Fichamento Para Disciplina de Memória Social

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Aluna: Manuelle Lopes de Matos 201200823 Disciplina: Memória Social BOSI, Eclea. Tempo de lembrar. In: BOSI, Eclea. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 73-92. A autora divide este capítulo em subtemas que orientam nossa reflexão e auxilia no entendimento das ideias propostas por ela. Em primeiro lugar, Bosi discorre sobre o processo de socialização da memória e os mecanismos de transmissão entre crianças e idosos. Neste sentido, inicia refletindo: A criança recebe do passado não só os dados da história escrita; mergulha suas raízes na história vivida, ou melhor, sobrevivida, das pessoas de idade que tomaram parte na sua socialização. [...]. [...], a criança recebe inúmeras noções dos avós, dos empregados. Estes não têm, em geral, a preocupação do que é “próprio” para crianças, mas conversam com elas de igual para igual, refletindo sobre acontecimentos políticos, históricos, tal como chegam a eles através das deformações do imaginário popular. Eventos considerados trágicos para os tios, pais, irmãos mais velhos são relativizados pela avó enquanto não for sacudida sua vida miúda ou não forem atingidos os seus.[...].”(p. 73). Ela filosofa que esses idosos curvam-se atentas as histórias de outras pessoas, e o que isso altera na vida da criança? Podemos até dizer que nada, mas a mudança se dá no interior em um lugar ínfimo e, segundo Bosi, os abalos externos não irão modificar o essencial.(p.73). “ É graças a esta “outra socialização”, à qual a psicologia tem dado pouca atenção, que não estranhamos as regiões sociais do passado: ruas, casas, móveis, roupas antigas, histórias, maneira de falar e de se comportar de outros tempos. Não só não nos causam estranheza, como, devido ao íntimo contacto com nossos avós, nos parecem singularmente familiares.”(p.74) A autora tem um pensamento todo particular para refletir sobre o papel dos avós na vida cotidiano dos netos, devido ao curto tempo em que eles podem interagir, cabe aos avós não a educação do neto, mas um processo em que o passado e o futuro se encontram, já que o presente não é palpável, os avós acabam refletindo o futuro com base no passado. Na palavras dela: “[...], tudo se volta para o passado ou para um futuro que remonta ao passado: “Você, quando crescer, será como o vovô, que na sua idade também brincava de escrever...”. [...].(p.74)

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Fichamentos de textos de Eclea Bosi sobre memória social, velhice e psicologia.

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  • Aluna: Manuelle Lopes de Matos 201200823

    Disciplina: Memria Social

    BOSI, Eclea. Tempo de lembrar. In: BOSI, Eclea. Memria e Sociedade: lembrana de

    velhos. So Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 73-92.

    A autora divide este captulo em subtemas que orientam nossa reflexo e auxilia no

    entendimento das ideias propostas por ela. Em primeiro lugar, Bosi discorre sobre o processo

    de socializao da memria e os mecanismos de transmisso entre crianas e idosos. Neste

    sentido, inicia refletindo:

    A criana recebe do passado no s os dados da histria escrita; mergulha suas

    razes na histria vivida, ou melhor, sobrevivida, das pessoas de idade que tomaram parte na

    sua socializao. [...].

    [...], a criana recebe inmeras noes dos avs, dos empregados. Estes no tm, em

    geral, a preocupao do que prprio para crianas, mas conversam com elas de igual

    para igual, refletindo sobre acontecimentos polticos, histricos, tal como chegam a eles

    atravs das deformaes do imaginrio popular. Eventos considerados trgicos para os tios,

    pais, irmos mais velhos so relativizados pela av enquanto no for sacudida sua vida

    mida ou no forem atingidos os seus.[...].(p. 73).

    Ela filosofa que esses idosos curvam-se atentas as histrias de outras pessoas, e o que

    isso altera na vida da criana? Podemos at dizer que nada, mas a mudana se d no interior

    em um lugar nfimo e, segundo Bosi, os abalos externos no iro modificar o essencial.(p.73).

    graas a esta outra socializao, qual a psicologia tem dado pouca ateno,

    que no estranhamos as regies sociais do passado: ruas, casas, mveis, roupas antigas,

    histrias, maneira de falar e de se comportar de outros tempos. No s no nos causam

    estranheza, como, devido ao ntimo contacto com nossos avs, nos parecem singularmente

    familiares.(p.74)

    A autora tem um pensamento todo particular para refletir sobre o papel dos avs na

    vida cotidiano dos netos, devido ao curto tempo em que eles podem interagir, cabe aos avs

    no a educao do neto, mas um processo em que o passado e o futuro se encontram, j que o

    presente no palpvel, os avs acabam refletindo o futuro com base no passado. Na palavras

    dela:

    [...], tudo se volta para o passado ou para um futuro que remonta ao passado:

    Voc, quando crescer, ser como o vov, que na sua idade tambm brincava de escrever....

    [...].(p.74)

  • Na viso de Bosi, os velhos tem o poder de tornar presentes aqueles que cuja presena

    fsica no se sente, eles no descartam essas coisas com se fossem desnecessrias. Dialogando

    com Hegel, sugere que o passado concentrado no presente atravs de um processo de

    reavivamento e rejuvenescimento cria a natureza humana. (p.74-75)

    Integrados em nossa gerao, vivendo experincias que enriquecem a idade

    madura, dia vir que as pessoas que pensam como ns iro se ausentando, at que poucas,

    bem poucas, ficaro para testemunhar nosso estilo de vida e pensamento.[...].(p. 75)

    Quando falamos de vida adulta, absorvida pelo presente e cuja rememorao do

    passado ocorre somente para relaciona-lo as preocupaes atuais. Os idosos so encarados

    como que estando em outro patamar da vida humana, espera-se atitudes nobres e de

    benevolncia vindas deles, contudo, quando seus atos fogem de um ideal pensado para eles,

    so banidos do grupo familiar.

    No segundo subtema A velhice na sociedade industrial, Bosi discute o declnio

    biolgico humano, colocando a velhice como categoria social e como a sociedade industrial

    acaba sendo nociva velhice.

    A sociedade rejeita o velho, no oferece nenhuma sobrevivncia sua obra.

    Perdendo a fora de trabalho ele j no produtor nem reprodutor. [...].(p.77)

    Seguindo seu pensamento, ela reflete que a degradao senil do individuo declina com

    sua fora de trabalho, e os mecanismos ligados a sade fsica ou mental, a extino de asilos e

    casas de acolhimento para idosos talvez fossem uma sada possibilitando uma sobrevivncia

    digna para eles. Para isso, Beauvoir acredita que seria necessrio que ele sempre fosse tratado

    como homem.(p. 81). Partindo dessa colocao, Bosi destaca:

    A noo que temos de velhice decorre mais da luta de classes que do conflito de

    geraes. preciso mudar a vida, recriar tudo, refazer as relaes humanas doentes para

    que os velhos trabalhadores no sejam uma espcie estrangeira.[...].(p.81)

    No terceiro subtema A memria como funo social, a autora ressalta que no

    momento em que a memria passa a ser encarada como funo social, ela desempenha uma

    funo da lembrana. J que o interesse se desloca, as reflexes mudam de linha e se dobram

    sobre o que h de melhor do vivenciado.

    No h evocao sem uma inteligncia do presente, um homem no sabe o que se

    no for capaz de sair das determinaes atuais. Aturada reflexo pode preceder e

    acompanhar a evocao. Uma lembrana diamante bruto que precisa ser lapidado pelo

    esprito.[...].

  • Se existe uma memria voltada para a ao, feita de hbitos, e uma outra que

    simplesmente revive o passado, parece ser esta a dos velhos, j libertos das atividades

    profissionais e familiares.[...].(p.81)

    Contudo, no ato de rememorar o velho no est sonhando e sim, desempenhando a

    funo de unir passado e futuro ( comeo e fim, segundo ela), tranquilizando o presente com

    outras possibilidades.

    Ele (o velho), nas tribos antigas, tem um lugar de honra como guardio do tesouro

    espiritual da comunidade, a tradio. No porque tenha uma especial capacidade para isso:

    seu interesse que se volta para o passado que ele procura interrogar cada vez mais,

    ressuscitar detalhes, discutir motivos, confrontar com a opinio de amigos, ou com velhos

    jornais e cartas em nosso meio. [...]

    Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que no conhecemos

    pode chegar-nos pela memria dos velhos. Momentos desse mundo perdido podem ser

    compreendidos por quem no os viveu e at humanizar o presente. A conversa evocativa de

    um velho sempre uma experincia profunda: repassada de nostalgia, revolta, resignao

    pelo desfiguramento das paisagens caras, pela desapario de entes amados, semelhante a

    uma obra de arte.[...].(p. 82)

    De certa maneira, ela adverte, ele (o velho) nos aborrece com seu excesso de

    conselhos e se protestamos, ele pode tentar acertar o passo com os mais jovens e essa

    adaptao falha frequentemente. Com isso, o velho se v privado de sua funo encarando

    cobranas para uma agilidade diante dos seus passos lentos, sendo que quem perde com isso

    a sociedade.

    No basta um esforo abstrato para recriar impresses passadas, nem palavras

    exprimem o sentimento de diminuio que acompanha a impossibilidade. Perdeu-se o tnus

    vital que permitia aquelas sensaes, aquela captao do mundo.[...].(p. 84)

    No ltimo subtema Histrias de Velhos Bosi dialoga com as reflexes de Walter

    Benjamin presentes no texto O Narrador. Consideraes sobre a obra de Nicola Leskov, e

    comea interrogando sobre a arte de contar:

    Por que decaiu a arte de contar histrias? Talvez porque tenha decado arte de

    trocar experincias. A experincia que passa de boca em boca e que o mundo da tcnica

    desorienta.[...].(p.84)

    Neste sentido, ela coloca suas experincias ao ouvir lembranas em dialogo com os

    tipos de narrador de Benjamin, a saber: o que vem de fora e conta suas viagens; e o que

    permaneceu em seu lugar de origem e narra sobre sua terra e conterrneos. Para Bosi, o

  • narrador vence distncias espaciais e temporais, para contar relatos onde eles tem significao

    e trazem conselhos. Mas, se isso parece antiquado, deve-se ao fato de que a transmisso de

    experincias diminuiu.

    Hoje no h mais conselhos, nem para ns nem para os outros. Na poca da

    informao, a busca da sabedoria perde as foras, foi substituda pela opinio.[...].

    A arte da narrao no est confinada nos livros, seu veio pico oral. O narrador

    tira o que narra da prpria experincia e a transforma em experincia dos que o

    escutam.[...].

    A narrao exemplar foi substituda pela informao de imprensa, que no pesada e

    medida pelo bom senso do leitor.[...].(p.85)

    Seguindo a lgica proposta por Benjamin, a arte da narrao tem seu declnio com o

    triunfo da informao, impregnada de explicaes no deixa que se extraia nenhuma lio.

    Acentua que o receptor da informao de massa desmemoriado. Est avido por receber

    informaes, em conhecer, mas no se nutre. Em contrapartida, a comunicao em mosaico

    rene partes sem sntese e sendo a-histrica permite ao receptor uma perda do sentido

    histrico.

    A narrao uma forma artesanal de comunicao. Ela no visa a transmitir o em

    si do acontecido, ela o tece at atingir uma forma boa. Investe sobre o objeto e o

    transforma. Tendncia comum dos narradores comear com a exposio das circunstncias

    em que assistiu ao episdio: Certa vez, ia andando por um caminho quando.... Isso quando

    o conta como no diretamente vivido por ele.[...](p.88)

    Continuando, ela destaca as reflexes de Walter Benjamin sobre o leito de morte como

    sendo lugar de prestigio no momento final da existncia, que configura-se em um trono do

    qual o moribundo tem a autoridade de falar e transmitir seus ltimos desejos. Porm, esse

    momento de morte vem sendo expulso das percepes dos vivos.

    Os agonizantes, diz Benjamin, so jogados pelos herdeiros em sanatrios e

    hospitais. Os burgueses desinfetam as paredes da eternidade. No entanto, todo o vivido, toda

    a sabedoria do agonizante pode perpassar por seus lbios.[...]. A mo se ergue para a ltima

    bno sobre os vivos e, medida que o olhar se apaga, mais cresce a autoridade do que

    transmitido.[...]. (p.88)

    A autora interrompe as discusses com narrativas mitolgicas de diversos povos,

    como os balineses e gregos, para expressar como eles encaram a memria em lendas e figuras,

    entre elas est Mnemosyne, divindade do panteo grego que acaba por possuir seu interprete

    pelas musas igualmente como um profeta o por Apolo. Apoiada nos estudos de Vernant

  • sobre aspectos mticos da memria e do tempo, onde Mnemosyne entrega aos escolhidos uma

    oniscincia divina do passado em geral. E indaga com relao a funo da memria, no no

    sentido de anular ou reconstruir o tempo, mas de fazer contato entre o mundo dos vivos e do

    alm. A lembrana ou reminiscncia (nas palavras de Bosi), seria uma iniciao liberando-nos

    para vermos os tempos antigos desarticulados dos males atuais.

    [...]. Quem guarda a memria no Hades transcende a condio mortal, no v mais

    oposio entre a vida e a morte. O privilgio pertence a todos aqueles cuja memria sabe

    discernir para alm do presente o que est enterrado no mais profundo passado e amadurece

    em segredo para os tempos que viro.

    Hoje, a funo da memria o conhecimento do passado que se organiza, ordena o

    tempo, localiza cronologicamente. Na aurora da civilizao grega ela era vidncia e xtase.

    O passado revelado desse modo no o antecedente do presente, a sua fonte.[...].(p. 89)

    Retomando, a ideia de narrador e ouvinte, onde essa relao nasce no interesse de

    conservar o narrado e na sua possvel reproduo, Bosi coloca a memria como faculdade

    pica por excelncia e a histria como um emaranhado de narrativas que reproduzem-se de

    gerao em gerao prolongando o original, cujos fios cruzam-se com outras histrias.

    O narrador est presente ao lado do ouvinte. Suas mos, experimentadas no

    trabalho, fazem gestos que sustentam a histria, que do asas aos fatos principiados pela sua

    voz.[...].

    Seu talento de narrar lhe vem da experincia; sua lio, ele extraiu da prpria dor;

    sua dignidade a de conta-la at o fim, sem medo.(p.90-91)

    Bosi finalize esse captulo no com uma reflexo pronta, mas com uma frase: Uma

    atmosfera sagrada circunda o narrador.(p. 91), como um pensamento, sem fim, mas como

    uma provocao que nos lana indagaes sobre a figura do narrador envolto em mistrios e

    cujos conselhos adentram as barreiras do mtico.

  • BOSI, Eclea. Sobre a memria. In: BOSI, Eclea. O tempo vivo da memria: ensaios de

    psicologia social. So Paulo: Ateli Editorial, 2003,p. 11-77.

    Bosi separa suas ideias em subtemas, o primeiro intitulado A Substncia Social da

    Memria rene consideraes sobre aspectos que ela investigou e para facilitar o

    entendimento das suas colocaes est dividido em temticas.

    Para iniciar as discusses, a primeira temtica desse subtema temos Histria e

    Crnica, onde a autora alerta sobre a histria ensinada na escola negligenciando o passado

    recente e transparecendo ao aluno uma sucesso de processos unilineares, e critica o fato de

    afastar os aspectos cotidianos, os chamados microcomportamentos, fundamentais para a

    Psicologia Social. (p. 13).

    Estes aspectos so abrangidos pelos que chamavam na Idade Mdia de

    crnica[...], anedtica, tecida de pequenos sucessos, de episdios breves da famlia, de

    cenas de rua vividas por annimos.

    As comunas medievais tiveram seus cronistas que narravam episdios agradveis,

    pitorescos, enfim, aquilo que podemos chamar de crnica urbana.[...].(p.13)

    Contudo, so registros da memria oral, retirados da oralidade, dos dicionrios

    italianos que buscaram nos cronistas palavras usadas na Idade Mdia. Diante do poder

    exercido pela burguesia nos centros urbanos, a histria das cidades passou a ser poltica e

    compacta registrando o poder das grandes famlias e guerras estatais.(p.14)

    A crnica tornou-se um gnero literrio menor, trabalhando com a descontinuidade

    dos eventos, em contrapartida, a histria surge com uma continuidade costurada com o

    presente, como se os eventos tivessem um fim.(p.14)

    Mas com a crise das grandes teorias histricas, como a teoria evolucionista e a

    hegeliano-marxista, o sentido da Histria Poltica est em colapso e as pequenas estrias

    comeam a emergir ao ponto de esquecer o tecido histrico que ampara os fatos.(p.14-15)

    Bosi lana uma indagao pertinente, e antes de refletimos, ela comea sua discusso

    sobre memria social associada aos seus estudos.

    Por que a crnica e a tradio oral esto de novo valorizadas?

  • A memria oral um instrumento precioso se desejamos constituir a crnica do

    quotidiano. Mas ela sempre corre o risco de cair numa ideologizao da histria do

    quotidiano, como se esta fosse o avesso oculto da histria poltica hegemnica.(p.15)

    Grupos marginalizados pela histria tomam a palavra, como a histria apoia-se em

    documentos oficiais ela no pode visualizar os sentimentos/ acontecimentos que esto atrs

    dos eventos. E as memrias de velhos pode ser encarada como mediao entre geraes,

    como intermedirio informal da cultura, no sentido de que, transmitem valores mas no esto

    formalizados com as instituies.

    A memria oral, longe da unilateralidade para a qual tendem certas instituies, faz

    intervir pontos de vista contraditrios, pelo menos distintos entre eles, e a se encontra a sua

    maior riqueza. Ela no pode atingir uma teoria da histria nem pretender tal fato: ela ilustra

    o que chamamos hoje a Histria das Mentalidades, a Histria das Sensibilidades.(p.15)

    Antes de adentra a segunda temtica, Bosi nos convida a refletir os temas que para ela

    so pertinentes no estudo. Nessa segunda temtica Histria Oral, Histrias de Vida, ela

    lana uma indagao: ser que a recuperao da memria nas cincias humanas modismo ou

    uma necessidade de enraizamento? , com a rapidez que nos toma essa pergunta, Bosi filosofa

    que a ligao com o passado nos permite extrair a fora para formao de identidade.

    Na reflexo com outros tericos, ela apresenta suas impresses como com Simone

    Weil que julga esse vnculo com Direito assim como os ligados sobrevivncia, j que fontes

    passadas repropem pontos sobre o presente.

    Quando se trata da histria recente, feliz o pesquisador que se pode amparar em

    testemunhos vivos e reconstituir comportamentos e sensibilidades de uma poca! O que se d

    se o pesquisador for atento s tenses implcitas, aos subentendidos, ao que foi s sugerido e

    encoberto pelo medo...(p.16-17)

    A autora no deixa de ressaltar as limitaes impostas pelos documentos oficiais,

    como as atas de reunies, que so forjadas conforme os interesses. No entanto, ela adverte que

    as testemunhas orais nem sempre so mais legtimas que a verso oficial, e que muitas

    vezes tentam se encaixar na memria institucional.

    Parece que h sempre uma NARRATIVA COLETIVA privilegiada no interior de um

    mito ou de uma ideologia. E essa narrativa explicadora e legitimadora serve ao poder que a

    transmite e difunde.(p.17-18)

    Nesse ponto, a Universidade tem o poder de contar e interpretar os eventos nos meios

    populares em geral e a memria coletiva produzida em uma classe com poder de difuso,

  • alimentada por imagens, sentimentos e valores passam a dar identidade as classes

    investigadas.

    A memria oral tambm tem seus desvios, seus preconceitos, sua

    inautenticidade.[...].

    Cabe-nos interpretar tanto a lembrana quanto o esquecimento.

    Esquecimentos, omisses, os trechos desfiados de narrativa so exemplos

    significativos de como se deu a incidncia do fato histrico no quotidiano das pessoas. Dos

    traos que deixou na sensibilidade popular daquela poca.(p.18)

    Filosofa que se o presente voltado para o futuro seria uma priso, e seguindo a opinio

    de Alain Finkielkraut de que se o tecnicismo que tenta nos convencer que a nostalgia um

    sentimento intil, mas ela faz parte da humanidade presente no homem e teria direto a

    cidadania.

    [...]. O fetichismo da tcnica no consegue explicar por que nada substitui a reflexo

    solitria. A interao no esgota o alcance da comunicao. Caso contrrio, ns nos

    comunicaramos apenas com os contemporneos o que seria uma grave perda. E h formas

    de comunicao insubstituveis como a conversa espirituosa entre amigos em volta da mesa,

    cujo charme a tcnica no conseguiria reproduzir.(p. 19)

    Como arrancar do fundo do oceano das ideias um fato puro memorizado?

    Quando puxarmos a rede veremos o quanto ela vem carregada de representaes

    ideolgicas. Mais que o documento unilinear, a narrativa mostra a complexidade do

    acontecimento. a via privilegiada para chegar at o ponto de articulao da Histria com a

    vida quotidiana. Colhe pontos de vista diversos, s vezes opostos, uma recomposio

    constante de dados.(p. 19-20)

    Compartilhando pensamentos com Pierre Nora, adverte que a memria parte do

    presente, mas vida pelo passado percebendo que se apropria de algo que j no nos pertence.

    Sendo assim, a fonte oral emana e obriga-nos a uma interpretao aguda e severa. (p. 20)

    Walter Benjamin debruou-se sobre a memria familiar e a escassa memria pblica

    dos burgueses franceses do tempo de Baudelaire e dos burgueses alemes de sua poca. E

    meditou sobre os efeitos do capitalismo annimo que corri, quando no destri a memria

    coletiva, forando o agarrar-se aos fiapos da sua memria familiar. [...]. Mas at que ponto

    o curso das suas lembranas tende para a vida domstica, ninho tpido de uma identidade

    protetora que a anomia capitalista moderna jamais lhes poderia oferecer?

    A questo seria impensvel se o cruzamento das fronteiras da Psicologia, da

    Sociologia, da Histria, cruzamento que se tornou possvel coma leitura de Benjamin e dos

  • frankfurtianos. E deve-se ressaltar a admirvel contribuio de um socilogo clssico

    sacrificado pelo nazismo, Maurice Halbwachs.(p.21)

    Quando um acontecimento poltico mexe com a cabea de um determinado grupo

    social, a memria de cada um de seus membros afetada pela interpretao que a ideologia

    dominante d desse acontecimento. Portanto, uma das faces da memria pblica tende a

    permear as conscincias individuais.

    preciso sempre examinar matizando os laos que unem memria e ideologia; laos

    que, antes da secularizao moderna, amarravam a memria pblica memria

    individual.(p. 21-22)

    As instituies escolares reproduzem essas verses solidificando uma certa memria

    social e operando em sentido inverso ao da lembrana pessoal, to mais veraz em suas

    hesitaes, lacunas e perplexidades.(p.23)

    Existe, dentro da histria cronolgica, outra histria mais densa de substncia

    memorativa no fluxo do tempo. Aparece com clareza nas biografias; tal como nas paisagens,

    h marcos no espao onde os valores se adensam.

    O tempo biogrfico tem andamento como na msica desde alegro da infncia que

    parece na lembrana luminoso e doce, at o adagio da velhice.

    A sociedade industrial multiplica horas mortas que apenas suportamos: so os tempos

    vazios das filas, dos bancos, da burocracia, preenchimento de formulrios...(p.23-24)

    Objetos Biogrficos e Objetos de Status

    Na Pequena Histria de Fotografia e em Paris, Capital do Sculo XIX, Benjamin

    descreve o interior dos lares burgueses, a intimidade atapelada e macia, os detalhes da

    decorao que procuram marcar a singularidade de seus proprietrios.

    Criamos sempre ao nosso redor espaos expressivos sendo o processo de valorizao

    dos interiores crescente na medida em que a cidade exibe uma face estranha e adversa para

    seus moradores.

    So tentativas de criar um mundo acolhedor entre as paredes que isolam do mundo

    alienado e hostil de fora.(p. 25)

    Uma ideia-mestra para anlise seria a de uma separao de um espao privado,

    pessoal e o espao pblico, annimo.(p.28)

    A sociedade de consumo apenas mais rpida na produo, circulao e descarte

    dos objetos de status. E certamente menos requintada e mais pueril do que a burguesia

    francesa ou alem do comeo do sculo. Mas no mais cruel.

  • [...]. Cacos misteriosos so pedaos de alguma coisa que pertenceu a algum.

    Benjamin, no ensaio famoso sobre Baudelaire, segue os passos do flaneur observando

    vitrinas e galerias; mas haver algum para recolher os despojos da cidade para os quais

    ningum volta os olhos e o vento dispersa.(p. 29)

    A Luz de Estrelas Remotas

    A memria opera com grande liberdade escolhendo acontecimentos no espao e no

    tempo, no arbitrariamente mas porque se relacionam atravs de ndices comuns. So

    configuraes mais intensas quando sobre elas incide o brilho de um significado coletivo.

    tarefa do cientista social procurar esses vnculos de afinidades eletivas entre

    fenmenos distanciados no tempo.(p. 31)

    A constelao memorativa tem um futuro imprevisvel; como Gestalt requer

    pregnncia, fechamento.

    E s vezes esse fechamento vai depender de nossos gestos de agora, porque seus

    autores morreram na vspera, antes de completar a figura de suas vidas.

    a histria de um passado aberto, inconcluso, capaz de promessas. No se deve

    julg-lo como um tempo ultrapassado, mas como um universo contraditrio do qual se podem

    arrancar o sim e o no, a tese e a anttese, o que teve seguimento triunfal e o que foi

    truncado.(p. 32-33)

    Quando o velho narrador e a criana se encontram, os conselhos so absorvidos

    pela histria: a moral da histria faz parte da narrativa como um s corpo, gozando as

    mesmas vantagens estticas(as rimas, o humor...).

    No tem o peso da moral abstrata, mas a graa da fantasia embora seja uma norma

    ideal de conduta transmitida.[...].

    Temos que procurar sozinhos o conselho esquecido, caminhando entre destroos num

    cho atulhado pelos mortos que nos so impostos.(p.34)

    Bergson trouxe novas luzes para os fenmenos surpreendentes da memria

    individual: a lembrana, a imagem que aflora e torna vivo um rosto que perdemos anos

    atrs, uma voz ouvida na infncia que retorna obsessiva e fiel a seu prprio timbre... Essa

    evocao proustiana que os relatos autobiogrficos mostram como atividade psquica dotada

    de fora e significado.(p.41)

    O que posso observar de minha experincia o que encontrei conversando com

    pessoas que se entregaram rememorao.

    Ouvindo depoimentos orais constatamos que o sujeito mnmico no lembra uma ou

    outra imagem. Ele evoca, d voz, faz falar, diz de novo o contedo de suas vivncias.

  • Enquanto evoca ele est vivendo atualmente e com uma intensidade nova a sua

    experincia.(p. 44)

    2. A Pesquisa em Memria Social

    O interesse em sondar as formas da memria social, despertado nos anos 70,

    tornou-se intenso nas cincias humanas e isso nos d o que pensar.

    [...].

    Logo no inicio o pesquisador deve enfrentar o fato de que uma histria de vida, ou

    mil histrias de vida jamais substituiro um conceito ou uma teoria da Histria.(p.49)

    Se o tempo a essncia do psquico, a cincia o especializa e reduz o movente ao

    imvel. O fato da conscincia movente.(p.52)

    O papel da conscincia ligar com o fio da memria as apreenses instantneas

    do real. A memria contrai numa intuio nica passado-presente em momentos da durao.

    No processo de socializao tem lugar a memria-hbito, repetio do mesmo

    esforo, adestramento cultural.

    No outro polo, a lembrana pura traz tona da conscincia um momento nico,

    singular, irreversvel, da vida.(p.52)

    3. Sugestes para um jovem pesquisador

    O estudioso da memria geralmente entrevista idosos dos quais se espera o rico

    testemunho de outras pocas.

    O entrevistador precisa receber uma formao especial e compreender o

    depoimento como um trabalho do idoso. Poucos pesquisadores me parecem ter formao

    para tanto.(p. 59)

    Narrador e ouvinte iro participar de uma aventura comum e provaro, no final,

    um sentimento de gratido pelo que ocorreu: o ouvinte, pelo que aprendeu; o narrador, pelo

    justo orgulho de ter um passado to digno de rememorar quanto o das pessoas ditas

    importantes.

    [...].

    s vezes falta ao pesquisador maturidade afetiva ou mesmo formao histrica para

    compreender a maneira de ser do depoente.[...].(p. 61)

    Insisto na formao do pesquisador que vai entrevistar o idoso. Quando a

    narrativa hesitante, cheia de silncios, ele no deve ter pressa de fazer interpretao

    ideolgica do que escutou, ou de preencher as pausas.

    [...]

  • A fala emotiva e fragmentada portadora de significaes que nos aproximam da

    verdade. A prendemos a amar esse discurso tateante, suas pausas, suas franjas com fios

    perdidos quase irreparveis.(p. 64-65)

    4. Memria da Cidade: Lembranas Paulistanas

    A memria dos velhos desdobra e alarga de tal maneira os horizontes da cultura

    que faz crescer junto com ela o pesquisador e a sociedade onde se insere.

    [...].Uma histria de vida no feita para ser arquivada ou guardada numa gaveta

    como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela floresceu.(p.69)

    A memria como Intermedirio Cultural

    Cada gerao tem, de sua cidade, a memria de acontecimentos que so pontos de

    amarrao de sua histria. O caudal de lembranas, correndo sobre o mesmo leito, guarda

    episdios notveis que j ouvimos tantas vezes de nossos avs.[...].

    Mas a memria rema contra a mar; o meio urbano afasta as pessoas que j no se

    visitam, faltam os companheiros que sustentavam as lembranas e j se dispersaram. Da a

    importncia da coletividade no suporte da memria.[...].(p.70)

    As lembranas se apoiam nas pedras da cidade. Se o espao, para Merleau-Ponty,

    capaz de exprimir a condio do ser no mundo, a memria escolhe lugares privilegiados de

    onde retira sua seiva.

    [...].

    A vida de uma rua densamente povoada inesgotavelmente rica, se registrarmos os

    seus sons e movimentos.(p. 71)

    A memria oral fecunda quando exerce a funo de intermedirio cultural entre

    geraes.(p.73)

    As histrias de vida muitas vezes decorrem em sobrados de pequena classe mdia

    que no merecem tombamento porque l no morou nenhum baro, mas foram adquiridos

    com prestaes custosas, privaes sem fim, que resultaram nessas casas adorveis que

    conhecemos: a mquina de costura a um canto da sala, a TV redimida por uma toalha de

    croch, os gernios...(p.74)

    A cidade, como a histria de vida, sempre a possibilidade desses trajetos que so

    nossos percursos, destino, trajetria da alma.(p. 75)

    Os urbanistas devem escutar os moradores, estar abertos sua memria, que a

    memria de cada rua e de cada bairro.

  • Recuperar a dimenso humana do espao um problema poltico dos mais

    urgentes.[...].

    [...]. A paisagem do bairro tem uma histria conquistada numa longa

    adaptao.(p. 76)

    Todos os povos procuram atravs da cultura exorcizar o fim do mundo, que o

    desastre de todo o projeto, a disperso, a agonia da cidade, a ruptura da vida quotidiana que

    nos to cara.

    O silncio, no meio da narrativa, expressa muitas vezes, o fim de um mundo.

    Por todos esses motivos que ns desejamos participar com os velhos memorialistas

    de uma esperana comum.(p.77)