas; depois, como adquirente das cotas do espólio de José Duarte Martins Caldeira. Seu nome consta como contribuinte (diretor da Fiação e Tecelagem São José Ltda.) do Imposto sobre Indústria e Profissões da Prefeitura de Mariana. E em ata da reunião ordinária da diretoria, de fevereiro de 1949, foi dito sobre ele: “[...] em face ao aumento de preços de todas as utilidades e da elevação do custo de vida atual, seja concedida ao Diretor Comercial, Sr. Ranor Thales Barbosa da Silva, a gratificação de treis mil cruzeiros mensais, a partir de janeiro do corrente ano, além dos honorários de cinco mil cruzeiros mensais que o mesmo vem percebendo pró-labore.”. Ver: JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Ltda., mar. 1946. Arquivamento 28.770. s.p.; Contrato de transferência de cotas. Arquivamento 38.765. s.p.; AGPM. Imposto sobre Indústria e Profissões. Mariana. 1948-1951. Livro 02; JUCEMG. Ata da reunião ordinária, anual, da Fiação e Tecelagem São José, Ltda., 15 fev. 1949. Arquivamento 37.327. s.p.

138. O nome de Pio Porto de Menezes aparece na alteração contratual de março de 1946, como proprietário de quinhentas cotas. No cargo de gerente da fábrica, foi contribuinte do Imposto sobre Indústria e Profissões da Prefeitura de Mariana em 1946, 1948, 1949; na reunião da diretoria de fevereiro de 1949, o diretor-gerente José Edwards Ribeiro pediu um voto de louvor ao “Dr. Pio Porto de Menezes, gerente da Filial em Mariana [...] pelos bons e eficientes serviços que vem desempenhando [...].” Cf.: JUCEMG. Alteração de contrato da Fiação e Tecelagem São José Ltda., mar. 1946. Arquivamento 28.770. s.p.; AGPM. Imposto sobre Indústria e Profissões. Mariana. 1945-1947. Livro 01; 1948-1951. Livro 02; JUCEMG. Ata da reunião ordinária, anual, da Fiação e Tecelagem São José, Ltda., 15 fev. 1949. Arquivamento 37.327. s.p. Ver também: ESTADO DE MINAS. Belo Horizonte, 27 set. 1977, p. 22.

139. VR-HT-MA-035 - Juraci de Oliveira.

[...] Seria, digamos assim, como uma assistente social-espiritual”140. Se alguém, por exemplo, estivesse doente, Dona Eneida ia visitar, olhar o que precisava, como disse Juraci de Oliveira, acrescentando: “Aqui não tinha hospital direito; às vezes arranjava internações em Belo Horizonte para a pessoa que estava doente”141.

De outra parte, a Juventude Operária Católica (JOC)142 encontrou em Eneida Assunção o apoio para deslanchar, reunir operárias aos domingos em um cômodo da fábrica, absorver os ensinamentos da Bíblia e da igreja: “Eu sei muita coisa da religião que eu aprendi naquele tempo, porque a gente bebia as palavras! [...] eu tinha sede de saber e via o pessoal me-xendo com aquele assunto que eu queria saber. Era sobre religião. E lá eu fui com muita vontade” – recordou Inês Brandão Pereira, fiandeira da fábrica de 1944 a 1950143.

Na confraternização de Natal em 1952, Pio Porto de Menezes havia cedido o cargo de gerente para José Teófilo Vianna Clementino, que em seu discurso citou a JOC e ressaltou o “movimento da Igreja pela dignificação do trabalho e para a formação de um clima [pro-pício à] cordialidade entre patrões e empregados”144.

Ordem e disciplina, por certo, não eram valores novos cultivados especificamente pela diretoria da São José, tampouco era novidade encontrar fundamentos para elas na religião católica. Mas alguma coisa havia se passado entre as duas festas, alterado momentaneamen-te a marcha para a frente e para cima. Só assim se entendem as últimas palavras do gerente geral Caetano Barbosa Mascarenhas, em 1952:

É necessário, também, que meus amigos compreendam que a Fiação e Tecelagem

São José S.A. não tem nenhum interesse em lesar a quem quer que seja, pois seus

administradores são descendentes de uma velha família que há mais de cinquenta

anos lida com tecelões e que sabem muito bem cumprir seus deveres patronais.

[...] As questões acaso surgidas foram oriundas de falta de compreensão de alguns

elementos e, agora, na maior harmonia, aqui estamos nesta festa tão bonita. E vós,

trabalhadores de Mariana, que tendes por solar esta lendária cidade que foi o berço

de nossa civilização, que conta uma história e tem uma tradição em cada canto, esta

cidade incrustada nestas montanhas que viu tirar de suas entranhas o ouro que fez a

140. VR-HT-MA-052 - Eni Esmeralda do Nascimento da Cruz.

141. VR-HT-MA-035 - Juraci de Oliveira.

142. No século XX, a Igreja Católica criou a Ação Católica Brasileira, movimento que buscava ampliar sua influência junto aos leigos. Subdividia-se em: Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC).

143. VR-HT-MA-057 A/B - Inês Brandão Pereira.

144. CONFRATERNIZAÇÃO entre operários e dirigentes da Fiação e Tecelagem São José S.A. de Mariana. Diário de Minas, Belo Horizonte, 19 dez. 1952. p. 5.

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riqueza de Portugal, tendes em vós mesmos um ouro muito mais precioso que são a vossa bondade e o vosso caráter.

E o ouro de vosso caráter veio mostrar-se de bom quilate quando repudiastes a injustiça que quiseram cometer com o nosso sub-gerente, o dr. José Teófilo, com a manifestação de vossa solidariedade, numa demonstração espontânea, traduzida numa mensagem em que todos vós apusestes vossas assinaturas.

Nós vos agradecemos, pedindo a Deus que abençoe a todos para que possamos

continuar a luta pelo progresso do Brasil145.

Amém.

umA coInc IdÊncIA

Festas são momentos excepcionais, que significam uma interrupção no cotidiano. O dia a dia na fábrica era mesmo de trabalho.

O Germinal, uma vez, se referiu a José Teófilo como o “operoso gerente da Fiação e Tece-lagem São José”. E listou algumas de suas obras: o novo pavilhão destinado ao cascamifício, a distribuição gratuita de leite, a criação de uma despensa para fornecimento de gêneros mais baratos e de melhor qualidade aos operários, os serviços médico e farmacêutico146.

145. Idem. Ibidem.

146. DR. JOSÉ Teófilo Vianna Clementino. O Germinal, Mariana, 31 ago. 1953. p 1. Sobre ele, ver também: HOMENAGEM dos empregados da Fábrica ‘São José’ ao seu gerente Dr. José T. M. Clementino e Senhora. O Germinal, Mariana, 30 jun. 1953. [p.4].

Consta que o operoso gerente chegou a acalentar outros planos. Um deles: “uma moderna praça de esportes para os operários, com piscina, campos de vôlei, basket e ‘play-ground’ para as crianças”147. O segundo: a construção de casas para operários, na avenida Antônio Pereira, cujos trâmites burocráticos se estenderam de 1952 a 1955148.

Ao que se sabe, nenhum dos dois planos se concretizou, talvez por razões que extrapola-vam a área de decisões do gerente e se encontravam no âmbito da diretoria, dos proprie-tários, das prioridades da empresa e de avaliações de conjuntura.

Não houve praça nem casa, mas duas novas salas no edifício Acaiaca foram adquiridas pela São José; um imóvel de 20 mil metros quadrados, aproximadamente, em frente à fábrica de Barbacena, foi comprado; dois conjuntos do edifício Arariboia, no Rio de Janeiro, foram vendidos, assim como a mata que a empresa possuía na cidade mineira de Antônio Carlos149. Realizou-se estudo de reequipamento das fábricas e, sem mais necessidade deles, a empresa vendeu um motor a diesel, sete cardas, uma calandra, dois passadores150. E continuava a produzir e a vender e a aumentar seu capital, de 18 para 36 milhões de cruzeiros, depois para 40, 43 e 50 milhões em 1958151.

Um pouco antes, em março de 1956, Ary Ferreira fez detalhada exposição sobre a situação da empresa para os acionistas presentes à Assembleia Geral Ordinária. O balanço econô-mico relativo aos exercícios de 1951 a 1955 mostrava

147. CONFRATERNIZAÇÃO entre operários e dirigentes da Fiação e Tecelagem São José S.A. de Mariana. Diário de Minas, Belo Horizonte, 19 dez. 1952. p. 5.

148. Representando a fábrica, José Teófilo solicitou, em 1952, o aforamento de 14 lotes com as seguintes divisas: “pelo lado esquerdo com terrenos aforados ao Sr. Antônio Gonçalves Carneiro, pelo lado direito com terreno da Prefeitura e fundos com a cerca da E.F.C.B. e pela frente com a Av. Antônio Pereira”. Em junho de 1954, dirigiu-se novamente ao prefeito: “Tendo em vista o volume de serviços que representa a construção das casas para operários, à Avenida Antônio Pereira, conforme contrato firmado por esta fábrica, e cujas obras desejávamos já ter iniciado e tendo em conta a dificuldade, no momento, para a aquisição dos diversos materiais a serem empregados, solicitamos a V.S. a especial finêsa de nos conceder uma prorrogação de prazo até fevereiro vindouro, para darmos como iniciada a construção do primeiro grupo de sete casas”. Em agosto de 1955, o prefeito comunicava que “em entendimento pessoal com o Dr. Caetano Mascarenhas este se revelou contrário ao cumprimento de quaisquer exigências de ordem legal, emanadas por esta Prefeitura, no tocante à apresentação de plantas, demarcação e alinhamento, pelo que aguarde-se novo pronunciamento do interessado, enquanto não findar o direito do requerente na concessão dos lotes”. Com o fim do prazo em novembro de 1955, tudo foi cancelado. AGPM. Correspondências relativas ao requerimento nº 152, 25 jul. 1952; no 166, 9 jun. 1954; nº 262, 14 jun. 1955.

149. Sobre a transação dos imóveis citados, ver : JUCEMG. Atas da Assembleia Geral Ordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 28 fev. 1953. Arquivamento 60.484. s.p.; Assembleia Geral Ordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 13 mar. 1954. Arquivamento 65.492. s.p.; Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 27 de nov. 1954. Arquivamento 68.645. s.p.

150. Em setembro de 1956, a diretoria foi autorizada a vender esses equipamentos. Em dezembro do mesmo ano, diante da possibilidade de investimento de capital mediante importação de máquinas, o presidente Ary Ferreira sugeriu a formação de uma comissão para “estudar o assunto em seus aspectos técnicos e econômicos”, formada por Vicente Assumpção, Heitor Barbosa Mascarenhas, Caetano Barbosa Mascarenhas e Aristides Mário Rache Ferreira. JUCEMG. Atas da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 29 set. 1956. Arquivamento 85.378. s.p.; Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 30 dez.1956. Arquivamento 80.679. s.p.

151. Sobre esses aumentos, ver : JUCEMG. Atas da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 26 nov. 1952. Arquivamento 59.175. s.p.; 13 dez. 1953. Arquivamento 64.053. s.p.; 12 set. 1957. Arquivamento 85.379. s.p.; 12 fev. 1958. Arquivamento 87.531. s.p.

“Tinha a hora do intervalo. Às nove horas eles saíam com o leite, pu-nham... Cada um tinha uma caneca de alumínio [...] larga. Mas a gen-te não aguentava tomar o leite, era muito leite que eles davam, com um pãozinho.” (Alvarina Gomes de Car-valho, tecelã, VR-HT-MA-041)

“Ah, isso existia! O doutor Elias Salim Mansur era o coisa. A gente paga-va 10 cruzeiros de médico. Então a gente tinha médico e remédio por 10 cruzeiros. Descontavam 10 cruzeiros do pagamento e a gente tinha direito a médico. O médico era muito bom. Adoecia a criança em casa, ele ia em casa e tal e coisa. Ah, 100%!” (Fran-cisco Pedro da Silva, contramestre, VR-HT-MA-042)

“O diretor [...] comprou um sítio e começou a criar porco também. Um sítio bonito, rapaz! Na saída de Mariana aqui. [...] Então ele vendia a carne para toda a fábrica. E matava boi também. Ele comprava o boi, ma-tava, trazia e vendia aí. Vocês podiam comprar a carne que quisessem, na quantidade que quisessem. Se com-prasse muito, podia pagar de duas vezes, descontado em folha. Se fosse pouco, muito pouco, ele nem cobra-va. Se fosse um quilo, um quilo e meio – todo mundo comprava nessa mé-dia, que dava para passar quase uma semana –, pagava.” (Augusto Amaral, mestre, VR-HT-MA-038 A/B/C)

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um acréscimo efetivo de Cr$ 32.930.391,60 no Patrimônio líquido, aumento no ín-

dice de solvabilidade de 1,48 para 1,75 – o que documenta a boa situação da Com-

panhia. O Balanço Econômico evidencia ainda que nos exercícios de 1952-53-54 e

1955 foram distribuídos dividendos e bonificações no total de Cr$ 17.421.000,00

e que foram adquiridas máquinas e bens no valor de Cr$ 8.357.712,60 só no exer-

cício de 1955152.

Mais uma vez, outros números podem ajudar a entender os apresentados pelo presidente da São José. A diária de um hotel em Mariana, em 1955, variava entre 120 e 150 cruzei-ros, se fosse quarto ou apartamento; pensão, 70 cruzeiros. Para o mesmo ano, o capital empregado em toda a indústria extrativa mineral do município era de 24 milhões de cruzeiros; na indústria manufatureira e fabril – tecidos de algodão, doce de leite, manteiga, móveis de madeira e outras de menor importância –, o capital era de pouco mais de três milhões de cruzeiros153. E o salário mínimo no país passou de Cr$ 2.400,00, em 1954, para Cr$ 3.800,00 em 1956 e Cr$ 6.000,00 em 1959154.

Parece que os anos imediatamente subsequentes à exposição de Ary Ferreira não mais encontraram números tão favoráveis no desempenho da empresa. Estudos e avaliações da época mostravam problemas que o setor têxtil em Minas Gerais enfrentava, de forma pontual ou mais duradoura.

Assim, no próprio relatório da diretoria da São José, datado de dezembro de 1957, lamentava-se

[...] o resultado negativo, explicável pela crise que atingiu toda a indústria têxtil do

ano de 1957 [...]. A elevação do preço dos salários, matéria-prima, acessórios, dro-

gas e tintas etc. aumentaram necessariamente o custo da produção sem que tivesse

havido uma compensação no preço da venda da mercadoria manufaturada, sofrendo

esta até mesmo depreciação no comércio, em consequência do que trouxe um de-

sajustamento na receita e na despesa observada nos balanços de grande número das

indústrias têxteis. A diretoria tem-se empenhado na remodernização das fábricas e já

conseguiu apreciável resultado em alguns setores e continua seriamente empenhada

em estender esses melhoramentos às outras seções, principalmente à tecelagem.

[...] Nas fábricas, apesar das dificuldades expostas, reina a melhor disciplina e um

compreendimento perfeito das dificuldades transpostas155.

152. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 02 mar. 1956. Arquivamento 75.543. s.p.

153. ENCICLOPÉDIA dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. v 26, p. 49-57.

154. www.joaodefreitas.com.br. Acesso em: 10 out. 2012.

155. MINAS GERAIS. Belo Horizonte, 14 mar. 1958. p. 17. Consta do item “Imobilizado” do Balanço: Escritório Central (imóveis, móveis e utensílios) – Cr$ 1.964.474,50; Fábrica Barbacena (imóveis, máquinas, móveis, utensílios, semoventes e veículos) – Cr$ 33.617.321,60; Fábrica Mariana (imóveis, máquinas, móveis, utensílios e semoventes) – Cr$ 14.489.637,10.

A conjuntura desfavorável justificava mais um aumento de capital – “o capital social tor-

nou-se [...] insuficiente e está exigindo o aumento proposto para facilitar a normalização

dos negócios da Companhia” (1958)156; ou “para evitar o pesado ônus decorrente dos

descontos bancários de duplicatas” (1959)157, ou ainda para a oportuna providência de

novas máquinas (1962). Nesse último ano, inclusive, dizia-se que “os balanços e contas

têm evidenciado que os negócios da Companhia prosseguem em ritmo ascensional,

tudo fazendo crer que esta situação não sofrerá solução de continuidade”158.

No meio de um quadro desfavorável, houve momentos em que dividendos não fo-

ram distribuídos para sua incorporação na conta Reservas; valores imobilizados, sem

vinculação com o andamento da indústria, foram vendidos “para reforço de capital de

giro”159; voltou-se atrás em avaliações do ativo imobilizado para fugir de nova carga

tributária160; contraiu-se empréstimo junto ao Banco do Brasil para financiamento de

matérias-primas161.

Em 1966, o relatório da diretoria sobre o exercício de 1965 afirmava ter sido esse um

ano muito difícil “não só pelos resultados, como pelas dificuldades de comercialização,

financiamento escasso e caro, mas também pelo contínuo esvaziamento do capital de

giro, assoberbado pela inflação e imobilizações financeiras compulsórias”162.

É bem verdade que a situação de crise extrapolava a São José e o relatório de sua di-

retoria. Um editorial do Diário de Minas tratava o alto custo do algodão, o aumento das

tarifas de eletricidade, a dependência das indústrias mineiras em relação aos grossistas

de São Paulo e Rio de Janeiro para a distribuição do produto e a ação dos bancos (des-

contam duplicatas a juros elevados e não concedem descontos de promissórias) como

explicações para a crise têxtil mineira163.

156. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 12 fev. 1958. Arquivamento 87.531. s.p.

157. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 21 mar. 1959. Arquivamento 95.090. s.p.

158. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 20 set. 1962. Arquivamento 127.430. s.p.

159. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 14 set. 1965. Arquivamento 165.975. s.p. Ver também: JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 29 out. 1962. Arquivamento 128.281. s.p.

160. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 12 set. 1957. Arquivamento 85.379. s.p.

161. JUCEMG. Atas da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 30 dez. 1956. Arquivamento 80.679. s.p.; 21 mar. 1959. Arquivamento 94.981. s.p.

162. MINAS GERAIS. Belo Horizonte, 12 maio 1966. p. 14.

163. A CRISE têxtil. Diário de Minas, Belo Horizonte, 31 ago. 1965. p. 4.

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Vida Industrial, revista da Fiemg, trazia o problema estampado em sua capa.

O alto custo do dinheiro, a tributação excessiva, a queda do consumo intermediário, a res-trição do crédito eram apontados como causas da crise, todas elas

fora do ambiente de ação dos empresários. O que eles puderam fazer já fizeram ou

estão fazendo: esforço de reequipamento, absorvendo toda a produção disponível

de máquinas têxteis do país, além de importar, nos últimos 5 anos, fusos e reformar

outros fusos, o mesmo ocorrendo em relação à tecelagem e acabamento; e raciona-

lização da distribuição de seus produtos164.

164. INDÚSTRIA têxtil mostra que seu esforço não supera crise. Vida Industrial, Belo Horizonte: Fiemg, out. 1966, ano XIII. s.p.

O estudo patrocinado pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais165 (BDMG)

diagnosticava o problema de maneira diferente. Havia que se considerar a baixa qualidade

da matéria-prima, a baixa produtividade da mão de obra, o obsoletismo da maquinaria têxtil

(48,3% com mais de trinta anos de uso) e a falta de capacidade empresarial, assim entendida:

O comportamento do empresário têxtil mineiro é típico das empresas induzidas pelo

mercado, o que vem ocasionar certa estabilidade estrutural, dificultando a introdu-

ção de melhorias técnicas que permitam a expansão da produção para a conquista

de novos mercados166.

As avaliações, como se vê, não eram concordantes. O que parecia fora de dúvida era a

capacidade ociosa da indústria têxtil mineira nos idos de 1960 (22,5%), bem como o fato

de ter sido um dos setores que mais haviam demitido funcionários167. E, mera coincidência,

a São José de Mariana ter tido a duração aproximada daquela estampada nos estatutos de

sua constituição, trinta anos.

Já então estava à frente da empresa a segunda geração dos fundadores: Aristides Mário Ra-

che Ferreira, filho mais velho de Oscar Ferreira e Íris Rache, assumiu a gerência e, depois, a

presidência da São José logo que terminou o curso na Escola Técnica de Indústria Química

e Têxtil do Rio de Janeiro168; e Reynaldo Marques Berutto, filho de Emygdio Berutto e Edir

165. MINAS GERAIS. BDMG. Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Diagnóstico da economia mineira. Belo Horizonte, 1968. v. 5. livro 7. p. 217-232.

166. Idem. p. 232. Com base no estudo do BDMG, afirmou Clélio Campolina: “O grau médio de utilização do equipamento, considerados três turnos de trabalho, era de 47%, quando o padrão recomendado seria de 80%. Embora a indústria têxtil brasileira também fosse atrasada, a mineira ainda o era mais [...]. Para o reequipamento da indústria, estimou-se um volume de recursos da ordem de Cr$ 127,3 bilhões, a preços da época. Como o BDMG dispunha de um capital de apenas Cr$ 500 milhões, tendo naquele ano [1965] sido autorizado a aumentá-lo para Cr$ 5 bilhões, ficou demonstrada sua impossibilidade de sustentar o programa. As tentativas de buscar recursos na esfera federal ou internacional não foram bem sucedidas, já que aquela não era uma prioridade governamental. O momento era de ‘recessão programada’, com vistas a combater a inflação e reordenar a casa para a nova fase expansionista, e, sob tais condições, a regra do jogo era ‘salve-se quem puder’. Foi de fato o que ocorreu. As empresas entraram em processo de descapitalização e posteriormente começaram as falências. Entre setembro de 1970 e 1971, o INDI efetuou nova pesquisa da indústria têxtil em Minas. Naquele ano, o número de unidades de fiação e tecelagem em funcionamento era de 83. Portanto, entre 1965 e 1970, 15 estabelecimentos haviam sido paralisados. O processo continuou. Após a última pesquisa, mais 11 fábricas cessaram suas atividades”. Cf.: DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira. Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1981. p. 143.

167. Segundo levantamento feito à época pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Ver: MAIS de 20 mil pessoas desempregadas em Minas êste ano. Diário de Minas, Belo Horizonte, 16 set. 1965, p. 9.

168. Em 1957, Caetano Barbosa Mascarenhas deixou o cargo de gerente geral, permanecendo acionista da empresa. Em 1958, Aristides Mário Rache Ferreira é “assistente da diretoria” e, com o afastamento de Ary Ferreira da presidência, por motivo de saúde, assume o seu lugar em 1959. ENTREVISTA. Aristides Mário Rache Ferreira. doc. cit.; JUCEMG. Atas da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 12 fev. 1958. Arquivamento 87.531. s.p.; da Assembleia Geral Extraordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 19 dez. 1959. Arquivamento 100.770. s.p.

Vida Industrial. Belo Horizonte: Fiemg, out. 1966. Acervo Centro de Memória

do Sistema Fiemg.

Foto Eugênio Sávio.

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Berutto (membro do conselho fiscal por muitos anos), se tornou seu vice-presidente169. Inalterado, o cargo de diretor-secretário.

Às dificuldades que acometiam a indústria têxtil mineira em geral, no caso da São José de Mariana acrescentavam-se os sérios problemas de energia que ela enfrentou como sócia majoritária da Companhia Força e Luz Marianense, o que foi noticiado pelo corresponden-te Hélio Sampaio Mol no Diário de Minas de maio de 1966:

Há quase um ano, as máquinas da Cia Força e Luz Marianense não estão em condições

de fornecer a energia reclamada pela cidade, estando em péssima situação, o que vem

provocando o fechamento de indústrias, entre as quais a Tecelagem São José170.

Anos depois, a própria fábrica assim apresentaria a situação:

A década de 50, especialmente a segunda metade, foi extremamente difícil para a

empresa. O consumo havia caído e a concorrência se tornou acirrada. Em alguns

momentos, imaginou-se que a empresa poderia fracassar e ter suas fábricas fechadas.

No início dos anos 60, no entanto, reagindo às dificuldades do mercado, a empresa

buscou novos produtos – tecidos com largura acima de 1,20m e depois 1,40m e ra-

cionalizou sua produção, transferindo a fábrica de Mariana para Barbacena171.

Antes de fechar, a fábrica de Mariana convocou todos os cerca de 250 funcionários e ofe-receu a possibilidade de continuarem trabalhando na unidade de Barbacena. Uns foram, uns preferiram as fábricas mais próximas de Itabirito ou Ouro Preto, outros trataram de acertar as contas e buscar novo afazer.

Depois de fechada a fábrica, alguns anos ainda se passaram até que fosse dada, na prefeitu-ra, a baixa do lançamento da taxa de licença para o seu funcionamento172. O terreno onde

169. Em 1959, o nome de Reynaldo Marques Berutto aparece como “assistente da diretoria” e, em 1960, como vice-presidente da empresa. JUCEMG. Atas da Assembleia Geral Ordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 21 mar. 1959. Arquivamento 94.981. s.p.; da Assembleia Geral Ordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 29 mar. 1960. Arquivamento 103.736. s.p.

170. MOL, Hélio Sampaio. Mariana continua sem luz elétrica. Diário de Minas, Belo Horizonte, 22-23 maio 1966, p. 13. A Companhia Força e Luz Marianense será abordada adiante.

171. Breve perfil das peticionárias. In: www.bmfbovespa.com.br/empresas/consbov/ArquivosExibe.asp?site=B&protocolo=25602. Acesso em: 15 out. 2012.

172. AGPM. Requerimento da Fiação e Tecelagem São José Ltda.; s.d. In: Livro de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza; 1974-1977. Livro n. 6.

esteve instalada foi sendo fatiado – uma doação aqui para a construção de grupo escolar173, a revisão do contrato de aforamento para erguer o fórum da cidade174, uma área para o funcionamento de empresa de peças técnicas175 e, por fim, na década de 1980, a destruição do prédio da fábrica para dar lugar a um modernoso ginásio poliesportivo.

Como disse a fiandeira e tecelã Terezinha de Jesus Mendonça, funcionária de Mariana e Barbacena, “a mãe morreu e a filha ficou”176.

173. Em reunião de abril de 1962, a diretoria da São José aprovou e ratificou “a doação de um terreno localizado em Mariana ao Estado de Minas Gerais, para a construção de um Grupo Escolar”. Cf.: JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Fiação e Tecelagem São José S/A, 4 abr. 1962. Arquivamento 122.472. s.p. No terreno foi construído o Grupo Escolar Gomes Freire.

174. A esse respeito, ver : AGPM. Lei nº 193/65; 2 abr. 1965; Lei nº 194/65; 2 abr. 1965; Lei no 195/65; 29 maio 1965; Lei no 198/65; 29 maio 1965. In: Livro de Registro de Lei; 1963-1967. n. 03. f. 38-38v., 40-41, 41-41v., 42-42v.

175. “Fica doada à Empresa Industrial de Peças Técnicas Ltda., a área de terreno de 50 metros de frente por 148,5 de fundos parte da área livre total ocupada pela Avenida Getúlio Vargas, digo, pela Fiação e Tecelagem São José S/A, com frente para a Avenida Getúlio Vargas, limitando-se à esquerda com o atual Grupo Escolar Dr. Gomes Freire, à direita com terrenos contíguos a porteira de entrada da referida fábrica de tecidos, pelos fundos com o Ribeirão do Carmo.” Cf.: AGPM. Lei no 245/68; 31 ago. 1968. In: Livro de Registro de Lei; 1967-1970. n. 04. f. 89-91.

176. VR-HT-MA-051 - Terezinha de Jesus Mendonça.

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cAmInho

Bem cedo, Maria Cecília Jeremias saía de casa para estar no serviço pouco antes das 6 ho-ras, quando o portão era fechado. Ela era nova, 15 anos, e havia conseguido o emprego, em 1928, na Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy. Esse nome, no entanto, Maria Cecília não guardou; seu trabalho foi sempre na fábrica de Victorino Dias, que “era rico [e] arrumou essa fábrica para os pobres”1.

Durante três anos, de segunda a sábado, com sol ou com chuva, Cecília percorria a pé cerca de quatro quilômetros para ir ao serviço e a mesma distância para voltar para casa, que ficava em Passagem de Mariana. Arrumar emprego na casa dos outros em Passagem era difícil porque pouca gente tinha empregada, e todo mundo já estava precisando traba-lhar – a combinação desses fatores a fez pedir uma vaga na empresa. Pedido aceito, Cecília iniciava o dia andando pela linha de trem afora, até chegar à Estação Ferroviária Itacolomy (nos anos 40 renomeada Victorino Dias), diante da qual estava a fábrica.

Ia a pé porque ir de trem significava pagar, e “eu não podia pagar”. Então andava, assim como outras moças companheiras. No caminho, a escolha entre o morro e o túnel: se esti-vesse tudo dentro do horário, o morro; o túnel para o caso de algum atraso. Se coincidisse estar no túnel e a locomotiva passar, como de fato acontecia, “a gente encostava na parede [...] fechava o olho porque estava com medo dela matar a gente. Ela passava agarradinha assim. Não podia passar, mas a gente não queria perder o dia, não é? [...] A gente abusou muito, bobo! Era Deus mesmo que olhava, que [via] que todo mundo precisava [...]”2.

1. VR-HT-OP-046 - Maria Cecília Jeremias.

2. Idem.

Após três anos, Cecília não mais escolheu morro ou túnel. Tendo se mudado para Ouro Preto, fez outro trajeto para a fábrica durante os 12 anos seguintes em que lá permaneceu, até sair para se casar.

É possível que esse outro caminho tenha sido aquele por onde tantos funcionários resi-dentes na sede do município se aventuraram por décadas, como as de 1940 e 1950. Maria Efigenia Bastos dos Santos, mais conhecida como Dona Sinhá, e Maria da Conceição de Paula, a Maria Sabará, lembram-se de seu apelido – respectivamente, “Escorrega Lá Vai Um” e “Buracão”3. E ainda há quem acrescente: “morro do Quiabo”4.

Certa vez, padre José Feliciano da Costa Simões disse que a alma de Ouro Preto é um estilo, as montanhas tortas, as encostas, os cânions, um barroco que é a própria natureza5.

3. VR-HT-OP-032 A / B - Maria Efigenia Bastos dos Santos; VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula.

4. Como informalmente foi relatado pelo morador da região, Ênio Neves de Araújo.

5. OP-001 A / B - José Feliciano da Costa Simões. Padre Simões foi pároco da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto, de 1963 a 2009.

o trabalho

Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy. s.d. Acervo Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da

Universidade Federal de Ouro Preto.

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Não pensava no caminho para a Companhia Industrial Ouropretana, mas indicava, para o

que aqui interessa, uma característica da cidade cuja vida se faz em morros e ladeiras.

Entre a casa da maioria dos funcionários – nos bairros Padre Faria e Alto da Cruz – e a

fábrica, a distância mais curta era um declive acentuado, sem placa de sinalização. Não

havia estrada nem calçamento, mas um morro custoso até para os iniciados, como Dona

Sinhá e Maria Sabará. Custoso porque as moças usavam o que havia à época, o tamanco,

e carregavam suas marmitas; custoso porque, dependendo do horário em que se pegava

o serviço e da estação do ano, estava escuro, nada era iluminado, a não ser que, além da

marmita, se carregasse uma tocha. E tudo piorava muito com a umidade de Ouro Preto e

a chuva caindo: “[...] imagina Ouro Preto, tempo passado, a escuridão, a umidade que era!

[...] No Buracão, o buraco era tão grande que você tinha que saber se estava pisando na

pedra, na terra ou se já estava dentro do buraco! Você não tinha luz, não tinha! Sabe como

é você não ter percepção de uma coisa? [...] Você subia e descia segurando na mariazinha

para ficar em pé, porque parecia um quiabo!”6.

Chegar, todos chegavam ao portão da fábrica, por vezes molhados, sujos de barro, com a

marmita rolando para um lado, tocha para o outro. As preocupações eram tantas que não

sobrava tempo nem para pensar em cobras, lagartos e carrapatos.

Mas as coisas nem sempre foram assim, nem para todo mundo. Ephigênia Antônia de

São José Ignácio dos Anjos, a Dona Léa, ia também a pé, mas se recorda do coronel

Mattos indo só a cavalo7. “Senhor Otto era encarregado da gente”, lembrou dona

Sinhá. “Só que entornava muito, entornava mesmo, mas o jipe dele já era tão treinado

que o levava em casa! Ele ia tonto e o jipe ia direitinho! Ainda fazia aquela volta assim

para entrar na garagem! Foi um chefe muito bom que nós tivemos. Ele não era brasileiro.

Chamava-se Otto Polak”8.

Na década de 1970, quem podia ia para o serviço de carro: o gerente Fernando Antônio

Affonso de Araújo; a representante do caixa da companhia Edite Augusta Guimarães

Almeida9, que, com a venda do prédio da praça Tiradentes, passou a despachar no “moder-

no e funcional escritório junto à fábrica”.

6. VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula. Mariazinha é a planta também conhecida como lírio-do-brejo ou gengibre branco.

7. VR-HT-OP-042 - Ephigênia Antônia de São José Ignácio dos Anjos.

8. VR-HT-OP-032 A / B - Maria Efigenia Bastos dos Santos.

9. Ver, respectivamente: VR-HT-MA-040 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo; VR-HT-OP-045 - Edite Augusta Guimarães Almeida.

Para quem não tinha carro, todavia, a empresa passou a oferecer condução, os ônibus que,

partindo do bairro São Cristóvão, conhecido como Veloso, transportavam os funcionários.

“Eu trabalhei tomando conta da turma no ônibus, para não fazer bagunça, para ter respeito

dentro do ônibus, ir em paz e voltar em paz, não ter briga, não ter confusão. Mas antes era a pé” – como disse Neuza Terezinha da Silva Coelho10.

Independentemente de época e cargo, todo mundo saía de casa e fazia o caminho a pé para pegar o serviço na Fiação e Tecelagem São José, em Mariana. Quando foi criada, a fábrica não se instalou no que era o centro da cidade, mas bem próxima a ele, a cerca de 500 metros de uma das ruas mais importantes, a Direita. (Há bastante tempo, o centro se expandiu e passou a abarcar a própria área da fábrica.) Muitos funcionários moravam nas suas imediações e gastavam de 10 a 15 minutos para chegar ao serviço, a pé; aqueles que moravam mais afastados, no bairro Chácara, por exemplo, levavam meia hora para percor-rer a distância de cerca de 1.500 metros, sem morro, sem buraco.

10. VR-HT-OP-037 - Neuza Terezinha da Silva Coelho. Sobre o transporte oferecido pela empresa, ver também: VR-HT-OP-041 - José Florentino de Castro; VR-HT-OP-039 - Waldir José dos Santos; VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira; VR-HT-OP-049 A / B - Silvério Ventura Marinho; VR-HT-OP-031 - Efigênia Sacramento Ferreira.

Interior do escritório da Companhia Industrial Ouropretana, na praça Tiradentes, em 1974 (aproximadamente).

Acervo Alda Gualberto Teixeira.

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Alvarina Gomes de Carvalho, quando trabalhava no turno das 5 às 14 horas, “levantava às 4 horas; às 4 e meia, eu e minha irmã tínhamos que ficar na porta, esperando a turma da Chácara descer [...] Porque desligava a luz da rua! Você vê! [...] Naquela época nossa [...] tinha gente também, bobo, que corria atrás da gente de madrugada, às 4 e meia, por aí, ó”11.

Na hora em que Alvarina saía de casa, soava o primeiro apito da fábrica, longo, para acordar quem ainda não estivesse acordado. Depois outro e mais outro, e o portão se fechava. Como disse Levindo Gregório de Souza, “não existia quase relógio naquela época, quase ninguém

nem podia comprar um relógio, para falar a verdade. [...] O povo pegava serviço pelo apito”12.

Algumas vezes, José Lacerda Filho perdeu hora. Parecia que o vigilante que fazia o per-

noite “dormia um pouquinho e, quando acordava, apitava depressa, achando que estava perdendo a hora”.

11. VR-HT-MA-041 - Alvarina Gomes de Carvalho.

12. VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza. O apito da fábrica foi também lembrado por: VR-HT-MA-055 - Orlando Müller Filho; VR-HT-MA-053 - Maria de Oliveira e Souza; VR-HT-MA-035 - Juraci de Oliveira; VR-HT-MA-050 - Antônio dos Reis Jacinto (“Aquela sirene urrava, que urrava mesmo! Quem estivesse dormindo acordava mesmo, viu?”); VR-HT-MA-046 - Raimundo Francisco Ribeiro (“E, naquele tempo, tinha a sirene que apitava, estourava a cidade toda [...] Era uma sirene enorme que tinha.”).

José Lacerda, então, saía correndo de casa, segurando a calça, “não dava tempo nem de apertar o correão, porque eu achava que fosse talvez o segundo apito [...]. E, no entanto, conclusão: por várias vezes, eram três horas da madrugada!”13.

nÚmero

Dos 42 entrevistados pelo Vale Registrar sobre o tema tecelagem, dois nasceram na década de 1910; sete na década de 1920; 24 nos anos 30; dois nos anos 40; seis, nos anos 50 e um na década de 1960.

Naturais de Ouro Preto: 14. Naturais de Mariana: 16. Os entrevistados nascidos em outros municípios se mudaram muito novos para Ouro Preto e Mariana,

tendo sido aí praticamente criados. (As duas exceções são Fernando Antônio Affonso de Araújo e Augusto Amaral.) Assim, para dez depoentes a transferência de domicílio não foi motivada por oportunidades de emprego.

13. VR-HT-MA-044 - José Lacerda Filho.

Vista panorâmica de Mariana, na década de 1940 (aproximadamente). Em primeiro plano, a Fiação e Tecelagem São José.

Acervo Arquivo Público Mineiro.

Fiação e Tecelagem São José, em 1944. Acervo Stela Gomes Chaves.

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Época de ingresso na fábrica: 3/4 dos entrevistados começaram a trabalhar na

Ouropretana ou na São José ainda menores de idade. Geralmente nesse momen-

to se combinavam algumas situações: o término de um ciclo simbolizado pelo

diploma de Grupo; a inexistência de condições para prosseguir os estudos no Ginásio; uma

família numerosa ou enviuvada, cujo sustento não era fácil; a vontade de ter um recurso pró-

prio. “A gente tinha que pensar em trabalhar para ajudar os pais. Esse era o motivo. E também

para a gente começar a se sustentar” (Luiz Gordiano Gonçalves)14. “O meu sonho era estudar,

mas meu pai resolveu dar um passeio mais longe e eu fui trabalhar para ajudar minha família”

(Terezinha de Paula Castro)15. “Eu estava ainda no Grupo e minha mãe me tirou do Grupo

para me levar para trabalhar. Nessa ocasião, meu pai bebia demais e a vida estava muito

difícil. A gente estava passando falta, não é?” (Neuza Coelho)16. “Era o único meio de serviço

que tinha aqui, não tinha alternativa [...]. Antes eu já trabalhava [...] na padaria e coisa e tal, mas

trabalhar fichado mesmo foi na fábrica” (Francisco Pedro da Silva)17.

Havia a carteira de trabalho para menor e para maior de idade. Fichada com 14 anos,

Lalia Guilherme Teixeira já recebeu meio salário ao entrar18. Como explicou Maria Sabará,

“Menor recebia como menor, maior recebia salário como maior [...] quando a gente era

menor recebia metade de um salário. Enquanto não completasse 18 anos, não tinha direi-

to ao salário, mesmo que a gente produzisse, mesmo que desse produção igual ou maior.

A gente não tinha idade, então o salário era metade”19.

Salário: na São José nunca houve 13º salário. Quando ele foi sancionado, em

1963, a fábrica já estava praticamente com os portões fechados, em Mariana.

Até então, lá como em Ouro Preto, existia um abono de Natal ou uma gratificação distri-

buída junto com o pagamento de dezembro, a qual, já dizia Victorino Dias, não era direito

de ninguém, podendo ser suspensa a juízo da diretoria20.

Também nem sempre existiu o salário mínimo. O anúncio de sua criação, feito pelo

presidente Getúlio Vargas no estádio de São Januário, Rio de Janeiro, data de 1º de

14. VR-HT-OP-050 A / B - Luiz Gordiano Gonçalves.

15. VR-HT-MA-047 - Terezinha de Paula Castro.

16. VR-HT-OP-037 - Neuza Terezinha da Silva Coelho.

17. VR-HT-MA-042 - Francisco Pedro da Silva.

18. VR-HT-MA-045 - Lalia Guilherme Teixeira.

19. VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula.

20. AIMFCII. Ata de 20 de fevereiro de 1923. In: Livro de actas da Diectoria da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-18 fev. 1928. f. 8v.

maio de 1940. Ainda levaria algum tempo para seu valor ser o mesmo em todo o

território nacional e para que sua aplicação se tornasse corriqueira, sem necessidade

do recurso à Justiça do Trabalho. Antes disso, é provável que os funcionários de uma

empresa recebessem por dia, por hora, cujo valor ficava a critério dos donos, do mer-

cado, da conjuntura.

Na época do mínimo, a São José e a Ouropretana computavam dois tipos de salário, o

fixo e o móvel, digamos assim. O primeiro remunerava o almoxarife Antônio Gonçalves

Carneiro, os trabalhadores do escritório (chefe, contador, auxiliar, escriturário, office boy),

dos serviços gerais e da seção de apoio com suas funções diversificadas (mecânica, car-

pintaria, obras, eletricidade, mestres, contramestres, pesador de linha, amarrador de rolo

e cordão, controle de qualidade, chefe de turno)21. Se não houvesse hora extra, o salário

era sempre o mesmo.

O segundo tipo remunerava trabalhadores que atuavam no cerne das duas fábricas, a

fiação e a tecelagem. O salário era X, o mínimo, acrescido de um Y – um prêmio de pro-

dutividade, que podia variar de mês a mês. “[...] quem fizesse mais que o salário mínimo

recebia mais, porque a gente trabalhava por tarefa, por produção [...]. Eles queriam que a

gente desse produção, não é? Uns eram bons de serviço e davam boa produção. Agora,

outros trabalhavam mesmo para ganhar salário mínimo” (Efigênia Sacramento Ferreira)22.

“Tinha dia que, quando eu chegava, já tinha três, quatro máquinas rodando. Essas eram as

campeãs, essas ganhavam mais do que todo mundo e davam uma sorte danada porque a

produção delas era maior que a de todo mundo. Adair da Paixão e Dalva Saldanha: essas

duas aí, eu vou te falar!” (Terezinha Castro)23. “Eu dava produção! O doutor Aristides, eu

recebi três telegramas dele, me dando parabéns pela produção. [...] A gente era esforça-

da, trabalhava muito mesmo, chegava cedo para trabalhar. Mandava almoço para mim, eu

almoçava, já ia almoçando e já ia entrando para trabalhar. Não fazia hora de almoço! Fazia

não, minha filha! Aí nós éramos ‘fominhas’, mas Deus sabe por que você era ‘fominha’”

(Maria de Oliveira e Souza)24.

21. Segundo Geraldo Pedro Coêlho, “Escritório, nós tínhamos salário fixo. [...] Almoxarifado, por exemplo, salário fixo; setor de cardas, salário fixo; serviços gerais, salário fixo”. VR-HT-MA-056 - Geraldo Pedro Coêlho. Levindo Gregório de Souza (contramestre) e Jair Pedro Cota (tintureiro) ganhavam um salário e meio; Augusto Amaral (mestre), três salários. Ver: VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza; VR-HT-OP-051 - Jair Pedro Cota; VR-HT-MA-038 A / B / C - Augusto Amaral.

22. VR-HT-OP-031 - Efigênia Sacramento Ferreira.

23. VR-HT-MA-047 - Terezinha de Paula Castro.

24. VR-HT-MA-053 - Maria de Oliveira e Souza.

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Pagamento: na São José sempre, na Ouropretana quase sempre, os funcionários recebiam o salário em dinheiro, trocadinho, no dia 10 ou no dia tal. O escritório em que trabalhavam Alda Gualberto Teixeira, Edite Almeida, Eni Esmeralda do

Nascimento da Cruz, Geraldo Pedro Coêlho e Neuza Aires do Nascimento – cada um em seu tempo e fábrica – deixava tudo pronto para o funcionário chegar, pegar o envelope, conferir o montante, assinar o recibo e sair.

Antes desse momento, eram realizadas algumas operações ao longo do mês. Uma delas: “olhar os cartões de ponto do pessoal”25 ou passar “para um livro de ponto grandão”26 o ponto que havia sido marcado no cartão – qualquer falta não justificada ou não abonada se refletia no valor do salário, o mesmo ocorrendo com as horas extras.

25. VR-HT-MA-052 - Eni Esmeralda do Nascimento da Cruz.

26. VR-HT-MA-054 - Neuza Aires do Nascimento.

Outra operação, lembrou Edite Almeida, era receber o dinheiro solicitado ao banco, contar, recontar, separar as notas27. “Depois começou a melhorar e instituíram o cheque [na Ou-ropretana]. O banco contava aquela quantidade de talões, mandava para a minha seção e eu preenchia todos os cheques”28 à mão.

Havia ainda que fazer a soma diária da produção de quem trabalhava por produtividade. O escritório recebia essa informação e, com a facilidade proporcionada pelas máquinas Facit, ia acrescentando o valor até o dia do pagamento. Quem a gerava era o próprio funcionário que “dava produção”. Como disse Eni da Cruz, “os próprios empregados, principalmente da tecelagem, eram bem espertos naquele tempo. Apesar de não ter máquina, não ter nada, eles mesmos tomavam conta. Quando terminava o mês, a tecelã já sabia quantos metros tinha teci-do. Eles sabiam. Naquele tempo, todo mundo fazia conta de cor, não precisava de calculadora”29.

27. Como disse Neuza do Nascimento, “a gente mandava essa previsão para o banco e eles mandavam o dinheiro para a gente”. Idem.

28. VR-HT-OP-045 - Edite Augusta Guimarães Almeida.

29. VR-HT-MA-052 - Eni Esmeralda do Nascimento da Cruz.

Contrato de trabalho de Lalia Guilherme Teixeira. 1951.

Acervo Lalia Guilherme Teixeira.

Foto equipe Vale Registrar.

Contrato de trabalho de Efigênia Sacramento Ferreira. 1969.

Acervo Efigênia Sacramento Ferreira.

Foto equipe Vale Registrar.

Contracheque de Efigênia Sacramento Ferreira. 1982. Acervo Efigênia Sacramento Ferreira. Foto equipe Vale Registrar.

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Se o funcionário, no dia a dia de serviço, gerava a produção, no entanto não era ele o res-

ponsável por anotá-la e repassá-la ao escritório. O contramestre e o apontador estavam ali,

com lápis e prancheta, para marcar “tantos metros de pano, tantos quilos de linha”30.

Com o salário no bolso, os trabalhadores saíam do escritório com opiniões diferentes.

“Ficava satisfeita com ele. A gente não tinha nada, aquele ali mesmo estava bom” (Juraci de

Oliveira)31. “Era um dinheiro muito abençoado. Ele rendia demais. [...] Era um pouco, mas

um pouco muito abençoado, não é?” (José Lacerda)32. “O salário não era muito bom, não.

A gente fazia às vezes hora extra para poder ficar mais ou menos tranquilo, para equilibrar

um pouquinho, mas era meio apertado!” (Raimundo Francisco Ribeiro)33. “O salário era

péssimo. Em todos os casos, era o que a gente tinha! Tinha que dar graças a Deus por ter

ele ainda, não é?” (Dona Léa)34. “O salário da fábrica de tecidos era um salário de Deus.

[...] As pessoas ganhavam pouco, mas o pouco com Deus é muito” (Vicente Juliano de

Oliveira)35. “Com o que você recebia, você fazia muita coisa, você fazia lista e fazia muita

coisa com o dinheiro. Ó, eu comprei dois barracos. [...] Comprei vaca na roça, tudo com

dinheiro de fábrica” (Jair Pedro Cota)36.

Tipos de pano: estreitos (80, 90 centímetros) ou de duas larguras. Na São José,

sempre um, o americano cru. Na Ouropretana, mais de um, em diferentes épocas:

americano cru, morim, cretone, fralda, opala, toalha, brim. Alda Teixeira “ficava tris-

te” com o morim que levava seu nome: “Eles usavam muito sabe para quê? Forrar caixão!

[...] Tinha um senhor, acho que em Raul Soares, que tinha uma fábrica de caixão. Ah! Ele

vinha comprar, chegava e falava: ‘Quero tantos mil metros de Alda’”37.

Mulheres e homens: em ambas as fábricas, sempre mais mulheres do que homens;

aquelas, concentradas nas tarefas de fiar e tecer ; esses, dispersos nos cargos de

chefia, setor elétrico e caldeira, mecânica, carpintaria e outras atividades de peso.

30. Idem. Segundo Juraci de Oliveira: “[...] na fiação, quem fizesse mais linha recebia mais. Tanto que eu era assistente do chefe e, às vezes, ganhava menos do que aquelas que eram subalternas a mim. Eu ganhava menos do que elas e trabalhava mais porque, quando elas iam embora, eu ficava lá olhando a folha de trabalho, marcando as horas das pessoas [...]” VR-HT-MA-035 - Juraci de Oliveira. Logo quando começou a atuar no controle de qualidade, Efigênia Ferreira ficou “meio embaraçada, porque eu ficava com medo na hora de fazer a leitura dos relógios da máquina. As máquinas tinham um relógio que marcava o tanto que a pessoa havia feito ali. Eu ficava com medo de ter marcado errado e tudo; voltava outra vez para olhar”. VR-HT-OP-031 - Efigênia Sacramento Ferreira.

31. VR-HT-MA-035 - Juraci de Oliveira.

32. VR-HT-MA-044 - José Lacerda Filho.

33. VR-HT-MA-046 - Raimundo Francisco Ribeiro.

34. VR-HT-OP-042 - Ephigênia Antônia de São José Ignácio dos Anjos.

35. VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

36. VR-HT-OP-051 - Jair Pedro Cota.

37. VR-HT-OP-036 - Alda Gualberto Teixeira.

Setores: nos seus trinta anos de existência, a São José se estruturou em função de

dois setores – a fiação e a tecelagem –, com uma sequência de operações variadas

e próprias a cada um deles. A Ouropretana, em sua centenária trajetória, conheceu esses

dois segmentos acrescidos da tinturaria. Só quando se tornou Companhia Industrial Itau-

nense Unidade III, na década de 1980, ela parou de fabricar o fio e de tingir o pano. (Ambos

os processos passaram a ser feitos em Itaúna.)

Famílias: parentes de cerca de 4/5 dos entrevistados também trabalharam na

fábrica de tecidos – a mãe, o pai, irmãos com certeza, primos e avós. “Ah, muitos

pais criaram os seus filhos ali [...] Desde meu avô: criou a família toda lá. Depois [...] minha

mãe criou a família também através da fábrica de tecidos. Então, que eu conheço”, disse

Waldir José dos Santos, “são três gerações praticamente: meu avô, minha mãe e eu”38. “Em

Ouro Preto, tem que perguntar quem não trabalhou na fábrica”, afirmou José Florentino de

Castro39, expressando opinião semelhante à de Terezinha Castro sobre a São José: “Aquilo

ali era uma maravilha em Mariana. Foi um Deus nos acuda quando a fábrica fechou, porque

empregava o povo quase todo de Mariana. Mariana era pequena, população pequena [...] a

maioria das pessoas trabalhava na fábrica”40.

Meios de transporte: como muitas fábricas de Minas Gerais, a São José e a

Ouropretana funcionaram em cidades distantes da região produtora de al-

godão41. Num tempo mais remoto, o transporte dessa matéria-prima básica era feito

pelo trem. Vindos do norte de Minas Gerais ou do sul da Bahia, os fardos paravam na

Estação Itacolomy, defronte à fábrica de Victorino Dias, e eram levados nas costas dos

funcionários para dentro de seus muros; e, parando na estação ferroviária de Mariana,

lembrou Levindo de Souza, “nós recebíamos esse vagão aqui, esses fardos, e levávamos

para a fábrica na carroça”42. Com a progressiva ascensão do transporte automotivo

no país, o trem cedeu lugar ao caminhão. Correndo tudo bem nas estradas da época,

acontecia ter de parar o caminhão na altura da rodoviária de Ouro Preto, “fazer balde-

ação, jogar o material para um caminhão menor para passar na praça Tiradentes”; ou os

fardos tombarem no bairro Alto da Cruz e “você ter que voltar a carga toda em cima

do caminhão”, como fez algumas vezes Vicente Juliano43.

38. VR-HT-OP-039 - Waldir José dos Santos.

39. VR-HT-OP-041 - José Florentino de Castro.

40. VR-HT-MA-047 - Terezinha de Paula Castro.

41. MINAS GERAIS. BDMG. Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais Diagnóstico da economia mineira. Op. cit. p. 226.

42. VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza.

43. VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

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No sentido inverso, saía de Mariana por trem ou caminhão o tecido “quase pronto”; seu destino, a São José de Barbacena, onde era beneficiado, e daí vendido no Brasil inteiro, so-bretudo para a área rural44. O pano produzido na Ouropretana, à época de Victorino Dias, tinha boa aceitação no mercado de fazendas do Rio de Janeiro, “para onde continuamos a vender grande parte de nossa produção”, como dito anteriormente. Anos depois, o mer-cado era outro e a distância, maior : em uma reunião da diretoria convocada para deliberar sobre a abertura de uma filial em Montes Claros,

o Diretor Presidente fez uma exposição sobre o crescimento que vêm tendo os

negócios da Companhia no Nordeste do País, caracterizado, desde alguns anos, por

um ritmo ascendente muito animador, absorvendo já, o consumo daquela área, subs-

tancial parcela da produção da Companhia [...]45.

44. VR-HT-MA-O40 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo.

45. AIMFCII. Ata de reunião da Diretoria; 07 maio 1971. In: Livro de atas da Companhia Industrial Ouropretana S.A.; 02 set. 1943-26 mar. 1982. f. 31v.

técnIcA

Transformar a fibra natural em tecido é uma técnica milenar, já utilizada para embalar as mú-mias egípcias muito antes do nascimento de Cristo. A novidade consolidada no século XIX foi a mecanização do processo, que, desde então e até hoje, não parou de se aperfeiçoar.

Entrar na São José e na Ouropretana quando de suas respectivas existências significava encon-trar maquinismos próprios à época, à capacidade de investimento de cada uma delas, e opera-dos por trabalhadores que, em sua maioria, aprendiam o serviço lá mesmo, na lida cotidiana.

“Mão de obra se fazia dentro da empresa”, disse o gerente de ambas as fábricas, Fernando Araújo46, referindo-se ao funcionário da produção normal. A forma de ingresso já dizia um pouco sobre isso: por indicação do pai ou da mãe, do tio, do padrinho, de um amigo; “Eu fui lá e pedi”; “Fui no escritório e conversei”; preencher uma inscrição a aguardar a chamada; era só levar um retrato e a certidão de idade; “Você sabe escrever?” “Não.” “Não tem pro-blema [...] aguarda cinco dias aí que depois eu mando chamar”47.

46. VR-HT-MA-040 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo.

47. VR-HT-OP-051 - Jair Pedro Cota. Sobre as outras formas de ingresso citadas, ver, por exemplo: VR-HT-OP-046 - Maria Cecília Jeremias; VR-HT-MA-047 - Terezinha de Paula Castro; VR-HT-MA-046 - Raimundo Francisco Ribeiro; VR-HT-MA-051 - Terezinha de Jesus Mendonça; VR-HT-OP-031 - Efigênia Sacramento Ferreira; VR-HT-OP-038 - Ilza Dalva Macedo Liberato; VR-HT-MA-045 - Lalia Guilherme Teixeira; VR-HT-MA-052 - Eni Esmeralda do Nascimento da Cruz.

Vista parcial da cidade de Mariana. Em destaque, a Fiação e Tecelagem São José, o campo de futebol e a Estação Ferroviária de Mariana. 1944.

Acervo Stela Gomes Chaves.

Operários no interior do setor da Fiação da Companhia Industrial Ouropretana. 1974 (aproximadamente).

Acervo Alda Gualberto Teixeira.

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Uma vez chamado, o funcionário ia aprender com os instrutores ou, o que era mais co-mum, observando os mais velhos de casa – o que e como faziam, os cuidados e movimen-tos necessários –, para então tentar, errar, conseguir. Dependendo da tarefa, se aprendia em uma semana, um mês ou mais tempo.

Silvério Ventura Marinho escreveu seu nome completo, fez “algumas continhas” e começou sua carreira trabalhando no batedor, área em que, como soube pelo técnico de segurança, estava expressamente proibida a presença de um isqueiro, sequer um palito de fósforo, “porque era perigoso incendiar a fábrica toda”48.

O batedor recebia os fardos de cem, duzentos quilos de algodão, que vinham amarrados, apertados num arco de barril para ocupar menos espaço no caminhão ou no vagão que os havia transportado. Na São José, lembrou Augusto Amaral, a máquina chamada abridor ti-nha inclusive o apelido de “capeta”, dado pelos funcionários: “Parece que o capeta está aí!”49.

Cortado o arco, aquele fardo mostrava seu tamanho e entrava no batedor, a máquina que batia o algodão, que fazia sua limpeza, retirando sementes, caroços, cascame, toda sujeira e impuridade. Ilza Dalva Macedo Liberato via de longe a tarefa: “Era um setor muito feio [...] porque era muito algodão, aquele pó grosso, sabe? As pessoas que trabalhavam nesse lugar – só trabalhavam homens, só masculino – usavam até um pano [...] porque era muito pó que dava. Então nunca entrei lá. A gente passava só na porta. Você via a porta aberta, um barulho muito forte”50.

48. VR-HT-OP-049 A / B - Silvério Ventura Marinho.

49. VR-HT-MA-038 A / B / C - Augusto Amaral.

50. VR-HT-OP-038 - Ilza Dalva Macedo Liberato.

Após essa etapa, a fibra devia ser cardada, atividade que Silvério também desempenhou, assim como Vicente Juliano, em épocas diferentes. O algodão entrava em uma esteira com garras de aço, como disse Luiz Gordiano51, ou com um “eixo, tipo uma agulha”, segundo o próprio Silvério, e saía do outro lado cardado – a imagem é a de uma manta, um “véu fininho”52; o termo mais técnico, cardar = flocular o algodão53.

Seguindo o processo e o termo, o passador paralelizava as fibras. Assim descreveu Maria Sa-bará: “Aí ele já fazia o agrupamento de fio. [...] Coletava os fios em umas latas grandes. Então juntava todos aqueles fios para fazer um. Tinha um tanto de lata de um lado, outro tanto de lata do outro; entravam aqueles fios ali no meio para dar uma forma mais consistente. Tinha um aparelhinho que apitava quando a lata estava cheia. O passador desligava, ia lá, trocava a lata, tudo manual. Aí passava para o outro passador, para fazer a segunda passagem”54.

51. VR-HT-OP-050 A / B - Luiz Gordiano Gonçalves.

52. VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula.

53. Termo usado por Fernando Antônio Affonso de Araújo.

54. VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula.

Abridor de algodão com semente, com tambor, 40 pollegadas de largura a taboleiro de reguas, de descargo.In: CATALOGO descriptivo das machinas de descaroçar, abrir, cardar, pentear, preparar, fiar e tecer o algodão, construídas por Platt Brothers & Co. Limited. Hartford Works, Oldham, Inglaterra. s.d. p. 60.Acervo Coleções Especiais da Biblioteca

Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

Batedor simples e machina de fazer mantas.

Idem. p. 112.Acervo Coleções Especiais da Biblioteca

Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

Machina de cardar de ferro, privilegiada, com chapeos rotativos. Idem. p. 127.Acervo Coleções Especiais da

Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

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A etapa seguinte era o pavieiro ou maçaroqueira. Marta Virgem Martins aí entrou ainda menor de idade e só saiu trinta anos depois, quando se aposentou: “Minha irmã saiu para se casar, eu fiquei no lugar dela [...] Era ajudante dela e depois continuei trabalhando na mesma máquina”55. José Lacerda Filho também ficou por muito tempo no pavieiro: “Lá me dei muito bem porque [...] era produção. Produção, você só ganha aquilo que produziu. [...] Em vez de sair às 10 horas, às vezes eu saía às 3 horas da madrugada. Enquanto não fizesse uma produção mais ou menos, eu não ia embora”56.

A lata cheia de fibra paralelizada chegava até Marta, ou Marta a pegava, posicionava-a atrás de sua máquina e enrolava a fibra na maçaroqueira. Acionado o pavieiro, as fibras passavam por ele e iam assumindo a forma de uma mecha da grossura de um dedo. Nunca aconteceu com Marta o que ela viu ocorrer com uma colega de serviço: “Na minha seção, uma menina distraiu [...] tinha uma engrenagem na cabeceira mesmo da máquina. Não sei como ela arru-mou, a mão dela foi nessa engrenagem. Acho que ela perdeu quatro pontinhas dos dedos”57.

Durante oito, dez ou mais horas, Marta e José Lacerda enchiam latas e latas de mecha, de pavio. “Quando chegava no ponto em que já tinha uma quantidade de metro, então acendia a luz”58 e a maçaroqueira desligava.

Enquanto Marta pegava outra lata para pôr atrás de sua máquina e fazer tudo recomeçar, o pavio era levado para o filatório, o equipamento do qual saía a linha propriamente dita, encerrando aqui, com todas essas variadas operações, o setor chamado fiação.

Inês Brandão Pereira pediu emprego na São José, esperou alguns dias para completar 14 anos, foi chamada para trabalhar e passou por um aprendizado na fiação: “Você ficava junto com a dona da máquina, acompanhando para lá e para cá. Daí ela começava a deixar a gente fazer as emendas e, com pouco, a gente estava tomando conta da máquina”59. Pro-cesso semelhante ocorreu com Terezinha Castro e Neuza Coelho; apenas para esta última demorou um pouco mais, “porque as máquinas esquentavam muito. [...] Eu tinha medo de mexer na máquina porque esquentava. Tinha medo, mas aprendi!”60.

A fiação, como lembrou Inês Pereira, “era um alarde, era muito barulho da máquina e as meninas falavam muito. Menina pelos 14, 15 anos até 20 fala ‘feito pobre na chuva’”61.

55. VR-HT-OP-035 - Marta Virgem Martins.

56. VR-HT-MA-044 - José Lacerda Filho.

57. VR-HT-OP-035 - Marta Virgem Martins.

58. VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula.

59. VR-HT-MA-057 A / B - Inês Brandão Pereira.

60. VR-HT-OP-037 - Neuza Terezinha da Silva Coelho. Como lembrou Luiz Gordiano: “Fiação tinha risco de queimar, de provocar queimadura, porque a espula rodava em uma velocidade muito grande e a fiandeira tinha que ser muito profissional para não se queimar com facilidade”. VR-HT-OP-050 A / B - Luiz Gordiano Gonçalves.

61. VR-HT-MA-057 A / B - Inês Brandão Pereira.

As máquinas, os filatórios, eram de fato muitas em número. Em um documento da Ouro-pretana datado de 1946, constavam 14 filatórios62; na lembrança de Levindo de Souza, havia 18 na São José, nos anos 50. Máquinas compridas, “enormes”, com engrenagens, anéis, mais de duzentos, trezentos fusos cada uma.

A mecha trazida do pavieiro passava por essas engrenagens e ia enchendo, em cada fuso,

a espula ou canela correspondente. Inês e Maria Sabará utilizaram a imagem da moenda

ao falarem sobre isso: “Aquelas moendas rodavam passando o algodão ali dentro; se você

desse bobeira com o dedo, ela levava. Mas aí era quase bobeira mesmo” (Inês)63. “Colocava

os pavios, puxava, enfiava na moenda [...] aí colocava a espula, levava a espula. Tinha um

anelzinho para prender o fio, então começava a rodar ali. Se arrebentasse, a luzinha acendia,

a pessoa ia lá, tirava só aquele fuso, levantava, puxava o fio que tinha sumido, enfiava ele no

anelzinho, tornava a enrolar ele na espula e continuava rodando. Quando estivesse cheio

[...] era tirado e colocado em um caixote” (Maria Sabará)64.

Juraci de Oliveira foi também fiandeira, tomou conta de máquinas com cilindros (no lugar

de moendas) e enrolou o fio enchendo canelas ou canelinhas (no lugar de espulas). No-

mes diferentes para a mesma tarefa, com o mesmo cuidado ao pôr a mão na máquina e

emendar o fio, talvez com o mesmo cansaço quando o algodão estava ruim, muito ruim e

não parava e arrebentava toda hora.

Tempos depois, Juraci se tornou contramestre de fiação, e como tal resolveu os problemas

na falta do chefe, marcou o tempo de quem havia trabalhado por hora, anotou a produção

das moças que davam (ou não davam) produção. Não chegou a pesar linha – “as moças

ganhavam por quilo de linha”65 –, pois havia para isso o pesador de linha, como Levindo

de Souza no início da carreira na fábrica: “Eram 18 máquinas, 18 filatórios. Então ela dava duas, três, quatro arriadas por dia. Você tinha que pesar e [...] selecionar”66. “Na hora em que as canelas enchiam”, disse Ilza Liberato, “tinha que parar a máquina. Falava: ‘Vai descar-regar uma máquina.’ [...] tinha os ajudantes que eram menores, geralmente. Mas tinha maior também. A gente tinha que tirar rapidinho, tirar as canelas cheias e colocar as vazias”67. E o filatório era novamente acionado.

É possível que, em sua primeira atividade na fábrica, Amadeu da Silva assistisse ao alarde de máquinas e moças da fiação. Ele fazia faxina nos corredores, “juntando aquela sobra de

62. AIMFCII. Companhia Industrial Ouropretana de Tecidos, Força, Luz e Telefone. Relação de imóveis, de edifícios, de terrenos. s.p.

63. VR-HT-MA-057 A / B - Inês Brandão Pereira.

64. VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula.

65. VR-HT-MA-035 - Juraci de Oliveira.

66. VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza.

67. VR-HT-OP-038 - Ilza Dalva Macedo Liberato.

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algodão”, para depois separar e mandar de volta às cardas. “Era muito bom, porque você estava sempre nos corredores, varrendo ali, sempre as meninas [...] Brinca com uma, brinca com outra. Eu, graças a Deus, sempre tive boas amizades”68. Amizades que não deixou de ter mesmo quando se tornou o encarregado de meninas e máquinas, com a responsabili-dade de garantir a boa produção do fio de qualidade.

Até aqui, metade do processo milenar havia se cumprido – a fibra natural virou linha. Ainda

restava trançar esse fio de tal forma que ele se tornasse pano americano ou morim, ou cre-

tone. Para tanto, o primeiro passo era levar o caixote cheio de fios enrolados nas espulas

ou canelas para o espaço onde ficavam umas máquinas também compridas, nomeadas por

Orlando Müller de “leesona”69, referindo-se à fabricante norte-americana de bobinadeiras.

As linhas eram então transferidas para as bobinas, ou balões, como chamaram Maria Saba-

rá e Efigênia Sacramento, e daí percorriam dois caminhos: um tanto ia para a espuladeira;

outro tanto, para a urdideira.

Na espuladeira, a linha era enrolada em uma espula menor do que a utilizada no filatório,

do tamanho necessário para ser posta na lançadeira do tear. “As tecelãs”, disse Levindo

de Souza, contramestre da espuladeira, “tocavam três, quatro teares. Se a espula fosse

pequena, elas teriam muita mão de obra”70. Também contramestre, era função de José

Luzia Neto resolver possíveis problemas que aí surgiam: “Ao enrolar a linha na canela, ela

tinha que sair bem firme. Na espuladeira, às vezes o fio saía frouxo. Ao sair frouxo, só de

você esbarrar a mão assim, ele já desmanchava todo. Então você tinha que ir lá olhar, ver

68. VR-HT-MA-036 - Amadeu da Silva.

69. VR-HT-MA-055 - Orlando Müller Filho.

70. VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza.

se era uma sujeira, arrumar. Outra hora o fio concentrava só em um lugar na espuladeira: você tinha que olhar o defeito, o que era”71.

Com a linha devidamente enrolada, nem frouxa nem concentrada, Waldir dos Santos e Francisco da Silva tratavam de realizar a operação que desempenharam logo que ingressa-ram nas fábricas: a de municiar, a de repartir espula para as tecelãs.

Em outro espaço, um número considerável de bobinas era colocado na gaiola da urdideira para que os fios fossem transferidos para um rolo, um grande carretel de linha. Mas, como disse Efigênia Sacramento, o carretel só tem um fio, e o rolo da urdideira tem milhares. Além disso, lembrou Vicente Juliano, uma sequência de montagem no carretel devia ser seguida:

71. VR-HT-OP-053 - José Luzia Neto.

Fiação Selfactina com o volante de gornes pela parte de traz.Idem. p. 206.Acervo Coleções Especiais da

Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

Canneleira para trama.Idem. p. 302.Acervo Coleções Especiais da Biblioteca

Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

Urdideira. Idem. p. 48.

Acervo Coleções Especiais da Biblioteca

Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

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“De acordo com o número, a largura do tecido que você fosse produzir, de acordo com a qualidade do tecido que você fosse produzir, você tinha que ter um determinado número de bobina na gaiola da urdideira para ser urdido, para ser enrolado em uma determinada po-sição para, na hora de colocar no tear, dar origem ao tecido que precisava ser produzido”72.

Uma vez pronto, o fio urdido era engomado. “A engomadeira era uma máquina que passava uma goma de amido de milho para fortalecer o fio e reter o pó”73. Passando no meio de cilindros, a linha era mergulhada em um tanque e saía do outro lado seca com o calor produzido pela caldeira. Era, inclusive, no calor da engomadeira que muita gente esquentava a marmita.

Já engomado, o fio devia ser remetido no liço e no pente, havendo para isso a máquina chamada remetedor. Nela trabalhou Eva Lemos Paiva, manipulando fios com a navette, “sentada o dia inteirinho [...] com um rolo grande em cima da cabeça, e a gente reme-tendo. Eu jogava linha dia inteiro [...] mas tudo contado, hein?”74. Remetidas as linhas, ge-ralmente um menor de idade colocava o liço e o pente e, em seguida, amarrava o rolo no tear. “Era a função chamada amarrador de rolo: aquele que aprendia a colocar o rolo na máquina, passar todinho, direitinho, regular o tear, pôr ele para rodar já começando a tecer o pano, o tecido”75.

Assim estavam preparados os dois fios usados na São José e na Ouropretana: o fio da tra-ma e o fio da urdidura, aquele depositado na lançadeira, esse amarrado ao tear. Era, então, o momento de trançá-los.

72. VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

73. VR-HT-MA-040 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo.

74. VR-HT-MA-049 - Eva Lemos Paiva.

75. VR-HT-OP-050 A / B - Luiz Gordiano Gonçalves.

Engommadeira de tambores.Idem. p. 50.Acervo Coleções Especiais da Biblioteca

Pública Estadual Luiz de Bessa.

Foto Eugênio Sávio.

Esquema do processo de tecelagem, retirado de: ENCICLOPÉDIA COMPACTA

ISTOÉ - GUINNESS DE CONHECIMENTOS GERAIS. São Paulo: Editora Três Ltda., 1995. p. 188.

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Na tecelagem, ser dona de máquina significava olhar mais de um tear, às vezes até seis. As máquinas ficavam dispostas no amplo galpão de ambas as fábricas e, durante parte de sua trajetória, “motores acionavam um eixo que atravessava a sala inteira. Esse eixo tinha polias que, através de correias, movimentavam as máquinas”76. Datam da época desse “eixo gran-de lá em cima” uns teares antigos, como disse Adão Teixeira Barbosa, ou “teco-tecos”, como chamou Maria Sabará. Depois vieram equipamentos mais modernos, Picanol e Howa, com motor individual, que “davam menos mão de obra, menos trabalho, quebravam menos”77.

“As máquinas eram pertinho umas das outras. As quatro com as quais você trabalhava, por exemplo, eram agarradas umas nas outras. Agora, tinha um corredorzinho para você transitar para lá e para cá, para ir ao banheiro, para ir lá e tal.” Nesse espaço em que ficava Maria Oliveira e Souza, a exemplo das demais tecelãs, “não podia parar, as máquinas tinham que rodar oito horas! [...] Tinha que lubrificar. Dava muito pó de algodão. Às vezes você vinha com o espanador e você mesma passava o espanador debaixo, para tirar, porque dava muito pó. Então a gente comia pó mesmo, a tecelagem inteira era pó de algodão”78.

Andando de lá para cá, no meio do pó e da zoeira “que era tanta”, a tecelã olhava a má-quina. Não podia faltar um fio, não podia ter fio duplo, não podia arrebentar um fio. Se isso acontecesse – e isso acontecia em tempo de calor, de algodão de baixa qualidade, de fio sem goma, de tear desregulado, de rolo mal amarrado –, “dava defeito”, e Maria Cecília

76. VR-HT-MA-O40 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo. Segundo Alvarina Carvalho, “tinha o motor que tocava a fábrica e que ficava em um cômodo separado, porque o motor era enorme”. VR-HT-MA-041- Alvarina Gomes de Carvalho.

77. VR-HT-OP-052 - Adão Teixeira Barbosa. Maria da Conceição de Paula (VR-HT-OP-040 A / B), Efigênia Sacramento Ferreira (VR-HT-OP-031) e Neuza Terezinha da Silva Coelho (VR-HT-MA-054) também se lembraram do tear Picanol, e Luiz Gordiano Gonçalves (VR-HT-OP-050 A / B), do Howa.

78. VR-HT-MA-053 - Maria de Oliveira e Souza.

“tinha que parar o tear, desfiar aquela parte toda e emendar a linha com muito custo”79. “Era um trabalho medonho emendar aquilo tudo, passar no pente, passar na pua tudo di-reitinho, acertar o pano para poder tecer”, completou Efigênia Sacramento80.

Enquanto a tecelã olhava suas máquinas, o contramestre olhava máquinas e tecelãs. Cabia a Luiz Gordiano, José Florentino, Francisco da Silva, Levindo de Souza, Silvério Marinho, Wal-dir dos Santos, dentre outros contramestres que trabalharam em uma das duas fábricas, verificar a falta de um funcionário do setor, anotar, providenciar um substituto; cobrar a boa produção e o bom comportamento de seus subordinados; consertar os teares. “Quando a máquina dava um defeito”, explicou Luiz Gordiano, “ele tinha que consertar. Todos os teares tinham uma bandeirinha que ficava abaixada. Quando ele estava com defeito, a tece-lã levantava aquela bandeira: o contramestre ia lá para arrumar o tear. Acabava de arrumar, ele entregava para a tecelã de novo ele arrumadinho e ela continuava produzindo. Além disso, ele tinha obrigação de olhar pela turma, pelas tecelãs que estavam trabalhando, para que não faltasse material para elas, para que elas trabalhassem direito”81. “Todo mundo”, disse Levindo de Souza sobre a São José, “tinha que fazer relatório [...] de todas as paradas de máquina, de falta de material. Faltou material, a companhia pagava o achego, porque elas ganhavam por produção. No momento em que a máquina estivesse parada por falta de material, então a tecelã tinha que ganhar aquele teórico do tear, que o tear produzia”82.

79. VR-HT-OP-046 - Maria Cecília Jeremias.

80. VR-HT-OP-031 - Efigênia Sacramento Ferreira.

81. VR-HT-OP-050 A / B - Luiz Gordiano Gonçalves.

82. VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza.

Teares da Companhia Industrial Itaunense – Unidade III. 2006.

Acervo e foto Cristiane Zago.

Tear com suas bandeiras sinalizadoras, da Companhia Industrial Itaunense – Unidade III. 2006. Acervo e foto Cristiane Zago.

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Dependendo do defeito do tear, recorria-se à oficina mecânica da fábrica, onde traba-lhavam, por exemplo, Adão Barbosa e Raimundo Ribeiro; ou se consertava nele mesmo, ajustando um mancal. Muita atenção devia ser dada à lançadeira, que invariavelmente aparece na lembrança de quase todos quando se trata de riscos de acidentes. Como sintetizou Maria Amarante Silva: “As lançadeiras dos teares voavam e costumavam ma-chucar alguém, porque o bico delas era de aço. No momento em que ela passava para lá e para cá, quando a máquina dava um defeito qualquer, ela subia, costumava ir parar longe e atingir outro lá mais longe”83.

Acima de tecelãs, máquinas e contramestres, havia o mestre da tecelagem, como Augusto Amaral, que respondia pelo setor diante do gerente, conhecia o debuxo e sabia por que saíam 220 quilos de tecido quando haviam entrado trezentos quilos de algodão84.

Em Mariana, o milenar processo praticamente se encerrava aqui – o tear parado; o rolo de tecido pronto e sem defeito, algum menor de idade o transportando para a sala de pano; os fardos de americano cru depositados no caminhão ou no vagão que deveria levá-los até o lugar de seu beneficiamento, a São José de Barbacena.

Em Ouro Preto, o processo ainda se desdobrava. Havia o tingimento dos tecidos, com autoclaves, caldeira, balancinha para pesar a tinta: “Se tivesse muita tinta, ficava vermelho demais. Rosa: ficava rosa demais, feio. Então tinha um tanto. [...] Eu tingia pano direto! Agora, o mais complicado para tingir era o marrom [...] porque eram três qualidades de tinta”, explicou Jair Pedro Cota85.

Para Dona Sinhá, a complicação era outra: “[...] a tecelagem xadrez é que tecia ele xadre-zado. Naquele tempo de Senhor Otto, quando entrava um pano novo, ele falava pra gente assim: ‘Vocês é que vão escolher. As senhoras é que vão escolher o nome que vai ter este pano’. Então, de acordo com o tecido que saía, era ‘miudinho’, era ‘caixão de defunto’... ‘Caixão de defunto’ era esse que tecia com mais lançadeiras. O quadro saía deste tamanho [20 centímetros], amarelo, vermelho, preto, certo? [...] O ‘miudinho’ era miudinho mesmo, a gente tecia com cinco lançadeiras, mas eram aquelas listrinhas fininhas, cada uma de uma cor. De noite, minha filha, [...] aquela luz ruim, era um sacrifício passar aquele fio no tear!”86.

83. Acidentes com lançadeiras foram destacados, por exemplo, em: VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza, VR-HT-MA-051 - Terezinha de Jesus Mendonça, VR-HT-MA-045 - Lalia Guilherme Teixeira, VR-HT-MA-040 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo, VR-HT-MA-035 - Juraci de Oliveira, VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula, VR-HT-OP-050 A / B - Luiz Gordiano Gonçalves, VR-HT-OP-049 A / B - Silvério Ventura Marinho, VR-HT-OP-053 - José Luzia Neto, VR-HT-OP-039 - Waldir José dos Santos.

84. Trata-se da avaliação da qualidade do algodão, classificado de acordo com a espessura, comprimento, dureza e maturidade da fibra. “Cansei de mostrar isso para eles: ‘Olha, nós entramos com 300 quilos de algodão e estamos colhendo 250, 220 quilos de tecido’. Porque arrebentava muito e aquilo virava estopa. A gente não perdia a estopa, juntava, empacotava e mandava para Barbacena. Lá pesava e fazia uns saquinhos para vender no comércio.” VR-HT-MA-038 A / B / C - Augusto Amaral.

85. VR-HT-OP-051 - Jair Pedro Cota.

86. VR-HT-OP-032 A / B - Maria Efigenia Bastos dos Santos.

E havia o alvejamento do pano, que o mesmo Jair fazia direto: “O pano cozinhava no vapor. A gente enchia aquela caixa, tipo uma panela de pressão, dali a gente tinha que dar um ba-nho nele, molhar ele e depois fazer o banho para cozinhar ele. Levava umas seis horas para ele cozinhar. Depois soltava aquela água no rio e dava uma água fria nele. Depois a gente puxava ele para o tanque. Eram dois tanques de tijolo, mas muito bem acabadinhos, tinham acabamento. A gente punha ele ali, fazia o alvejamento com o cloro. Enchia ali e deixava tantas horas, não lembro mais quantos minutos, quantas horas. Quando [...] a gente tirava, ele estava branquinho igual a uma folha de caderno!”87.

Só então o tecido chegava à sala de pano da Ouropretana, onde trabalharam Dona Léa e Vicente Juliano, para passar pelos grandes cilindros da calandra, ser medido de acordo com os pedidos do cliente, cortado, embalado, prensado e despachado no caminhão.

87. VR-HT-OP-051 - Jair Pedro Cota.

Interior da Sala de Pano da Companhia Industrial Ouropretana. s.d.

Acervo Ephigênia Antônia de São José Ignácio dos Anjos.

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Como em toda empresa, na Ouropretana e na São José havia regras. Assiduidade e pontu-alidade são, sem sombra de dúvida, as mais recorrentes na lembrança de seus ex-funcioná-rios. Bastava o portão se fechar às costas para verificar a presença no horário – ao tempo de Maria Cecília Jeremias, por meio de chamada; depois, pelo cartão de ponto. Quem fal-tou, faltou, perdeu o dia de trabalho, o dia de salário, a menos que conseguisse se justificar no dia seguinte, de maneira convincente88.

Comprovada a presença, cada um se dirigia para sua seção. Todos vestiam roupa própria, co-mum, decente. “Só não podia trabalhar rasgado nem sujo”, como disse Adão Teixeira Barbosa89.

88. Do ponto de vista do gerente Fernando Araújo, “Desses regulamentos, o que mais se destacava era a falta, porque os faltosos sempre eram os mesmos [...] E as desculpas sempre eram as mesmas: um dia ele matava o pai, outro dia matava a tia, outro dia ele matava a avó. Chegava a um ponto que a família acabava”. VR-HT-MA-040 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo. Segundo Terezinha Castro, “não podia faltar à toa. Se faltasse, tinha que justificar e tudo. Ultimamente, eles pediam atestado quando faltava; falava que estava doente e tinha que consultar e levar atestado. No princípio, não”. VR-HT-MA-047 - Terezinha de Paula Castro.

89. VR-HT-OP-052 - Adão Teixeira Barbosa.

Mesmo aqueles que haviam sucumbido ao “Escorrega Lá Vai Um” davam um jeito: Seu Otto arranjava pano para as meninas se secarem90. Ou, em Mariana, as próprias meninas vestiam uma blusa reserva91, em dias de chuva.

A existência de uniformes na trajetória das duas fábricas é uma exceção, como o macacão e boné dos funcionários do apoio da São José ou como a roupa que por pouco tempo La-lia Guilherme Teixeira usou em Mariana – um traje preto e branco de tal forma semelhante ao bicho que “os homens da Central ficavam gritando: ‘As galinha-d’angola!’”92.

Dependendo da seção e da época, à roupa comum se acrescentavam ou retiravam alguns aparatos. Tecelãs como Maria Sabará usavam lenço na cabeça e tiravam anel ou cordão. “Se acontecesse um acidente, provocado porque você estava com cabelo solto ou porque você abaixou e o cordão pegou em algum lugar, além deles passarem em você um sabão, você ainda ficava suspenso por causa daquilo, porque você provocou aquele acidente”93. E Vicente Juliano de Oliveira lembra ser “muito característico das mulheres usarem uma faquinha no pescoço” para cortar a linha. “Andava armada a mulherada lá!”94.

Ambas as fábricas são do tempo em que não se falava de equipamento de proteção indivi-dual. Nem se falava, nem existia quase, a não ser para eletricistas como José Donato Lessa e Pedro Müller Moutinho, que portavam luvas e cinto para subir em poste. Na seção de Raimundo Francisco Ribeiro, a oficina mecânica da São José, havia torno, esmeril, furadeira, máquina de serrar, forja para fazer, por exemplo, parafusos. Mas “a gente ia esmerilhar e no esmeril [...] não tinha uma proteção para pôr nas vistas, óculos, uma coisa”95. No caso da Ouropretana, os óculos para esmerilhar passaram a fazer parte da indumentária obrigatória na virada da década de 1970, quando leis, Ministério do Trabalho e Comissão Interna de Pre-venção de Acidentes (Cipa) começaram a mostrar alguma eficácia em termos de segurança para o trabalhador. Ainda assim, havia uma “cultura” a ser mudada: “Veio à memória aqui um nosso colega da área de tinturaria, com quem eu tive a maior dificuldade”, lembrou Vicente Juliano. “Para fazer um bom tingimento, a gente tem que ter o controle do pH da água, e usava-se muito produto químico, soda cáustica, muita coisa. Ele tinha a prática de ver o pH com a mão: batia a mão ali e olhava. Aquilo para mudar, menina, foi um sufoco! Tinha uma fitinha no mercado que pegava e mudava de cor, dava o pH. E ele acreditava na fitinha!?”96.

90. VR-HT-OP-042 - Ephigênia Antônia de São José Ignácio dos Anjos. Em Ouro Preto, José Luzia Neto se lembrou de outro expediente: “Tinha pessoa que chegava lá, rapaz, tudo enlameado de barro, barro purinho. [...] Então chegava lá o pessoal todo molhado, às vezes não levava uma roupa, uma coisa. Então tirava a roupa, lavava, punha na caldeira para secar. Enrolava em um pedaço de tecido e trabalhava até a roupa enxugar [...]”. VR-HT-OP-053 - José Luzia Neto.

91. VR-HT-MA-047 - Terezinha de Paula Castro.

92. VR-HT-MA-045 - Lalia Guilherme Teixeira. Também se lembraram do apelido do uniforme: VR-HT-MA-051 - Terezinha de Jesus Mendonça; VR-HT-MA-057 A / B - Inês Brandão Pereira.

93. VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula.

94. VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

95. VR-HT-MA-046 - Raimundo Francisco Ribeiro.

96. VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

Operários da Fiação e Tecelagem São José, diante da fábrica. Sentados: Geraldo Quirino (encarregado), Pio Porto de Menezes (gerente) e José Ribeiro Leite (encarregado geral). Ao fundo, a fachada da fábrica. s.d.

Acervo Amadeu da Silva.

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O uso do protetor auricular ou abafador de ruídos é da mesma época que os óculos. Até então era “só Deus mesmo”97, a tecelagem sendo o lugar mais barulhento, segundo Ilza Dalva Macedo Liberato, ou a fábrica como um todo, para Fernando Araújo: “O barulho de fábrica de tecido é um negócio ensurdecedor, é coisa de 102, 105 decibéis, por aí. Era um negócio violento e ninguém usava nada. E, engraçado, conseguia-se conversar lá dentro. [riso] Nós conversávamos com aquela barulhada toda”98.

É provável que, como gerente, Fernando Araújo se refira a conversas de serviço. Porque “não conversar durante o trabalho” era outra regra comum às duas fábricas, compondo um quadro de restrições a serem observadas pelos funcionários, de forma a não prejudicar a produção. Assim: não conversar99; não namorar100; não mangar, “molengando lá sem querer tocar o serviço”101; “não ficar saindo do trabalho para ir ao banheiro”, que ficava longe102; não fazer bagunça; “não sair da seção para ir para outra [...] a sua na sua, a minha na minha, a de lá na de lá [...] Se eu saísse da minha seção e viesse para cá, queria dizer que ou a máquina estava fazendo coisa errada [...] ou eu estava deixando as máquinas paradas”103.

97. “Bem para o finalzinho da década de 1970, os abafadores. Primeiramente era só Deus mesmo, não é?” VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

98. VR-HT-MA-040 A / B - Fernando Antônio Affonso de Araújo.

99. “Cada qual sabia que não podia conversar porque não dava jeito mesmo. Então, o regulamento era esse, você ficava calada e trabalhando, porque não tinha outra coisa.” VR-HT-MA-053 - Maria de Oliveira e Souza. Ver também: VR-HT-MA-048 - Antônio Gonçalves Carneiro; VR-HT-OP-046 - Maria Cecília Jeremias.

100. “Era bem rigoroso. [...] Se passasse uma lá e você mexesse com ela, estava na rua.” VR-HT-OP-052 - Adão Teixeira Barbosa. “Isso era de jeito nenhum! [...] Bateu o cartão, passou da portaria para fora, não tinha nada a ver mais: podia namorar, podia abraçar, podia beijar e tudo. Mas, lá dentro, não; lá dentro tinha o maior respeito o pessoal. Se o encarregado visse, ah!, advertência na hora, balão. Lá dentro tinha respeito.” VR-HT-OP-051 - Jair Pedro Cota.

101. VR-HT-MA-041 - Alvarina Gomes de Carvalho.

102. VR-HT-MA-054 - Neuza Aires do Nascimento.

103. VR-HT-OP-037 - Neuza Terezinha da Silva Coelho.

O cumprimento da regra era atitude corriqueira nas fábricas, ou porque “o povo era mui-to obediente”104, ou porque “todo mundo precisava do serviço”105, ou pelas duas razões combinadas com a existência de fiscalização e penalidades. Conversar não podia, mas “a necessidade de falar era muita”. Então Maria Cecília e as colegas, girando a cabeça de olho na aproximação do chefe, moviam os lábios umas para as outras, e assim estavam conver-sando no meio do barulho ensurdecedor. Se o chefe visse, “ele dava parte da gente com o patrão”106. Se não visse, a mímica prosseguia.

Sair da seção não podia, mas “[...] quando acabou a [II] Guerra [Mundial], no dia em que os soldados chegaram a Mariana... perto dos filatórios tinha uns caixotes em que punha o algodão para depois recatar o algodão. Então, minha irmã com uma outra amiga minha subiram para ver o trem passar [riso], porque as janelas eram altas. O chefe geral viu e suspendeu, acho, umas sete moças”107.

Fazer bagunça também não podia, mas “uma vez apareceu lá [...] um assobio de futebol. [...] Minha irmã, que era muito séria, mas muito séria mesmo, dessas certinhas, pegou o tal do assobio que estava de mão em mão e fez ‘psh!’, soprou. Ela chamava Maria Auxiliadora. Aí o contramestre veio chegando e mandou ela para casa: suspensão de três dias”108.

A suspensão do serviço – o chamado balão – era uma das formas de penalidade. Podia ou não ser precedida pela advertência verbal e advertência por escrito, e por certo significava não receber os dias parados. “[...] afastava de tudo: do trabalho e [riso] do dinheiro tam-bém!”, lembrou Marta Martins. Seduzida por uma “falsa amiga”, ela não pediu autorização para falhar na Quinta-feira Santa, quando iria se apresentar com o Coral São Pio X, da Pa-róquia de Nossa Senhora da Conceição. Resultado: suspensão, sua única punição em trinta anos de Ouropretana109.

Pior que o balão era quando o descumprimento da norma ameaçava a própria vida do fun-cionário. Formalmente, inexistia a regra “não se distrair” ou “não cochilar” em serviço. Para Efigênia Sacramento, parece que a moça cochilou e pôs a mão em cima de uma bateria grande, de 220 volts. “Aí ela agarrou e não soltava de jeito nenhum. [...] Ficou amarela que nem cera!” Ela teve de ir “para Belo Horizonte trocar o sangue todo, porque o sangue dela cozinhou [...] a coisa foi muita”110.

104. VR-HT-OP-036 - Alda Gualberto Teixeira.

105. VR-HT-MA-053 - Maria de Oliveira e Souza; VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza; VR-HT-OP-038 - Ilza Dalva Macedo Liberato.

106. VR-HT-OP-046 - Maria Cecília Jeremias.

107. VR-HT-MA-035 - Juraci de Oliveira.

108. VR-HT-MA-057 A / B - Inês Brandão Pereira.

109. VR-HT-OP-035 - Marta Virgem Martins.

110. VR-HT-OP-031 - Efigênia Sacramento Ferreira.

Carteira da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, da Companhia

Industrial Itaunense – Unidade III. Década de 1980 (aproximadamente).

Acervo Efigênia Sacramento Ferreira.

Foto equipe Vale Registrar.

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Nesse caso, que não foi fatal, o cochilo ou a distração do funcionário ocorreu em um ambiente e época em que a probabilidade de existir proteção para equipamentos elé-tricos, térmicos e girantes era nula ou quase isso. Assim, de vez em quando, um choque, uma baforada do vapor da caldeira atingindo o peito de alguém111. Um dia, no entanto, o acidente fatal na São José. Não se podia passar a correia na polia com o motor ligado. Eurípedes, sozinho na sala, foi passar, a correia pegou seu braço, levou-o lá para cima, e ele ficou rodando, rodando, até o membro se desprender. “Foi uma coisa horrorosa! Nossa Senhora!” Por isso, completou Raimundo Ribeiro – um dos tantos que lembraram o caso –, quando entrava debaixo de uma máquina para consertar, “eu punha um ferro na engrenagem porque, às vezes, um ia lá, ligava o motor e como é que eu ficava? Aí eu: ‘Quebra a engrenagem, mas não me quebra o braço’”112.

ForçA

Um tomatinho – essa é a imagem mais constante na lembrança de funcionários da Ouro-pretana e da São José que trabalharam nas fábricas em tempos anteriores à instalação da Cemig nos dois municípios, nos anos 60.

Dentro de casa, a luz era um tomatinho. Às vezes, brincou Amadeu Silva, precisava acender uma vela para ver se a luz estava acesa113. Para escutar “Jerônimo, o herói do sertão”, Dona Sinhá “colocava o ouvido dentro do rádio [...] porque a luz não dava, certo?”114. Fora de casa, se Vicente Juliano e seus amigos de infância quisessem se esconder dos pais, “era só ficar entre dois postes, porque ela parecia dois tomatinhos lá em cima. Não iluminava nada”115.

A luz era (ou veio a ser) um tomatinho porque se instalou um desequilíbrio: a produção de energia, até então a cargo, principalmente, das fábricas de tecidos e em grande parte a elas destinada, não foi capaz de suprir a demanda crescente de cidades em expansão – mais gente, mais casas, lâmpadas, chuveiro, ruas, comércio, um rádio, uma geladeira, o ferro de passar roupa.

Resolver o desequilíbrio e garantir boa e constante energia para as próprias fábricas exi-giam delas investimentos pesados no setor elétrico. Ações nesse sentido foram até ensaia-das, como se viu na Ouropretana sob a superintendência de Theódulo Pereira. Mas não se mostraram suficientes para alterar “o estado primário dos sistemas elétricos mineiros”,

111. A baforada no peito foi um exemplo citado por Fernando Antônio Affonso de Araújo - VR-HT-MA-040 A / B. Com Jair Cota, que trabalhou na tinturaria, ocorreu mais que uma baforada: “[...] o cilindro estourou em mim, queimou aqui assim, queimou rosto, pele, fiquei internado sete dias [...].” VR-HT-OP-051 - Jair Pedro Cota.

112. VR-HT-MA-046 - Raimundo Francisco Ribeiro.

113. VR-HT-MA-036 - Amadeu da Silva.

114. VR-HT-OP-032 A / B - Maria Efigenia Bastos dos Santos.

115. VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

como disse Lucas Lopes, o primeiro presidente da Cemig, o tecnocrata escolhido pelo

então governador de Minas Gerais Juscelino Kubitscheck para traçar e executar políticas

que solucionassem um dos pontos de estrangulamento da economia mineira, a energia116.

Ou seja, a energia se tornou um problema não apenas para Mariana e Ouro Preto; tal

como existia nos anos 50, era um entrave ao desenvolvimento de Minas – suas cidades e

indústrias –, que só foi removido por meio da ação estatal.

Bem antes dessa ação, “a maioria das indústrias, que se instalaram no Estado, era obriga-

da a fazer o esforço de montagem de sistemas elétricos próprios”117. No caso de Ouro

Preto, como foi dito, a produção de tecidos e de energia esteve nas mãos de uma mesma

sociedade anônima – formada, em momentos diferentes, pela Companhia Industrial de

Ouro Preto, sediada no Rio de Janeiro, pela Santos, Irmão Rezende & Companhia e pela

Companhia Industrial Ouropretana –, com um breve interregno em que tecidos e força

estiveram separados – a cargo, respectivamente, da Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy

e da Companhia Luz Eléctrica Ouropretana.

Em Mariana, fábrica e energia estiveram bem próximas, mas com nome, sede, objeto e

CNPJ diferentes. Em 1927, o jornal A Matraca, tão distante da ideia de tomatinho, assim

exaltava o nascimento da Companhia Força e Luz Marianense:

É estupendo, pasmoso o modo como todos tem amparado a ideia do illustre Conego

Cotta, que arrostando, destemeroso, com descrenças e pessimismos, aqui reinantes

ha longos annos, pretende superar um dos maiores obstaculos ao progresso da nos-

sa terra, com o organizar uma sociedade anonyma que tem por objecto – força e luz.

Servida de força e luz, alcança a cidade o de que ha muito necessita para seu real

desenvolvimento e felicidade de seu povo.

Já não ha mais lugar para duvidas. A sessão preliminar demonstrou, á saciedade, que

a ideia do Revmo. Conego Cotta triumphou.

[...] Mau grado as acções subscriptas, tantas a attingir a somma citada [300 contos],

todavia não nos libertamos ainda do grupo dos pessimistas parvos que reputam

impossivel a fundação definitiva da sociedade.

Dizem ser facil subscrever acções, mas ás chamadas muitos fogem.

Que engano! [...]

116. DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira. Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1981; SIMÕES, Josanne Guerra. Sirênico canto; Juscelino Kubitscheck e a construção de uma imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

117. DINIZ, Clélio Campolina. Op. cit. p. 116.

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[...] Marianna, tida como safara e semi-morta, poude mostrar o de quanto ainda é ca-

paz, por se lhe ter deparado a ella esse Cultor, impenitente e fervoroso, que, ao lado

do coração grande do Dr. Augusto Freire, chamou, em boa hora, seus conterraneos

a essa obra ingente, a bem do berço commum118.

Constituída formalmente em julho de 1927, a empresa foi vista como marca do progresso

“para o municipio que se verá habilitado a movimentar as suas possibilidades productoras”119.

À frente dela, duas “figuras masculas”, “dous principaes paladinos”: cônego José Cotta e

Augusto Freire de Andrade120. Contra ela, “esses scepticos”121. A favor dela, no mínimo 188

subscritores das ações (Ver Anexo III).

No momento de sua constituição, a Companhia Força e Luz Marianense (CFLM) tinha já

garantido o privilégio de 25 anos para a produção e fornecimento de energia pública e

particular, a isenção de todos os impostos, taxas e contribuições municipais pelo prazo de

dez anos, e os terrenos necessários à construção da usina, colocação de postes, passagem

de fios e cabos122.

Para tudo começar a funcionar, no entanto, foi preciso mais de uma prorrogação de pra-

zos123. Provavelmente em 1929, a primeira lâmpada da CFLM acendeu em Mariana: vinda

da usina hidroelétrica de Furquim, distrito a cerca de 35 quilômetros da sede do município,

a energia chegou à distribuidora e daí atingiu as ruas.

Mal o serviço foi inaugurado e já se aprovava o aumento de 20% no preço da luz particular. Na

mesma reunião em que isso ficou decidido, dezembro de 1929, cônego Cotta “pediu a assem-

bleia authorização a Directoria no sentido de firmar esta quaesquer documentos com a firma

commercial Siemens Schuckert S.A. relativamente à divida da Cia. Força e Luz Mariannense

118. FORÇA e Luz. A Matraca, Marianna, 23 fev. 1927. [p.2]. Antes da fundação da Companhia Força e Luz Marianense e desde 1910, o serviço de iluminação pública e particular na cidade esteve a cargo da empresa The Ouro Preto Gold Mines of Brasil Limited, de Passagem de Mariana.

119. COMPANHIA “Força e Luz Mariannense”. O Germinal, Marianna, 31 maio 1928. p. 1.

120. COMENTARIOS. O Germinal, Marianna, 10 nov. 1928. p. 1.

121. FORÇA e Luz. A Matraca, Marianna, 23 fev. 1927. [p. 2].

122. AHCMM. Acta da 1ª sessão ordinaria da Camara Municipal de Marianna; 12 jan. 1927. In: Livro de actas das sessões da Camara Municipal de Marianna; 1915-1929. cód. 334. f. 109-110. Cd 046, imagem 118; AHCMM. Resolução 184A de 12 de janeiro de 1927. In: Livro para registro de resoluções e leis; 1917-1930. cód. 061. f. 119-119v. Cd 005, imagens 122-123.

123. A esse respeito, ver, por exemplo: AHCMM. Acta de 2ª sessão ordinaria da Camara Municipal de Marianna; 06 jun. 1927. In: Livro de actas das sessões da Camara Municipal de Marianna; 1915-1929. cód. 334. f. 119. Cd 046, imagem 127; AHCMM. Acta da 2ª sessão ordinaria annual da Camara Municipal de Marianna; 05 jun. 1928. In: Livro de actas das sessões da Camara Municipal de Marianna; 1915-1929. cód. 334. f. 131v-132. Cd 046, imagem 140; AHCMM. Acta da 3ª sessão ordinaria annual da Camara Municipal de Marianna; 30 set. 1928. In: Livro de actas das sessões da Camara Municipal de Marianna; 1915-1929. cód. 334. f. 137-138. Cd 046, imagens 145, 146; COMENTARIOS. O Germinal, Marianna, 10 nov. 1928. p. 1.

com aquella firma”124. Assim, os maquinismos necessários à “possante” usina de Furquim – “os mais perfeitos e mais modernos existentes”125 – custaram à CFLM nascer já endividada.

Essa situação não se alterou nos anos seguintes. Como se viu anteriormente, em outubro de 1933 Oscar Magalhães Ferreira, Gercino Barbosa da Silva e Emygdio Berutto solicitaram terrenos à Prefeitura de Mariana para a instalação de uma fábrica de tecidos. No mesmo dia, firmaram um contrato com a CFLM126, em que eles eram “os consumidores” e ela, “a fornecedora”. Com esse contrato, que foi incorporado àquele que criou a Fiação e Tecela-gem São José Limitada, a força e a luz necessárias ao funcionamento da indústria estavam garantidas pelo prazo de dez anos, de maneira “permanente e ininterrupta, em todos os dias do anno, entre cinco e vinte e quatro horas”127.

O contrato também afirmava que

Si a Cia. Força e Luz Mariannense, a fornecedora, não puder resgatar no vencimento

a divida hypothecaria a que se acham vinculados a sua usina electrica e demais bens

que a compõe, o resgate da mencionada divida desde que o credor hypothecario

não concorde em prorrogar o seu vencimento, poderá ser feito pelos contractantes

comsumidores ou seus successores, operando-se em favor de qualquer destes [...] a

competente subrogação, nos direitos do credor satisfeito128.

Não foi possível saber que fim levou dívida, resgate, vencimento. Sabe-se que, em pouco tempo, acionistas e/ou dirigentes da São José tornaram-se diretores da CFLM, como José Edwards Ribeiro (diretor-gerente), Emygdio Berutto (diretor-tesoureiro), Gercino Barbosa da Silva (membro do conselho fiscal) 129.

124. JUCEMG. Ata da Assembleia Ordinaria dos acionistas da Companhia Força e Luz Mariannense, realizada em 31 de dezembro de 1929. Arquivamento 12.709. s.p.

125. Como informava O Germinal: “A inauguração das possantes uzinas de Furquim marcará uma nova era de progresso para o municipio [...]. Resta saber si as instalações das usinas estarão nas condições de prestar um serviço perfeito e que consulte ás necessidades e aos interesses da cidade. Não temos, entretanto, o direito de pôr em duvida a pericia e honestidade da Companhia contractante das obras, porque ninguém desconhece que a Cia. Siemens é uma Empresa que tem seu nome feito e a sua honorabilidade garantida em inumeros trabalhos de tal natureza e de muito maiores vultos, accrescendo a circunstancia de ser o conselho fiscal da C.F.L.M. constituido de profissionais idoneos e de pessoas de indiscutivel conceito, Conselho que reconhece que os machinismos empregados nas nossas instalações são os mais perfeitos e mais modernos existentes.” COMPANHIA “Força e Luz Mariannense”. O Germinal, Marianna, 31 maio 1928. p. 1.

126. MINAS GERAIS. MARIANA. CARTÓRIO DE REGISTRO DE TÍTULOS, DOCUMENTOS E CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE MARIANA. Contrato número 131; 14 out. 1933. s.p.

127. Idem.

128. Idem.

129. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Companhia Força e Luz Marianense, S/A, realizada aos 21 dias do mês de Março de 1942. Arquivamento 21.313. s.p. Até 1950, José Edwards Ribeiro, Emygdio Berutto e Gercino Barbosa da Silva permanecem nos cargos.

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Em 1949, era comunicado em reunião que a CFLM “receberá brevemente as máquinas en-

comendadas por intermédio da São José, para ampliação da Uzina em Furquim e que, para

seu pagamento, terá de despender elevada importância que a Cia. Força e Luz Marianense

não dispõe para a operação, sendo que a São José, por autorização da Assembleia, provi-

denciará os pagamentos a débito da Cia. Força e Luz Marianense, em forma de empréstimo,

a juros de 8% anuais, recíprocos”130.

De fato, a usina foi inaugurada em dezembro de 1952. Agora havia a usina velha e a usina

nova de Furquim. À frente dos trabalhos de construção, o gerente Pio Porto de Menezes, que,

recordando-se do “serviço extraordinário prestado pelo pessoal do escritório durante a em-

preitada”, propôs uma licença especial ou gratificação extraordinária para Arlindo Godoy131.

Com essas obras e talvez outras mais, “o débito real da Força e Luz Marianense à Fiação e

Tecelagem São José [era] de Cr$ 2.898.922,10”132, num ano (1952) próximo àquele (1955)

em que o capital empregado em toda a indústria manufatureira e fabril de Mariana era de

pouco mais de três milhões, como se viu anteriormente.

Em nenhum momento a fábrica se fundiu à CFLM, nem mesmo quando se disse que “mais

de nove décimos da totalidade das ações desta Companhia pertencem à Fiação e Tecela-

gem São José, que tem sido a financiadora desta Companhia e com a qual está intimamente

ligada pelo fornecimento de energia que faz àquela empreza [...]”133. De origem diferente, as

sociedades se tornaram irmãs, no dizer de Antônio dos Reis Jacinto.

Os investimentos no setor elétrico feitos pela São José e pela Ouropretana nos anos 50 se

mostraram insuficientes. A promessa de desenvolvimento e progresso, acalentada no início

do século XX, virou um tomatinho nos anos 60. Em Mariana, precisamente em 1965, nem

130. JUCEMG. Ata da reunião ordinária, anual, da Fiação e Tecelagem São José, Ltda. Arquivamento 37.327. s.p.

131. Ildefonso Mascarenhas da Silva, “louvando os bons serviços prestados pelo Dr. Pio Porto de Menezes na construção da Nova Uzina, que foi inaugurada solenemente em 21 de dezembro de 1952, propôs que lhe fosse concedida a gratificação de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros).” Cf.: JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Companhia Força e Luz Marianense, S/A, realizada em 19 de abril de 1953. Arquivamento 61.442. s.p.

132. JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Companhia Força e Luz Marianense, S/A, realizada em 19 de abril de 1953. Arquivamento 61.442. s.p.

133. José Edwards Ribeiro “explica que mais de nove décimos da totalidade das ações desta Companhia pertencem à Fiação e Tecelagem São José, que tem sido a financiadora desta Companhia e com a qual está intimamente ligada pelo fornecimento de energia que faz àquela empreza, motivo porque pensa que ambas devem ter a mesma diretoria ou, pelo menos, o mesmo diretor-presidente, razão porque não deseja ser reeleito e propõe que, na renovação da diretoria a ser feita nesta Assembleia, seja eleito diretor-presidente o atual diretor-presidente da Fiação e Tecelagem São José. Dr. Pio Porto de Menezes declara ser da mesma opinião, informando que não poderá aceitar sua reeleição para o novo biênio.” Assim sendo, a Assembleia elege Ary Ferreira (diretor-presidente) e Aristides Magalhães Ferreira e José Custódio Carvalho Drumond (diretores). Cf.: JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Ordinária da Companhia Força e Luz Marianense, S/A, realizada em 19 de abril de 1953. Arquivamento 61.442. s.p.

tomatinho: “Mariana passou o Natal deste ano completamente no escuro e suas indústrias

estão paradas, porque a concessionária de serviço de fôrça e luz não tem capacidade de atender à demanda da cidade, trazendo prejuízo aos seus moradores”134.

pAusA

Depois de horas de serviço, havia uma pausa para a refeição, 30 minutos, 40, 60; quase nunca e para quase ninguém, duas horas.

Nesse momento, o apetrecho característico era a marmita. A turma da produção, vale dizer, a maioria dos funcionários, ficava responsável por providenciar seu almoço ou jantar – aquele para quem pegava o serviço às 5 horas; esse para a jornada que começava às 14. Como era comum a troca de turno, em uma semana Maria Amarante Silva, a exemplo de tantos outros trabalhadores, almoçava na Ouropretana, e na outra semana jantava; o mes-mo ocorria com Maria Oliveira e Souza na São José.

Nas duas fábricas, o próprio funcionário levava sua marmita ou pedia a alguém – uma vizi-nha, a mãe, o irmão – para fazê-lo. Havia quem ganhasse um trocado com esse transporte. Com oito anos, portanto bem antes de se empregar na fábrica, José Luzia Neto já penava no morro do Quiabo com oito a dez marmitas135; Vicente Juliano foi “menino formiguinha” em 1969136; e Francisco de Assis, depois de descarregar na São José, ainda ia para Passagem fazer entrega para os mineiros da Companhia Minas da Passagem137.

Por mais tempo na Ouropretana, por menos tempo na São José, no horário de almoço ou jantar os trabalhadores pegavam as marmitas e tratavam de arrumar um canto para fazer a refeição – no pátio, na frente, encostado à parede, próximo à escada, onde desse, onde houvesse uma sombra ou abrigo da chuva.

No caso de Mariana, como foi dito, a gerência de Pio Porto de Menezes arrumou um cô-modo, “atrás do escritório, entre o escritório e o almoxarifado. Era um galpão que existia lá, uma área em que foi colocada uma mesa grande e uns bancos. Ali o pessoal revezava na alimentação”, recorda-se Geraldo Pedro Coêlho138.

No caso da Ouropretana, já no final dos anos 70 houve um refeitório e, com sua incorpo-ração pela Itaunense, um restaurante do tipo self-service. Se o funcionário quisesse desfrutar

134. MARIANA sem luz no Natal. Diário de Minas, Belo Horizonte, 29 dez. 1965. p. 9.

135. VR-HT-OP-053 - José Luzia Neto.

136. VR-HT-OP-043 - Vicente Juliano de Oliveira.

137. VR-HV-MA-002 A / B - Francisco de Assis Moreira. Francisco de Assis Moreira é músico e alfaiate em Mariana. Também trabalhou, por um período, na Fiação e Tecelagem São José.

138. VR-HT-MA-056 - Geraldo Pedro Coêlho.

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desse serviço, ele pagava uma porcentagem e a empresa, outra; se não quisesse, era só levar a marmita, esquentar e pronto.

Feita a refeição, se desse tempo as pessoas descansavam, conversavam, saíam para tomar um ar, davam uma volta na frente da fábrica, compravam pão de batata do menino cuja mãe tratou da família com esse recurso139.

Havia um lugar muito aprazível a Adão Teixeira Barbosa. No período em que trabalhou na Ouropretana, de 1954 a 1962, ele não frequentou nem refeitório nem restaurante; carrega-va marmita e se acomodava em um canto. Como membro da seção de apoio, a oficina me-cânica, seu horário era um pouco diferente: das 7 às 16, com uma hora de almoço. Assim, podia passear na linha do trem diante da fábrica, em direção a um dos dois túneis próximos a ela. Na entrada dele, havia uma nascente, “uma água maravilhosa”, “o local que todo fun-cionário da fábrica gostava de ir”140 – a chamada água da Rainha, como disse Dona Sinhá.

Nesse mesmo trecho, se fosse época de Carnaval, umas senhoras tecelãs até se esqueciam do horário de entrar depois do almoço “e se enfeitavam com aqueles retalhinhos. Tinha uns retalhinhos que a gente ganhava para fazer espanador, para espanar as máquinas. Elas pegavam aqueles retalhinhos, faziam sainhas [...] amarravam na cabeça e se enfeitavam bem e saíam na frente da fábrica [...] Ah, naquele trecho ali, elas faziam um carnaval! [...] Uma vez, quase que o porteiro fecha o portão porque o pessoal não entrava! Foi a maior farra!”141 – relata Marta Martins, que não participou do cordão.

Terminada a refeição, retornava-se ao trabalho. Depois de seis dias de serviço, uma pausa para a folga semanal. Aos domingos as máquinas não funcionavam. Por razões diferentes, Maria Cecília e Antônio Gonçalves Carneiro gostavam muito já do sábado: ela, porque nesse dia trabalhava uma hora a menos; ele, “porque o dia seguinte era para descansar”142.

Para o tempo, lugar e pessoas de que aqui se trata, a folga semanal era, primeiramente, o momento do não trabalho na fábrica, podendo se combinar com algumas formas de diver-são e dever. Domingo era o dia de fazer as coisas que não foram feitas, ou devidamente feitas, durante a semana: arrumar casa, lavar roupa, passar com ferro a brasa – “Ai, que horror!”143 –, arear vasilha empretecida pelo fogão a lenha, catar a própria lenha, adiantar o feijão da semana, ajudar uma irmã nos estudos, fazer bainha, consertar qualquer coisa em

139. “Tinha esse carrinho dos meninos que vendiam doce para nós, no portão. [...] Tinha um cuja mãe fazia até pãozinho de batata. Hoje ele é casado, já tem filha formada. Outro dia, ele ainda se lembrou de mim, falou assim comigo: ‘A senhora lembra, dona Eva, quando eu vendia pãozinho de batata para a senhora lá no portão da fábrica?” – A gente comprava para merenda. – ‘[...] Chegava com o dinheiro em casa, mamãe ia na venda comprar mantimento para tratar de nós. Era muito irmão e papai não tinha cabeça, era só beber.’ Nós comprávamos na mão dele pãozinho e docinho.” VR-HT-MA-049 - Eva Lemos Paiva.

140. VR-HT-OP-052 - Adão Teixeira Barbosa.

141. VR-HT-OP-035 - Marta Virgem Martins.

142. VR-HT-OP-046 - Maria Cecília Jeremias; VR-HT-MA-048 - Antônio Gonçalves Carneiro.

143. VR-HT-MA-052 - Eni Esmeralda do Nascimento da Cruz.

casa, construir gaiola de passarinho, cuidar de pai e mãe144. Em alguns casos, era o dia em que se podia ganhar um extra, fazendo biscates ou fornecendo pensão145.

Afora isso, havia o costume de visitar um parente ou um amigo. E a missa como um dever – “A gente não suportava pensar em não ter primeiro ido à missa”146 –, ou nem tanto assim: “Coitadinho! Pobre vai à missa!”147.

Durante o dia, era possível jogar sinuca, jogo de malha ou futebol. As duas fábricas possuíam, no interior de seus muros, uma área chamada de pátio ou gramado, ou simplesmente ter-reno, e era aí mesmo que se costumava jogar bola, com escrete composto pelos próprios funcionários. Em Mariana, o time tinha até nome, Primeiro de Maio, e treinador, o encar-regado geral José Ribeiro Leite, vulgo Zé Ratinho, “baixinhozinho, boné de couro”148.

144. Sobre essas atividades, ver, por exemplo: VR-HT-MA-049 - Eva Lemos Paiva; VR-HT-MA-052 - Eni Esmeralda do Nasci-mento da Cruz; VR-HT-MA-044 - José Lacerda Filho; VR-HT-OP-031 - Efigênia Sacramento Ferreira; VR-HT-OP-045 - Edite Augusta Guimarães Almeida; VR-HT-OP-035 - Marta Virgem Martins; VR-HT-OP-032 A / B - Maria Efigenia Bastos dos Santos.

145. “Olha, a gente lutava com muita dificuldade. A gente ainda dava tipo pensão de comida. Então a gente trabalhava muito domingo! A minha mãe ficou viúva com 35 anos e sete filhos. Não era brincadeira! A gente tinha que trabalhar!” VR-HT-MA-054 - Neuza Aires do Nascimento.

146. VR-HT-MA-057 A / B - Inês Brandão Pereira.

147. VR-HT-MA-042 - Francisco Pedro da Silva.

148. VR-HT-MA-036 - Amadeu da Silva. Ver também: VR-HT-MA-050 - Antônio dos Reis Jacinto; VR-HT-MA-056 - Geraldo Pedro Côelho.

O time de futebol Primeiro de Maio no campo do Guarany Futebol Clube, em 1953. Acervo Amadeu da Silva.

Jogo de futebol realizado no Dia do Trabalhador para confraternização entre membros do

Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem de Ouro Preto

De uniforme azul, Calimério Simão Rosa, último gerente da Companhia Industrial Itaunense – Unidade III.

Década de 1990 (aproximadamente). Acervo José Florentino de Castro.

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Além de jogos, havia caminhadas pelos morros de Ouro Preto, como Luiz Gordiano costuma-va fazer, ou por bairros repletos de frutas em uma Mariana bem menos povoada, como gos-tava Amadeu da Silva. Terezinha de Paula Castro preferia ir com as amigas tomar sol de maiô, em um córrego na saída da cidade; e Eni da Cruz não perdia o trem do meio-dia, que chegava trazendo o jornal, para ler a parte feminina “que contava essas coisas do Rio de Janeiro”149.

À tarde, às vezes Maria Sabará promovia domingueiras – “a gente punha um disco para tocar em casa e dançava em casa mesmo, juntava as colegas”150; às vezes Pedro Moutinho assistia ao seriado de faroeste no cinema, para depois fazer o footing na rua São José, em Ouro Preto. Em Mariana, a paquera acontecia na praça Gomes Freire, mais conhecida como Jardim, com hora marcada. E o namoro em casa tinha ordem da mãe: “Só namorar até 9 horas. [riso] Às 9 horas, ela arranjava uma soneira que o moço já sabia que tinha que ir embora, não é?”151.

149. VR-HT-MA-052 - Eni Esmeralda do Nascimento da Cruz.

150. VR-HT-OP-040 A / B - Maria da Conceição de Paula.

151. VR-HT-MA-057 A / B - Inês Brandão Pereira.

Isso só não acontecia aos domingos quando, por alguma requisição extra, o funcionário era convocado para fazer “espanação do teto da fábrica 152; ou simplesmente porque havia decidido ficar em casa, almoçar, jantar, para no dia seguinte começar tudo de novo.

Depois de horas e dias, depois de um ano de serviço, uma pausa para festas – a Páscoa celebrada por Dom Barroso na Ouropretana, o churrasco promovido por ela no 1º de Maio, a banda União 15 de Novembro animando as comemorações na São José. E uma pausa para as férias – teoricamente, pelo menos.

Augusto Amaral trabalhou 11 anos sem tirar férias; Luiz Gordiano e Levindo de Souza, dez; Maria Sabará, 18; Efigênia Sacramento e Maria de Oliveira e Souza, nove. Havia, por certo, a lei de férias, mas havia igualmente uma margem de manobra elástica o bastante para permitir adequações convenientes e necessárias.

152. “Às vezes, tinha domingo que nós tínhamos que fazer espanação. Fábrica sobe muita poeira, muito pó; se você não fizer a espanação... Então, todo domingo você tinha que fazer a espanação: espanar o teto da fábrica todinho. A gente, às vezes, não costumava nem ter quase folga nenhuma.” VR-HT-MA-043 - Levindo Gregório de Souza.

Família passeia na Estação Ferroviária de Mariana. 1949. Acervo Stela Gomes Chaves.

Missa de Páscoa na Companhia Industrial Ouropretana, celebrada em 1976.

Acervo Efigênia Sacramento Ferreira.

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Os funcionários que trabalhavam nas férias recebiam por isso. O “corpo ficava cansadinho”153,

como disse José Lacerda, mas era um dinheiro a mais com o qual se podia contar para

despesas corriqueiras, para trazer pai e mãe do distrito e construir-lhes uma casa154, para

adquirir algo extra, como uma roupa, um cobertor para os meninos155. Do ponto de vista

da empresa, ela não precisava se preocupar com quem iria cobrir o trabalhador de férias.

Enquanto a margem de manobra existiu, assim foi feito.

Outros funcionários gozavam férias de 10, 15, 20 dias. O eletricista Pedro Moutinho fazia

então biscates156; Geraldo Coêlho aproveitava para colocar os estudos em dia157; Jair Pe-

dro Cota cuidava das vacas no sítio158; Waldir Santos ficava em casa mesmo, já que suas

férias não coincidiam com as dos filhos159; e Terezinha Castro “queria sair, queria cuidar

das minhas roupas, comprar mais tecidos para parecer com a Terezinha Morango, já que

eles tinham me dado [esse] nome. [...] Eu comprava pano, levava para minha costureira

fazer. Eu tirava as minhas férias e no mês seguinte era um aperto feio, mas a gente dava

a volta por cima”160.

Na volta, depois de muito fiar, Terezinha continuava a molhar as mãos, a tirar o algodão

que agarrava na roupa, “para sair bonitinha lá fora, penteando o cabelo”161. E Maria

Cecília, depois de muito tecer, cheia de algodão na cabeça, voltava velha para casa, com

15 anos162, pouco antes de uma lágrima ser derramada por Victorino Dias163.

153. VR-HT-MA-044 - José Lacerda Filho.

154. VR-HT-MA-053 - Maria de Oliveira e Souza.

155. VR-HT-OP-031 - Efigênia Sacramento Ferreira.

156. VR-HT-OP-047 - Pedro Müller Moutinho.

157. VR-HT-MA-056 - Geraldo Pedro Coêlho.

158. VR-HT-OP-051 - Jair Pedro Cota.

159. VR-HT-OP-039 - Waldir José dos Santos.

160. VR-HT-MA-047 - Terezinha de Paula Castro.

161. Idem.

162. VR-HT-OP-046 - Maria Cecília Jeremias.

163. AIMFCII. Ata de 30 de março de 1931. In: Livro de actas das Assembleas Geraes da Fabrica de Fiação e Tecidos Itacolomy Sociedade Anonyma; 12 maio 1912-30 maio 1941. f. 28v.

Livro de pagamentos dos operários da Fábrica de Tecidos Itacolomy, em 1922. Acervo Massa Falida da Companhia Industrial Itaunense.

Foto equipe Vale Registrar.

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trabalhadores

AlvArInA gomes de cArvAlho

“Eu já vi dois acidentes: esse e o outro, que

também a correia levou ele lá em cima,

caiu cá embaixo. Até eles falam que aqui

é assombrado. [...] Eles falam aí que essa

fábrica é assombrada. A minha sobrinha

morou onde era a gerência, onde era o

escritório. Ela morou muito tempo ali. Eu

nem sei por que ela foi morar ali. Ela disse

que escutava barulho a noite inteirinha.

[...] Uai, a minha sobrinha falou que morou

lá e que escutou muito barulho. Deve ser

o homem que caiu lá de cima. Coitado!

Deus o tenha em bom lugar lá, ó!”

Código da entrevista: VR-HT-MA-041

Data da entrevista: 10/03/2009

entrevIstAdos

mArIAnA

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AmAdeu dA sIlvA

“Eu era subordinado ao Olímpio Lázaro

da Silva, que era encarregado da Fiação

na época. O encarregado geral chamava-

se Geraldo Quirino. Mas tinha outro

acima dele que se chamava José Ribeiro,

Zé Ribeiro, apelido Zé Ratinho. Homem

bravo, lá dos lados de Sete Lagoas.

Homem bravo! Eles corriam até do boné

dele! Se ele deixasse o boné em cima da

mesa e a pessoa, de longe, visse o boné

em cima da mesa, tinha medo! O homem

era bravo e gaguejava ainda [...]. Ele ia

chamar a atenção da pessoa, ele gaguejava

[...]. Homem bravo, bravo mesmo!”

Código da entrevista: VR-HT-MA-036

Data da entrevista: 28/10/2008

AntônIo dos reIs JAcInto

“O que era o fio aqui? [...] Fio de cobre.

Hoje é alumínio. Então partia muito fio

na estrada daqui a Furquim. Arrebentava.

Sabe por que arrebentava? [...] Com o

frio, ele encolhia; quando vinha o calor, ele

espichava. Ao espichar, ele arrebentava,

aí acabava a luz. [...] Pegava aquele rolo

de fio [...] punha no caminhão [...] Não

tinha estrada também. Estrada de burro,

de cavalo, de boi, por aí. Com a enxada,

o cara cavando. O caminhão passava

por onde o fio estivesse arrebentado, ali

encontrava, para emendar o fio.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-050

Data da entrevista: 08/06/2010

AntônIo gonçAlves cArneIro

“Almoxarifado era um serviço delicado,

árduo e responsável, porque eu era a

pessoa que tinha que dar conta de todo

o material necessário ao consumo da

Fiação e da Tecelagem. Não podia faltar.

Ali tinha o fichário e o estoque nas pra-

teleiras adequadas. Eu ia acompanhando:

quando ia diminuindo, eu fazia o pedido

para sempre renovar o estoque. Assim fui

levando, levando, até adquirir a prática ou

a familiarização necessária com as coisas,

não é? E me saí bem!”

Código da entrevista: VR-HT-MA-048

Data da entrevista: 11/05/2010

Augusto AmArAl

“No dia em que eu dei sinal na sirene,

chamando todo mundo para uma área

maior, todo mundo foi querendo saber

o que era. [...] Aí eu falei: ‘Infelizmente, o

doutor Aristides está aí e está chamando

todo mundo lá na frente do escritório’.

[...] Doutor Aristides, um homem de uns

45 anos, por aí... [...] Era uma pessoa bo-

níssima. Antes nós tínhamos falado pelo

telefone. Ele falou: ‘[...] O que eu vou fa-

zer em Mariana eu vou fazer metade em

Barbacena. Vou dispensar gente lá para

colocar os que quiserem ir daqui’. E fez

a proposta.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-038 A / B / C

Data da entrevista: 27/01/2009

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enI esmerAldA do nAscImento dA cruZ

“E quando tinha que chamar no escritó-

rio, que a gente sabia que ia mandar em-

bora? [...] Saber que a pessoa está sendo

chamada no escritório para ser mandada

embora é doído, viu? É doído! Ainda mais

que aqui não tinha outro meio de vida

[...] Às vezes não dava produção direi-

to, às vezes faltava mais durante o mês.

Você sabe, todo setor tem isso, qual-

quer empresa tem aqueles que não são

tão entregues à profissão, que trabalham

mas não estão tão ligados naquilo, não é?

Então era bem doído saber.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-052

Data da entrevista: 10/08/2010

evA lemos pAIvA

“Ali eles partiam para a gente um pão, e

aquele canecão cheio de leite, leite com

cálcio e açúcar queimado, sabe? Gostoso

mesmo! Eu não aguentava beber tudo.

Eu punha no vidro, levava para casa um

bocado, deixava só um golinho para tomar.

A gente não bebia porque o canecão era

deste tamanho. Na semana da noite, eu já

levava direto, tomava lá em casa. A gente

recebia quentinho; a gente ia acabando

de marcar o cartão, já tinha o porteiro

despachando. Eu levava para casa, fazia

broa com ele, ficava gostosa a broa!”

Código da entrevista: VR-HT-MA-049

Data da entrevista: 11/05/2010

FernAndo AntônIo AFFonso de ArAÚJo

“Vou usar um termo meio bravo, mas é

esse que cabe. Quando você chegava a

roubar um funcionário de uma empresa

era porque ele era muito especializado,

muito bem treinado para funções

específicas: pegar um cara bem treinado

para trazer para cá para ser instrutor,

por exemplo. [...] Para fazer um instrutor

você leva 15 anos, vinte anos, se não tiver

aula. Naquela época não tinha, quer dizer,

o cara era autodidata naquela atividade.

Então ele tinha que ter certa tendência

para aquilo, ele tinha que gostar daquilo,

ele tinha que ter facilidade para fazer

aquilo. Aí a gente roubava.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-040 A / B

Data da entrevista: 17/02/2009

FrAncIsco pedro dA sIlvA

“Eu entrei lá como auxiliar de eletricista:

media luz, entregava conta de luz para o

povo de Mariana e atendia o pessoal. [...]

As casas tinham um fusível e, às vezes,

a gente ia lá para trocar esse fusível.

[...] E outra coisa: não existia telefone

também. Telefone era o da fábrica para a

Companhia Força e Luz e da Companhia

Força e Luz para o gerente da fábrica, para

o gerente da companhia, lá na rua Direita.

Só tinha esse telefone, não tinha mais

telefone. Depois vieram os telefones.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-042

Data da entrevista: 30/06/2009

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gerAldo pedro coÊlho

“Nós tínhamos alguns cursos de reci-

clagem na área. Quando ia subindo de

função, a gente sempre ia para o escri-

tório central em Belo Horizonte, bem

na Afonso Pena, edifício Acaiaca. A gente

ficava uma semana ali com a parte admi-

nistrativa, aprendendo o serviço [...].

Em vez de fazer em Belo Horizonte, ia

daqui prontinho para Belo Horizonte.

Nós fazíamos tudo aqui, todos os relató-

rios, prestações de contas, fechamento de

mês, parte financeira, receita e despesa.

Tudo isso era feito aqui no escritório, por

nós mesmos.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-056

Data da entrevista: 19/10/2010

InÊs brAndão pereIrA

“Quando eu já estava dentro da fábrica,

comecei a ver ele lá dentro. [riso] Aí a

gente começou, ele começou a me ver

também. Um dia, ele parou perto de

mim na rua. Daí para frente, a gente

não brigou mais. [...] Casamos em 1950.

Logo que eu cheguei aqui, o veneno já

tinha acontecido, não é? O veneno ou o

milagre. A gente namorou quatro anos

porque não tinha jeito de casar, não tinha

meios. Falava assim: ‘Com que roupa?’”

Código da entrevista: VR-HT-MA-057 A / B

Data da entrevista: 15/12/2010

José lAcerdA FIlho

“Inclusive, quando eu estava com 14 anos,

eles me tiraram umas três vezes do meu

serviço para levar moça em casa. Elas

moravam para o lado de um tal de Rosário

Velho. Não tinha luz naquela ocasião, a luz

era só aqui dentro da cidade; nessas ruas

mais retiradas era tudo no escuro. Aí eu

ia. [...] Para levar elas, a gente ia brincando,

caçoando, aquela coisa toda. Na hora de

voltar no escuro, sozinho. Eu ia rindo e

voltava chorando! [...] O negócio era feio!

A gente ia devagar e voltava correndo!

Doido para chegar em casa!”

Código da entrevista: VR-HT-MA-044

Data da entrevista: 22/09/2009

JurAcI de olIveIrA

“Mais no final, apareceu um movimento

sindical. Uma vez, eles até convidaram os

funcionários para fazer uma greve [...]

O salário não atingia, porque o material

era ruim. Então o sindicato vinha para

poder regularizar esse negócio aí, não é?

Às vezes, não atingia porque o material

era ruim, então a gente não conseguia

fazer muita coisa. Então nessa época, eu

não lembro o ano, mas eu lembro que

teve um movimento sindical na fábrica.

[...] Um dia paralisou, ninguém veio tra-

balhar, não.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-035

Data da entrevista: 28/10/2008

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lAlIA guIlherme teIxeIrA

“Ela tinha a usina em Furquim, não é?

De lá é que vinha para cá. Tinha empre-

gado na usina lá. Mas faltava luz demais!

Aí, quando ia entrar a Cemig em Mariana,

teve reunião. Aí, não sei se maltrataram o

dono da fábrica, ele não quis mais entrar

na Cemig – a Cemig ia entrar aqui, era

reunião da Cemig. A fábrica não funcio-

nava mais porque a força puxava demais

e as luzes apagavam em seguida.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-045

Data da entrevista: 22/09/2009

levIndo gregórIo de souZA

“O fim das máquinas, eu não sei o

que foi, mas certo é que depois eles

venderam o prédio. Entrou uma fábrica,

uma borracharia aí e acabou. Eu não sei

se a prefeitura pegou o terreno, porque

o terreno era praticamente da prefeitura.

Para mim, vendeu os lotes todos. Essa

parte toda, daqui até lá em cima naquele

Zé Raimundo, onde tem aquela loja, tudo

pertencia à fábrica. Aqui tinha um muro

de fora a fora, um muro de cipreste.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-043

Data da entrevista: 30/06/2009

mArIA de olIveIrA e souZA

“Tinha uma que trabalhava perto de

mim, uma mais de idade um pouquinho.

Acho que ela não tinha namorado.

Então, quando dava meio-dia, sei lá, [...]:

‘Ô, meu Deus! Me dá um casamento!’

[...] mas você não escutava porque o

barulho era demais. [...] E ela falava: ‘Ô

vontade de casar!’. Isso me fazia rir, boba!

Ela trabalhava perto de mim, a máquina

dela, perto da minha, e ela falava: ‘Ô

vontade de casar!’. Acho que era mais

de idade. Hoje ela mora em Ouro Preto.

Ela casou mesmo.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-053

Data da entrevista: 18/08/2010

neuZA AIres do nAscImento

“Tinha gramado, espécie de um campo,

muito espaço. Tinha um ambulatório

de emergência: quando as pessoas se

sentiam mal, adoeciam, iam para lá. Tinha

um médico que atendia todos os dias. As

pessoas que tomavam injeção levavam o

medicamento. Tinha tipo uma enfermeira

prática que aplicava. [...] Era como se

fosse uma casinha anexa, sabe? Separado.

Tinha uma cantinazinha, onde se fazia um

café, e o ambulatório com o espaço para

o médico, que ia lá também.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-054

Data da entrevista: 18/08/2010

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orlAndo müller FIlho

“Sempre dava algum problema, tinha que

vir um técnico de Barbacena, que se cha-

mava Senhor Ênio. Aí ficava dois, três

dias sem energia. A cidade, a fábrica,

parava tudo. [...] A usina de Furquim, na

época de seca, a água diminuía; os equi-

pamentos também foram ficando muito

velhos; esse técnico de Barbacena mor-

reu. Então a fábrica teve que parar, não é?

Me lembro disso.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-055

Data da entrevista: 19/10/2010

rAImundo FrAncIsco rIbeIro

“Os teares são o seguinte: eles têm dois

braços, um jogava a lançadeira, uma rece-

bia, e o outro jogava. E ele tinha embaixo...

Essa engrenagem que eu te falo é que

tocava uma parte de baixo. Como cora-

ção: um para lá e o outro para cá. Dois

corações mesmo, um desencontrado do

outro. Um rodava para lá, jogava o braço

para cá, e o outro jogava para cá. A hora

que ele virava para cá, o outro voltava.

Ficava o dia inteiro assim. [...]”

Código da entrevista: VR-HT-MA-046

Data da entrevista: 27/10/2009

tereZInhA de Jesus mendonçA

“Falar com a senhora a verdade: eu gostei

muito de Barbacena. Achei lá melhor. Eu

gostei do maquinário, achei o maquinário

bom, o material bom, encarregados

bons. Gostei de lá. [...] [O equipamento]

era a mesma marca, mas os de lá eram

melhores. [...] Lá tecia também americano

cru, o liso. Tecia brim, lá tinha tecido bom.

Tinha estamparia, umas estampas muito

boas, bonitas. Tinha muito tecido bom

lá. [...] Eu gostava muito de trabalhar em

Mariana, na fábrica de Mariana, mas lá em

Barbacena também eu gostei.”

Código da entrevista: VR-HT-MA-051

Data da entrevista: 08/06/2010

tereZInhA de pAulA cAstro

“De cá da Tecelagem a gente piscava

para os rapazes lá da bobinadeira. E os

da Tecelagem também: os contramestres,

que queriam a gente, também ficavam de

lá como se estivessem tomando conta

assim, mas a gente via que o olho dele

estava lá na gente, sabe? Era bom porque

não tinha ambiente fechado, a gente se

sentia à vontade. Os banheiros eram no

fundo. A gente pedia para uma colega: ‘Ó,

se arrebentar aqui, emenda para mim que

eu vou ao banheiro’. Voltava correndo.

Mas era bom demais!”

Código da entrevista: VR-HT-MA-047

Data da entrevista: 03/11/2009

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Adão teIxeIrA bArbosA

“Só tinha um grupo de casas, por vol-

ta de umas vinte casas, mais ou menos.

Tinha um grupo de casas em frente à

companhia, onde moravam aqueles fun-

cionários de maior capacidade profis-

sional, para atender às necessidades da

firma. E tinha algumas casas, assim, como

vaca no pasto: uma aqui, outra ali e tal.

[...] Morei em uma casa na parte de cima

da fábrica. Tem o rio, do lado de cima,

em um montezinho, tem uma casa. Lá eu

morei. [...] Tinha, aproximadamente, três

quartos, sala, cozinha e banheiro.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-052

Data da entrevista: 26/10/2010

entrevIstAdos

ouro preto

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eFIgÊnIA sAcrAmento FerreIrA

“Uai, eu senti muito pelos outros que

trabalhavam, que estavam precisando

trabalhar ainda! Muito adolescente tra-

balhava lá, não é? [...] A fábrica era uma

mãe para todo mundo. O menino saiu

da escola com 14, 15 anos e estava indo

para a fábrica para tirar pano, limpar as

máquinas... [...] Hoje em dia não tem lu-

gar. Uma, porque não pode empregar

menor de 16, de 18 anos. Isso já é uma

bobagem, porque trabalho não mata

ninguém, não é? Livra de muita boba-

gem, porque fica o tempo todo ocioso

aí, inventando moda.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-031

Data da entrevista: 07/10/2008

ephIgÊnIA AntônIA de são

José IgnácIo dos AnJos

“Lá teve um sindicato, mas eu nunca

gostei de sindicato. [...] Trabalhando di-

reitinho, andando direitinho [...] Como

eu falava com as meninas: ‘Sindicato para

quê, gente?’. Se a gente precisa trabalhar,

vamos trabalhar direitinho, não dar o

que falar. Estou andando no meu direi-

to, não estou fazendo nada de errado,

como é que eles vão me mandar em-

bora? Não vão mandar! Eu trabalhei lá

muito tempo!”

Código da entrevista: VR-HT-OP-042

Data da entrevista: 20/10/2009

AldA guAlberto teIxeIrA

“Eram três linhas só: duas falavam para

Belo Horizonte; uma, Rio, São Paulo. [...]

Tinha uma mesa muito velha, não como

essas centrais de hoje, não é? E tinha

umas ‘pegas’: Belo Horizonte, Rio de

Janeiro, São Paulo. Você enfiava a ‘pega’

lá no buraquinho e dava um sinalzinho;

aí a telefonista do Rio te atendia e

completava a ligação. Mesmo para Belo

Horizonte a gente não completava

ligação, não; pedia para a telefonista de

Belo Horizonte completar.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-036

Data da entrevista: 03/03/2009

edIte AugustA guImArães AlmeIdA

“Tinha as máquinas, as moças todas

trabalhando com os lencinhos na cabeça,

e o movimento dos teares. Era lindo!

Lindo, lindo! Você via aquilo que era linha

virar pano! Isso aí a gente via porque ia

lá de vez em quando para ver, não é?

Eu fazia também muita excursão com

as crianças do Grupo [...] da escola em

que eu dava aula. [...] Fazia uma visita. Eles

viam o trabalho da Tecelagem, da Fiação,

de todas as áreas [...]”

Código da entrevista: VR-HT-OP-045

Data da entrevista: 17/11/2009

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José donAto lessA

“À noite, se estivesse escurecendo às

6 horas, acendia a luz. Se estivesse claro,

não ia acender, deixava escurecer um

pouquinho para acender. Agora, durante

o dia, quando a cerração estava baixa e

você não enxergava, tinha que acender [...].

Como é que você ia passar com a cerração

baixa? Tinha que acender a luz [...]. Acendia

muitas vezes na cidade. Antigamente,

novembro? Quem fala que esse tempo

assim era no... Que coisa! Cerração, essa

serra toda cheia de mato e no escuro, a

cidade no escuro, tinha que acender.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-044

Data da entrevista: 17/11/2009

José FlorentIno de cAstro

“Logo, logo, quando assumi o sindicato,

eu tive a oportunidade de trocar os

horários, a primeira coisa foi trocar esses

horários. Então ficou: de 6 às 14, das 14 às

22 e das 22 às 6, e manteve esse horário

de 7 às 16 horas. [...] Eu acho que esse aí

foi aquele chute da linha de fundo que

você bate a bola e a bola entra, não é?

Acho que foi esse aí. Acabar com esse

horário [de 5 horas da manhã], porque

era complicado esse horário.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-041

Data da entrevista: 04/08/2009

IlZA dAlvA mAcedo lIberAto

“Assistência médica fornecia. Era uma

assistência assim: um médico atendia os

empregados da fábrica, mas tinha aquele

horário; em um horário específico o

médico estaria atendendo no consultório

dele. Quer dizer, se a pessoa adoecesse

fora daquele horário, não tinha médico.

Não tinha um médico sobre quem se

falasse assim: ‘Durante 24 horas pode

procurar um médico porque esse médico

é da fábrica’. Não, não tinha.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-038

Data da entrevista: 14/07/2009

JAIr pedro cotA

“Eu trabalhava até dia de domingo, como

ronda. [...] A gente tinha que ficar a noite

inteira olhando, não podia cochilar, porque

não tem cerca para ladrão, não tem fecho

para ladrão. [...] O lugar mais perigoso era

perto da cachoeira. [...] Eles costumavam

entrar por ali [...]. Uma vez eles roubaram

um rolo de pano [...]. Mais de mil metros

de pano, uai! E não era paninho daquele

estreitinho. Era aquele cretone de dois

metros de largura ou 1 metro e 80, não

sei. Levaram com rolete e tudo.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-051

Data da entrevista: 24/08/2010

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mArIA AmArAnte sIlvA

“Todo ano comemorava festa no Dia do

Operário e o Natal também. No final

apareceu um inglês, o primeiro que deu

para a gente o 13º. Não se usava isso lá.

Ele foi o primeiro que deu para a gente

e fez um festão no Natal, bom mesmo.

E tinha umas festas, umas brincadeiras,

o pessoal desfilava, cantava, fazia umas

brincadeiras lá. Tem até aquela: ‘Varre,

varre, vassourinha / Deixa a fábrica

limpinha / O chão que varre é do Senhor

/ Como é bom ser trabalhador’.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-048

Data da entrevista: 22/06/2010

mArIA cecílIA JeremIAs

“Quando a gente ia casar, comprava lá

mesmo, comprava baratinho na mão

deles, fazia o enxoval todo. Tinha gente

que falava assim: ‘Eu não faço enxoval

com pano da fábrica, não!’. Mas lá, boba,

comprava aqueles panos, assim, de

algodão, mas muito fortes. Comprava

aquele morim cá fora, que vinha de outros

lugares, fininho, que em um instantinho

rasgava, não é? Mas aquela ilusão que

a gente tinha de beleza, não é? Eu não

podia comprar lá fora, em outras lojas,

porque eu ganhava pouco e minha mãe

ficou viúva e eu precisava ajudar. Então eu

fiz com o pano de lá mesmo.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-046

Data da entrevista: 28/04/2010

José luZIA neto

“Olha, na época foi muito difícil para todo

mundo, viu? Foi muito difícil. Na fábrica

era um salário até razoável; profissão de

contramestre, de mecânico, ganhava um

salário razoável. [...] Esse pessoal que

tinha essa profissão, o que aconteceu?

Tinha que começar a trabalhar como

servente de pedreiro, como ajudante.

Então o salário foi lá embaixo, começou

com o salário lá embaixo. [...] Mesmo

para a economia de Ouro Preto, não

é? A arrecadação caiu demais, uai! Não

é nada, não é nada, quando ela fechou,

eu acho que ainda tinha uns duzentos

funcionários. Então, uma queda muito

grande, foi muito doloroso, não é?”

Código da entrevista: VR-HT-OP-053

Data da entrevista: 14/12/2010

luIZ gordIAno gonçAlves

“Antes, ninguém ensinava nada para nin-

guém, a pessoa tinha que aprender era

ali, olhando. [...] Então eu comecei. Ele

[o gerente, Jonas Militão] me levou para

lá, organizamos tudo, organizei os papéis,

como eu deveria mostrar para ele tudo

aquilo que a gente tinha aprendido e que

a máquina pedia. Comecei a ensinar. Assim

eles tinham a aula como aprendizes, para

receberem metade do salário, os menores

também. Metade do salário para aqueles

que estavam entrando e para aqueles que

já estavam lá, que já eram maiores, mas

ainda não sabiam... A gente passou a dar

essas aulinhas para eles.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-050 A / B

Data da entrevista: 24/08/2010

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mArtA vIrgem mArtIns

“Era mais de um prédio, mais de um prédio.

Tinha a parte externa, que era embaixo,

onde funcionava a mecânica e também

a caldeira. Depois subia para a parte de

cima, onde funcionava a fiação, pavieiro,

tecelagem. Em outro prédio, menorzinho,

tinha uma seção só para aprender :

quem entrava para a tecelagem aprendia,

primeiramente, nessa seção. Depois descia

para tomar conta de máquina.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-035

Data da entrevista: 03/03/2009

neuZA tereZInhA dA sIlvA coelho

“Tinha festa em Itaúna. Eles traziam ônibus

de lá, enchiam os ônibus e iam os funcio-

nários daqui para a festa. A gente tinha

aquele dia de lazer, os funcionários daqui

com os de lá. Era muito bom e era com

muita fartura: as coisas, almoço, refrigeran-

te, tudo com muita fartura. Agora, a gente

era muito amigo. Os funcionários eram

muito amigos uns dos outros e a gente

tinha aquelas amizades muito sinceras.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-037

Data da entrevista: 03/03/2009

mArIA dA conceIção de pAulA

“Trabalhei 24 anos como tecelã. Nos

últimos anos, seis anos, foi como instrutora.

Aí eu ensinava, dava uma aula teórica. Por

exemplo, eu ia explicar como chegava

o algodão, como acontecia para poder

sair o algodão. [...] Eu dava essa parte de

teoria só para a pessoa ter uma noção.

Como se fosse um padeiro: o padeiro

tem um processo até chegar ao pão [...]

Tinha a parte prática. [...] a primeira coisa

que a pessoa tinha que aprender: dar um

nó. Às vezes, tinha gente que ficava uma

semana para aprender a dar um nó! Nó

de tecelã não é um nó que se pega assim

e amarra. É um nó cruzado.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-040 A / B

Data da entrevista: 04/08/2009

mArIA eFIgenIA bAstos dos sAntos

“Mas, com o problema do pessoal, os

associados em cima de mim por causa

de insalubridade... Chamei o diretor uma

vez, duas, três. Nada! Levei a fábrica na

Justiça. Foi o fim da picada para mim! [...]

Foi a razão pela qual eu saí do sindicato,

porque o pessoal foi chamado por ele: se

eu ganhasse, eu ia fechar a fábrica. Quem é

que queria que a fábrica fechasse? Eles não

queriam, muito menos eu! [...] Mas, como

presidente do sindicato, eu não podia ficar.

Eles deram o terreno para fazer a sede

do sindicato, eu não podia me vender para

eles por conta de um terreno. Eu tinha

que dar assistência aos associados.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-032 A / B

Data da entrevista: 07/10/2008

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vIcente JulIAno de olIveIrA

“Um exemplo: Arthur Lundgren era um

dos clientes fortes, as Casas Pernambuca-

nas [...]. Ele pedia panos de várias cores;

época de Copa do Mundo pedia panos

para fazer enfeite, verde e amarelo. [...]

Era responsabilidade minha cuidar de

produzir dentro da demanda do cliente

para não sobrar no estoque. Você atendia

de acordo com a demanda do cliente [...]

o cliente precisava de peças de cinquenta

metros, peças de vinte metros, peças de

dez metros. O pessoal de Expedição fazia

esses cortes e a gente embalava, prensava,

fazia os volumes, colocava no caminhão e

mandava, entendeu?”

Código da entrevista: VR-HT-OP-043

Data da entrevista: 20/10/2009

WAldIr José dos sAntos

“Dizem que o algodão estava vindo de

fora e estava chegando aqui muito caro;

o Brasil não estava aguentando produzir.

E não houve a atualização de equipamen-

tos. Por exemplo, já tinha o tear a jato de

pinça, que eu não conheci (dizem que um

excelente tear); o tear a jato de ar e tal.

Eles não modernizaram nada e nós fica-

mos na época da pré-história ainda. Então

a concorrência estava meio… E também

tinha o tecido que estava vindo da China,

o que atrapalhou bem.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-039

Data da entrevista: 14/07/2009

pedro müller moutInho

“De dia a gente trabalhava na rede.

Tinha a turma, trocava turma. [...] Tinha o

plantão [...] para atender reclamação. [...]

E tinha semana para rondar a cidade, para

trocar as lâmpadas na rua. Queimava

lâmpada dos postes, não é? Tinha que

saber os trechos em que estava faltando

para a gente... Marcava tudo lá. Aí eu

pegava no almoxarifado. Tinha o dia de

atender reclamação, mas tinha que trocar

as lâmpadas também.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-047

Data da entrevista: 25/05/2010

sIlvérIo venturA mArInho

“Na parte de Tecelagem já tinha a parte

de estamparia, onde alvejava tecido.

Todo tecido passava por um processo

de alvejamento, que chamava estamparia,

onde fazia aquelas pinturas, bichinhos [...].

Fralda, outros tecidos mais, sabe? Lá eles

alvejavam o tecido, punham a cor que

quisessem, a estamparia que quisessem.

[...] Vira a cor que for : ou vermelho ou

verde ou azul. E depois ele já está com

o desenho dos bichinhos que a gente

quiser : uma borboleta, um porquinho, um

troço qualquer, um passarinho qualquer,

um grilo, todo tipo de desenho.”

Código da entrevista: VR-HT-OP-049 A / B

Data da entrevista: 22/06/2010

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anex

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Anexo I

subscrItores do Aumento de cApItAl dA compAnhIA IndustrIAl ouropretAnA

de tecIdos, ForçA, luZ e teleFones – 1949

NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO NÚMERO

DE AÇÕESVALOR EM

Cr$

ENTRADA INICIAL EM

Cr$

1Ademar Gonçalves de Souza

Casado Médico Itaúna 43 8.600,00 1.290,00

2 Alfredo Alves de Albuquerque Casado Advogado Belo

Horizonte 100 20.000,00 3.000,00

3 Almiro de Lima Pedreira Casado Engenheiro Niterói 100 20.000,00 3.000,00

4 Amadeu Barbosa Casado Engenheiro Ouro Preto 32 6.400,00 960,00

5 Antonio Viana Calabria Solteiro Comércio Belo

Horizonte 33 6.600,00 990,00

6 Antonio de Matos Casado Engenheiro Santanésia 50 10.000,00 1.500,00

7 Antonio Alves Parreiras Casado Fazendeiro Itaúna 100 20.000,00 3.000,00

8 Otavio Penido Guimarães Casado Serventuário Itaúna 100 20.000,00 3.000,00

9 Antonio Fortes Casado Farmacêutico Ouro Preto 100 20.000,00 3.000,00

10 Antonio de Castro Figueirôa Casado Engenheiro Sabará 16 3.200,00 480,00

11 Aristides Mendes Lins Casado Médico Ponte Nova 500 100.000,00 15.000,00

12 Artur Drumond Guimarães Casado Cirurgião-

dentista Ouro Preto 130 26.000,00 3.900,00

13 Astolfo Dornas Casado Fazendeiro Itaúna 300 60.000,00 9.000,00

14Augusto Gonçalves de Souza

Casado Industrial Belo Horizonte 333 66.600,00 9.990,00

15Augusto C. Martins Fleury da Rocha

Solteiro Engenheiro Ouro Preto 100 20.000,00 3.000,00

16 Badih Salim Mansur Solteiro Comércio Mariana 100 20.000,00 3.000,00

17 Benedito dos Santos Saraiva Casado Funcionário

público Ouro Preto 32 6.400,00 960,00

18 Carlos dos Reis Carvalho Casado Comércio Belo

Horizonte 200 40.000,00 6.000,00

19 Celia Diniz Solteira Proprietária Belo Horizonte 33 6.600,00 990,00

20 Cia. Industrial Itaunense - - Itaúna 2.000 400.000,00 60.000,00

21 Cleir Maria Vaz de Melo Solteira Normalista Juiz de Fora 5 1.000,00 150,00

NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO NÚMERO

DE AÇÕESVALOR EM

Cr$

ENTRADA INICIAL EM

Cr$

22 Clodoveu de Oliveira Casado Médico Belo

Horizonte 100 20.000,00 3.000,00

23 Dario Gonçalves de Souza Casado Industrial Belo

Horizonte 910 182.000,00 27.300,00

24Desidério Gonçalves de Mattos

Casado Industrial Ouro Preto 1.600 320.000,00 48.000,00

25 Diogo Borges de Magalhães Casado Comércio Ouro Preto 66 13.200,00 1.980,00

26 Domingos Fidêncio Fortes Casado Comércio Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

27 Domingos Fleury da Rocha Casado Engenheiro Ouro Preto 725 145.000,00 21.750,00

28 Domingos Martins Fleury da Rocha Casado Engenheiro Campina

Grande 100 20.000,00 3.000,00

29Edelweiss Moretzsohn Andrade

Viúva Doméstica Belo Horizonte 1.000 200.000,00 30.000,00

30 Edna de Castro Solteira Doméstica Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

31 Edite de Castro Solteira Doméstica Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

32 Elias Salim Mansur Solteiro Médico Mariana 100 20.000,00 3.000,00

33 Elpídio de Lacerda Werneck Casado Engenheiro Ouro Preto 250 50.000,00 7.500,00

34 Elza da Veiga Oliveira Solteira Normalista Ouro Preto 66 13.200,00 1.980,00

35 Emília Maria Diniz Solteira Proprietária Belo Horizonte 34 6.800,00 1.020,00

36 Ernani Menescal Campos Casado Engenheiro Ouro Preto 250 50.000,00 7.500,00

37 Espólio Brasiliana Gonçalves Baêta - - Belo

Horizonte 333 66.600,00 9.990,00

38Espólio Randolfo Rodrigues Trindade

- - Ouro Preto 146 29.200,00 4.380,00

39 Ester Diniz Solteira Proprietária Belo Horizonte 33 6.600,00 990,00

40 Evangelina de Castro Solteira Doméstica Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

41 Fajardo Nogueira de Souza Casado Advogado Itaúna 75 15.000,00 2.250,00

42 Flavio de Carvalho Casado Industrial Itaúna 100 20.000,00 3.000,00

43 Francisco de Queiroz Almeida Casado Industriário Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

44 Francisco Pereira Saldanha Casado Comércio Itaúna 75 15.000,00 2.250,00

45 Gabriel Martins Fleury da Rocha Casado Bancário Rio de

Janeiro 100 20.000,00 3.000,00

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NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO NÚMERO

DE AÇÕESVALOR EM

Cr$

ENTRADA INICIAL EM

Cr$

46 Geraldo Aurélio Fortes Solteiro Estudante Ouro Preto 100 20.000,00 3.000,00

47 Geraldino Ferreira Xavier Casado Comércio Ouro Preto 1.682 336.400,00 50.460,00

48Godofredo Gonçalves de Souza

Casado Fazendeiro Itaúna 133 26.600,00 3.990,00

49 Guarani Nogueira Casado Comércio Itaúna 275 55.000,00 8.250,00

50 Haidéa da Veiga Oliveira Solteira Normalista Ouro Preto 66 13.200,00 1.980,00

51 Hélio Gonçalves de Souza Casado Advogado Itaúna 100 20.000,00 3.000,00

52 Heli Soares Saldanha Casado Comércio Itaúna 75 15.000,00 2.250,00

53 Jayme Bastos Casado Industrial Ouro Preto 100 20.000,00 3.000,00

54 João Batista Fortes Viúvo Comércio Ouro Preto 102 20.400,00 3.060,00

55 João Pereira de Castro Figueirôa Casado Comércio Ouro Preto 266 53.200,00 7.980,00

56 João Salim Mansur Solteiro Comércio Mariana 100 20.000,00 3.000,00

57 João de Cerqueira Lima Jr. Casado Industrial Itaúna 133 26.600,00 3.990,00

58 João Augusto de Oliveira Casado Comércio Itaúna 100 20.000,00 3.000,00

59 João José Ferreira Casado Guarda-livros Itaúna 110 22.000,00 3.300,00

60 João Nogueira dos Santos Casado Comércio Itaúna 100 20.000,00 3.000,00

61 João Firmiano Fortes Casado Médico Rio de

Janeiro 100 20.000,00 3.000,00

62 Joaquim Maia Casado Engenheiro Passagem Mariana 16 3.200,00 480,00

63 Joaquim Nogueira Penido Solteiro Fazendeiro Itaúna 200 40.000,00 6.000,00

64 Joel Marcelino de Sales Casado Industriário Ouro Preto 83 16.600,00 2.490,00

65 Jofre Gonçalves de Souza Casado Cirurgião-

dentistaBelo

Horizonte 400 80.000,00 12.000,00

66 José Ovídio Fortes Casado Farmacêutico Ouro Preto 100 20.000,00 3.000,00

67 José dos Santos Saraiva Casado Funcionário

públicoBelo

Horizonte 32 6.400,00 960,00

68 José Aguinaldo Mourão Casado Engenheiro Belo

Horizonte 194 38.800,00 5.820,00

69 José Russo Casado Industriário Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

70 José Vitor Gonçalves Casado Industriário Ouro Preto 50 10.000,00 1.500,00

NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO NÚMERO

DE AÇÕESVALOR EM

Cr$

ENTRADA INICIAL EM

Cr$

71 José Batista de Oliveira Casado Engenheiro Juiz de Fora 200 40.000,00 6.000,00

72 José Candido Gonçalves Casado Comércio Ouro Preto 66 13.200,00 1.980,00

73 José de Cerqueira Lima Casado Industrial Itaúna 1.550 310.000,00 46.500,00

74 José Gonçalves Drumond Casado Farmacêutico Belo

Horizonte 100 20.000,00 3.000,00

75 José Alves Diniz Andrade Casado Fazendeiro Mateus

Leme 134 26.800,00 4.020,00

76 José Santiago de Queiroz Casado Industriário Ouro Preto 32 6.400,00 960,00

77 Juvêncio Florêncio Pinto Viúvo Industriário Ouro Preto 32 6.400,00 960,00

78 Laci Nogueira de Assis Casado Industrial Itaúna 1.166 233.200,00 34.900,00

79 Laura Gonçalves de Souza Solteira Proprietária Belo

Horizonte 500 100.000,00 15.000,00

80 Lídia Gonçalves de Souza Solteira Proprietária Belo

Horizonte 500 100.000,00 15.000,00

81 Lucy Moreira Solteira Normalista Belo Horizonte 100 20.000,00 3.000,00

82 Luiz Ferreira da Silva Viúvo Contador Ouro Preto 33 6.600,00 990,00

83 Maria Gonçalves de Souza Moreira Viúva Proprietária Belo

Horizonte 266 53.200,00 7.980,00

84 Maria Gonçalves da Silva Solteira Escriturária Itaúna 66 13.200,00 1.980,00

85 Maria Augusta de Carvalho Matos Casada Doméstica Ouro Preto 50 10.000,00 1.500,00

86 Maria dos Anjos Baêta Viúva Doméstica Itabirito 333 66.600,00 9.990,00

87 Maria José Saraiva de Carvalho Viúva Professora Ouro Preto 32 6.400,00 960,00

88 Maria Fortes Alvares da Silva Casada Doméstica Ouro Preto 100 20.000,00 3.000,00

89 Maria José Fortes da Costa Casada Doméstica Uberlândia 100 20.000,00 3.000,00

90 Maria de Castro Solteira Doméstica Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

91 Maria de Lourdes Vaz de Melo Solteira Normalista Juiz de Fora 5 1.000,00 150,00

92 Mário de Sales Andrade Casado Industrial Ouro Preto 1.651 330.200,00 49.530,00

93 Mário de Castro Figueirôa Solteiro Médico Belo

Horizonte 16 3.200,00 480,00

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NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO NÚMERO

DE AÇÕESVALOR EM

Cr$

ENTRADA INICIAL EM

Cr$

94 Magdala Mourão Casada Doméstica Belo Horizonte 80 16.000,00 2.400,00

95 Mercês Saraiva Salgado Casada Doméstica Ouro Preto 32 6.400,00 960,00

96Miguel Augusto Gonçalves de Souza

Solteiro Acadêmico Belo Horizonte 15 3.000,00 450,00

97 Mirtes Maira Mourão Casada Doméstica Belo

Horizonte 138 27.600,00 4.140,00

98 Mozart Nogueira Machado Casado Funcionário

público Itaúna 452 90.400,00 13.560,00

99 Moacir de Castro Figueirôa Solteiro Estudante Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

100 Nadia da Veiga Oliveira Solteira Normalista Ouro Preto 66 13.200,00 1.980,00

101 Oromar Moreira Casado Médico Belo Horizonte 100 20.000,00 3.000,00

102 Otto Polak Solteiro Industriário Ouro Preto 16 3.200,00 480,00

103Paulo Emílio Gonçalves de Souza

Solteiro Acadêmico Belo Horizonte 400 80.000,00 12.000,00

104 Paulo Andrade Magalhães Gomes Casado Engenheiro Ouro Preto 50 10.000,00 1.500,00

105 Raimundo Luiz Foureaux Casado Industriário Itaúna 25 5.000,00 750,00

106 Raimundo Dias Coelho Casado Médico Belo

Horizonte 200 40.000,00 6.000,00

107 Rubens Vaz de Melo Casado Engenheiro Itaúna 100 20.000,00 3.000,00

108 Rubens de Castro Figueirôa Casado Oficial da

MarinhaRio de Janeiro 16 3.200,00 480,00

109 Sadi Nogueira Machado Casado Fazendeiro Itaúna 333 66.600,00 9.990,00

110 Semiramis Gonçalves Baeta Solteira Doméstica Belo

Horizonte 200 40.000,000 6.000,00

111 Theodorico da Cruz Casado Engenheiro Ouro Preto 25 5.000,00 750,00

112 Theódulo Pereira Casado Industrial Ouro Preto 3.581 716.200,00 107.430,00

113 Tereza de Jesus Magalhães Gomes Solteira Doméstica Belo

Horizonte 10 2.000,00 300,00

114 Tomaz Alves Diniz Solteiro Proprietário Belo Horizonte 33 6.600,00 990,00

115 Vitor Gonçalves de Souza Casado Industrial Itaúna 250 50.000,00 7.500,00

116 Vitor de Souza Campos Casado Banqueiro Belo

Horizonte 1.333 266.600,00 39.990,00

NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO NÚMERO

DE AÇÕESVALOR EM

Cr$

ENTRADA INICIAL EM

Cr$

117 Vivian Jack Bensusan Casado Industrial Rio de

Janeiro 66 13.200,00 1.980,00

118 Zuleika da Veiga Oliveira Solteira Normalista Ouro Preto 66 13.200,00 1.980,00

119 William Schofield Casado Industrial Cataguazes 166 33.200,00 4.980,00

TOTAL - - - 30.000 6.000.000,00 900.000,00

Anexo II

AcIonIstAs dA FIAção e tecelAgem são José s/A em 1952

NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO Nº DE

AÇÕES

1 íris Rache Magalhães Ferreira Viúva Proprietária Distrito Federal (RJ) 3.800

2 Vicente Assunção Viúvo Engenheiro Belo Horizonte 2.900

3 José Edwards Ribeiro Casado Engenheiro Barbacena 1.778

4 Edir Marques Berutto Viúva Prendas domésticas Distrito Federal 1.050

5 Carmosina França d’Assumpção Viúva Proprietária Distrito Federal 820

6 José Walter de Miranda - Advogado Distrito Federal 560

7 Ary Ferreira Casado Médico Belo Horizonte 518

8 Reynaldo Marques Berutto Solteiro Estudante Distrito Federal 500

9 Roberto Marques Berutto (menor) - - - 500

10 Ildefonso Mascarenhas da Silva Solteiro Professor Distrito Federal 450

11 Policena Magalhães Ferreira Solteira Prendas domésticas Belo Horizonte 432

12 Aristides Magalhães Ferreira Casado Médico Belo Horizonte 420

13 Espólio de Moacyr Bruno von Sperling - - - 328

14 Alfredo Antônio Berutto Solteiro Corretor Belo Horizonte 250

15 Rubem Magalhães Ferreira Casado Bancário Belo Horizonte 202

16 Celso Augusto Ferreira Ribeiro Solteiro Estudante Belo Horizonte 200

17 Otávio Augusto Ferreira Ribeiro Casado Industriário Barbacena 200

18 José Públio Rache Ferreira (menor) - - - 184

Dados retirados de: JUCEMG. Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Companhia Industrial Ouropretana de Tecidos, Força, Luz e Telefones; 5 jul. 1949.

Arquivamento 38.265. s.p.

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NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO Nº DE

AÇÕES

19 Oscar Augusto Rache Ferreira (menor) - - - 184

20 Maria Elza Rache Ferreira (menor) - - - 176

21 Maria Olga Rache Ferreira (menor) - - - 176

22 Vera Lídia Rache Ferreira (menor) - - - 176

23 Maria Alice Magalhães Ferreira Casada Prendas domésticas Belo Horizonte 172

24 Noemi Ferreira Ribeiro Casada Prendas domésticas Barbacena 172

25 Vera Ferreira von Sperling Viúva Prendas domésticas Belo Horizonte 172

26 Aristides Mário Rache Ferreira Solteiro Estudante Distrito Federal 170

27 Clélia Ildefonso da Cunha Casada Prendas domésticas Distrito Federal 140

28 Maria Ildefonso de Mendonça Casada Prendas domésticas Belo Horizonte 140

29 Violeta Mascarenhas da Silva - Prendas domésticas Distrito Federal 140

30 Faustino Assumpção Viúvo Proprietário Belo Horizonte 100

31 João Eunápio Borges Casado Professor Belo Horizonte 100

32 Maria de Ulhôa Vieira Viúva Prendas domésticas Belo Horizonte 100

33 Pio Porto de Menezes Casado Engenheiro Belo Horizonte 100

34 Cid Rache Casado Engenheiro Distrito Federal 90

35 Geraldo Ildefonso Mascarenhas da Silva Casado Advogado Distrito Federal 80

36 Caetano Barbosa Mascarenhas Casado Engenheiro Belo Horizonte 55

37 Augusto França Gontijo Casado Médico Goiânia 50

38 Iwan Ferreira Casado Engenheiro Belo Horizonte 50

39 Lauro Ferreira Casado Engenheiro Belo Horizonte 50

40 Maria da Conceição Corrrêa Assumpção Ribeiro Casada Prendas

domésticas Oliveira 40

41 Dinorah Guadalupe Soli Casada Prendas domésticas Distrito Federal 30

42 Ernani Menescal Campos Casado Engenheiro Ouro Preto 30

43 José França Gontijo Casado Bancário Santos Dumont 30

44 Maria do Carmo França Botelho Casada Prendas domésticas Montes Claros 30

45 Raimundo Silva de Assis Casado Advogado Belo Horizonte 30

46 Evandro França Corrêa Solteiro Comerciante Distrito Federal 20

47 Capitão José Nazareno França Corrêa Casado Militar Distrito Federal 15

48 Fernando Otto von Sperling Casado Engenheiro Belo Horizonte 10

49 Heitor Barbosa Mascarenhas Casado Engenheiro Uberaba 10

50 José Barbosa Mascarenhas Casado Engenheiro Belo Horizonte 10

NOME ESTADO CIVIL PROFISSãO DOMICíLIO Nº DE

AÇÕES

51 José Custódio Carvalho Drumond Casado Engenheiro Belo Horizonte 10

52 Judith Ferreira Drumond Casada Prendas domésticas Belo Horizonte 10

53 Lydia de Lemos Rache Viúva Prendas domésticas Distrito Federal 10

54 Frederico Antônio Rache (menor) - - - 5

55 Hélio França Gontijo Casado Dentista Belo Horizonte 5

56 Luiz Russo Casado Médico Distrito Federal 5

57 Marcos Barbosa Mascarenhas Casado Comerciante Belo Horizonte 5

58 Mario Alvaro Rache (menor) - - - 5

59 Pedro Demóstenes Rache Neto (menor) - - - 5

Anexo III

subscrItores dA compAnhIA ForçA e luZ mArIAnnense

SUBSCRITOR RESIDêNCIANº DE

AÇÕES DE 200$000TOTAL

1. Cônego José Cotta Mariana 75 15:000$000

2. Dr. Augusto Freire de Andrade Mariana 75 15:000$000

3. Antonio Lopes Camello Mariana 75 15:000$000

4. Dr. Gomes Freire de Andrade Mariana 75 15:000$000

5. Estevão Pedro Cotta Mariana 75 15:000$000

6. Dr. Henrique Gomes Freire de Andrade Mariana 10 2:000$000

7. Dr. Augusto Gomes Freire de Andrade Mariana 35 7:000$000

8. Cônego Geraldino Ferreira Xavier Mariana 5 1:000$000

9. Padre José Maria de Castro Belo Horizonte 15 3:000$000

10. Padre Antonio Emygdio Corrêa Rio Branco 5 1:000$000

11. Antonia Ursula C. de Queiroz Mariana 25 5:000$000

12. Amador de Castro Queiroz Mariana 50 10:000$000

13. Maria Guilhermina A. Costa Mariana 1 200$000

14. Agripino Claudino dos Santos Mariana 1 200$000

15. Salim João Mansur Mariana 75 15:000$000

Dados retirados de: JUCEMG. Escritura Pública passada no Cartório do Segundo Ofício de Notas, em 10 de outubro de 1952.

Arquivamento 58.871. s.p.

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SUBSCRITOR RESIDêNCIANº DE

AÇÕES DE 200$000TOTAL

16. Quintino Alves Neves Mariana 50 10:000$000

17. Olímpio Gomes de Araújo Mariana 5 1:000$000

18. João Salim Mansur Mariana 10 2:000$000

19. Synval Baptista dos Santos Mariana 2 400$000

20. Lavino de Padua Coelho Mariana 2 400$000

21. Francisco Antunes da Silva Mariana 100 20:000$000

22. Phco. Francisco A. de Carlos Gomes Mariana 5 1:000$000

23. Daniel Carlos Gomes Mariana 1 200$000

24. Senhorita Zizina Carlos Gomes Mariana 1 200$000

25. Cônego Amando Adeus dos Santos Mariana 50 10:000$000

26. Augusto de Carvalho Castro Mariana 10 2:000$000

27. Padre Carlos Antonio de Souza Teixeiras 5 1:000$000

28. Salomão Ibrahim da Silva Mariana 75 15:000$000

29. Antonio Marinho Gomes Mariana 5 1:000$000

30. Camillo Abdo Aun Mariana 35 7:000$000

31. João Chrisostomo Vieira Mariana 75 15:000$000

32. Francisco Claudino dos Santos Mariana 5 1:000$000

33. Francisco Cezimbra Mariana 5 1:000$000

34. Salvador de Castro Queiroz Belo Horizonte 10 2:000$000

35. José Augusto Gomes Mariana 50 10:000$000

36. Dom. Helvécio Gomes de Oliveira (part.) Mariana 5 1:000$000

37. Cônego Severiano Anacleto Varella Mariana 50 10:000$000

38. José Augusto Gomes Filho Mariana 10 2:000$000

39. Menandro de Almeida Machado Mariana 3 600$000

40. José de Carvalho Rolla Mariana 75 15:000$000

41. Monsenhor Alypio Odier de Oliveira Mariana 5 1:000$000

42. Antonio de Oliveira Moraes Mariana 5 1:000$000

43. Antonio Ferreira Carneiro Belo Horizonte 2 400$000

44. Sebastião Tavares Belo Horizonte 5 1:000$000

45. Severo Ferreira Lima Mariana 10 2:000$000

46. Carmélio de Queiroz Ferreira Mariana 5 1:000$000

47. Alfredo Peixoto de Moraes Mariana 3 600$000

48. Lindouro Augusto Gomes Belo Horizonte 25 5:000$000

49. Phco. Olegário Nardy Chaves Mariana 2 400$000

SUBSCRITOR RESIDêNCIANº DE

AÇÕES DE 200$000TOTAL

50. José Pedro Celestino da Silva Mariana 1 200$000

51. José Tito da Silva Mariana 5 1:000$000

52. José Maria Vieira Mariana 5 1:000$000

53. Cyrillo Vieira do Sacramento Mariana 1 200$000

54. Capm. Carlos de Assis Gomes Mariana 2 400$000

55. Alfredo Alves de Almeida Mariana 10 2:000$000

56. Leandro Lino Mól Mariana 2 400$000

57. João de Oliveira Mesquita Mariana 2 400$000

58. Padre José Cupertino Vieira[Diogo de]

Vasconcellos5 1:000$000

59. Norberto Rodrigues Monção Mariana 2 400$000

60. Da. Leontina Godoy Mariana 1 200$000

61. Francisco Queiroz de Almeida Mariana 3 600$000

62. Yara Maria dos Anjos Fonseca Mariana 3 600$000

63. Belarmino Daniel de Abreu Mariana 1 200$000

64. Augusto Rodrigues Silva Mariana 50 10:000$000

65. José Pedro Claudino dos Santos Mariana 2 400$000

66. Julio Cezar de Godoy Mariana 1 200$000

67. Miguel & Irmão Mariana 2 400$000

68. José Calisto dos Anjos Mariana 5 1:000$000

69. Joaquim Cardoso Pereira Acaiaca 2 400$000

70. Miguel Daher Mariana 27 5:400$000

71. José de Oliveira Mesquita Mariana 2 400$000

72. José Teixeira Chaves Mariana 5 1:000$000

73. Elias Izac Acaiaca 55 11:000$000

74. José Elias Izaac Acaiaca 15 3:000$000

75. Alexandre Elias Izaac Acaiaca 15 3:000$000

76. Camillo Izaac Acaiaca 25 5:000$000

77. Joaquim Ferreira da Silva Mariana 5 1:000$000

78.Monsenhor José Silvério Horta, em favor da Caixa Escolar de Mariana

Mariana 1 200$000

79. Arlindo Godoy Mariana 2 400$000

80. Ricardo Ferreira Xavier Casa Branca 15 3:000$000

81. José dos Santos Oliveira Rodeiro de Ubá 5 1:000$000

82. Antonio de Faria Mariana 27 5:400$000

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SUBSCRITOR RESIDêNCIANº DE

AÇÕES DE 200$000TOTAL

83. Benedicto de Lima Mariana 5 1:000$000

84. José Ottoni Soares Mariana 2 400$000

85. Franklin Teixeira da Fonseca Mariana 2 400$000

86. Jovino de Castro Queiroz Mariana 1 200$000

87. José Gomes da Silva Mariana 5 1:000$000

88. Salvador Moysés Mariana 10 2:000$000

89. Ephigênia Moysés Mariana 5 1:000$000

90. Geralda Moysés Mariana 5 1:000$000

91. Laurindo do Espírito Santo Mariana 5 1:000$000

92. Antonio de Padua Coelho Mariana 3 600$000

93. Manoel Teixeira Júnior Mariana 2 400$000

94. Antonio Quirino de Sant’Anna Mariana 1 200$000

95. Boaventura Ferreira de Lemos Mariana 2 400$000

96. Olympio Donato Corrêa Mariana 1 200$000

97. Dr. Dante de Guimarães Sampaio[Diogo de]

Vasconcellos5 1:000$000

98. Américo Vespúcio dos Santos Mariana 2 400$000

99. Pacífico Augusto de Mello Melo 5 1:000$000

100. Da. Rosa Luzia da Silva Mariana 2 400$000

101. Phco. Joaquim Breyner Mariana 1 200$000

102. José Miguel Mariana 5 1:000$000

103. Da. Cesarina de Castro Mariana 5 1:000$000

104. Da. Maria G. de Castro Mariana 5 1:000$000

105. Da. Rita de C. Castro Mariana 5 1:000$000

106. Dr. Christóvão Breyner Belo Horizonte 1 200$000

107. Domingos Gonçalves Machado [Bento] Rodrigues 1 200$000

108. José Jorge Mariana 1 200$000

109. Juvenil de Padua Coelho Mariana 2 400$000

110. José de Padua Coelho Mariana 2 400$000

111. Joaquim de Araújo Silva Mariana 2 400$000

112. José Estanislau da Silva Mariana 1 200$000

113. Augusto de Castro Queiroz Mariana 5 1:000$000

114. Da. Leonídia de Castro Queiroz Mariana 15 3:000$000

115. Da. Regina de Castro Queiroz Mariana 2 400$000

116. Da. Honorina de Castro Queiroz Mariana 2 400$000

SUBSCRITOR RESIDêNCIANº DE

AÇÕES DE 200$000TOTAL

117. Da. Maria Josephina de Castro Queiroz Mariana 2 400$000

118. Da. Olívia de Castro Queiroz Mariana 2 400$000

119. Da. Philomena de Castro Queiroz Mariana 2 400$000

120. Padre Duarte Cotta Cataguazes 5 1:000$000

121. Carnot Ribeiro de Castro Mariana 1 200$000

122.Da. Jacintha Gomes Pimenta, em benefício das Obras Pias

Mariana 5 1:000$000

123. Padre Agostinho de Souza Guarany 2 400$000

124. Da. Plautilla Nunes Horta Mariana 1 200$000

125. Agricola Camello Mariana 5 1:000$000

126. Dr. Pedro Motta Mariana 10 2:000$000

127. Da. Maria Albina Lopes Camello Mariana 25 5:000$000

128. Da. Maria Bawdem Freire de Andrade Mariana 5 1:000$000

129. Da. Etelvina Starling Mariana 1 200$000

130. Da. Maria das Mercês Trindade Mariana 1 200$000

131. Te. Themistocles Izidoro Teixeira dos Reis Mariana 5 1:000$000

132. Da. Olympia Santos Mariana 1 200$000

133. Da. Josina Lopes Camello Mariana 15 3:000$000

134. Abel de Almeida Gomes Mariana 1 200$000

135. Cônego Tobias B. de Souza Cunha Mariana 1 200$000

136. Cônego Estevão Pedro Cotta Caraça 1 200$000

137. Da. Rita de Cássia Godoy Mariana 1 200$000

138. Da. Philomena Muzzi do Espírito Santo Mariana 1 200$000

139. Olyntho Godoy Mariana 1 200$000

140. Da. Marianna Lessa Cesimbra Mariana 1 200$000

141. Da. Albertina Godoy Neves Mariana 1 200$000

142. Eduardo Moreira Cotta Mariana 1 200$000

143. João Claudio Aguiar Mariana 2 400$000

144. Joaquim Gomes da Silva Mariana 1 200$000

145. José Martins Mariana 1 200$000

146. Anna Maria de Souza Barros Mariana 1 200$000

147. Dr. Cornelio Rozemburg Mariana 6 1:200$000

148. Furgino Alves dos Santos Mariana 1 200$000

149. Da. Rita Goulart Mariana 1 200$000

150. Da. Luiza Adelaide de Oliveira Faria Mariana 1 200$000

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SUBSCRITOR RESIDêNCIANº DE

AÇÕES DE 200$000TOTAL

151. Da. Rita Carneiro Mariana 1 200$000

152. Da. Antonina Cotta de Queiroz Camello Ouro Preto 15 3:000$000

153. José Francisco Cotta Mariana 1 200$000

154. Jacob Scortegagni Mariana 1 200$000

155. Jeremias Antonio de Azevedo Mariana 1 200$000

156. Alcino Vieira Mariana 1 200$000

157. Estevão Ferreira Lima Mariana 2 400$000

158. Cônego Caetano Donato Corrêa Mariana 2 400$000

159. Torquato José Lopes Camello Mariana 5 1:000$000

160. Amancio Duarte Mariana 2 400$000

161. Phco. Henrique de Souza Novaes Mariana 10 2:000$000

162. José Ferreira Guimarães Mariana 1 200$000

163. Antonio Augusto Gomes Mariana 5 1:000$000

164. Francisco Luiz Gomes Mariana 1 200$000

165. Raymundo Constantino Gomes Mariana 1 200$000

166. Washington Souza Mariana 2 400$000

167. Manoel Teixeira da Fonseca Mariana 10 2:000$000

168. Francisco Raymundo S. Anna Mariana 2 400$000

169. José Muzzi do Espírito Santo Mariana 1 200$000

170. Francisco Pimenta Silvério 5 1:000$000

171. Antonio Germano Cotta Fonseca 5 1:000$000

172. Dr. Domingos de Souza Novaes Queluz 2 400$000

173. Firmo Antonio de Souza Claudio Manoel 10 2:000$000

174. José Lourenço Motta Mariana 3 600$000

175. Augusto Daniel de Abreu Mariana 10 2:000$000

176. Da. Regina de Abreu Vieira e Araújo Mariana 3 600$000

177. Dr. Henrique Bawdem Paraisópolis 10 2:000$000

178. Levindo Barbosa Leite Ouro Preto 2 400$000

179. Capm. Luiz Hilário Pereira Garro Mariana 35 7:000$000

180. Luiz Alves Cardoso Mariana 3 600$000

181. Elza Scortegagni Mariana 2 400$000

182. Felippe Malvini Mariana 1 200$000

183. Achilles Malvini Mariana 1 200$000

184. Mariano Casimiro Pereira Mariana 1 200$000

SUBSCRITOR RESIDêNCIANº DE

AÇÕES DE 200$000TOTAL

185. Padre Antonio Philomena de Ola. Moraes Mariana 1 200$000

186. Dr. Raymundo de Oliveira Moraes Furquim 1 200$000

187. Phco. Professor Jacyntho Bruno Godoy Ouro Preto 2 400$000

188. Jorge Marques da Silva Mariana 3 600$000

Total 2.000 400:000$000

Dados retirados de: JUCEMG. Sociedade Anonyma “Comp. Força e Luz Mariannense”. Acta de sua constituição; 10 jul. 1927.

Arquivamento 10.819. s.p.

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Acervo Rafael Arcanjo Santos

Acervo Vale Registrar

Arquivo da Câmara Municipal de Mariana

Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana

Arquivo Geral da Prefeitura de Mariana

Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana

Arquivo Público Mineiro

Arquivo Público Municipal de Ouro Preto

Associação Comercial de Minas Gerais

Cartório do 2º Ofício de Mariana

Centro de Memória do Sistema Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais

Coleções Especiais da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa

Hemeroteca Histórica da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa

Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto

Junta Comercial do Estado de Minas Gerais

Massa Falida da Companhia Industrial Itaunense

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Amadeu da Silva

Cristiano Cassimiro dos Santos

Cristiane Zago

Ênio Neves de Araújo

Ephigênia Antônia de São José Ignácio dos Anjos

Ernani de Melo Rocha

Fernando Antônio Affonso de Araújo

Francisco José de Oliveira

Geraldo Pedro Coêlho

Gizele Maria dos Santos

Helenice Afonso de Oliveira

Ilca Helena Magalhães Ferreira

José Carlos Magalhães Mota

José Geraldo Begname

Luciana Ribeiro

Luiz Rogério Mitraud de Castro Leite

Maria Clara Celestino Souza

Marlene Alves Ferreira da Silva

Patrícia Gonçalves Nogueira

Rafael Arcanjo Santos

Rejane Márcia Freitas Oliveira

Rosa Maria de Melo

Solange Ferreira

Stela Gomes Chaves

Terezinha de Paula Castro

Wanderley Alexandre da Silva (Vandico)

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FundAção vAle

conselho curAdor

Presidente: Vania Somavilla

Conselheiros: Adriana Bastos, Luciano Siani, Luiz Mello, Marcio Godoy,

Maria Gurgel, Ricardo Gruba e Silmar Silva

Diretora-Presidente: Isis Pagy

Gerente Geral de Geração de Renda, Cultura e Ativos: Marco Barros

Gerente de Ativos e Cultura: Andreia Gama

Analistas de Cultura: Thiago Saldanha e Rodrigo Barreto

Gerente Geral de Relações Intersetoriais,

Saúde, Educação e Planejamento Urbano: Andreia Rabetim

Desenvolvimento Institucional: Vivian Medeiros e Patricia Braga

vAle

Presidente: Murilo Ferreira

Diretor Executivo de Ferrosos e Estratégia: José Carlos Martins

Diretor Operacional de Ferrosos Sudeste: Antonio Padovezi

Gerente Geral do Complexo Mariana: Rodrigo Melo

depArtAmento de relAçÕes com comunIdAde

Diretora de Relações com Comunidade: Isis Pagy

Gerente Geral de Territórios Sul e Sudeste: Christiana Costa

Gerente de Relações com Comunidade de Minas Gerais: Flávia Soares

Analista de Relações com Comunidade: Antonio Costa

depArtAmento de comunIcAção

Diretor de Comunicação: Sergio Giácomo

Gerente Geral de Comunicação: Rodrigo Soares

Gerente Geral de Comunicação Brasil: Cássia Cinque

Gerente Regional de Comunicação de Minas Gerais: Luciene Cristina

Analista de Comunicação Regional: Fabiana Castro

Assessora de Imprensa: Cláudia Siúves

Gerente de Patrocínios: Christiana Saldanha

Analistas de Patrocínios: Flavia Rocha, Willman Miranda e Eveline Maria

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progrAmA de educAção pAtrImonIAl trem dA vAle

pArceIro executor: sAntA rosA bureAu culturAl

Direção: Eleonora Santa Rosa

Gerência Executiva: Ana Domitila

Gestão Financeira: Sílvia Tironi

Produção: Patrícia Campolina

Assessoria Administrativa e Financeira: Christiane A. Xavier Carvalho

equIpe vAle regIstrAr

nÚcleo de hIstórIA orAl

Assessora Técnica: Josanne Guerra Simões

Gerente Operacional: Eder Donizete de Melo

Historiadores: Eder Donizete de Melo

Josanne Guerra Simões

Maria Angélica Vieira Bonome

Estagiários: Rafael Veloso Goulart

Rodrigo Gonçalves Benevenuto

nÚcleo de AudIovIsuAl

Diretor: Jason Barroso Santa Rosa

Gerente Operacional: Rafael Bouças Couto

Câmera: Rafael Bouças Couto

Assistente de Câmera: Leonardo Oliveira Penna

Estagiária: Dalila Carneiro Silva

ApoIo técnIco e AdmInIstrAtIvo

Produção: Rosilene Magda Figueiredo

Assistente de Produção: Cristiane Fernandes Evangelista

FIos e trAmAs

equIpe técnIcA

Ideia Original: Jason Barroso Santa Rosa

Coordenação Editorial: Santa Rosa Bureau Cultural

Coordenação Técnica: Josanne Guerra Simões

Pesquisa: Eder Donizete de Melo

Josanne Guerra Simões

Maria Angélica Vieira Bonome

Rodrigo Lima Ferreira (estagiário)

Textos: Josanne Guerra Simões

Maria Angélica Vieira Bonome

Suporte Editorial: Ana Domitila

Patrícia Campolina

Design Gráfico: Lúcia Nemer

Martuse Fornaciari

Produção Gráfica: Nemer Fornaciari Design

Produção Editorial: Roseli Raquel de Aguiar

Revisão de Texto: Irene Ernest Dias

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Fundação Vale Fios e tramas: a indústria têxtil em Mariana e Ouro Preto. / Fundação Vale; Coordenação editorial: Santa Rosa Bureau Cultural – Belo Horizonte: Fundação Vale, 2013. 176 p. : il. ; 21 cm.

Programa de Educação Patrimonial Trem da Vale. Vale Registrar. ISBN 978-85-64301-01-6 (broch.)

1. Indústria têxtil – Ouro Preto. 2. Indústria têxtil – Mariana. 3. Fiação – Ouro Preto. 4. Fiação – Mariana. 5. Minas Gerais – História.I. Indústria e Tecelagem São José. II. Companhia Industrial Ouropretana. III. Título.

CDD 677.2

PUBLICAÇãO SEM FINS LUCRATIVOS, DISTRIBUIÇãO GRATUITA

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esta obra foi produzida num sistema de

editoração eletrônica macintosh, usando os

programas Indesign, Illustrator e photoshop.

o texto foi composto na fonte gill sans, cor-

po 11. A impressão foi executada pela rona

editora, em papel offset 120g, com tiragem

de 1000 exemplares, para a Fundação vale.