Filosofia Para Vestibular

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FILOSOFIA – UFU E UEG Prof. Gilberto Soares CONTEÚDO PROGRAMÁTICO I – Filosofia Antiga: as origens da filosofia e os filósofos gregos 1. O nascimento da filosofia: mito e razão 2. Os filósofos pré-socráticos: Heráclito e Parmênides 3. Sócrates e Platão 4. Aristóteles II – Filosofia Medieval 1. Principais períodos da filosofia medieval 2. Santo Agostinho 3. Tomás de Aquino 4. A questão dos universais: um problema não apenas medieval III – Filosofia Moderna – A questão do conhecimento 1. O conhecimento como problema filosófico 2. René Descartes 3. David Hume 4. O criticismo de Immanuel Kant IV – Filosofia Moderna – A questão política 1. Maquiavel: a política como categoria autônoma 2. Thomas Hobbes e o Estado absoluto 3. John Locke e o Estado liberal 4. Jean-Jacques Rousseau e o Estado democrático V – Filosofia Contemporânea 1. George W. F. Hegel 2. Karl Heinrich Marx 3. Nietzsche e Foucault 4. O Existencialismo de Jean-Paul Sartre

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FILOSOFIA – UFU E UEG

Prof. Gilberto Soares

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

I – Filosofia Antiga: as origens da filosofia e os filósofos gregos

1. O nascimento da filosofia: mito e razão2. Os filósofos pré-socráticos: Heráclito e Parmênides3. Sócrates e Platão4. Aristóteles

II – Filosofia Medieval

1. Principais períodos da filosofia medieval2. Santo Agostinho3. Tomás de Aquino4. A questão dos universais: um problema não apenas medieval

III – Filosofia Moderna – A questão do conhecimento

1. O conhecimento como problema filosófico2. René Descartes3. David Hume4. O criticismo de Immanuel Kant

IV – Filosofia Moderna – A questão política

1. Maquiavel: a política como categoria autônoma2. Thomas Hobbes e o Estado absoluto3. John Locke e o Estado liberal4. Jean-Jacques Rousseau e o Estado democrático

V – Filosofia Contemporânea

1. George W. F. Hegel2. Karl Heinrich Marx3. Nietzsche e Foucault4. O Existencialismo de Jean-Paul Sartre

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I - FILOSOFIA ANTIGAAS ORIGENS DA FILOSOFIA E OS FILÓSOFOS GREGOS

Introdução

Embora de um modo ou de outro o ser humano sempre tenha exercido seus dons filosóficos, a filosofia ocidental como um campo de conhecimento coeso e estabelecido, surge na Grécia antiga com a figura de Tales de Mileto, que foi o primeiro a buscar uma explicação para os fenômenos da natureza usando a razão e não os mitos, como era de costume.

A filosofia ocidental perdura há mais de 2.500 anos, tendo sido a mãe de quase todas as ciências. Psicologia, Antropologia, História, Física, Astronomia, Matemática, Biologia e praticamente qualquer outra derivam direta ou indiretamente da filosofia. Entretanto as "filhas" ciências se ocupam de objetos de estudo específicos, e a "mãe" se ocupa do todo, da totalidade do real.

Nada escapa à investigação filosófica. A amplitude de seu objeto de estudo é tão vasta, que foge a compreensão de muitas pessoas, que chegam a pensar ser a filosofia uma atividade inútil. Além disso seu significado também é muito distorcido no conhecimento popular, que muitas vezes a reduz a qualquer conjunto simplório de idéias específicas, as "filosofias de vida", ou basicamente a um exercício poético.

Entretanto como sendo praticamente o ponto de partida de todo o conhecimento humano organizado, a filosofia estudou tudo o que pôde, estimulando e produzindo os mais vastos campos do saber, mas diferente da ciência, a filosofia não é empírica, ou seja, não faz experiências. Mesmo por que geralmente seus objetos de estudo não são acessíveis ao empirismo.

A razão e a intuição são as principais ferramentas da filosofia, que tem como fundamento a contemplação, o deslumbramento pela realidade, a vontade de conhecer, e como método primordial a rigorosidade do raciocínio e da linguagem, para atingir a estruturação do pensamento e a organização do saber.Capítulo 1: O nascimento da filosofia: mito e razão

Fonte: www.meusestudos.com/.../partenon-da-acropole.jpg/12/12/2008

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A Palavra “Filosofia”

A palavra filosofia é originalmente grega e é composta por outras duas: philos, que significa amor/amizade e sophia, que significa sabedoria; portanto, filosofia é amor pela sabedoria ou amizade pelo saber. Não um amor de quem já possui ou detém aquilo que ama, mas de quem ainda procura a sabedoria, que busca alcançar a verdade.

A tradição nos apresenta o filósofo grego Pitágoras de Samos (Século VI-V a.C.) como o “inventor” do termo filosofia. Segundo o autor do famoso teorema matemático, a sabedoria plena só é possível aos deuses, mas aos homens devem desejá-la, tornando-se filósofos, amante do saber.

A verdade não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê-la. Ter esses olhos é ser filósofo!

Pitágoras: O criador do termo filosofia.Fonte: http://www.mundoeducacao.com.br/filosofia/origem-filosofia.htm 24/11/2008

Mito e Filosofia

O homem grego foi, por séculos, educado pelo mito. A palavra mito vem do grego mythos, que significa contar, narrar algo a alguém. O mito é uma narração fabulosa de origem popular e não refletida, dotada de forte sentido simbólico e pedagógico, que tem por finalidade a explicação do mundo, da realidade que nos circunscreve.

Admirado e amedrontado diante dos fenômenos que o cercam (sem entender o dia, a noite, a chuva, o terremoto, a origem do cosmos, a morte, o amor, entre outras coisas), o homem recorre aos mitos – primeira tentativa de situar-se no mundo – como fonte de explicação para o que vê, mas, como dissemos, já não compreende. Forças sobrenaturais são invocadas, deuses revestem-se de formas humanas (antropomorfismo) e se materializam nos mitos criados para desvendar o inefável.

Em suma, o mito é desprovido daquilo que os gregos chamam de logos, isto é, de razão ou racionalidade; é uma intuição acrítica, pré-reflexiva de um espírito cientificamente primitivo, narrada por um poeta-rapsodo, que a tornava sagrada e, por isso, incontestável e inquestionável.

No século VII a.C., na Jônia, região dominada pelos gregos, o comércio se intensificava, gerando riquezas que favoreceram importantes progressos materiais e culturais. Nesse ambiente de grandes transformações no modo de vida urbano, surgiram questões para as quais as explicações mitológicas soavam cada vez mais insuficientes. Foi nesse cenário que surgiram os filósofos pré-socráticos, assim chamados porque antecederam Sócrates, o primeiro dos três grandes filósofos da Grécia antiga.

Os pré-socráticos são também conhecidos como filósofos da natureza, e essa primeira fase do pensamento grego é chamada naturalista (ou período cosmológico), já que a investigação filosófica é

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dirigida para o mundo exterior, para a natureza, onde se acreditava ser possível encontrar o princípio de todas as coisas, isto é, aquilo que está em todos os seres existentes, que é comum a tudo. Segundo os filósofos dessa época, esse princípio (arché) seria a chave para conhecer e explicar tudo o que existe no universo.

O período cosmológico confunde-se com os primeiros passos da filosofia no Ocidente e se origina na necessidade intuída pelo homem de explicar de maneira racional – e, portanto, não mítica – a ordem do mundo e/ ou da natureza (physis, para os gregos). A cosmologia é, então, uma filosofia da natureza; daí os primeiros filósofos serem chamados de “físicos” – isto é, só diz respeito ao homem na medida em que ele é parte de um universo natural que o engloba e determina. Dos filósofos pré-socráticos, os mais notáveis são Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia.

O Nascimento da filosofia

Aristóteles afirmava que a filosofia tinha a sua origem no espanto, na estranheza e perplexidade que os homens sentem diante dos enigmas do universo e da vida. É o espanto que os leva a formularem perguntas e os conduz à procura das respectivas soluções. Com efeito, o espanto torna o evidente em algo incompreensível, o vulgar extraordinário.

Os historiadores da filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: final do século VII e início do século VI a.C., nas colônias da Ásia Menor, na cidade de Mileto. Apesar da segurança desses dados, existe um problema que, durante séculos, vem ocupando os historiadores da filosofia: o de saber se a filosofia – que é um fato especificamente grego – nasceu por si mesma ou dependeu de contribuições da sabedoria oriental (egípcios, assírios, persas, babilônios, caldeus) e da sabedoria de civilizações que antecederam à grega (Minos, Tirento, Micenas).

Durante muito tempo, considerou-se que a filosofia nascera por transformações que os gregos impuseram aos conhecimentos da sabedoria oriental. No entanto, nem todos aceitaram essa tese, chamada “orientalista”, e muitos, sobretudo no século XIX da nossa era, passaram a falar na filosofia como sendo o “milagre grego”. Com a palavra “milagre”, queriam dizer queriam dizer que a filosofia surgiu inesperada e espantosamente na Grécia, sem que nada anterior a preparasse, ressaltando a excepcionalidade intelectual do povo grego.

Retirados os exageros das duas teses acima, percebe-se que, embora a filosofia tenha dívidas com a sabedoria dos orientais, não se pode negar as profundas mudanças que os gregos operaram naquilo que receberam dos orientais. De fato, tais mudanças foram tão profundas, que até parecia terem criado sua própria cultura a partir de si mesmos.

Exercícios

1. (UFU) A palavra Filosofia é resultado da composição em grego de duas outras: philo e sophia. A partir do sentido desta composição e das características históricas que tornaram possível, na Grécia, o uso de tal palavra, pode-se afirmar que

a) Sólon, mesmo sendo legislador, pode ser incluído na lista dos filósofos, visto que ele era dotado de um saber prático.b) a palavra, atribuída primeiramente a Parmênides, indica a posse de um saber divino e pleno, tornando os homens verdadeiros deuses.c) a Filosofia, como quer Aristóteles, é um saber técnico, possibilitando, pela posse ou não de uma habilidade, tornar alguns homens os melhores.d) a Filosofia, na definição de Pitágoras, indica que o homem não possui um saber, mas o deseja, procurando a verdade por meio da observação.

2. (UFU) No poema Teogonia, as Musas aparecem ao poeta Hesíodo e dizem-lhe o seguinte:“sabemos dizer muitas mentiras semelhantes aos fatos e sabemos, se queremos, dar a ouvir verdades”

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Com base neste trecho é correto afirmar:

I. A Filosofia assemelha-se ao mito por entender que a verdade baseia-se na autoridade de quem a diz.II. No mito, há espaço para contradições e incoerências, pois a verdade nele se estabelece em um plano diverso daquele em que atua a racionalidade humana.III. O mito entende que a verdade é, por um lado, uma conformidade com alguns princípios lógicos e, por outro, a verdade deve ser dita em conformidade com o real.IV. A crença e a confiança no mito provêm da autoridade religiosa do poeta que o narra.

a) I e III são corretas.b) II e III são corretas.c) II e IV são corretas.d) III e IV são corretas.

3. A respeito do nascimento da filosofia no mundo grego, assinale a ÚNICA alternativa incorreta:

a) A filosofia está intimamente ligada à cosmologia, tentando oferecer uma explicação racional para a origem e a ordem do mundo.b) A filosofia, como continuidade da tradição helênica dava uma nova dimensão para o mito, inaugurando uma nova maneira de explicar os conflitos e as tensões sociais, conservando a base mítica.c) A filosofia pode ser também concebida como o resultado do contato entre povos antigos e a herança recebida de outras civilizações.d) Os primeiros filósofos dedicaram seus estudos a respeito de questões relacionadas ao cosmos ou à natureza.

Capítulo 2: Os filósofos pré-socráticos – Heráclito e Parmênides

Heráclito de Éfeso

Heráclito. Detalhe da Escola de Atenas, de Rafael.

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O Ser como movimento ou devir

Nascido em Éfeso, na Jônia, Heráclito (540?-480? a.C.) é considerado por numerosos autores da história da filosofia o mais importante dos pré-socráticos, apesar de ter sido conhecido como o “obscuro”, por apresentar seu pensamento por meio de aforismos, com um estilo propositadamente enigmático. Sua idéia mestra é o devir eterno, a transformação incessante, pela qual as coisas se constroem e se dissolvem em outras. Assim, a idéia absolutamente original trazida por Heráclito é a de que o mundo não é um lugar estático, mas um fluxo, uma mudança permanente de todas as coisas, um constante vir-a-ser. Para Heráclito, nada permanece o mesmo, nem por um instante. O que é hoje, amanhã não mais será. São frases dele:

“O Sol é novo a cada dia” e “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”.

Tudo flui, tudo passa, tudo se move sem cessar. A vida se transforma em morte, a morte em vida; o úmido seca, o seco umedece; a noite torna-se dia, o dia torna-se noite; a vigília cede ao sono, o sono cede à vigília; o jovem torna-se velho, o velho se faz criança. O mundo é um perpétuo renascer e morrer, rejuvenescer e envelhecer. Nada permanece idêntico a si mesmo. Assim, para Heráclito, a essência verdadeira está na transformação, na mudança ou devir.

Céu e água, por Maurits C. Escher

Além disso, tudo tem o seu ser, mas também o não-ser, o seu oposto. Assim, tudo no universo está em permanente guerra contra o seu contrário. Os seres vivos morreriam porque já trariam em si a morte, como que oculta. Conhecer qualquer coisa só é possível porque existe o seu contrário; sabemos o que é a alegria porque experimentamos a tristeza, e vice-versa. O mesmo, segundo Heráclito aconteceria com as qualidades de tudo o que existe, sempre aos pares. Por exemplo, a guerra e a paz, o quente e o frio, o amor e o ódio.

Heráclito concebia o universo e todos os seus fenômenos como uma unidade. Entretanto, a afirmação de que tudo é Um assume em sua concepção um caráter completamente novo: a unidade só

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existe enquanto processo; a unidade, não vista como algo que permanece na imutabilidade, só permanece enquanto movimento de transformações contínuas. Havia no mundo uma lei, uma racionalidade – o que Heráclito chama de Logos – que dirigia seu movimento, constituindo a sua unidade. Para Heráclito, como já foi dito, tudo flui (panta rei); mas não se trata de um fluxo caótico e desarmonioso, pelo contrário, a guerra e a luta das forças antagônicas é harmonia no mais alto grau, isto é, a unidade do mundo decorre da tensão gerada pelos opostos. Para Heráclito, enfim, o princípio ou ser nada mais é que o vir-a-ser.

Parmênides de Eléia

Fonte: www.educ.fc.ul.pt/.../images/Parmenides.jpg/24/11/2008

O Ser é e o não-ser não é

Entre os pensadores eleatas, Parmênides (515?-450? a.C.) é o mais ilustre. Ele, ao investigar a physis (a natureza) e a arché (o princípio de todas as coisas), praticamente deu início às reflexões sobre a lógica e a ontologia (estudo do ser).

Parmênides considera que o pensamento humano pode atingir o conhecimento genuíno e a compreensão. Essa percepção do domínio do "ser" corresponde às coisas que são percebidas pela mente. O que é percebido pelas sensações, por outro lado, é, segundo ele, enganoso e falso, e pertence ao domínio do não-ser. Trata-se de uma oposição direta ao mobilismo defendido por Heráclito de Éfeso, para quem "tudo passa, nada permanece". Seu pensamento influenciou a chamada "teoria das formas", de Platão.

Através dos sentidos, dizia o filósofo, os homens percebem os mais diversos fenômenos naturais, constatam mudanças nas pessoas e nos seres vivos em geral; em resumo, testemunham um mundo que está em constante transformação. Segundo Parmênides, entretanto, o que é percebido pelos sentidos não permite que o homem conheça realmente a verdade, o Ser universal. Por exemplo, ainda que um broto de árvore se transforme em uma frondosa árvore, ele continua sendo um broto de árvore; sua essência não muda.

Segundo esse filósofo, o ser é e o não-ser não é. Em outras palavras, o não-ser simplesmente não existe; é inconcebível mesmo para o pensamento, pois, se pudesse ser pensado, existiria pelo menos como idéia. Por outro lado, Parmênides afirma que o Ser é imutável e eterno, porque, se sofresse uma

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transformação qualquer, teria de deixar de ser (isto é, tornar-se não-ser) para tornar-se outra coisa (isto é, de não-ser, tornar-se ser). Mas isso seria impossível, pois nada pode surgir do não-ser.

Ao afirmar que o que é, é e não pode não-ser, Parmênides afirmava um ser já completo, nada mais a ele se poderia acrescentar nem retirar; não sujeito a nenhuma mudança. O Ser imutável era o limite do real e do possível de ser pensado, não havia a possibilidade de pensar qualquer coisa como não existindo, não havia a possibilidade de pensar o “não-ser” e de, portanto, o “não-ser, ser”.

O Ser, para Parmênides, deve ser incriado (ingênito) e indestrutível; não pode ter-se originado do nada nem de qualquer outra coisa, pois é absurdo que algo dê origem àquilo que já é. O que é, nunca veio a ser (nunca esteve no devir), pois se veio a ser, um dia não era e, se não era, nunca poderia vir a ser. O Ser não se move, pois, se se movesse, iria para o não-ser, o que é absurdo! O ser é, em suma, objeto de pensamento, pois “pensar é ser”.

Em seus poemas, Parmênides estabelece uma distinção, duas vias do conhecimento: a via da verdade (aletheia) e a via da opinião (doxa). A via da opinião ou da aparência, baseada nas informações recebidas pelos sentidos, podia fornecer conhecimento sobre o mundo sensível, mas, exatamente por captá-lo como múltiplo, instável e transitório, era insuficiente e enganadora para apreender a essência desse mundo, o seu verdadeiro Ser. Este só seria apreendido pela vida da verdade que, desprezando e recusando as informações fornecidas pelos sentidos, fundava-se no uso da razão. Ser, pensar e dizer seriam a mesma coisa. Não-ser, perceber, opinar teriam o significado oposto, nada representando perante o pensamento. Para Parmênides, os sentidos nos oferecem uma visão enganadora do mundo, diferentemente da razão. A razão humana seria o verdadeiro caminho de conhecimento, e não os sentidos.

Exercícios

1. Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, compreendia que

I. o ser é vir-a-ser.II. o vir-a-ser é a luta entre os contrários.III. a luta entre os contrários é o princípio de todas as coisas.IV. da luta entre os contrários origina-se o não-ser.

Assinale a) se apenas I, II e III estiverem corretas.b) se apenas I, III e IV estiverem corretas.c) se apenas II, III e IV estiverem corretas.d) se apenas I, II e IV estiverem corretas.

2. (UFU) o poema Sobre a Natureza Parmênides afirma: "os únicos caminhos de inquérito que são a pensar: o primeiro que é e portanto que não é não ser, de Persuasão é caminho (pois à verdade acompanha); o outro, que não é e portanto que é preciso não ser, este então, eu te digo, é atalho de todo incrível; pois nem conhecerias o que não é nem o dirias." Pode-se daí inferir que:

a) apenas o ser pode ser dito e pensado.b) o não ser de algum modo é.c) o ser e o pensar são distintos.d) o ser é conhecido pelos sentidos.

Capítulo 3: Sócrates e Platão

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Sócrates

Sócrates no leito de morte, Jacques-Louis David, 1787

O método socrático

Tudo o que sabemos sobre a vida e o pensamento de Sócrates (470?-399 a.C.) é proveniente dos comentários dos filósofos que seguiram suas idéias, pois ele não deixou nenhum escrito. A figura de Sócrates era, com freqüência, associada à dos sofistas; contudo, o filósofo não vendia os seus ensinamentos – até porque afirmava não possuir nenhum: “Só sei que nada sei”, dizia Sócrates – e, ao contrário daqueles, buscava antes de tudo, a verdade e não a aparência do saber. Mas, o que propunha Sócrates?

Propunha que, antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expressão “conhece-te a ti mesmo”, que estava gravada no pórtico do templo do deus Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates.

Sócrates fazia perguntas sobre as idéias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, surpresos, percebendo que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e idéias.

A filosofia socrática era desenvolvida mediante diálogos críticos com seus interlocutores. Esses diálogos eram constituídos, de modo geral, por dois momentos: a ironia e a maiêutica. No início do diálogo, Sócrates convida seu interlocutor a filosofar sobre determinado assunto, a buscar a verdade acerca daquilo sobre o que falam. Geralmente, o filósofo começa com uma pergunta do tipo: “O que é a justiça?”; é óbvio, caso o assunto fosse do diálogo fosse “justiça” e assim por diante. Ao receber as primeiras respostas, Sócrates passa a analisá-las para ver se ali encontra um conceito (definição) da coisa procurada. Aqui, ao perceber que é uma definição, inicia-se, então a ironia (refutação), que visa demonstrar àquela pessoa que o que ela pensava saber sobre determinado assunto é, na verdade, aparência de saber, opiniões subjetivas, e não a definição buscada.

Na ironia, Sócrates atacava de modo implacável as respostas de seus interlocutores: com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar as contradições das afirmações e os novos problemas que surgiam como conseqüência de determinada resposta. Seu objetivo inicial era demolir o orgulho, a arrogância e a presunção do saber. A primeira virtude do sábio é adquirir consciência da própria ignorância. A ironia socrática tinha um caráter purificador, na medida em que levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e verdades. Nesta fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não era propriamente dito destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores, mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das conseqüências que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos vagos e imprecisos.

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Após ter reconhecido, o interlocutor estava apto para o segundo momento do diálogo: a maiêutica. Maiêutica é um termo de origem grega que significa “a arte de trazer à luz”, ou ainda “a arte de parturejar”. Sócrates dizia-se um parteiro de idéias e evocava a imagem de sua mãe – que era parteira – para, numa linguagem metafórica, explicar seu papel de filósofo. Na qualidade de filho de uma parteira, Sócrates, perito em partos, assiste ao parto dos espíritos, dos pensamentos que eles – os espíritos dos interlocutores – contêm sem o saber.

Sócrates, por meio de perguntas, destrói o saber constituído para reconstruí-lo na procura da definição do conceito. Esse processo aparece bem ilustrado nos diálogos de Platão, e é bom lembrar que, no final do diálogo, nem sempre Sócrates tem a resposta: ele também se põe em busca do conceito e às vezes as discussões não chegam a conclusões definitivas ou não têm uma resposta precisa. Daí a razão pela qual alguns dos diálogos de Sócrates possuem um caráter aporético, insolúvel (aporia).

Texto complementar

Os sofistas

No século V a.C., Atenas vivia o auge de um regime de governo no qual os homens livres decidiam os interesses comuns a todos os cidadãos. Em outras palavras, eles determinavam, em discussões públicas, como a cidade devia ser administrada. Era considerado cidadão o homem que possuísse alguma propriedade (uma casa, pelo menos), que tivesse escravos, e que não fosse estrangeiro. Ou seja, nem todos participavam das decisões públicas; as mulheres, por exemplo, eram excluídas. Esse regime de governo era a democracia ateniense que, embora não garantisse os mesmos direitos para todas as pessoas, representou uma importante mudança no modo de ver o mundo, pois tinha como fundamento a idéia de que o homem tem soberania sobre seu destino.

No mesmo período deu-se o auge da produção de um gênero de teatro conhecido como tragédia. Esse gênero dramático tematizava acontecimentos terríveis, muitas vezes míticos, e tinha a intenção de mostrar as conseqüências de atos imorais e passionais dos homens. A tragédia também era uma reflexão sobre o conflito entre a liberdade individual e o destino, tema que incomodava os cidadãos da democracia: afinal de contas, até que ponto eles teriam poder sobre suas vidas? Como exemplo, temos a história de Édipo Rei, escrita por Sófocles (497?-406 a.C.); baseada num mito, narra como Édipo veio inadvertidamente a assassinar seu pai e se casar com sua mãe, Jocasta, e as punições que o destino reservou para ele, sua família e sua cidade por causa desses crimes.

As propostas que os cidadãos atenienses defendiam publicamente eram feitas por meio de discursos proferidos na ágora. Para obter a aprovação da maioria, esses pronunciamentos deveriam conter argumentos sólidos e persuasivos: falar bem e de modo convincente era considerado, portanto, um dom muito valioso. Por isso, havia cidadãos que procuravam aperfeiçoar sua habilidade de discursar, a fim de melhor convencer os outros. A necessidade de se expressar bem, juntamente com a importância que foi dada ao indivíduo, naquele período concebido como o senhor de seu destino, favoreceu o surgimento de um grupo de filósofos chamados sofistas, que dominavam a arte da oratória, isto é, o uso habilidoso da palavra. Esses filósofos eram originários de diferentes cidades e viajavam pelas póleis governadas da mesma forma democrática, especialmente Atenas, onde discursavam em público e ensinavam sua arte em troca de pagamento.

Os sofistas, entretanto, não foram somente professores, mas também estabeleceram uma corrente de pensamento própria. Sua preocupação filosófica se voltava para o homem e a vida em sociedade; as questões que ocuparam os pré-socráticos, dirigidas para a natureza e a essência do universo, foram colocadas em segundo plano.

Alguns pensadores sofistas foram Górgias (483?-376 a.C.), Hípias (século V a.C.) e Protágoras (485?-410? a.C.), a quem se atribui uma famosa frase: "O homem é a medida de todas as coisas".

Para os sofistas, tudo devia ser avaliado segundo os interesses do homem e de acordo com a forma como este vê a realidade social. Isso significava que, segundo essa corrente de pensamento, as regras morais, as posições políticas e os relacionamentos sociais deveriam ser guiados conforme a conveniência individual. Para esse fim, qualquer pessoa poderia se valer de um discurso convincente, mesmo que falso ou sem conteúdo. Os sofistas usavam, de fato, complicados jogos de palavras, trocadilhos, raciocínios sem lógica, todos os recursos do discurso para demonstrar a "verdade" daquilo que se pretendia alcançar. Esse tipo de argumento ganhou o nome de sofisma.

Segundo a sofística, o que importava para o ser humano era obter prazer com a satisfação de seus instintos, de seus desejos individuais. Assim, até mesmo dominar outros cidadãos seria justificado, se isso gerasse alguma vantagem pessoal.

Em resumo, a sofística destruía os fundamentos de todo conhecimento, já que tudo seria relativo e os valores seriam subjetivos, assim como impedia o estabelecimento de um conjunto de normas de comportamento que garantissem os mesmos direitos para todos os cidadãos da pólís.

Foi nesse contexto que surgiu um pensador cuja doutrina se opunha profundamente à sofística: Sócrates.

Platão

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Detalhe de Platão, n'A Escola de Atenas, obra do renascentista Rafael.

A teoria das idéias

Um dos filósofos que mais influenciaram a cultura ocidental, Platão, cujo nome verdadeiro era Aristócles, nasceu de uma família rica, envolvida com políticos. Muitos estudiosos de sua obra dizem que o grego ficou conhecido como Platão por causa do seu vigor físico e ombros largos ("platos" significa largueza). A excelência na forma física era muito apreciada na Grécia antiga e os seus "diálogos" estão repletos de referências às competições esportivas.

Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Platão é a sua teoria das idéias – o termo “idéia” vem do grego eidos, que significa forma – que procura explicar como se desenvolve, ou deveria se desenvolver – o conhecimento humano. Vejamos, então, sua teoria do conhecimento.

Para Platão, o processo do conhecimento se desenvolve por meio de uma passagem progressiva do mundo sensível – da realidade material, corpórea – para o mundo inteligível – lá onde as coisas são, isto é, onde tudo está enquanto essência imutável, imóvel, pura perfeição. Com efeito, a realidade sensível (dos sentidos), da qual, obviamente, fazemos parte, não nos oferece a possibilidade do verdadeiro conhecimento, uma vez que a matéria de que as coisas sensíveis foram feitas tornam tais coisas imperfeitas, mutáveis, corruptíveis e contingentes. O mundo material é contraditório e, por isto, dele só nos chegam as aparências das coisas e sobre eles temos tão-somente opiniões, nunca conhecimento.

fonte: filosofartecultura.blogspot.com/20/11/2008

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O mundo sensível não constitui a verdadeira realidade: é um pálido reflexo de uma realidade superior, de um mundo supra-físico. O mundo sensível, que desliza entre o Ser e o não-ser, só tem realidade na medida em que participa do mundo inteligível ou das idéias. As coisas materiais que nos rodeiam são como sombras das idéias, isto é, simulacros das suas formas primordiais e modelos eternos que habitam o supra-físico. Esses modelos eternos, segundo Platão, são incorpóreos e imutáveis. Embora Platão os chame também de “idéias”, eles não existem na mente humana, ao contrário, existem fora do sujeito e fora dos objetos, num plano que o filósofo denomina “Hiperurânio”; um plano metafísico ao qual se tem acesso apenas pelo pensamento. Quando vemos uma mesa, por exemplo, ela pode mudar de cor, envelhecer, se estragar; contudo, a essência da mesa permanece sempre a mesma, em qualquer época ou lugar é sempre a “idéia” de mesa. Sobre a essência de mesa se faz conhecimento, mas, sobre a mesa material, tudo o que temos é mera opinião (doxa) e aparência. Assim, todo o nosso esforço deve ser concentrado na tentativa de acessarmos o mundo das idéias para transcendermos esse mundo de devir, vir-a-ser (como demonstrou o filósofo Heráclito).

Mito da caverna. Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/platao/images/caverna4.jpg

Portanto, o conhecimento verdadeiro deve, para Platão, ultrapassar a esfera das impressões sensoriais (mundo sensível) e penetrar na esfera racional do mundo das idéias. Ora, de acordo com Platão, a dialética é, por excelência, o conhecimento verdadeiro, o método filosófico que pode nos levar, num processo ascendente, da realidade sensível – da crença e da opinião – para o plano supra-físico – das idéias e essências. A dialética promove uma espécie de separação da alma inteligível com o corpo físico, fazendo com que a alma capte, num plano superior, as coisas totais e perfeitas: a bondade em si, a coragem em si, a sabedoria em si, entre outros. Vale ressaltar que para estar apto a fazer a dialética, o indivíduo deve obedecer a uma fortíssima preparação que vai, em estágios, escolhendo aqueles que tem o espírito mais preparado para encontrar as formas ideais. Deste modo, não são todos que possuem a natureza adequada à dialética; ela está reservada aos que Platão chama de aristoi: os melhores.

A teoria da Reminiscência

Platão supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o mundo das idéias. Mas tudo esquecem quando se degradam ao se tornarem prisioneiros do corpo, que é considerado o “túmulo da alma”. Pela teoria da reminiscência, Platão explica como os sentidos se constituem apenas na ocasião para despertar nas almas as lembranças adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. No diálogo Menon, Platão descreve como um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são oferecidas, é induzido a “lembrar-se” das idéias e descobre uma verdade geométrica.

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Política: a função do filósofo

Para compreender o aspecto político da teoria platônica das idéias, é necessário fazer uma analogia com o mito da caverna, segundo o qual os homens viviam, desde a infância, acorrentados no interior de uma caverna, aonde só conheciam sombras do real. O prisioneiro que se libertou das correntes (isto é, o filósofo), ao sair da caverna e contemplar a verdadeira realidade e ter passado da opinião (doxa) à ciência (episteme), deve retornar ao meio dos homens para orientá-los.Eis assim a dimensão política do mito da caverna, surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar e governar. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado. Portanto, para que o Estado seja bem governado, é preciso que “os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos”.

Platão propõe um modelo aristocrático de poder. No entanto, não se trata de uma aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o poder é confiado aos melhores, ou seja, é uma sofocracia (governo dos sábios).

Texto complementar

O mito da caverna de Platão*

Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um muro alto. Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa. Desde o nascimento, geração após geração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder mover a cabeça nem se locomover, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas as sombras dos outros e de si mesmos por que estão no escuro e imobilizados.

Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas sombras também são projetadas na parede da caverna, como num teatro de fantoches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons de suas falas e as imagens que transportam nos ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seres vivos que se movem e falam.

Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. De inicio, move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com a qual seus olhos não estão acostumados. Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de seus olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento.

Ao permanecer no exterior o prisioneiro, aos poucos se habitua a luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de ver as próprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutará com todas as forças para jamais regressar a ela. No entanto não pode deixar de lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los a se libertarem também.

Só que os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras e, se não conseguem silenciá-lo com suas caçoadas, tentam fazê-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna, certamente acabam por matá-lo. Mas quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair da caverna rumo à realidade?

*Fonte: giulianofilosofo.blogspot.com/2007/08/o-mito-da-caverna-de-plato.html

Exercícios

1. Sócrates é tradicionalmente considerado como um marco divisório da filosofia grega. Os filósofos que o antecederam são chamados pré-socráticos. Seu método, que parte do pressuposto "só sei que nada sei", é a maiêutica que tem como objetivo:

I. "dar luz a idéias novas, buscando o conceito".

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II. partir da ironia, reconhecendo a ignorância até chegar ao conhecimento.III. encontrar as contradições das idéias para concluir pela impossibilidade de qualquer conhecimento.IV. "trazer as idéias do céu à terra".

Assinalea) se apenas I e II estiverem corretas.b) se apenas I e III estiverem corretas.c) se apenas II, III e IV estiverem corretas.d) se apenas III e IV estiverem corretas.

2. O “O mito da caverna” (livro, A república, Platão) tem como pressuposto a teoria das idéias. Considera-se então que seja

I. uma metáfora do conhecimento: o movimento de saída e a contemplação da luz significam o processo de aquisição do conhecimento, o qual se inicia com a opinião indo até o entendimento (idéias).II. Um simples e mero relato da libertação das correntes que prendiam os homens no interior da caverna.III. uma forma de Platão representar a importância e a superioridade do filósofo, como aquele que chega ao conhecimento e tem a missão de transmiti-lo aos outros.IV. uma história que simboliza a vida do homem das cavernas.

Assinale a correta:a) I e II são interpretações possíveis.b) II e IV são interpretações possíveis.c) I e IV são interpretações possíveis.d) I e III são interpretações possíveis.

3. Marque a alternativa correta.

O livro VII da Republica de Platão, também conhecido como “O mito da Caverna”, nos apresenta

a) a explicação para o surgimento das civilizações antigas que se originaram a partir dos homens das cavernas.b) o ideal platônico de formação do filósofo, sendo que este modelo de formação possui uma dimensão ética e política.c) uma fábula sobre a origem do homem, que esclarece o aparecimento das civilizações antigas.d) a teoria platônica cuja essência é a dialética, entendida por Platão com sendo a arte da sofística.

4. A Alegoria da Caverna de Platão, além de ser um texto de teoria do conhecimento, é também um texto político. No sentido político, é correto afirmar que Platão sustentava um modelo

a) monárquico, cujo governo deveria ser exercido por um filósofo e cujo poder deveria ser absoluto, centralizador e hereditário.b) aristocrático, baseado na riqueza e que representava os interesses dos comerciantes e nobres atenienses, por serem eles os mecenas das artes, das letras e da filosofia.c) democrático, baseado, principalmente, na experiência política de governo da época de Péricles.d) aristocrático, cujo governo deveria ser confiado aos melhores em inteligência e em conduta ética.

Capítulo 4: Aristóteles

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Aristóteles. Detalhe da Escola de Atenas de Rafael

A metafísica aristotélica

Aristóteles (384-322 a.C.) Nasceu em Estagira, na península macedônica da Calcídica (por isso é também chamado de o Estagirita). Era filho de Nicômano, amigo e médico pessoal do rei Amintas 2o, pai de Filipe e avô de Alexandre, O Grande. Aos 16 ou 17 anos, Aristóteles mudou-se para Atenas, então o centro intelectual e artístico da Grécia, e estudou na Academia de Platão até a morte do mestre, no ano 347 a.C.

Aristóteles retoma a problemática do conhecimento e se preocupa em definir a ciência como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, capaz de superar os enganos da opinião e de compreender a natureza do devir. Mas ao analisar a oposição entre o mundo sensível e o inteligível segundo a tradição de Heráclito, Parmênides e Platão, Aristóteles recusa as soluções apresentadas e critica pormenorizadamente o mundo “separado” das idéias platônicas.

A teoria aristotélica se baseia em três distinções fundamentais, que passamos a descrever simplificadamente: substância-essência-acidente; ato-potência; forma-matéria, que por sua vez desembocam na teoria das quatro causas. Todos esses conceitos são desenvolvidos na sua Metafísica ou Filosofia Primeira.

Aristóteles “traz as idéias do céu à terra”: rejeita o mundo das idéias de Platão, fundindo o mundo sensível e o inteligível no conceito de substância, enquanto “aquilo que é em si mesmo”, ou enquanto suporte dos atributos.

Ora, quando dizemos algo de uma substância, podemos nos referir a atributos que lhe convêm de tal forma que, se lhe faltassem, a substância não seria o que é. Designamos esses atributos de essência propriamente dita, e chamamos de acidente o atributo que a substância pode ter ou não, sem deixar de ser o que é. Então, a substância individual “este homem” tem como características essenciais os atributos pelos quais este homem é homem (Aristóteles diria, a essência do homem é a racionalidade) e outros, acidentais (como ser gordo, velho ou belo), atributos esses que não mudam o ser do homem em si.

No entanto, o problema das transformações dos seres ainda não se resolve com os conceitos de essência e acidente, e por isso Aristóteles recorre às noções de forma e matéria. Matéria é o princípio indeterminado de que o mundo físico é composto, é “aquilo de que é feito algo”, o que não coincide

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exatamente com o que nós entendemos por matéria, na física, por se caracterizar pela indeterminação. Forma é “aquilo que faz com que uma coisa seja o que é”.

Todo ser é constituído de matéria e forma, princípios indissociáveis. Enquanto a forma é o princípio inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie, pela qual todos são o que são, a matéria é pura passividade, contendo a forma em potência. Numa estátua, por exemplo, a matéria (que nesse caso é a matéria segunda, pois já tem alguma determinação) é o mármore; a forma é a idéia que o escultor realiza na estátua. É através da noção de matéria e forma que se explica o devir. Todo ser tende a tornar atual a forma que tem em si como potência. Assim, a semente, quando enterrada, tende a se desenvolver e se transformar no carvalho que era em potência.

Percebe-se aí o recurso aos dois outros conceitos, de ato e potência, que explicam como dois seres diferentes podem entrar em relação, agindo um sobre o outro. O conceito de potência não deve ser confundido com força, mas sim com a ausência de perfeição em um ser capaz de vir a possui-la. Pois uma potência é a capacidade de tornar-se alguma coisa e, para tal, é preciso que sofra a ação de outro ser já em ato. A semente que contém o carvalho em potência foi gerada por um carvalho em ato. Potência é, portanto, o que está contido numa matéria e pode vir a existir, se for atualizado por alguma causa; por exemplo, a criança é um adulto em potência. O ato, por sua vez, é a atualidade de uma matéria, isto é, sua forma num dado instante do tempo; o ato é a forma que atualizou uma potência contida numa matéria. Por exemplo, a árvore é o ato da semente. Potência e matéria são idênticos, assim como forma e ato são idênticos. A matéria ou potência é uma realidade passiva que precisa do ato e da forma, isto é, da atividade que cria os seres determinados.

fonte: fatosefotosdacaatinga.blogspot.comProcesso de germinação: a semente está em potência para se tornar uma planta.

O movimento é, pois, a passagem da potência para o ato. O movimento é “o ato de um ser em potência enquanto tal”, é a potência se atualizando. Tais considerações levam à distinção dos diversos tipos de movimento e às causas do movimento ou teoria das quatro causas: as mudanças derivam da causa material, da causa formal, da causa eficiente e da causa final.

A causa material (ou matéria) é “aquilo de que é feita” uma coisa; por exemplo, a matéria dos animais são a carne e os ossos; a matéria da esfera é o bronze, da taça é o ouro, da casa são os tijolos e cimento, e assim por diante.

A causa eficiente (ou motora) é aquilo que promove a mudança e o movimento das coisas; por exemplo, os pais são causa eficiente dos filhos, a vontade é a causa eficiente de várias ações do homem, e assim por diante.

A causa formal é, como dissemos, a forma ou essência das coisas, a configuração dada a determinada matéria pela ação da causa eficiente. A Causa formal torna a coisa cognoscível.

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A causa final ou teleológica constitui o fim ou objetivo das coisas e das ações; ela constitui aquilo em vista de que ou em função de que cada coisa é ou advém; e isso, diz Aristóteles, é o bem de cada coisa.

Mesmo ainda considerando o postulado parmenídeo de que o ser é idêntico ao pensar, Aristóteles pôde superar Parmênides e Platão ao usar os conceitos acima expostos, pelos quais se compreende a imutabilidade e a mudança, o acidental e o essencial, o individual e o universal. Se conhecer é lidar com conceitos universais, é também aplicar esses conceitos a cada coisa individual. Com isso, nem é preciso justificar a imobilidade do ser, nem criar o mundo das essências imutáveis.

Lógica

fonte: os13fantasmas.wordpress.com/24/11/2008

Para Aristóteles, a lógica não era uma ciência teorética (como a metafísica), nem prática (como a ética), mas um instrumento para as ciências. Eis por que o conjunto das obras lógicas aristotélicas recebeu o nome de organon, palavra que significa instrumento.

O objeto da lógica é a proposição, que exprime, através da linguagem, os juízos formulados pelo pensamento. O juízo é o ato do pensamento pelo qual se afirma ou nega alguma coisa e, como tal, suscetível de uma valorização em termos de verdade ou falsidade, conforme o seu acordo ou desacordo com a realidade. Como ato do pensamento, o juízo tem a sua expressão verbal na proposição ou enunciado. Como exemplo de proposição temos “O homem é um ser violento”. Uma proposição é constituída por elementos que são seus termos. Os termos são palavras ou conceitos que utilizamos para pensarmos e comunicarmos os nossos pensamentos aos outros.

Aristóteles define os termos ou categorias como “aquilo que serve para designar uma coisa”. São palavras não combinadas com outras e que aparecem em tudo quanto pensamos e dizemos. As categorias ou termos indicam o que uma coisa (substância) é ou faz, ou como está. São aquilo que nossa percepção e nosso pensamento captam imediata e diretamente numa coisa, não precisando de qualquer demonstração, pois nos dão a apreensão direta de uma entidade simples. Há dez categorias ou termos:

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1. substância (por ex.: homem, Sócrates, animal);2. quantidade (por ex.: dois metros de comprimento);3. qualidade (por ex.: branco, grego, agradável);4. relação (por ex.: o dobro, a metade);5. lugar (por ex.: em casa, na rua, no alto);6. tempo (por ex.: ontem, hoje, agora);7. posição (por ex.: sentado, deitado, de pé);8. posse (por ex.: armado, isto é, tendo armas);9. ação (por ex.: corta, fere, derrama);10. paixão ou passividade (por ex.: está cortado, está ferido).

Propriedades lógicas dos termos ou categorias

Os termos possuem, basicamente, duas propriedades lógicas: a extensão e a compreensão. A primeira é o conjunto de objetos designados por um termo. A maneira como um termo define uma classe lógica é designando as qualidades específicas dos objetos que a formam. Estas qualidades específicas constituem a compreensão do termo.

Assim, por exemplo, a extensão do termo “homem” será o conjunto de todos os seres que podem ser designados por ele e que podem ser chamados de homens; a extensão do termo “metal” será o conjunto de todos os seres que podem ser designados como metais. Se, porém, tomarmos o termo “homem” e dissermos que é um animal, vertebrado, mamífero, bípede, mortal e racional, essas qualidades formam sua compreensão. Se tomarmos o termo “metal” e dissermos que é um bom condutor de calor, reflete a luz, etc., teremos a compreensão desse termo.

Entre a compreensão e a extensão estabelece-se uma relação quantitativa, que pode ser caracterizada do seguinte modo: quanto maior a compreensão, menor a extensão; vice-versa, quanto maior a extensão, menor a compreensão. Se, por exemplo, tomarmos o termo “João”, veremos que sua extensão é a menor possível, pois se refere a um único ser; no entanto, sua compreensão é a maior possível, pois possui todas as qualidades do termo homem (de maior extensão) e mais suas próprias qualidades enquanto uma pessoa determinada. Essa distinção permite classificar os termos em três tipos:

1. Gênero: extensão maior, compreensão menor. Exemplo: animal;2. Espécie: extensão média e compreensão média. Exemplo: homem;3. Indivíduo: extensão menor, compreensão maior. Exemplo: João.

O silogismo categórico

Aristóteles elaborou uma teoria do raciocínio como inferência. Segundo Marilena Chauí, Inferir é tirar uma proposição como conclusão de uma ou de várias outras proposições que a antecedem e são sua explicação ou sua causa. O silogismo é um tipo de inferência ou raciocínio que, segundo Aristóteles, apresenta três características principais:1. é mediato, pois exige um percurso de pensamento e de linguagem para que se possa chegar a uma conclusão;2. é dedutivo, pois parte de certas afirmações gerais e verdadeiras para chegar a outras (particulares) também verdadeiras e que dependem necessariamente das primeiras;3. é necessário, pois é dedutivo (as conseqüências a que se chega na conclusão resultam necessariamente da verdade do ponto de partida). Por ser necessário, Aristóteles designou o silogismo com o nome de ostensivo, pois ostenta ou mostra claramente a relação necessária e verdadeira entre o ponto de partida e a conclusão. O exemplo mais famoso do silogismo ostensivo é:

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Todos os homens são mortais.Sócrates é homem.Logo, Sócrates é mortal.

Um silogismo é constituído por três proposições. A primeira é chamada de premissa maior, a segunda, de premissa menor e a terceira, de conclusão, inferida das premissas pela mediação de um termo chamado termo médio.

O silogismo, para chegar a uma conclusão verdadeira, deve obedecer a um conjunto complexo de regras. Dessas regras, apresentaremos as mais importantes, tomando como referência o silogismo clássico que oferecemos acima: a premissa maior deve conter o termo maior (no caso, “mortais”) e o termo médio (no caso, “homens”); a premissa menor deve conter o termo menor (no caso, “Sócrates”) e o termo médio (no caso, “homem”); a conclusão deve conter o maior e o menor e jamais deve conter o termo médio (no caso, deve conter “Sócrates” e “mortal” e jamais deve conter “homem”). Sendo função do médio ligar os extremos (os termos maior e menor), deve estar nas premissas, mas nunca na conclusão.

A idéia geral da dedução ou inferência silogística é:

A é verdade de B.B é verdade de C.Logo, A é verdade de C.

Fonte: http://malprg.blogs.com/francoatirador/images/silogismo.jpg/03/12/2008

Regras do silogismo

São em número de oito. Quatro referem-se aos termos e as outras quatro às premissas.

Regras dos termos

1. Apenas existem três termos num silogismo: maior, médio e menor. Esta regra pode ser violada facilmente quando se usa um termo com mais de um significado: "Se o cão é pai e o cão é teu, então é teu pai." Aqui o termo "teu" tem dois significados, posse na segunda premissa e parentesco na conclusão, o que faz com que este silogismo apresente na realidade quatro termos.

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2. Nenhum termo deve ter maior extensão na conclusão do que nas premissas: "Se as orcas são ferozes e algumas baleias são orcas, então as baleias são ferozes." O termo "baleias" é particular na premissa e universal na conclusão, o que invalida o raciocínio, pois nada é dito nas premissas acerca das baleias que não são orcas, e que podem muito bem não ser ferozes.

3. O termo médio não pode entrar na conclusão.4. Pelo menos uma vez o termo médio deve possuir uma extensão universal : "Se os britânicos são homens e alguns homens são sábios, então os britânicos são sábios." Como é que podemos saber se todos os britânicos pertencem à mesma sub-classe que os homens sábios? É preciso notar que na primeira premissa "homens" é predicado e tem uma extensão particular.

Regras das premissas

5. De duas premissas negativas, nada se pode concluir: "Se o homem não é réptil e o réptil não é peixe, então..." Que conclusão se pode tirar daqui acerca do "homem" e do "peixe"?

6. De duas premissas afirmativas não se pode tirar conclusão negativa.

7. A conclusão segue sempre a premissa mais fraca. A particular é mais fraca do que a universal e a negativa mais fraca do que a afirmativa. Isto significa que se uma das premissas for particular, a conclusão sê-lo-á igualmente; o mesmo acontecendo se uma das premissas for negativa: "Se os europeus não são brasileiros e os franceses são europeus, então os franceses não são brasileiros." Que outra conclusão se poderia tirar?

8. Nada se pode concluir de duas premissas particulares. De "Alguns homens são ricos" e "Alguns homens são sábios" nada se pode concluir, pois não se sabe que relação existe entre os dois grupos de homens considerados. Aliás, um silogismo com estas premissas violaria também a regra 4.

A ética de Aristóteles - as virtudes

Para Aristóteles, a ética é uma ciência da práxis humana, isto é, um saber que tem por objeto a ação. O fundamento da ética é o mesmo da metafísica, que afirma a tese segundo a qual todo ser tende necessariamente à realização de sua natureza, à atualização plena de sua potência: e nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e, por conseguinte, a sua lei. Logo, o fim último do ser humano é a felicidade (eudaimonia), cuja realização supõe a prática das virtudes morais, conseqüentemente, da razão.

No entanto, as virtudes morais não são mera atividade racional. Elas implicam, por natureza, um elemento sentimental, afetivo, passional (o desejo), que deve ser governado pela razão. Esta, apesar de dominar ou governar o desejo ou as paixões, não as aniquila ou destrói, como queria o ascetismo platônico. A virtude ética atua no sentido de educar o desejo, direcionando-o racionalmente, equilibrando-o. A virtude ética não é, pois, razão pura, mas uma aplicação da razão no sentido de aperfeiçoar a ação humana.

De fato, Aristóteles define a virtude como sendo “uma disposição de caráter para agir de um modo deliberado, consistindo numa medida relativa a nós, racionalmente determinada e tal como seria determinada pelo homem prudente”. Esta “medida relativa a nós” corresponde exatamente à noção de justo-meio ou meio termo, ou seja, ao equilíbrio e harmonia, que somente o homem prudente pode alcançar. Agir virtuosamente é atingir o meio termo ou equilíbrio, ou seja, evitar a falta e o excesso nas ações.

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Fonte: ferrao.org/uploaded_images/balance.jpg/13/12/2008

Na Ética a Nicômaco, Aristóteles fornece uma relação de vícios e de virtudes, tendo como critério a noção de meio termo: por exemplo, a coragem é o meio-termo (virtude) entre a covardia (extremo da falta de coragem) e a temeridade (excesso de coragem); a transparência é o meio-termo entre a mentira (extremo da falta de transparência) e a franqueza (excesso de transparência).

Para Aristóteles, a educação ética (do caráter) consiste em nos fazer adquirir o hábito da virtude. O desejo é uma inclinação natural, uma propensão interna do nosso ser, do nosso caráter. A ética se refere ao estudo do caráter do homem para determinar como pode torná-lo virtuoso.

Cada caráter, índole ou temperamento possui desejos diferentes, pois para cada um deles os objetos de prazer e dor são diferentes. Em todos eles, o vício é sempre excesso ou falta entre dois pontos extremos e opostos: temeridade é excesso de coragem, covardia é falta de coragem.

Portanto, a virtude é a medida entre os extremos contrários, a moderação entre dois extremos, ou seja, o justo meio. Moderar é pesar, ponderar e deliberar. A ética, nesse sentido, é a ciência prática da moderação, é um saber prático que tem como virtude central a prudência (phronesis). O homem prudente é capaz de identificar, em cada ação, o seu justo meio. A ação virtuosa, nesse sentido, aperfeiçoa a natureza humana e, por extensão, a vida em comunidade, uma vez que, segundo Aristóteles, o homem é um “animal político”. Sem a prática das virtudes, a vida social se inviabiliza e, por isso, o homem não realiza sua função ou finalidade: a felicidade.

Exercícios

1. Sobre a teoria das quatro causas de Aristóteles é correto afirmar:

I. É próprio da ciência primeira ou Metafísica investigá-las, pois são as causas do movimento e do repouso, ou seja, da passagem da potência ao ato.

II. A causa eficiente atua sobre a forma, e não sobre a matéria do ser.III. A causa final é sinônimo de atualização das potências contidas numa matéria.IV. A forma é o princípio de indeterminação dos seres. Portanto, a causa formal não define ou

determina um ser.

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Assinale a única alternativa que apresenta as assertivas corretas.a) Apenas I e III.b) I, III e IV.c) Apenas II e III.d) Apenas I e II.

2. Nos Primeiros e nos Segundos Analíticos Aristóteles expõe a teoria geral dos silogismos, bem como as especificidades do silogismo científico. O exemplo clássico de silogismo é:

"Todo homem é mortal.Sócrates é homem.Logo, Sócrates é mortal."

Leia as seguintes afirmativas sobre esse silogismo:

I. É composto por duas premissas e uma conclusão.II. O termo maior não aparece na conclusão.III. É um típico exemplo de raciocínio indutivo.IV.O termo "homem" é o termo médio.

Assinale a alternativa correta.a) III e IV são verdadeiras.b) II, III e IV são verdadeiras.c) I, II e IV são verdadeiras.d) I e IV são verdadeiras.

3. As diferenças básicas entre o pensamento de Platão e Aristóteles podem ser resumidas no seguinte:

a) enquanto o primeiro privilegia o mundo das idéias, o segundo desqualifica a matéria.b) o segundo afirma a realidade da matéria, enquanto o primeiro nega o mundo inteligível.c) as idéias, para Platão, são as únicas verdades e para Aristóteles são expressões 'lógicas' da realidade mitológica.d) o segundo recupera realismo como forma de conhecimento enquanto o primeiro desqualifica o mundo material, concebendo-o como cópia das idéias.

4. Para Aristóteles, o ser humano é um “animal político”, ou seja, um ser que naturalmente necessita da sociedade para sobreviver e se desenvolver. Para realizar-se como ser social, ou seja, para ser feliz no convívio com os outros, é necessária a prática ou exercício das virtudes. Agir virtuosamente, para Aristóteles significa:

a. Aniquilar o desejo humano, uma vez que este, por ser egocêntrico, é nociva às relações humanas.b. Subordinar absolutamente o desejo humano, a fim de que as nossas ações sejam puramente racionais.c. Valorizar as faltas ou excessos de nossas ações, ora escolhendo as faltas, ora escolhendo os excessos, conforme exigir a situação.d. Educar os nossos desejos, a fim de que os mesmos possam alcançar o equilíbrio de nossas ações.

II - FILOSOFIA MEDIEVAL

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Introdução

A noção de Idade Média sempre gerou controvérsias: alguns a entenderam como mero intervalo cronológico entre duas culturas (a antiguidade clássica e o renascimento); outros, como um conceito cultural. Foi considerada como intervalo cronológico, principalmente pelos renascentistas e os iluministas do século XVIII (como Voltaire, Gibbon e outros). Para eles, a Idade Média foi vazia de arte, ciência e filosofia: foi a idade das sombras e das trevas, concepção que ainda permanece na visão de muitos escritores.

Como conceito cultural, ao contrário, a Idade Média apresenta um ideal de vida cultural, política e religiosa, que deixou marcas estáveis na arte, na organização social e política e na cultura. Lembremo-nos, por exemplo, da construção das catedrais românicas e góticas, da fundação das primeiras universidades como Paris e Oxford, do império de Carlos Magno, da Suma Teológica de Tomás de Aquino e da Divina Comédia de Dante e consideraremos impossível pensar a Idade Média como uma longa noite de mil anos que se estendeu entre o classicismo e o renascimento.

È inegável que a filosofia tornou-se subordinada ao cristianismo. Não queremos dizer que não se possa fazer uma distinção entre filosofia e teologia, ou entre razão e fé. Na verdade, a questão da relação entre as duas teve um papel a desempenhar no debate. Queremos dizer que a filosofia não ocupava mais uma posição independente. Ela era estudada principalmente por pessoas que eram também teólogos, figuras fundamentais na história da Cristandade.

O advento do Cristianismo originou novas concepções de vida, do homem e de Deus, que desafiaram o pensamento filosófico. Era necessário mostrar que seus problemas e respectivas soluções não contradiziam a razão, isto é, que a fé não se contrapunha à racionalidade, sem que com isso fosse preciso circunscrever a revelação divina aos limites da razão humana. A filosofia e os filósofos desse contexto, em sua grande maioria, não estavam preocupados em buscar a verdade, pois esta já teria sido revelada por Deus. Restava-lhes apenas demonstrar racionalmente as verdades da fé cristã.

O pensamento clássico dos gregos encontrara um desenvolvimento e amadurecimento tão grandes que seria impossível ignorá-lo. No entanto, fazia-se necessária uma nova sistematização, elaborada a partir dos problemas já pensados pela filosofia pagã, conjugados com os agora propostos pelo cristianismo. Assim, a filosofia cristã ocupou-se da assimilação das novas experiências no contexto da filosofia clássica.

Capítulo 1: Principais períodos da filosofia medieval

A patrística

Patrística é o nome dado à filosofia cristã dos primeiros séculos, elaborada pelos Padres da Igreja e pelo escritores escolásticos. Consiste na elaboração doutrinal das verdades de fé do Cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos "pagãos" e contra as heresias. Quando o Cristianismo, para defender-se de ataques polêmicos, teve de esclarecer os próprios pressupostos, apresentou-se como a expressão terminada da verdade que a filosofia grega havia buscado, mas não tinha sido capaz de encontrar plenamente, enquanto a Verdade mesma não tinha ainda se manifestado aos homens, ou seja, enquanto o próprio Deus não havia ainda encarnado, não existia ainda o Senhor.

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Concílio de Nicéiafonte: www.igrejaservia.org/icones/icones_016.html

De um lado se procura interpretar o Cristianismo mediante conceitos tomados da filosofia grega, do outro reporta-se ao significado que esta última dá ao Cristianismo. Sendo considerado como a figura mais importante dessa corrente de pensamento o cristão Santo Agostinho. Influenciado por Platão, ele afirmava que sem a fé a razão torna-se incapaz de promover a salvação e a felicidade do homem. Portanto, no contexto da Patrística, a razão perde sua autonomia no que diz respeito à busca e demonstração de suas próprias verdades. Ela se tornou, na prática, uma ferramenta utilizada pela teologia (ou fé), para demonstrar suas verdades, consideradas absolutas e inquestionáveis. É nesta perspectiva que a frase de Santo Agostinho “Creio para compreender”, reveste-se de um sentido mais amplo: a fé precede a razão, cabendo a esta última demonstrar aquilo que a primeira já revelou.

A patrística divide-se geralmente em três períodos: até o ano 200 dedicou-se à defesa do Cristianismo contra seus adversários (padres apologistas, São Justino Mártir). até o ano 450 é o período em que surgem os primeiros grandes sistemas de filosofia cristã (Santo Agostinho, Clemente Alexandrino). até o século VIII reelaboram-se as doutrinas já formuladas e de cunho original (Boécio). O legado da Patrística foi passada à Escolástica.

A escolástica

A Escolástica é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé. Esta linha vai do começo do século IX até ao fim do século XIV, ou seja, até ao fim da Idade Média. Este pensamento cristão deve o seu nome às artes ensinadas na altura pelos escolásticos nas escolas medievais. Estas artes podiam ser divididas em trivio (gramática, retórica e dialética) ou quadrívio (aritmética, geometria, astronomia e música).

A Filosofia que até então possuía traços marcadamente clássicos e helenísticos sofreu influências da cultura judaica e cristã, a partir do século V, quando pensadores cristãos perceberam a necessidade

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de aprofundar uma fé que estava amadurecendo, em uma tentativa de harmonizá-la com as exigências do pensamento filosófico. Alguns temas que antes não faziam parte do universo do pensamento grego, tais como: Providência e Revelação Divina e Criação a partir do nada passaram a fazer parte de temáticas filosóficas. A Escolástica possui uma constante de natureza neoplatônica, que conciliava elementos da filosofia de Platão com valores de ordem espiritual, reinterpretadas pelo Ocidente cristão. E mesmo quando Tomás de Aquino introduz elementos da filosofia de Aristóteles no pensamento escolástico, esta constante neoplatônica ainda é presente.

Basicamente, a questão chave que vai atravessar todo o pensamento escolástico é a harmonização de duas esferas: a fé e a razão. O pensamento de Agostinho, mais conservador, defende uma subordinação maior da razão em relação à fé, por crer que esta venha restaurar a condição decaída da razão humana. Enquanto que a linha de Tomás de Aquino defende uma certa autonomia da razão na obtenção de respostas, por força da inovação do aristotelismo, apesar de em nenhum momento negar tal subordinação da razão à fé.

Para a Escolástica, algumas fontes eram fundamentais no aprofundamento de sua reflexão, por exemplo os filósofos antigos, as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja, autores dos primeiros séculos cristãos que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.

Exercícios

1. A patrística (séculos II ao VIII d.C.) é movimento intelectual dos primeiros padres da Igreja, destinado a justificar a fé cristã, tendo em vista a conversão dos pagãos. Sobre a Patrística pode-se afirmar, com certeza:

I. assume criticamente elementos da filosofia platônica na tentativa de melhor fundamentar a doutrina cristã.

II. considera que as verdades da razão estão sempre em contradição com as verdades reveladas por Deus.

III. incorpora as teses da metafísica aristotélica para fundar uma teologia estritamente racionalista.

IV. considera a razão como auxiliar da fé e a ela subordinada, tal como expressa a frase de Santo Agostinho “creio para compreender”a) II e IV são corretas.b) I e IV são corretas.c) III e IV são corretas.d) Apenas II é correta.

2. A Escolástica é o período da filosofia cristã da Idade Média, que vai do século IX ao século XIV. Sobre a Escolástica é correto afirmar, EXCETO

a) no século XIII, servindo-se das traduções das obras de Aristóteles, que foram feitas diretamente do grego, Tomás de Aquino realizou a síntese magistral entre a teologia cristã e a filosofia aristotélica.b) A fundação das universidades, já no século XI, permitiu a expansão da cultura letrada, secularmente guardada nos mosteiros, e a fermentação de idéias que culminaria nos grandes sistemas filosóficos e teológicos do século XIII.c) Na Escolástica, devido à incorporação do pensamento aristotélico, o pensamento platônico foi abandonado, diminuindo assim a influência de Santo Agostinho neste período.d) No século XIV surgiram pensadores, tais como Guilherme de Ockham, que criticaram a filosofia tomista pelo seu caráter substancialista; isto abriu perspectivas fecundas para o advento da ciência moderna.

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3. O filósofo grego que maior influência exerceu sobre Santo Tomás de Aquino foi

a) Platãob) Aristótelesc) Sócratesd) Heráclito

Capítulo 2: Santo Agostinho

Santo AgostinhoFonte: http://br.geocities.com/worth_2001/aug16.jpg

A doutrina da iluminação divina

Aurélio Agostinho (354-430) destaca-se entre os Padres como Tomás de Aquino se destaca entre os Escolásticos. E como Tomás de Aquino se inspira na filosofia de Aristóteles, e será o maior vulto da filosofia metafísica cristã, Agostinho inspira-se em Platão, ou melhor, no neoplatonismo. Pela profundidade do seu sentir e pelo seu gênio compreensivo, fundiu em si mesmo o caráter especulativo da patrística grega com o caráter prático da patrística latina, ainda que os problemas que fundamentalmente o preocupam sejam sempre os problemas práticos e morais: o mal, a liberdade, a graça, a predestinação.

Para se compreender a doutrina agostiniana da iluminação divina, é importante perceber que, para Agostinho (354-430), existem dois tipos inteiramente diferentes de conhecimento. O primeiro, limitado aos sentidos e referente aos objetos exteriores ou suas imagens, não é necessário, nem imutável e nem eterno; o segundo, encontrado na matemática e nos princípios fundamentais da sabedoria, constitui a verdade. Essa distinção permite que se indague: Será o próprio homem a fonte dos conhecimentos perfeitos? Contra a resposta afirmativa depõe o fato de ser o homem tão mutável quanto as coisas dadas à percepção. Assim, só haveria uma resposta possível: a aceitação de que alguma coisa transcende a alma individual e dá fundamento à verdade. Seria Deus.

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Para explicar como é possível ao homem receber de Deus o conhecimento das verdades eternas, Agostinho elabora a doutrina da iluminação divina. Trata-se de uma metáfora recebida de Platão, que na célebre alegoria da caverna mostra ser o conhecimento, em última instância, o resultado do bem, considerado como um sol que ilumina o mundo inteligível. Agostinho louva os platônicos por ensinarem que o princípio espiritual de todas as coisas é, ao mesmo tempo, causa de sua própria existência, luz de seu conhecimento e regra de sua vida. Por conseguinte, todas as proposições que se percebem como verdadeiras seriam tais porque previamente iluminadas a extrair da alma sua própria inteligibilidade e nada se poderia conhecer intelectualmente que já não se possuísse antes, de modo infuso.

Ao afirmar esse saber prévio, Agostinho aproxima-se da doutrina platônica segundo a qual todo conhecimento é reminiscência. Não obstante as evidentes ligações entre os dois pensadores, Agostinho afasta-se, porém, de Platão ao entender a percepção do inteligível na alma não como descoberta de um conteúdo passado, mas como irradiação divina no presente. A alma não passaria por uma existência anterior, na qual contempla as idéias, ao contrário, existiria uma luz eterna da razão que procede de Deus e atuaria a todo momento, possibilitando o conhecimento das verdades eternas. Assim como os objetos exteriores só podem ser vistos quando iluminados pela luz do Sol, também as verdades da sabedoria precisariam ser iluminadas pela luz divina para se tornarem inteligíveis.

A iluminação divina, contudo, não dispensa o homem de ter um intelecto próprio; ao contrário, supõe sua existência. Deus não substitui o intelecto quando o homem pensa o verdadeiro; a iluminação teria apenas a função de tornar o intelecto capaz de pensar corretamente em virtude de uma ordem natural estabelecida por Deus.

Essa ordem é a que existe entre as coisas do mundo e as realidades inteligíveis correspondentes, denominadas por Agostinho com diferentes palavras: idéia, forma, espécie, razão ou regra.

A teoria agostiniana estabelece, assim, que todo conhecimento verdadeiro é o resultado de um processo de iluminação divina, que possibilita ao homem contemplar as idéias, arquétipos eternos de toda a realidade. Nesse tipo de conhecimento a própria luz divina não é vista, mas serve apenas para iluminar as idéias. Um outro tipo seria aquele no qual o homem contempla a luz divina, olhando o próprio sol: a experiência mística.

A doutrina da Reminiscência

A filosofia agostiniana sobre o conhecimento apresenta uma semelhança importante com o pensamento de Platão. Para Santo Agostinho, Deus é a suprema verdade e, por ser onisciente (conhecedor de tudo) é a única origem possível do saber. A alma, também denominada de homem interior na filosofia agostiniana, está mais próxima da substância divina do que qualquer outra parte do indivíduo; por isso, é nela e por meio dela que todo conhecimento deve ser buscado.

Assim, nenhum conhecimento verdadeiro pode ser introduzido na mente de um indivíduo vindo de fora, por meio do ensino, da reflexão ou da observação do mundo. O saber sobre as formas dos seres e objetos, sobre a matéria em geral, os conceitos geométricos e matemáticos, as virtudes, as emoções encontram-se na alma, porque ela se origina da substância divina. Os conhecimentos de que temos consciência são os que já encontramos em nossa alma, como que ativados em nossa memória. Aquilo que ignoramos também está na alma, e simplesmente precisa ser desperto pela memória por meio da pesquisa em nosso mundo interior. Santo Agostinho afirmava ainda que as maiores verdades são atingidas quando a alma é conduzida por Jesus Cristo, o mestre interior que faz o homem enxergar claramente aquilo que ele já sabia, sem ter consciência de que sabia, e que o leva à redenção divina.

Exercícios

1. Em suas reflexões sobre a questão da fé, Santo Agostinho considera que

I. é preciso crer acima de tudo, mesmo que não se entenda por que acreditar.

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II. a razão e a fé são duas disposições do espírito que dever ser consideradas no mesmo grau de importância.

III. Deus é a voz interior daqueles homens que se dedicam à busca do conhecimento; Ele os inspira em suas investigações.

IV. a razão deve estar sempre acima da fé, só assim se chega à verdade.Assinale a ÚNICA opção que apresenta as afirmativas corretas.

a) I e IIb) I e IIIc) III e IVd) I e IV

2. “Assim até as coisas materiais emitem um juízo sobre as suas formas, comparando-se àquela Forma da eterna Verdade e que intuímos com o olhar de nossa mente”. (Sto. Agostinho, A trindade, Livro IX, cap. 6. São Paulo: Paulus, 1994, p. 299).

Essa frase de Sto. Agostinho refere-se àa) teologia mística de Sto. Agostinho, que se funda na experiência imediata da alma humana com Deus.b) Moral agostiniana que propõe ao homem regras para uma vida santa e ascética, apartada do mundo.c) Doutrina da iluminação divina que afirma que o conhecimento humano é iluminado pela Verdade Eterna, isto é, Deus.d) Estética intelectualista de Agostinho, que consiste num profundo desprezo pela sensibilidade humana.

3. Sobre a doutrina da iluminação divina de Santo Agostinho, considere o conteúdo das assertivas abaixo:

I. A iluminação divina dispensa o homem de ter intelecto próprio.II. A iluminação divina capacita o intelecto humano para entender que há determinada ordem

entre o mundo criado e as realidades inteligíveis. III. Agostinho nomeia as realidades inteligíveis de forma pouco precisa como, por exemplo,

idéia, forma, espécie, regra ou razão e afirma, platonicamente, que essas realidades já foram contempladas pela alma.

IV. A iluminação divina exige que o homem tenha intelecto próprio, a fim de pensar corretamente os conteúdos da fé postos pela revelação.

Assinale a alternativa que contém somente as afirmações corretas:a) II e IIIb) I e IIIc) II e IVd) III e IV

Capítulo 3: Tomás de Aquino

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Tomás de AquinoFonte: www.esdc.com.br/imagens/santo_tomas_aquino.jpg

A teoria tomista acerca do conhecimento

Influenciado por Aristóteles, Santo Tomás (1225-1274) afirmava que teologia (fé) e filosofia (razão natural) são conciliáveis, desde que a razão ampare o caminho até a verdade revelada, isto é, um bom uso da razão faz com que possamos acessar a verdade de Deus. Portanto, não deve haver conflito entre fé e razão. De acordo com a sua teoria do conhecimento, o homem é um ser duplo, composto por um corpo material e por uma alma inteligível. O homem conhece porque é alma, mas não tem acesso direto a Deus porque também é corpo. Nosso conhecimento sempre parte dos sentidos, mas atinge o inteligível por meio da abstração. Desse modo, a teoria tomista do conhecimento é a do realismo, ou seja, considera que os conceitos que apreendemos pelo conhecimento possuem uma realidade autônoma e objetiva. O que a faculdade do conhecimento recebe do objeto é uma impressão deste. O que primeiro conhecemos são essas impressões, porque elas remetem de forma intencional ao objeto observado.

Tomás fixou-se num realismo moderado, tomando como ponto de partida o ser captado pela inteligência no âmbito do conhecimento sensível, de onde o abstrai, para em seguida buscar novos resultados da especulação sem nunca ultrapassar o âmbito limitado do ser sensível. Rejeitou, portanto, a perspectiva platônica, do agostinismo, cujos princípios universais desenvolviam-se independentemente do sensível.

As provas da existência de Deus

Segundo Santo Tomás a razão pode provar a existência de Deus através de cinco vias, todas de índole realista: considera-se algum aspecto da realidade dada pelos sentidos como o efeito do qual se procura a causa.

A primeira fundamenta-se na constatação de que no universo existe movimento. Baseado em Aristóteles, Santo Tomás considera que todo movimento tem uma causa, que deve ser exterior ao próprio ser que está em movimento, pois não se pode admitir que uma mesma coisa possa ser ela mesma a coisa movida e o princípio motor que a faz movimentar-se. Por outro lado, o próprio motor deve ser

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movido por um outro, este por um terceiro, e assim por diante. Nessas condições, é necessário admitir ou que a série de motores é infinita e não existe um primeiro termo (não se conseguindo, assim, explicar o movimento), ou que a série é finita e seu primeiro termo é Deus.)

A segunda via diz respeito à idéia de causa em geral. Todas as coisas ou são causas ou são efeitos, não se podendo conceber que alguma coisa seja causa de si mesma. Nesse caso, ela seria causa e efeito no mesmo tempo, sendo, assim, anterior e posterior, o que seria absurdo. Por outro lado, toda causa, por sua vez, deve ter sido causada por outra e esta por uma terceira, e assim sucessivamente. Impõe-se, portanto, admitir uma primeira causa não causada, Deus, ou aceitar uma série infinita e não explicar a causalidade.

A terceira via refere-se aos conceitos de necessidade e contingência. Todos os seres estão em permanente transformação, alguns sendo gerados, outros se corrompendo e deixando de existir. Mas poder ou não existir não é possuir uma existência necessária e sim contingente, já que aquilo que é necessário não precisa de causa para existir. Assim, o possível ou contingente não teria em si razão suficiente de existência e, se nas coisas houvesse apenas o possível, não haveria nada. Para que o possível exista é necessário, portanto, que algo o faça existir. Ou seja: se alguma coisa existe é porque participa do necessário. Este, por sua vez, exige uma cadeia de causas, que culmina no necessário absoluto, ou seja, Deus.

A quarta via tomista para provar a existência de Deus é de índole platônica e baseia-se nos graus hierárquicos de perfeição observados nas coisas. Há graus na bondade, na verdade, na nobreza e nas outras perfeições desse gênero. O mais e o menos, implicados na noção de grau, pressupõem um termo de comparação que seja absoluto. Deverá existir, portanto, uma verdade e um bem em si: Deus.

A quinta via fundamenta-se na ordem das coisas. De acordo com o finalismo aristotélico adotado por Tomás de Aquino, todas as operações dos corpos materiais tenderiam a um fim, mesmo quando desprovidos da consciência disso. A regularidade com que alcançam seu fim mostraria que eles não estão movidos pelo acaso; a regularidade seria intencional e desejada. Uma vez que aqueles corpos estão privados de conhecimento, pode-se concluir que há uma inteligência primeira, ordenadora da finalidade das coisas. Essa inteligência soberana seria Deus.

Texto complementar

A relação entre fé e razão segundo Santo Tomás: As verdades da razão natural não contradizem as verdades da fé cristã

“Se é verdade que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades da razão humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à razão podem estar em contradição com esta verdade sobrenatural.

É um fato que esses princípios naturalmente inatos à razão humana são absolutamente verdadeiros; são tão verdadeiros, que chega a ser impossível pensar que possam ser falsos. Tampouco é permitido considerar falso aquilo que cremos pela fé, e que Deus confirmou de maneira tão evidente. Já que só o falso constitui o contrário do verdadeiro, como se conclui claramente de definição dos dois conceitos, é impossível que a verdade da fé seja contrária aos princípios que a razão humana conhece em virtude das suas forças naturais.

(...) Deus não pode infundir no homem opiniões ou uma fé que vão contra os dados dos conhecimentos adquirido pela razão natural. É isto que faz o apóstolo São Paulo escrever, na Epístola aos Romanos: “A palavra está bem perto de ti, em teu coração e em teus lábios, ouve: a palavra da fé, que não pregamos” (Romanos, capítulo 10, versículo 8). Todavia, já que a palavra de Deus ultrapassa o entendimento, alguns acreditam que ela esteja contradição com ele. Isto não pode ocorrer.

Também a autoridade de Santo Agostinho o confirma. No segundo livro da obra Sobre o Gênese comentado ao pé da letra, o Santo afirma o seguinte: ‘Aquilo que a verdade descobrir não pode contrariar aos livros sagrados, quer do Antigo quer do Novo Testamento’.

Do exposto se infere o seguinte: quaisquer que sejam os argumentos que se aleguem contra a fé cristã, não procedem retamente dos primeiros princípios inatos à natureza e conhecidos por si mesmos. Por conseguinte, não possuem valor demonstrativo, não passando de razões de probabilidade ou sofismáticas. E não é difícil refutá-los”. (Santo Tomás de Aquino, Súmula contra os gentios. Os pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 70.)

Exercícios

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1. Para Tomás de Aquino, seguindo Aristóteles, o homem é uma realidade única de corpo e alma. Por esta dupla natureza o homem pode conhecer. Sobre o conhecimento humano em Santo Tomás, assinale a INCORRETA:

a) O homem é um ser dotado de duplo aspecto: corpo e alma. Por sua alma pertence à série dos seres imateriais como os anjos, mas não é um intelecto puro, já que sua alma está ligada essencialmente a um corpo.b) Para Tomás de Aquino o processo de conhecimento intelectual está associado à dimensão espiritual do homem, isto é, sua alma.c) O homem, por ser alma, é um ser substancialmente ligado a uma inteligência pura. Por isso, o homem é capaz de conhecer diretamente a verdade de Deus. d) Por sua dupla natureza de corpo e alma é que o homem pode conhecer. Pelo corpo ele conhece, através dos sentidos, objetos concretos e singulares; pela abstração, operada no intelecto agente, que é a alma, pode forjar conceitos universais.

2. O maior mestre da Escolástica é Tomás de Aquino. Podemos destacar em relação a sua teoria do conhecimento e suas bases filosóficas as afirmações seguintes. Após analisá-las, marque a INCORRETA.

a) A Súmula Teológica é uma obra que afirma que a verdade em si já existe e para justificá-la assume uma visão aristotélica.b) Entende que existem verdades da fé e da razão, no entanto admite ele que estas verdades não são contrárias entre si.c) Santo Tomás tem uma preocupação em explicar Deus pelos princípios platônicos do mundo das idéias, daí explicando as 5 vias para se chegar a Deus através da teoria da iluminação.d) S. Tomás de Aquino se vale das verdades da filosofia para fundamentar as verdades da teologia.

Capítulo 4: A questão dos universais - um problema não apenas medieval

Chamam-se universais os termos que designam todos os seres de determinada espécie. Assim, o termo boi designa todos os bois que possam existir, qualquer que seja sua raça e características. Do mesmo modo, o termo “homem alto e moreno”, que servem para qualificar alguém são nomes comuns usados para nomear não uma entidade singular, mas um modo universal. 'Homem', 'alto','moreno' são nomes chamados "universais".

Tradicionalmente, os universais (universalia) foram chamados de "noções genéricas", "idéias" e "entidades abstratas". Outros exemplos de universais são 'o leão', 'o triângulo','4' (o número quatro, escrito mediante a cifra 'quatro'). Os universais contrapõem-se aos "particulares" e estes últimos tem sido equiparados com entidades concretas ou singulares. Um problema central relativo aos chamados "universais" é o de seu status ontológico. Trata-se de determinar que classe de entidades são os universais, ou seja, qual é a sua forma peculiar de existência. Ainda que se trate primordialmente, como dissemos, de uma questão ontológica, vem tendo importantes implicações e ramificações em outras disciplinas: a lógica, a teoria do conhecimento e até a teologia. A questão foi posta com freqüência na história da filosofia, especialmente desde Platão e Aristóteles, mas como foi discutida muito intensamente na Idade Média, virou praxe colocá-la no início da chamada querela dos universais.

A "querela dos universais", já desde Platão, mas sobretudo da Idade Média, ofereceu uma multiplicidade de temas e questões, tais como: 1) A questão do conceito (natureza e funções do conceito, natureza do indivíduo e suas relações com o geral); 2) A questão da verdade (critério ou critérios da verdade e da correspondência do enunciado com a coisa; 3) A questão da linguagem (natureza dos signos e suas relações com as entidades significadas). Todas essas questões foram levantadas, e em grande parte resolvidas, em função de vários problemas teológicos. Em princípio, o problema dos

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universais parece abarcar todas as questões básicas filosóficas, ontológicas, gnosiológicas e lógicas. Além disso, no fim da Idade Média e no Renascimento, o problema dos universais incluiu a questão da natureza e do indivíduo como ser pensante.

A questão dos universais pode ser assim formulada: qual a relação entre as palavras e as coisas? Por exemplo, Rosa é o nome de uma flor. Quando a flor morre, a palavra ou o conceito universal “rosa” continua existindo. Nesse caso, a palavra ou conceito fala de uma coisa inexistente; tal palavra ou conceito geral existe independentemente da coisa (no caso, o ser concreto que morreu)? Que relação existe entre as coisas concretas (as espécies, por exemplo) e os seus conceitos? Essa questão é retomada nos séculos XI e XII, alimentando longa polêmica, cujas soluções principais são: o realismo, o conceitualismo e o nominalismo.

Os realistas, como Santo Anselmo e Guilherme de Champeaux, de tendência platônica, sustentavam que as idéias gerais, ou os universais, deviam possuir existência independente, uma existência ante res (antes das coisas reais), na mente divina ou em outro lugar. Esta solução, de matriz platônica, afirmava que o universal existe realmente no mundo das idéias. Existiriam, em um mundo ideal, desprovidas totalmente de matéria, as puras idéias. Lá existiriam o boi ideal, a rosa ideal, o homem ideal, etc. Esse mundo das idéias, segundo Platão, seria um mundo puramente espiritual, perfeito e divino. É a solução denominada realista, porque considera o universal realmente existente.

Já os nominalistas, como Roscelino e Guilherme de Ockham acreditavam que as idéias gerais ou universais não passam de simples nomes, sem realidade fora do espírito ou da mente. A única realidade são os indivíduos e os objetos individualmente considerados. Para os nominalistas, além das substâncias singulares, só existem os nomes puros, o que descarta a realidade das coisas abstratas e universais: o universal não existe por si, resume-se a um vocábulo com significado geral, mas sem conteúdo concreto, que só se apresenta no individual e no particular.

A posição de Pedro Abelardo, que ficou conhecida por conceitualismo, diferencia-se do realismo, pois nega que os universais sejam entidades metafísicas (tese defendida pelo realismo). Contudo, sua posição não se identifica com o nominalismo, pois para Abelardo os universais existem como entidades mentais, que fazem a mediação entre o mundo do pensamento e o mundo do ser, portanto, não podem ser apenas palavras, como afirmavam os nominalistas.

Para ele os universais teriam uma existência simbólica na mente, e outra, concreta, nas coisas. Em outras palavras, Abelardo sustenta que existem apenas indivíduos, nenhum dos quais é, em si, espécie nem gênero, e que os gêneros e as espécies são concepções ou conceitos. Segundo ele, as coisas se parecem, e essas semelhanças, que por si só não são coisas, produzem os universais.

Podemos analisar o significado dessas oposições a partir das contradições que estabelecem fissuras na compreensão mística do mundo medieval. Sob esse aspecto, os realistas são os partidários da tradição, e como tal valorizam o universal, a autoridade, a verdade eterna, representada pela fé. Por outro lado, os nominalistas consideram que o individual é mais real, indicando o deslocamento do critério da verdade da fé e da autoridade para a razão humana. Naquele momento histórico, essa última posição representa a emergência do racionalismo burguês em oposição às forças feudais que deseja superar.

A discussão acerca da existência e natureza dos universais encontra-se longe de estar esgotada. A lógica e a matemática contemporâneas fizeram-na reviver, colocando de novo na ordem do dia o debate entre realistas e nominalistas. Podemos ver o texto de um realista contemporâneo, Bertrand Russell, e de um nominalista, Quine, defendendo cada um as suas idéias. Podemos concluir que a relação existente entre as palavras e as coisas é mais complexa do que parecia à primeira vista. A questão dos universais acaba por ser apenas um aspecto particular do problema da linguagem, e da sua relação com o pensamento e com o mundo. Num certo sentido, a linguagem é o mundo, e uma língua é uma certa concepção do mundo. Comunicar é partilhar uma linguagem, mas é simultaneamente partilhar uma determinada visão do mundo, veiculada por essa linguagem.

Exercícios

1. Sobre a questão dos universais, todas as afirmativas abaixo são falsas, EXCETO:

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a) Pedro Abelardo sustenta a tese de que as palavras nada significam, porque são simples emissão da voz humana,sendo por isso que os universais devem ser necessariamente incorpóreos.b) O realismo sustenta a tese de que apenas as palavras são reais, porque são corpóreas enquanto som, e os universais nada significam porque são incorpóreos, isto é, não possuem realidade física.c) O nominalismo sustenta a tese de que os universais são corpóreos, porque o gênero e a espécie não podem estar separados dos indivíduos a que pertencem.d) Pedro Abelardo sustenta a tese de que, por si mesmo, os universais existem apenas no intelecto, mas eles referem-se a seres reais.

2. Na Idade Média, filósofos como Anselmo de Cantuária e Guilherme de Champeaux consideravam que o universal tinha realidade objetiva. Entendiam o universal como res, como coisa comum a outras coisas. Sobre a posição desses filósofos realistas, é correto afirmar que

I. possuíam a influência platônica do Mundo das Idéias.II. sustentaram a fé e a autoridade como critério de verdade.III. consideraram o individual mais real, porque deslocaram o critério de verdade da fé e da autoridade para a razão humana.

Assinale a alternativa correta:a) IIb) I e IIc) II e IIId) III

3. Pedro Abelardo foi um filósofo medieval que participou de uma acirrada disputa filosófica no século XII. Essa disputa centrava-se sobre

a) a existência de Deus.b) O predomínio da fé sobre a razão.c) A questão da existência dos universais.d) A presença do mal no mundo.

III - FILOSOFIA MODERNA: A QUESTÃO DO CONHECIMENTO

Introdução

O século XVII representa a culminação de um processo que se subverteu a imagem do próprio ser humano e do mundo que o cerca. A emergência do mundo burguês e o desenvolvimento da física, que se exprime matematicamente, constituem aspectos de uma mesma realidade cultural em transformação. A atividade filosófica desse período se desdobra como reflexão cujo pano de fundo é a existência dessa ciência.

A revolução científica ocorrida no século XVII quebra o modelo aristotélico de explicação da realidade, jogando por terra muitos conceitos e idéias seculares. As novas verdades apresentadas pela ciência em desenvolvimento provocou, nos novos pensadores, o receio de se enganar novamente: que garantia se poderia ter quanto à validade das novas verdades apresentadas, se tantas dúvidas tinham sido levantadas sobre as verdades e certezas que vigoraram durante séculos? A procura da maneira de evitar o erro faz surgir a principal indagação do pensamento moderno, a saber, a questão do método.

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A palavra método vem do grego methodos ( meta, “rumo”, e hodos, “caminho”) e pode ser definida como “o caminho para chegar a um lugar desejado” ou “o conjunto de procedimentos e regras para alcançar o resultado almejado”.

A preocupação em encontrar um caminho seguro para o conhecimento fará parte da mentalidade dos filósofos do século XVII.Como boa parte deles era composta de grandes matemáticos, buscarão aplicar o método matemático como instrumento da razão, conduzindo-a a um conhecimento verdadeiro.

O entusiasmo desses filósofos pelas “matemáticas” (aritmética, álgebra e geometria) fará nascer a idéia de que o sucesso dessa ciência se deve ao método e que o método matemático poderá ser utilizado em todas as outras áreas da investigação, garantindo a exatidão e a certeza dos conhecimentos alcançados. O que se utilizaria como método não seria a matemática em si, os números, o cálculo, e sim o procedimento dedutivo da geometria, isto é, o modo próprio da matemática de encadear as razões ou afirmações segundo uma certa ordem. Isso significa dizer, no limite, que os filósofos do século XVII passaram a acreditar que o conhecimento do mundo poderia ser alcançado pelo uso exclusivo da razão, pois haveria uma racionalidade, uma explicação, nas coisas correspondentes à racionalidade das pessoas. Essa racionalidade se expressaria de modo geométrico, lógico, dedutivo, o que caracterizaria a visão específica do racionalismo moderno ou grande racionalismo.

Capítulo 1: O conhecimento como problema filosófico: racionalismo e empirismo

Fonte: nteitaperuna.blogspot.com/04/12/2008

A necessidade de procurar explicar o mundo dando-lhe um sentido e descobrindo-lhe as leis ocultas é tão antiga como o próprio homem, que tem recorrido para isso quer ao auxílio da magia, do mito e da religião, quer, mais recentemente, à contribuição da ciência e da tecnologia. Para que investigar o conhecimento? O ser humano, desde seus primórdios até nossos dias, vive uma busca incessante por compreender a si mesmo e o mundo à sua volta. Isso levou a que muitos pensadores sentissem que era necessário entender primeiro sua própria capacidade de entender, antes de confiar plenamente na percepção e compreensão que alcançavam das coisas.

Desde a antiguidade grega, quase todos os filósofos se preocuparam com o problema do conhecimento. Problema que envolve questões básicas como:

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O que é conhecimento? Qual é o fundamento do conhecimento? É possível o conhecimento verdadeiro?

Essas questões são, implicitamente, tão velhas quanto a filosofia. Mas, primordialmente na era moderna, a partir do século XVII em diante - como resultado do trabalho de Descartes (1596-1650) e Locke (1632-1704) em associação com a emergência da ciência moderna – é que ela tem ocupado um plano central na filosofia. O que é, afinal, conhecer? Na concepção de grande parte dos filósofos conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente. É a interpretação de que o conhecimento é representação, isto é, uma “imagem” ou “reprodução” mental da coisa ou objeto conhecido. Outra noção importante é a de que, no processo de conhecimento, sempre existiria a relação entre dois elementos básicos:

um sujeito conhecedor (nossa consciência, nossa mente) e um objeto conhecido (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos).

Só haveria conhecimento se o sujeito conseguisse apreender, a partir do uso de suas faculdades (percepção sensorial, razão, imaginação etc.), o objeto, isto é, conseguisse representá-lo mentalmente.

A origem do conhecimento: a concepção racionalista

Como já vimos, segundo a tradição, o conhecimento decorre da idéia que o sujeito tem do objeto. Mas qual é o critério de certeza para saber se o pensamento concorda com o objeto? As soluções apresentadas dão origem a duas correntes filosóficas, o racionalismo e o empirismo.

O racionalismo é uma concepção filosófica que afirma a razão como única faculdade de propiciar o conhecimento adequado da realidade. A razão, por iluminar o real e perceber as conexões e relações que o constituem, é a capacidade de apreender ou de ver as coisas em suas articulações ou interdependência em que se encontram umas com as outras. Ao partir do pressuposto de que o pensamento coincide com o ser, a filosofia ocidental, desde suas origens, percebe que há concordância entre a estrutura da razão e a estrutura análoga do real, pois, caso houvesse total desacordo entre a razão e a realidade, o real seria incognoscível e nada se poderia dizer a respeito. O racionalismo gnosiológico ou epistemológico é inseparável do racionalismo ontológico ou metafísico, que enfoca a questão do ser, pois o ser está implicado no pensamento do ser.

Entendido como posição filosófica que sustenta a racionalidade do mundo natural e do mundo humano, o racionalismo corresponde a uma exigência fundamental da ciência: discursos lógicos, verificáveis, que pretendem apreender e enunciar a racionalidade ou inteligibilidade do real. Ao postular a identidade do pensamento e do ser, o racionalismo sustenta que a razão é a unidade não só do pensamento consigo mesmo, mas a unidade do mundo e do espírito, o fundamento substancial tanto da consciência quanto do exterior e da natureza, pressuposto que assegura a possibilidade do conhecimento e da ação humana coerente. Para além de seus possíveis elementos dogmáticos, a filosofia racionalista, ao ressaltar o problema da fundamentação do conhecimento como base da especulação filosófica, marcou os rumos do pensamento ocidental.

Declarar que o mundo real tem esta ou aquela estrutura implica em admitir, por parte da razão, enquanto faculdade cognitiva do ser humano, a capacidade de apreender o real e de revelar a sua estrutura. O conhecimento, ao se distinguir da produção e da criação de objetos, implica a possibilidade de reproduzir o real no pensamento, sem alterá-lo ou modificá-lo.

Dois elementos marcariam o desenvolvimento da filosofia racionalista clássica no século XVII. De um lado, a confiança na capacidade do pensamento matemático, símbolo da autonomia da razão, para interpretar adequadamente o mundo; de outro, a necessidade de conferir ao conhecimento racional uma fundamentação metafísica que garantisse sua certeza. Ambas as questões conformaram a idéia basilar do Discurso sobre o método (1637) de Descartes, texto central do racionalismo tanto metafísico quanto epistemológico.

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Para Descartes, a realidade física coincide com o pensamento e pode ser traduzida por fórmulas e equações matemáticas. Descartes estava convicto também de que todo conhecimento procede de idéias inatas - postas na mente por Deus - que correspondem aos fundamentos racionais da realidade. A razão cartesiana, por julgar-se capaz de apreender a totalidade do real mediante "longas cadeias de razões", é a razão lógico-matemática e não a razão vital e, muito menos, a razão histórica e dialética.

O racionalismo clássico ou metafísico, no entanto, cujos paradigmas seriam o citado Descartes, Espinoza e Leibniz, não se limitava a assinalar a primazia da razão como instrumento do saber, mas entendia a totalidade do real como estrutura racional criada por Deus, o qual era concebido como "grande geômetra do mundo". Spinoza é o mais radical dos cartesianos. Ao negar a diferença entre res cogitans - substância pensante - e res extensa - objetos corpóreos - e afirmar a existência de uma única substância estabeleceu um sistema metafísico aproximado do panteísmo. Reduziu as duas substâncias, res cogitans e res extensa, a uma só - da qual o pensamento e a extensão seriam atributos.

Principais racionalistas modernos: Descartes, Leibniz, Pascal e Espinoza

A concepção empirista

Sob uma perspectiva contrária, os empiristas britânicos refutaram a existência das idéias inatas e postularam que a mente é uma tábula rasa ou página em branco, cujo material provém da experiência. A oposição tradicional entre racionalismo e empirismo, no entanto, está longe de ser absoluta, pois filósofos empiristas como John Locke e, com maior dose de ceticismo, David Hume, embora insistissem em que todo conhecimento deve provir de uma "sensação", não negaram o papel da razão como organizadora dos dados dos sentidos.

Fonte: proavirtualg31.pbwiki.com/13/12/2008

O próprio fato de haver toda esta controvérsia em torno da problemática suscitada por Descartes revela a importância crucial das teses racionalistas. O racionalismo cartesiano e o empirismo inglês desembocaram no Iluminismo do século XVIII. A razão e a experiência de que resulta o conhecimento

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científico do mundo e da sociedade bem como a possibilidade de transformá-los são instâncias em nome das quais se passou a criticar todos os valores do mundo medieval. A nova interpretação dada à teoria do conhecimento pelo filósofo alemão Immanuel Kant, ao desenvolver seu idealismo crítico, representou uma tentativa de superar a controvérsia entre as propostas racionalistas e empiristas extremas.

As principais características do empirismo são:

1 - não há idéias inatas, nem conceitos abstratos; 2 - o conhecimento se reduz a impressões sensíveis e a idéias definidas como cópias enfraquecidas das impressões sensoriais;3 - as qualidades sensíveis são subjetivas;4 - as relações entre as idéias reduzem-se a associações; 5 - os primeiros princípios, e em particular o da causalidade, reduzem-se a associações de idéias convertidas e generalizadas sob forma de associações habituais; 6 - o conhecimento é limitado aos fenômenos e toda a metafísica, conceituada em seus termos convencionais, é impossível.

Principais filósofos empiristas: Francis Bacon, John Locke, Thomas Hobbes, George Berkeley e David Hume.

Exercícios

1. O Empirismo, como uma das grandes correntes da filosofia moderna (séc. XVI-XIX), entre outras considerações concebe que

I. As idéias originam-se a partir da percepção sensorial, rejeitando os princípios do racionalismo.II. A questão do conhecimento está fundada na experiência e é esta que fornece o critério de verificação das afirmações científicas.III As idéias são inatas e, portanto, o conhecimento vem da razão.IV. O Conhecimento puro (não sensível), para os empiristas, é o adquirido pela vivência do homem ao longo da sua trajetória de vida.V. As idéias consideradas por Descartes como obscuras e confusas, porque baseadas na percepção sensorial, são consideradas como seguras na aquisição do conhecimento para os empiristas.

Assinale:a) se apenas II e III estiverem corretas.b) se apenas I, III e V estiverem corretas.c) se apenas I, II e V estiverem corretas.d) se apenas III, IV e V estiverem corretas.

2. O racionalismo concebe a realidade a ser conhecida pelo sujeito como

a) Uma representação feita pela nossa imaginação ou crença.b) Uma representação baseada no exercício exclusivo de nossas faculdades sensoriais.c) Uma representação que a nossa razão formula acerca da realidade, reduzindo-a a conceitos

idéias ou convenções.d) O elemento sensível que determina, por meio da experiência, o conteúdo existente na nossa

mente.

Capítulo 2: René Descartes

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fonte: faculty.uml.edu/enelson/images/Descartes.jpg/04/12/2008 “A faculdade de julgar bem e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente aquilo que se chama bom senso ou razão, é, naturalmente, igual em todos os homens.” (Descartes).

O método e suas regras

René Descartes (1596-1650) definira para si a missão de construir um sistema filosófico completo, isto é, ele pretendia unificar a filosofia, o que era quase uma redundância, pois para ele a filosofia verificava “um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode saber, tanto para a conduta de sua vida como para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes”. Em Princípios da Filosofia, o filósofo representa a unificação do conhecimento por meio da imagem da “árvore do saber”, na qual as raízes são a metafísica, o tronco é a física e os ramos são a mecânica, a medicina e a moral. A metafísica tem, portanto, papel fundamental: é ela a base sobre a qual se sustentam todas as outras ciências. Por sua vez, a posição da física na árvore do saber revela a visão mecanicista do filósofo em relação à realidade, uma vez que a física era o tronco do qual sairiam as demais ciências. Isso significa que a mecânica, moral e medicina serão explicadas tendo por base os corpos e seus movimentos. Note-se que a teologia está fora do projeto cartesiano, marcando definitivamente a separação entre ciência e religião.

A possibilidade de unificar o conhecimento, isto é, de construir uma ciência universal, dependeria de se encontrar o fundamento comum a todas as ciências particulares. Esse fundamento comum será a mathesis universalis, ou matemática universal. Desde cedo Descartes se aplicara intensamente ao estudo das matemáticas e, entusiasmado com os resultados que obtivera, acreditara ser possível transferir seu instrumental a outras áreas do saber. Não foi por acaso que isso aconteceu. Ele se utilizou da concepção da nova física proposta por Galileu (1564-1642), que dizia que a natureza está escrita em linguagem matemática. Assim, Descartes construirá seu método de investigação calcado no modelo matemático de demonstração.

E por que o modelo matemático parecia tão bom? Descartes percebeu haver nas matemáticas aquilo que queria encontrar no mundo: verdades absolutas e incontestáveis. Como o filósofo justificou, em suas correspondências com intelectuais, que as demonstrações matemáticas eram evidentes ao intelecto, ou seja, livres de contradição; seu poder de persuasão “vem de uma razão tão forte que nenhuma mais forte jamais pode abalá-la”. Por exemplo, um triângulo sempre terá três lados e a soma de

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seus ângulos internos nunca deixará de ser 180 graus. Se alguém disser o contrário, já não estaremos mias falando de um triângulo e sim de alguma outra coisa.

Para alcançar essa certeza que só as matemáticas têm, Descartes adotou em seu método filosófico o mesmo procedimento lógico-demonstrativo da geometria analítica. Isso porque ele acreditava na existência de uma ordem natural inerente (isto é, por natureza, inseparavelmente ligada) à estrutura do conhecimento e que essa ordem fosse semelhante à progressão matemática, na qual “quando se têm os dois ou três primeiros termos, não é difícil encontrar os outros”. Ele recomendaria, aliás, a prática de exercícios de geometria ou de aritmética como forma de cultivar no espírito os princípios de seu método. Mas, se a matemática é o fundamento comum a todas as ciências, por que ela não faz parte da árvore do saber? Porque, sendo apenas um meio, um exercício, ela fornecerá apenas um método.

O método cartesiano (adjetivo que deriva de Cartesius, forma latina do nome Descartes) encontra-se detalhadamente apresentado em sua obra Regras para a direção do espírito, composta de 21 regras. Em Discurso do método, Descartes sintetiza esse método por meio de quatro preceitos ou regras que prescreve para si e que não devem ser jamais esquecidos na busca do conhecimento verdadeiro:

O primeiro é o de jamais acolher coisa alguma como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal (regra da evidência); isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente ao meus espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.

O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las (regra da análise).

O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros (regra da síntese).

E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada omitir (regra da enumeração).

Da dúvida metódica ao Cogito

O ponto de partida do racionalismo de Descartes foi, como vimos acima, a procura de um método, isto é, uma base ou caminho seguro que garantisse a verdade de um raciocínio. O método escolhido por ele foi o matemático, pois a matemática é o exemplo de conhecimento integralmente racional.

Descartes afirmava que, para conhecer a verdade, é preciso, de início, colocar todos os nossos conhecimentos em dúvida. É necessário questionar tudo e analisar, criteriosamente, se existe algo na realidade de que possamos ter plena certeza.

Primeiro, ele coloca em dúvida tudo aquilo que se conhece pelos sentidos, apesar desse conhecimento parecer “o mais verdadeiro e seguro”, pois se os sentidos já nos enganaram algumas vezes nada nos garante que eles não estejam nos enganando de novo. Por exemplo: um gato que, à luz do crepúsculo, vemos como pardo, durante o dia se revela de outra cor.

Depois, destrói as certezas mais difíceis de se duvidar, como as que temos sobre ser alguém (uma menina, um homem, etc.), ter algo (um livro, um cachorro, etc.), estar num lugar fazendo alguma coisa, pois podemos estar sonhando. Quantas vezes não tivemos um sonho tão vívido que nos parecia real?

Em seguida, para destruir as certezas matemáticas, como a de que dois mais três é igual a cinco, Descartes supõe que Deus, todo-poderoso, por algum motivo queira nos enganar toda vez que realizamos essa adição ou que tenhamos qualquer outra certeza de mesma natureza.Por último, reforçando o argumento do Deus enganador, imagina a existência de um gênio maligno, que se diverte em enganar pessoas.

Mergulhado em tantas dúvidas, Descartes tem uma intuição: ele nota com clareza que duvida e, se duvida, pensa. Não importa se o que ele pensa é um pensamento verdadeiro, não importa que ele não tenha certeza; existe, porém, a consciência de que pensa. Então formula em latim, “Cogito, ergo sum”, que significa “Penso, logo existo”. Trata-se da primeira certeza, do ponto fixo procurado, momento

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fundamental da reflexão cartesiana. Descartes obtém o primeiro princípio da filosofia que procurava, e que ficou conhecido simplesmente como Cogito. Ele percebeu com clareza e distinção (seu critério para saber se algo é verdadeiro) que é uma res cogitans, isto é, uma “coisa que pensa”, um ser ou substância pensante.

Fonte: http://tinypic.com/pnnrp/04/12/2008

Para Descartes, esse “penso, logo existo” (o Cogito) seria uma verdade absolutamente firme e segura que, por isso mesmo, deveria ser adotada como princípio básico de toda a sua filosofia. Do Cogito cartesiano, podemos extrair uma importante conseqüência: o pensamento (consciência) é algo mais certo que a própria matéria corporal. Baseando-se neste princípio, a filosofia de Descartes assumiu uma tendência racionalista, ou seja, uma tendência a valorizar a atividade do sujeito pensante em relação ao objeto pensado. Em outras palavras, uma tendência a ressaltar a prevalência da consciência subjetiva (razão) sobre o ser objetivo (realidade externa ao sujeito).

Ao afirmar que o verdadeiro conhecimento das coisas externas deveria ser conseguido através do trabalho lógico da mente, Descartes exaltava o conhecimento matemático, afirmando que somente os matemáticos poderiam compreender e explicar a realidade de forma puramente racional. De fato, o conhecimento matemático, com suas noções de grandeza, perfeição, infinito etc. não resultam de uma experiência sensorial; são idéias inatas (já nascem conosco), através das quais podemos, segundo Descartes, explicar precisamente a realidade. Com efeito, os físicos contemporâneos de Descartes, como Galileu e, posteriormente, Newton, demonstravam as verdades dos fenômenos físicos à luz dos conceitos matemáticos.

Os tipos de idéias

Para Descartes, as sensações produzem em nossas mentes as idéias adventícias. Por exemplo, vemos um objeto branco e, a partir desta visão, temos a idéia de branco em nossa mente. Quando associamos as idéias adventícias umas com as outras, podemos criar, a partir de nossa fantasia ou imaginação, as idéias fictícias. Por exemplo, ao associarmos a idéia de um ser humano com as asas de um pássaro, criamos a idéia de um anjo, ser inexistente do ponto de vista material. Para Descartes, tanto as idéias adventícias quanto as fictícias não são garantia para o conhecimento, pois não são evidentes ou indubitáveis. Somente as idéias inatas são a fonte segura do conhecimento, pois não provêm de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir

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de nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de nossa memória. As idéias inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com elas. Por exemplo, as idéias da perfeição e do infinito e as idéias da matemática.

Exercícios

1. Leia com atenção a citação e, em seguida, analise as assertivas.

"E, tendo notado que nada há no eu penso, logo existo, que me assegure de que digo a verdade, exceto que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei poder tomar por regra geral que as coisas que concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras, havendo apenas alguma dificuldade em notar bem quais são as que concebemos distintamente". (DESCARTES, Discurso do Método. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 55. Coleção "Os Pensadores").

I. Este "eu" cartesiano é o corpo e, portanto, algo mais difícil de ser conhecido do que a alma.II. O "eu penso, logo existo" é a certeza que funda o primeiro princípio da Filosofia de Descartes.III. O "eu", tal como está no Discurso do Método, é inteiramente distinto da natureza corporal.IV. Ao concluir com o "logo existo", fica evidente que o "eu penso" depende das coisas materiais.

Assinale a alternativa cujas assertivas estejam corretas.a) Apenas II e IV. b) I, II e IV.c) Apenas III e IV. d) Apenas II e III.

2. Escolha a alternativa correta:

"E enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que temos despertos nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa." (R. Descartes, Discurso do método.São Paulo: Cultural,1973.)

De acordo com a citação acima, Descartes quis afirmar que:

a) o cogito nada mais é que a convicção que tenho através das minhas percepções.b) a realidade e os sonhos são da mesma natureza e, portanto, as idéias são sempre verdadeiras, independentemente do estado de vigília do espírito.c) o fato de se poder duvidar de tudo oferece uma primeira idéia clara e distinta que é a certeza de que o sujeito, que pensa, existe verdadeiramente.d) as sensações e as ilusões dos sonhos são todas elas verdadeiras e conferem certeza ao conhecimento.

3. Sobre a filosofia de Descartes, pode-se afirmar, com certeza, que as suas mais importantes conseqüências foram

I. a afirmação do caráter absoluto e universal da razão que, através de suas próprias forças, pode descobrir todas as verdades possíveis.II. a adoção do Método Matemático, que permite estabelecer cadeias de razões.III. a superação do dualismo psicofísico, isto é, a dicotomia entre corpo e consciência.

Assinale a alternativa correta.

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a) II e IIIb) IIIc) I e IIId) I e II

4. Descartes (1596-1650) é importante para a Filosofia Moderna porque foi quem superou o ceticismo da filosofia do século XVI. Embora tenha se servido do recurso dos céticos - a dúvida -, Descartes utilizou este recurso para atingir a idéia clara e distinta, algo evidente e, portanto, irrefutável. Com base neste argumento,

I. a evidência não diz respeito à clareza e à distinção das coisas;II. a análise é o procedimento que deve ser realizado para dividir as dificuldades até a sua menor parte;III. a enumeração é a primeira regra do método para a investigação da verdade;IV. a síntese proporciona a ordem para os raciocínios, desde o mais simples até o mais complexo.

Estão corretas as afirmações:a) I, II e III b) I, III e IVc) II e IV d) II e III

Capítulo 3: David Hume

David HumeFonte: Archivo Iconografico/ Corbis

Impressões e idéias

Hume (1711-1776) sintetizou exemplarmente as noções centrais do empirismo, já apresentadas, e levou às últimas conseqüências o programa empirista de não admitir hipóteses que não possam ser experimentadas pelos sentidos. Para investigar a origem das idéias e como elas se formam, Hume parte, como a maioria dos filósofos empiristas, do cotidiano das pessoas e, sobretudo, do ponto de vista das crianças. Isso ocorre porque, para um empirista, não existem idéias inatas, o que significa que as idéias vão se formando na mente humana ao longo da vida. O ponto zero de formação das idéias é, portanto, a mais tenra idade, e elas se formam a partir da experiência.

Segundo Hume, tudo o que percebemos pode ser dividido em impressões e idéias:

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* Impressões - referem-se aos dados fornecidos pelos sentidos, como, por exemplo, as impressões visuais ou auditivas;* Idéias - referem-se às representações mentais (memória, imaginação etc.) derivadas das impressões.

A idéia, sendo a representação de uma percepção, pode possuir diferentes graus de fidelidade. Alguém que nunca teve uma impressão visual (um cego de nascença) jamais poderia ter uma idéia de cor, ainda que seja uma idéia não muito fiel. As idéias ocorrem quando recordamos, imaginamos, refletimos. Não se pode negar, por exemplo, diz o filósofo, que quando uma pessoa sente a dor do calor excessivo e depois recorda em sua memória essa experiência, a idéia de dor que se forma nessa lembrança é menos viva que a impressão de dor que a pessoa teve originalmente. Ou seja, nossas idéias não passam de cópias que remetem a determinados originais (as impressões, que surgem da experiência). Mesmo quando concebo uma montanha de ouro sem nunca ter visto uma, diz Hume, estou apenas unindo duas idéias, montanha e ouro, cujas impressões experimentei um dia. Assim ele afirmou em sua obra Investigação acerca do entendimento humano:

Portanto, quando suspeitamos que um termo filosófico está sendo empregado sem nenhum significado ou idéia – o que é muito freqüente – devemos apenas perguntar de que impressão é derivada aquela suposta idéia?

A formação das idéias

Na análise da formação das idéias do homem, Hume propõe que se deve primeiro decompor uma idéia complexa nas idéias simples que a constituem (seguindo a mesma subdivisão proposta por Locke) para então verificar quais são as impressões simples e complexas das quais aquelas se originam, isto é, para verificar se essa idéia tem base na experiência. Quando vemos, por exemplo, um pássaro, formamos na mente uma impressão complexa, que se constitui de várias impressões simples, com a de bico, pena e asa. Quando pensamos num pássaro, temos a idéia complexa de pássaro (que é cópia da impressão complexa do pássaro que vimos), a qual, por sua vez, se decompõe em idéias simples (que são cópias das impressões simples de bico, pena e asa).

Fonte: jeovashama.nireblog.com/13/12/2008

Hume considera esse método importante para descobrir noções falsas, uma vez que a mente demonstra ter muita liberdade e não muito controle sobre as idéias, razão pela qual muitas vezes as confunde com idéias semelhantes, misturando-as e fazendo crer que a elas corresponde alguma impressão, isto é, que elas existem ou acontecem de fato. A mente forma, por exemplo, a idéia complexa

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de anjo com a idéia simples de asa e a idéia complexa de homem, da mesma maneira que compõe a idéia complexa de sereia a partir das idéias complexas de peixe e mulher. É assim, para Hume, que se constroem as fantasias, as ficções e os sonhos.

Segundo o filósofo, a idéia de Deus pode sofrer a mesma composição, isto é, ela resulta de “idéias simples como eram as sensações precedentes”. A maioria das pessoas tem a idéia de Deus como um ser infinitamente inteligente, sábio e bom, porque elas já experimentaram em si ou nos outros a inteligência, a sabedoria e a bondade e aumentam essas qualidades ao máximo. Por fim, reúnem essas idéias numa única idéia complexa, Deus.

Outra idéia analisada por Hume é a de eu ou espírito. Pela noção de eu entende-se geralmente algo fundamental, essencial, uma espécie de núcleo que se mantém constante numa pessoa. Para Descartes, por exemplo, o eu é um núcleo pensante (a res cogitans). Hume dirá que o que chamamos de eu não passa de um feixe de percepções que variam conforme vamos vivendo. A cada momento experimentamos novas percepções, que se somam a esse feixe, ao mesmo tempo em que outras percepções desaparecem. Não somos, portanto, a unidade constante implícita na idéia de eu, do mesmo modo que a idéia de espírito, no sentido de substância (algo fundamental, essencial, que não varia), não passa de uma invenção da mente.

As associações de idéias

Os processos do entendimento são, do mesmo modo, o resultado da associação de idéias, isto é, ocorrem quando a mente reúne, junta, conecta mais de uma idéia, simples ou complexa. Para Hume, existem três tipos de associação de idéias: de semelhança, pela qual a pessoa, quando vê um retrato, pensa no que este retratado; de contigüidade, pela qual a idéia da neve faz pensar no branco. Pois neve e branco são idéias próximas ou contíguas; e de causalidade, pela qual a idéia de ferimento leva a pensar na idéia de dor, isto é, como uma relação de causa (ferimento) e efeito (dor).

Cavalo alado, uma associação de idéiasfonte: www.elaineborges.blogger.com.br/foto_10.jpg

De acordo com os objetos do conhecimento (números, figuras, a natureza, o homem, etc.), Hume divide a investigação humana em dois gêneros: um que estabelece relações de idéias, e outro, relações de fato. Ao primeiro gênero pertencem as ciências matemáticas e a lógica, cujas proposições podem ser descobertas pela “simples operação do pensamento e não dependem de algo existente em alguma parte do universo”. Por exemplo: “três vezes cinco é igual à metade de trinta” é uma relação de idéias (no caso,

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números), isto é, depende apenas das idéias, do raciocínio para ser demonstrada, mantendo sempre “sua certeza e evidencia”.

Já o conhecimento que se obtém por meio de relações de fatos – isto é, que resulta da relação que fazemos entre fatos, acontecimentos, coisas vividas – não tem, para Hume, o mesmo tipo de certeza e evidencia do conhecimento que se alcança por meio de relações de idéias. É que ele não resulta de um encadeamento ou princípio lógico e sim da experiência ou fatos experimentados. Por exemplo: “o Sol nascerá amanhã” constitui uma afirmação baseada apenas na experiência, isto é, trata-se de um fato que observamos repetidamente todos os dias. Do ponto de vista estritamente lógico, no entanto, poderíamos perfeitamente dizer “o Sol não nascerá amanhã”.

Crítica ao princípio científico da causa e do efeito: o hábito e a crença

Um dos aspectos marcantes do empirismo de Hume, é a crítica feita por ele ao raciocínio indutivo (ou princípio da causalidade). As conclusões desse raciocínio são produzidas a partir de percepções repetidas de casos particulares, as quais, devido a regularidade apresentada pelo fato experimentado, nos permite saltar para uma conclusão geral, da qual não temos experiência sensorial. Hume argumentou que a conclusão indutiva, por maior que seja o número de percepções repetidas do mesmo fato, não possui fundamento lógico. E por quê?

Porque será sempre um salto do raciocínio impulsionado pela crença ou hábito, ou seja, as repetidas percepções de um fato nos levam a confiar em que aquilo que se repetiu por várias vezes se repetirá. Desse modo, devido a sua regularidade, nos habituamos em fazer associações de causa e efeito entre um fenômeno experimental e outro. Hume sustenta, portanto, que a repetição de um fato não nos permite concluir, em termos lógicos, que ele continuará a repetir-se da mesma forma, indefinidamente.

O que Hume pretende demonstrar é que as relações de fatos estabelecidas pela mente não se baseiam em nenhum princípio racional, mas apenas na experiência, ou, mais especificamente, no hábito. Por exemplo: quando dizemos “sua dor se deve a um ferimento”, relacionamos a idéia de “dor” à de “ferimento” (dois fatos distintos), porque toda vez que temos um ferimento sentimos dor, e isso nos faz acreditar que o ferimento é a causa da dor (o efeito), quando na verdade não passam de duas experiências que se sucedem no tempo. Se uma pessoa nunca tivesse sofrido um ferimento, nunca poderia associar a ele a idéia de dor, pois na idéia de ferimento não há nada que conduza necessária e racionalmente à idéia de dor.

Assim, para Hume, a causalidade – aquilo que diz que todo efeito dever ter uma causa, muito utilizado por filósofos para provar suas teorias – como princípio racional não passaria de outra ficção racionalista, pois “as causas e os efeitos não são descobertos pela razão, mas pela experiência”.

Como explicar, então, a certeza que se tem sobre o futuro, isto é, a certeza de que o Sol nascerá amanhã, de que o ferimento trará dor, de que uma bola de bilhar, ao se chocar com a outra, fará com que esta se mova? Hume responde que essa certeza é na verdade uma crença. E essa crença se deve à regularidade com que nossas experiências se repetem, gerando o costume ou hábito. Em resumo, a relação de causa e efeito é uma crença baseada na experiência habitual de fatos semelhantes.

Com efeito, ao repetir inúmeras vezes uma certa experiência, encontrando nela uma regularidade, o cientista induz uma verdade geral ou tese, a qual escapa do campo da experiência sensível. Essa tese, ou salto do campo puramente experimental para o campo puramente teórico, fundamenta-se, segundo Hume, na crença de que o fenômeno irá necessariamente se repetir. Desse modo, a ciência, que se constitui de afirmações fundamentadas em relação de fatos, não tem bases racionais. São a crença e o hábito que fundamentam as leis “imutáveis” da natureza.

Exercícios

1. David Hume, filósofo do século XVIII, partindo da teoria do conhecimento, sustentava que

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I. o sujeito do conhecimento opera associando sensações, percepções e impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos e retidas na memória.II. as idéias nada mais são do que hábitos mentais de associações e impressões semelhantes ou de impressões sucessivas.III. as idéias de essência ou substância nada mais são que um nome geral dado para indicar um conjunto de imagens e de idéias que nossa consciência tem o hábito de associar por causa das semelhanças entre elas.

Assinalea) se I, II e III estiverem corretas.b) se apenas I e II estiverem corretas. c) se apenas II e III estiverem corretas.d) se apenas I e III estiverem corretas.

2. Acerca do conhecimento segundo Hume, pode-se considerar que

I. as idéias são inatas e, portanto, o conhecimento dedutivo é válido.II. a crença é a única hipótese para o estabelecimento de leis gerais sobre o mundo.III. não existe conhecimento absoluto e necessário a partir dos fenômenos sensíveis, porque nenhuma idéia possui esse grau de universalidade.IV. as impressões são a única fonte do conhecimento, e a validade das idéias é determinada a partir das impressões que lhes deram origem.

Assinalea) se apenas I e III estiverem corretas.b) se apenas I, III e IV estiverem corretas. c) se apenas II, III e IV estiverem corretas. d) se apenas I, II e IV estiverem corretas.

3. A idéia de causalidade, ou seja, a idéia de estabelecer relações de causa e efeito entre os vários fenômenos, para o filósofo David Hume, constitui-se:

a) no exame de todas as possibilidades de vínculo entre os vários eventos observáveis.b) na antecedência de um fato sobre o outro, que considera um como causa e o outro como efeito.c) no hábito que nossa mente adquire de considerar um fato conseqüente do outro, baseando-se nas percepções e impressões sucessivas.d) na forma como o cientista considera a temporalidade dos fatos envolvidos.

4. A respeito da filosofia de David Hume (1711-1776), escolha entre as alternativas abaixo a única que oferece, respectivamente, uma característica empirista e uma característica cética do pensamento deste filósofo escocês.

a) Nenhuma idéia complexa pode ser derivada das sensações; a idéia do eu pode ser representada pelo pensamento puro.b) As idéias simples são inatas e independem dos sentidos; a causalidade é uma conexão necessária e facilmente observável.c) As idéias se originam da experiência sensível; as impressões não são constantes e invariáveis a ponto de constituir a idéia de eu.d) A relação causa-efeito é apreendida pelo raciocínio a priori; as impressões são variáveis, por isso não há nada de regular no mundo.

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Capítulo 4: O Criticismo de Immanuel Kant

Immanuel KantFonte: corbis – stock photos

As formas da sensibilidade

Immanuel Kant (1724-1804) entendia, como os empíricos, que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, isto é, no momento em que entramos em contato sensível com as coisas. Mas ele achava que esse conhecimento não é simplesmente dado pelas coisas, como se o sujeito que conhece ficasse totalmente passivo no processo. Por isso, ele buscou saber como é o sujeito puro, a priori, isto é, o sujeito antes de qualquer experiência sensível – que se denomina, em sua filosofia, sujeito transcendental –, e chegou à conclusão de que o sujeito possui certas faculdades que possibilitam e determinam a experiência e o conhecimento.

Uma dessas faculdades é a sensibilidade. O filósofo observou que, quando percebemos e representamos em nossa mente qualquer coisa externa, essa representação é sempre feita no tempo e no espaço. Por exemplo: quando vejo um carro andando, percebo que esse carro se desloca por um certo espaço em um determinado tempo; quando ouço um ruído, percebo esse ruído como breve ou demorado e vindo de uma determinada direção; quando assisto a uma corrida que termina empatada, percebo esse fato como a chegada de dois corredores a um mesmo lugar no mesmo instante.

Kant conclui então que tempo e espaço são condições a priori de possibilidade da experiência sensível ou intuição empírica. Em outras palavras, tempo e espaço não são abstrações ou algo que existe fora de nós: eles constituem formas da sensibilidade, isto é, são ferramentas humanas inatas e necessárias ao homem para que ele possa construir toda a sua experiência do mundo. Essas formas da sensibilidade atuam como filtros ou lentes que definem como podemos perceber a realidade, ou, para usar de outra comparação, são como receptáculos ou vasilhas vazias que vão sendo preenchidas com alguma matéria, isto é, os conteúdos que compõem as sensações. Quando vejo, ouço, presencio alguma coisa – por exemplo, um avião que corta o céu –, todas as sensações que se produzem em mim trazidas pelos órgãos dos sentidos são jogadas nessas vasilhas (tempo e o espaço), que então as ordenam na minha consciência para compor a experiência desse fato.

As formas do entendimento

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Kant observou também que, quando enunciamos um juízo, uma afirmação qualquer, como, por exemplo, "o calor dilata os corpos", ocorre uma síntese das representações "calor" e "dilatação dos corpos". Essa síntese, diz o filósofo, é feita por outra faculdade humana: o entendimento ou faculdade de pensar ou de julgar. Todo juízo é, portanto, uma síntese efetuada pelo entendimento, que unifica as múltiplas representações que aparecem na sensibilidade.

Analisando os diversos juízos possíveis, Kant percebeu que todos se articulam de acordo com certos princípios lógicos ou regras, apresentando formas básicas ou puras, isto é, destituídas de qualquer conteúdo e anteriores a qualquer experiência vivida pelas pessoas. Assim, do mesmo modo que existem formas da sensibilidade (espaço e tempo), Kant diz que existem formas do entendimento. A partir delas se estabelecem conceitos puros, a priori, que existem desde sempre em nossa consciência, como os conceitos de causa, necessidade e substância, que são o que o filósofo denomina categorias. São as categorias que permitem pensar tudo aquilo que chega com a intuição ou experiência sensível.

Vejamos um exemplo de uma categoria muito importante para as ciências da natureza e para a nossa vida diária: o conceito de causa (ou causa e efeito). Quando entramos numa sala aquecida pelo sol da tarde, a partir apenas dessa intuição ou experiência sensível podemos dizer "O sol brilha na sala" e "A sala está quente". Se, em seguida, relacionamos essas duas intuições, subordinando uma à outra, podemos concluir: "O sol aquece a sala". Kant diz que fazer essa relação é algo inerente ao entendimen-to humano que não consegue deixar de empregar o princípio de que "todo efeito tem de ter uma causa".

O mais importante e inovador é que a causa não está nas coisas - como pensar a maioria das pessoas -, nem tampouco uma ficção criada pelo hábito - como dissera Hume -, pois, para Kant, a noção de causalidade é algo que deriva do nosso entendimento, isto é, nós é que criamos essa relação. Isso quer dizer que entender a natureza é projetar sobre ela as nossas formas próprias de conhecimento. A razão, assim, toma-se a grande legisladora do conhecimento da natureza, conforme ele explica em Crítica da razão pura:

A razão tem de ir à natureza-[...] não porém na qualidade de um aluno que deixa ditar tudo o que o professor quer mas na de um juiz nomeado, que obriga as testemunhas, a responder às perguntas que lhes propõe.

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Juízos analíticos e juízos sintéticos

Um juízo é analítico quando o predicado ou os predicados do enunciado nada mais são do que a explicitação do conteúdo do sujeito do enunciado. Por exemplo: quando digo que o triângulo é uma figura de três lados, o predicado “três lados” nada mais é do que a análise ou a explicitação do sujeito “triângulo”.

Quando, porém, entre o sujeito e o predicado se estabelece uma relação na qual o predicado me dá informações novas sobre o sujeito, o juízo é sintético, isto é, formula uma síntese entre um predicado e um sujeito. Assim, por exemplo, quando digo que o calor é a causa da dilatação dos corpos, o predicado “causa da dilatação” não está analiticamente contido no sujeito “calor”. Se eu dissesse que o calor é uma medida de temperatura dos corpos, o juízo seria analítico, mas quando estabeleço uma relação causal entre o sujeito e o predicado, como no caso da relação entre “calor” e “dilatação dos corpos”, tenho uma síntese, algo novo me é dito sobre o sujeito através do predicado.

Para Kant, os juízos analíticos, ao contrário dos sintéticos, não se fundam na experiência, pois para formá-los “não preciso sair do meu conceito e por conseguinte não me é necessário o testemunho da experiência”. Por exemplo, “um corpo é extenso” é uma proposição “a priori” e não um juízo da experiência (“a posteriori”), porque, antes de dirigir-me à experiência, tenho já em meu conceito todas as condições do juízo.

Entretanto, Kant introduz a idéia de juízos sintéticos a priori, isto é, de juízos sintéticos cuja síntese depende da estrutura universal e necessária de nossa razão e não da variabilidade individual de nossas experiências. Os juízos sintéticos a priori exprimem o modo como necessariamente nosso pensamento relaciona e conhece a realidade. A causalidade, por exemplo, é uma síntese a priori que nosso entendimento formula para as ligações universais e necessárias entre causas e efeitos, independentemente de hábitos psíquicos associativos.

A Ética Kantiana: Inclinação e dever

O cristianismo introduz a idéia do dever para resolver um problema ético, qual seja, oferecer um caminho seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca, sente-se dividida entre o bem o mal. No entanto, essa idéia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele que encontra em sua consciência (isto é, sua vontade, razão ou coração) as normas da conduta virtuosa, submetendo-se apenas ao bem, jamais submetendo-se a poderes externos à consciência, como falar em comportamento ético por dever? Tal comportamento não seria o poder externo de uma vontade externa (Deus, por exemplo), que nos domina e nos impõe leis, forçando-nos a agir em conformidade com regras vindas de fora de nossa consciência? A idéia de dever, nesse sentido, não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós?

Diante de tal problema, Kant afirma o papel da razão na ética. Para o pensador alemão, não existe, como pensara Rousseau, bondade natural. Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais.

A exposição kantiana sobre o dever repousa na tese de que o homem é, universalmente, um ser dotado de razão prática e, por isso, sua ação (práxis) não é apenas regida por necessidade causal, tal como as ações que ocorrem no reino da natureza. Por ser racional, a ação humana é dotada de finalidade e liberdade. Ora, se a razão é capaz de instituir finalidades para a ação, então ela é instauradora de normas e fins éticos. E, tendo o poder para criar normas e fins morais, a razão prática tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição que a razão prática faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. Este, portanto, longe de ser uma imposição externa feita à nossa vontade e nossa consciência, é a expressão da lei moral em nós, manifestação mais alta da humanidade em nós. Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, damos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral e por isso somos autônomos.

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Resta, porém, uma questão: se somos racionais e livres, por que valores, fins e leis morais não são espontâneos em nós, mas precisam assumir a forma do dever?

Responde Kant: porque não somos seres morais apenas. Também somos seres naturais, submetidos à causalidade necessária da natureza. Nosso corpo e nossa psique são feitos de apetites, impulsos, desejos e paixões. Nossos sentimentos, emoções são a parte da natureza em nós, exercendo domínio sobre o nosso comportamento. Mas quem se submete a tais sentimentos e emoções não pode possuir a autonomia ética.

A natureza nos impele a agir por interesse ou inclinação. Esta é a forma natural do egoísmo que nos leva a usar coisas e pessoas como meios e instrumentos para o que desejamos. Agir por interesse ou inclinação é agir determinado por motivações físicas, psíquicas, vitais, à maneira dos animais. Visto que os apetites, impulsos, desejos, tendências costumam ser muito mais fortes do que a razão, a razão prática e a verdadeira liberdade precisam dobrar nossa parte natural e impor-nos nosso ser moral. Elas o fazem obrigando-nos a passar das motivações do interesse ou inclinação para o dever.

O dever, afirma Kant, não se apresenta através de um conjunto de conteúdos fixos, que nos mostra o que fazer ou evitar em cada circunstância. O dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral. Essa forma é imperativa. O imperativo não admite hipóteses nem condições que o fariam valer em certas situações e não valer em outras, mas vale incondicionalmente e sem exceções para todas as circunstâncias de todas as ações morais. Por isso, o dever é um imperativo categórico. Ordena incondicionalmente. Não é uma motivação psicológica, mas a lei moral interior.

Fonte: www.facemed.edu.br/10/12/2008A atitude solidária independe de contexto ou parâmetro cultural. Por isso, ela poderia se configurar como um dever universal do ser humano em relação ao seu semelhante.

O imperativo categórico exprime-se numa fórmula geral: age em conformidade apenas com a máxima que possas querer que se torne uma lei universal. Em outras palavras, o ato moral é aquele que se realiza como acordo entre a vontade e as leis universais que ela dá a si mesma. Essa fórmula permita a Kant deduzir as três morais que exprimem a incondicionalidade dos atos realizados por dever. São elas:

1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da Natureza;2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio;3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais.

O imperativo categórico não nos diz para praticarmos esta ou aquela ação determinada, mas nos diz para sermos éticos cumprindo o dever (as três máximas morais). É este que determina porque uma

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ação moral deverá ser sempre honesta, justa, veraz ou generosa. Ao agir, devemos indagar se nossa ação está em conformidade com os fins morais, isto é, com as máximas do dever. Por que, por exemplo, mentir é imoral? Porque o mentiroso transgride as três máximas morais. Ao mentir, não respeita em sua pessoa e na do outro a humanidade (consciência, racionalidade e liberdade), pratica uma violência escondendo de um outro ser humano uma informação verdadeira. Também não respeita a terceira máxima, pois se a mentira pudesse universalizar-se, o gênero humano deveria abdicar da razão, vivendo na mais completa ignorância, no erro e na ilusão. Por que um político corrupto é imoral? Por que transgride as três máximas. Por que o homicídio ou o roubo são imorais? Por que transgridem as três máximas.

Texto complementar

Comentário sobre o discurso de Kant: "Resposta à pergunta: O que é esclarecimento ?"*  Kant inicia seu discurso definindo menoridade como sendo a incapacidade do homem em fazer uso do seu entendimento

sem direção de outro indivíduo. Depois, ele define esclarecimento como sendo a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado, segundo Kant.

O homem é culpado de sua menoridade porque já se libertou dos seus instintos animais (“direção estranha”), podendo fazer uso do seu entendimento. Logo, o que o leva ao não esclarecimento é a preguiça e a covardia, por ser mais cômodo ser menor.

Desta forma, o homem entrega o seu esclarecimento à tutores, que, depois de embrutecerem seus "pupilos" e cuidadosamente tê-los preservado a fim de não ousarem "andar" sozinhos, mostram-lhes em seguida o perigo que os ameaça se tentarem. "Andar" seria fazer uso do seu próprio entendimento, revelando uma forte analogia com o mito da caverna de Platão.

Esses "avisos" tornam o homem tímido e temeroso, sendo difícil para ele desvencilhar-se da menoridade, que para ele já se tornou quase uma natureza, chegando mesmo a criar amor a ela. Esse sufocamento por parte dos tutores é feito por preceitos e fórmulas, que são os grilhões de uma perpétua menoridade.

Se a verdadeira liberdade fosse dada, é quase inevitável que um público se esclareça. Tais indivíduos, libertos da menoridade, espalhariam ao seu redor o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo, o espírito do esclarecimento.

Certamente, haverá obstáculo para o esclarecimento geral por parte do próprio público, quando incitado por alguns dos seus tutores ainda não esclarecidos, objetivando manter a ordem vigente. Se um desses tutores se esclarecesse, também seria vítima de seus próprios preconceitos anteriores.

Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento. Kant então conclui, de uma forma bastante interessante, que uma revolução poderia talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão da ordem vigente, porém nunca produziria a verdadeira reforma do modo de pensar, necessária para o esclarecimento geral. Apenas novos preconceitos servirão para conduzir a grande massa "destituída de pensamento", constituindo uma forte crítica à filosofia comunista-marxista.

Nesse momento, Kant define o uso público e o uso privado da razão. O uso público é aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz da sua razão diante do grande público do mundo letrado. O uso privado é aquele que o sábio pode fazer de sua razão em um certo cargo público ou função a ele confiada.

No uso privado, o sábio deve seguir as normas a que esta subordinado pelo cargo, podendo dar conhecimento de suas idéias ao público, mas desde que estas não entrem em conflito com tais normas. Isso se torna um absurdo, pois o fato dos próprios tutores do povo serem eles mesmos menores resulta na perpetuação dos absurdos. Kant critica a censura pelo poder e o apoio ao despotismo espiritual (pela igreja) contra os súditos, dificultando ainda mais o esclarecimento.

O autor então dá pistas de como poderia ser uma constituição religiosa não fixa, onde homens, na qualidade de sábios, pudessem fazer seus reparos publicamente a possíveis defeitos nas instituições vigentes. Essas últimas manteriam-se intactas até o completo entendimento de tais reparos.

Kant afirma que não estamos em uma época esclarecida, mas em uma época de esclarecimento, pois falta muito para que os homens em conjunto sejam capazes de fazer uso público de suas razões.

Os homens se desprendem por si mesmos progressivamente do estado de selvageria, principalmente quando o regime vigente dá liberdade em matéria religiosa; mas esse processo é lento e muito difícil. Kant dá ênfase à matéria religiosa como ponto principal do esclarecimento, porque "no que se refere as artes e ciências nossos senhores não têm interesse em exercer tutela sobre seus súditos", além de que a menoridade religiosa é a mais prejudicial e desonrosa.

Kant então finaliza o seu discurso, de uma forma brilhante, lembrando o rei filósofo de Platão, e a complementaridade entre o Antigo Testamento, da ordem e obediência, e o Novo Testamento, da verdade e liberdade.

Ele justifica que um monarca esclarecido, chefe de um poderoso e disciplinado exército pode dizer ao povo o que é praticamente impossível (o que Deus diz ao homem): "Raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que quiserdes; apenas obedecei".

Kant argumenta que a natureza por baixo desse duro envoltório da ordem dá espaço ao ensejo de expandir a liberdade de espírito do povo e, pouco a pouco, o povo se tornaria cada vez mais capaz de agir de acordo com a liberdade, e o governo

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(ou regime vigente) acharia conveniente para si próprio tratar o homem, que agora é mais que uma simples máquina, de acordo com a sua dignidade.

* Rudini Sampaio (fonte: http://www.ime.usp.br/~rudini/filos.kant.htm/04/12/2008)

Exercícios

1. A respeito da teoria do conhecimento em Kant, analise as proposições abaixo:

I. o sujeito do conhecimento é a própria razão universal e não uma subjetividade pessoal e psicológica, pois é sujeito conhecedor.II. por ser inata e não depender da experiência para existir, a razão, do ponto de vista do conhecimento, é anterior à experiência; sua estrutura é "a priori".III. a experiência determina o conhecimento para a razão e fornece a forma (universal e necessária) do conhecimento.

Assinalea) se as afirmações I e II são corretas. b) se as afirmações I e III são corretas. c) se apenas a afirmação I é correta. d) se as afirmações II e III são corretas.

2. Observe o texto abaixo, de Kant, e marque a CORRETA.

"Denominamos sensibilidade a receptividade de nossa mente para receber representações na medida em que é afetada de algum modo; em contrapartida, denominamos entendimento ou espontaneidade do conhecimento a faculdade do próprio entendimento de produzir representações".

I. As sensações são intuições empíricas; já o espaço e o tempo são intuições a posteriori.II. Mediante a cooperação recíproca das faculdades subjetivas, unificando percepções sob conceitos, o sujeito produz a experiência, que é um conhecimento real e empírico constituído por uma conexão de percepções operada pelo entendimento.III. A experiência envolve apenas dados empíricos e nunca elementos a priori.IV. A sensibilidade é a faculdade das intuições e o entendimento é a faculdade dos conceitos.V. O Sujeito constrói o conhecimento segundo certas condições que são as faculdades e suas respectivas formas: a sensibilidade com as formas de espaço e o tempo, e o entendimento com os conceitos básicos chamados categorias.

a) Estão todas corretas.b) Estão corretas II, IV e V. c) Estão incorretas I, III e IV. d) Estão corretas I, III e V.

3. Observe o texto abaixo:

"Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto daquilo que recebemos por impressões e daquilo que a nossa própria faculdade de conhecimento (apenas provocada por impressões sensíveis) fornece de si mesma, cujo aditamento não distinguimos daquela matéria-prima antes que um longo exercício nos tenha chamado a atenção para ele e nos tenha tornado aptos a abstraí-lo."

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(KANT, lmmanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 23 [B 1-2]).

Assinale, abaixo, a alternativa INCORRETA:a) Nosso conhecimento não se origina exclusivamente da experiência, porque o sujeito é ativo e constrói subjetivamente parte dele.b) As impressões que afetam nossa sensibilidade recebem as formas a priori do espaço e do tempo.c) A intuição empírica (sensações) é a matéria do conhecimento.d) A intuição humana é sensível e a intuição de Deus é intelectual.

4. Sobre a filosofia de Immanuel Kant, assinale a correta.

1. Era idealista transcendental. Escreveu "Crítica da Razão Pura".2. Kant distingue duas formas de conhecimento: o empírico ou a posteriori e o puro ou a priori.3. Conhecimento empírico não depende da experiência sensível e o conhecimento puro depende diretamente dos 5 sentidos.4. A experiência sensível não produz juízos universais.5. Os juízos universais e necessários são chamados de conhecimento puro ou a priori.

a) Estão corretas 2, 3 e 4. b) Estão corretas 1, 2, 4 e 5. c) Estão corretas 1, 2, 3 e 5. d) Estão corretas 3, 4 e 5.

5. Para Kant, a ação por dever é incondicional. Isto significa que:

a) a ação é movida pelos nossos impulsos vitais ou inclinações.b) a ação está sujeita a mudanças, conforme exige a circunstância ou condição na qual ela ocorre.c) a ação deve ser sempre racional, ou seja, deve servir de critério ou referência universal em qualquer que seja a condição ou situação na qual o agente se encontra.d) a ação deve servir de referência apenas para as pessoas que sofreram as suas conseqüências.

IV - FILOSOFIA MODERNA: A QUESTÃO POLÍTICA

Introdução

Durante a Idade Média o poder do rei era sempre confrontado com os poderes da Igreja ou da nobreza. Porém, a partir do contexto da Idade Moderna, começam a surgir as monarquias nacionais, fortalecendo o poder dos reis e centralizando o poder político. Dessa forma, configura-se o Estado moderno, com características específicas, tais como o monopólio de fazer e aplicar leis, recolher impostos, cunhar moeda, ter um exército etc. È neste contexto que a obra política de Maquiavel se impõe, tornando-se uma referência obrigatória do pensamento político moderno.

Já no século XVII, como veremos, firmou-se uma tendência política denominada jusnaturalismo, que fecundará as teorias de diversos pensadores, desde os defensores do poder absoluto do Estado, como Hobbes, até liberais como Locke. O direito natural, como conjunto de valores universais pertencentes à natureza humana, tornará, para os pensadores desse período, uma regulamentação necessária das relações humanas, a partir do uso da razão.

Além do jusnaturalismo, uma outra concepção marca o pensamento político desse contexto: o contrato social. O pensamento contratualista, que ainda permanecera vivo no século XVIII, surge da necessidade dos teóricos políticos em justificar racionalmente a origem da sociedade civil, regida por uma autoridade soberana, ou seja, a origem do Estado. A justificação racional para a existência do poder do

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Estado se contrapõe às justificativas religiosas até então vigentes, tais como a teoria do Direito divino dos reis.

Capítulo 1: Maquiavel - a política como categoria autônoma

Nicolau MaquiavelFonte: Archivo iconografico/ Corbis

É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade. (Maquiavel)

O príncipe virtuoso: virtù e fortuna

Escrito em 1513 e dedicado a Lourenço de Médici, O príncipe, obra principal de Niccolò Machiavelli (1469-1527), dito Maquiavel, tem provocado inúmeras interpretações e controvérsias. Uma primeira leitura nos dá uma visão da defesa do absolutismo e do mais completo imoralismo: "É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade".

Para descrever a ação do príncipe, Maquiavel usa as expressões italianas virtù e fortuna. Virtù significa virtude, no sentido grego de força, valor, qualidade de lutador e guerreiro viril. Homens de virtù são homens especiais, capazes de realizar grandes obras e provocar mudanças na história.

Não se trata do príncipe virtuoso no sentido medieval, enquanto bom e justo segundo os preceitos da moral cristã, mas sim daquele que tem a capacidade de perceber o jogo de forças que caracteriza a política para agir com energia a fim de conquistar e manter o poder. O príncipe de virtù não deve se valer das normas preestabelecidas da moral cristã, pois isso geralmente pode significar a sua ruína.

Implícita nessa afirmação se acha a noção de fortuna, aqui entendida como ocasião, acaso. O príncipe não deve deixar escapar a fortuna, isto é, a ocasião. De nada adiantaria um príncipe virtuoso, se não soubesse ser precavido ou ousado, aguardando a ocasião propícia, aproveitando o acaso ou a sorte das circunstâncias, como observador atento do curso da história. No entanto, a fortuna não deve existir sem a virtù, sob pena de se transformar em mero oportunismo.

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Fonte: http://www.albertomunoz.pro.br/Fortuna.jpgIluminura medieval da deusa romana fortuna. Girando sua roda, faz  cair os que estão no auge, substituindo-os por outros que terão a mesma sorte. É a alegora da vida política. 

A novidade do pensamento maquiaveliano, justamente a que causou maior escândalo e críticas, está na reavaliação das relações entre ética e política. Por um lado, Maquiavel apresenta uma moral laica, secular, de base naturalista, diferente da moral cristã; por outro, estabelece a autonomia da política, negando a anterioridade das questões morais na avaliação da ação política.

Para Maquiavel, a ética aplicada à política analisa as ações não mais em função de uma hierarquia de valores dada a priori, mas sim em vista das conseqüências, dos resultados da ação política. Não se trata de um amoralismo, mas de uma nova moral centrada nos critérios da avaliação do que é útil à comunidade: o critério para definir o que é moral é o bem da comunidade, e nesse sentido às vezes é legítimo o recurso ao mal (o emprego da força coercitiva do Estado, a guerra, a prática da espionagem, o emprego da violência). Estamos diante de uma moral imanente, mundana, que vive do relacionamento entre os homens. E se há a possibilidade de os homens serem corruptos, constitui dever do príncipe manter-se no poder a qualquer custo.

A autonomia da política

Maquiavel subverte a abordagem tradicional da teoria política feita pelos gregos e medievais e é considerado o fundador da ciência política, ao enveredar por novos caminhos "ainda não trilhados".Pode-se dizer que a política de Maquiavel é realista, pois procura a verdade efetiva, ou seja, "como o homem age de fato". As observações das ações dos homens do seu tempo e dos estudos dos antigos, sobretudo da Roma Antiga, levam-no à constatação de que os homens sempre agiram pelas vias da corrupção e da violência. Partindo do pressuposto da natureza humana capaz do mal e do erro, analisa a ação política sem se preocupar em ocultar "o que se faz e não se costuma dizer".

A esse realismo alia-se a tendência utilitarista, pela qual Maquiavel pretende desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata. A ciência política só tem tido se propiciar o melhor exercício da política. Trata-se do começo da ciência política: da teoria e da técnica da política, entendida como disciplina autônoma.

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Maquiavel torna a política autônoma porque a desvincula da ética e da religião procurando examiná-la na sua especificidade própria.

Em relação ao pensamento medieval, Maquiavel procede à secularização da política, rejeitando o legado ético-cristão. Além da desvinculação da religião, a ética política se distingue da moral privada, uma que a ação política deve ser julgada a partir das circunstâncias vividas, tendo em vista os resultados alcançados na busca do comum.

Com isso, Maquiavel se distancia da política normativa dos gregos e medievais, pois não mais busca as normas que definem o bom regime, nem explicita quais devem ser as virtudes do bom governante. Em alguns casos, como o de Platão, a preocupação em definir como deve ser o bom governo leva à construção de utopias, o que mereceu a crítica de Maquiavel.

Talvez alguém inadvertidamente se pergunte se o próprio Maquiavel não estaria procura do príncipe ideal, indicando as normas para conquistar e não perder o poder. No entanto, há, de fato, diferenças fundamentais entre o “dever ser” da política clássica e aquele a que se refere Maquiavel.Na nova perspectiva, para fazer política é preciso compreender o sistema de forças existentes e calcular a alteração do equilíbrio provocada pela interferência de sua própria ação nesse sistema.Segundo Claude Lefort, como "em definitivo, em nenhum lugar está traçada a via real da política", cabe ao homem de ação descobrir, na paciente exploração dos possíveis, os sinais da criação histórica e assim inscrever sua ação no tempo.

Texto complementar

O príncipe1

Os príncipes prudentes repeliram sempre tais forças [as mercenárias e as auxiliares], para valer-se das suas próprias, preferindo antes perder com estas a vencer com auxílio das outras, considerando falsa a vitória conquistada com forças alheias. (...) Se se considerar o começo da decadência do Império Romano, achar-se-á que foi motivada somente por ter começado a ter a soldo mercenários godos.

2Um príncipe deve, pois, não deixar nunca de se preocupar com a arte da guerra e praticá-la na paz ainda mais mesmo que

na guerra, e isto pode ser conseguido por duas formas: pela ação ou apenas pelo pensamento. Quanto à ação, além de manter os soldados disciplinados e constantemente em exercício, deve estar sempre em grandes caçadas, onde deverá habituar o corpo aos incômodos naturais da vida em campanha e aprender a natureza dos lugares, saber como surgem os montes, como afundam os vales, como jazem as planícies, e saber da natureza dos rios e dos pântanos, empregando nesse trabalho os melhores cuidados. (...) Agora, quanto ao exercício do pensamento, o príncipe deve ler histórias de países e considerar as ações dos grandes homens, observar como se conduziram nas guerras, examinar as razões de suas vitórias e derrotas, para poder fugir destas e imitar aquelas.

3Destarte todos os profetas armados venceram e os desarmados fracassaram. Porque, além do que já se disse, a natureza

dos povos é vária, sendo fácil persuadi-los de uma coisa, mas sendo difícil firmá-los na persuasão. Convém, pois, providenciar para que, quando não acreditarem mais, se possa fazê-los crer à força. Moisés, Ciro, Teseu e Rômulo não teriam conseguido fazer observar por muito tempo suas constituições se estivessem desarmados. É o que, nos tempos que correm, aconteceu a frei Girolamo Savonarola, o qual fracassou na sua tentativa de reforma quando o povo começou a não lhe dar crédito. E ele não tinha meios para manter firmes aqueles que haviam acreditado, nem para fazer com que os incrédulos acreditassem.

4... cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel: apesar disso, deve cuidar de empregar

convenientemente essa piedade. César Bórgia era considerado cruel, e, contudo, sua crueldade havia reerguido a Romanha e conseguido uni-Ia e conduzi-Ia à paz e à fé; o que, bem considerado, mostrará que ele foi muito mais piedoso do que o povo florentino, o qual, para evitar a pecha de cruel, deixou que Pistóia fosse destruída. Não deve, portanto, importar ao príncipe a qualificação de cruel para manter os seus súditos unidos e com fé, porque, com raras exceções, é ele mais piedoso do que aqueles que por muita clemência deixam acontecer desordens, das quais podem nascer assassínios ou rapinagem. É que estas conseqüências prejudicam todo um povo, e as execuções que provêm do príncipe ofendem apenas um indivíduo. E, entre todos os príncipes, os novos são os que menos podem fugir à fama de cruéis, pois os Estados novos são cheios de perigo.

5Nasce daí esta questão debatida: se será melhor ser amado que temido ou vice-versa. Responder-se-á que se desejaria

ser uma e outra coisa; mas como é difícil reunir ao mesmo tempo as qualidades que dão aqueles resultados, é muito mais seguro ser temido que amado, quando se tenha que falhar numa das duas.

6... um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as

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causas que o determinaram cessem de existir. Se os homens todos fossem bons, este preceito seria mau. Mas, dado que são pérfidos e que não a observariam a teu respeito, também não és obrigado a cumpri-Ia para com eles.

7(...) Quem se torna senhor de uma cidade tradicionalmente livre e não a destrói, será destruído por ela. Tais cidades têm

sempre por bandeira, nas rebeliões, a liberdade e suas antigas leis, que não esquecem nunca, nem com o correr do tempo, nem por influência dos benefícios recebidos. (...) Assim, para conservar uma república conquistada, o caminho mais seguro é destruí-Ia ou habitá-la pessoalmente.

8... como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade

pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar. E muita gente imaginou repúblicas e principados que nunca se viram nem jamais foram reconhecidos como verdadeiros. Vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se deveria viver, que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria, do que o modo de se preservar; e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus. Assim é necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade.

(Maquiavel, O príncipe, trad. Lívio Xavier, Os pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973,

p.62-63, 65-66, 31, 75, 76, 79, 28, 69.)

Exercícios

1. No entendimento de Maquiavel, o fundamental não é possuir todas as qualidades que são atribuídas ao bom governante, o mais importante para o novo príncipe é aparentar possuí-las todas. “E há de se entender o seguinte: que um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens considerados bons, sendo freqüentemente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião.” MAQUIAVEL, N. O príncipe. Trad. de Lívio Xavier. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 74.Assinale a alternativa abaixo que justifica a afirmação de Maquiavel.

a) O príncipe é um homem de virtú, isto é, ele sabe se submeter aos caprichos do destino e cede ao fluxo dos acontecimentos com a esperança de alcançar os seus intentos políticos.b) O príncipe deve ter o ânimo voltado para a direção apontada pelos sinais da sorte. Procedendo assim, ele saberá aproveitar as ocasiões que se apresentam para a tomada e a conservação do poder.c) O príncipe é maquiavélico, o que importa é o poder e a fortuna (riqueza) do governante. Para isso, tudo é justificado mediante a força e a fraude, porque o que dá poder e fortuna é a exploração e a miséria do povo.d) A imoralidade do príncipe é a sua virtude. Somente um homem destituído de todos os valores torna-se capaz de governar de maneira insensível o corpo político tendo por finalidade o próprio poder.

2. Nicolau Maquiavel, precursor do pensamento político moderno, lançou mão dos conceitos de virtude e fortuna para descrever a ação do chefe de Estado, sobre estes conceitos, marque a proposição correta.

a) A virtude política refere-se, sobretudo, à integridade e firmeza de caráter do Príncipe, considerado um homem de grande referência moral.b) A fortuna refere-se à riqueza de que o Príncipe necessita para administrar as questões econômicas do seu Principado.c) A virtude é a habilidade, o talento, a flexibilidade, a audácia e a força necessárias ao Príncipe para a manutenção do poder.d) A fortuna representa a sorte que o chefe do Estado pode ter para bem governar. A sorte, para Maquiavel, é um atributo desnecessário e irrelevante para a posse e manutenção do poder.e) As virtudes da honestidade, firmeza de caráter e integridade na administração pública são imprescindíveis para a manutenção do poder do Príncipe.

Page 58: Filosofia Para Vestibular

3. Leia o texto abaixo.

Deixando de lado as discussões sobre governos e governantes ideais, Maquiavel se preocuparia em saber como os homens governam de fato, quais os limites do uso da violência para conquistar e conservar o poder, como instaurar um governo estável, etc. CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Ática, 2006. p. 200.

Marque a alternativa que descreve corretamente o objetivo de Maquiavel.

a) De acordo com Chalita, Maquiavel examina a política de forma a dar continuidade às análises da tradição filosófica.b) Conforme Chalita, o pensador florentino tem por objetivo demonstrar como um Príncipe deve conquistar e manter o poder, tratando-o como uma realidade concreta.c) Como observamos no texto, a obra de Maquiavel é inovadora por definir o que é o governo e quem são os governantes ideais.d) De acordo com o texto, pode-se observar que Maquiavel não admite o uso da violência para conquistar e conservar o poder.

Capítulo 2: Thomas Hobbes e o Estado absoluto

Fonte: www.geocities.com/12/12/2008Sejamos o lobo do lobo do homem. (Caetano Veloso)

O contratualismo político

A partir da tendência de secularização do pensamento político, os filósofos do século XVII estão preocupados em justificar racionalmente e legitimar o poder do Estado sem recorrer à intervenção divina ou a qualquer explicação religiosa. Daí a preocupação com a origem do Estado. Não se trata, porém, de uma visão histórica, de modo que seria ingenuidade concluir que a "origem" do Estado se refere à preocupação com o seu "começo". O termo deve ser entendido no sentido lógico, e não cronológico, como "princípio" do Estado, ou seja, sua razão de ser. O ponto to crucial não é a história, mas a validade da ordem social e política, a base legal do Estado.

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As teorias contratualistas representam a busca da legitimidade do poder que os novos pensadores políticos esperam encontrar na representatividade do poder e no consenso. Essa temática já existe em Thomas Hobbes (1588-1679), embora a partir de outros pressupostos e com resultados e propostas diferentes daquelas dos liberais. Além de Hobbes, os outros dois principais representantes do contratualismo são John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

Dentre as principais questões, em torno das quais se desenvolveu o pensamento contratualista, podemos destacar:

1ª) Em relação ao estado de natureza: Como era a condição do ser humano antes do aparecimento da sociedade civil ou como era o estado ou condição natural (oposto ao social) do homem?

2ª) Em relação ao Contrato Social: Por que os homens, em determinado momento ou contexto, resolveram fazer entre si um pacto ou acordo social, abandonando o seu estado ou condição natural (estado de natureza)?

3ª) Em relação ao poder do Estado: Como explicar a existência do Estado e como legitimar seu poder?

Do estado de natureza ao contrato social

Para Hobbes, o homem não possui o instinto natural de sociabilidade, como afirmou Aristóteles. Cada homem sempre encara o seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado. No estado de natureza, o homem tem direito a tudo: "O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e, conseqüentemente, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim".

Ora, enquanto perdurar esse estado de coisas, não haverá segurança nem paz alguma. A situação dos homens deixados a si próprios é de anarquia, geradora de insegurança, angústia e medo. A vontade particular e os interesses egoístas predominam e o homem se torna um lobo para o outro homem (homo homini lupus). As disputas geram a guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes), cuja conseqüência é o prejuízo para a indústria, a agricultura, a navegação, e para a ciência e o conforto dos homens.

Na seqüência do raciocínio, Hobbes pondera que o homem reconhece a necessidade de "renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo". A nova ordem é celebrada mediante um contrato, um pacto, pelo qual todos abdicam de sua vontade em favor de "um homem ou de uma assembléia de homens, como representantes de suas pessoas". O homem, não sendo sociável por natureza, o será por artifício. É o medo e o desejo de paz que o levam a fundar um estado social e a autoridade política, abdicando dos seus direitos em favor do soberano, que passaria a governar a todos, impondo ordem e segurança à conturbada vida social.

O Estado absoluto

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fonte: leviata.wordpress.com/04/12/2008Frontispício da edição de 1651 de Leviatã. Leviatã é um monstro bíblico cruel e invencível que simboliza, para Hobbes, o poder do Estado absoluto. No desenho, seu corpo é constituído de inúmeras cabeças e ele empunha os símbolos dos dois poderes, o civil e o religioso.

Qual é a natureza do poder legítimo resultante do consenso? Que tipo de soberania resulta do pacto?

Para Hobbes, o poder do soberano deve ser absoluto, isto é, ilimitado. A transmissão do poder dos indivíduos ao soberano deve ser total, caso contrário, um pouco que seja conservado da liberdade natural do homem, instaura-se de novo a guerra. E se não há limites para a ação do governante, não é sequer possível ao súdito julgar se o soberano é justo ou injusto, tirano ou não, pois é contraditório dizer que o governante abusa do poder: não há abuso quando o poder é ilimitado!

Vale aqui desfazer o mal-entendido comum pelo qual Hobbes é identificado como defensor do absolutismo real. Na verdade, o Estado pode ser monárquico, quando constituído por apenas um governante, como pode ser formado por alguns ou muitos, por exemplo, por uma assembléia. O importante é que, uma vez instituído, o Estado não pode ser contestado: é absoluto.

Além disso, Hobbes parte da constatação de que as disputas entre rei e parlamento inglês teriam levado à guerra civil, o que o faz concluir que o poder do soberano deve ser indivisível.

Cabe ao soberano julgar sobre o bem e o mal, sobre o justo e o injusto; ninguém pode discordar, pois tudo o que o soberano faz é resultado do investimento da autoridade consentida pelo súdito.

Hobbes usa a figura bíblica do Leviatã, animal monstruoso e cruel, mas que de certa forma defende os peixes menores de serem engolidos pelos mais fortes. É essa figura que representa o Estado, um gigante cuja carne é a mesma de todos os que a ele delegaram o cuidado de os defender.

Em resumo, o homem abdica da liberdade dando plenos poderes ao Estado absoluto a fim de proteger a sua própria vida. Além disso, o Estado deve garantir que o que é meu me pertença exclusivamente, garantindo o sistema da propriedade individual. Aliás, para Hobbes, a propriedade

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privada não existia no estado de natureza, onde todos têm direito a tudo e na verdade ninguém tem direito a nada.

O poder do Estado se exerce pela força, pois só a iminência do castigo pode atemorizar os homens. "Os pactos, sem a espada [sword] não são mais que palavras [words].

Investido de poder, o soberano não pode ser destituído, punido ou morto. Tem o poder de prescrever as leis, escolher os conselheiros, julgar, fazer a guerra e a paz, recompensar e punir. Hobbes preconiza ainda a censura, já que o soberano é juiz das opiniões e doutrinas contrárias à paz.

E quando, afinal, o próprio Hobbes pergunta se não é muito miserável a condição de súdito diante de tantas restrições, conclui que nada se compara à condição dissoluta de homens, sem senhor ou às misérias que acompanham a guerra civil.Texto complementar

Leviatã

1Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, o mesmo é

válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua própria intenção. Numa tal situação não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto; conseqüentemente não há cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta.

2Outra conseqüência da mesma condição é que não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o teu; só

pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo. É pois esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra, por obra da simples natureza. Embora com uma possibilidade de escapar a ela, que em parte reside nas paixões, e em parte em sua razão.

As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em tomo das quais os homens podem chegar a acordo. Essas normas são aquelas a que por outro lado se chamam leis da natureza (...)

3O acordo vigente entre essas criaturas [abelhas e formigas] é natural, ao passo que o dos homens surge apenas através

de um pacto, isto é, artificialmente. Portanto não é de admirar que seja necessária alguma coisa mais, além de um pacto, para tomar constante e duradouro seu acordo: ou seja, um poder comum que os mantenha em respeito, e que dirija suas ações no sentido do benefício comum.

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembléia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma.verdadeira unidade de todos eles, numa só é mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o toma capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.

Aquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos.

4Aqueles que já instituíram um Estado, dado que são obrigados pelo pacto a reconhecer como seus os atos e decisões de

alguém, não podem legitimamente celebrar entre si um novo pacto no sentido de obedecer a outrem, seja no que for, sem sua licença.

5

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Se aquele que tentar depor seu soberano for morto, ou por ele castigado devido a essa tentativa, será o autor de seu próprio castigo, dado que por instituição é autor de tudo quanto seu soberano fizer.

6Dado que todo súdito é por instituição autor de todos os atos e decisões do soberano instituído, segue-se que nada do

que este faça pode ser considerado injúria para com qualquer de seus súditos, e que nenhum deles pode acusá-lo de injustiça. Pois quem faz alguma coisa em virtude da autoridade de um outro não pode nunca causar injúria àquele em virtude de cuja autoridade está agindo. Por esta instituição de um Estado, cada indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer, por conseqüência aquele que se queixar de uma injúria feita por seu soberano estar-se-á queixando daquilo de que ele próprio é autor, portanto não deve acusar ninguém a não ser a si próprio, e não pode acusar-se a si próprio de injúria, pois causar injúria a si próprio é impossível. E certo que os detentores do poder soberano podem cometer iniqüidades, mas não podem cometer injustiça nem injúria em sentido próprio.

7Mas tal como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e através disso sua própria conservação, criaram um homem

artificial, ao qual chamamos Estado, assim também criaram cadeias artificiais, chamadas leis civis, as quais eles mesmos, mediante pactos mútuos, prenderam numa das pontas à boca daquele homem ou assembléia a quem confiaram o poder soberano, e na outra ponta a seus próprios ouvidos. Embora esses laços por sua própria natureza sejam fracos, é no entanto possível mantê-los, devido ao perigo, se não pela dificuldade de rompê-los.

É unicamente em relação a esses laços que vou agora falar da liberdade dos súditos. Dado que em nenhum Estado do mundo foram estabeleci das regras suficientes para regular todas as ações e palavras dos homens (o que é uma coisa impossível), segue-se necessariamente que em todas as espécies de ações não previstas pelas leis os homens têm a liberdade de fazer o que a razão de cada um sugerir, como o mais favorável a seu interesse. Porque tomando a liberdade em seu sentido próprio, como liberdade corpórea, isto é, como liberdade das cadeias e prisões, toma-se inteiramente absurdo que os homens clamem, como o fazem, por uma liberdade de que tão manifestamente desfrutam. Por outro lado, entendendo a liberdade no sentido de isenção das leis, não é menos absurdo que os homens exijam, como fazem, aquela liberdade mediante a qual todos os outros homens podem tomar-se senhores de suas vidas. Apesar do absurdo em que consiste, é isto que eles pedem, pois ignoram que as leis não têm poder algum para protegê-los, se não houver uma espada nas mãos de um homem, ou homens, encarregados de pôr as leis em execução. Portanto a liberdade dos súditos está apenas naquelas coisas que, ao regular suas ações, o soberano permitiu: como a liberdade de comprar e vender, ou de outro modo realizar contratos mútuos; de cada um escolher sua residência, sua alimentação, sua profissão, e instruir seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes.

Não devemos todavia concluir que com essa liberdade fica abolido ou limitado o poder soberano de vida e de morte. Porque já foi mostrado que nada que o soberano representante faça a um súdito pode, sob qualquer pretexto, ser propriamente chamado injustiça ou injúria. (Hobbes, Leviatã, Col. Os pensadores, p. 80, 81, 109, 111, 113 e 134-135.)

Exercícios

1. A filosofia política de Thomas Hobbes combatia as tendências liberais de sua época. Hobbes sustentava que o poder resultante do pacto político deveria ser:

I. ilimitado, julgando sobre o justo e o injusto, acima do bem e do mal e em que a alienação do súdito ao soberano deveria ser total.II. dividido entre o rei e o parlamento, superando as discórdias e disputas em favor do bem comum da coletividade.III. absoluto, podendo utilizar a força das armas para manter a soberania e o silêncio dos súditos.

Assinale a alternativa correta.a) I e III b) II e IIIc) I e II d) II

2. O que há de comum entre as teorias dos filósofos contratualistas é que

a) eles partem da análise do homem em estado de natureza, isto é, antes de qualquer sociabilidade, tendo direito a tudo.b) no estado de natureza, o homem possui segurança e paz, pois é dono de um poder ilimitado.c) os interesse egoístas não existem no estado de natureza, pois os homens realizam todos os seus desejos.d) as disputas evitam a guerra de todos contra todos, pois os homens desfrutam de todas as coisas.

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3. Para Hobbes (1588-1679), o homem reconhece a necessidade de renunciar ao seu direito sobre todas as coisas em favor de um "contrato". Isso implica também na abdicação de sua vontade em favor de "um homem ou assembléia de homens, como representantes" da sua pessoa. Assim para Hobbes o contrato social se justifica porque

a) a situação dos homens, entregues a si próprios, é de segurança, de estabilidade e de felicidade, graças a esta organização primitiva, os homens vivem sempre em paz e harmonia.b) as disputas são importantes para o desenvolvimento da indústria, da agricultura, da ciência, da navegação, enfim, é ela a responsável pelas comodidades e por todo o bem-estar dos homens.c) os interesses egoístas predominam entre os homens, a ponto de cada indivíduo representar um perigo emitente aos outros indivíduos, de modo que o homem se torna o lobo do próprio homem.d) o homem é sociável por natureza e, por meio dela, é levado a fundar um estado social pautado pela autoridade política, abdicando dos seus direitos em favor de um corpo político.

Capítulo 3: John Locke e o Estado liberal

fonte: www.institutodehumanidades.com.br/img/180px-JPG/24/11/2008

Sendo os homens por natureza todos livres, iguais e independentes, ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar consentimento. A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela.(Locke)

Do estado de natureza ao contrato

Assim como Hobbes e posteriormente Rousseau, John Locke (1632-1704) parte da concepção individualista, pela qual os homens isolados no estado de natureza se uniram mediante contrato social para constituir a sociedade civil. Portanto, apenas o pacto toma legítimo o poder do Estado.Mas, diferentemente de Hobbes, não vê no estado de natureza uma situação de guerra e egoísmo, o que nos leva a indagar por que os homens abandonariam essa situação delegando o poder a outrem. Para Locke, no estado natural, por inexistir uma normatização geral, cada um é juiz em causa própria;

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portanto, os riscos das paixões e da parcialidade são muito grandes e podem desestabilizar as relações entre os homens. Por isso, visando a segurança e a tranqüilidade necessárias ao gozo da propriedade, as pessoas consentem em instituir o corpo político, abdicando-se do poder de julgar em causa própria.

O ponto crucial do pensamento de Locke é que os direitos naturais dos homens não desaparecem em conseqüência desse consentimento, mas subsistem para limitar o poder do soberano, justificando, em última instância, o direito à insurreição: o poder é um trust, um depósito confiado aos governantes trata-se de uma relação de confiança e, se estes não visarem o bem público, é permitido aos governados retirá-lo e confiá-lo a outrem.

O modelo liberal de Estado

A concepção de sociedade civil representa um aspecto progressista do pensamento liberal, enquanto destaca a origem democrática, parlamentar do poder político. Ou seja, o poder está fundamentado nas instituições políticas, e não no arbítrio dos indivíduo.

Por exemplo, na Idade Média transmitia-se por herança tanto a propriedade como o poder político: o herdeiro do rei, do conde, do marquês, recebia não só os bens como também o poder sobre os homens que viviam nas terras herdadas. Locke estabelece a distinção entre o público e o privado, que devem ser regidos por leis diferentes. Assim, o poder político não deve, em tese, ser determinado pelas condições de nascimento, bem como o Estado não deve intervir, mas sim garantir e tutelar o livre exercício da propriedade, da palavra e da iniciativa econômica. O Estado é assim concebido como um meio de assegurar os direitos naturais e não como o resultado de uma transferência dos direitos do indivíduo para o governante ou soberano

. Cabe ao Estado o dever de regular as relações entre os homens e atuar como juiz nos conflitos sociais. Mas deve fazer isso garantindo, por meio das leis, as liberdades e direitos individuais, tanto no que se refere ao pensamento e expressão quanto à propriedade e atividade econômica.

Enquanto Hobbes destacava a soberania do poder executivo, Locke considera o legislativo o poder supremo, ao qual deve se subordinar tanto o executivo quanto o poder federativo (encarregado das relações exteriores). Note-se que ainda nesse momento não havia sido desenvolvida a teoria da autonomia dos três poderes, o que ocorrerá apenas com Montesquieu.

O conceito de propriedade

Locke usa o conceito de propriedade num sentido muito amplo: "tudo o que pertence" a cada indivíduo, ou seja, sua vida, sua liberdade e seus bens. A primeira coisa que o homem possui é o seu corpo; todo homem é proprietário de si mesmo e de suas capacidades. O trabalho do seu corpo é propriamente dele; portanto, o trabalho dá início ao direito de propriedade em sentido estrito (bens, patrimônio). Isso significa que, na concepção de Locke, todos são proprietários: mesmo quem não possui bens é proprietário de sua vida, de seu corpo, de seu trabalho.

Entretanto, essa colocação ampla feita por Locke leva a certas contradições, pois o direito à ilimitada acumulação de propriedade produz logicamente um desequilíbrio na sociedade, criando um estado de classes que Locke dissimula - involuntariamente, é verdade – num discurso que se apresenta com um caráter universal.

Quando se refere a todos os cidadãos, considerando-os igualmente proprietários, o discurso contém uma ambigüidade que não se resolve, pois ora identifica a propriedade à vida, liberdade e posses, ora a bens e fortuna especificamente. O que se conclui é que, se todos, tendo bens ou não, são considerados membros da sociedade civil, apenas os que têm fortuna podem ter plena cidadania, uma vez que estes estarão interessados e capacitados para preservar as riquezas acumuladas.

Ressalta-se aí o elitismo que persiste na raiz do liberalismo, já que a igualdade defendida é de natureza abstrata, geral e puramente formal; não há possibilidade de igualdade real, quando só os proprietários têm plena cidadania.

Page 65: Filosofia Para Vestibular

Texto complementar

Segundo tratado sobre o governo

1 Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e

posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a ele, na maior parte pouco observadores da eqüidade e da justiça, á fruição da propriedade que possui neste estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de “propriedade”.

O objetivo grande e principal, portanto, da união dos homens em comunidades, colocando-se eles sob governo, é a preservação da propriedade. Para este objetivo, muitas condições faltam no estado de natureza:

Primeiro, falta uma lei estabelecida, firmada, conhecida, recebida e aceita mediante consentimento comum, como padrão do justo e injusto e medida comum para resolver quaisquer controvérsias entre os homens; porque, embora a lei da natureza seja evidente e inteligível para todas as criaturas racionais, entretanto os homens, sendo desviados pelo interesse bem como ignorantes dela porque não a estudam, não são capazes de reconhecê-la como lei que os obrigue nos seus casos particulares. .

Em segundo lugar, no estado de natureza falta um juiz conhecido e indiferente com autoridade para resolver quaisquer dissensões, de acordo com a lei estabelecida; porque, sendo cada homem, nesse estado, juiz e executor da lei da natureza, sendo os homens parciais para consigo, a paixão e a vingança podem levá-los a exceder-se nos casos que os interessam, enquanto a negligência e a indiferença os tomam por demais descuidados nos casos de terceiros.

2Embora em uma comunidade constituída, erguida sobre a sua própria base e atuando de acordo com a sua própria

natureza, isto é, agindo no sentido da preservação da comunidade, somente possa existir um poder supremo, que é o legislativo, ao qual tudo mais deve ficar subordinado, contudo, sendo o legislativo somente um poder fiduciário destinado a entrar em ação para certos fins, cabe ainda ao povo um poder supremo para afastar ou alterar o legislativo quando é levado a verificar que age contrariamente ao encargo que lhe confiaram. Porque, sendo limitado qualquer poder concedido como encargo para conseguir-se certo objetivo, por esse mesmo objetivo, sempre que se despreza ou contraria manifestamente esse objetivo, a ele se perde o direito necessariamente, e o poder retorna às mãos dos que o concederam, que poderão colocá-lo onde o julguem melhor para garantia e segurança próprias.

3O poder executivo, colocado em qualquer lugar menos em alguém que também tenha parte no legislativo, é visivelmente

subordinado e por ele responsável.

4Não é necessário, tampouco conveniente, que o poder legislativo esteja sempre reunido; mas é absolutamente

necessário que o poder executivo seja permanente, visto como nem sempre há necessidade de elaborar novas leis, mas sempre existe a necessidade de executar as que foram feitas. Quando o legislativo entregou a execução das leis que fez a outras mãos, ainda tem o poder de retomá-la, se houver motivo, e de castigar por qualquer má administração contra as leis.

5Neste ponto pode perguntar-se que acontecerá se o poder executivo, sendo senhor da força da comunidade, a empregar

para impedir a reunião e ação do legislativo, conforme o exigirem a constituição original ou as necessidades do povo? Digo empregar a força sobre o povo sem autoridade, e contrariamente ao encargo confiado a quem assim procede, constitui estado de guerra com o povo, que tem o direito de restabelecer o poder legislativo no exercício dos seus poderes; porquanto, tendo instituído um poder legislativo com a intenção de que exercesse o poder de elaborar leis, ou em certas épocas fixadas ou quando delas houvesse necessidade, se qualquer força o impedir de fazer o que é necessário à sociedade, de que depende a segurança e a preservação desta, o povo tem o direito de removê-la pela força. Em todos os estados e condições, o verdadeiro remédio contra a força sem autoridade é opor-lhe a força. O emprego da força sem autoridade coloca sempre quem dela faz uso num estado de guerra, como agressor, e sujeita-o a ser tratado da mesma forma.

(Locke, Segundo tratado sobre o governo, Coleção “Os pensadores”, p. 88, 99, 100 e 101.)

Exercícios

Page 66: Filosofia Para Vestibular

1. Para Locke, os homens em estado de natureza são, cada um, juiz em causa própria; assim é necessário constituir a sociedade civil mediante contrato social para organizar a vida em sociedade. Isto se daria através do pacto, tornando legítimo o poder do Estado. Para ele, o poder

a) encontra-se na soberania do poder executivo. b) é confiado aos governantes e não pode ser contestado em hipótese alguma.c) é confiado aos governantes, podendo haver insurreição, caso eles não visem o bem público.d) é absoluto e não há possibilidade de instituir-se um novo pacto.

2. John Locke (1632-1704), vigoroso adversário do absolutismo, nos seus escritos políticos partiu da situação de que os homens isolados no estado de natureza buscaram se reunir por intermédio de um contrato social, tendo em vista a edificação da sociedade civil. Esta ação política associativa, quando concretizada, confere soberania ao:

a) Poder Legislativo. b) Poder Executivo. c) Poder Federativo. d) Povo.

3. Para John Locke, filósofo político inglês, os direitos naturais do homem eram

a) família, propriedade e religião.b) liberdade, propriedade e servidão. c) propriedade, servidão e família.d) liberdade, igualdade e propriedade.

4. Para Thomas Hobbes e John Locke, a comunidade política era

a) artifício criado pelos homens através de um contrato.b) direito natural.c) mandamento divino.d) imposição de poder de um único homem sobre os outros.

Capítulo 4: Jean-Jacques Rousseu e o Estado Democrático

Page 67: Filosofia Para Vestibular

Fonte: www.estacaoliberdade.com.br/autores/rousseau.jpg/24/11/2008O homem nasce livre e em toda parte encontra-se a ferros.

Do estado de natureza ao contrato social

Assim como seus antecessores Hobbes e Locke, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) procura resolver a questão da legitimidade do poder fundado no contrato social. No entanto, sua posição é, num aspecto, inovadora, na medida em que distingue os conceitos de soberano e governo, atribuindo ao povo a soberania inalienável.

No Discurso sobre a origem da desigualdade Rousseau cria a hipótese dos homens em estado de natureza, vivendo sadios, bons e felizes enquanto cuidam de sua própria sobrevivência, até o momento em que é criada a propriedade e uns passam a trabalhar para outros, gerando escravidão e miséria.

Rousseau parece demonstrar extrema nostalgia do estado feliz em que vive o bom selvagem, quando é introduzida a desigualdade entre os homens, a diferenciação entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo e a predominância da lei do mais forte. O homem que surge da desigualdade é corrompido pelo poder e esmagado pela violência.

Trata-se de um falso contrato, esse que coloca os homens sob grilhões. Há que se considerar a possibilidade de outro contrato verdadeiro e legítimo, pelo qual o povo esteja reunido sob uma só vontade.

O contrato social, para ser legítimo, deve se originar do consentimento necessariamente unânime. Cada associado se aliena totalmente, ou seja, abdica sem reserva de todos os seus direitos em favor da comunidade. Mas, como todos abdicam igualmente, na verdade cada um nada perde, pois "este ato de e associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo composto de tantos membros quantos são os votos da assembléia e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade".Em outras palavras, pelo pacto o homem abdica de sua liberdade, mas sendo ele próprio parte integrante e ativa do todo social, ao obedecer à lei, obedece a si mesmo e, portanto, é livre: "A obediência à lei que se estatuiu a si mesma é liberdade". Isso significa que, para Rousseau, o contrato não faz o povo perder a soberania, pois não é criado um Estado separado dele mesmo. Como isto é possível?

Soberano e governo

Mesmo quando cada associado se aliena totalmente em favor da comunidade, nada perde de fato, pois, enquanto povo incorporado, mantém a soberania. Ou seja, soberano é, para Rousseau, o corpo

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coletivo que expressa, através da lei, a vontade geral. A soberania do povo, manifesta pelo legislativo, é inalienável, ou seja, não pode ser representada. A democracia rousseauísta considera que toda lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula.

Por isso, o ato pelo qual o governo é instituído pelo povo não submete este àquele. Ao contrário, não há um "superior", já que os depositários do poder não são senhores do povo, mas seus oficiais, podendo ser eleitos ou destituídos conforme a conveniência. Os magistrados que constituem o governo estão subordinados ao poder de decisão do soberano e apenas executam as leis, devendo haver inclu-sive boa rotatividade na ocupação dos cargos.

Rousseau preconiza, portanto, a democracia direta ou participativa, mantida por meio de assembléias freqüentes de todos os cidadãos.

Fonte: acertodecontas.blog.br/13/12/2008O atual modelo democrático é representativo, no qual o povo escolhe seus representantes para administrar o poder em nome de todos.

Enquanto soberano, o povo é ativo e considerado cidadão. Mas há também uma soberania passiva, assumida pelo povo enquanto súdito. Então, o mesmo homem, enquanto faz a lei, é um cidadão e, enquanto a ela obedece e se submete, é um súdito.

Além de inalienável, a soberania é também indivisível, pois não se pode tomar os poderes separadamente.

A vontade geral

O soberano, sendo o povo incorporado, dita a vontade geral, cuja expressão é a lei. O que vem a ser a vontade geral? É preciso antes fazer distinção entre pessoa pública (cidadão ou súdito) e pessoa privada.

A pessoa privada tem uma vontade individual que geralmente visa o interesse egoísta e a gestão dos bens particulares. Se somarmos as decisões baseadas nos benefícios individuais, teremos a vontade

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de todos. Mas cada homem particular também pertence a um espaço público, é parte de um corpo coletivo com interesses comuns, expressos pela vontade geral. Nem sempre o interesse de um coincide com o de outro, pois muitas vezes o que beneficia a pessoa privada pode ser prejudicial ao coletivo. Por isso, também não se pode confundir a vontade de todos com a vontade geral, pois a somatória dos interesses privados pode ter outra natureza que o interesse comum.

Explicando melhor: "O interesse comum não é o interesse de todos, no sentido de uma confluência dos interesses particulares, mas o interesse de todos e de cada um enquanto componentes do corpo coletivo e exclusivamente nesta qualidade. Daí o perigo de predominar o interesse da maioria, pois se é sempre possível conseguir-se a concordância dos interesses privados de um grande número, nem por isso assim se estará atendendo ao interesse comum".

Encontra-se aí o cerne do pensamento de Rousseau, aquilo que o faz reconhecer no homem um ser superior capaz de autonomia e liberdade, entendida esta como a superação de toda arbitrariedade, pois é a submissão a uma lei que o homem ergue acima de si mesmo. O homem é livre na medida em que dá o livre consentimento à lei. E consente por considerá-la válida e necessária. "Aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal."

Textos complementares

Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens

O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém !". Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder ficar como estavam: porque essa idéia de propriedade, dependendo muito de idéias anteriores que só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano: foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo do estado de natureza. Retomemos, pois, as coisas de mais alto, e tratemos de reunir, sob um só ponto-de-vista, essa lenta sucessão de acontecimentos e de conhecimentos na sua ordem mais natural.

(...) Enquanto os homens se contentaram com as suas cabanas rústicas, enquanto se limitaram a coser suas roupas de peles com espinhos ou arestas de pau, a se enfeitarem com plumas e conchas, a pintar o corpo de diversas cores, a aperfeiçoar ou embelezar os seus arcos e flechas, a talhar com pedras cortantes algumas canoas de pesca ou grosseiros instrumentos de música; em uma palavra, enquanto se aplicaram exclusivamente a obras que um só podia fazer, e a artes que não necessitavam o concurso de muitas mãos, viveram livres, sãos, bons e felizes ,tanto quanto podiam ser pela sua natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de uma convivência independente. Mas, desde o instante que um homem teve necessidade do socorro de outro; desde que perceberam que era útil a um só ter provisões para dois, a igualdade desapareceu, a propriedade se introduziu, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas se transformaram em campos risonhos que foi preciso regar com o suor dos homens, e nos quais, em breve, se viram germinar a escravidão e a miséria, a crescer com as colheitas.

(Rousseau. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Coleção Os Pensadores, p265, 270)

Do Contrato Social

Digo, pois, que outra coisa não sendo a soberania senão o exercício da vontade geral, jamais se pode alienar, e que o soberano, que nada mais é senão um ser coletivo, não pode ser representado a não ser por si mesmo; é perfeitamente possível transmitir o poder, não porém a vontade (...).

(...) “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente.” Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social.

As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito; de sorte que, conquanto jamais tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas em todas as partes, em todas as partes tacitamente admitidas e reconhecidas, até que, violado o pacto social, reentra cada qual em seus primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual ele aqui renunciou.

Todas essas cláusulas, bem entendido, se reduzem a uma única, a saber, a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade; porque, primeiramente, cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para todos, a ninguém interessa torná-la onerosa para os outros.

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Além disso, feita a alienação sem reserva, a união é tão perfeita quanto o pode ser, e nenhum associado tem mais nada a reclamar; porque, se aos particulares restassem alguns direitos, como não haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o público, cada qual, tornado nalgum ponto o seu próprio juiz, pretenderia em breve sê-lo em tudo; o estado natural subsistiria, e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou inútil.

Enfim, cada qual, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e, como não existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente de tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem.

Portanto, se afastarmos do pacto social o que não constitui a sua essência, acharemos que ele se reduz aos seguintes termos: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo.”

(Rousseau. Do contrato social. Col. Os Pensadores, p.28, 31)

Exercícios

1. Sobre o conceito de estado de natureza, podemos dizer que

I. para Rousseau, está relacionado à idéia do bom selvagem, quer dizer, o estágio em que os homens viveriam em comunhão com a Natureza, desconhecendo lutas e intrigas entre si.II. se refere a uma situação pré-social na qual os indivíduos viveriam isoladamente sem regulações ou regras.III. Hobbes define o estágio no qual os indivíduos viveriam em sucessivos períodos de confronto e paz, até aprenderem a se respeitar mutuamente.

Assinale.a) se todas estiverem corretas.b) se apenas I e II estiverem corretas. c) se apenas II e III estiverem corretas. d) se apenas I e m estiverem corretas.

2. Podemos afirmar que

I. segundo Rousseau, os indivíduos aceitam perder a posse natural para ganhar a individualidade civil, isto é, a cidadania.II. para Hobbes, o soberano é o povo, entendido como vontade geral, pessoa moral coletiva livre e corpo político de cidadãos.III. para Locke, o poder está fundamentado nas instituições políticas e não no arbítrio dos indivíduos.

Assinalea) se apenas II e III estiverem corretas. b) se apenas I e II estivem corretas. c) se apenas I e III estiverem corretas. d) se I, II e III estiverem corretas.

3. Para Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o contrato social que seja verdadeiro e legítimo é aquele que:

a) os indivíduos pelo pacto, reconhecem, como seus, os atos e decisões de alguém, não podendo, legitimamente, celebrar entre si um novo pacto no sentido de obedecer a outrem, seja no que for, sem sua licença.b) o indivíduo pelo pacto, abdica de sua liberdade, mas sendo ele próprio parte integrante e ativa do todo social, ao obedecer à lei, obedece a si mesmo sendo, portanto, livre.c) pelo pacto, todos os homens associados se alienam totalmente, abdicam, sem reserva, de todos os seus direitos em favor da comunidade, mas somente os proprietários nada perdem, porque, somente eles, participam plenamente da sociedade civil.

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d) pelo pacto, os homens deixam de ser livres, pois o poder soberano deve ser absoluto, ilimitado, sendo que o pouco que seja conservado da liberdade natural do homem, instaura de novo o estado de guerra.

V - FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

Introdução

Consideramos como contemporânea a filosofia que se estende, dentro da imprecisão cronológica própria das produções culturais, ao longo da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX. A filosofia contemporânea, nas suas linhas mais fundamentais e características, só pode ser adequadamente compreendida em relação com a obra de Hegel. Com efeito, a filosofia contemporânea constitui em grande medida uma reação contra o sistema hegeliano, ao mesmo tempo que retoma poucas das suas análises e interrogações. 

A mais notável e radical reação contra o sistema de Hegel é feita por Marx. O marxismo, entroncado originalmente na esquerda hegeliana, distingue e separa o sistema hegeliano (idealista) do método dialético. Aceitando e transformando este último, a filosofia marxista "inverte" o sistema de Hegel, propondo uma visão dialética-materialista da consciência, da sociedade e da história. 

Outra reação contra o hegelianismo - reação estreitamente vinculada à situação econômica, social e intelectual resultante da revolução industrial - é representada pelo positivismo, especialmente o de Comte. Neste caso, reage-se contra o "racionalismo" hegeliano naquilo que possa ter de menosprezo da experiência, com a pretensão de instaurar um saber positivo, capaz de fundamentar uma organização político-social nova. Como Marx, Comte conserva, no entanto, embora transformando-o, um momento importante do hegelianismo: a idéia de "espírito objetivo". 

Outras correntes da filosofia contemporânea tomaram como objeto principal de consideração o fenômeno da história, da vida e da irredutibilidade da existência pessoal: as filosofias historicistas, vitalistas, existencialistas e personalistas. O existencialismo constitui, originalmente, uma reação contra o hegelianismo e em favor da individualidade, colocando em primeiro plano a categoria de singularidade, preferida pelo "sistema dialético" de Hegel. No seu desenvolvimento no século XX , a par da reação anti-hegeliana já apontada, o existencialismo depende diretamente da fenomenologia de Husserl, no tocante às suas análises da existência humana. Quanto ao vitalismo de Nietzsche, representa uma reação não apenas contra Hegel, mas contra toda a tradição intelectualista-religiosa que se opôs à vida e aos valores vitais, desde que se verificou a aliança do platonismo com o cristianismo.

Mesmo quando as correntes filosóficas que mencionamos remetem direta ou indiretamente para Hegel, seria errado deduzir dele, por oposição ou continuação (ou por ambas as coisas), todo o pensamento contemporâneo. O descrédito geral da especulação filosófica subseqüente ao hegelianismo conduziu a atitudes relativistas e céticas contra as quais se levantou também a filosofia.

Talvez a característica externa mais saliente da filosofia contemporânea seja a disparidade de enfoques, sistemas e escolas. Para esta proliferação de pontos de vista e de escolas, contribuíram, em grande medida, fatores sócio-culturais, como: a crise contemporânea dos sistemas políticos, o avanço espetacular das ciências naturais e lógico-formais e o desenvolvimento das ciências humanas, cujos métodos e resultados tiveram repercussões e conseqüências de interesse no campo e nos problemas da filosofia (psicanálise, estruturalismo).

Capítulo 1: Georg W. F. Hegel

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Fonte: www.class.uidaho.edu/mickelsen/images/hegel50.jpg/25/11/2008O absoluto é o universal e uma idéia que, como auto-justificativa, se particulariza num sistema de idéias determinadas. (Hegel)

Concepção hegeliana de História

Diferentemente da maioria dos filósofos anteriores, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), em vez de tentar estabelecer premissas para fundamentar uma forma eterna de conhecimento do mundo, se propôs a desenvolver uma série de critérios que possibilitassem ao homem um modo histórico de reflexão. Hegel entendia que a forma de pensar do homem seria variável de acordo com o tempo. Assim, seria impossível determinar uma verdade universal. A verdade universal seria válida para todos os homens em todas as suas gerações, ou seja, vigoraria independentemente do tempo e do espaço. Dessa forma, a filosofia hegeliana apóia-se na própria história, uma vez que o pensamento humano se encontraria vinculado ao elemento temporal e o ser estaria em constante transformação. Assim, cada época, cada povo, teria sua própria verdade.

A história constitui o ponto central das idéias de Hegel, uma vez que ela determina a maneira como as pessoas pensam e agem em determinado período de tempo. Assim, o fundamento de uma idéia é o contexto em que ela se encontra inserida, ou seja, o tempo histórico será a condição necessária para determinarmos a racionalidade dessa forma de pensar.

Por exemplo, se nos dias de hoje alguém defender a idéia de que as mulheres não podem votar ou trabalhar fora de casa, essa pessoa pode parecer insensata, tendo em vista a já consolidada igualdade entre sexos na maior parte do mundo ocidental. No entanto, essa mesma idéia há cem anos era perfeitamente aceita, uma vez que era uma verdade em conformidade com seu tempo. No entanto, tal fato não significa que nossa sociedade esteja certa ou que a sociedade passada estivesse errada. O que o pensamento do filósofo realça é que cada época tem seus valores, sua verdade. Nesse sentido, o contexto histórico é determinado em uma dada unidade de tempo, que se transforma pela adaptação aos conceitos estabelecidos pelo próprio homem, em um constante processo de mutabilidade.

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Fonte: monsieurchauvin.blogspot.com/13/12/2008

Esse processo de mutabilidade é evolutivo, ou seja, um pensamento está vinculado ao contexto histórico em que se insere e evolui à medida que acrescentamos algo de novo. No exemplo que apresentamos, foi acrescentado algo de novo aos direitos da mulher, que ganhou independência para votar, trabalhar, governar países, Estados, cidades, em suma, a humanidade desenvolveu-se para dar um novo sentido à atuação do gênero feminino na sociedade.

Outra importante noção associada a essa concepção é a de racionalidade humana, concebida como permanentemente crescente. A humanidade está sempre se desenvolvendo, progredindo sucessiva-mente dentro dos respectivos contextos históricos, para encontrar a consciência de si mesma, o autoconhecimento. Hegel chama isso de "espírito do mundo". Daí decorre uma visão de história progressista, evolutiva, concepção muito freqüente até nossos dias, embora já tenha sido recusada por muitos.

A dialética

Retomando o idealismo de Fichte, Hegel diz que a progressão do pensamento não acontece por força do acaso, mas através de um processo dialético que convém recordar. O processo dialético é formado pela contraposição de uma tese (idéia) a uma antítese (idéia contrária à tese), que dá origem a uma síntese (conclusão). Um determinado pensamento sempre surgirá com base em pensamentos formulados anteriormente. Quando consolidado (tese), esse pensamento encontrará necessariamente uma forma de pensar oposta (antítese) o que ocasionará um elo de ligação. Esse elo será rompido por um terceiro pensamento, que reunirá o que há de melhor em ambos (síntese). Importante lembrar que esse terceiro pensamento formará uma nova tese, dando origem a um novo ciclo.

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Se aplicarmos à própria história da filosofia as concepções hegelianas de tese-antítese-síntese, verificamos que os conhecimentos filosóficos avançaram seguindo esse movimento. Por exemplo, Descartes pregava o racionalismo, afirmando que o conhecimento do homem era derivado de sua razão (tese). Depois, Hume nega as idéias de Descartes para dizer que o homem somente está apto a conhecer pela experiência (antítese). Em um terceiro momento, Kant, com seu criticismo, uniu as idéias de Descartes e Hume (síntese), inaugurando uma nova tríade (processo dialético).

Hegel considera o ser humano como parte de um todo, confirmando, desse modo, a grande importância atribuída pelo filósofo ao meio histórico em que o indivíduo está inserido, de tal forma que o chamado Espírito ou Consciência somente pode ser compreendido tendo em conta uma determinada coletividade, da qual não podemos desligá-la. Mas em que consiste o Espírito ou Consciência?

Corresponde à visão de mundo, às formas de pensar, agir e sentir de um povo, que se exprimem na consciência individual das pessoas (Espírito Subjetivo), nas instituições e nos costumes sociais (Espírito Objetivo) e na arte, na religião e na filosofia (Espírito Absoluto).

É o Espírito que determina o processo histórico, bem como o próprio surgimento do Estado. As mudanças ou transformações, sejam elas materiais ou não-materiais, que se manifestam ao longo da história resultam de um movimento progressivo do Espírito ou Consciência humana. A história é, para Hegel, o desdobramento do Espírito no tempo. Para o pensador alemão, a história está em contínuo movimento progressivo, impulsionado pela razão humana.

Para Hegel a realidade (sobretudo o processo histórico) é a manifestação do Espírito ou consciência, que apresenta um movimento dialético.

 Se a realidade é dialética, então ela não é estável, pois muda freqüentemente. A dialética é a única maneira pela qual podemos alcançar a realidade e a verdade. A contradição dialética nos revela um sujeito que surge, se manifesta e se transforma graças à contradição de seus predicados, tornando-se outro do que ele era pela negação de seus predicados. Em lugar de a contradição ser o que destrói o sujeito, ela é o que movimenta e transforma o sujeito, fazendo-o síntese ativa de todos os predicados postos e negados por ele. O botão desaparece (negação) no desabrochar da flor (afirmação). A flor nega o botão, a fruta nega a flor, a semente nega o fruto (que apodreceu ou morreu), a planta, por sua vez, nega a semente. Na planta ou árvore está a flor, na qual está o fruto, no qual está a semente, na qual está a planta: este é o movimento contraditório vivo. A negação/ contradição é o motor do movimento dialético, que apresenta três momentos definidos:

Afirmação (tese): Ex.: o botão de uma flor Negação (antítese): Ex.: a flor Negação da negação (síntese/ superação ou suprassunção): Ex.: o fruto

Observação importante:

A síntese exprime o aperfeiçoamento do processo dialético. Nela está presente a totalidade do processo dialético. Ex.: O botão (tese) desaparece no desabrochar da flor (antítese). Igualmente, o fruto (síntese) surge no lugar da flor. No fruto, que é uma síntese superior da planta, está manifesta a totalidade do movimento ou transformação dialética pela qual sofreu a planta. O fruto, portanto, é sinônimo de aperfeiçoamento do ser (no caso, a planta).

O Estado

Para Hegel não existe o homem em estado de natureza, como afirmavam os contratualistas, pois o indivíduo isolado é uma abstração, algo impensável. O indivíduo é parte orgânica de um todo: o Estado. Quando o indivíduo vem ao mundo, já encontra valores pré-definidos (língua, moral, tradição, regras sociais). Por isso, Hegel considera que o Estado precede o indivíduo. É o Estado, portanto, que fundamenta a vida em sociedade, ao contrário do que pensavam os contratualistas.

Na razão objetiva, encontra-se situado o Estado que, de acordo com Hegel, consiste no grau máximo de agrupamento entre os diversos interesses contraditórios dos indivíduos que o compõem. A

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família e a sociedade civil estariam situadas em um patamar inferior ao do Estado, pois não teriam a possibilidade de superar os antagonismos que imperam na esfera social. Somente o Estado, único e soberano, pacificaria as possíveis tensões existentes na coletividade, pois, em seu manto, todos reconheceriam a necessidade de atuar em prol do bem comum. Essa concepção de Hegel influenciou muito sua época, e foi, posteriormente, utilizada para fundamentar os Estados totalitários do século XX.

Para Hegel, o Estado é a manifestação (ou externalização) mais elevada do “Espírito” ou “consciência” humana, pois está acima dos interesses individuais.

O Estado, na medida em que “supera” os interesses individuais, torna-se sinônimo de liberdade e eticidade: não há ética e, portanto, liberdade fora do Estado.

O conceito de liberdade em Hegel está associado à noção de Estado; mais precisamente, ele identifica o Estado com o Absoluto, uma vez que a homem necessita da vida social para determinar a razão de seus pensamentos. Conseqüentemente, o homem deve pertencer ao Estado. Segundo Hegel, o Estado é a instituição responsável por instaurar todo o corpo de leis que regula a vida social.

Não há liberdade sem lei, garante Hegel, e onde há lei, há necessariamente liberdade, de modo que o emprego do termo liberdade é determinado pela direito de obedecer à lei, uma vez que aquele que faz as leis e aqueles que as a cumprem fazem parte do mesmo todo, cujo objetivo é a realização plena da Verdade. Chegamos então à definição de Estado: "O Estado é a Idéia do Espírito na manifestação exterior da Vontade Humana e de sua Liberdade". Na prática, ele confere ao Estado o papel atribuído pelos filósofos medievais à Igreja. As relações entre Estados também estão acima das normas morais, e a que deve prevalecer é a interesse de cada Estado; a que justifica o emprego da força e a guerra, considerando que as partes envolvidas são menos reais, e menos importantes, que o todo.

As concepções de Estado em Hegel representam, para muitos pensadores, uma retomada das idéias de Hobbes, contratualista do século XVII, já estudado, que também defendeu o Estado Absoluto. A justificativa para Hobbes dava-se pelo fato de o ser humano em estado natural encontrar-se em constantes guerras. Para viver em paz, o indivíduo aceita o Estado Absoluto totalitário, que lhe garante o bem maior: a vida. A passagem do estado natural para o estado social se dá por meio de um contrato que deve ser obedecido por todos. Hegel, porém, defende a concepção de que o Estado fundamentaria a própria sociedade, não sendo necessário recorrer à idéia de Estado de natureza, como fizeram Hobbes ou mesmo Rousseau no século XVIII.

Exercícios

 1. Leia com atenção a seguinte afirmação de Hegel.  “A filosofia começa quando um povo saiu da sua vida concreta, quando vão surgindo divisões e diferenciações nas classes; quando o povo se aproxima do ocaso; quando vai se cavando um abismo entre as tendências internas e a realidade externa, e as formas antiquadas da religião etc., já não satisfazem; quando o espírito se manifesta indiferente pela sua existência real, ou então, permanecendo nela, só experimenta insatisfação e incômodo, e a sua vida moral se vai dissolvendo.” A Filosofia é o ponto culminante do movimento dialético que desencadeia as mudanças descritas acima. Segundo Hegel, tal movimento é provocado:   a) pela luta de classes inspirada na teoria evolucionista natural que afirma a sobrevivência e supremacia dos indivíduos mais aptos. b) pela consciência do indivíduo que é detentor da liberdade natural e com ela edifica o seu mundo independente do desenvolvimento das forças sociais. c) pelo espírito do povo, que consiste no trabalho de sucessivas gerações na edificação da cultura, o que representa a maturidade de uma civilização. d) pela força sobrenatural da providência divina que arrasta consigo os destinos dos homens e das nações para o reconhecimento de Deus na História.

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2. Com relação ao conceito de movimento histórico em Hegel, marque a proposição correta. a) Para Hegel, a História pode sofrer rupturas e ter retrocessos, por isso utiliza-se do conceito de movimento da base econômica da sociedade. b) Para Hegel, a História tem uma circularidade que não permite a continuidade. c) Para Hegel, a História é um progressivo movimento da Razão ou Espírito, que se aperfeiçoa continuamente ao longo do tempo. d) Para Hegel, através do trabalho, os homens vão construindo o movimento da produção da vida material e, assim, o movimento histórico.

Capítulo 2: Karl Heinrich Marx

Retrato de Karl MarxFonte: Bettmann Archive

Os filósofos não têm feito senão interpretar o mundo de diferentes maneiras: o que importa é transmiti-lo.(Marx)

O materialismo histórico-dialético

Para Karl Marx (1818-1883), a teoria hegeliana do desenvolvimento geral do espírito humano não conseguia explicar a vida social, que se apresentava, de um lado, como avanço técnico, como aumento do poder do homem sobre a natureza, como enriquecimento e como progresso; mas, de outro, e contraditoriamente, trazia a escravização crescente da classe operária, cada vez mais empobrecida.

Dando seqüência às criticas feitas por Feuerbach ao idealismo hegeliano, Marx e Engels realizam a inversão desse mesmo idealismo, assentado as bases do materialismo dialético: a dialética de Hegel foi colocada com a cabeça para cima ou, dizendo melhor, ela que se tinha apoiado exclusivamente sobre sua cabeça, foi de novo reposta sobre seus pés.

A filosofia de Marx compõe-se de uma teoria científica, o materialismo histórico, e de uma filosofia, o materialismo dialético.

Para os materialistas, a história da filosofia tem uma longa tradição idealista que está pressuposta até nas teorias em que o idealismo não transparece de imediato, como a teoria do Primeiro Motor Imóvel, com a qual Aristóteles explica o movimento do mundo.

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Dentro da visão materialista, o movimento é a propriedade fundamental da matéria e existe independentemente da consciência. A matéria é um dado primário e é a fonte da consciência. A consciência é um dado secundário, derivado, pois é reflexo da matéria.

No contexto dialético, também o espírito ou consciência não é conseqüência passiva da ação da matéria, podendo reagir sobre aquilo que o determina. Isso significa que a consciência do homem, mesmo sendo determinada pela matéria e estando historicamente situada, não é pura passividade: o conhecimento do determinismo liberta o homem por meio da ação deste sobre o mundo, possibilitando inclusive a ação revolucionária.

O materialismo histórico não é mais do que a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao campo da história. E, como o próprio nome indica, é a explicação da história por fatores materiais (econômicos, técnicos).

O senso comum pretende explicar a história pela ação dos "grandes homens", das grandes idéias ou, às vezes, até pela intervenção divina. Marx inverte esse processo: no lugar das idéias, estão os fatos materiais; no lugar dos heróis, a luta de classes. Não nega, com isso, que o homem tenha idéias, mas as explica pela estrutura material da sociedade: a idéia é algo secundário, não no sentido de menos importante, mas no de algo derivado das condições materiais.

Para Marx, a sociedade se estrutura em níveis. O primeiro nível, chamado de infra-estrutura, constitui a base econômica (que é determinante, segundo a concepção materialista). Engloba as relações do homem com a natureza, no esforço de produzir a própria existência, e as relações dos homens entre si. Ou seja, as relações entre os proprietários e não-proprietários, entre os não-proprietários e os meios e objetos do trabalho.

O segundo nível, político-ideológico, é chamado de superestrutura. É constituído:

* pela estrutura jurídico-política pelo Estado e pelo direito: segundo Marx, a relação de exploração de classe no nível econômico repercute na relação de dominação política, estando o Estado a serviço da classe dominante;* pela estrutura ideológica referente às formas da consciência social, tais como a religião, as leis, a educação, a literatura, a filosofia, a ciência, a arte ele, Também nesse caso ocorre a sujeição ideológica da classe dominada cuja cultura e modo de vida reflete as idéias e os valores da classe dominante.

Vamos exemplificar como a infra-estrutura determina a superestrutura, comparando valores de dois diferentes períodos da história.

A moral medieval valoriza a coragem e a ociosidade da nobreza ocupada com a guerra, bem como a fidelidade, que é a base do sistema de susserania e vassalagem; do ponto de vista do direito, num mundo cuja riqueza é a posse de terras, considera-se ilegal (e imoral) o empréstimo a juros. Já na Idade Moderna, com o advento da burguesia, o trabalho é valorizado e, conseqüentemente, critica-se a ociosidade; também ocorre a legalização do sistema bancário, o que exige a revisão das restrições morais aos empresários. A religião protestante confirma os novos valores por meio da doutrina da predestinação, considerando o enriquecimento um sinal da escolha divina.

Conforme os exemplos, as manifestações da superestrutura (no caso, moral e direito) são determinadas pelas alterações da infra-estrutura decorrentes da passagem econômica do sistema feudal para o capitalista,

Portanto, para estudar a sociedade não se deve, segundo Marx, partir do que os homens dizem, imaginam ou pensam, mas da forma como produzem os bens materiais necessários à sua vida, Analisando o contrato que os homens estabelecem com a natureza para transformá-la por meio do trabalho e as relações entre si é que se descobre como eles produzem sua vida e suas idéias.

No entanto, essas determinações não podem nos fazer esquecer do caráter dialético de toda determinação: ao tomar conhecimento das contradições, o homem pode agir ativamente sobre aquilo que o determina.

Modos de produção: forças produtivas e relações sociais de produção

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Fonte: www.mundoeducacao.com.br/ 12/12/2008

As relações fundamentais de toda sociedade humana são as relações de produção, que revelam a maneira pela qual os homens, a partir das condições naturais, usam as técnicas e se organizam por meio da divisão do trabalho social. As relações de produção correspondem a um certo estádio das forças produtivas, que consistem no conjunto formado pelo clima, água, solo, matérias-primas, máquinas, mão-de-obra e instrumentos de trabalho.

Por exemplo, quando os instrumentos de pedra são substituídos pelos de metal ou quando o desenvolvimento da agricultura se torna possível pela descoberta de técnicas de irrigação, de adubagem do solo ou pelo uso do arado e de veículo de roda, estamos diante de alterações das forças produtivas que por sua vez provocarão mudanças na formas pelas quais os homens se relacionam.

Chamamos modo de produção a maneira pela qual as forças produtivas se organizam em determinadas relações de produção num dado momento histórico. Por exemplo, no modo de produção capitalista, as forças produtivas, representadas sobretudo pelas máquinas do sistema fabril, determinam as relações de produção caracterizadas pelo dono do capital e pelo operário assalariado.

A luta de classes

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Fonte: www.nadir.org/.../free/iadb/images/mar11_21.jpg/12/12/2008

No entanto, as forças produtivas só podem se desenvolver até certo ponto, pois, ao atingirem um estádio por demais avançado, entram em contradição com as antigas relações de produção, que se tornam inadequadas. Surgem então as divergências e a necessidade de uma nova divisão de trabalho. A contradição aparece como luta de classes. Vejamos como isso ocorre na história da humanidade.

O modo de produção escravista é típico da Antiguidade greco-romana. A luta do povos bárbaros contra o Império Romano, no final da Antiguidade, não é senão a luta contra a escravidão a eles imposta pelos romanos. A contradição do regime escravista leva-o à ruína e, para restaurar a economia, são necessárias novas relações de produção.

No modo de produção feudal, a base econômica é a propriedade dos meios de produção pelo senhor feudal. O servo trabalha um tempo para si e outro para o senhor, o qual, além de se apropriar de uma parte da produção daquele, ainda cobra impostos pelo uso comum do moinho, do lagar etc. A contradição dos interesses das duas classes leva a conflitos que farão aparecer, paulatinamente, uma nova figura: o burguês. Surgida dentre os servos que se dedicam ao artesanato e ao comércio, a nova figura social forma os burgos e consegue aos poucos a liberdade pessoal e das cidades. A jovem burguesia está destinada a desenvolver as formas produtivas que em determinado momento exigirão novas relações de produção.

O modo de produção capitalista é a nova síntese que surge das ruínas do sistema feudal, ou seja, da contradição entre a tese (senhor feudal) e a antítese (servo). O que vimos até agora é que o movimento dialético pelo qual a história se faz tem um motor: a luta de classes. Chama-se luta de classes ao confronto entre duas classes antagônicas quando lutam por interesses de classe. No modo de produção capitalista, a relação antitética se faz entre o burguês, que é detentor do capital, e o proletário, que nada possui e só vive porque vende sua força de trabalho.

Veremos agora, com mais atenção, como se processa a relação antagônica entre as duas classes.

Classes sociais, mais-valia e alienação

Segundo Marx, na sociedade capitalista as relações sociais de produção definem dois grandes grupos ou classes dentro da sociedade: - De um lado, os capitalistas, que são aquelas pessoas que possuem os meios de produção ou recursos materiais (máquinas, ferramentas, capital, etc.) necessários para produzir as mercadorias, serviços, etc.;

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- Do outro lado, os proletários (ou trabalhadores), aqueles que não possuem nada, a não ser o seu corpo e a sua disposição para trabalhar.

O sistema capitalista consiste na produção de mercadorias. Mercadoria é tudo que é produzido não tendo em vista o valor de uso (por exemplo, uma malha que fazemos para nosso uso próprio), mas tem como objetivo o valor de troca, isto é, a venda do produto. Sendo a mercadoria um produto do trabalho, seu valor é determinado pelo total de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Como a mercadoria é produzida? Para sobreviver, o trabalhador vende ao capitalista a única mercadoria que possui, que é a capacidade de trabalhar. Qual deve ser o valor da força de trabalho? Sendo um ser vivo, o trabalhador precisa receber o necessário para subsistência e reprodução de sua capacidade de trabalho, ou seja, alimento, roupa, moradia, capacidade de criar filhos, etc. O salário deve portanto corresponder ao custo de sua manutenção e de sua família.

O operário se distingue dos escravos e dos servos por receber um salário a partir do contrato livremente aceito entre as partes. No entanto, na obra O capital, Marx explica que a relação de contrato é livre só na aparência e que, na verdade, o desenvolvimento do capitalismo supõe a exploração do trabalho do operário. Isso porque o capitalista contrata o operário para trabalhar por um certo período de horas a fim de alcançar determinada produção. Mas o trabalhador, estando disponível todo o tempo, na verdade produz mais do que foi calculado, ou seja, a força de trabalho pode criar um valor superior ao estipulado inicialmente. No entanto, a parte do trabalho excedente não é paga ao operário, e serve para aumentar cada vez mais o capital.

Marx diz que, ao comprar a força de trabalho, o capitalista adquire o direito de servir-se dela ou de fazê-la funcionar durante todo o dia ou toda a semana. Como vendeu sua força de trabalho ao capitalista, todo o valor, ou todo o produto por ele [operário] criado pertence ao capitalista, que é dono de sua força de trabalho, pro tempore. Por conseguinte, desembolsando um certo valor como pagamento do operário, o capitalista poderá ter realizado o dobro deste valor como recebimento, e repetindo diariamente esta operação irá acumulando o excedente que formará a mais valia. Este tipo de intercâmbio entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista, ou ao sistema do assalariado, e tem de conduzir, sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista.

Chama-se mais-valia, portanto, ao valor que o operário cria além do valor de sua força de trabalho, e que é apropriado pelo capitalista. Marx distinguiu duas formas de mais-valia: a absoluta e a relativa.

O capitalista pode obter mais-valia procurando aumentar constantemente a jornada de trabalho. Essa é, segundo Marx, a mais-valia absoluta. É claro, porém, que a extensão indefinida da jornada de trabalho esbarra nos limites físicos do trabalhador e na necessidade de controlar a própria quantidades de mercadorias que se produz.

Agora, pensemos numa indústria altamente mecanizada. A tecnologia aplicada faz aumentar a produtividade, isto é, em poucas horas de trabalho é possível se produzir muito mais. A mecanização também faz com que a qualidade dos produtos dependa menos da habilidade e do conhecimento técnico do trabalhador individual. Numa situação dessas, portanto, a força de trabalho vale cada vez menos e, ao mesmo tempo, graças à maquinaria desenvolvida, produz cada vez mais. Esse é, em síntese, o processo de obtenção daquilo que Marx denomina mais-valia relativa.

O operário é contratado para trabalhar dentro de uma certa carga horária. Porém, bem antes de completar sua carga horária, ele já produziu mais do que o suficiente para pagar seu salário e para cobrir os gastos com os meios de produção utilizados durante o seu trabalho. O tempo restante de sua carga horária não é de fato remunerado; ele trabalha “de graça”, a fim de gerar o lucro do burguês. Marx distinguiu duas formas de mais-valia: a absoluta, que está baseada na extensão da jornada de trabalho do operário (quanto maior for a carga horária maior será a mais-valia) e a relativa, que está baseada na mecanização da fábrica. Tal mecanização permite ao operário produzir muito mais num curto espaço de tempo, o que provoca um maior tempo de trabalho não pago (mais-valia).

Além da mais-valia, Marx concluiu que o trabalho no sistema capitalista de produção gera alienação, sinônimo de perda de um direito ou de um bem. A alienação se manifesta a partir do momento que o objeto fabricado se torna alheio ao sujeito criador, ou seja, ao criar algo fora de si, o funcionário se nega no objeto criado. São várias as formas de alienação ou perda provocadas pelo trabalho:

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o trabalhador perde a noção global do processo produtivo devido à especialização rígida do trabalho; o trabalhador perde a posse do fruto de seu trabalho, que pertence ao burguês; o trabalhador perde a autonomia do processo produtivo, pois seu salário, sua jornada de trabalho são determinados pelo burguês; o trabalhador perde a riqueza produzida pelo seu trabalho: produz a riqueza que mantém a economia do país, mas vive na miséria; o trabalhador perde a identidade com o trabalho: ele não se reconhece e nem é reconhecido naquilo que faz, isto é, no fruto do seu trabalho, que apresenta-se como um ser estranho em relação a quem o fabricou.

Fonte: senhor-do-tempo.blogspot.com/12/12/2008

Concepção marxista de Estado

Marx não dedicou um trabalho específico sobre a análise do Estado, mas suas idéias a esse respeito estão espalhadas por suas obras. Talvez isso se deva ao fato de ele ter uma concepção negativa do Estado, diferentemente de Hegel, para quem o Estado era considerado o “deus terreno”, o momento final do Espírito objetivo quando são superadas as contradições da sociedade civil.

Para Marx, o Estado não supera as contradições da sociedade civil, mas é o reflexo delas, e está aí para perpetuá-las. Por isso só aparentemente visa ao bem comum, estando de fato a serviço da classe dominante. Portanto, o Estado é um mal que deve ser extirpado.

Ao lutar contra o poder da burguesia, o proletariado deve destruir o pode estatal, o que não será feito por meios específicos, mas pela revolução. No entanto, diferentemente dos anarquistas. Marx não considerava viável a passagem brusca da sociedade dominada pelo Estado burguês para a sociedade sem Estado, havendo a necessidade de um período de transição.

A classe operária, organizando-se num partido revolucionário, deve destruir o Estado burguês e criar um novo Estado capaz de suprimir a propriedade privada dos meios de produção. A esse novo Estado dá-se o nome de ditadura do proletariado, uma vez que, segundo Marx, o fortalecimento contínuo da classe operária é indispensável enquanto a burguesia não tiver sido liquidada como classe no mundo inteiro.

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O comunismo

A primeira fase, de vigência da ditadura do proletariado, corresponde ao socialismo, que supõe a existência do aparelho estatal, da burocracia, do aparelho regressivo jurídico. Nessa fase persiste a luta contra a antiga classe dominante, a fim de evitar a contra-revolução. O princípio do socialismo é “De cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo seu trabalho”.

A segunda fase, chamada comunismo tem como princípio: “De cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo suas necessidade”. O comunismo se define pela supressão da luta de classes e, conseqüentemente, pelo desaparecimento do Estado. Na “anarquia feliz” o desenvolvimento prodigioso das forças produtivas levaria à “era da abundância”, à supressão da divisão do trabalho em tarefas subordinadas (materiais) e tarefas superiores (intelectuais), à ausência de contraste entre cidade e campo e entre indústria e agricultura.

Se a passagem para o comunismo significa desaparecimento das classes, como fica a afirmação que fizemos inicialmente de que, para Marx, a luta de classes é o motor da história?

O movimento da história continuaria, pois ela é um processo; só que a luta não mais seria entre a classe dominante e a dominada, mas entre a vanguarda e os elementos que impedem as mudanças por comodismo ou incompreensão. A luta seria entre o progresso e as forças conservadoras, entre o novo e o velho.Exercícios

1. No que diz respeito ao materialismo histórico, pode-se afirmar que:

I. arte e filosofia são manifestações da superestrutura.II. as relações de trabalho e a educação fazem parte da infraestrutura.III. a filosofia, ciência e literatura são produções inseridas no nível da infra-estrutura IV.as relações de trabalho pertencem ao nível da infraestrutura.

Assinale:a) se apenas I e II estiverem corretas.b) se apenas II e III estiverem corretas.c) se apenas III e IV cstiverert1 corretas.d) se apenas I e IV estiverem corretas.

2. O materialismo marxista é histórico-dialético porque:

a) Como o materialismo mecanicista, parte da constatação de um mundo composto de coisas inertes.b) Funda-se numa causalidade linear, não permitindo ao homem nenhuma liberdade.c) Parte da consideração que é a realidade é movimento e processo, explicando a história por fatores materiais.d) Parte da consideração de que o mundo é incognoscível regulado pelo “divino relojoeiro”.

3. Para estudar a sociedade, segundo Marx, deve-se partir:

a) da importância das "grandes idéias".b) da intervenção divina e sobrenatural. c) da forma como os homens produzem os bens materiais necessários à sua vida.d) dos fatos religiosos, materiais e ideológicos.

4. De acordo com o materialismo histórico-dialético de Marx e Engels, é INCORRETO afirmar:

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a) o materialismo de Marx e Engels visa opor-se ao idealismo espiritualista hegeliano, para o qual a força que move a história é a idéia, o espírito, a consciência.b) de acordo com o materialismo histórico as relações sociais são determinadas pela satisfação das necessidades da vida humana, o que constitui a condição fundamental de toda a transformação histórica.c) quando Marx fala de materialismo, a matéria à qual se refere não são os corpos físicos, os átomos, os seres naturais, mas sim as relações sociais de produção econômica.d) é a consciência dos homens que determina o seu ser; mas não o seu ser social que, inversamente, determina sua consciência.

Capítulo 3: Nietzsche e Foucault

Nietzsche

fonte: quadri.files.wordpress.com/2008/01/Nietzsche/19/11/2008

Nietzsche e a nova moral

O pensamento de Friedrich Nietzsche (1844-1900) se orienta no sentido de recuperar as forças inconscientes, vitais, instintivas, subjugadas pela razão durante séculos. Para tanto, critica Sócrates por ter sido o primeiro a encaminhar a reflexão moral em direção ao controle racional das paixões. Essa tendência de desconfiança nos instintos culmina, segundo Nietzsche, com o cristianismo, que acelera a “domesticação” do ser humano. Em suas obras, o filósofo faz a análise histórica da moral e denuncia a incompatibilidade entre esta e a vida. Em outras palavras, sob o domínio da moral, o ser humano se enfraquece, tornando-se doentio e culpado.

Para Nietzsche, a moral tradicional é falsa, decadente, de rebanho, de escravos, cujos valores seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao próximo. Contrapõe a essa moral tradicional a “moral de senhores”, moral positiva que visa à conservação dos instintos fundamentais. A moral de senhores é positiva, pois baseia-se nos instintos vitais, nos desejos e naquilo que Nietzsche chama de vontade de potência, cujo modelo se encontra nos guerreiros belos e bons das sociedades gregas antigas.

A moral de escravos, por seu turno, nega os valores vitais e resulta na passividade, na procura da paz e do repouso. O indivíduo se torna enfraquecido, domesticado e diminuído em sua potência. A alegria é transformada em ódio à vida, o ódio dos impotentes.

O apolíneo e o dionisíaco

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Segundo Nietzsche, existem dois elementos fundamentais e antagônicos: o espírito apolíneo, que representa a ordem, a harmonia e a razão, e o espírito dionisíaco, que representa o sentimento, a ação e a emoção.

Na cultura grega, o espírito apolíneo está vinculado ao deus Apolo, símbolo da luz, da razão e da beleza masculina, associado à música e à poesia, às profecias e à moralidade. O espírito dionisíaco, por sua vez, ligava-se à Dionísio, deus grego do vinho e da fertilidade, símbolo do drama. Na cultura ocidental, o espírito apolíneo é mais forte do que o dionisíaco, e o papel da filosofia seria o de libertar o homem dessa tradição para encontrar-se com o niilismo.

O niilismo de Nietzsche conduz o homem ao encontro de valores que sejam afirmativos de sua existência real, de sua vontade de poder, para que possa escapar dos valores e das crenças tradicionais, como aqueles impostos pelo cristianismo, que pregou valores distintos.

A moral defendida por Nietzsche é radicalmente anticristã e o seu objetivo último é o poder, o que o levou a admirar Napoleão profundamente. Do seu ponto de vista, a verdadeira virtude é característica de uma minoria de indivíduos, que deve sobrepujar as massas medíocres, formadas por homens “inferiores”, que cultivam essencialmente o ressentimento. Acredita na disciplina e na força de vontade e vê a compaixão como uma fraqueza a ser combatida.

O super-homem

Fonte: www.dialbforblog.com/archives/305/ubermensch.gif/12/12/2008

O filósofo considerava o super-homem como a expressão da vontade de poder, determinando a nova ordem de valores. Um líder guerreiro, altamente disciplinado, capaz de ser cruel quando as conquistas o exigirem; este é o perfil do super-homem de Nietzsche. Para ele, o cristianismo tem um

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efeito degenerativo, porque doma o espírito e enfraquece a vontade de poder com a sua condenação do orgulho, da paixão, da cólera, dos instintos de guerra e de conquista.

O filósofo deplora o arrependimento e a redenção; em vez da figura do santo cristão, idealiza o que denomina homem nobre, que, em sua essência, é a própria vontade de poder, desvinculado dos conceitos pela sociedade. Do seu ponto de vista, o santo cristão é um produto do medo do inferno, e não do amor à humanidade. Apenas a vontade de poder permite ao homem ultrapassar a si mesmo, em direção ao super-homem.

Foucault

fonte: daughterofben.files.wordpress.com/2008/04/Foucault/18/11/2008

Os micropoderes

Segundo Michel Foucault (1926-1984), as sociedades modernas apresentam uma nova organização do poder que se desenvolveu a partir do século XVIII. Nessa nova organização, o poder não se concentra apenas no setor político e nas suas formas de repressão, pois está disseminado pelos vários âmbitos da vida social. Para Foucault, o poder se fragmentou em micropoderes (microfísica do poder) e se tornou muito mais eficaz. Nesse sentido, o poder está em toda a parte, não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares. Na vida cotidiana, segundo o filósofo, esbarramos mais com os guardiões dos micropoderes – os pequenos donos dos poderes periféricos (professores, porteiros, enfermeiros, fiscais etc.) – do que com os detentores dos macropoderes (representantes oficiais do poder estatal).

Foucault caracteriza a sociedade contemporânea como uma sociedade disciplinar, na qual prevalece a produção de práticas disciplinares de vigilância e controle constantes, que se estendem a todos os âmbitos da vida dos indivíduos. Uma das formas mais eficientes dessa vigilância e disciplina se dá, no seu entender, através dos discursos e práticas científicas, aparentemente neutras e racionais, que procuram normatizar o comportamento dos indivíduos. Um exemplo disso seria o tratamento científico dado à sexualidade, no qual o comportamento sexual é normatizado por meio do convencimento racional dos indivíduos sobre cuidados necessários à sua vida nesse âmbito. Desse modo, assumindo a face do saber, o poder, segundo Foucault, atinge os indivíduos em seu corpo, em seu comportamento e em seus sentimentos.

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Fonte: www1.folha.uol.com.br/15/11/2008Propaganda de creme dental que utiliza o poder e a autoridade da ciência para convencer o consumidor.

Assim como o poder se encontra em múltiplos espaços, a resistência a esse estado de coisas não caberia, segundo o filósofo, a um partido ou uma classe revolucionária, pois estes se dirigiriam a um único foco de poder. Seria necessária, portanto, a ação de múltiplos pontos de resistência.

Exercícios

1. Todas as proposições abaixo correspondem à concepção moral de Nietzsche, exceto:

a) Os princípios da moral cristã enfraqueceram a natureza ou o instinto vital do ser humano, tornando-o culpado, fraco e servil.b) Na moral de Nietzsche a disciplina e a força de vontade devem ser combatidas, ao passo que a compaixão e a piedade devem ser valorizadas.c) A moral deve ter como princípio os instintos vitais, os desejos ou a vontade de potência, cujo modelo se encontra nos guerreiros belos e bons das sociedades gregas antigas.d) Na moral de Nietzsche, os homens fortes, dotados de vontade de potência, devem dominar a massa de homens fracos, cujo valor é o ressentimento.

2. Para Foucault, o fenômeno do poder no contexto das sociedades modernas

a) encontra-se, exclusivamente, no âmbito do Estado, que detém o monopólio sobre todas as instituições sociais.b) aparece com maior nitidez nas práticas religiosas, que no passado e no presente ainda continuam exercendo influência sobre milhares de pessoas.c) aparece de maneira fragmentada, manifestando-se sob a forma de micropoderes dentro da sociedade.d) concentra-se nos meios de comunicação de massa, capazes de manipular o gosto e a ação das sociedades em geral.

Capítulo 4: O Existencialismo de Jean-Paul Sartre

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fonte: www.thegazz.com/.../sartre-724888.jpg/20/11/2008

"O importante não é o que fazem do homem. mas o que ele faz do que fizeram dele." (Sartre)

Essência e existência

Em 1945, Jean-Paul Sartre (1905-1980) realiza uma conferência que se torna célebre:"O existencialismo é um humanismo". Ele procurava então defender o existencialismo das criticas que lhe eram feitas e explicar para um público leigo alguns dos conceitos dessa filosofia. Afinal, como ele próprio afirma, "a maioria das pessoas que utiliza este termo (existencialismo) ficaria bastante embaraçada se tivesse de justificá-la (...). Na verdade, essa palavra assumiu atualmente uma amplitude tal e uma tal extensão que já não significa rigorosamente nada". Vejamos pois, brevemente, o que Sartre disse sobre essa filosofia.

O existencialismo forjou uma das expressões mais conhecidas do vocabulário filosófico: "A existência precede a essência". O que ela significa? Se pensarmos nos objetos que conhecemos, concluirmos que antes de existirem efetivamente, eles são concebidos segundo uma "receita" de como produzi-los, tendo assim uma finalidade pré-estabelecida (por exemplo, antes de se fazer um corta-papel, há uma concepção e uma técnica de como fazê-lo, e ele é feito com uma finalidade precisa que está na mente do fabricante antes que exista de fato como cortador de papel). Ou seja, antes de o corta-papel ser esse objeto que posso manipular, havia o projeto dele: sabíamos como produzi-lo e para que serviria. Nesse caso, podemos dizer que a essência precede a existência.

Ora, para o existencialismo esse raciocínio não pode ser aplicado aos seres humanos. Para compreendermos a razão disso, é preciso saber que o existencialismo sartriano é ateu. Assim, se não há um Deus criador, se não há um Deus para conceber o homem e pura lhe dar uma finalidade prévia (tal como o artesão faz com o corta-papel), um Deus que construiria o homem à sua imagem e semelhança, então o homem simplesmente existe, e a sua "essência" será apenas aquilo que ele fizer de si mesmo, aquilo que, ele se quiser.

Por isso especifica que ao contrário das coisas e animais, no homem a existência precede a essência, e isso "significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que depois se define. O homem, tal como o concebemos existencialista, se não é definível, é porque

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primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se desejou após este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo" (J.-P. Sartre,O existencialismo é um humanismo,p. 219.)

Segundo Sartre, isso significa que o homem é antes de tudo livre. Não há destino, vontade de Deus. Em todas as suas ações, o homem só pode contar consigo mesmo. Ora, isso implica uma nova responsabilidade. Não podemos mais aderir ao bem porque essa é a vontade de Deus e porque temos medo da punição divina. Ou seja, a moral tradicional, baseada nos valores cristãos, não serve para essa filosofia. Assim, o existencialismo filosófico chega à necessidade de se fundar uma nova moral, uma moral laica, sem Deus.

Talvez essa perspectiva tenha ajudado a ligar o pensamento de Sartre a uma atitude de rebeldia e contribuído pura a popularização do existencialismo. Entretanto, o próprio filósofo procura lembrar que sua doutrina "não pode ajudar" aquelas pessoas ávidas de escândalo e agitação, que, ao contrário, o existencialismo é uma doutrina "austera", ainda que facilmente definível. Sendo assim, o que tornou Sartre tão famoso, conhecido de um público que pouca ou nenhuma intimidade tinha com a filosofia?

Liberdade e angústia

Qual é a diferença entre o homem e as coisas? É que só o homem é livre. O homem nada mais é do que o seu projeto. A palavra projeto significa, etimologicamente. "ser lançado adiante", assim como o sufixo ex da palavra existir significa "fora". Ora, só o homem existe (existe) porque o existir do homem é um "para-si", ou seja, sendo consciente, o homem é um "ser-para-si" pois a consciência é auto-reflexiva, pensava sobre si mesma, é capaz de pôr-se "fora" de si.

Portanto, a consciência do homem o distingue das coisas e dos animais, que são "em si", ou seja, como não são conscientes de si, também não são capazes de se colocar "do lado de fora" para se auto-examinarem.

O que acontece ao homem quando se percebe "para-si", aberto à possibilidade de construir ele próprio a sua existência? Descobre que, não havendo essência ou modelo para lhe orientar o caminho, seu futuro se encontra disponível e aberto, estando portanto irremediavelmente "condenado a ser livre". É o próprio Sartre que cita a frase de Dostoievski em Os irmãos Karamazov: "Se Deus não existe, então tudo é permitido", para relembrar que os valores não são dados nem por Deus nem pela tradição: só ao próprio homem cabe inventá-los.

Se o homem é livre é conseqüentemente responsável por tudo aquilo que escolhe e faz. A liberdade só possui significado na ação na capacidade do homem de operar modificações no real.

A má fé

O homem não é "em-si", ele é "para-si", que a rigor não é nada, pois se a consciência não tem conteúdo, não é nada, pois é coisa alguma. Mas esse vazio é justamente a liberdade fundamental do "para-si", que movendo-se através das possibilidades, poderá criar-lhe um conteúdo.

Eis que o homem, ao experimentar a liberdade e ao sentir-se como um vazio, vive a angústia da escolha. Muitas pessoas não suportam essa angústia, fogem dela, aninhando-se na má fé. A má fé é a atitude característica do homem que finge escolher, sem na verdade escolher. Imagina que seu destino está traçado, que os valores são dados. Aceitando as verdades exteriores, "mente" para si mesmo, simulando ser próprio o autor dos seus próprios atos já que aceitou sem críticas os valores dados. Não se trata propriamente de uma mentira, pois esta supõe os outros para quem mentimos, enquanto a má fé se caracteriza pelo fato de o indivíduo dissimular para si mesmo com o objetivo de evitar fazer uma escolha da qual possa se responsabilizar.

O homem que recusa a si mesmo aquilo que fundamentalmente o caracteriza como homem, ou seja, a liberdade, torna-se "safado", "sujo" (salaud), pois nesse processo recusa a dimensão do "para-si"

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e torna-se "em-sí", semelhante às coisas. Perde a transcendência e reduz-se à facticidade.Sartre chama tal comportamento de espírito de seriedade. O homem sério é aquele que recusa a

liberdade para viver o conformismo e a "respeitabilidade" da Ordem estabelecida e da tradição. Esse processo é exemplificado no conto A infância de um chefe.

A fim de ilustrar o comportamento de má fé, Sartre descreve o garçom cuja função exige que ele aja não como um "ser-para-si", mas como um "ser-para-outro"; comporta-se como deve se comportar um garçom, de tal forma que ele se vê com os olhos dos outros. É assim que Sartre o descreve em O ser e o nada: "Consideremos esse garçom de café. Tem um gesto vivo e apurado, preciso e rápido; dirige-se aos consumidores num passo demasiado vivo, inclina-se com demasiado zelo, sua voz e seus olhos experimentam um interesse demasiado cheio de solicitude para o pedido do freguês. (...) Ele representa, brinca. Mas representa o que? Não é preciso observá-lo muito tempo para perceber: ele representa ser garçom de café".

Outro tipo de má fé é o caso da mulher que, estando com um homem, deixa-se "seduzir" por ele, dissimulando para si mesma, desde o início, o caráter sexual do encontro.

Fonte: imagecache2.allposters.com/images/pic/CART/M8/20/11/2008

A responsabilidade

Tais colocações a respeito do existencialismo poderiam fazer supor que se trata de um pensamento que defende o individualismo, em que cada um estaria preocupado com a própria liberdade e ação.

Contra esse mal-entendido, Sartre adverte: "Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo o homem no domínio do que ele é e lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade mas que é responsável por todos os homens. (...) com efeito, não há dos nossos atos um sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o que escolhemos é

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sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos. Se a existência, por outro lado, precede a essência e se quisermos existir, ao mesmo tempo que construímos a nossa imagem, esta imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Assim. a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor. porque ela envolve toda a humanidade.” (SARTRE.O existencialismo é um humanismo).

Exercícios

1. Para Sartre (1905-1980) o homem a todo momento está escolhendo o caminho a seguir em sua existência, e esta escolha tem valor porque é feita ente outra inúmeras possibilidades: esta situação é de angústia, mas, uma vez feita a escolha, a angústia passa a ser a autonomia do querer. A situação existencialista da escolha, tal como foi descrita, implica:

a) a má fé do homem, pois a escolha é feita somente para a satisfação de si mesmo.b) a responsabilidade do homem, pois ele é sempre o autor da escolha feita.c) a falsa consciência, que desconhece a autonomia e aceita aquilo que fazem de si.d) a natureza humana imutável do indivíduo, que é a certeza da liberdade espiritual.

2. Sartre fundou um existencialismo ateu. Para este filósofo, não há um Deus que cria o homem e ordena-lhe a vida segundo um fim prévio. Sobre o existencialismo de Sartre as afirmativas abaixo são corretas, EXCETO

a) A liberdade do homem só poderá efetivar-se plenamente no âmbito da sociedade burguesa que defende a livre iniciativa e o papel mínimo do Estado.b) O homem é o único ser que é ser-para-si, isto quer dizer que ele é o seu próprio projeto.c) A má fé resulta da fuga da experiência da angústia de ter sempre que escolher.d) Os valores que estruturam a existência humana não são obrigações metafísicas individuais e nem imposições da tradição; cabe apenas ao homem criá-las.

3. Segundo Jean-Paul Sartre, filósofo existencialista contemporâneo, liberdade é:

I. escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. II. aceitar o que a existência determina como caminho para a vida do homem.III. sempre uma decisão livre, por mais que se julgue estar sob o poder de forças externas.IV. estarmos condenados a ela, pois é a liberdade que define a humanidade dos humanos.

Assinalea) se apenas I e IV estiverem corretas.b) se apenas II e III estiverem corretas.c) se apenas I, II e IV estiverem corretas.d) se apenas I, III e IV estiverem corretas.

4. De acordo com a filosofia de Jean-Paul Sartre, marque a alternativa correta.

I. O homem primeiramente existe, está condenado a ser livre e é o seu próprio projeto, ou seja, toda e qualquer escolha depende dele mesmo, já que Deus não existe.II. A natureza humana não depende de escolhas que o próprio homem faz de si mesmo.III. O tema liberdade é a principal discussão do existencialismo ateu onde o homem escolhe a si mesmo.IV. A má-fe para Sartre é a possibilidade que todos os homens possuem de fazer escolhas e assumir a responsabilidade de tudo o que escolher.

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V. A má-fé é a fuga da responsabilidade.

a) II – IV – V.b) I – III – V.c) III – IV.d) II – III – IV.

GABARITO

I - FILOSOFIA ANTIGA: AS ORIGENS DA FILOSOFIA E OS FILÓSOFOS GREGOS

Cap. 1 - O nascimento da filosofia: mito e razão 1. d2. c3. b

Cap. 2 - Os filósofos pré-socráticos: Heráclito e Parmênides1. a2. a

Cap.3 - Sócrates e Platão 1. a2. d3. b4. d

Cap. 4 - Aristóteles1. a2. d3. d4. dII - FILOSOFIA MEDIEVAL

Cap. 1 - Principais períodos da filosofia medieval1. b2. c3. b

Cap. 2 - Santo Agostinho1. c2. c

Cap. 3 - Tomás de Aquino1. c2. c

Cap. 4 - A questão dos universais: um problema não apenas medieval1. d2. b3. c

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III - FILOSOFIA MODERNA: A QUESTÃO DO CONHECIMENTO

Cap. 1 - O conhecimento como problema filosófico: racionalismo e empirismo1. c2. c

Cap. 2 - René Descartes1. d2. c3. d4. c

Cap. 3 - David Hume1. a2. c3. c4. c

Cap. 4 - O criticismo de Immanuel Kant1. a2. b3. d4. b5. c IV - FILOSOFIA MODERNA: A QUESTÃO POLÍTICA

Cap. 1- Maquiavel: a política como categoria autônoma1. b2. c3. b

Cap. 2 - Thomas Hobbes e o Estado absoluto1. a2. a3. c

Cap. 3 - John Locke e o Estado liberal1. c2. a3. d4. a

Cap. 4 - Jean-Jacques Rousseau e o Estado democrático1. b2. c3. b

V - FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

Cap. 1 - George W. F. Hegel

Page 93: Filosofia Para Vestibular

1. c2. c

Cap. 2 - Karl Heinrich Marx1. d2. c3. c4. d

Cap. 3 - Nietzsche e Foucault1. b2. c

Cap. 4 - O Existencialismo de Jean-Paul Sartre1. b2. a3. d4. b