Fichamento - Ecologia da Comunicação - Vicente Romano

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UNIVERSIDADE DE SOROCABA PRÓ-REITORIA ACADÊMICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA FICHAMENTO: ROMANO, Vicente. Ecología de la Comunicación. Editora Hiru, 2004 1 . ORIENTADOR: Professor Doutor Paulo Celso da Silva ALUNO: Luiz Guilherme Leite Amaral. E-mail: [email protected] p. 9 Como é bem sabido, toda mudança tecnológica radical implica em uma mudança nos modos de produção e de consumo, ou seja, cria-se uma revolução. A prática ecologista se contrapõe claramente ao modo atual de produção, tão depredador tanto para a matéria quanto o espírito. Surge assim a consciência de que “a revolução social moderna sugere pontos de vista ecologistas”. p. 10 Como se sabe, as intervenções técnicas do ser humano não se limitam à biosfera. Também afetam a sociosfera e o âmbito da comunicação, o meio social humano. p. 11 As intervenções tecnológicas na esfera da comunicação têm consequências para os indivíduos 1 Escrito originalmente em espanhol e traduzido para o português neste fichamento. 1

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UNIVERSIDADE DE SOROCABAPRÓ-REITORIA ACADÊMICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃOEM COMUNICAÇÃO E CULTURA

FICHAMENTO: ROMANO, Vicente. Ecología de la Comunicación. Editora Hiru, 20041.ORIENTADOR: Professor Doutor Paulo Celso da SilvaALUNO: Luiz Guilherme Leite Amaral. E-mail: [email protected]

p. 9 Como é bem sabido, toda mudança tecnológica radical implica em uma mudança nos modos de produção e de consumo, ou seja, cria-se uma revolução. A prática ecologista se contrapõe claramente ao modo atual de produção, tão depredador tanto para a matéria quanto o espírito. Surge assim a consciência de que “a revolução social moderna sugere pontos de vista ecologistas”.

p. 10 Como se sabe, as intervenções técnicas do ser humano não se limitam à biosfera. Também afetam a sociosfera e o âmbito da comunicação, o meio social humano.

p. 11 As intervenções tecnológicas na esfera da comunicação têm consequências para os indivíduos e a sociedade. A organização atual das comunicações, qualificada como “revolução comunicacional” por alguns, apresenta as seguintes tendências: 1) a sociedade dispõe de mais aparatos técnicos, de mais comunicação tecnicamente difundida e canalizada e 2) de mais informação. Mas também ouve-se mais vozes que, precisamente por isso ou pelo uso de Tecnologias de Informação e

1 Escrito originalmente em espanhol e traduzido para o português neste fichamento.

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Comunicação (TIC), afirmam que 3) há cada vez menos contatos pessoais, menos comunicação primária. Altera-se a relação entre a função informativa e a função socializadora da comunicação. Mais aparato tecnológico e mais informações normalmente traduzem-se em simples luxo de poucas sociedades avançadas e ricas do Primeiro Mundo em detrimento de tantas pobres e atrasadas do Terceiro Mundo. A redução dos contatos pessoais, quer dizer, o aumento da solidão, afeta sempre a saúde mental.

p. 12 A ecologia da comunicação estabelece assim uma ponte entre a teoria da comunicação e a ecologia humana. No fundo, trata-se de estudar a relação entre o meio humano interno e o meio comunicativo externo. Sob esta perspectiva, cabe perguntar: 1) Como querem comunicar-se os seres humanos, que atitude tomar ante o meio interno, social e natural?; 2) Que exigências derivam disto para a organização das condições tecnológicas da comunicação?; 3) Até que ponto é factível criar ou conservar relações satisfatórias com o meio interno, social e natural?; 4) Quais são as necessidades humanas de informação e comunicação?; 5) Como sensibilizar a percepção para as necessidades comunicativas, como orientar a ação comunicativa de modo que dê conta não somente do aspecto tecnológico, mas também do espiritual, social e ecológico?

p. 16 Os interesses econômicos também produzem mudanças. As infraestruturas custam muito dinheiro. Daí que para torná-las rentáveis utilize-se o princípio de economia de sinais (Pross). Neste sentido desempenham um papel decisivo na superação de espaço, como fator de consome tempo, e o emprego racional de tempo no processo de trabalho. Ambas exigem inovação

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constante, ainda que na atualidade são as tecnologias relacionadas com a informação e comunicação que exercem papel importante.

p. 17 Pelas teorias de socialização e de psicologia social sabe-se como são essenciais as relações comunicativas para a formação da identidade, a capacidade de relacionar-se com outros e a competência comunicativa. A saúde mental e a capacidade para delimitar o trato com outras pessoas e declarar-se solidário a elas aprende-se na interação direta com o entorno natural e social. E isto não pode acontecer de maneira abstrata ou medial, já que implica em ação direta no aqui e agora, interação direta em um espaço e tempo dados, no curso dos sentidos e possibilidades expressivas. Requer a qualidade especial do intercâmbio direto, do princípio dialógico (Freire). Requer o espaço da experiência sensorial concreta; a comunicação contextualizada e situacional. Exige a resposta, a reação humana, que amplia a visão, a compreensão individual do entorno social e do mundo.

p. 17-18 É mister o entorno natural e social vivo, em vez de sistemas tecnológicos rígidos nos quais os seres humanos estão fixados no sentido do diálogo pessoa-máquina. Requer espaços sensorialmente perceptíveis onde se possa implantar a profusão social e humana do instante. Trata-se de “lugares do tempo”, lugares de encontro, de entrar em contato: mercados, praças, campos desportivos, pátios, cafés, igrejas, etc. Este tipo de lugares de atividade simultânea parece desaparecer cada vez mais do cenário, seja no trabalho, em público ou em casa. O diálogo com o companheiro ou companheira de trabalho foi substituído pelo diálogo com a tela do computador. No lugar da cozinha e da

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mesa como centro cálido da família e a refeição em comum foi ocupado pela cozinha rápida. A vendinha que convidava a bater papo com o vizinho foi substituída pelo supermercado impessoal.

p. 27 Se se limita à origem da burguesia de o mercantilismo europeu, a partir de 1500, em uma data redonda e aproximada, a natureza é considerada como algo passivo, inerte, como uma soma de coisas, como algo que existe para o benefício dos seres humanos. (...)

p. 28 Com a conquista da América começa a se consolidar a ideia de que o homem é proprietário da natureza. Vaidoso por sua superioridade absoluta, e a partir dos séculos XVI e XVII, o europeu se converte em depredador do espaço, da natureza e de quem neles habitam. (...) No século XVIII apareceram conceitos de ‘estado primitivo do homem’ e ‘cenário natural’, que tiveram seu apogeu no século XIX. (...) O ‘natural’ se define como ‘selvagem’, o ‘rural’ como ‘ingênuo’, ideias que ainda persistem na consciência social (...). O romantismo dá, portanto, um sentido de unidade entre os seres humanos e a natureza, ainda que seja conveniente esquecer que esta atitude cultural era idealista, não materialista.

p. 37 A evolução é a lei básica de toda realidade. Por isso, para entender bem algo deve-se relacioná-lo. Uma coisa é por todas as outras, dizia Hegel. Deve-se entender o processo de onde ele surgiu, o que o mantém e o modifica com o tempo.

p. 39 A ideia do progresso é indubitavelmente uma das conquistas mais velhas da burguesia. Se não se compreende unicamente como mera acumulação de meios técnicos, o progresso também significa a superação de prejuízos, produção de juízo crítico,

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aumento da emancipação, extensão da autodeterminação em detrimento da heterodeterminação, em suma, na liberdade do homem. É evidente que não se trata então de um contínuo processo de subida, mas que avança em ziguezague. A “Dialética de la Ilustración” consistia, e ainda consiste, em conhecer os desenvolvimentos contrários ao progresso propriamente ditos, ou seja, o progresso social. Progresso e regresso, avanço e retorno ao velho são os aspectos condicionantes de uma cultura que parece ter perdido a capacidade de descobrir e superar suas próprias contradições. O verdadeiro progresso parece consistir hoje na conservação do velho esquecido e deslocado, de uma natureza que não foi mutilada, da dignidade humana, da participação.

p. 40 Para estudar a evolução humana deve-se considerar dois processos inseparáveis, complementares, que empurram um ao outro continuamente: de uma lado, a evolução do meio humano em função dos seus indivíduos e, por outro, a evolução dos indivíduos humanos em função do meio. Como em todas as outras épocas da evolução biológica, a evolução humana avança em uma direção determinada, em uma linha de progresso.(...) O futuro evolutivo só depende da direção que tomam os processos das relações dos homens entre si, únicos seres vivos abertos à liberdade, de agora em diante, neste planeta. A natureza do homem, seu futuro depende da evolução de sua ação e experiência em termos de organização (ou seja, da sociedade, do meio humano). A única maneira de entender o homem e influir racionalmente sobre ele, sob qualquer aspecto, é atuar sobre seu meio congruente, a sociedade (...).

p. 41 A evolução não é nenhum deus ex machina capaz de

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resolver os problemas, mas que foi, é e será um resultado da ação e experiência dos próprios homens: só nas mãos do homem está determinada a marcha dos assuntos humanos. A direção da história é um processo determinado pelas intenções de um todo (a sociedade) e os agentes que o constituem e o modificam (os homens). É um resultado e não um fim.

p. 46 O termo “ecologia” vem do grego oikos (casa, lugar) e logos (doutrina, ciência). Em 1866, o zoólogo e filósofo da ciência Ernst Haeckel (1834-1919) definiu a ecologia como a ciência que estuda “as relações do organismo com o mundo exterior que o rodeia, entre as quais pode-se encontrar, em um sentido amplo, todas as condições de vida”.

p. 47 A característica do discurso ecológico está na interação recíproca. Por conseguinte, como disse Leonardo Boff, “a ecologia é um saber sobre as relações, interconexões, interdependências e intercâmbios em todos os pontos e a todo momento”.

p. 47-48 K. Marx e F. Engels previam a sociedade comunista do futuro como uma organização social, “em que os produtores associados regulam racionalmente e por si próprios suas relações com a natureza”. Apontaram também uma possível solução ao problema ecológico com o desenvolvimento de seu método dialético, o questionamento da propriedade privada como direito ilimitado de uso e abuso da terra, as ideias de planificação central, etc. Desgraçadamente, o desenvolvimentismo intransigente imposto por J. Stalin e seus seguidores esquivou-se destas abordagens, empreendendo práticas de competição com o capitalismo que conduziram às conhecidas catástrofes ecológicas e sociais da extinta URSS e dos outros países

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do “socialismo realmente existente”.p. 58 A função qualitativamente nova da consciência humana

é ser órgão de transformação ativa e criadora do mundo, instrumento da direção e regulação da vida social e individual. A consciência não é, pois, nenhum reflexo passivo da realidade objetiva, mas atividade criadora e transformadora. A consciência humana é um processo ativo da conquista intelectual do mundo pelo ser humano.

p. 59 A comunicação é o processo e o resultado da relação, mediada pelo intercâmbio de informações e sentimentos, entre indivíduos (humanos), seus grupos e organizações sociais, instituições, etc. Por um lado, trata-se do processo de compreensão entre indivíduos e grupos sociais, processo que se desenvolve com o objetivo de facilitar a atividade social e transformadora do ser humano. Através desta atividade contribui-se para a criação, estabilização e modificação das relações e condições sociais. O objetivo final da comunicação é a compreensão dos seres humanos para a cooperação no conhecimento, emprego e/ou modificação da natureza, a fim de garantir sua existência e seu desenvolvimento físico e espiritual. Por outro lado, a comunicação é o resultado do intercâmbio de informação e sentimentos. A comunicação é um fator essencial da divisão de trabalho e cooperação, ou seja, um dos pressupostos e condições da existência social do homem. O reflexo adequado da realidade na consciência dos indivíduos, o intercâmbio de conteúdos de consciência, sua verificação social e, por consequência, sua aplicação na práxis social, só é possível através da comunicação. A comunicação é, se não, um elemento constituinte da práxis e das relações sociais.

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p. 73 O desenvolvimento tecnológico das comunicações seguiu o que Harry Pross chama de “economia de sinais”, que caminha junto à economia política. Segundo Pross, as inovações técnicas se difundem em quatro fases: 1) algumas cabeças geniais elevam as técnicas existentes e outras novas; 2) os comerciantes levam a inovação aos mercados geralmente com a ajuda de empréstimos. Para isso necessita-se da propaganda tanto como a religião ou a política; 3) o público se apodera maciçamente da nova técnica e a generaliza; 4) os preços diminuem com o aumento crescente das vendas e afundam. Aumenta o tédio. A curiosidade inventa outras novidades. O jogo recomeça.

P. 75 A “sociedade da informação” pressupõe processos globais retificados que se encadeiam entre si com um gasto mínimo de energia. Mas há opiniões diversas sobre se a “sociedade da informação” pode se converter em uma “sociedade informada”. De acordo com o Media Vision Trend 1997, os saber sobre os novos meios aumenta com mais rapidez do que sua utilidade tanto em termos gerais como em alguns ramos específicos porque o acesso é demasiado complicado e as garantias são pequenas.

p. 89-90 O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação motivaram que a evolução social atual se qualifique como “sociedade da informação”, “sociedade dos meios”, “sociedade da comunicação” ou ainda de “revolução”, como disse Bill Gates e outros. Com estes adjetivos se pretende dizer que o setor da comunicação se converteu em um fator determinante para a sociedade. No entanto, também se levantam algumas vozes críticas que questionam se os seres humanos se comunicam mais que antes. O certo é que os interesses

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econômicos prestam cada vez mais atenção na comunicação e que se desenvolvam novas formas e sistemas de uma comunicação tecnicista. A comunicação se industrializa, comercializa, mediatiza.

p. 91 A “sociedade da comunicação” pode ser, em última instância, uma sociedade de pessoas inativas e submissas, convertidas em apêndices de mercado. O “novo mundo feliz”, cheio de entretenimento, adormece a atitude crítica. O entretenimento compensa os déficits emocionais de uma sociedade geradora de angústias. Nisso está o êxito da indústria, a “indústria da tensão”, como denomina H. Broch. As cotas de audiência se baseiam inclusive no fato de que há cada vez mais pessoas que coíbem o contato e a interação com os outros. Além disso, quanto maior é a oferta de programas simultâneos, tanto maior é a possibilidade de que os consumidores selecionem aquilo com que eles concordam e reforcem sua cosmovisão. É provável, assim mesmo, que a inflação da comunicação diminua o conhecimento em vez de enriquecê-lo, porque a hiberabundância de sinais carrega sobremaneira a capacidade de percepção e deixa a interpretação insegura, que é iniciada na percepção.

p. 108 A linguagem dos computadores tornou-se mais acessível, de modo que podem desempenhar uma série de funções no âmbito do entretenimento, da educação, do lugar e dos negócios. Deste modo, a “tecnologia da informação” desenhada para a grande indústria, a administração pública, o exército e a gestão das grande empresas converteu-se em um bem de consumo maciço. Em segundo lugar, esta “revolução” das telecomunicações permitiu a transmissão de novos tipos de informações em quantidades e velocidades antes

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impensáveis. Os símbolos populares desta “revolução” são o fax, a TV a cabo ou satélite, a internet, a telefonia celular, a combinação de vários destes instrumentos conhecida pelo termo “multimeios”, etc. A transmissão praticamente instantânea de dados e a interação entre computadores individuais é um feito em nível mundial. A quantidade foi traduzida em qualidade.

p. 109 Mas a interatividade mais chamativa reside nas conversações em “tempo real” feitas pela tela. Isso supõe uma nova mescla de comunicação: “oral” em escala temporal, “escrita” pela sua forma e “eletrônica” por extensão.

p.145-146

A ecologia da comunicação é um ramo da ciência relativamente novo. No âmbito espanhol, o autor deste trabalho [Vicente Romano] utilizou este conceito em relação com os meios de comunicação em 1989 e quatro anos mais tarde, aplicado à comunicação em geral. No mundo anglófono estão os livros de David L. Altheide, An Ecology of Communication: cultural formats of control (New York, 1995), e o volume coletivo do International Institute of Communications Cultural Ecology: the changing dynamics of communications (Londres, 1997). O primeiro se ocupa a falar sobre pode e controle. Entende a ecologia da comunicação como estrutura, organização e acessibilidade de diversos foros, meios e canais de informação. Ocupa-se da relação entre tecnologia da informação e formatos de comunicação e atividades. (...) O segundo é um trabalho em conjunto do Instituto Internacional de Comunicação que analisa as repercussões socioculturais das Tecnologia das Comunicação em diversas parte do mundo. Aqui se segue a linha empreendida pela professora B. Mettler von Meibom, seus discípulos e seus colaboradores

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agrupados em torno do Instituto de Ecologia da Informação e Comunicação, fundado em 1989, em Duisburg, Alemanha.

p. 147 Para Thomas Muntschick, “ecologia da comunicação” é um termo técnico para uma nova crítica da economia política da comunicação. Segundo este pesquisador, a tecnificação e comercialização da comunicação levaram à industrialização, com o objetivo de converter o indivíduo em receptor ideal. Os meios aparecem como instrumento sistemático para a dissolução da comunicação pessoal. A colonização tecnológica e cultural do Terceiro Mundo se corresponde com a colonização da vida cotidiana do Primeiro Mundo, acelerada pela troca na estrutura perceptiva, provocado pelas estruturas produtivas das sociedades altamente desenvolvidas.

p. 147 A ciência da comunicação não só se remete aqui às relações e estruturas, às situações cara a cara, assim como a seus meios técnicos, mas que também considera a diferença entre os objetos como objetos materiais e como símbolos, integrando assim a relação espaço-comunicação. Como ciência histórica concreta inclui o estudo crítico dos meios. Assim como a ecologia remete a lugares nos quais a história da natureza se relaciona com os seres humanos, o estudo concreto, histórico e tecnológico dos meios remete a lugares onde a história dos meios técnicos de entendimento e a história direta do intercâmbio humano podem ser investigadas em conexão com a história da natureza.

p. 148-149

O valor de uso político da ecologia da comunicação reside em liberá-la do jugo de simples meio de produção útil, dos seus aspectos técnicos e valores, para transformá-la em comunicação que produz e conserva

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relações de experiências. Comunicação semelhante seria a premissa para o processo amplo de formação de opinião pública, premissa para a apropriação plena da história. Como novo ramo científico, a ecologia da comunicação estabelece um vínculo entre comunicologia e ecologia humana. Ocupa-se, por um lado, dos efeitos da técnica na comunicação humana e, por outro, da repercussão da comunicação tecnificada na natureza humana, na sociedade e no entorno físico. Como dizia B. Newitt, um discípulo de McLuhan em 1982: até agora os estudiosos de comunicação só reagiram às trocas que o meio ambiente produziu nas mentes, corpos e sociedades. Hoje estabelece-se uma ecologia global da comunicação em que o ritmo alcançou a velocidade da luz. Por isso temos que aprender a prever, não só os efeitos materiais, mas também os espirituais e sociais das extensões tecnológicas. Marx dizia que o ser humano não cria problemas que não possa solucionar. Por isso, a criação de um problema é a premissa para a solução. Criticar os efeitos negativos não significa ser um apocalíptico, no sentido pejorativo em que este termo de U. Eco é aplicado. Não deveríamos interpretar como um mero pessimismo, mas como um primeiro passo para uma estratégia construtiva para aumentar a qualidade de vida dos seres humanos.

p. 149 No sentido original de oikos, casa, lugar, refúgio, segurança, bem-estar, etc., a ecologia da comunicação pretende averiguar até que ponto pode-se criar, com a comunicação, comunidades onde o mundo apareça como um meio próprio em que o ser humano sinta-se à vontade. Assim é como se concretiza a ponte entre teoria da comunicação e teoria humana. A pertinência de tomar em consideração a dimensão ecológica da

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comunicação foi criada pela primeira vez por Claus Eurich em 1980, como reação à comunicação tecnológica. Ante o predomínio dos meios tecnológicos, do que há vários decênios vem-se denominando Tecnologia de Informação e Comunicação, Eurich e, pouco depois, a professora B. Mettler von Meibom, criaram a questão da “conservação ou recreação de um mundo comunicacional intacto, adequado à natureza humana, ou seja, espaços individuais de ação e experiência, de redes interpessoais de contato e, por consequência de comunicação. Sua condição básica é a capacidade de interação com uma visão de conjunto e descentralização. Quando a comunicação se vê limitada, quando se criam barreiras sociais, ideológicas, políticas e arquitetônicas, deve-se estabelecer as condições para uma comunicação exitosa.

p. 149-150

Surge, então a exigência de que os seres humanos tomem consciência e assumam sua responsabilidade em seu entorno comunicacional. Neste contexto torna-se relevante a educação das crianças e jovens para uma existência comunicativa e um trato razoável com os meios. Para B. Mettler von Meibom, o objetivo da ecologia da comunicação consiste em “tematizar e analisar as correções que acontecem além das subdivisões das disciplinas científicas e dos setores sociais”. De modo análogo como tem ocorrido com o domínio da natureza graças aos avanços da técnica e da industrialização nos últimos 150 anos, domínio que se tem traduzido em um experimento falido, também se pode observar uma experiência semelhante na esfera da comunicação. Pois bem, a comunicação deve se aprimorada tecnicamente, mas os domínios dos processos comunicativos mediante a racionalização

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técnico-econômica poderia ter também consequências desastrosas. Ante os efeitos nocivos de algumas intervenções tecnológicas da biosfera, surge o temor se a tecnificação atual pode ter repercussões análogas no âmbito da comunicação. Se, e até que ponto, a onda atual de desenvolvimento tecnológico e de apropriação de técnicas de informação e comunicação de meios de massa, tão elogiada por Toffler, não pode transportar também efeitos não desejados ou previstos.

150-151 Por outro lado, deve-se dar conta das questões de poder e de domínio, uma vez que o desenvolvimento e apropriação tecnológicos estão submetidos em grande parte a interesses econômicos. Daí que a ecologia da comunicação seja concebida como tese teórica e investigadora que trata, por um lado, da repercussão da técnica na índole da comunicação humana (relação tecnologia-comunicação), e, por outro, dos efeitos da comunicação tecnificada na natureza humana (relação comunicação tecnificada-ser humano), na sociedade (relação comunicação tecnificada-sociedade/cultura/civilização), e a natureza extra-humana (relação comunicação tecnificada-natureza extra-humana).

p. 151 Nestas relações se dão duas perspectivas: a) macroscópica, e b) microscópica. A) A perspectiva macroscópica estuda como incide a técnica na comunicação como um todo. Assim, por exemplo, pode-se afirmar que a vinculação espaço-temporal natural da comunicação humana se dissolve com alguns sistemas tecnológicos (o telefone supre o lugar e a secretária eletrônica o tempo). B) A perspectiva microscópica analisa os efeitos da técnica nos elementos de um processo específico de comunicação. Trata-se, logo, da

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relação entre a técnica e os elementos estruturais tempo, espaço, atores (emissor-receptor, produtor-consumidor), meio, mensagem; assim como a relação entre a técnica e os elementos funcionais dos processos que transmitem sinais, informações, estabelecem relações e criam comunidade.

p. 152 Em segundo lugar, a ecologia da comunicação, enquanto bioecologia, ecologia humana, enquanto tese humanista, trata das consequências que se derivam das intervenções tecnológicas da comunicação (das tecnologias da comunicação) para os seres humanos, a natureza extra-humana, a sociedade, a cultura e a comunicação. Aqui também se pode distinguir entre perspectiva macro e microscópica. Em nível macro, a relação comunicação tecnificada-ser humano cria questões como a influência da comunicação tecnificada em conjunto dos seres humanos, se amplia ou restringe a liberdade, se favorece ou prejudica a saúde, a competência cognitiva, social, comunicativa, se reduz ou prolonga a infância, se sobrecarrega, alivia ou instrui os sentidos, se limita ou fomenta a sensorialidade, etc. Em nível microscópico estuda as relações entre comunicação tecnificada e os processos físicos, psíquicos, sociais e espirituais do ser humano. Criam aqui questões como quais processos se desencadeiam ou não do uso de um sistema tecnológico e quais consequências implicam. De todas estas considerações deriva-se o conceito de comunicação ecológica, ou seja, formas duradouras de comunicação compatíveis com o ser humano, a sociedade, a cultura e o meio natural.

152-153 Do ponto de vista técnico, a comunicação ecológica não apenas transmite sinais e informações, mas também estabelece necessariamente relações e cria

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comunidades com meios próprios. Compreende o aspecto sígnico, informativo, relacional e meio ambiental da comunicação humana. Representa assim a suprema cultura comunicativa. A comunicação ecológica pode e deve figurar como ideia reitora de toda atuação comunicativa. A comunicação ecológica implica atenção e sinceridade recíprocas, confiança, e surge do respeito igualitário a partir do interlocutor. Corre paralela com a renúncia ao uso da violência linguística, seja na expressão, entonação, velocidade, etc. Subordina os interesses próprios dos interlocutores aos de sua comunicação conjunta. Quem só pensa em si mesmo é irremediavelmente mal educado, por mais erudito que seja. A fundamentação de uma comunidade, a adaptação dos comunicadores à comunidade pressupõe a adaptação de uns aos outros. De uma perspectiva ecológica, T. Donath distingue entre a) comunicação natural; b) comunicação tecnificada e c) comunicação técnica.

p. 155-156

Existem, pois, razões suficientes para aplicar e desenvolver um modelo ecológico da cultura e da comunicação como um processo, ou seja, como uma relação dinâmica entre as tecnologias que regulam e desenham o mercado e os efeitos que têm na sociedade. Ignorar esta dinâmica conduz a criar problemas, não apenas sociopolíticos e comerciais como também meio ambientais e culturais. O modelo de ecologia cultural representa uma maneira sábia de compreender, e talvez retificar, a loucura mundial atual, afirma Danielle Cliche. A ecologia cultural, contínua, é um modo analítico com o qual se pode entender, estimar e reconfigurar signos, sistemas de símbolos, pautas de propriedade, controle para criar um futuro mais sustentável, justo e humano. O

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paradigma ecológico cria duas dimensões, uma material e outra simbólica. A primeira compreende as ciências meio ambientais e a segunda é o que se denomina ecologia cultural. Robert E. Babe desenvolveu um modelo de ecologia cultural que se resume a continuação. A crise ecológica atual é tanto cultural como biológica. Hoje em dia predomina uma ideologia da morte, tão destruidora ao planeta como à humanidade. Os elementos distintivos desta ideologia são: 1) a doutrina de que a realidade é uma mera construção social. As simulações (realidades virtuais) substituem o real cada vez mais. 2) A velocidade crescente com que se comercializam formas simbólicas. Uma parte considerável da informatização da sociedade é que cada vez mais se dá importância ao dinheiro como sistema simbólico e que os outros sistemas simbólicos se colocam a serviço do dinheiro, o que afeta a saúde meio ambiental e a comunidade humana. 3) A globalização da comunicação, que tem implicações negativas para a democracia, a diversidade cultural, a relação trabalho-capital, a ética, etc. 4) A natureza percebida como algo duro e improdutivo, que deve ser submetida apenas à vontade humana e à tecnologia. 5) A concepção de tempo e termos de eficiência e velocidade.

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