Fichamento - Os Condenados Da Terra
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RESENHA: FANON, Frantz. Os Condenados da Terra (1962)
ALUNO: Bolívar Schlottfeldt Marini
Biografia e contexto da obra:
Fanon (1925 – 1961) foi um psiquiatra afro-caribenho de ascendência
francesa nascido na Martinica. Após servir ao exército francês durante a
Segunda Guerra Mundial, estudou medicina e psiquiatria na faculdade de Lyon
(França). Na faculdade entrou em contato com pensadores de esquerda e
entusiastas da independência Algerina.
Muda-se então para a Algéria e passa clinicar no Hospital Psiquiátrico
Blida-Joinville. Lá ele põe em prática seus métodos socioterápicos, valendo-se
do plano de fundo social de seus pacientes. Ao eclodir a Guerra de
Independência Argelina, Fanon filia-se à FLN (Frente de Libertação Nacional),
partido socialista que lutava pela independência da Argélia. Nesse contexto ele
desenvolve suas teorias sobre o impacto da colonização sobre o colonizado, o
que lhe leva a escrever “Os Condenados da Terra”
Teses do autor:
No capítulo 4 “Sobre a Cultura Nacional”, Fanon trata da necessidade que
os movimentos anti-colonialistas têm de legitimar suas causas, e dos
problemas em se chegar a essa legitimação. Ele concebe a si mesmo como
mais um dos “homens de cultura” colonizados, cuja missão é encontrar essa
legitimação. Fanon afirma que ela encontra-se justamente na cultura nacional
pretérita dos povos colonizados, afirmação que parece simples no começo,
mas que ao longo do capítulo é revestida de complexidade. Posto isso, ele
analisa as tentativas de legitimação e verifica problemas em suas concepções.
Percebe-se que há um processo colonizador que, intencionalmente,
descaracteriza e reduz a cultura nacional dos povos colonizados, objetivando
minar as forças de resistência. Antagonicamente, há a tentativa dos
colonizados de recuperar sua cultura nacional, mas que muitas vezes é
direcionado na busca pelo o esplendor de uma cultura passada. Sobre isso,
Fanon problematiza que o colonizado nem sempre consegue se dissociar dos
mecanismos da colonização, e acaba replicando os valores pelos quais ele
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mesmo foi reduzido e aculturado, só que numa ordem inversa. Neste ponto,
Fanon usa dois exemplos, o dos países africanos e o dos países árabes.
Fanon começa descrevendo os empreendimentos colonialistas na área
cultural. Primeiramente há abordagem econômica da colonização, em que o
colonizador tenta se justificar expondo o subdesenvolvimento do colonizado.
Assim, colonizador se põe na condição de benfeitor dos povos colonizados,
porém logo que percebe a própria impossibilidade de solucionar todos os
problemas econômico-sociais, há o reflexo de conter as exigências sociais pela
força.
Outro empreendimento de imposição do poder colonial é a infantilização
dos colonizados, que aparece na forma como o colonizador cria uma imagem
de protetor dos seus subalternos. Essa postura é descrita por Fanon não como
uma proteção contra as adversidades exteriores, mas como uma os
colonizados deles mesmos. O colonizador protege os colonizados dos seus
próprios impulsos autodestrutivos (barbárie). Fanon chega ao cerne das
questões psicológicas dos colonizados, uma vez que explica que esse
processo deixa marcas profundas na definição que os indivíduos têm de si
mesmos.
Qual seria então a solução segundo Fanon? Para ele, os “homens
políticos” colonizados partem de uma abordagem insuficiente, pois usam do
presente vivido e da luta pelo futuro da nação para legitimar sua luta. Para
Fanon a legitimidade se encontra mais no fundo, na história pretérita e
subterrânea da nação. Ele é consciente ao afirmar que só a descoberta de uma
cultura nacional anterior não é suficiente pra resolver os problemas, mas a sua
simples existência legitima uma cultura nacional autônoma no futuro, rompendo
com a premissa colonizadora da incapacidade dos colonizados se
organizarem.
Em seguida, Fanon usa dos exemplos africanos e árabes para analisar as
falhas de constituição dessas estratégias. Ao reivindicar uma cultura passada,
as nações africanas o fazem em caráter continental e não propriamente
nacional. Esse equívoco ocorre, pois o colonizado não percebe o quão
profundas são as marcas da colonização e segue usando da ciência, da
literatura etc. colonial para se definir. Fanon usa a expressão: “O negro que
jamais foi tão negro como a partir do instante em que esteve sob domínio do
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branco”. E com ela explica que o colonizador sempre se encarregou de negar
cultura colonizada em escala continental. Dessa forma, há um grande equívoco
dos intelectuais colonizados de se definirem por essa analogia, uma vez que
esta os separa de uma cultura nacional mais legítima, tornando opacos os
meios para vislumbrá-la. Fanon considera que o conceito de “negro” seja uma
construção colonial feita com o objetivo de para melhor subjugar os diferentes
povos africanos, massificando-os sob uma caricatura inexpressiva de si
mesmos.
Esse impulso colonizado de opor à cultura branca, uma cultura negra, é
também uma forma de opor-se ao universalismo branco com outro tipo de
universalismo. Ele é repleto de estetizações, “manifestações exibicionistas” e
tentativas de compreender todos os afro-descendentes dentro do mesmo
complexo de problemas e exigências. Fanon fala dos negros americanos, que
ao analisar seus problemas, perceberam que seus problemas e realidades em
pouca coisa se assemelhavam aos problemas dos negros africanos. Diga-se
de passagem, os problemas deles só se assemelhavam na forma como ambos
de definiam diante dos brancos. Uma clara evidência da eficácia desse recurso
colonizador e da dificuldade que será livrar-se de suas repercussões culturais e
psicológicas.
No tocante à cultura árabe, Fanon descreve que há um nível de
uniformização menor da cultura (não houve uma comunhão homogênea dos
países árabes), mas mesmo essa busca por uma cultura árabe (no geral)
existe. Houve na “renascença árabe” uma retomada de valores e de
pensadores de sua cultura passada, mas ainda assim esse empreendimento
era feito visando uma “cultura árabe”, não uma “cultura nacional”. A
necessidade do colonizado em falar pelo nome de todos, segundo Fanon, é
condutores desse pensamento universalista/continental, aparentemente muito
bem posicionado/politizado, mas que não lança bases efetivas para a
libertação dos povos.
Outro ponto que diferencia os árabes dos africanos reside no fato de que
muitas nações que descobriam os indícios de suas culturas nacionais
percebiam que os níveis de interdependência econômica da sua região eram,
no momento, superiores ao passado que queriam reviver. Visto que na época
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em que escreveu os estados árabes estavam adaptando-se às pressões
modernas que a inserção no circuito comercial mediterrâneo os impunha.
Porém Fanon segue em busca de uma solução. Ele compreende esse
reflexo de afirmação de uma cultura continental africana ou árabe como uma
etapa de um processo em que os homens de cultura vão se desvinculando da
opressão colonial. Processo precedido pela total imersão na cultura do
colonizador, seguido de uma relação de exterioridade com o próprio povo (o
intelectual ainda usa das ferramentas da colonização), e finalmente culminado
por um período de combate à colonização (encontro das próprias ferramentas)
através de um despertar do povo promovido pela cultura nacional (ele
evidencia a importância da literatura nacional para esse intento).
Contudo, Fanon não reduz sua análise pela via da cultura e da
consciência, ele se posiciona conforme o materialismo dialético ao afirmar que
o testemunho da nação não se dá apenas pela cultura, mas pelo combate que
o povo conduz contra as forças de ocupação (legitimação pela luta). Para
Fanon, não basta recriar um passado que não existe mais, mas sim
reinterpretar a realidade da colonização pela óptica do povo. Estando ciente de
todo o processo colonizador, o homem de cultura deve guiar seu povo por um
caminho construído pelos próprios pressupostos civilizatórios. Essa olhada
para o passado nunca é descontextualizada, e sempre deve ter o objetivo de
alavancar o povo para o futuro.
Pontua-se usando as palavras de Fanon: “Não se pode querer o
esplendor de uma cultura africana se não se contribui concretamente para a
existência das condições dessa cultura, isto é, para a libertação do continente”.