Fichamento Literatura e Vida Social

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Fichamento do ensaio Literatura e Vida Social, de Antonio Candido, realizado no 1º semestre/2015 na disciplina Leituras do texto Literário do curso de Letras/UFU.

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Universidade Federal de Uberlndia-UFUInstituto de Letras e Lingustica-ILEELDisciplina: Leituras do Texto LiterrioDocente: Carlos AugustoDiscente: Manuel Batista de S Filho- 1 Perodo (noturno)

Fichamento:CANDIDO, Antnio. Literatura e vida Social. In: Literatura e Sociedade: Estudos de Teoria e Histria Literria. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006, p.27-48.

Literatura e vida social

Qual a influncia exercida pelo meio social sobre a obra de arte? Qual a funo do artista, sua posio social e limites de sua autonomia criadora? Como se do as configuraes das obras e qual a importncia do pblico na anlise do pesquisador? Em seu ensaio, o socilogo e crtico literrio Antnio Candido deseja focalizar os elementos que se conectam na relao entre vida artstica/literria e social em diferentes momentos histricos e esboar respostas para as perguntas supracitadas. Os estudos realizados pelos interessados na relao entre cincias sociais e literatura teriam levado, segundo o autor, a resultados insatisfatrios, restringindo-se pontos de vista arbitrrios, sem a utilizao de metodologias que permitissem um estudo objetivo do campo de anlise. O simplismo de socilogos e psiclogos levou-os muitas vezes

ao descrdito [d]as orientaes sociolgicas e psicolgicas, como instrumentos de interpretao do fato literrio. intil recorda, neste sentido, famosas redues esquemticas, que poderiam se reduzir a frmulas como: Dai-me o meio e a raa, eu vos darei a obra; ou: Sendo o talento e o gnio formas especiais de desequilbrio, a obra constitui especialmente um sintoma, e assim por diante. (CANDIDO,27)

Entre essas interpretaes esquemticas encontram-se as que buscam na literatura um reflexo da vida social, corrente nos sculos XVIII e XIX. Iniciada com Madame de Stelna Frana, essa corrente postulava que a literatura tambm um produto social, exprimindo as condies de cada civilizao em que ocorre. (CANDIDO,29) Outra interpretao resume o valor da arte aos seus motivos de ordem moral e poltica, circunscrevendo a anlise das obras ao seu contedo social.Para Candido, a sociologia moderna deveria esclarecer alguns aspectos relacionados ao fenmeno literrio/artstico, indo alm de posies mecanicistas. A relao arte e sociedade deveria ser encarada dialeticamente, enfocando nos

tipos de relaes e os fatos estruturais ligados vida artstica, como causa ou consequncia. Neste sentido, a prpria literatura hermtica apresenta fenmenos que a tornam to social (...) quanto a poesia poltica ou o romance de costumes (...) com a consequente diferenciao de grupos iniciados, e efeitos positivos e negativos nas correntes de opinio. (CANDIDO,30-1)

necessrio iniciar a anlise pelas influncias concretas exercidas pelos fatores socioculturais, sendo os mais decisivos os que se ligam estrutura social, aos valores e ideologia e s tcnicas de comunicao. Esses fatores marcam os quatro momentos da feitura da obra, a saber: a) o artista, sob o impulso de uma necessidade interior, orienta-o segundo os padres de sua poca, b) escolhe certos temas, c) usa certas formas, d) a sntese resultante age sobre o meio. (CANDIDO,31) Ao ser expresso da intuio e criatividade do artista, a obra acaba por incluir elementos mais amplos, pois ao recorrer

ao arsenal comum da civilizao para os temas e formas da obra, e na medida em que ambos se moldam sempre ao pblico, atual ou prefigurado (...), impossvel deixar de incluir na sua explicao todos os elementos do processo comunicativo, que integrador e bitransitivo por excelncia.(CANDIDO,32)

Elementos como autor, obra e pblico esto indissoluvelmente ligados, pois a realizao e a recepo da obra so dois momentos de um mesmo fenmeno: a obra s se encontra acabada no momento em que atua na sociedade. A arte um sistema de comunicao inter-humano e est profundamente imbricada com a sociedade num vasto sistema solidrio de influncias recprocas. A atividade do artista estimula a diferenciao de grupos; a criao de obras modifica os recursos de comunicao expressivas; as obras delimitam e organizam o pblico. (CANDIDO,34)De acordo com Candido, a posio do artista individual, primeiro elemento a ser analisado, adquire significado social ao passo que as pessoas correspondem a necessidades coletivas; e estas permitem que os indivduos possam se exprimir, encontrando repercusso no grupo. Nas palavras do autor,

em primeiro lugar, h necessidade de um agente individual que tome a si a tarefa de criar ou apresentar a obra; em segundo lugar, ele ou no reconhecido como criador ou intrprete pela sociedade, e o destino da obra est ligado a esta circunstncia; em terceiro lugar, ele utiliza a obra, assim marcada pela sociedade, como veculo das suas aspiraes individuais mais profundas. (CANDIDO,35)A obra surge na confluncia das condies sociais e aspiraes individuais. De acordo com a sociedade, o tipo de arte e a perspectiva adotada, a relao entre essas esferas pode ser distinta. No tocante obra, Candido aponta o influxo exercido pelos valores sociais, ideologias e sistemas de comunicao, que nela se transmudam em contedo e forma, discernveis apenas logicamente, pois na realidade decorrem do impulso criador como unidade inseparvel. (CANDIDO,40). A obra depende estritamente tanto do artista quanto das condies sociais que determinam sua produo: os valores e a ideologia de uma sociedade (responsveis pelo contedo) e o sistema de comunicao (responsvel pela forma). Entre os exemplos arrolados pelo autor, citada a influncia decisiva do jornal sobre a literatura na criao dos romances de folhetim, surgido na Frana nos anos 1820. Para capturar a ateno do pblico, ocorrem alteraes na estrutura da obra romanesca, que passa a investir em aspectos como uma linguagem acessvel, temas vibrantes, suspenses para nutrir a expectativa e dilogos abundantes com rplicas breves.Com o crescimento e diferenciao da sociedade, o pblico, terceiro e ltimo elemento da anlise de Candido, comea a se distinguir nitidamente do artista:

enquanto numa sociedade menos diferenciada os receptores se encontram, via de regra, em contato direto com o criador, tal no se d as mais das vezes em nosso tempo, quando o pblico no constitui um grupo, mas um conjunto informe, isto , sem estrutura, de onde podem ou no desprender-se agrupamentos configurados. (CANDIDO,44)

A inveno da escrita, no caso da literatura, abre uma era em que predominam os pblicos indiretos, de contatos secundrios com o artista. Esse pblico atinge mpeto vertiginoso com a inveno da tipografia e o fim do mecenato estamental e acaba por formar uma massa abstrata ou virtual, composta por grupos informes de pessoas que formam os diferentes pblicos das artes, como os leitores de rico Verssimo ou os admiradores de Picasso.Os valores tambm compem importante parte da constituio do pblico ao exprimirem as expectativas sociais, que se expressam em gostos, modas e rotinas. Para Candido, a sociedade, com efeito, traa normas por vezes tirnicas para o amador de arte, e muito do que julgamos reao espontnea de nossa sensibilidade , de fato, conformidade automtica aos padres. (CANDIDO, 46)Dessa forma, podemos considerar que o pblico d valor e sentido obra. Sem a obra, o autor no se realiza, pois ela o produto que reflete a sua imagem enquanto criador. A obra, por sua vez, vincula o autor ao pblico e o autor, por sua vez, intermedirio entre a obra, que criou, e o pblico, a que se dirige. Esses elementos encontram-se, portanto, imbricados, sendo fundamentais para a anlise do fenmeno artstico/literrio e social. O ato completo da linguagem, nos diz Pollock, citado por Candido, depende da interao das trs partes, cada uma das quais, afinal, s inteligvel [...] no contexto normal do conjunto. (CANDIDO,48) Mesmo no sendo capazes de explicar a totalidade do fenmeno artstico (por no serem as nicas instncias que bastam para explicar a influncia do meio social da arte), autor-obra-pblico/obra-autor-pblico/autor-pblico-obra so importantes fatores de anlise no estudo do estudioso interessado na pesquisa sociolgica da arte e podem ajudar a compreender a prpria criao de obras artsticas.