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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO
Figura 11: Planta e Projeto de Santos, em 1910, feita pelo Eng. Saturnino de BritoFonte: http://www.novomilenio.inf.br/santos/ Acesso em 08 de março de 2008
Figura 12: Percurso natural do rio Tietê e a proposta de melhoramento.Fonte: ZUCCOLO (2000, contracapa fi nal).
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Adotando o princípio organicista do planejamento, ou a analogia da cidade com um orga-
nismo vivo que pressupõe a ação preventiva dos males que podem afetar a saúde, Saturnino
Brito defendia a tese de que é preciso educar o povo para se conquistar melhores condições
de higiene e saneamento. Porém, ainda que tivesse como prioridade as exigências higienis-
tas, sua abordagem não deixava de lado os princípios estéticos.
Importante lembrar que algumas das intervenções de Brito são hoje questionadas, como a
prática de dessecar pântanos e a introdução de eucaliptos para esse fi m.
2.1.2 Abordagens inovadoras: a contribuição de McHarg e Lyle
Nos Estados Unidos, os arquitetos paisagistas e professores Ian McHarg e John Lyle estão
bastante identifi cados com metodologias de planejamento e projeto articuladas aos princí-
pios ecológicos e de sustentabilidade, a partir das discussões sobre a conservação ambiental
iniciadas na década de 1960. Ambos tinham o objetivo de desvendar as características do
sítio, aprofundando-se para melhor conhecê-lo e se apropriando do potencial a ser nele
explorado.
Para Swaffi eld (2002), essa mudança de orientação na disciplina da arquitetura paisagística
fez emergir a questão da base estética para um projeto ecológico, em que aparecia a crítica
à estética dos projetos modernistas. Segundo essa visão, esses projetos teriam se desviado
do enfrentamento das características ecossistêmicas, intrínsecas às áreas de intervenção.
Ian McHarg
McHarg, professor da universidade de Pensilvânia, em 1969, publicou o livro Design with
nature, que orientava as intervenções antrópicas em equilíbrio com as condições naturais
do sítio. Durante a década de 70, McHarg buscou instrumentalizar a profi ssão, contribuindo
para uma sistematização projetual ambientalmente equilibrada nos Estados Unidos, lidando
com as tensões entre preservar e intervir, natureza e cultura, tradição e criação, teoria e prá-
tica. Postulava a importância de não apenas preservar o patrimônio ambiental, mas manejar
e intervir adequadamente.
Munford (1971), no prefácio da edição do mesmo ano, da obra Design with Nature, traduz
claramente o sentido da temática da obra:
Ao estabelecer a importância de uma postura consciente, de uma avaliação ética, de uma sistematização de dados e, de uma expressão estética intencional no manejo de cada segmento de um habitat, a ênfase de McHarg não se prende nem exclusivamente ao projeto nem exclusivamente à natureza, mas à preposição com (with) o que implica
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em cooperação antrópica e parceria biológica. Ele busca, não impor arbitrariamente o projeto, mas explorar ao máximo as potencialidades e com elas, necessariamente , as condições restritivas que a natureza apresenta. Portanto, quando se trata de trabalhar com a natureza, ele sabe que o intelecto humano, o qual é parte integrante da mesma, tem algo precioso a acrescentar àquela, que a esta altura do desenvolvimento, não é mais a natureza primitiva, intocada pelo homem (MUNFORD, L.; 1971, p.VI a VIII, in MCHARG, 1969).
Entre 1965 e 1966, McHarg desenvolveu estudos sobre a bacia do rio Potomac, em Washing-
ton, fazendo um exaustivo inventário ecológico, denominado por seus alunos “as camadas
do bolo”. Isso porque ele se utilizava de um método de sobreposição de mapas com dados fi -
siográfi cos, tais como de relevo e declividades, drenagem natural e hidrologia, de vegetação
signifi cativa e outros elementos naturais existentes, de pedologia, de uso de solo. Para cada
caso, elaborava mapeamentos específi cos, como marcos históricos, inundações e outros.
Diversos especialistas consideram que esse inventário ecológico constitui-se num instru-
mental para um diagnóstico efi ciente e uma verifi cação da inter-relação dos sistemas. Para
McHarg, conhecendo geologia, história, clima e fi siografi a, era possível compreender o regi-
me das águas, os padrões dos rios e aqüíferos, suas propriedades físicas e a oscilação entre
cheias e secas. A partir da leitura do plano de L’Enfant para Washington, buscando recuperar
sua linha de análise do sítio para implantar a área administrativa da capital do Governo
Federal, observou que o coração da cidade formal, que evocava a autoridade do poder,
estruturou-se a partir de um eixo que articulava o rio Potomac ao Capitólio, atrás do qual
estão as montanhas, situação que, na sua observação, conferiu a Washington “a imagem de
uma grande cidade que encontra um grande rio” (Ibid., p.183). Trata-se de:
[...] uma composição neoclássica estabelecida em cima de uma meia tigela defi nida pela confl uência de dois rios e uma escarpa cujo fundo de cena se compõe de colinas. A cidade toda é como um leque inclinado, sendo que a cidade simbólica se aloja na base entre as varetas de borda, em que se revelam nos vales do Potomac, Glover Archbold, Rock Creek, Goose Valley e Anacostia (ibid.p184).
McHarg se associou a outros arquitetos e urbanistas constituindo a empresa WMRT13, com-
posta de uma equipe multidisciplinar integrada por profi ssionais das áreas de geologia, hi-
drologia, pedologia, botânica, biologia e climatologia, viabilizando assim o diálogo entre
teoria e prática, e desenvolvendo uma série de projetos que se valiam de sua ampla aborda-
gem em relação ao sítio.
13 O WMRT (Wallace, McHarg, Roberts e Todd) foi uma das mais importantes empresas de Planejamento da Paisagem. De 1962 até 1979, após o desligamento da WMRT, as idéias e métodos de McHarg evoluíram num diálogo dinâmico entre a teoria e a prática, onde idéias inovadores podiam ser colocadas em prática em lugares reais com programas e clientes reais (Spirn, 2000).
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Spirn (op.cit.), ao afi rmar que a saída para equacionar um projeto que envolva a água na
paisagem urbana, de maneira efi ciente, econômica e efetiva, pressupõe o entendimento de
seu fl uxo, enfatiza a atitude projetual abrangente de McHarg em uma cidade nova do Te-
xas, Woodlands, em 1971. Nela, McHarg consegue abarcar num único projeto a “drenagem
das águas pluviais, o controle das enchentes, a qualidade das águas e a sua conservação”
(p.161).
O projeto de Woodlands, área localizada nos arredores de Houston, tornou-se referência de
planejamento ecológico (Figuras 13 e 14). Tratava-se de um empreendimento privado de um
magnata da área de óleo e gás, inaugurado em 1974, sendo que, segundo censo demográ-
fi co de 2000, reunia uma população de mais de 55000 habitantes. Atualmente, fi gura entre
os dez empreendimentos mais bem cotados em termos de qualidade de vida.
Concebido e projetado de modo a absorver a expansão, com um conceito de desenho sus-
tentável e empregando técnicas projetuais ainda hoje consideradas como inovadoras, o pro-
jeto de Woodlands tinha o objetivo de proteger as águas não visíveis, permitindo a recarga
do aqüífero e limitando sistemas de drenagem convencionais, tubulados e de escoamento
rápido. Para tanto, desenvolveu-se uma normatização que não autorizava edifi cações em
áreas de recarga e que propunha sistema de drenagem de infi ltração gradativa das águas
no solo. Woodlands era uma área plana cuja vegetação predominante era composta de
pinheiros.
Como seu solo era pouco drenante, adotou-se um sistema de canaletas plantadas, canais de
drenagem natural protegidos, bacias de retenção e de porcentagem de áreas permeáveis a
serem mantidas nos lotes. Na época da implantação, comparou-se o custo dos sistemas de
drenagem – o convencional custaria 18,7 milhões de dólares, enquanto o de infi ltração, 4,2
milhões de dólares (FORSYTH, 2005).
Outros pesquisadores muito atuantes nas décadas de 1950 a 1960, como Phil Lewis, Angus
Hills, Arthur Glickson e Warren Manning, que adotavam métodos de análise da paisagem
foram importantes referências para o desenvolvimento da metodologia de McHarg.
Essa metodologia vem sendo largamente utilizada em trabalhos de planejamento da pai-
sagem, de escalas urbana e regional, tendo como objetivo integrar estruturas antrópicas e
estruturas ecossistêmicas. Anne Spirn e Michel Hough estão entre seus discípulos e segui-
dores, e vêm reforçando ainda mais o vínculo dessa metodologia de análise do sítio com o
projeto.
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Figura 13: Woodlands – Passarelas sobre valetas gramadas garantem a acessibilidade do pedestre e a drenagem.Fonte: Landscape Architecture, nº 7, vol. 95, julho de 2005, p. 61
Figura 14: Woodlands – Desenho sustentável que visa proteger as áreas de recarga dos corpos d` águaFonte: Landscape Architecture, nº 7, vol. 95, julho de 2005, p. 64
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John Tillman Lyle
John Tillman Lyle, arquiteto paisagista e professor da Universidade Politécnica da Califórnia,
em Pomona, foi outro expressivo profi ssional, seminal com relação a projetos ambiental-
mente adequados, e por mais de 30 anos (de 1964 a 1998) liderou a área de projetos ecoló-
gicos da Universidade.
Lyle preconizava o termo “regeneração” dos processos naturais, acreditando que este incluía
uma abordagem mais efetiva, capaz de promover a renovação das fontes de energia e dos
materiais dos ecossistemas degradados (THOMPSON e SORVIG, 2000).
Dois de seus livros tiveram grande repercussão entre os profi ssionais envolvidos com a ques-
tão ambiental no fi nal do século XX. Design for human ecosystems, publicado em 1985,
apresenta três aspectos fundamentais para os ecossistemas humanos: escalas de atuação
inter-relacionadas, o método projetual e a ordem subjacente que liga todas as dimensões
ecossistêmicas. Regenerative design for sustainable development, de 1996, propõe aborda-
gens práticas para engenheiros, arquitetos e urbanistas, enfatizando as ações regenerativas
para o uso racional do solo, da água, da energia e as diretrizes para um projeto de edifi cação
que dialogue com o entorno e com o ambiente, restabelecendo a relação entre o homem e
a natureza, arte e ciência, tecnologia e vida cotidiana.
Na síntese de seu texto Can fl oating seeds make deep forms? (1991), Lyle afi rmava que,
nas paisagens naturais, a forma é a manifestação visível advinda da combinação de três di-
mensões que integram a organização do ecossistema – a estrutural, a funcional e a inerente
ao sítio.
A dimensão estrutural se refere à composição dos elementos bióticos e abióticos – rochas,
solos, plantas e espécies animais. A estrutura ecossistêmica expande o foco do ser humano
para a vida, envolvendo todos os elementos bióticos e abióticos, ordenados a partir de prin-
cípios consistentes, dentro de um processo em constante mutação; mutação esta que, se
gradual, pode-se defi nir como sucessão, e se abrupta, como uma perturbação. Sob a ótica de
Lyle, quando o homem redesenha a paisagem de um ponto de vista simplista e reducionista,
ignorando que complexas cadeias de interação e diversidade estão geralmente associadas à
estabilidade, o resultado pode implicar em instabilidade, ainda que a linguagem do projeto
possa apresentar uma ordem pictórica marcante.
A dimensão funcional diz respeito aos fl uxos de energia e matéria necessários para suprir
todas as espécies incluídas na estrutura. Esses fl uxos têm uma dinâmica que segue um de-
terminado padrão, o qual pode ser facilmente perturbado pela interferência humana. De
acordo com o autor, quando lidamos com as funções ecossistêmicas nos processos de plane-
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jamento ou projeto, estamos lidando com energia e fl uxos de água, nutrientes e outras subs-
tâncias que, se tiverem seu equilíbrio rompido, podem ocasionar sérios danos ambientais.
Um sistema lagunar ou fl uvial, por exemplo, compreende essa ordenação, de tal modo com-
plexa que sua percepção através da forma só é possível para um iniciado em ecologia da
paisagem.
A dimensão relativa ao sítio, contendo os padrões relativos a um contexto determinado, está
relacionada às condições de forma e caráter da paisagem, as quais vão defi nir seu potencial
de suporte para certas espécies, comunidades e atividades humanas. Essa dimensão é, se-
gundo Lyle, a mais facilmente apreensível na projetação da paisagem.
Num ecossistema humanizado, sua organização inclui as mesmas três dimensões e ainda
as dimensões física, afetiva e cultural do domínio humano. A forma como se apresenta é
ancorada em raízes profundas resultantes da interação do sistema ecológico e da inter-
venção humana, possibilitando que a ordem subjacente transpareça na forma com solidez
e de maneira signifi cativa para o ser humano. A partir deste raciocínio, Lyle faz a seguinte
proposta:
Vivemos num momento em que nossas concepções acerca da relação entre a natureza e o papel do homem, estão evoluindo; até esse momento ainda parecem nebulosas e con-traditórias. Muito da paisagem contemporânea refl ete essa confusão. A maior missão para a arquitetura paisagística de vanguarda é explorar as possibilidades de recuperar as relações de coesão entre o homem e a natureza para dar forma a essa relação Nesse momento, necessariamente deve haver sementes fl utuando no ar, cada qual com dife-rentes noções da forma da paisagem. Deveríamos afi rmar que todas elas têm o mesmo valor até que tenham pousado e experimentado um novo solo. Mas eu afi rmo que as sementes que realmente contêm o futuro são aquelas que contêm o DNA condizente com a forma arraigada. Elas tem o potencial de, no mínimo simbolicamente, se não efetivamente, preencher a lacuna escavada pelo século XIX, entre a natureza e o ser humano. O que eu proponho, portanto, é que tomemos a complexa e sofi sticada orde-nação ecossistêmica subjacente na natureza como a inspiração essencial e fundamental para o projeto. Freqüentemente os arquitetos paisagistas14 têm ignorado a inspiração oferecida pelos processos naturais para a atividade de projetar e, encarado os “fatores ecológicos” como restrições à criatividade. Freqüentemente também têm interagido com a natureza modelando timidamente suas formas na tradição pitoresca15, e, produ-zindo assim formas superfi ciais (op.cit. p.44 e 45).
14 Arquitetura paisagística não é uma categoria profi ssional reconhecida no Brasil, mas existe há muitos anos em vários países europeus, asiáticos e norte americanos, articuladas originalmente a escolas de arquitetura, horticultura ou agronomia.
15 Tradição pitoresca – característica da Inglaterra no séc. XX; elaboração de cenário campestre inserido dentro da malha urbana. (VIEIRA, 2007)