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FIGURAS DE LINGUAGEM NA POESIA DE CECÍLIA MEIRELES
Eliara Silva Sant’Ana Parro1
Luzia Aparecida Berloffa Tofalini2
Eu canto porque o instante existe
E a minha vida está completa. Não sou alegre nem triste: Sou poeta. (Cecília Meireles)
Resumo
Este artigo vem relatar o resultado do trabalho do PDE, Programa de Desenvolvimento
Educacional, junto aos alunos do Ensino de Jovens e Adultos do Ensino Médio da
Cidade de Umuarama. O trabalho partiu da diferença do sentido denotativo e
conotativo. Após trabalhar a diferença, a partir do sentido conotativo, passando por
provérbio e ditados populares, chegou-se às figuras de linguagem e sua classificação.
Nas próximas aulas os alunos conheceram a poeta Cecília Meireles e vários de seus
poemas e através do conhecimento das figuras de linguagem, puderam enxergar toda
riqueza e profundidade que seus poemas carregam. O trabalho em todo o tempo foi
ancorado nas teorias da Estética da Recepção de Hans Robert Jaus e Wolfgang Iser. À
medida que o trabalho foi-se desenvolvendo, notou-se um engajamento, despertando
nos alunos um olhar crítico, sensível e reflexivo, tornando-os leitores mais proficientes
e conseguindo até, no final, escreverem seus próprios poemas com algumas das figuras
de linguagem aprendidas, ampliando e enriquecendo assim, seus horizontes de
expectativas.
Palavras chaves: leitura, Cecília Meireles, poemas, figuras de linguagem.
Abstract
This article is to report the result of the work of the PDE, Educational Development
Program, along with students of Education Youth and Adult High School City
Umuarama. The work stemmed from the difference of denotative and connotative. After
working a difference from the connotative sense through proverbs and sayings, arrived
at the figures of speech and its rating. In the coming school students met the poet
Ceciília Meireles and several of her poems and through knowledge of figures of speech,
could see all the wealth and depth that her poems carry. The work on all the time was
anchored in theories of A Esthetic Reception of Hans Robert Jaus and Wolfgang Iser.
As the work has developed, there has been an engagement, awakening in students a
critical, sensitive and reflective, making them more proficient readers and getting up at
the end, write their own poems with some figurative language learned broadening and
enriching, their horizons of expectations.
Keywords: reading, Cecília Meireles, poems, figures of speech.
1 A autora é Especialista em Literatura Brasileira pela Universidade Paranaense - UNIPAR−PR. e
professora de Língua Portuguesa e Literatura. 2 A orientadora é Doutora em Letras pela Universidade Estadual Paulista - UNESP – Assis - e docente da
UEM - Universidade Estadual de Maringá.
1 INTRODUÇÃO
“A Literatura possui um caráter humano e histórico. Ela é imitação (mimesis) da realidade, afirma Aristóteles em sua Poética. Ela “representa a vida e a vida é, em larga medida, uma realidade social, não obstante o mundo interior ou objetivo do indivíduo ter sido, também, objeto de imitação literária” (WELLEK, 1971, p. 85). O texto literário, todavia, depende de uma “chave” para ser penetrado e o segredo da fechadura deve ser descoberto. O professor de Literatura conhece o segredo dessa fechadura. É ele que incentiva e que demonstra os códigos literários, através de situações de aprendizagem. No seu íntimo, o professor de literatura sabe que não é necessário se apoderar de arsenais bélicos para transformar o mundo, porque a arte é o seu grande instrumento capaz de
intervir sobre a realidade”. (Luzia Aparecida BerloffaTofalini. In: Primeiros Voos)
O presente trabalho apresenta resultados do projeto de intervenção pedagógica
desenvolvidos no Colégio Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos da cidade
de Umuarama-Pr, pela professora participante do Programa de Desenvolvimento
Educacional- PDE-Paraná da turma de 2010.
Ler é um mecanismo prazeroso e que ao mesmo tempo desenvolve ou nos
acrescenta uma sensibilidade maior, um olhar mais atento e crítico às coisas e fatos que
estão ao nosso redor. Conhecer Cecília Meireles e suas poesias constitui um mergulho a
um mundo literário rico, amplo e profundo. As intenções deste trabalho foram: a partir
do ponto em que os discentes conhecessem as poesias, conhecessem também algumas
figuras de linguagem, sabendo reconhecê-las nos poemas e que isso causasse uma
diferença, cativando-os para um aproveitamento e sabor maior de suas leituras;
conhecendo Cecília Meireles e algumas de suas poesias e, por meio do conhecimento
destas ferramentas tão ricas, que são as figuras de linguagem, os alunos pudessem ter
uma oportunidade de ler seus poemas com um conhecimento e discernimento mais
profundo; ao lerem textos artísticos de Cecília Meireles, essas poesias pudessem
alimentá-los tanto no intelecto como na alma, pois a poesia também tem esta função,
como a própria Cecília Meireles (2003, p. 41) afirmou: “Acordar a criatura humana
dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida
em profundidade”.
As metas deste trabalho consistiram em que, por etapas, os discentes conhecessem
um pouco da vida dessa poeta, as figuras de linguagem utilizadas em seus textos e, num
futuro próximo e em outras esferas de suas vidas, saibam reconhecê-las em outros
textos e também usá-las com êxito em sua oralidade. Que possam utilizá-las como
recursos de falas, pensamentos e ideias, além de reconhecê-las no discurso do outro.
Há, de fato, elementos nas entrelinhas das poesias que somente virão à luz do
entendimento do aluno com o conhecimento das figuras de linguagem. Tal compreensão
deverá trazer como consequência o prazer de ler textos literários. As Diretrizes
Curriculares (2008, p.72) afirmam que numa atividade de leitura com o texto poético, é
preciso observar o seu valor estético, o seu conteúdo temático, dialogar com os
sentimentos revelados, as suas figuras de linguagem, as intenções.
Ancorado nas teorias da Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss e Wolfgang
Iser, as atividades focalizaram o trabalho com as figuras de linguagem presentes nos
textos poéticos da escritora. Após os alunos enxergá-las no texto, esperou-se que os
mesmos adquirissem capacidade e enriquecimento no sentido de ler o denotativo, o
conotativo e o que está, muitas vezes, implícito no texto. Sempre lembrando que,
dependendo do horizonte de expectativas de cada aluno, as leituras e assimilações
também foram diferentes, indo do superficial ao mais profundo do enxergar, dos
enlevos e sentimentos. De fato, diante de horizontes de expectativa tão diferentes, cada
aluno apreendeu os poemas à sua maneira. Cada um teve sua experiência de
modificação, ampliação e enriquecimento de seus horizontes de expectativas. É que
Cada leitor, na individualidade de sua vida, vai entrelaçando o
significado pessoal de suas leituras com os vários significados que, ao
longo da história de um texto, este foi acumulando. Cada leitor tem a
história de suas leituras, cada texto, a história das suas.
Leitor maduro é aquele que, em contato com o texto novo, faz
convergir para o significado deste o significado de todos os textos que
leu. E, conhecedor das interpretações que um texto já recebeu, é livre
para aceitá-las ou recusá-las, e capaz de sobrepor a elas a interpretação
que nasce de seu diálogo com o texto. Em resumo, o significado de
um novo texto afasta, afeta e redimensiona o significado de todos os
textos (LAJOLO,1997, p.106 e 107).
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 A crise da leitura nas escolas
Na escola, contemporaneamente, observa-se uma grande resistência à leitura por
parte dos alunos, além de dificuldades de concentração, certa animosidade para
investigar conteúdos textuais e recolher de pistas que possam aprofundar o
conhecimento relacionado a textos literários. O Projeto de Implementação na Escola, do
qual este artigo faz parte, objetivou trabalhar na contramão dessa realidade, trazendo
uma parcela das obras de arte (poesias de Cecília Meireles), da teoria da literatura
(teoria do verso) e do conhecimento das possibilidades linguísticas (figuras de
linguagem), visando a contribuir para o desenvolvimento da leitura por parte dos
discentes. Maria Lopes (2006, p. 78), refletindo acerca do crescimento na área
educacional, entende que “um projeto, isoladamente, não vai transformar o aluno num
leitor proficiente da noite para o dia, mas é um passo à frente”. Eis aí o principal
elemento que inspirou a realização do Projeto de Intervenção.
A leitura traz consigo o prazer, desenvolve a criticidade, aguça a sensibilidades e os
olhares perspicazes, não apenas em relação ao texto, mas frente à própria vida. Entretanto, esse
mecanismo tão prazeroso − e que “causa” tantos aspectos e acrescentamentos positivos −, vêm
se perdendo aos poucos nas últimas décadas. Os motivos podem ser vários: ausência de
exemplos em casa; falta de incentivo e de direção; escassez de incentivo pela sociedade e pela
mídia que apenas joga ou apresenta pacotes e programas tão instantâneos e fáceis de serem
assimilados que são apagados da mente tão rapidamente como vêm.
É, de fato, uma luta árdua apresentar e trabalhar textos literários, hoje, com os alunos. A
literatura não é um programa televisivo que pode ser ligado e desligado da memória, da
imaginação e da reflexão. Não é algo chocante e instantâneo que pode surgir e sumir a qualquer
momento. Pelo contrário, é algo profundo, formado pelo homem e não se fecha em si mesma.
Ela está intrinsecamente ligada à vida e à sociedade (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008,
p.. 57) e, ademais, perpetua-se através dos anos e de épocas diferentes. Move-se e atravessa
vários campos: o cultural, o linguístico, o artístico, o econômico, o político, o religioso, e,
principalmente, o ideológico. É uma prática aberta, movimenta-se tanto em direção ao exterior
(tempo, local, características históricas, visual, etc.), quanto no mundo interno do leitor, na
medida em que este permitir. A atitude do leitor é de fundamental importância para o
desenvolvimento das habilidades do ser humano no que concerne à literatura. Com efeito,
É na posição do leitor que se encontram as credenciais mais fortes
para quem quer discutir o perfil do indivíduo que, livro aberto nas
mãos, no silêncio de sua leitura, pergunta ao escritor que não pode
esquivar-se da resposta: trouxeste a chave? Com ou sem chave, leitor
e escritor são faces da mesma moeda, não obstante as quedas-de-braço
em que às vezes ambos se confrontam (LAJOLO, 1997, p. 33).
É importante enfatizar que o mundo do leitor, de acordo com suas experiências, encontra
na literatura uma alavanca para acréscimos e transformações. Para Antonio Candido (Apud
DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p. 57), “a literatura é vista como arte que transforma/
humaniza o homem e a sociedade”. O texto literário, de acordo com as teorias da Estética da
recepção, encontra-se vazado por vazios, lacunas à espera de preenchimento por meio da
mundividência do leitor. Sem dúvida,
O texto literário permite múltiplas interpretações, uma vez que é na
recepção que ele significa. No entanto, não está aberto a qualquer
interpretação. O texto é carregado de pistas/estruturas de apelo, as
quais direcionam o leitor, orientando-o para uma leitura coerente.
Além disso, o texto traz lacunas, vazios, que serão preenchidos
conforme o conhecimento de mundo, as experiências de vida, as
ideologias, as crenças, os valores, etc., que o leitor carrega consigo
(DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p. 59).
A leitura de textos literários requer um envolvimento entre obra, autor e leitor. Só nessa
tríplice relação – em que cada um dos elementos traz a sua própria visão de mundo – é que a
obra se realiza. Wolfang Iser (1979, p. 83) postula que a leitura, “como atividade comandada
pelo texto, [...] une o processamento do texto ao efeito sobre o leitor. Esta influência recíproca é
descrita como interação”. Assim, o texto artístico provoca no leitor uma quebra de horizontes de
expectativas e acrescenta outros horizontes. Por outro lado, a obra ganha acréscimos conferidos
pelo leitor. É que “aquele que lê amplia seu universo, mas amplia também o universo da obra a
partir da sua experiência cultural” (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p. 58).
Além disso, a literatura possui funções que podem ser divididas em três: a psicológica, a
formadora e a social. É na psicológica que o leitor pode viajar e se enriquecer com mundos
diferentes, identificar-se e refletir com a obra. A segunda serve como meio de educação,
mostrando um mundo ao homem, que não é o dominante. E finalmente, a função social mostra o
homem de diferentes meios e regiões (Cf. CANDIDO apud DIRETRIZES CURRICULARES,
2008).
Ancorado nas teorias da Estética da Recepção e especialmente na Teoria do Efeito, o
projeto pretendeu, em primeiro lugar, oferecer meios para que os alunos pudessem interagir com
os poemas escolhidos de Cecília Meireles e, consequentemente, ampliar sua capacidade de
compreensão e interpretação para, mais tarde, terem subsídios para refletir sobre os mundos
apresentados em outros textos com os quais se depararão em sua vida. Em outras palavras,
almejou a obtenção de resultados que promovessem o crescimento intelectual dos alunos para
que eles tivessem bases mais fortes e permanentes para outros tipos de leituras, outros gêneros,
outros livros, uma vez que “o aluno torna-se agente de aprendizagem, determinando ele mesmo
a continuidade do processo, num constante enriquecimento cultural e social” (AGUIAR;
BORDINI, 1993, p. 91).
2.2 O gênero da poesia
A escola brasileira do século XXI apresenta grandes desafios. A transformação dessa
realidade constitui imensa tarefa à qual um projeto sozinho é incapaz de fazer frente. Todavia, é
na união de esforços, por parte dos educadores, e na implementação de projetos sérios que se
encontra a construção de um ensino-aprendizagem que visa ao desenvolvimento da capacidade
leitora do indivíduo. Um trabalho de leitura pensado sob o ponto de vista das teorias da Estética
da Recepção traz consigo a profundidade da interação entre leitor, obra e autor, porque prima
pela leveza da liberdade de despertar sentidos novos no pensamento do leitor, despertando
sentimentos e provocando atitudes. Neste sentido, Bordini e Aguiar postulam que ler “é imergir
num universo imaginário, gratuito, mas organizado, carregado de pistas as quais o leitor vai
assumir o compromisso de seguir, se quiser levar sua leitura, isto é, seu jogo literário a termo”
(AGUIAR; BORDINI, 1993, p. 27).
É justamente por tal motivo que foi escolhido o gênero da poesia para o trabalho
com os discentes. A poesia, de acordo com Shelley (2008, p.89), age “de maneira divina
e misteriosa, além e acima da consciência”, alargando “a própria mente por fazê-la o
receptáculo de mil combinações de pensamentos misteriosos”. É algo tão grandioso que
permite estabelecer uma mistura e uma troca dos sentidos daquilo que está explícito nas
palavras e do que está além das palavras e que habita as entrelinhas do texto. Trata-se
dos sentidos figurados que são descobertos pelo leitor conforme sua experiência,
expectativa e bagagem com as quais ele chega até a poesia. Ao mesmo tempo, que a
poesia é profunda, varrendo o superficial e marcando a alma e o intelecto de seu leitor. A ela é
dado o condão de provocar no leitor, pela leveza de sua ação libertadora, o acordar e o enxergar
sentidos mais amplos dentro e fora do texto, pois como afirmou Cecília Meireles (2003 p. 42),
“Foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em
combinação tão harmoniosa”.
Há, de fato, elementos nas entrelinhas da poesia que somente virão à luz do
entendimento do discente com o conhecimento das figuras de linguagem. Tal compreensão trará
como consequência o prazer de ler textos literários. As Diretrizes Curriculares (2008, p. 72)
ensinam que numa atividade de leitura com o texto poético, é preciso observar o seu valor
estético, o seu conteúdo temático, dialogar com os sentimentos revelados, as suas figuras de
linguagem, as intenções.
Dentro da poesia, encontra-se uma multiplicidade temática que vai desde uma visão de
mundo particular e coletiva, variedades de sensações e visões, transitoriedade ou permanência
da vida, até a metalinguagem configurada na musicalidade e no lirismo do próprio texto. Assim
é a poesia. Através de palavras, o leitor é levado para outros mundos, mundos imaginários,
imitações do real, e ao mesmo tempo estão tão perto da realidade. A poesia exige sensibilidade.
Assim, para descobrir os seus segredos sugeridos por ela é “preciso ver e ouvir para além do
objeto, ir até ao que ele significa, até ao que ele sugere” (COCHOFEL, 1980, p. 97).
As Diretrizes Curriculares (2008, p. 76) explicam que quando escolhemos trabalhar o
gênero poesia em sala de aula, devemos ver quais são as partes às quais se devem dar ênfase. Há
poemas que, se não for dada ênfase na leitura, podem não ser bem interpretados nem
compreendidos. Outros precisam que o vocabulário seja trabalhado para serem bem entendidos,
outros já necessitam um prévio estudo do seu contexto histórico para serem compreendidos.
Cabe então ao professor, no trabalho com poemas, verificar quais os recursos que precisam ser
reforçados para que o texto possa atingir o máximo de seu leque de possibilidades. Assim,
poesia não pode ser trabalhada de qualquer forma. É imprescindível que o professor goste do
gênero e, além disso, precisa estar munido de conhecimentos e sensibilidades.
Em poesia, a linguagem é tão única que se renova e se forma a cada texto, com cada
autor e com cada um dos leitores (Cf. GEBARA, 2002, p. 33). Por isso, o discurso poético é
profundo e os significados passam além daquilo que, numa primeira leitura, parece explícito. De
acordo com a experiência de cada leitor, o implícito também é desvendado, uma vez que está,
muitas vezes, com as roupagens conotativas. A poesia é um canal aberto que leva o leitor até
onde sua mente e alma permitirem. Soares Amora (1971, p. 74-75) relembra que poesia é o
“estado emotivo” ou “lírico” do poeta, no momento da criação do poema, o “estado lírico
reviverá na alma do leitor se este lograr transformar o poema em poesia”. Eis o motivo pelo qual
este projeto é tão relevante, pois as figuras de linguagem são canais de expressão do poeta para
externar sentimentos mais íntimos. Neste sentido,
Uma observação importante: figuras de linguagem ou de estilo são
modos de falar e escrever que dão mais beleza, graça e força à
expressão. Ao estudá-las, não nos limitemos a decorar nomes apenas.
Procuremos antes entendê-las, saborear-lhes o sentido conotativo e, o
que é muito importante, recolhê-las das nossas leituras literárias para
depois empregá-las em nossa comunicação escrita e oral (CADORE,
2003, p. 36).
Poesia é arte. Sua beleza é revelada no momento que mexe com a nossa sensibilidade:
“O que chamamos de belo não é, pois, senão, o que na realidade afeta a nossa sensibilidade...”
(COCHOFEL, 1980, p. 25). Essa arte imita o belo da vida, o belo no sentido de ser profundo, de
envolver e de sensibilizar. Muitas vezes, o belo na poesia é conseguir ver o triste da vida e
denunciar. E assim é a poesia. Escolhe e usa as palavras de uma maneira que conquiste o leitor e
o envolva para acordar e direcionar seus olhos para outros mundos, mundos sonhados e
idealizados que imitam e, ao mesmo tempo, ficam tão perto do real.
Frequentemente, ao ler poesias, é necessário além de encontrar o que está explícito,
enxergar também o misterioso escondido nas entrelinhas e que só se enxerga por meio do
sentido conotativo e das figuras de linguagem. Notamos que na escola, o aluno ainda não
consegue ver a poesia e descobrir sentidos mais profundos nela. É preciso apresentá-la e
trabalhar muito bem a linguagem para que o aluno tenha uma experiência sensível e descubra o
que ela quer marcar e sugerir. É, entretanto, necessário ter em mente que as leituras podem ser
diferentes, dependendo da bagagem com que cada aluno chega até o poema, indo de um
extremo ao outro; dependendo da experiência de cada um: move-se do superficial ao mais
profundo do enxergar. Devido a toda essa riqueza que a poesia traz é que foram escolhidos
poemas da escritora Cecília Meireles.
Cecília Meireles nasceu em 1901 no Rio de Janeiro e morreu na mesma cidade em
1964. A morte e a brevidade da vida sempre a cercaram, pois antes mesmo dos três anos de
idade, já tinha perdido irmãos, o pai e a mãe, passando a ser criada por sua avó materna. Três de
seus quatro avôs eram portugueses e seu primeiro marido também. Nisso se explica a influência
da literatura lusa em sua vida. Casou-se por duas vezes. A primeira em 1922, com o artista
plástico Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Tendo ficado viúva, mais tarde em
1940, casou-se pela segunda vez com o agrônomo e professor Heitor Grillo. Foi uma pessoa
ativa: leu, estudou, foi professora, poeta, escritora, jornalista, elaborou a primeira biblioteca
infantil e, a partir de certa época de sua vida, viajou para muitos países, passando a conhecer
regiões e culturas diferentes. Devido aos acontecimentos de sua vida, das coisas que não
escolheu, mas lhes foram inevitáveis e das que buscou e escolheu, foi surgindo uma mulher
sensível e extraordinária para a nossa literatura, com olhares atentos e sensíveis para tudo ao seu
redor: pessoas, coisas e fatos. Assim disse Paulo Mendes Campos de seus poemas: “Só há uma
monotonia em Cecília Meireles: é a inacreditável qualidade de seus versos” (CAMPOS, 2003,
p. 7).
Cecília enxergou o mundo: as cores, as sensações, a transitoriedade, a efemeridade, a
eternidade, a leveza e a profundidade e os trouxe, com enorme riqueza de vocabulário e figuras
de linguagem, para seus poemas. Há uma valiosa mistura em suas poesias de tudo que existe e
que se vê. Damasceno (2003, p. 32) faz uma análise dessa poesia:
De representação multiforme na poesia de Cecília Meireles, a
natureza, de modo geral, não se dissocia da presença humana: o dia, a
noite, crepúsculos, madrugada e manhãs, o campo, o mar e jardins têm
seus povoadores: os pássaros, as borboletas, os bois, os peixes, as
crianças; nessa natureza mercam-se as coisas, trabalham os rústicos,
enterra-se a menina e há gente que canta, gente que chora e serve a
gleba.
Mesmo coisas que parecem negativas e tristes, como o silêncio e a solidão, ela os
transformou em aliados para alcançar os mistérios e segredos da vida e trouxe para suas poesias.
Em seus poemas, o leitor encontra o encanto e sedução, através de temas e da escolha das
palavras, muitas vezes usando de um sentido mais rico e amplo, que é o sentido figurado. Todos
esses elementos colocam a poeta como uma de nossas melhores representantes. Com efeito, “a
mestria com que Cecília Meireles capta assim a realidade, reinventando-a liricamente, é
reconhecida pelo conjunto da crítica brasileira e portuguesa. Para a maioria, de resto, ela está
entre os maiores poetas de nossa língua (NETO, 1997, p. 12).
2.3 A Estética da Recepção
Na década de 60, Hans Robert Jauss difundiu suas concepções teóricas
relacionadas à recepção do texto literário. Segundo ele, a “experiência da leitura logra
libertar o leitor das opressões dos dilemas de sua práxis de vida, na medida em que o
obriga a uma nova percepção das coisas”. Para esse teórico,
A qualidade ou o valor de uma obra literária não podem ser medidos ou
apreciados ou a partir das condições históricas ou biográficas de sua
origem ou do lugar que ela ocupa no desenvolvimento de um gênero.
Para ele, a qualidade e a categoria estética de um texto vêm dos critérios
de recepção, do efeito produzido pela obra e de sua fama junto à
posteridade (JAUSS, 1994, p.7).
Na mesma época, e em concordância com as concepções de Jauss, Wolfgang
Iser divulga sua Teoria do Efeito Estético. Trata-se de uma reflexão sobre o que a obra
literária provoca no leitor durante a recepção e, mais precisamente, acerca do seu
resultado estético sobre o leitor. Iser desenvolve os conceitos de “estruturas de apelo”,
“leitor implícito” e “vazios do texto”. Eis o motivo pelo qual cada experiência de leitura
é única, pois cada leitor é diferente do outro e traz consigo o seu “mundo” ao chegar ao
texto, havendo sempre uma interação e negociação entre autor, obra e leitor. Para Iser
(1996, p. 78), “mesmo que o papel nos capte inteiramente, sentimos no final da leitura a
vontade de relacionar essa experiência estranha ao horizonte de nossas ideias; esse
horizonte dirigiu, de forma latente, nossa disposição de responder ao texto.”
Para Iser, todo texto é significativo, mas seu sentido é sempre determinado pelo
leitor, porque só ele pode preencher os vazios, as lacunas presentes no mesmo. É que
quando o leitor chega ao texto literário, ele não vem sozinho, pelo contrário, “o sujeito,
ao defrontar-se com o texto, traz consigo toda sua bagagem de experiências linguísticas
e sociais” (AGUIAR; BORDINI, 1993), ou seja, carrega com ele as suas experiências,
suas expectativas e saberes, ou até mesmo, a falta deles. Além disso, o próprio texto
pode sofrer diferenças, no decorrer de épocas históricas diferentes, pode mudar o seu
aspecto e valor. Ele não é algo fechado em si mesmo, mas se move e se transforma para
atender ao outro, o leitor, dentro de momentos históricos diferentes. A “possibilidade de
diferentes leituras em diferentes épocas existe justamente porque a obra permanece para
além do seu tempo de produção e interage com os sistemas ideológicos de diferentes
momentos históricos” (AGUIAR; BORDINI, 1993, p. 135).
A teoria do Efeito postula que os textos artístico-literários são pulverizados por
vazios, por lacunas, que o leitor preenche no ato de leitura. Trata-se de um processo
interativo entre o leitor e o texto. É que “aquele que lê amplia seu universo, mas amplia
também o universo da obra a partir da sua experiência cultural” (DIRETRIZES
CURRICULARES, 2008, p. 58). No momento em que o leitor lê, posiciona-se, fazendo
comparações com outros textos já lidos, produzindo um movimento de interação que lhe
possibilita vislumbrar uma nova maneira de assimilar o texto literário e é nesse ponto
que a teoria da Estética da Recepção vem dar sua colaboração (Cf. ZAPPONI, 2009).
Para Zappone,
O ponto positivo dessa teoria é o de dar ao texto literário uma nova
visão, ou seja, mais autonomia por parte do leitor, que propõe deixar
de lado a intenção do autor, levando em conta a representatividade do
leitor mediante o texto literário partindo do próprio texto, sugerindo
novas possibilidades de leitura, compreensão, análise, interpretação,
bem como o fato de o mesmo preencher os vazios que o texto literário
traz.
De fato, a literatura é formada pelo homem e não se fecha em si mesma. Ela está
intrinsecamente ligada à vida e ao social (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008,
p.57), perpetua-se através dos anos e épocas diferentes, move-se em vários campos: a
cultura, a linguagem, a arte, a economia e outros. É uma prática aberta, move-se tanto
no exterior (tempo, local, características históricas, visual, etc.) como no interior (vozes
interiores, percepções, alma, intelecto, vivência, etc.), movendo-se até onde o mundo
interno do leitor permitir. Assim, o mundo do leitor encontra na literatura uma alavanca
para acréscimos e transformações. Para Antonio Candido (Apud DIRETRIZES
CURRICULARES, 2008, p.57), “a literatura é vista como arte que
transforma/humaniza o homem e a sociedade.” E os espaços brancos do texto podem ser
preenchidos pela experiência de vida do leitor. Na verdade,
O texto literário permite múltiplas interpretações, uma vez que é na
recepção que ele significa. No entanto, não está aberto a qualquer
interpretação. O texto é carregado de pistas/estruturas de apelo, as
quais direcionam o leitor, orientando-o para uma leitura coerente.
Além disso, o texto traz lacunas, vazios, que serão preenchidos
conforme o conhecimento de mundo, as experiências de vida, as
ideologias, as crenças, os valores, etc., que o leitor carrega consigo
(DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p.59).
Nas Diretrizes Curriculares, Eagleton (1983) comenta que é difícil definir
literatura porque ela é variável, depende do significado em que cada leitor dá à
literatura, pois ela acontece na sua recepção. Trata-se da trilogia autor-obra-leitor. As
teorias da Estética da Recepção deixaram para trás a ideia de que a dualidade obra-leitor
bastava para a realização do texto literário e incluíram o leitor nessa dinâmica. Para
essas teorias, a obra literária só se realiza no momento em que o leitor soma ao texto
toda a sua mundividência. Dessa forma, o leitor se torna coautor do texto.
Ler é, portanto, atribuir significados ao texto. Tais sentidos só são possíveis pela
compreensão e pela interação e diálogo entre leitor e texto, ou seja, “dar sentido a um
texto implica sempre levar em conta a situação desse texto e de seu leitor” e, ainda, “a
leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido” (MARTINS, 1994,
p.33). Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos que circulam socialmente,
aqueles que podem atender a suas necessidades, conseguindo estabelecer as estratégias
adequadas para abordar tais textos. O leitor hábil “tem capacidade de ler as entrelinhas,
identificando, a partir do que está escrito, elementos implícitos, estabelecendo relações
entre o texto e seus conhecimentos prévios ou entre o texto e outros textos já lidos”
(PCN, 1998, p.70).
Quando falamos em “horizontes” do leitor, mesmo sabendo que são suas prévias
experiências de como ele chega ao texto, devemos lembrar que a intenção da leitura é de
que esse horizonte mude, alongue-se e enriqueça-se. Mesmo sabendo que de início isso
possa incomodar e trazer uma “estranheza” do “difícil” e do novo, esperamos sempre
que haja uma transformação, que o leitor saia diferente de como ele veio até a obra. Iser
(1979, p. 88 e 89) se refere a esse problema em sua obra:
O aumento da dificuldade significa que as representações do leitor
devem ser abandonadas. Nesta correção, que o texto impõe, da
representação mobilizada, forma-se o horizonte de referência da
situação. Esta, ganha contornos que permitem ao próprio leitor
corrigir suas projeções. Só assim ele se torna capaz de experimentar
algo que não encontrava em seu horizonte.
Os efeitos da recepção são sentidos quando o leitor compara a obra com os
elementos de sua cultura e de seu meio. Leitura é um processo que projeta no leitor
aquilo que não está propriamente dito, mas por meio de alguma assimilação, o leitor
estabelece aquilo ao texto. E são as vivências do leitor, somadas às lacunas do texto
literário, que podem dar novos sentidos a ele, porque “quanto maior a quantidade de
vazios, tanto maior será o número de imagens construídas pelo leitor” (ISER, 1979, p.
110).
2.3 A Estética da Recepção como proposta metodológica
Partindo das Teorias da Estética da Recepção, as professoras Maria da Glória
Bordini e Vera Teixeira de Aguiar elaboraram o Método Recepcional, o qual é sugerido
nas Diretrizes como encaminhamento metodológico para o trabalho com a Literatura.
Foi esse o método escolhido para a realização do projeto de implementação na escola.
O Método Recepcional não submete o leitor ao mundo dominante, no qual
prevalecem sempre as mesmas ideias e uma passividade diante do que é imposto, uma
vez que “se a obra corrobora com o sistema de valores e normas do leitor, o horizonte
de expectativas desse permanece inalterado e sua posição psicológica é de conforto”
(AGUIAR; BORDINI, 1993, p. 84), ou seja, ele não se desinstala. Nesse método, o
leitor tem liberdade de compreensão e interpretação daquilo que lê. Ele é considerado e
seus horizontes de expectativa são valorizados. Por meio dessa metodologia, os alunos
têm maior facilidade de apreensão, porque são ajudados, com pistas e familiaridades, a
ampliar seus conhecimentos. Através desse processo, os horizontes de expectativa
podem ser modificados e alargados, fazendo do discente um leitor mais rico, mais
crítico e mais sensível. Assim,
Diante de um texto que se distancia de seu horizonte de expectativas,
o leitor, além de responder aos desafios por mera curiosidade ante o
novo, precisa adotar uma postura de disponibilidade, permitindo à
obra que atue sobre seu esquema de expectativas através das
estratégias textuais intencionadas para a veiculação de novas
convenções (AGUIAR; BORDINI, 1993, p. 84).
Aí está o motivo pelo qual se optou pelo Método Recepcional, para o Projeto de
Intervenção na Escola, pois o mesmo privilegia o aluno/leitor no processo de ensino-
aprendizagem. Para a realização das atividades propostas, portanto, foram seguidas as
etapas previstas no método, com base nas teorias da Estética da Recepção, sugeridas nas
DCEs da Língua Portuguesa (2008). O método constou de cinco etapas.
a- Determinação do horizonte de expectativas
No primeiro momento da implementação do material pedagógico, foi entregue
uma folha com vários conceitos sobre a leitura. Os alunos leram silenciosamente e
depois, cada um, por sua vez, leu em voz alta uma parte do texto. Discutimos sobre a
importância da leitura, seus efeitos e sua atuação. Com a ideia de que os textos
encontram-se vazados por lacunas e vazios, e que o leitor é que preenche tais espaços
com a sua mundividência, é que começamos o trabalho. Os discentes ouviram atentos e
foram muito receptivos, o que pôde ser percebido através de seu olhares e
comportamentos. No quadro, também foi passado um pouco de teoria sobre o gênero
poesia. Participaram lembrando-se de rimas, mas foi salientado que a poesia é livre,
podendo usar rimas ou não.
No decorrer de outras aulas, iniciou-se a averiguação dos seus “horizontes de
expectativas” em relação à leitura, compreensão, interpretação de poemas e aos recursos
utilizados nos textos, pela autora, já que a meta era chegar ao sentido conotativo e às figuras de
linguagem. Observamos que a turma apresentava-se de modo heterogêneo: alguns com mais
conhecimento e interesses do que outros.
Quando foram apresentados os ditados populares, todos copiaram em seus cadernos,
comentando sobre eles e discutindo acerca do sentido que cada um possuía. Como as salas do
CEEBJA não são numerosas, cada um teve sua vez de escolher um dos ditos e comentar sobre a
mensagem ali passada. Foi um momento agradável, por ser o dito popular presente em muitas
falas ditas e ouvidas, presentes na fala cotidiana, principalmente dos mais velhos, nos para-
choques de caminhões, folhetos, gibis, propagandas e haviam feito parte da infância de muitos.
A seguir, o trabalho foi realizado em grupos, devido aos provérbios alcançarem um grau
maior de significação e algumas palavras serem mais difíceis. Dividimos a turma em cinco
grupos e sorteamos um provérbio bíblico para cada turma. Munidos de dicionários, cada
componente das equipes escreveu em seu caderno o que haviam entendido, anotaram exemplos
que queriam dar, fizeram reflexões relacionadas ao conteúdo e comentários acerca do alcance
dos provérbios bíblicos para nossa vida. Nessa atividade alguns demoraram mais para assimilar
o conteúdo dos provérbios, mas depois, ajudados por outros da equipe, tudo fluiu.
A última atividade dessa etapa foi trabalhar com a poesia “Além da Imaginação”, de Ulisses
Tavares. Foi feita uma reflexão sobre o que leram e ouviram e exteriorizaram seus pontos de
vista sobre o que entenderam do poema. Nessa etapa, todos ─ alguns com mais esforço e outros
facilmente ─ conseguiram chegar aos significados dos textos trabalhados.
b- Atendimento do horizonte de expectativas
Após ter sido feita a sondagem sobre os conhecimentos e recepção quanto aos ditados,
provérbios bíblicos e poesia, iniciamos o trabalho com a música “Epitáfio” de Sérgio Brito/
Titãs, para reflexão e interação com a temática. Primeiro, ouviram o CD, depois cantaram
juntos. Vários não sabiam o significado do título e quando ficaram sabendo, assimilaram melhor
ainda a letra. Foi um trabalho muito gratificante, pois a letra da música é muito bela e a
mensagem é bem profunda. Após várias atividades, puderam refletir e interpretar o texto.
Nas aulas seguintes, foi comentado quem foi a poeta Cecília Meireles, a época em que
ela viveu e produziu sua obra. O poema inicial da poeta foi lido silenciosamente, depois em voz
alta, com a participação de alguns alunos, observaram se todas as palavras eram conhecidas. No
trabalho com essa poesia, já ocorreu um melhor desempenho, um melhor entendimento do
conteúdo do poema. Os alunos responderam várias questões a respeito do texto e perceberam
sua temática: um mundo distante, trazendo vozes, pessoas e elementos da natureza, de um
tempo já passado.
Nos dois textos, puderam entender sua temática. Evidentemente que alguns de um modo
mais profundo e significativo. No geral, porém, enxergaram a temática, a intenção da autora e
compreenderam que os textos faziam sentido para eles, acrescentando conhecimentos e
sentimentos.
c- Ruptura do horizonte de expectativas
Finalmente chegou-se à parte mais longa, em que foram ocupadas mais aulas, pois foi
nessa etapa que trabalhamos os conteúdos mais “diferentes e difíceis”, que foram as figuras de
linguagem. Apresentamos treze nomes e seus conceitos, com o intuito de que pudessem
enxergá-las, classificá-las e interpretá-las em frases.
Fizemos a diferenciação entre sentido denotativo e sentido conotativo. Após as
explicações ─ momento em que os alunos anotaram no caderno a parte teórica ─, trabalharam
com várias frases, reconhecendo e diferenciando o sentido denotativo do conotativo. Puderam
ver que o sentido conotativo ou figurado é uma ferramenta que utilizamos em muitos
momentos, que faz parte do vocabulário do dia-a-dia de todos e que deixa a comunicação mais
rica e acessível.
Nas aulas seguintes, conheceram as treze figuras de linguagem propostas: comparação,
metáfora, metonímia, catacrese, onomatopeia, perífrase, prosopopeia, apóstrofe, ironia,
hipérbole, eufemismo, antítese e pleonasmo. Mostraram-se bem atentos e observadores nas
explicações e nos reconhecimentos das mesmas, em frases e em partes de músicas conhecidas. É
evidente que alguns foram mais atentos e dedicados que outros, mas o trabalho foi muito
satisfatório, pois notamos que realmente puderam ver a força, ênfase e vida que as figuras dão
ao texto quando usadas apropriadamente.
Foi também apresentado o poema “Tempestade”, de Cecília Meireles. Uma poesia
muito rica, especialmente em relação à prosopopeia e à metonímia. Além da leitura silenciosa e
em voz alta, foram realizadas várias atividades de reconhecimento dos versos em que se fazia
uso das figuras de linguagem. Observamos, com satisfação, que vários deles já conseguiam
enxergar com facilidade a aplicação da prosopopeia e da metonímia e entender seus efeitos no
texto.
No encaminhar das atividades, também conseguiram internalizar o tema do poema
“Tempestade”, de uma maneira pessoal. Compreenderam que a tempestade que as rosas
sofreram podem se referir às crises, às lutas, aos problemas financeiros e às necessidades de
mudanças pelas quais o ser humano pode passar. Cada aluno externou como gostaria de ser
tratado se estivesse passando por momentos difíceis na vida. Assim, puderam refletir em como
o ser humano tem carência de ser tratado com dignidade ao passar por lutas e que, muitas vezes,
no correr diário não é isso que acontece.
Finalizamos essa etapa com uma ilustração feita em papel sulfite, usando lápis de cor,
imaginando como seria uma noite no jardim, com as rosas sendo surradas por uma grande
tempestade, à qual de uma maneira tão precisa e com tantos recursos, o poema se refere.
d- Questionamento do horizonte de expectativas
A turma foi organizada em seis equipes de mais ou menos quatro alunos em cada grupo e,
em seguida, distribuímos, para cada equipe, uma estrofe de poema de Cecília, contendo uma
figura de linguagem. Havia nessas estrofes, as seguintes figuras: antítese, metáfora, hipérbole,
pleonasmo, apóstrofe e comparação. Trabalhando juntos e discutindo, foram chegando às
respostas. Só tiveram dificuldades em uma delas, onde havia o exagero, portanto a hipérbole.
Percebemos que já havia uma grande sensibilidade nas reflexões e demonstrações do que
tinham aprendido sobre o sentido conotativo, sobre as figuras de linguagem e suas
classificações.
Para encerrar a etapa, foi feita uma atividade mais ampla: cada discente pegou um papel
surpresa, em que continha uma das treze figuras de linguagem aprendidas. O desafio era aplicar
o que tinham aprendido, criando uma frase, de preferência poética, fazendo uso da figura que
tinham tirado. Vários leram as frases, conseguindo fazer até pequenos trechos poéticos com a
figura de linguagem proposta. Constatamos que houve uma assimilação do conteúdo, que há
dias vinha sendo trabalhado: não só reconheciam as figuras de linguagem nos textos,
classificando-as, como também já as usavam para suas próprias criações.
e- Ampliação do horizonte de expectativas
Nessa etapa foram feitas atividades que mostraram que os horizontes dos alunos haviam
sido dilatados, ou seja, ampliados. Isso se deu, ao mostrarem, por meio das últimas atividades,
como estavam seguros de suas aquisições de conhecimentos. Em uma dessas aulas, os alunos
foram encaminhados ao Laboratório de Informática para pesquisar sobre aspectos da vida e da
obra de Cecília Meireles. Foi muito interessante, pois até esse momento todo o conteúdo vinha
até eles e, a partir daqui, já tinham conhecimento para fazerem suas próprias buscas, tinham
bagagem para saber o quê e como procurar. É evidente que em uma turma de mais de vinte
alunos, sempre têm aqueles que têm menos familiaridade com o computador. Esses alunos
foram ajudados pelos colegas, mas apenas nos passos relativos à máquina e não à pesquisa e
escolhas. Em sites previamente escolhidos ou em outros que escolheram, pesquisaram, por um
longo tempo, sobre a poeta Cecília Meireles, suas fotos, leram suas poesias, tanto quanto
puderam. Observaram seu estilo e sua maneira de escrever e procuraram figuras de linguagem
em seus poemas. Depois de várias leituras, cada um copiou uma poesia que mais lhe agradou e
que contemplava, pelo menos, uma figura de linguagem.
Como última atividade do projeto, depois de todo conteúdo adquirido até então, foi
pedido que escrevessem as suas próprias poesias, usando pelo menos duas figuras de linguagem.
Pensaram, rascunharam e fizeram as suas poesias. A maioria conseguiu escrever em linguagem
poética. Alguns fizeram mais rápido, outros demoraram um pouco mais. Somente uns dois ou
três deles tiveram mais dificuldades, não por terem uma dificuldade de aprendizado, mas por
faltar um pouco mais de compromisso em se concentrarem e se envolverem com a matéria.
Assim, ao término deste projeto, puderam ter suas próprias composições, compreendendo e
expondo o uso das figuras de linguagem em seus próprios trabalhos.
Percebemos que, nesse momento, cada aluno já carregava dentro de si um acréscimo de
novos conteúdos que os faziam ter um novo olhar para a poesia, sobre ditados populares, sobre
provérbios e outros textos. Observamos que todos os discentes haviam ampliado seus horizontes
de expectativa, o que lhes permite enxergar e trabalhar o sentido conotativo.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A implantação do Projeto de Intervenção na Escola ─ com os alunos do CEEBJA ─
versou sobre as figuras de linguagem nas poesias de Cecília Meireles. As atividades realizadas
demonstraram claramente a ampliação do horizonte de expectativas dos discentes. Apesar de a
turma apresentar-se heterogênea, uma vez que cada aluno chegou com horizontes (bagagens)
diferentes e com interesse e engajamento diferenciados, a maioria dos alunos apresentou bons
resultados, uma vez que há uma grande parte de pessoas adultas e que sabem que não têm tempo
a perder.
O desenvolvimento do projeto propiciou ao aluno um novo contato com a poesia,
ditados populares, provérbios e outros textos em geral. Os discentes puderam conhecer,
entender e aprender a usar esta ferramenta tão rica, que tem um alcance tão imenso e profundo,
que é o sentido conotativo. Sentido este que está por trás do sentido denotativo e que, tendo as
chaves do saber, como eles passaram a ter, poderão abrir um mundo sem limites e sem
fronteiras, com viagens, desde as mais suaves até as mais tocantes, que a literatura pode
proporcionar. Ter trabalhado as figuras de linguagem foi um trabalho compensador, devido à
comprovação das aquisições que os alunos passaram a ter. Tanto no sentido de enxergá-las,
compreendê-las e interpretá-las, como também no sentido de usá-las em suas próprias
composições. Houve um acréscimo, uma parcela a mais, pois chegaram de um jeito no início do
projeto e terminaram com horizontes muito mais amplos e mais ricos, preparados para novas
aquisições, pois sabemos que o aprendizado se dá com a soma de vários conteúdos e com o
envolvimento e dedicação tanto do educador quanto do educando. É como canta o poema:
“ Um galo sozinho não tece uma manhã;
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos”.
(João Cabral de Melo Neto. In: Poesias Completas)
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