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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE LETRAS FICHEIRO EPIGRÁFICO (Suplemento de «Conimbriga») 124 INSCRIÇÕES 527-530 INSTITUTO DE ARQUEOLOGIA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, ESTUDOS EUROPEUS, ARQUEOLOGIA E ARTES SECÇÃO DE ARQUEOLOGIA 2014

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UNIVERSIDADE DE COIMBRAFACULDADE DE LETRAS

FICHEIRO EPIGRÁFICO(Suplemento de «Conimbriga»)

124

INSCRIÇÕES 527-530

INSTITUTO DE ARQUEOLOGIA

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, ESTUDOS EUROPEUS, ARQUEOLOGIA E ARTES

SECÇÃO DE ARQUEOLOGIA

2014

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ISSN 0870-2004

FICHEIRO EPIGRÁFICO é um suplemento da revista CONIMBRIGA, destinado a divulgar inscrições romanas inéditas de toda a Península Ibérica, que começou a publicar-se em 1982.

Dos fascículos 1 a 66, inclusive, fez-se um CD-ROM, no âmbito do Pro-jecto de Culture 2000 intitulado VBI ERAT LVPA, com a colaboração da Uni-versidade de Alcalá de Henares. A partir do fascículo 65, os volumes estão disponíveis no endereço http://www.uc.pt/fluc/iarq/documentos_index/ficheiro.

Publica-se em fascículos de 16 páginas, cuja periodicidade depende da frequência com que forem recebidos os textos. As inscrições são numeradas de forma contínua, de modo a facilitar a preparação de índices, que são publica-dos no termo de cada série de dez fascículos.

Cada «ficha» deverá conter indicação, o mais pormenorizada possível, das condições do achado e do actual paradeiro da peça. Far-se-á uma descri-ção completa do monumento, a leitura interpretada da inscrição e o respec-tivo comentário paleográfico. Será bem-vindo um comentário de integração histórico-onomástica, ainda que breve.

Toda a colaboração deve ser dirigida a:

Instituto de ArqueologiaSecção de Arqueologia | Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes

Faculdade de Letras da Universidade de CoimbraPalácio de Sub-Ripas

P-3000-395 COIMBRA

A publicação deste fascículo só foi possível graças ao patrocínio de:

Composto em ADOBE in Design CS4, Versão 6.0.6 | José Luís Madeira | IA | DHEEAA | FLUC | UC | 2014

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Ficheiro Epigráfico, 124 [2014]

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ESTELA FUNERÁRIA NA HERDADE DA MOITA(Conventus Pacensis)

Em visita aos monumentos megalíticos da zona entre Montemor-o-Novo e Évora, no Inverno de 2012, o grupo de que um dos signatários (J. J.) fazia parte perdeu-se e foi pedir indicações à Herdade da Moita (com acesso pela estrada nacional 370), no trajecto entre a localidade de Nossa Senhora da Graça do Divor e a A6. Nesse local deparámo-nos com uma laje epigrafada incorporada na parede do edifício principal do monte (situado na freguesia de Nossa Senhora da Graça do Divor, concelho de Évora).1 Cerca de dois anos depois, em Outubro de 2014, voltou-se ao local, tendo em vista a recolha de dados mais pormenorizados.

A lápide é de granito cinzento de grau médio, com micas, quartzo e fenocristais de feldspato, muita pátina e líquenes; há um veio alaranjado deste mineral no terço direito da pedra, que passa sobre o Q e entre o I e o F. Aliás, as ‘incrustações’ avivam, de certo modo, os sulcos das letras. O facto de o pedreiro ter deixado o topo superior arredondado, ainda que só nos apercebamos da argamassa, torna verosímil que se trate de uma estela de topo arredondado, ora oculto, por aí ter, eventualmente, a face muito desgastada; mas também se aceita que haja apenas querido dar-lhe um ar mais estético, e a estela ser de talhe irregular, a exemplo das duas que referimos em FE 402, provenientes do mesmo horizonte cultural.2

1 A caseira da propriedade recorda-se de a epígrafe se encontrar neste local há várias décadas. Não nos foi possível contactar o proprietário.2 Bilou (Francisco) e eNCarNação (José d’), «Lápide funerária da Herdade

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Ficheiro Epigráfico, 124 [2014]

Dimensões: 40 x 37 x ?3

[…]LIAE [?] / DOCQ/VIRI · F(iliae) / […] [?]

De …, filha de Doquiro…

Altura das letras: 9 cm.4 Espaços: 1: ?; 2: 3; 3: 5; 4: 8.

Alinhamento à esquerda, por quanto nos é dado perceber. Gravação feita mediante goiva. Caracteres com tendência a monumentais quadrados, mas rudemente gravados, dada a natureza da superfície a epigrafar: O elíptico; Q de perna quase na horizontal e levemente ondulada; V de vértice um tudo-nada arredondado, segundo nos é dado perceber; R aberto.

Na actual l. 1, as letras mais se adivinham pela tonalidade mais escura do que pelo tacto. A primeira letra afigura-se-nos ser L; o I e o A cremo-los claros, podendo haver um E no final. Será a terminação, em genitivo, de antropónimo que começa na linha de cima: Iuliae? Aemiliae?...5 O R de Docquiri não se distingue claramente. Na actual l. 4, um traço levemente encurvado sugere C – e teríamos, nesse caso, a fórmula F(aciendum) C(uravit); também poderia ser apenas H(ic) S(ita), na medida em que a densidade dos líquenes era passível de ocultar o H; é mais natural, porém, que não haja fórmula final.

A identificação da defunta em genitivo não é fora do comum em estelas de primórdios do século I da nossa era, datação que lhe atribuímos não apenas pela paleografia mas sobretudo pela identificação à maneira indígena, sendo porventura o nome da defunta latino enquanto o nome do pai – Docquirus – se inclui na antroponímia claramente lusitana: o Atlas 6 regista 20 testemunhos

da Torre do Lobo, Torre de Coelheiros, Évora (Conventus Pacensis)», Fi-cheiro Epigráfico 88 2009, inscrição nº 402. Acessível em: http://hdl.handle.net/10316/122403 Espessura indeterminada, porque a pedra está à face da parede do edifício.4 Esta é a medida média, porque a irregularidade do talhe provocou variações entre letras da mesma linha.5 Na epígrafe da Torre da Coelheira, a defunta vem grafada assim: Tongetae Pi-tinnae f(iliae) e é este, aliás, o texto completo; na outra estela que nesse estudo se menciona (IRCP 403), recorda-se Mailo Caenonis f(ilius).6 Navarro CaBallero (Milagros) e ramírez SáBada (José Luís) [coord.], Atlas Antropo-

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Ficheiro Epigráfico, 124 [2014]

(com a grafia Docquirus ou sem o C); Vallejo Ruiz não hesita: é «nombre típico lusitano com pocos ejemplos fuera».7

Esta epígrafe vem confirmar o que já se escrevera, a propósito da referida lápide funerária da Herdade da Torre do Lobo:

«Enquanto no perímetro urbano da cidade [de Évora] a epigrafia obedece a cânones importados, nomeadamente no que à tipologia dos monumentos diz respeito, e a onomástica é latina, nos arredores da cidade persistiu uma cultura autóctone que pouco a pouco se deixou influenciar».

Também esta estela da Herdade da Moita é «notável exemplo» desse «estádio de aculturação».

joSé d'eNCarNação

joão Pedro joaquim

nímico de la Lusitania Romana, Mérida – Bordéus, 2003, p. 161, mapa 113.7 vallejo ruiz (José María), Antroponimia Indígena de la Lusitania Romana, Vitoria-Gasteiz, 2005, p. 303. Ver ibidem, passim (índice, p. 765), mas de modo especial as p. 301-303, com mapa de localização.

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