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Filosofia educação e cultura urbana na sociedade actual como desafios à teoria do agir
comunicativo de Jürgen Habermas
Tiago Tendai Chingore1
Resumo
Este artigo pretende analisar a problemática da filosofia, educação e cultura urbana a partir da questão do
fenómeno urbano que se verifica por quase todos os Estados em vias de desenvolvimento, como desafio à
racionalidade comunicativa habermasiana. O autor propõe uma teoria de acordo com a qual a construção
da ordem social deve seguir processos comunicativos consensuais mediante a força do melhor argumento,
convocando, deste modo, a participação de todos os interessados nos processos sociais. Pensar na
educação hoje exige uma sensibilidade generosa que perceba a pluralidade das compreensões e a
liberdade criadora dos sujeitos; que escolha uma cultura do sentimento onde o que é experimentado com
os outros é primordial e o laço social torna-se emocional. Actualmente, a vida urbana manifesta-se, de
certa forma, como um caos, reflectido por diversas opiniões públicas, no qual certas pessoas adoptam
atitudes apáticas e individualistas, o que nos remete a pensar que é difícil esperarmos que actuem de
forma comunicativa, discursiva e argumentativa, em busca de consensos, através dos quais possamos
construir uma melhor realidade urbana.
Palavras-chave: Filosofia, Teoria do agir comunicativo, consenso, cultura urbana, educação.
I- Introdução
Com o presente artigo, pretende-se apresentar o pensamento filosófico de Habermas,
partindo de uma reflexão crítica e filosófica que pode contribuir bastante tanto para os estudos
das cidades urbanas africanas como para as ciências da educação. Sendo assim, iremos neste
artigo, descrever como é que o fenómeno urbano, como um desafio à racionalidade comunicativa
habermasiana, se manifesta.
Com o desenvolvimento científico e técnico, surgiram vários problemas que colocam em
risco a própria sobrevivência planetária, os quais exigem, em nível global, esforços conjuntos de
reflexão. Entre esses problemas sobressaem a bomba atómica, a manipulação genética, o
armamentismo, a destruição dos ecossistemas, entre outros.
Para pensar na educação e cultura urbana hoje, exige-se uma sensibilidade generosa que
perceba a pluralidade das compreensões e a liberdade criadora dos sujeitos. Assim, exige-se ao
cidadão uma complexidade de um colectivo, ao mesmo tempo, local, nacional e global
1 Docente do curso de Filosofia, do Departamento de Ciências Sociais na UP- Beira.
constituído por composições e recomposições de imaginários fundantes que vão do homo
políticus grego ao homo estheticus pós-moderno, onde se impõe uma nova ética na gestão dos
espaços de sociabilidade e de acção política.
Portanto, Habermas propõe na sua teoria um acordo com o qual a construção da ordem
social deverá embassar-se em processos comunicativos consensuais mediante a força do melhor
argumento, ao mesmo tempo, ele considera ser necessário que todos os interessados participem
nos processos sociais.
É possível percebermos que dentro da perspectiva da cultura urbana aparecem diversos
problemas que a sociedade tem enfrentado, tais como:
Falar de um conceito de racionalidade que sirva como ponto de partida ou mesmo de
referência nas tomadas de decisão colectivas dos habitantes das cidades em vias de
desenvolvimento;
A diversidade de valores, com a entrada massiva de vários povos devido aos novos
projectos, caso de Moçambique, até certo ponto irreconciliáveis entre si, não será algo
característico da cultura urbana pós-moderna;
Será possível chegar-se nessa situação a consensos sobre a planificação, democracia,
justiça e princípios éticos, com os quais se sustenta o desenvolvimento e a vida comum
nas cidades.
A vida urbana nas cidades africanas manifesta-se, de certa forma, como um caos,
reflectido numa autêntica confusão de opiniões, no qual muitas pessoas adoptam atitudes
individualistas, o que lhes torna difícil actuar de forma comunicativa, discursiva e argumentativa,
em busca de consensos, através dos quais se possa construir uma melhor realidade urbana (Cfr.
Cescon e Nodari, 2011: 118).
Charles Taylor, na sua obra a “Autenticidade Ética”, considera que a sociedade actual
está atomizada pelo facto de os indivíduos estabelecerem cada vez mais relações interpessoais e
não se comprometem com o crescimento da sua sociedade. “As pessoas parecem considerar
suas relações mais passageiras. É o caso do aumento do número dos divórcios, o que mostra de
certa maneira rupturas entre eles" (ídem, 2011: 118).
Além disso, nas cidades africanas, a violência e a criminalidade são um verdadeiro caos
que dificulta, de certa forma, a convivência entre os cidadãos. A pobreza extrema, que a
sociedade enfrenta, é a fonte de marginalização social e cultural, de tal modo que é difícil esperar
que muitas pessoas tenham a competência linguística necessária para poderem participar em
processos argumentativos consensuais para a planificação urbana e na tomada de decisão no
campo político e económico.
Consideram-se todos esses factores, e muitos outros, como sendo obstáculos para a
realização de um projecto social fundamentado na racionalidade comunicativa.
Martin Coy citado por Cescon e Nodari (2011: 119) descreveu um modelo de
planificação urbana, cujos representantes formaram um "conselho do orçamento participativo",
onde são tomados em conta os temas que mais preocupam as sociedades para a tomada de
decisão.
Esse tipo de iniciativas mostra-nos claramente que é possível ter uma viabilidade na
renovação das nossas cidades, orientadas comunicativamente, mesmo nos lugares onde há
fenómenos de explosão demográfica, uma economia globalizada, a pobreza extrema e o cúmulo
da riqueza em um grupo reduzido de pessoas.
No presente artigo, colocamos a teoria do agir comunicativo de Habermas como sendo
aquela que pode, em certo momento, contribuir positivamente na organização e no
desenvolvimento das sociedades urbanas. No entanto, o ponto de partida que faria possível uma
aproximação entre o pensamento de Habermas e a vida urbana é a educação dos habitantes nas
cidades no agir comunicativo.
A educação e cultura como desafios à racionalidade comunicativa
Actualmente, vários estudos revelam que a relação entre a cultura e poder não é um
processo uniforme. Cada cultura hoje cria suas formas de convivência no mundo, fazendo
adaptações e criando mecanismos de resistência, o que pode ser bem traduzido com o conceito
de negociação cultural.
A educação, como Paulo Freire a definiu, é “acção cultural para a liberdade”, através
do diálogo (Streck, 2003: 24). Mas deve ser um diálogo perpassado por relações de poder e, por
isso mesmo, não deve ser uma simples troca, que envolve uma complexa negociação de saberes,
de valores e de visões de mundo.
O ideal da educação actual que se pretende é aquele onde cidadãos conseguem ter uma
participação directa na vida da sua comunidade. De acordo com Ngoenha (2000: 212), o grande
desafio que a educação moçambicana deve enveredar é uma “educação que não se deve limitar
a uma formação que é simplesmente Bildung, na linguagem de Lyotard, mas sim, uma educação
como aquisição de meios para fazer frente às situações concretas da existência, em várias áreas
sociais, políticas, culturais, etc.”. Aqui trata-se duma educação que não se formaliza com o
formal, mas que vai ao encontro dos educandos nas condições concretas em que se encontram,
nas suas vertentes espiritual e material.
A cultura urbana em geral e, especificamente, as cidades africanas e latino-americanas
apresentam sérios problemas com o conceito de racionalidade comunicativa como elemento-
chave que conduz ao entendimento e a cooperação no mundo urbano.
Um dos grandes desafios que se colocam à filosofia no contexto actual é de criar espaços
e mecanismos de incremento da soberania, quer contra o intervencionismo anti-democrático dos
democratas ocidentais, que, e sobretudo, no trabalho sobre as condições susceptíveis de libertar a
imaginação e a criatividade nos africanos em geral e nos moçambicanos em particular, a fim de
podermos assumir responsavelmente a nossa liberdade (Ngoenha e Castiano, 2011: 210).
Portanto, somos chamados a perceber que internamente ainda não somos capazes de ser
cabalmente responsáveis pela nossa liberdade. Dai que devemos descobrir e inventarmos espaços
de liberdade concretos, dar material e instrumentos teóricos aos políticos nacionais. A nossa
filosofia deve contribuir para a realização das exigências da justiça. Isto pressupõe interrogarmos
as legitimidades criadas pelos homens (nacionais e internacionais), e tentarmos dar palavra às
pessoas, grupos e culturas que foram privadas dela até aqui (Idem, 2011: 211).
A cidade é um lugar de máxima densidade interactiva. A quantidade de processos
comunicativos influi também sobre a qualidade da comunicação, o que tem originando, de certa
forma, novas formas de intercâmbio e de competências de interacção social, e geram, conflitos
próprios da cultura urbana.
Actualmente, o fenómeno da globalização e o avanço dos meios de comunicação ou
(informação) possibilitam um grande intercâmbio de signos e códigos; vivemos uma verdadeira
hibridação cultural nas cidades urbanas, em que muitas pessoas adoptam símbolos procedentes
de diversos grupos culturais, falam, por exemplo, da linguagem da modernidade, ao mesmo
tempo que utilizam elementos de culturas indígenas.
Um outro fenómeno que se verifica no seio das cidades africanas consiste na expansão de
colónias ou bairros com moradias de luxo cercadas por muros e diversos sistemas de segurança e
de controle (privatopias), incluíndo complexos habitacionais de classe média ou classe baixa
fechados.
Nisso surgem novos projectos de construção de moradias do tamanho de uma pequena
cidade, como os megaempreendimentos em Maputo, Nampula, Beira e Tete, só para citar
algumas. A cidade aparece como um mosáico de microcidades com características muito
diversas entre si.
Outra característica das cidades africanas é a pobreza e a marginalização. A explosão
demográfica, a violência e a criminalidade, o desemprego e o trabalho informal, assim como a
pobreza e a miséria com que se depara a população dessas urbes, estão relacionados, com o baixo
nível de educação.
De acordo com a teoria habermasiana, todas essas pessoas deveriam participar
juntamente com os demais habitantes da urbe nos processos consensuais, como coactores nas
tomadas de decisão e das transformações exigidas pelas cidades. Isso só é possível, na nossa
visão, mediante uma educação para o diálogo, a argumentação e a busca de consensos, o que
representaria um elemento fundamental para o combate à discriminação e à pobreza nas cidades
(cfr. Cescon e Nodari, 2011: 136).
Castiano apud Mazrui (2011: 218), apresentou sete funções da cultura, nomeadamente:
Cultura como lente de percepção e de cognição;
Cultura como base do comportamento humano;
Cultura como critério de avaliação;
Cultura como base de identidade;
Cultura como modo de comunicação;
Cultura como base de estratificação social e;
Cultura como determinante para o sistema de produção e de consumo.
De facto, ao falarmos da educação, percebemos logo que faz parte da cultura, ela
constitui a parte essencial onde as diferentes culturas criam e desenvolvem seus sistemas de
educação para que as próprias culturas não morram. Assim, a educação, antes de ser um lugar
onde vamos buscar conhecimento e habilidades profissionais, é antes de nada e sobretudo um
processo de confrontação de valores. As culturas são os espaços onde a educação deveria buscar
esses valores.
Um dos grandes desafios que nos são colocados na qualidade de filósofos moçambicanos,
é a possibilidade de desenvolvermos uma filosofia, uma educação e uma cultura do tipo local,
onde iremos desenvolver as nossas línguas nacionais que são originárias de Moçambique. Isto irá
permitir que se criem condições ideais para que o nosso currículo seja verdadeiramente local,
construindo, desta feita, atitudes e predisposições básicas no futuro cidadão para um diálogo
entre as culturas. Por sua vez, é necessário que o desenvolvimento deste diálogo intercultural
através da educação seja considerado a base para a construção de uma identidade nacional firme
(Cfr. Ngoenha e Castiano, 2011: 248).
O contributo da teoria habermasiana para o desenvolvimento da vida urbana
A teoria de Habermas é de extrema importância para o estudo do fenómeno urbano. É
necessário que estabeleçamos uma ponte entre os princípios e ideias de sua teoria social-
comunicativa e a realidade das cidades africanas.
Apesar dos vários problemas que essas cidades enfrentam, como é o caso da
criminalidade, do analfabetismo ou baixos níveis de educação, da pobreza extrema, da corrupção
política e administrativa, da manipulação ideológica, parece a priori, ser impossível a
aplicabilidade da teoria habermasiana para um diálogo que nos conduza ao consenso. Todavia,
não devemos esquecer que a vida urbana tem sido o palco onde se desenvolve a opinião pública
e a democracia, que são realidades especialmente relacionadas com o princípio da racionalidade
comunicativa, o qual é tratado por Habermas (Cfr. Cescon e Nodari, 2011: 126).
De facto, Habermas toma como paradigma da verdade uma afirmação que se refere a
dados objectivos no mundo. Sua racionalidade depende da sua relação com o conteúdo do seu
significado e com as condições de validade que, em cada caso, possam ser expostas para
justificar sua pretensão.
Habermas propõe o ideal de uma comunidade linguística universal. Toda a busca de
verdade deve tender a obter um consenso idealizado, obtido pela força do melhor argumento, que
possa ser aceite por qualquer participante nesse processo comunicativo e argumentativo.
Portanto, com o intuito de respeitar a pluralidade, levando em conta a complexidade das
culturas e das comunidades linguísticas, Habermas fala de princípios que devem ser aceites por
todos, com base em um consenso sustentado racionalmente, com vista a criar um agir
coordenado e comunicativo numa sociedade determinada até mesmo com a globalização (cfr.
Habermas, 1999: 36).
Habermas na sua teoria distingue entre o uso instrumental da linguagem e seu uso
comunicativo. Aqui, os sujeitos devem caracterizar-se por sua capacidade de fundamentar suas
ideias ou teorias, de forma a não empregar a linguagem com fins diferentes à busca do consenso.
Para o nosso contexto, é importante elucidar o facto de que os intervenientes de um
discurso teórico têm de fazer, entre outras, a seguinte pressuposição: têm de partir da
universalidade da pretensão de verdade proposicional e supor mutuamente que juntos sabem o
que significa valer e criticar pretensões de verdade. “Só uma compreensão comum de verdade,
por muito rudimentar que seja, garante a possibilidade de decidir um discurso com base em
motivos, isto é, de chegar a um acordo motivado racionalmente” (HABERMAS, 2010: 265).
Este tipo complexo de acção pode ser perspectivado sob três aspectos diferentes de
racionalidade:
da racionalidade instrumental (da resolução racional das nossas tarefas técnicas, como na
construção de meios eficazes que dependem do saber empírico);
da racionalidade estratégica (da decisão consistente entre possibilidades de escolha, com
dadas preferências e máximas de decisão e tendo em conta as decisões de adversários
racionais), e finalmente;
da racionalidade normativa (da resolução racional de tarefas práticas no âmbito de uma
moral orientada por princípios).
Contudo, o desenvolvimento de uma sociedade, pressupõe o uso de técnicas e estratégias,
em que o saber teórico-empírico deve incorporar-se na acção caracterizada pela racionalidade
orientada para fins, ao passo que, através de competências e motivos, tanto um saber prático-
moral como um saber prático-estético devem incorporar-se na acção caracterizada por uma
racionalidade orientada para valores (Cfr. Habermas, 2011: 273).
A linguagem desempenha um papel proeminente na filosofia habermasiana como meio
de captação e interpretação da realidade. O entendimento linguístico torna-se um meio da
coordenação do agir e da construção de um mundo interpretado socialmente.
O modelo ideal de organização urbana sustentado nessa teoria seria, assim, um modelo
que promove a participação dos habitantes das cidades na construção da sua realidade. Os
participantes de um processo comunicativo têm o desafio de conseguir um comum acordo sobre
a validade de juízos com respeito ao mundo objectivo, ao mundo do dever e ao mundo
subjectivo, como realidades vinculadas.
Em sua ética comunicativa, Habermas considera que “todos os participantes de um
processo consensual devem ter a mesma oportunidade de expressar sua opinião; cada indivíduo
deve emitir juízos de forma imparcial, esforçando-se sempre para alcançar o consenso mediante
um diálogo comunicativo” (Habermas, 1999: 45).
Sendo assim, a razão comunicativa pressupõe:
A comum aceitação da existência de um mundo independente dos objectos existentes;
A aceitação recíproca de racionalidade ou responsabilidade dos sujeitos que se
comunicam e;
A incondicionalidade das pretensões de validade que vão além de qualquer contexto,
como a verdade e a conformidade moral.
Habermas (1999: 133) refere que
os sujeitos que participam no processo comunicativo devem caracterizar-se por
sua capacidade de dar razão não somente em seus actos, mas também em suas
afirmações e juízos, nos três níveis de conhecimento, de modo que ajam crítica e
autocriticamente como sujeitos epistémicos no campo do conhecimento
objectivo, como sujeitos práticos no campo do conhecimento normativo e como
sujeitos práticos no campo do conhecimento objectivo.
É preciso, segundo Habermas, seguir algumas virtudes próprias, como a força da vontade,
a credibilidade e a confiabilidade, como capacidades orientadas por princípios de validade.
A democracia tem a ver com a autodeterminação das pessoas, com a sua capacidade de
decisão e de crítica etc. É claro que o sucesso de uma ética comunicativa da democracia e, em
geral, do projecto habermasiano aplicado ao mundo das cidades africanas e outras em vias de
desenvolvimento depende muito mais de um projecto educativo sério virado à realidade local e
não imposto por outrem.
O agir comunicativo proposto por Habermas é uma interacção mediatizada
simbolicamente, regida por normas que definem expectativas de comportamento recíproco e que
necessitam de ser compreendidas por, pelo menos dois sujeitos. Entretanto, as normas
objectivam-se pela comunicação e são mediadas pela intersubjectividade das intenções dos
sujeitos em reconhecê-las. Contudo, é pelo agir comunicativo que se pode buscar uma sociedade
moralmente educada, visto que o agir comunicativo coloca os indivíduos no mesmo patamar e é
ainda na base desse agir comunicativo que os povos do terceiro mundo podem expressar as suas
ideias, buscando a justiça e igualdade.
1.1. Educação crítico-comunicativa para a cultura urbana
O programa da racionalidade comunicativa aplicada à planificação urbana requer a
implementação de um sistema educativo que forme indivíduos como sujeitos capazes de
dialogar, de argumentar, de assumir posturas críticas, em suma, de um agir comunicativamente.
Habermas apud Cescon e Nodari (2011: 138) refere que “é preciso criar uma formação
suficiente para se contrapor, na medida do possível, à manipulação midiática da propaganda
política ou da estetização da consciência, como é o caso do consumismo”.
A teoria habermasiana pressupõe o desenvolvimento da subjectividade dos indivíduos em
relação à sua intersubjectividade. Desse modo, a aprendizagem social torna-se uma questão de
formação da identidade, uma educação para a maturação.
Segundo Habermas, “ o saber argumentar e fundamentar as afirmações e acções que se
realizam está relacionada com o aprender” (Habermas, 1999: 254).
Podemos levantar uma questão: como é possível gerar uma competência comunicativa
nos habitantes das cidades com todo estresse, violência, complexidade e pluralidade linguística e
simbólica, bem como com seu relativismo de valores? Ou por outra, como obtermos estruturas
democráticas em ambientes de burocratização excessiva, corrupção e dominação política?
Habermas considera que os seres humanos devem trabalhar constantemente para crescer,
tanto em âmbito pessoal, como comunitário. Por sua vez, os seres humanos são inovadores,
iniciadores de transformações originais, tanto a nível de conhecimento objectivo, de seu mundo
social, quanto em sua própria realidade pessoal.
O valor do pensamento habermasiano para a cultura urbana está no facto de os habitantes
das cidades poderem desenvolver modos de organização consensuais, nos quais se expresse o
carácter intersubjectivo da verdade, da validade das normas e do desenvolvimento pessoal de
cada indivíduo (cfr. Cescon e Nodari, 2011: 140).
O desafio que nos é colocado é criar um discurso sobre a moçambicanidade não só como
um fim a atingir, mas sobretudo como um valor. “A moçambicanidade como valor deve ser o
substrato axiológico sob a qual se deve basear a construção de todo o sistema de educação em
Moçambique” (Castiano et all, 2005: 287).
As escolas e universidades devem criar espaços de confrontação entre os estudantes e os
textos culturais, interculturas e multiculturais, com os três níveis de intersubjectivação ou
diálogo. Isto significa que, a filosofia deve ser auto-reflexiva, onde reflectimos sobre as
condições epistémicas da própria filosofia africana, por forma a criar e desenvolver espaços de
intersubjectivação e de interculturalidade.
Para que a filosofia profissional africana ganhe mais espaço de intersubjectivação é
necessário entrar num segundo nível do encontro intercultural: o do diálogo intercultural. O que
está por detrás deste diálogo do tipo intercultural é a possibilidade da abertura conceptual por
parte da própria filosofia, por forma a adoptar novos quadros teóricos que possam ser
enquadrados o sugeridos pelos contextos culturais (Cfr. Castiano, 2010: 236).
De facto, o nosso autor alerta-nos que,
o que pode impedir o desenvolvimento da ciência em África, sobretudo entre os jovens
pesquisadores, pode ser a falta de oportunidades de se confrontarem teoricamente com
modelos ou ídolos africanos na história de hoje. Esta falta é devida, em parte, à
marginalização deliberada dos negros africanos na história em geral, e na história das
descobertas científicas em particular (Idem, 2010: 245).
O êxito da democracia urbana e de manifestações fundamentais para a vida nas cidades
africanas, depende, em grande medida, da educação, onde os indivíduos têm a possibilidade de
dilogar e interagire com competências comunicativas suficientes para participar em processos
consensuais.
De acordo com Chaui et all (2000: 143), o séc. XX deixou, entre outros, um legado
fundamental: a educação da cidadania, assim como os direitos, requisitos fundamentais para a
consolidação e o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e democrática. Que a filosofia,
educação, cultura e democracia se vinculam entre si, não temos dúvidas; o problema que está
patente é de percebermos sobre quais fundamentos se define tal vínculo, que tipo de educação se
relaciona com que tipo de filosofia, de cidadania, de direito, de sociedade, de justiça ou de
democracia.
Sendo assim, educar para o exercício da cidadania significaria transmitir a todos os
direitos que formalmente lhes são reconhecidos. Esta formação é um verdadeiro desafio ético e
político.
Portanto, o desenvolvimento de uma sociedade moralmente estruturada fundamenta-se na
igualdade, na democracia, na autonomia e na liberdade, que são requisitos indispensáveis para a
cidadania.
Em suma, a teoria do agir comunicativo requer a formação de instituições adequadas. A
educação pode contribuir bastante para que os habitantes das cidades se distingam por sua
capacidade de diálogo e de reconhecimento mútuo como sujeitos que dialogam e interagem. A
educação comunicativa pode tornar-se, assim, um factor de esperança para a melhoria da
realidade urbana africana e moçambicana em particular.
II- Considerações finais
A teoria do agir comunicativo, sustentada em um conceito de racionalidade
intersubjectiva atinge a verdade com a construção participativa e consensual da vida social e da
formação da identidade dos indivíduos através da linguagem e da interacção simbólica.
Contudo, a teoria do agir comunicativo pode ser uma grande ferramenta a promover nas
grandes cidades africanas, criando deste modo, espaços que potenciem a comunicação, processos
de participação social orientados pela busca comum e da ordem comum, bem como o
desenvolvimento dos indivíduos em suas competências linguísticas e de análise crítica.
Para isso, propomos que se criem urgentemente modelos educativos locais que
respondam aos princípios da racionalidade comunicativa, com o apoio de instituições e com
políticas de desenvolvimento que tornem acessível uma educação adequada a todos os habitantes
da cidade, especialmente os mais marginalizados.
Desta forma, apelamos que para a formação duma sociedade com cultura urbana, sejam
criados espaços educativos nos quais os sujeitos sociais sejam capazes de questionar, de pensar,
de assumir e também, é claro, de submeter à crítica os valores, as normas, leis e direitos morais
pertencentes a indivíduos, a grupos e a comunidades, inclusive os seus próprios (Cfr. De
Azevedo et all, 2000: 87)..
Um outro grande desafio que nos espera hoje, que tem sido ponto da minha reflexão e
que me faz assustar com o que vejo. Não vejo apenas professores, sindicalistas, lutando nas ruas
por salários, por participação política; vejo muita gente lutando por emprego, vejo muitos pais de
família assustados com o desemprego; muitos jovens sem horizontes de emprego, apesar de
tirarem um “canudo” na universidade; vejo muitos adolescentes trabalhando nas ruas, no campo,
roubando, dormindo nas ruas, vejo uma verdadeira exclusão social. Estamos em tempos não de
luta pela cidadania, mas de luta pela inclusão social diante de tanta exclusão.
Para terminar com esta comunicação, lançamos um desafio às nossas escolas e
universidades para auxiliarem na formação íntegra de cidadãos, analisando os tipos de conteúdos
que estão sendo leccionados, as actividades extra-curriculares, de modo a estimular certas
modalidades de engajamento político, social e cultural. Temos que repensar sobre as nossas
próprias práticas.
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