Fevereiro 2009 647 Problemas Nacionais v. 54 · Carta Mensal Ł R i od eJa nr , v.5 46 7 p 3- 1 f 2...
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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos
nas conferências aqui publicadas.
Fevereiro
2009
6 4 7
v. 5 4
Sumário
Viagem dos Sonhos ..................................................3Oswaldo Trigueiros Jr.
Reflexões Sobre o Sistema Tributário Brasileiro e Sua Eventual Reforma ........................................32Ives Gandra da Silva Martins
O Tratado de Roma e a Construção da Europa .....51Marcos Castrioto Azambuja
A Economia Brasileira e a Crise .............................92Ernane Galvêas
Problemas NacionaisConferências pronunciadas nas reuniões semanais do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comérciode Bens, Serviços e Turismo
Solicita-se aos assinantes comunicarem qualquer alteração de endereço.
As matérias podem ser livremente reproduzidas integral ou parcialmente, desde que citada a fonte.
A íntegra das duas últimas edições desta publicação estão disponíveis no endereço www.portaldocomercio.org.br, no link Produtos e Serviços � Publicações � Periódicos.
Publicação Mensal
Editor-Responsável: Gilberto PaimProjeto Gráfico: Coordenação de Documentação e Informação/Unidade de Programação VisualImpressão: Imo�s Gráfica
Carta M ensal |Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo � v. 1, n. 1 (1955) � Rio de Janeiro: CNC, 1955-
100 p.
Mensal
ISSN 0101-4315
1. Problemas Brasileiros � Periódicos. I. Confederação Nacional do Co-
mércio de Bens, Serviços e Turismo. Conselho Técnico.
Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo
v. 54, n. 647, Fevereiro 2009
Brasília
SBN Quadra 01 Bloco B no 14, 15o ao 18o andarEdifício Confederação Nacional do ComércioCEP 70041-902PABX (61) 3329-9500 | 3329-9501E-mail: cncdf@ cnc.com.br
Rio de Janeiro
Avenida General Justo, 307CEP 20021-130 Rio de JaneiroTels.: (21) 3804-9241Fax (21) 2544-9279E-mail: ctec@ cnc.com.br
W eb site: www.portaldocomercio.org.br
3Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Viagem dos Sonhos
Oswaldo Trigueiros Jr.Especialista em Turismo
Há alguns anos foi feito um estudo na Europa com o objetivo
de avaliar a in! uência que pode ter a escolha do melhor tipo
de prêmio, no sucesso de um concurso publicitário.
E esse estudo revelou que o oferecimento de uma Viagem, ou me-
lhor, de uma �Viagem dos Sonhos�, representa a maior motivação
que alguém pode ter.
Con" rma-se assim que, salvo por algumas poucas exceções, perso-
ni" cadas por sedentários empedernidos, que preferem passar horas
calmas numa rede em casa, a viagem para o descanso numa praia,
constitui a maior aspiração de muitos.
Por isso, para mim, as viagens respondem pelas maiores e melhores
aspirações.
4 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Acredito mesmo que não haja uma só pessoa que não se sensibilize
por um cartaz de turismo.
Ou pela reprodução de uma paisagem exótica.
Sob esse aspecto, toda a indústria do Turismo, que movimenta 40
bilhões de dólares anuais, vislumbra o mercado como um gigantesco
grupo de �CONSUMIDORES IDEAIS�.
E assim, grande parte da população aceita e se embevece com a
propaganda turística.
A simples palavra �VIAGEM�, aliás, evoca, invariavelmente, no espí-
rito das pessoas, uma série de visões, de lembranças e de estímulos.
Eles se misturam quase como num caleidoscópio.
Isso me permite lembrar de três desenhos humorísticos, publicados
há algum tempo, que procurei trazer para os dias de hoje.
O primeiro representava uma secretária de uma agência de viagens,
com ar triste e sonhador, com olhar ! xo para o exterior, onde só
avistava edifícios cinzentos e antigos, num amontoado as! xiante.
No desenho original, o tal escritório estava decorado com um atape-
tado de cartazes de tons contrastantes e vivos, onde se viam " ores,
um céu azul, antigas colunas de mármore e belas paisagens.
Tudo para indicar a alegria de viver em países cheios de sol e de cores,
de História e de beleza.
E ela ali se sentindo presa...
5Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Mas, ironicamente, é a ela que cabe vender e promover a possibilidade de alguém fazer uma viagem.
No segundo, também aqui esquematizado, via-se um viajante em algum lugar inóspito da África, já dentro de um caldeirão.
E o aborígine, ávido por um bom bife, já parece desapontado, quando pergunta:
� Por que não disse antes que era um agente de viagens da Wagon Lits/Cook?
E por ! m, no terceiro, mais recente, vemos o turista típico de nossos dias.
Em cada cidade famosa que visita, �bate� a clássica foto da esposa, que ostenta um sorriso iluminado, como a demonstrar que vem vi-vendo momentos felizes.
Torre Eiffel, Moulin Rouge, Arco do Triunfo, Sena, em Paris.
Praça São Marcos em Veneza, com os clássicos pombinhos...
Ela recostada na Torre de Pisa.
Uma outra em frente ao Partenon em Atenas.
Na frente do Big Ben, na Torre de Londres...
Ao regressar, porém, veri! ca que todas as fotogra! as falharam"
E então um amigo lhe faz a pergunta habitual:
� Como foi a viagem de férias?
6 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Ao que ele responde com ar azedo:
� Péssima! Não aproveitamos nada!
De fato, estas três histórinhas aqui condensadas representam as três
etapas de uma viagem:
A primeira representa a ilusão e a ânsia, que precedem aos prepara-
tivos da viagem.
Nessa ocasião, temos em mente procurar um ambiente diferente da-
quele em que vivemos. A" nal, é nele que somos obrigados a suportar
a realidade, quase sempre sem grandes novidades.
A segunda nos faz pensar nas peripécias, nas di" culdades e impre-
vistos que surgem durante a sua realização.
Por " m, a terceira nos faz ver a importância da evocação das sensa-
ções experimentadas, porque na realidade, ver e rever é viver com
maior intensidade.
Em outras palavras, sempre que fazemos uma viagem, aplicamos um
tríplice desdobramento:
Ao projetá-la;
Ao realizá-la; e
Ao relembrá-la.
Um dos fatores mais importantes de qualquer viagem é a motivação
para fazer esse deslocamento.
7Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Quantos de vocês aqui presentes não sonharam em visitar as Grandes
Pirâmides do Egito?
Dessas que são um dos mais imponentes símbolos do Universo?
De chegar perto daqueles símbolos e ver o tamanho das pedras com
que os antigos egípcios as construíram?
Vou mostrar agora um dos maiores símbolos de propaganda subli-
minar de turismo e que motivou milhões de americanos a conhecer
o Rio de Janeiro.
Ele utilizou três componentes importantes para o TURISMO, como
veremos a seguir:
Há exatos 75 anos, em 1933, a indústria cinematográ! ca americana
lançou um ! lme cujo título era �Voando para o Rio�, estrelado por
alguns dos atores e atrizes mais importantes daquela época, tais como
Fred Astaire, Ginger Rogers e Dolores del Rio.
Ao Rio mesmo que é bom, o ! lme dedica poucos minutos, com o
Hidroavião da Pan-American pousando... Quero dizer, amerissando,
aqui em frente, no Santos Dumont.
Realmente o ! lme mostra outras poucas cenas do Rio, pois o destino
! nal dos protagonistas estava mais ao sul.
O importante é que o Poster, com a frase cunhada �FLYING DOW N
TO RIO� ou seja, Voando Para o Rio, tornou-se um símbolo de
so! sticação entre os americanos.
A frase emprestada pela empresa aérea Pan-Am �It�s a Small World�
foi copiada pelo grande Walt Disney.
8 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Disney a usou para desenhar uma atração em seu parque temático na Califórnia. Ela signi! cava que mesmo com uma aeronave dimi-nuta, como era o Hidroavião de 1933, o Mundo se tornava cada vez menor.
Quantas mensagens temos em uma só imagem e quantos milhares e milhares de pessoas foram motivadas por uma imagem contendo uma mensagem tão forte?
Não podemos esquecer que se não fosse a linha regular de uma empresa aérea ligando as duas localidades, não teríamos a frase, não teríamos o ! lme, nem tampouco teríamos a mensagem.
Hoje, tantos anos após o ! lme, a mágica frase �FLYING DOW N TO RIO� permanece muito presente como um sonho de realização.
Em 1933 esta viagem de Nova York ao Rio duraria nada menos que 90 horas, com dois pernoites, ao custo de 600 dólares.
A mesma Pan-American, uma das pioneiras da Aviação Comercial, operou com os gigantescos 747 nessa mesma rota, em pouco mais de 12 horas.
A preparação de uma viagem é talvez a parte mais agradável desse projeto.
É nela que surge a primeira opção e na qual se incluem muitos fatores, inclusive e principalmente, é claro, o fator econômico.
Para nos ajudar nesse trabalho de preparação, a respeito dos países que vamos visitar, podemos procurar amigos, até amigos desses nossos amigos.
9Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Ou bibliotecas, associações culturais, consulados e embaixadas.
Mas, principalmente, aquele que mais tem experiência em viagens: o seu agente de viagem.
Ao nos prepararmos para a viagem, não podemos esquecer que o turismo, como hoje o conhecemos, passou por várias fases até chegar à so! sticação como o temos hoje.
Heródoto foi talvez o mais antigo turista, 400 anos antes de Cristo.
Isso porque ele anotou e depois escreveu sobre tudo o que viu e mesmo sobre o que não viu, mas baseando-se em dados que lhe pareciam ! dedignos.
Exilado da pátria, por motivos políticos, viajou pela Ásia Menor, uma parte da Ásia e da África, especialmente o Egito.
Na Fenícia, visitou Tiro e Sidon, indo daí à Babilônia e às costas do Mar Negro.
Suas histórias abrangem um período de 320 anos e tinham por ! -nalidade por em evidência o antagonismo existente entre o espírito helênico e o oriental.
Heródoto é considerado, também, o Pai da História e fundador da literatura histórica na Grécia, pelo método de registros que deixou.
Mas o mais brilhante foi talvez o veneziano Marco Pólo, que contou e também coloriu com invenções próprias aquilo que não viu em sua viagem ao mundo distante dos Impérios Mongol e Chinês, onde passou 17 anos.
10 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Pelos seus relatos visitou também Shansi, uma longínqua província chi-nesa e a Birmânia � hoje Myanmar, chegando até à Conchinchina.
A Cochinchina era a parte mais meridional do Vietname, a leste do Camboja, formando principalmente o delta do rio Mekong.
Originalmente chamada Jiaozhi ( ou ) pelos seus dirigentes chineses, Cochin é a fonética para o caractere chinês signi! cando �colinas com a base cruzada� ou �dedos cruzados�.
Localmente é chamada Nam K" ( ), signi! cando �fronteira sul�.
Durante a ocupação francesa no século passado, era chamada em francês de Cochinchine e sua capital era Saigon.
As duas outras partes do Vietnã na época eram Annam e Tonkin.
Voltando ao Marco Pólo, ele cruzou o Oceano Índico chegando à Pérsia. Acabou prisioneiro nas sucessivas guerras entre Gênova e Veneza e ditou na prisão o raconto de suas viagens e aventuras, transformando-se num livro pitoresco, cheio de observações curiosas e imprevisto como uma novela moderna.
Neste sentido, aliás, o mais divertido talvez tenha sido o frade fran-ciscano André Thevet.
Ele veio acompanhando o Almirante francês Nicolau Durand de Villegaignon em sua tentativa de colonizar o Rio de Janeiro, aqui na Baía de Guanabara.
Devido a uma doença tropical que contraíra, o frade ! cou meses ancorado perto do que hoje é Niterói.
11Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
E apesar de nunca ter descido da nau, André Thevet não titubeou
em escrever um livro... sobre o Brasil!
Logo sobre um País que ele nunca tinha visto, ou que não lhe foi
dado ver.
Apesar dos críticos à época o terem tratado de mentiroso e ignorante,
o livro tornou-se o que chamaríamos hoje de um best-seller.
Por isso o monge francês, em seu retorno a Paris, viveu a contar �as
maravilhas tropicais do Brasil� por mais 35 anos.
Tivemos depois viagens romanceadas de vários intelectuais, como
Göethe e Stendhal.
Ou registro de viajantes feitos prisioneiros, como Hans Staden, nas
terras recém-descobertas do Brasil.
Mais tarde vieram os que, com traços de arte, gravaram suas impres-
sões de maneira duradoura, tais como Debret e Rugendas, no Brasil,
e Flandin na antiga Pérsia.
O advento da Daguerreotipia, e com ela a Fotogra" a veio dar ênfase
a este desejo de �gravar e mostrar�, já agora admiravelmente comple-
mentada, nos últimos tempos, pela câmera cinematográ" ca e pelos
canais de televisão via satélite, especializados em turismo.
Na verdade ultrapassamos até outra etapa, pois amiúde encontramos
turistas com seus vídeo-gravadores e até celulares a cristalizar as
músicas e o folclore dos locais visitados, como podemos veri" car
hoje em todo o Mundo.
12 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Essas observações e outras eu tive a oportunidade de anotar em minhas andanças, que me levaram a deduzir certos �Teoremas Turísticos�.
Pela sua própria natureza são eles, evidentemente, de caráter transitório.
O primeiro é que o número e a complexidade de exigências feitas à entrada em um país são, salvo raras exceções, inversamente propor-cionais ao grau de desenvolvimento daquele referido país.
Observei que para passar de carro de um país a outro havia até bem pouco tempo, em certa região dos Andes, nada menos que oito con-troles de documentação.
Em determinados países da África, exige-se a autorização do Presi-dente da República para emitir um simples visto de turista.
O preenchimento de um formulário em seis vias era indispensável para entrar noutro país da América do Sul.
Mas para entrar na Suécia ou na Suiça, pede-se apenas a exibição do passaporte.
Felizmente os países estão mais conscientes da importância da loco-moção ágil daqueles que viajam por lazer.
A tentação é pensar que com os grandes aviões, por serem mais ve-lozes, chegaremos ou entraremos num país mais depressa.
Mas nem sempre é assim.
Principalmente nos dias de hoje, o viajar requer muito mais paciência que há décadas atrás.
13Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
O tempo gasto nos aeroportos, se computarmos a espera antes da partida e a espera da bagagem após a chegada, é diretamente propor-cional à capacidade e a velocidade dos aviões.
De fato, na segunda ou terceira viagens em volta do mundo, há alguns anos, gastamos 110 horas e 15 minutos de vôo efetivo e...
...74 horas e 25 minutos nos aeroportos.
Simplesmente porque, mesmo nos aeroportos mais modernos, como os de Roma, Copenhagen e Genebra, não podem atender o movi-mento de várias e grandes aeronaves lotadas, ao mesmo tempo.
Por falar em aeroportos, convém fazer uma referência às vias de acesso a aeroportos.
Essas vias têm importância fundamental na impressão que se adquire, quando se chega ou se deixa uma cidade.
Por exemplo, em Bombaim, na Índia, para se chegar do aeroporto à cidade, passa-se por um sem-número de favelas mal cheirosas, muito piores do que as que vemos por aqui.
Ao passo que, em uma localidade chamada de Shiraz, ao sul do Iran, passa-se por uma estrada de oito quilômetros, onde, entre duas ala-medas, vê-se um canteiro de roseiras bem cuidadas.
Entretanto, mesmo com as di! culdades nos aeroportos, com o au-mento na segurança que, eventualmente, prejudica o conforto e até mesmo a privacidade dos viajantes, mesmo com o aumento vertigi-noso das tarifas hoteleiras, com o preço da alimentação...
14 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
...Os turistas não desanimam de viajar cada vez mais.
E cada vez para localidades as mais remotas do globo.
Por isso, podemos veri! car que existem vários tipos de turistas, que
independem de nacionalidade ou etnia:
Há os que viajam como caramujo, levando o que se convencionou
chamar de caravana.
Há quem se preocupe apenas com a velocidade e os recordes em
conhecer diferentes localidades no menor tempo.
Há quem viaje a pé.
Aqueles que só sabem viajar como nababos, em condições
superluxo.
E aqueles que viajam de qualquer jeito impulsionados pelo desejo de
apreciar as características e maravilhas de todos os continentes.
Podemos veri! car que, graças ao que chamamos hoje de globalização,
à facilidade de comunicação, à instantaneidade como são veiculadas
as notícias, somos obrigados a admitir outros corolários.
A tendência mundial é para a uniformização da Arquitetura.
Diz-se que quando Napoleão invadiu o Egito há pouco mais de 200
anos, um artilheiro desferiu um tiro de canhão na direção da Pirâmide
de Quéops, no que foi imediatamente repreendido e punido.
Napoleão, num gesto histórico de preservação, alertou seus soldados
para essa necessidade dizendo-lhes:
15Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
�Do alto destas Pirâmides, 40 séculos de cultura vos contemplam.�
Hoje, passados apenas dois séculos daquela invasão e da célebre
frase de Napoleão, podemos veri! car que à beira das Pirâmides se
contemplam 40 edifícios de apartamentos e hotéis de cadeias norte-
americanas e européias.
Donde concluímos que os monumentos clássicos e certos recantos
pitorescos estão sendo, aos poucos, estrangulados por aquilo a que
chamamos de progresso.
Até mesmo em Paris, casas antigas da Belle Epoque, vêm sendo des-
truídas em Montparnasse e Montmartre.
E as que ! caram são literalmente �achatadas� pelos novos �buildings�,
iguais aos de Nova York, São Paulo ou Tokyo.
Ora, todos sabem que os turistas procuram a cor local e a tradição.
Em alguns países esta tradição é a artística.
A folclórica está sendo constantemente reativada e �representada�
por certas organizações o! ciais, em geral procurando oferecer não o
que é genuíno, mas o que a imaginação do turista espera.
E esta tendência vai-se acentuando e o realmente genuíno se torna
cada vez mais raro.
O que nos leva a concluir que o folclore serve mesmo para determi-
narmos uma localidade.
Assim como seria inconcebível viajarmos para Salvador e sermos
recebidos por tropeiros de bombacha e vestimentas tradicionalmente
16 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
gaúchas, devemos promover a identidade de cada localidade como
uma preciosidade.
Também não devemos nos deixar espantar pelas distâncias.
Para nós que vivemos no Brasil, habituados a pensar em termos da
imensidão deste país, tudo nos parecerá relativamente perto.
Mas, evidentemente, as reações não são as mesmas para os que vivem
em países menores.
Assim, quando falamos de Brasil, para um europeu, ele acha que é
um país distante demais, fora do seu alcance.
Ao passo que nós, brasileiros, �sentimos� a Europa tão perto!.
Tem-se a impressão que a distância Paris-Rio é muito maior do que
a distância Rio-Paris.
De qualquer forma, o turista de hoje, mesmo quando se deixa iludir
pelo que está apregoado como �típico�, não é mais o mesmo de
antigamente.
Aquele, para alcançar seu objetivo, sujeitava-se a viajar em condições
próprias do meio local e a viver como os �aborígines�.
Com estes, procurava até compartilhar o regime de vida, em cima de
camelos, na ânsia de integrar-se ao meio que visitava.
Nisto se sobressaíram, por exemplo, os alemães.
Mas o turista de hoje quer ver o que é típico, porém com o devido
conforto, ou, como diríamos vulgarmente, �de camarote�.
17Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Um ponto fundamental para o sucesso de qualquer viagem é, natu-ralmente, como seremos guiados nos locais aos quais chegamos pela primeira vez.
O melhor guia é o que viajou antes, ou que viaja constantemente, e não necessariamente o guia local.
O primeiro pode assim fazer referências e comparações que melhor situam os fatos e melhor esclarecem o observador, o qual, certamente, não habita a localidade.
É importante, também, termos cuidados com as eventuais comparações.
É como um francês, em Amsterdã, fazer comparações com Veneza.
E quando em Veneza, compará-la com Amsterdã.
Mas, às vezes, não se pode deixar de fazer comparações.
Elas brotam instintivamente, como por exemplo, quando vemos praias.
Hoje posso a! rmar, depois de ter visto muitas daquelas que são consideradas as mais belas praias do mundo, que nessa matéria o Brasil goza de uma situação privilegiada, com praias como não há em nenhuma parte.
Nem em Honolulu, nem em Bali, nem em Cannes.
E com as praias que temos, o que posso a! rmar sem ufanismo, o que nos falta é valorizarmos estes recursos, com meios de acesso e infra-estrutura.
18 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
Para isso é necessário não apenas uma boa organização turística, mas também hotéis e bons guias, que entendam a diversi! cação das culturas a que estaremos expondo o nosso produto.
Ora, se em matéria de hotelaria os norte-americanos, os japoneses, os franceses e os espanhóis conseguiram fórmulas novas, que pro-porcionam o máximo de conforto, procurando prever e satisfazer os desejos do turista, por que não podemos fazer o mesmo?
Em alguns países como a Índia e o Brasil, ainda há muito o que fazer.
O mais importante é aprender com os que têm experiência.
En! m, sob todos os céus vamos encontrar belezas naturais e artís-ticas que enriquecerão o conhecimento daqueles que se deslocam até uma localidade remota para travar conhecimento com o desco-nhecido, e tudo o que se leva de uma viagem são aqueles momentos inesquecíveis.
Da mesma forma que o americano sonhou com a viagem �Voando para o Rio� há exatos 75 anos, o mesmo sonho permanece.
Basta apenas fazer com que esse sonho seja inesquecível.
É muito bom dizer: foi bom viajar"
Sem nos esquecermos de que a vida, em si, é uma viagem.
E que a podemos tornar mais interessante se soubermos e pudermos apreciar as belezas que o mundo encerra...
19Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 3-31, fev. 2009
...E que se descortinam perante os nossos olhos.
Mas também, se conseguirmos nos comunicar com nossos irmãos,
espalhados pelo mundo.
Aí sim, estaremos cumprindo a verdadeira missão do Turismo.
Obrigado!
Palestra pronunciada em 11 de Novembro de 2008
32 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
Reflexões Sobre o Sistema Tributário Brasileiro e Sua Eventual ReformaIves Gandra da Silva MartinsProfessor Emérito das Universidade Mackenzie e da Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, Presidente do Conselho Superior de Direito da
Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão
Universitária � CEU, Fundador da Advocacia Gandra Martins.
1. O SISTEM A AN TERIO R
O Direito Tributário Brasileiro principiou a ganhar consistên-
cia sistêmica a partir da Emenda Constitucional nº 18/65.
Anteriormente, apesar de já se ter desenvolvido, com razoável
densidade, a técnica impositiva no concernente a alguns tributos,
o certo é que faltava arcabouço capaz de harmonizar as diversas
tendências, aspirações e necessidades dos diversos entes com com-
petência para tributar.
Os con! itos se sucediam, as formas tributárias eram utilizadas com
imperfeições notórias, as garantias se diluíam em casuísmos surgidos
da melancólica vocação da Federação brasileira em transformar os
governantes em criadores de despesas úteis e inúteis a serem � apenas
sob sua projeção � cobertas pelas receitas " scais.
33Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
Nesta linha de raciocínio, os abusos e ilegalidades geravam choques
contínuos, com soluções penosas, quando não se consagrava o
arbítrio e a impunidade, pelas poucas forças dos contribuintes em
enfrentar os Erários, levando suas divergências às barras dos tribunais.
Os pagadores de tributos, sem fôlego ou recursos para as grandes
discussões judiciais, recolhiam o injusto, incentivando ainda mais o
espocar de ilegalidades por parte dos governos, visto que poucos
eram os que discutiam. Por outro lado, a própria lentidão da justiça
di! cultava aos poderes impositivos a cobrança judicial dos tributos
legais em atraso ou sonegados, criando-se área de permanente e
generalizada insatisfação. A tudo se acrescia o fato de que, à falta de
um sistema constitucional tributário, os problemas se multiplicavam
para contínuo desassossego entre ! scais e contribuintes, abrindo-se
campo fértil aos ajustes entre eles, à margem do interesse nacional e
de uma máquina ! scalizadora ainda não modernizada.
A Constituição de 1946 trazia alguns princípios constitucionais, porém
veiculados de forma esparsa e inconsistente, em nível de sistema.
Uma reforma da Carta Magna era, portanto, necessidade imperiosa,
imposta pelo crescimento nacional e pela complexidade decorrencial
que a Economia brasileira ganhava.
Os fundamentos básicos da referida reforma surgiram a partir da
percepção do fenômeno federativo, que, no Brasil, por outorgar
competência impositiva aos Municípios, criava tríplice ordem de
atuação autônoma, experiência inexistente no Direito Constitucional
dos demais países com idêntica forma de Estado.
A Federação, portanto, constitui-se no primeiro elemento escultor
do sistema. Objetivando regulá-la, assim como permitir que suas
34 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
virtualidades crescessem e fossem corretamente aproveitadas, nasceu
a Emenda Constitucional nº 18/65.
Por outro lado, a sistematização das espécies tributárias era uma exi-
gência, visto que no, desarmônico complexo anterior, taxas havia que
invadiam as áreas pertinentes aos impostos, assim como contribuições
que se confundiam com impostos e taxas, sobre não se de! nir com
correção e adequação os fatos geradores dos diversos tributos.
A necessidade de um corpo de princípios e normas gerais revelou-se
de aguda preocupação entre os aplicadores da legislação, razão pela
qual o Código Tributário passou a ser o elemento segundo desse
anseio por um sistema.
Por ! m, prevaleceu também o desejo de orientar a própria confor-
mação das ! nanças públicas, a partir de um dos três orçamentos,
que é o ! scal, facilitando sua análise legislativa, pela transparência
do sistema.
A Emenda Constitucional nº 18/65 foi, portanto, a semente do
CTN, veiculada, à época, como lei ordinária, mas recebendo, pouco
depois, e! cácia de lei complementar, quando da promulgação da
Constituição de 1967.
O Sistema Tributário decorreu, portanto, do crescimento do país, de
sua evolução econômica e dos anseios de fortalecimento da Federação,
em uma concepção centralizadora, autônoma, mas não ao ponto de
permitir o desequilíbrio impositivo, em nível de carga global a ser
suportada pelo contribuinte.
Estou convencido que o sistema fora proposto à luz de uma visão
que considerava a imposição norma de rejeição social, posto que
sobre ser rígido, de um lado, objetivou ofertar à União � e aos demais
35Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
entes tributantes � o poder de se orientar em sua política tributária, sem abrir mão da harmonia previamente estabelecida nos comandos constitucionais.
O CTN, portanto, passou a ser elemento de particular relevância na veiculação do sistema introduzido.
É o que passo a examinar a seguir.
2. O CÓ DIGO TRIBUTÁRIO N ACIO N AL
Desde a década de 50, eram preparados, no país, estudos para a conformação de um estatuto nacional do direito tributário. Rubens Gomes de Sousa, de início, redigira anteprojeto de espectro abrangen-te que foi gradativamente analisado por eminentes mestres, à época, tendo o IBDF, hoje ABDF, examinado artigo por artigo do esboço legislativo elaborado pelo saudoso jurista. Gilberto de Ulhôa Canto, Tito Rezende e Carlos Rocha Guimarães exerceram essa função re-visora, com especial percuciência, a tal ponto que as anotações dos três professores foram preservadas até o presente, continuando, em face da publicação editada pelo IBDF, a serem citadas.
O trabalho dos quatro eminentes tributaristas, que se louvaram tam-bém na experiência de Amilcar de Araújo Falcão, serviu de base para ofertar o per! l da Emenda nº 18/65, assim como da Lei 5.172/66, que constitui o atual CTN.
Da Emenda nº 18/65 para o CTN, houve acentuado processo de depuração do projeto original, já, a essa altura, com a colaboração de Gerson Augusto da Silva e Aliomar Baleeiro, este sendo o principal artí! ce de sua veiculação pelo Congresso Nacional.
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O projeto, que surgiu da intensa discussão e elaboração legislativa, em grande parte alterou o esboço de Rubens Gomes de Sousa, inclusive destruindo o capítulo das infrações tributárias, tão meticulosamente tratado por Rubens, reduzido a dois artigos no atual texto.
A linguagem, todavia, foi revisada, visto que a genialidade de Rubens levava-o, muitas vezes, a um discurso legislativo mais prolixo e menos técnico, na busca de esclarecimentos para o maior número possível de problemas que a realidade pudesse suscitar. O Código, portanto, escoimado de muitas das imperfeições de seu período de gestação, mantendo, todavia, outras, permaneceu até hoje, com poucas altera-ções no livro dedicado ao sistema, e quase nenhuma naquele ofertado às normas gerais.
É, portanto, o Código, elemento de estabilização do Direito Tri-butário, posto que serve de �colchão legislativo aparador� entre a Constituição e a legislação ordinária.
Tem-se estudado muito na teoria geral do Direito a função de normas de estabilização do Direito. Aquelas que não são apenas produtoras de lei, nem de aplicação do Direito. Que não cuidam nem dos meca-nismos de criação ou interpretação ou execução legislativa, nem de normas de comportamento ou sancionatórias.
De rigor, apenas neste século examinou-se, em maior profundidade, o conteúdo das normas de estabilização, sendo a lei complementar típica norma dessa natureza, na medida em que nem produz, nem interpreta, nem executa, nem sanciona comportamentos ou leis, mas apenas explicita princípios harmonizadores do Direito, permitindo que a legislação ordinária seja conformada no per! l explicitado.
37Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
Esta é a razão pela qual, no sistema anterior, o art.18, § 1°, da EC nº
1/69 somente se referiu a tais funções, tendo o seguinte discurso:
�Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário,
disporá sobre os con! itos de competência nessa matéria entre a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações
constitucionais do poder de tributar�.
As três funções consagradas permitiram a explicitação constitucional
em nível de estabilização sistêmica, motivo pelo qual houve por bem
o Supremo Tribunal aceitar tal conformação, afastando escola que
via na dicção legislativa duas e não três funções. Dessas, eliminava a
de estabelecer normas gerais, de longe a mais relevante.
O Código foi dividido em dois grandes livros, o primeiro sobre o
sistema constitucional, dando-lhe a escultura, de! nindo tributo, ex-
plicitando as espécies tributárias, cuidando de imunidades, de emprés-
timo compulsório, conformando os impostos, taxas e contribuição
de melhoria (esta com dicção alterada após a EC n° 23), indicando
todos os impostos federais, estaduais e municipais, só não o fazendo
em relação ao IPVA, criado posteriormente. Os Decretos-leis 406 e
834 vieram, mais tarde, introduzir modi! cações, dando novo de se-
nho ao ISS e ao ICM.
O Código, contudo, não abrangeu muitas das leis complementares
previstas pela Constituição Federal, como as de ns. 22 e 24, posto
que foi editado anteriormente à Constituição de 1967.
Sua própria incorporação ao sistema de 67 só foi possível graças ao
princípio da recepção, visto que veiculada por legislação ordinária,
na medida em que não previa a Constituição anterior tal veículo
legislativo para todas as normas gerais.
38 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
Com efeito, a Emenda nº 18/65 foi parca em permitir a lei comple-
mentar como veículo estabilizador do Direito, principalmente em
uma Federação com três esferas de poderes tributantes, em nível
constitucional. Esta é a razão pela qual não projetou, tal emenda, o
CTN em sua dimensão plena, conforme abrangido pela Constituição
de 67 e pela sua alteração consolidadora de 1969.
Nenhuma dúvida existe de que o CTN representou sensível marco
na evolução do Direito Tributário no país, devendo-se em grande
parte à esplêndida produção doutrinária e jurisprudencial dos últimos
20 anos, sua implantação, como sistema veiculador da imposição
! scal.
O livro segundo inclusive permitiu uma ampla visão de normas
gerais, com a explicitação do princípio da legalidade, da vigência e
aplicação às leis, com o desenho das técnicas de interpretação, assim
como a indicação dos sujeitos ativos e passivos da obrigação, de! ni-
ção de seu fato gerador, que, ao contrário do que apregoam certos
doutrinadores, tem conformação cientí! ca, tendo ainda estatuído a
responsabilidade tributária, em nível de substituição, personalização
e penal-infracionária, sobre cuidar de matéria paralela à obrigação,
como do lançamento, da administração tributária e formas de extin-
ção, inclusive por inércia, seja da obrigação, seja do crédito tributário,
além de examinar as isenções, anistia, privilégio e preferências do
crédito ! scal. Cuidou da Administração Tributária, matéria mais de
Direito Administrativo que de Direito Tributário.
O Código permitiu que os princípios da estrita legalidade, tipicidade
fechada e reserva absoluta da lei formal, fossem consagrados pela dou-
trina e jurisprudência, transformando-se muito mais em um estatuto
do contribuinte que em manual de exigência impositiva. Pelo Código,
39Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
! cou absolutamente esculpido o princípio pelo qual ao contribuinte
tudo é permitido, exceção feita ao que a lei expressamente proibir
ou colocar como imposição. Ao Poder Tributante nada é permitido,
senão o que estiver na lei.
Creio seja este aspecto o que de mais relevante o CTN apresentou
para esculpir o Direito Tributário Brasileiro.
3. A EVO LUCÃO DO PRO JETO SO BRE O SISTEM A TRIBUTÁRIO N A CO N STITUIN TE
Instalados os trabalhos constituintes e após a discussão do regimento
interno, foi o Congresso com tais poderes dividido em 24 Subcomis-
sões, uma das quais dedicada ao Sistema Tributário.
A Subcomissão de Tributos estava vinculada à Comissão de Orçamen-
to, Sistema Financeiro e Tributos, tendo como relator o Deputado
José Serra e como presidente o Deputado Francisco Dornelles. Os
Deputados Benito Gama e Fernando Coelho foram, respectivamente,
o presidente e o relator da Subcomissão.
Durante duas semanas, ouviram os constituintes vinculados à Comis-
são, além do meu, o depoimento dos seguintes especialistas: Fernando
Rezende, Alcides Jorge Costa, Geraldo Ataliba, Carlos Alberto Longo,
Pedro Jorge Viana, Hugo Machado, Orlando Caliman, Edvaldo Brito,
Souto Maior Borges, Romero Patury Accioly, Nelson Madalena, Luís
Alberto Brasil de Souza, Osiris de Azevedo Lopes Filho e Guilherme
Quintanilha, passando a trabalhar, de rigor, com dois anteprojetos
articulados que lhes foram levados, a saber: o preparado pelo IPEA
da Secretaria de Planejamento e aquele levado por mim em nome
do IASP e da ABDF.
40 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
Os dois projetos tinham contextura clássica de um sistema rígido,
embora fosse o do IASP mais conservador e o do IPEA mais fe-
deralizado, no pressuposto de que a uma maior descentralização de
receitas corresponderia uma maior descentralização de atribuições.
No projeto do IASP, a descrença de que os constituintes e o modelo
federativo brasileiro voltar-se-iam para a dupla descentralização de
receitas e atribuições, fê-lo mais tímido, visto que o projeto não hos-
pedava matéria pertinente à descentralização de atribuições, como,
de resto, também não hospedava, diretamente, o do IPEA.
O texto ! nal da nova Constituição veio a demonstrar que os temores
do nosso grupo eram mais fundados que a pro! ssão de fé apresen-
tada pelo IPEA na dupla descentralização federativa: de receitas e
de atribuições.
Do primeiro anteprojeto surgido da Subcomissão, portanto, resul-
tou projeto convergencial em que os alicerces fundamentais foram
retirados dos dois esforços coletivos, posto que ambos os grupos
(IASP-ABDF e IPEA-Seplan) trabalharam em seu estudo por mais
de um ano, servindo tal re" exão acadêmica de valiosa contribuição
para os primeiros textos constituintes.
Deve-se notar que o anteprojeto IASP-ABDF foi mais jurídico e o
do IPEA mais econômico-! nanceiro, embora ambos cuidassem de
aspectos jurídicos e econômicos.
O primeiro anteprojeto da Constituinte foi, de longe, o melhor pro-
duzido por aquela Casa.
A partir das pressões exercidas, quando levado às Comissões de
Tributos, Orçamento e Finanças, de Sistematização e, ! nalmente,
ao Plenário, sofreu o primeiro arcabouço legislativo notável �con-
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tribuição de pioria� dos demais constituintes, preocupados mais em
aumentar receitas do que em proteger o direito dos contribuintes,
fazer justiça ! scal e promover o desenvolvimento nacional.
Gradativamente foi sendo deformado até ser plasmado, de forma
de! nitiva, nos termos que hoje se encontra na nova Constituição.
O sistema acarretou elevação considerável do nível da carga tributária
para o cidadão, pela criação de novas formas de imposição, transferên-
cia acentuada de receitas � e não de atribuições � da União, estando, a
meu ver, veiculado de forma consideravelmente pior que aquela que
apresentei à Assembléia Constituinte, em nome do IASP e ABDF.
E todas as Emendas Constitucionais posteriores terminaram por
des! gurá-lo de tal forma que hoje é mais um �desistema� que um
�sistema tributário�.
4. O SISTEM A ATUAL
O Sistema Tributário Brasileiro foi plasmado nos arts.145 a 156 da
Constituição Federal.
O capítulo foi dividido em cinco partes, a primeira delas dedicada
aos principios gerais.
De rigor, são três: o princípio das espécies tributárias, as quais foram
conformadas em cinco tipos diferentes (impostos, taxas, contribui-
ção de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsó-
rios), o princípio da lei complementar e o princípio da capacidade
contributiva.
Estes dois últimos objetivam proteger o contribuinte contra o Poder
Público. O primeiro determina que as normas gerais, os con" itos de
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competência entre os poderes tributantes e as limitações constitucio-
nais do poder de tributar sejam formatados por lei complementar,
que passa a ter caráter de lei nacional. O artigo 146 foi acrescido de
novas disposições pela E.C. n. 42/03.
O outro exige que a imposição tributária não implique efeito de con! s-
co, devendo ser respeitada a capacidade econômica dos contribuintes,
sendo, os impostos, pessoais ou reais (diretos ou indiretos).
A secção segunda do capítulo do sistema faz menção às limitações
constitucionais ao poder de tributar, assegurando seis princípios bá-
sicos, a saber: da legalidade, da equivalênda, da irretroatividade, da
anterioridade, da não limitação de tráfego, da não con! scatoriedade
e das imunidades ! scais e uma aberração colocada como limitação
constitucional, que é um alargamento do poder de tributar confor-
mado na denominada substituição tributária para a frente, que é, de
rigor, uma antecipação do fato gerador ainda não ocorrido.
Tais princípios já estão, em parte, explicitados pelo Código Tributário
Nacional, que ainda vige no que diz respeito às normas gerais.
As três últimas partes do capítulo são dedicadas aos impostos fede-
rais, estaduais e municipais. No início, passou, a União, a ter com-
petência impositiva sobre sete impostos (importação, exportação,
renda, propriedade territorial rural, operações ! nanceiras, produtos
industrializados e grandes fortunas).
Com a EC nº 3, foi acrescido o IPMF (Imposto Provisório sobre
Operações Financeiras). O IPMF teve vida curta, sendo substituído,
pelas ECs. nos 12, 21 e 42, por uma Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF), destinada agora à Assistência
Social e Previdência, mas extinta em 31/12/07. Arrecada a União
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sete impostos, lembrando, todavia, que repassa quase metade de seus
ingressos concernentes ao IPI e do Imposto de Renda para Estados e
Municípios e não regulamentou ainda o imposto sobre grandes fortu-
nas. A Emenda n° 33/01 alterou em parte o per! l das contribuições
com notável des! guração desta quinta espécie tributária, visto que
os empréstimos compulsórios precedem-lhe na ordem cronológica
constitucional.
Os Estados tiveram, em 1988, a outorga de quatro impostos
(transmissões imobiliárias não onerosas, operações relativas à cir-
culação de mercadorias, adicional de imposto de renda e veículos
automotores).
A EC n° 3/93 retirou-lhes o adicional do imposto de renda, estando
eles hoje, com apenas três impostos e as transferências que recebem
da União.
Aos Municípios pertiniram, também, quatro impostos em 88 (sobre
serviços, predial e territorial urbano, vendas a varejo e transmissões
imobiliárias onerosas). A EC n° 3 retirou-lhes o imposto sobre vendas
a varejo, estando eles hoje com três impostos, além das transferências
de Estados e União.
O sistema é caótico, principalmente à luz das sucessivas emendas
constitucionais, que o maltrataram, com superposições de incidências
e elevado nivel de complexidade. Gera um custo fantástico de admi-
nistração para contribuintes e para os diversos Erários, facilitando a
sonegação dolosa e impondo, para muitos setores, a inadimplência
sobrevivencial, como forma de evitar a falência.
Necessita, urgentemente, ser mudado.
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5. O SISTEM A Q UE PRO PUS
Objetivando simpli! car tal sistema caótico, redigi projeto de emenda
mais racional e singelo, o qual foi encampado pela Federasul, Instituto
dos Advogados de São Paulo, Comissão de Estudos Constitucionais
do Governo do Estado de São Paulo e Sindicato Nacional dos Esta-
belecimentos de Ensino e apresentado ao Congresso Nacional para
a Revisão Constitucional de 1993, subscrito, posteriormente, pelos
deputados Germano Rigotto, Renata Gordilno e Victor Faccioni.
Como, de rigor, a revisão constitucional não ocorreu � as 6 emendas
não constituiram uma revisão � a proposta foi arquivada.
6. JUSTIFICATIVA
O anteprojeto objetivava simplificar a estrutura tributária
constitucional.
Para não alterar a numeração, mantive a seqüência de artigos do
texto (145 a 162), embora não tenha feito a adaptação do art.195 e
de outros relacionados com o sistema.
De rigor, mantinha as cinco espécies tributárias, reduzia os impostos
para quatro, além de manter a competência residual limitada aos im-
postos extraordinários. As contribuições especiais seriam reduzidas
a uma contribuição social incidente sobre as transações ! nanceiras.
As taxas seriam cobradas apenas por serviços públicos e não mais
para exercício do poder de polícia. Procurei separar sua conformação
daquela própria do preço público. Por ! m, os empréstimos compul-
sórios seriam instituidos apenas nos casos de guerra e calamidade
pública.
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No capítulo da partição de receitas tributárias, tornei todas as unidades
federativas participantes do contraido elenco de tributos.
Servia aquela primeira minuta como um boneco para o inicío das
discussões e ! caria, de certa forma, vinculada � o espectro um pouco
mais alargado � à proposta que ! zera na Comissão de Finanças da
Câmara dos Deputados, lembrando que a função do IOF é substi-
tuída pela maior elasticidade que outorgo, na proposta, ao imposto
de renda na fonte para o sistema ! nanceiro.
Desta forma, incorporaria o projeto do Prof. Marcos Cintra e do
Dep. Flávio Rocha com a vantagem de: 1) universalizar a base de
cálculo, nos termos do caput do art.195 da Constituição Federal, que
declara que a seguridade social seria ! nanciada por toda a sociedade;
2) desestimularia a �engenharia tributária� em face da redução do
nivel de tributos e 3) viabilizaria a seguridade social por um sistema
simples e vinculado.
Todas estas idéias foram arquivadas e, mesmo quando as discuti no
Congresso Nacional, por ocasião das PEC 175/95 e 41/03, a dispo-
sição para acatá-las foi pequena.
7. A REFO RM A TRIBUTÁRIA ATUAL
O Governo Federal já encaminhou ao Congresso Nacional seu pro-
jeto de reforma tributária, seguindo a tradição de todos os governos
anteriores.
Collor, com a Comissão Ariosvaldo, Itamar, tendo recebido suges-
tões de diversas Comissões, inclusive da Comissão Miguel Reale,
Fernando Henrique, com a PEC 175/95, e Lula com a PEC 41/03,
em seu primeiro mandato, apresentaram projetos ao Congresso, sem
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empenharem-se, todavia, na alteração do sistema. Todas as tentativas trouxeram frustração e as poucas modi! cações realizadas pioraram a lei suprema.
Estou convencido de que o Governo Federal nunca teve interesse numa reforma profunda, pois tendo assegurado, com o texto atual, em tomo de 65% do bolo tributário, teme que possa vir a perder re-ceita, se Estados e Municípios se unirem para elevar a partilha ! scal. É de se lembrar que na Constituição de 88, a União, que repassava apenas 33% da receita do IPI e Imposto de Renda, para Estados e Municípios, passou a repassar 47%, o que a obrigou a criar a COFINS e aumentar sua aliquota de 0,5% (antigo FINSOCIAL) para 7,6% e do PIS de 0,65% para 1,65%.
Assegura, contudo, o Governo que, agora, é para valer.
As cinco grandes novidades são: 1) compactar COFINS, PIS, CI-DES, Salário educação, num grande IVA; 2) compactar I. Renda e CS Lucro num só tributo; 3) reduzir a contribuição previdenciária sobre a mão-de-obra; 4) reformular o ICMS para evitar a guerra ! s-cal com o regime de destino; 5) ressuscitar Imposto sobre Grandes Fortunas, decadente em todo o mundo, repartindo-o entre Estados e Municípios. O relator, deputado Sandro Mabel, preferiu quanto ao IGF manter o Sistema anterior.
A simpli! cação, com redução da carga tributária, é meta de im-possivel avaliação, sem a quanti! cação das aliquotas, a serem ainda de! nidas, e sem os projetos de leis complementares e ordinárias, a serem elaborados.
De início, qualquer reforma constitucional em profundidade gerará, necessariamente, reformulações conceituais, cujo conteúdo poderá
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ser questionado perante os Tribunais. Na mudança do IVC para o ICMS, o STF levou 20 anos para de! nir, conceitualmente, o que seriam �operação�, �circulação� e �mercadoria�.
Teremos o IVA, que é um imposto, o qual, fora as vinculações constitucionais, é tributo desvinculado, incorporando contribuições, que são tributos vinculados a determinada ! nalidade. Certamente, a de! nição do per! l constitucional levará tempo para ser conformada pelo Judiciário. Por outro lado, a manutenção do artigo 149 da C.F. não impedirá que o Governo crie, no futuro, por legislação ordinária, outras COFINS, independentemente da alteração no artigo 195 das contribuições previdenciárias.
A meu ver, a compactação de COFINS e ClDES poderia ser realizada por lei ordinária, sem necessidade de modi! cação constitucional, o mesmo ocorrendo com a do I. RENDA e Contribuição Social sobre o lucro, já com regime juridico idêntico. Apesar de PIS e Salário Edu-cação estarem previstos constitucionalmente como tributos distintos, poderiam ter o mesmo regime juridico ordinário, sem necessidade de mudança da lei suprema.
É de se louvar a redução da contribuição previdenciária sobre a folha de salários, se não implicar aumento de outras imposições.
No ICMS, haverá Estados ganhadores e Estados perdedores, ou seja, os que enviam mais mercadorias para outras unidades da federação do que recebem. O programa do Governo, de que um Fundo de Estabilização � sem per! l de! nido � compensará tais unidades é compromisso em que poucos acreditam, pois a tradição das autori-dades federais, em matéria tributária, é não cumprir suas promessas, que comprometem apenas as pessoas que as recebem.
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Admitindo, todavia, que os Estados ganhadores não vão abrir mão
das receitas acrescidas � são a maioria do Congresso, o que é neces-
sário para aprovar a emenda à lei suprema �, os Estados perdedores
precisarão recuperar as suas. Se tais recursos não vierem de aumentos
internos, terão que vir, em valores consideráveis, da União, a qual de-
verá também partilhar com os Estados o IVA, imposto que resultará
da integração da COFINS e do PIS, que hoje não são partilhados.
O mais grave, todavia, é que toda a regulamentação do ICMS � à luz
de uma lei complementar, possivelmente � mais abrangente que a LC
87 � será elaborada pelo CONFAZ. Em outras palavras, os Estados
�Importadores líquidos�, que são a maioria, imporão aos �Estados
exportadores líquidos�, a minoria, um regulamento que terá que ser
seguido pelos segundos. Inclusive a de! nição das alíquotas será de
competência do CONFAZ, cabendo ao Senado aceitá-las ou rejeitá-
las, mas não modi! cá-las, assim como a forma de ! scalização. Nada
impedirá que autorizem que os ! scais dos Estados importadores
liquidos ! scalizem os Estados exportadores líquidos, criando, pois,
um �inferno austral� para todas as empresas que trabalhem com
outros Estados.
Para um órgão que, por seu notório fracasso, gerou a guerra ! scal,
parece-me que é dar-lhe força excessiva, violando, tal delegação de
competência legislativa, o principio da legalidade (cláusula pétrea). O
próprio regime de destino já não é tão de destino, pois, parte do tribu-
to, correspondente a uma alíquota de 2%, será cobrado na origem.
Quanto ao obsoleto imposto sobre grandes fortunas, se for introdu-
zido, não mais sairá do sistema, pois será partilhado entre 5.500 enti-
dades federativas. O relator, na Câmara, já se manifestou contra.
49Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
Será � como ocorreu nos países que o adotaram e abandonaram � um
fantástico desestímulo à poupança e investimentos, podendo gerar
fuga de capitais. E nem se fale que será um meio de distribuição de
riquezas, pois, no Brasil, o custo da carga tributária bene! cia mais
os detentores do poder do que o povo, lembrando-se que o �Bolsa
família�, que atende a 11 milhões de brasileiros, é suportado por
menos de 1,5% do orçamento federal"
Qualquer avaliação, todavia, do projeto, só será possível com a apre-
sentação dos textos de leis ordinárias e complementares a serem
elaborados e do funcionamento dos Fundos Compensatórios para
recompor as perdas dos Estados lesados pela alteração do regime
do ICMS.
De qualquer forma, alguns pontos já preocupam decididamente. O
�Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições
sociais, de intervenção no dominio econômico e de interesse das cate-
gorias pro! ssionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação
nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146,111, e 150,
1 e 111, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6°, relativamente
às contribuições a que alude o dispositivo�,
continua inatingível, com o que nada impediria que, com base neste
artigo � e não no artigo 195 � criem-se novas contribuições seme-
lhantes ao COFI NS ou PIS, com regime juridico próprio, objetivando
exclusivamente a arrecadação.
Mais do que isto, os dois fundos (Desenvolvimento Regional e de
Equalização) não têm per! l de! nido e poderão resultar numa frus-
tração semelhante àquela da promessa não cumprida do governo
50 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 32-50, fev. 2009
federal de compensar os Estados perdedores com a Lei Comple-
mentar nº 87/96, pela imunidade de exportação dos produtos semi-
elaborados.
Por ! m, a não de! nição de um per! l consolidado da �não-cumula-
tividade�, que poderá agora ser alterada por lei infraconstitucional, é
mais um elemento de preocupação, tendo a maior parte dos tributa-
ristas a impressão de que o planalto objetivou criar exclusivamente
um imposto a favor da União sobre bens e serviços, restando aberta a
porta para qualquer outra contribuição que pretenda instituir. Como
está, o projeto abre uma verdadeira avenida para considerável aumento
do nível impositivo, que implicará, por decorrência, em aumento da
carga tributária.
51Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
O Tratado de Roma e a Construção da Europa
Marcos Castrioto de AzambujaEmbaixador
1) Foi na cidade de Berlim em 2007 � por caber à Alemanha naquele momento a Presidência � que os 27 atuais membros da União
Européia comemoraram os cinqüenta anos do Tratado de Roma, sem dúvida um dos mais complexos e bem sucedidos processos de engenharia política e econômica jamais realizados. O Tratado de Roma � nosso tema e ponto de inicio dessa grande empresa de união européia � teve seis sócios fundadores: França, Alemanha e Itália e mais os três parceiros menores agrupados dentro da sigla BENELUX: Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Em Roma, naquele mesmo dia já distante de 1957, foi também assinado o instrumento que criou a Comunidade Européia do Átomo (EURATOM). Em Berlim, meio século depois, havia muito que comemorar. O fracasso em arrumar e reconciliar a Europa depois da Primeira Grande Guerra havia con-tribuído decisivamente para que a Segunda Guerra Mundial viesse a acontecer, apenas vinte anos depois. Agora a Europa, amplamente
52 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
reunida, festejava um processo de reconstrução e de integração que criou as condições para que se fundasse e consolidasse, na região, um ciclo extraordinário de paz e de prosperidade.
2) É útil, para marcar o caminho, mostrar como os seis fundado-res de então se transformaram nos 27 parceiros de agora, número que deve ser visto como temporário por haver novos membros potenciais e alguns países candidatos já no pipeline do processo de admissão. As ampliações da Comunidade Européia foram graduais e espaçadas no tempo. A Europa dos Seis, em sua con! guração inicial, perdura desde a assinatura do Tratado em Roma em 1957 até que se criasse a Europa dos Nove em 1973. Em 1981, surge a Europa dos 12. Em 1995, a dos 15. Em 2004, sobretudo e, residualmente, em 2007 as ampliações atingem os atuais 27 Estados membros com a incorporação de muitos países da Europa Oriental antes colocados na órbita do poder soviético. O mais recente ciclo de ampliação foi a que envolveu o maior número de novos atores nacionais quase todos, a julgar pelos indicadores de seu desenvolvimento econômi-co e social, bem distantes dos padrões que se observam nos países líderes da Comunidade. Como conse qüência desse mais recente ciclo de ampliação, é possível � até mesmo provável � que aquilo que a União Européia ganhou em extensão e abrangência tenha perdido em coesão e homogeneidade.
3) O mapa da uni! cação começa se aproximar agora e em ampla medida, dos contornos das próprias fronteiras geográ! cas da Europa. Há, contudo, um bom número de paises europeus que ainda estão fora da UE. Existem os quatro que integram uma outra associação: a EFTA (dela falaremos depois) e que têm uma relação próxima e negociada com a União Européia. Há três países que, formalmente,
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já se apresentaram como candidatos a admissão: a Turquia, a Croácia e a Macedônia. São candidatos potenciais a Albânia, Montenegro, Bósnia Herzegovina e a Serbia. Existe, por ! m, uma outra possi-bilidade de ampliação se forem um dia candidatas e vierem a ser incluídas algumas das antigas Repúblicas soviéticas, notadamente a própria Rússia, a Ucrânia e a Belarus. Há a considerar, ! nalmente, os micro estados dentro do espaço europeu e as dependências de Estados membros da EU.
4) A União Européia, até agora ainda sensibilizada por causa das agudas di! culdades que enfrentou para assimilar, de uma vez só, as numerosas incorporações que ocorreram em 2004 decidiu que, no fu-turo, só considerará novas candidaturas isoladamente ou, no máximo e em certas condições, em pares ou como candidaturas geminadas.
5) Das candidaturas já postuladas, a mais polêmica seguramente é a da Turquia. Isso porque se trata de país em si importante, ao mesmo tempo europeu e asiático; porque é uma democracia que parece ainda frágil e de consolidação recente e, sobretudo, porque seria o primeiro pais islâmico a integrar a União Européia. Essa última circunstância é, de fato, o obstáculo mais grave embora muitas vezes encoberto por alegações de outra natureza. A questão da candidatura turca apresenta desa! os inéditos para a Europa e seria muito difícil hoje prever qual será a solução ! nal desse processo.
6) Não basta, contudo, destacar a dimensão estritamente geográ! ca do projeto europeu. É provável que o sistema venha a se estender, seletiva e gradualmente, sobre a margem africana e asiática do Mar Mediterrâneo e que, em algum momento, países como Israel, o Líbano e o Marrocos possam se integrar ao sistema.
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O s antecedentes históricos
7) Foram muitas as idéias e os projetos de integrar, ao longo dos séculos, o espaço europeu. Essa visão remonta à própria antiguidade. Os projetos pecaram, quase sempre, ora por um excesso de idealismo e voluntarismo ora por uma combinação de �hubris� e de visão de curto prazo.
8) No primeiro caso, pensadores e estadistas � alguns mais realistas e outros menos � procuravam acomodar uma realidade ! uida e com-plexa como sempre foi a da Europa a parâmetros mais ou menos rígidos e até certo ponto simplistas. O momento da união viável e perdurável não havia ainda chegado. Foram, assim, pela in! uência de seus livros e de suas propostas, antes precursores e profetas do que atores efetivos e suas idéias se projetavam para além do que cada momento histórico podia absorver e realizar. Suas contribuições serviram, essencialmente para manter viva e presente no imaginário coletivo a visão de uma eventual integração associativa européia.
9) A lista dos que imaginaram uma Europa unida é longa e conta com nomes eminentes. É virtualmente impossível esgotá-la, mas não se pode esquecer Erasmo, Grocius, Bellers, o Abbé de Saint-Pierre, Rousseau, Kant, W illiam Penn, W illiam Jay, Victor Hugo e, " nalmente, W inston Churchill que propõe em discurso memorável na Universidade de Zurich, em 1946, a criação dos �Estados Unidos da Europa� impulso que precede o estabelecimento em 1949 do Conselho da Europa, que viria a ser a primeira entidade pan-européia e que ainda sobrevive, como entidade autônoma, e onde todos os Europeus (são 47 seus Estados membros) dispõem de um foro para
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debater idéias e projetos que possam servir ao fortalecimento da
solidariedade européia.
10) No segundo caso, virtualmente cada Império que se implantava no
espaço europeu trazia consigo ao menos uma idéia de integração por
meio da qual seu poder � naquele momento hegemônico � reuniria
em torno de si os demais atores em um relacionamento marcado por
um vínculo de maior ou menor subordinação e dependência.
11) Foi assim no caso do Império Romano, no Sacro Império Ro-
mano Germânico, foi assim com Napoleão e com Hitler. Em todas
aquelas ocasiões a natureza voluntária, negociada e, em ampla medida
eqüitativa, que é uma principais características do processo que teve
no Tratado de Roma seu marco inicial, esteve parcial ou inteiramen-
te ausente. Mesmo quando havia vantagens e ganhos para o país
ou entidade incorporada ao espaço e ao esquema do poder então
dominante, tais vantagens eram essencialmente o resultado de uma
concessão unilateral � e por de! nição precária � feita pelo império
do dia e não um direito adquirido pelo outro como resultado de um
processo equilibrado de negociação.
12) O que leva a que a integração européia só se tenha realizado,
estendido e aprofundado ao longo da segunda metade do Século
XX foi, sobretudo, o indispensável e traumático aprendizado de
duas devastadoras guerras � travadas essencialmente em solo euro-
peu � que levaram ao convencimento de que, com armas nucleares
e novas técnicas de destruição e meios ampliados de mobilização e
utilização de recursos humanos e materiais, a Europa simplesmente
não sobreviveria como pólo de poder e in" uência a um terceiro
con" ito generalizado.
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13) A partir do Tratado da Westphalia em 1648 � que havia organizado a paz depois da Guerra dos Trinta Anos e encerrado o longo ciclo das guerras religiosas � a Europa tinha vivido várias experiências de procura de um equilíbrio estável de poder entre Estados soberanos essencialmente rivais e marcados, sobretudo depois do inicio do Sé-culo XIX, por intensas paixões nacionalistas e ideológicas.
14) Não se pode esquecer que o espaço europeu foi sempre exíguo para conter tantas ambições. A Europa, do ponto de vista geográ! co, não é mais, a rigor, do que uma península ocidental da Ásia. Mesmo hoje, a Europa dos 27 ocupa cerca de 4 milhões de quilômetros quadrados ou seja a metade da área do Brasil. Nesse espaço limitado muitas nações e entidades políticas disputaram com tenacidade, ao longo de muitos séculos, uma supremacia sempre vulnerável no médio e longo prazos e sempre desa! ada por outros atores, sobretudo, por aqueles também pretendentes ao papel hegemônico.
15) As disputas entre os europeus não se limitaram � sobretudo depois do Século XVI � apenas ao continente que compartilhavam. O gênio e audácia de sua gente como navegadores e comerciantes e, depois, sua determinação como conquistadores e colonizadores fez com que as rivalidades adquirissem uma escala e um alcance verda-deiramente mundiais.
16) Criadores de Impérios marítimos � muito mais do que foram a Grécia e a Roma clássicas para os quais o Mediterrâneo havia sido o limite da exploração naval e mais ainda do que os árabes e os chine-ses no seu apogeu � portugueses, espanhóis, holandeses, franceses e ingleses para mencionar apenas os mais ativos � projetaram seu poder em todas as direções e por todos os mares e oceanos. Nesse impulso
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e em várias de suas múltiplas vertentes está uma das sementes do atual processo de globalização.
17) Os Séculos XVII, XVIII e XIX assistiram, na Europa, a uma acumulação de riquezas, virtualmente sem precedentes, geradas inter-namente ou trazidas das vastas possessões coloniais. Essa acumulação foi potencializada pela imensa explosão da inteligência e do saber que se chamou Renascimento, se consolidou com o Iluminismo e ganhou ainda maior impulso com a revolução industrial que começa na primeira metade do Século XIX e, desde então, só se tem acelerado. Dessa sinergia de fatores nasce, de fato, o mundo moderno.
18) Aquela Europa rica, poderosa e autocon! ante que se podia ver na primavera de 1914 quando chegava ao ! m o período de bonan-ça que se convencionou chamar de Belle Époque estava prostrada e exangue apenas trinta anos depois, em 1945. Foge ao objeto deste ensaio procurar fazer uma análise das causalidades que levaram às duas grandes guerras de 1914 a 1918 e de 1939 a 1945. Trouxeram indescritível sofrimento embora sem elas fosse pouco provável que ocorresse, na forma e nos prazos em que aconteceu, a integração dos países da Europa.
19) A primeira grande guerra foi � vale lembrar � uma guerra quase que inteiramente travada na Europa e entre europeus. A segunda teve alcance mais amplo pela dimensão que adquiriu o con" ito no Pací! co, no norte da África e no Extremo Oriente e por ondas de choque que afetaram o mundo todo. Ainda assim não estaríamos muito longe da verdade ao a! rmar que, na sua origem e seus desdobramentos, foram guerras que tiveram seu epicentro na Europa e foram decididas, uma e outra, nos campos de batalha europeus.
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20) Os verdadeiros pólos do poder mundial passariam a ser, a partir de 1945, os Estados Unidos e a União Soviética. Os Impérios Bri-tânico e Francês entravam em liquidação acelerada. Uma série de movimentos de a! rmação ou de libertação nacional, essencialmente na Ásia e na África desa! ava, com sucesso, o combalido poder das antigas metrópoles.
21) O ! m do ciclo de supremacia européia (pode-se falar de um longo período de �eurocentrismo�, na condução da vida internacional) per-durou mesmo após a emergência dos Estados Unidos como potência mundial e da modernização que começa no Japão com a restauração Meiji, e depois com a China, a partir de sua revolução nacionalista liderada por Sun Yat Sen, movimentos que acordam duas grandes potências asiáticas depois de séculos de clausura e adormecimento.
22) É só no ! m da II Guerra Mundial que esse longo ciclo se esgota e um novo mundo, essencialmente bipolar no primeiro momento, se instala e se consolida. Os Estados Unidos capitaneavam o Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a União Soviética, o Pacto de Varsóvia e ao enfrentamento em escala mundial entre esses dois blocos � na sua dimensão militar (nuclear e convencional) e político-ideológica � se convencionou chamar de �Guerra Fria�.
23) O ! m desse período, precipitado pelo fracasso do socialismo real na URSS e nos países da Europa Oriental teve na queda do Muro de Berlim, em 1989, o seu símbolo mais eloqüente. A partir de então, enfraquecida a disciplina ideológica e militar imposta pela Guerra Fria o mundo se orienta em direção a um multipolarismo de geometria variável que talvez seja o rótulo que � apesar de impreciso � melhor descreve a situação atual.
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A Reconstrução Européia
24) Uma das principais diferenças entre os dois pós-guerras foi a da
determinação americana, em 1945, de recusar o isolacionismo que
prevaleceu em Washington em 1918 e impediu que se consolidasse a
política do Presidente Woodrow W ilson que teria levado os Estados
Unidos a se tornarem membros da Liga das Nações e, possivelmente,
a que fosse diferente a história da primeira metade do Século XX.
25) As esperanças norte-americanas, logo depois da Conferência de
São Francisco, quando é criada a Organização das Nações Unidas
(ONU), de que a Europa seria capaz de se reconstruir com recursos
próprios e retomar os níveis de produção e qualidade de vida do
período imediatamente anterior ao con! ito não se con" rmaram. Era
manifesta a falta de fôlego em países material e moralmente exaustos,
clara a insatisfação e a intranqüilidade popular, enquanto os partidos
comunistas ganhavam maior espaço e uma ainda maior militância.
26) A doutrina Truman, criada em 1947, que autorizou o apoio
econômico e material à Grécia e à Turquia e se estendeu depois a
outros países que sofriam a ameaça de captura ou desestabilização
por forças favoráveis a Moscou, mostrou-se uma ferramenta decisiva.
O Presidente Truman e seu Secretário de Estado, o General George
Marshall montam, como etapa seguinte, uma ofensiva em favor da
reconstrução da Europa e para que os resultados da vitória militar
não fossem desperdiçados.
27) Sem essa iniciativa conhecida como o Plano Marshall (1947) �
mas que tinha a denominação o" cial de �Programa de Recuperação
Européia� � e sem a maciça injeção de recursos que proporcionou
� a Europa simplesmente não teria tido capacidade autônoma para
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atravessar o período crucial dos dez primeiros anos do após-guerra.
Para administrar os recursos que recebem através do Plano Marshall,
os europeus criam, sob a presidência do francês Robert Marjolin, a
Organização Européia para a Cooperação Econômica (OEEC) que
mais tarde, em 1961, ao permitir a participação de Estados não euro-
peus irá transformar-se na OCDE (Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico). A OCDE veio a ser, de algum
modo, o equivalente, na área econômica e social, do que a OTAN re-
presentou no plano da aliança estratégica em sua dimensão militar.
28) Sem a OTAN, que deu à Europa, para se antepor ao poder
soviético, um escudo crível de armamento convencional e atômico,
também não teria sido possível pôr em marcha a obra associativa
que se formalizará em Roma nem dispor dos prazos e das demais
condições su! cientes de segurança para que os projetos de uni! cação
prosperassem.
29) Não se pode, assim, chegar ao Tratado de Roma � sem tratar
antes do impacto do Plano Marshall e da criação da OTAN e depois
da OCDE na recuperação européia e na dinâmica do período inicial
da Guerra Fria (que aqui considero o período que vai do bloqueio de
Berlim ao levante de Budapest) � assuntos todos intimamente interli-
gados e que tiveram in" uência decisiva na de! nição dos destinos do
continente. São eventos em que os Estados Unidos foram o grande
promotor e ator e neles os europeus, ainda fragilizados, desempenham
um papel coadjuvante.
O Destino da Alem anha
30) Os primeiros impulsos dos países vencedores logo quando chega-
va ao ! m a Segunda Guerra Mundial foram no sentido de desarmar e
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neutralizar a Alemanha responsabilizada pelos dois grandes con! itos
e por terríveis crimes contra a humanidade e já dividida em quatro
zonas de ocupação pelas decisões das potências aliadas adotadas,
quase no " m do con! ito, durante as conferências de Yalta e Pots-
dam. Essa intenção aparece clara no Plano Morgenthau preparado
pelo então Secretário do Tesouro norte-americano, em setembro
de 1944 e que, além da punição dos criminosos de guerra de" nidos
de forma muito abrangente, previa a divisão da Alemanha em duas
entidades separadas, importantes perdas territoriais a Leste (para a
Polônia e a União Soviética) e a Oeste (para a França) e um drástico
desmonte industrial que equivaleria, de fato, a uma �pastoralização�
da Alemanha.
31) Parecia uma reedição de 1918. A Liga das Nações substituída pelas
Nações Unidas. As reparações adotadas em Versalhes substituídas pela
restrição ao poder econômico germânico e a ocupação e neutralização
de seus pólos industriais no Ruhr e no Saar. A intenção, romântica,
punitiva e irrealista, era a de fazer reverter uma grande e moderna
economia industrial ao estágio de uma sociedade rural como existira
no início do Século XVIII.
32) Seria, novamente, o convite ao desastre. Voltaria o rancoroso
revanchismo dos derrotados, o crescimento econômico e a pros-
peridade não voltariam ou voltariam muito devagar; assistiríamos
ao avanço de ideologias extremistas alimentadas pelo desemprego e
pela recessão e pelo apoio da União Soviética que, com sua política
expansionista territorial e ideológica, ganharia ainda maior in! uência.
As democracias perderiam terreno e talvez até mesmo o controle
político nos países da Europa Ocidental.
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33) Mesmo os riscos inaceitáveis de uma guerra nuclear � fato e ameaça inteiramente novos � talvez não bastassem para impedir um novo con! ito generalizado que essa situação de instabilidade deveria provocar em um prazo mais ou menos próximo.
34) Hoje quando a história já foi vivida e os acontecimentos parecem revestidos de certa inevitabilidade, é fácil ignorar como os caminhos poderiam ter sido outros e outros os resultados.
35) Entre o acerto de contas com o passado e o imperativo da construção de um futuro viável para a Europa prevaleceu � pelo do-loroso aprendizado coletivo e também pela visão de alguns poucos homens extraordinários � a procura e, por " m, a identi" cação de um caminho de superação do passado marcado pelo gradualismo e pelo pragmatismo.
36) É geralmente aceito que a caminhada da integração européia co-meça ao se abrir a década de 50 com a Declaração Schuman, nome do então Ministro das Relações Exteriores da França, que propõe um instrumento que pode, sem nenhuma dúvida, ser quali" cado como seminal: a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA).
37) A França e a Alemanha � e outros quatro sócios menores � decidem em Paris, ao criarem a CECA, compartilhar o controle da produção dos dois bens tidos como cruciais para a preparação de um con! ito militar.
38) A idéia central é a simplicidade mesma: compartilhado e regulado o acesso ao carvão e ao aço � ingredientes centrais para as corridas armamentistas em décadas anteriores � a França e a Alemanha não poderiam mais rearmar-se isoladamente e agora, como sócias, seriam
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induzidas pela própria dinâmica da cooperação e transitar da política
de rivalidade para o espírito de sociedade. Substitui-se por um proces-
so associativo e construtivo o modelo fracassado de procurar aplicar
controles externos a programas militares. A França, fragilizada pela
ocupação, busca obter as garantias de segurança de que precisa para
recuperar sua economia e orientá-la para um novo ciclo de crescimen-
to. A Alemanha, derrotada, busca credibilidade e começa a percorrer
o caminho de sua reconstrução e de sua inserção, como um sócio
con! ável, na família européia. O modelo cria um claro equilíbrio de
vantagens e responsabilidades.
39) Essa primeira Comunidade � em virtude mesmo da natureza dos
processos associativos � estabeleceu instituições precursoras e que
iriam evoluir até se transformar nos imensos e complexos sistemas
da Europa de hoje: uma autoridade que será o embrião da Comissão
Européia e uma assembléia que será a matriz do atual Parlamento
Europeu.
40) Resgatada a primazia cronológica da Comunidade Européia do
Carvão e do Aço ! ca evidente que não era de sua natureza nem sua
função servir de inspiração e modelo de formas dinâmicas de inte-
gração. Para isso, iriam ser criadas, em Roma, a Comissão Econômica
Européia (CEE), matriz de todas as estruturas atuais de Bruxelas, e a
Comunidade Européia de Energia Atômica (EURA TOM). A criação
e o desenvolvimento desse modelo associativo é o nosso assunto.
41) É sobre esse tripé inicial que se vai montar o processo da cons-
trução européia. Embora com objetivos e caminhos diferentes, a
CEE, a EURA TOM e a CECA tem em comum serem instrumentos
que buscavam o reforço de con! ança entre parceiros condicionados,
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pela história e mesmo pela experiência pessoal dos atores individuais
envolvidos, a terem a máxima descon! ança uns dos outros.
42) Se as di! culdades eram muitas para que o processo de integração e
de construção de con! ança pudesse avançar, seja pelas pesadas hipo-
tecas do passado, seja pelo ineditismo da experiência de transformar
inimigos em sócios em um período de poucos anos, cabe também
alinhar o excepcional conjunto de forças e fatores que se somavam
para que a empresa fosse adiante. Vamos buscar relacioná-las.
Um m om ento extraordinário
43) Só um conjunto tão excepcional de circunstâncias como aquelas
que cercam o ! m da Segunda Guerra Mundial permite compreender
porque e como o projeto uni! cador europeu expresso no Tratado
de Roma conseguiu ser realizado. Novos e maiores temores supe-
raram os antigos temores e descon! anças. O medo ao expansio-
nismo soviético, o medo das armas atômicas, o medo de uma nova
e próxima guerra, o horror pela destruição causada nos con" itos
anteriores e pelos genocídios cometidos, a perda da autocon! ança
coletiva depois de tantos fracassos, a má consciência pelos efeitos
do colonialismo e do racismo que quase sempre o acompanha, a
destruição de um inestimável patrimônio artístico e cultural e de
um imenso capital econômico, tudo isso leva os europeus a descrer
de seus anteriores modelos de comportamento, a descon! ar do
acerto das estradas que antes trilharam e a buscar, portanto, novos
caminhos e novas esperanças.
44) O caminho anterior que induzia à valorização dos nacionalis-
mos belicosos, à preparação de planos de guerra contra vizinhos,
à rivalidade descontrolada estava esgotado na Europa. As glórias e
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o prestígio militar estavam em baixa. As derrotas nos con! ns dos impérios coloniais como, por exemplo, na Índia, na Argélia ou no Vietnam desmoralizavam as metrópoles e mostravam que a Europa não dispunha mais nem do capital nem da vontade para perseguir as velhas políticas.
45) Talvez o momento mais emblemático do esvaziamento do poder e da in" uência européia tenha sido a necessidade franco-britânica e israelense de recuar de sua expedição punitiva de 1956, que buscava anular a decisão de Nasser, então Presidente do Egito, de naciona-lizar o Canal de Suez diante da pressão norte-americana que, nesse caso, contava com o endosso soviético. Ficava claro que a Europa não dispunha mais de autonomia para agir por �motu� próprio na defesa de sua política imperial sem o consentimento dos patronos americanos.
46) Importa, também, assinalar que a Guerra Fria, ao congelar na Europa as rivalidades entre as duas superpotências e ao de! nir as áreas de presença e supremacia do Pacto de Varsóvia e da OTAN, respectivamente, simpli! cou a equação estratégica e, ao transferir os enfrentamentos armados para regiões periféricas do tabuleiro mun-dial (os então chamados con" itos regionais) deu à Europa Ocidental, protegida pelo escudo nuclear e de armas convencionais dos Estados Unidos, e desobrigada de gastos militares excessivos o tempo e a oportunidade para se concentrar em um projeto de desenvolvimento econômico acelerado e sustentado de que o chamado milagre eco-nômico alemão foi o exemplo mais evidente.
47) Depois do ! m da Segunda Guerra Mundial, as principais po-tências européias não encontram mais em seus eleitorados o apoio a políticas armamentistas muito onerosas, ou capazes de produzir
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um desequilíbrio estratégico na região. Por alguns anos � enquan-to De Gaulle e seu pensamento predominaram � buscou ele para seu país um per! l estratégico próprio, distanciou-se da OTAN, e perseguiu mais uma retórica do que uma política real e e! caz que desse à França autonomia e capacidade de agir por conta própria. No imediato, após a guerra, a França e a Inglaterra desenvolveram e continuam a manter até hoje capacidade nuclear própria e ambos países procuraram preservar muitos dos fatores normalmente asso-ciados com o per! l de potências militares signi! cativas. Os demais países europeus membros da OTAN optaram por não desenvolver capacidade nuclear militar própria e se colocar sob o guarda-chuva da proteção norte-americana.
48) O pós-guerra produziu, en! m, uma geração de estadistas com a credibilidade e a visão para avançar o projeto associativo, no que foram apoiados por opiniões públicas nacionais resolutamente contrárias a qualquer aventura militar no continente. É importante destacar como a reconciliação européia foi obra de sociedades civis ativas, atuando dentro da moldura de regimes democráticos vigorosos e comprome-tidos de maneira profunda com a causa da convivência pací! ca com os vizinhos mais próximos. As novas causas da proteção dos direitos humanos e do meio ambiente iriam superar em sua capacidade de mobilização as ideologias anteriores e a velha paixão nacionalista.
49) O principal eixo pessoal de entendimento foi aquele que souberam criar Charles De Gaulle e Komad Adenauer ao substituir a lógica da rivalidade franco-alemã pelas possibilidades de uma interação construtiva entre os dois antigos adversários. Há importantes atores coadjuvantes e da relação não podem faltar Paul Henri Spaak, pela Bélgica; Alcide de Gasperi pela Itália e Joseph Luns, pelos Países-baixos, entre tantos. Faltam muitos nessa lista.
67Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
50) São, sobretudo, alguns grandes servidores públicos franceses os
responsáveis pelo desenho da arquitetura institucional da comunidade
européia. Robert Schuman já foi mencionado. Agora seria o momento
de registrar que foram a visão e as idéias de Jean Monnet � por con-
vicção, biogra! a e oportunidade o símbolo do novo homem europeu
� que desenharam o esboço inicial da integração européia.
O Tratado de Rom a
51) A escolha da cidade para sediar as cerimônias de adoção do Tra-
tado que criava a CEE e seus mecanismos, prenunciava o Mercado
Comum e punha em marcha o processo de integração européia que
foi política e historicamente signi! cativa. Talvez nenhuma outra ci-
dade mais do que Roma represente a continuidade histórica, cultural
e religiosa do Ocidente. Era também um símbolo de reconciliação
por ter sido a capital de uma potência adversária na Segunda Guerra
e, assim, moldura apropriada para o inicio de um novo ciclo da vida
continental.
52) Europa dos Seis, Mercado Comum Europeu, CEE são os nomes
alternativos pelos quais a nova associação ! cou conhecida e que ti-
nham, ao mesmo tempo, a carga positiva de ser a expressão vigorosa
de um novo renascimento europeu e fazer o resgate das pesadas
hipotecas da história recente. Aqui, usarei de maneira indiferente
essas várias denominações que, embora não sejam rigorosamente
sinônimas serviram nos primeiros anos e, sobretudo, até a criação
das Comunidades Européias para indicar o mesmo objeto.
68 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
53) Os Estados Unidos apoiaram, desde o começo, a iniciativa selada
em Roma, embora sempre procurassem moldá-la e subordiná-la a seus
interesses. A Inglaterra desejou associar-se ao projeto de integração
continental quase desde seu início (passado um primeiro período em
que achou que a idéia não iria prosperar) sem, contudo, estar pre-
parada a abrir mão de sua dimensão atlântica (vale dizer sua relação
especial com os Estados Unidos) e sem sacri! car seus interesses e
sua liderança na �Commonwealth�.
54) Por seu lado, os soviéticos e seus parceiros (a expressão então
usada era �Satélites�) criam, em 1949, o COMECOM (Conselho de
Assistência Econômica Mutua) inicialmente como uma tentativa de
resposta ao Plano Marshall (da mesma forma que o Pacto de Varsóvia
se pretendia uma resposta a OTAN) e cuja abundância de recursos
seduzia naturalmente alguns dos países da Europa Oriental. Mais
tarde, o sistema concebido e controlado por Moscou foi atualizado
e dotado de novas metas e instrumentos que procuravam fazê-lo
parecer e operar como uma contrapartida aos propósitos e alcance
do Tratado de Roma. Com vícios insanáveis de origem, os modelos
adotados na zona de in" uência soviética eram intrinsecamente frágeis
e nunca tiveram condições de equilibrar o jogo.
55) Ao indicar a aparente simetria e sincronia entre os processos
associativos no Leste Europeu e na Europa Ocidental importa
destacar que tanto a OTAN como a CEE foram concebidas como
parte de uma política essencialmente defensiva e que buscava a
�contenção�dos propósitos agressivos e expansionistas da União So-
viética, que naquele momento se sentia investida de uma missão que,
segundo proclamava sua ideologia, a história lhe havia reservado.
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56) Mais determinantes para o futuro da empresa foram os debates
intramuros entre os Seis sobre a natureza mesma do processo associa-
tivo. A França buscava acentuar sempre o caráter inter-governamental
do empreendimento (seu modelo era de! nido como a �Europe des
Patries�) e o General de Gaulle durante os longos períodos em que
esteve no poder ou, mesmo fora dele, ao preservar sua capacidade de
de! nir a orientação estratégica de seu país resistia a tudo que pudesse
signi! car um avanço e consolidação do modelo supranacional. Partiu
igualmente da França, por mais de uma década, a oposição que impe-
diu o ingresso no sistema do Reino Unido que tendo apresentado sua
candidatura em 1961 só a viu aceita em 1973. Temiam os franceses
que a Inglaterra, dentro da CEE, pudesse agir como um Cavalo de
Tróia dos interesses de Washington e que sua admissão, nos termos
que a Inglaterra desejava impor, retiraria do projeto o seu caráter
eminentemente europeu.
57) A posição do Reino Unido foi decisiva para que se criasse uma
alternativa ao sistema criado pelo Tratado de Roma. A Associação
Européia de Livre Comércio (EFTA), fundada em 1960, chegou a
reunir nove países europeus e durante uma década apresentou-se
como uma alternativa menos ambiciosa e menos visionária do que
a CEE mas que seduzia os países que formavam o arco exterior
da Europa (escandinavos e outros) e que desejavam preservar uma
medida maior de autonomia ao não se envolverem excessivamente
com parceiros dos quais, essencialmente, descon! avam. Hoje a EFTA
está reduzida a um papel acessório e conta apenas com quatro países
associados: Noruega, Islândia, Suíça e Liechtenstein.
58) O que confere verdadeira dimensão histórica ao Tratado de Roma
é, sobretudo, a sua evolução subseqüente e o processo de que foi o
70 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
marco inicial. Examinado em si mesmo seria apenas um instrumento,
importante, sem nenhuma dúvida, por seus próprios méritos, ao criar
con! ança entre vizinhos e estabelecer, com clarividência e rigor, as
bases de uma união aduaneira entre os seis países signatários.
59) Apenas no preâmbulo ! ca registrado que os signatários buscavam
um objetivo maior do que o próprio Tratado e que seria o de uma
�integração política progressiva� entre eles. O que faz o Tratado de
Roma adquirir sua indiscutível importância histórica reside menos em
suas cláusulas operativas, muitas das quais ampliadas e reformuladas
subsistem até hoje, do que no fato de ter posto em marcha a criação
do bloco econômico mais poderoso no mundo com a decorrente
superação de séculos de descon! ança e con" ito armado entre os
vizinhos continentais.
60) Um dos principais méritos do Tratado foi o de estabelecer um
modelo de vantagens equivalentes e recíprocas que, desde o primei-
ro momento até agora, satisfez os interesses fundamentais dos dois
principais sócios fundadores: os alemães e os franceses.
61) A França, principal potência européia na agricultura foi, desde
o início, a campeã da política agrícola comum (PAC) que o Tratado
de Roma consagra e que é, até hoje, um dos principais pilares da
construção européia.
62) A Alemanha, por seu lado, é a principal bene! ciária da dimensão
industrial do projeto. Como o objetivo fundamental do Tratado era
o da eliminação � em um prazo de doze anos que foi, depois, abre-
viado � das tarifas entre os sócios, uma tal eliminação aplicada aos
bens manufaturados claramente favorecia a Alemanha amplamente
71Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
reconhecida como a potência européia industrialmente mais compe-
titiva. Assim a dimensão agrícola do mercado europeu e o modelo
protecionista que estabeleceu � tanto para di! cultar o acesso aos
mercados internos dos Seis como para subsidiar as exportações de
alimentos do grupo para o resto do mundo � compensava a França
que teria reconhecido seu papel como principal potência agrícola
regional. Com as sucessivas ampliações da família européia esse
contrato original se foi transformando e re! nando embora se possa
dizer que até hoje essa fundamental dualidade inicial de primazias
em boa medida se sustenta.
63) Críticos do processo associativo europeu alegam que o mundo
criado pelo Tratado de Roma depende, para continuar avançando,
das sucessivas ampliações que tem acontecido. O argumento �
parcialmente verdadeiro � é de que as ampliações aliviam tensões,
ajudam a superar impasses e criam novos espaços para negociação
e acomodação de interesses. Aplica-se aqui, a máxima do Presidente
Eisenhower que dizia que para resolver um grande problema é pre-
ciso fazê-lo ainda maior. A comunidade européia já foi comparada a
uma bicicleta que só se equilibra avançando com alguma velocidade.
Contudo � e isso é ainda mais verdadeiro � a união entre os sócios
só perdura porque os membros se sentem essencialmente satisfeitos
com a operação do sistema criado e não se percebe um sentimento
individualizado ou generalizado, em nenhuma das partes, em favor
de uma ruptura ou de alguma forma de auto-exclusão. Em outras
palavras: não há prova mais eloqüente do sucesso do sistema do
que o empenho que põe os países candidatos em seus esforços de
admissão e na sua disposição de fazer importantes concessões para
obter o desejado acesso.
72 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
64) Hoje o exemplo mais eloqüente desse empenho e dessa determina-
ção é dado pela Turquia, que insiste em ter abertas as portas européias
apesar de repetidas rejeições. Novas exigências e condicionalidades,
revestidas da aparência da objetividade são impostas à pretensão
turca e � embora muitas dessas reservas possam se sustentar por si
mesmas � encobrem o motivo verdadeiro de resistência comunitária
que é o temor de aceitar em seu meio uma importante nação islâmica
que provem de um outro molde político e cultural.
65) A União Européia, na medida em que avança na direção de
modelos cada vez mais íntimos e complexos de integração entre um
número muito maior de sócios, enfrenta crescentes desa! os conceitu-
ais, operacionais e administrativos. Para superá-los, a Europa poucas
vezes encontra na história, próxima ou remota, precedentes de fácil
aplicação. Os europeus avançam por um caminho realmente novo e
ainda mal balizado.
66) As práticas que tão bem serviram bem ao projeto no seu início,
têm di! culdades de adaptação à realidade atual. Agora são mais de 20
os idiomas utilizados como línguas o! ciais ou de trabalho; opera-se
com sistemas e culturas jurídicas diferentes; são muitas e dissonantes
as burocracias nacionais que disputam espaço no emaranhado de
Bruxelas.
67) A União Européia não tem hoje nem os meios nem a intenção
de conceder aos seus sócios mais recentes as mesmas vantagens que
estendeu aos outros recém-chegados quando das primeiras amplia-
ções. Pesam sobre o sistema os importantes custos do protecionismo
agrícola (desde o início, vale sublinhar, esse protecionismo tem ab-
sorvido a maior parcela do orçamento comunitário) e os de outros
73Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
mecanismos de defesa de interesses regionais. No mundo globalizado
multipolar e altamente competitivo de hoje, as estruturas pesadas,
redundantes e onerosas da UE reclamam urgente modernização.
De união aduaneira a um a entidade quase federal
68) A Europa vem construindo de fato, gradualmente e sem de! nição
ou doutrina precisas, uma estrutura essencialmente federal que deverá
acomodar os Estados, as nações e as regiões mais ou menos autôno-
mas que coexistem dentro do espaço de sua jurisdição tal como ! cou
de! nida no ultimo ciclo de expansão. O trajeto que vai do Tratado
de Roma � até a imensa arquitetura do que em breve poderá vir a ser
uma federação de 27 países � é um dos mais extraordinários caminhos
já percorridos na história das relações internacionais.
69) A União Européia deve ser vista como um sistema sui generis ao
qual não se podem aplicar, com clareza, as etiquetas de entidade
federativa ou confederada; de construção inter-governamental ou
supranacional. Como tem sido um processo evolutivo que avança por
etapas e vai adquirindo sempre novos contornos é hoje, sobretudo,
um sistema híbrido e complexo que desa! a rotulações fáceis. Parece
evidente � e isso se pode a! rmar � que a Europa tem avançado na
direção da conformação de um grande espaço uni! cado que não
nasce � como foi o caso dos Estados Unidos e de outras repúblicas
americanas de uma revolução contra a antiga metrópole e das delibe-
rações abrangentes de um grande Congresso constituinte � mas de
processo cumulativo de passos limitados que, no ! m do caminho e
se tudo der certo, produzirá alguma coisa que se aproximará muito
do que poderiam vir a ser os Estados Unidos da Europa.
74 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
70) O gradualismo e o pragmatismo que marcaram todo o processo de
construção parecem ter sido resgatados pelos resultados alcançados.
A Europa uni! cada é sensível às reclamações de seus grandes asso-
ciados e até mesmo de suas pequenas regiões as quais, em um mundo
crescentemente globalizado, pretendem conservar a especi! cidade
de sua língua, costumes e cultura e outros traços diferenciadores, ao
mesmo tempo em que se preparam para competir no mercado global
nivelador de exigências e impaciente com particularismos. Uma das
conquistas mais importantes da construção européia foi ter sabido
conciliar uma visão global do mundo novo em que a Europa deve
atuar e competir e uma sensibilidade com as expectativas e sensibilida-
des das regiões que existem no interior do espaço comunitário. Existe
uma re" exão na Europa que supõe que a integração será, em algum
momento, feita dentro do espaço comunitário talvez entre regiões e
não mais entre Estados os quais perderiam relevância e coesão como
uma das conseqüências do próprio processo integrador. Em lugar de
uma �Europa das pátrias� surgiria então uma �Europa das regiões�
cada uma reunindo sócios com intensa identi! cação de interesses e
características compartilhadas.
71) O itinerário da UE tem sido sinalizado pelas in" exões que cor-
respondem, grosso modo, aos grandes tratados e acordos que foram
negociados entre os países comunitários. Assim pode-se contar a
história da construção da Europa viajando de etapa a etapa e dizendo,
brevemente, o que cada uma signi! cou.
72) Se o Tratado de Roma é o ponto de partida, o próximo grande
momento é, sem dúvida, a assinatura, em 1967, do Acordo de uni! -
cação das três entidades fundadoras e o aparecimento, em seu lugar,
75Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
das Comunidades Européias. Em 1979, ocorrem as primeiras eleições diretas para o Parlamento Europeu, pelo sufrágio direto. Em 1986, é adotado o Instrumento Europeu Único que previa uma ampla re-forma e a extensão dos poderes da Comissão, sobretudo no que diz respeito à política externa comunitária. Em 1992, dá-se a adoção do decisivo Tratado de Maastricht que ao ampliar e completar o Tratado de Roma cria a União Européia. Só o Tratado fundador de Roma tem a mesma importância para a construção européia. Logo a seguir e já em 1994, registram-se várias novas importantes iniciativas: a que criou a Comissão das Regiões; a que criou o Fundo Europeu de In-vestimentos e, em 1995, a decisão de estabelecer o Bureau Europeu de Policia criando-se a EUROPOL. Em 1999, assina-se o Acordo de Schengen, que ordena os processos migratórios e os deslocamentos de pessoas e mão-de-obra dentro da Comunidade e, por ! m, ocorre, com sucesso, o lançamento da nova moeda comum, o EURO culmi-nando um processo de vários anos de cuidadosa preparação e que trouxe consigo a criação do Banco Central Europeu.
73) Se o Tratado de Roma tem a marca da primeira fase da reconstru-ção da Europa do pós-guerra e dos condicionamentos da Guerra Fria o Tratado de Maastricht é o re" exo da situação criada depois do ! m desse longo enfrentamento e pela reuni! cação alemã. A adoção do EURO que, em certa medida, substitui o Marco alemão que era, sem dúvida, a moeda européia de referência, servirá, também, como um novo gesto para indicar que a Alemanha, recuperada sua integridade territorial e restaurado o seu poder, continuava a oferecer provas de um comportamento que reforça a con! ança de seus vizinhos e agora sócios.
74) Nem o Acordo de Schengen nem a adoção do Euro obtiveram
inicialmente a adesão � e isso ocorre mesmo até agora � de todos os
76 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
países comunitários. Essa situação não se deve alterar em período
previsível. Em mais uma demonstração de sua ! exibilidade pragmá-
tica, a Europa aceitou avançar em duas velocidades e acomodar os
interesses de sócios tematicamente minoritários que preferem dispor
de tempo adicional para se ajustar ao ritmo dos países de vanguarda. É
preciso, contudo, reconhecer o Euro como símbolo do que a Europa
aprendeu a fazer de forma concertada. Não é um pequeno feito criar
uma moeda hoje comum a mais de treze países sem que a sua implan-
tação tenha provocado turbulências nas economias participantes e
que essa moeda, depois de anos de relativa fraqueza se ofereça hoje,
como uma muito atraente alternativa para o dólar.
75) A assinatura do Acordo de Amsterdam que estabeleceu a �Política
Comum de Defesa e Relações Internacionais (CFSP) se dá em 1997 e
coincide com o início da gestão de Romano Prodi, como Presidente
da Comissão, sobre quem se falará mais adiante. Confere-se, a partir
de então, à jurisdição do projeto comunitário novas e importantes
atribuições em áreas sensíveis e que eram antes da exclusiva compe-
tência das partes nacionais.
76) Assina-se em 2001 o Tratado de Nice � que passa a formar com
os Tratados de Roma e Maastricht o trinômio dos mais importantes
instrumentos comunitários � por ser aquele que cria novos espaços,
novas regras do jogo e estabelece um novo ordenamento que permitiu
acomodar os dez novos membros sem afetar no essencial a distribui-
ção de poder, as proporcionalidades de votos e a participação dos
sócios majoritários nos mais altos escalões � notadamente no topo
da pirâmide hierárquica � onde se situam os comissários europeus. É
importante dizer que o Tratado de Roma, ao ser absorvido pelo de
77Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
Maastricht e esse ao se desdobrar no de Nice, mostra como os três
são, a rigor, apenas etapas e desenvolvimentos de um mesmo e único
processo. Os princípios e propósitos do Tratado de Roma perduram,
se reforçam e se estendem nos instrumentos que a ele sucederam.
77) Como o foco deste papel está centrado na criação e funcionamen-
to dos órgãos executivos do projeto comunitário, referências apenas
incidentais foram feitas até aqui ao Conselho da União Européia e ao
Parlamento Europeu. É chegado, contudo, o momento de deslocar
nossa atenção para uma avaliação mesmo que sumária de como opera
o processo legislativo dentro da União Européia.
78) O Poder Legislativo europeu se exerce através de um sistema
bicameral composto pelo Conselho da União Européia e pelo Par-
lamento Europeu. Um legislativo que durante muitos anos teve um
caráter acessório e meramente consultivo adquiriu, sobretudo depois
do Tratado de Maastricht, poderes crescentes e hoje como a legislação
comunitária se sobrepõe à legislação nacional, o peso do Parlamento
europeu é verdadeiramente muito grande embora só incida naquelas
áreas em que houve expressa delegação de poderes feita pelos Estados
Nacionais à Comissão. Um outro limite reside em que o Parlamento
europeu não pode, até hoje, iniciar propostas legislativas, o que in-
cumbe em caráter exclusivo à Comissão e a seus membros.
Existe uma tendência a confundir o Conselho da Europa, que é uma
antiga organização fundada em 1949 e que não pertence ao sistema
da União Européia e que hoje reune 47 países, com o Conselho da
União Européia � o antigo Conselho de Ministros � e que é o corpo legislativo que aqui nos interessa. Ao contrário da Comissão � que
78 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
pretende expressar os interesses da União como um todo � o Con-
selho é o fórum em que cada Estado membro expressa, de forma
paritária, seus interesses nacionais.
79) Há críticas freqüentes e generalizadas ao Parlamento europeu.
A primeira é a de que o arranjo é dispendioso e processualmente
complicado demais, que depende de imensas máquinas burocráticas
e, sobretudo ao fato de que ao operar em duas sedes (Estrasburgo
e Bruxelas) com atividades residuais no Luxemburgo onera muito o
orçamento comunitário e, por via de conseqüência, as contribuições
dos Estados Membros.
80) Outra crítica sensata que se faz incide sobre o número até agora
sempre crescente de Parlamentares, aumento que ocorria por razões
inerciais e para atender às expectativas dos recém-chegados sem pre-
judicar os interesses já criados dos membros mais antigos. Hoje existe
um parlamentar europeu para cerca de cada 650 mil habitantes. A
União Européia, para corrigir o que parecia uma expansão sem limites,
decidiu ! nalmente estabelecer um teto máximo de 750 parlamentares
e essa norma tem todas as condições para ser mantida.
81) As eleições (que são agora por sufrágio direto) para o Parlamento
europeu não costumam provocar grande interesse nos países mem-
bros. Os índices de abstenção são elevados e o homem da rua europeu
não costuma se identi! car com órgãos, questões e procedimentos
que lhe parecem remotos e em alguma medida alheios aos interesses
e às prioridades de seu quotidiano.
82) Importa registrar, todavia, que o Parlamento europeu, represen-
tando um universo de 450 milhões de eleitores, constitui o segundo
79Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
maior eleitorado do mundo superado apenas pelos números da de-mocracia parlamentar da Índia. Pouco a pouco, a política comunitária se vai tomando mais real e mais in! uente para os eleitores dos 27 sócios e os partidos políticos que vão sendo criados em Estrasburgo e Bruxelas embora se assemelhem, em suas grandes tendências, às organizações políticas nacionais, que foram seus modelos e matrizes, vão adquirindo rótulos e personalidade própria e uma expressão que vai além, naturalmente, de interesses estritamente nacionais.
83) Observa-se na Europa comunitária de hoje, et pour cause, uma certa fadiga com o exercício da democracia. Isto porque os mecanismos de consulta e participação da UE se superpuseram aos mecanismos tradicionais de exercício da cidadania em sua dimensão exclusivamente nacional e os eleitores são chamados com uma freqüência que para muitos parece excessiva, a participar de eleições, referendos ou outros mecanismos de auscultação da opinião pública. Novas tecnologias talvez ofereçam soluções, com maior economia de tempo e gastos, para que um eleitorado cada vez mais idoso e cético possa fazer co-nhecer sua vontade sem a fadiga, e os incômodos dos atuais métodos de expressão de suas preferências.
84) Os Europeus terão que continuar a se adaptar, de qualquer forma, à prática de uma democracia intensa e assiduamente participativa exercida em numerosos níveis, especialmente até que o processo de integração europeu seja concluído e o desenho das numerosas instâncias democráticas nacionais e comunitárias se tenha de" nido e estabilizado.
85) O mais recente episódio da caminhada européia foi a aprovação,
em 2004, do Tratado Constitucional da Europa (TCE) em preparação
80 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
desde a assinatura da Declaração de Laeken em 2001 e que havia sido
encomendado à Convenção constituinte presidida por Valery Giscard
d�Estaing, ex-Presidente da França. A expectativa inicial era a de que
o texto constitucional fosse rapidamente aprovado. Os primeiros
referendos nacionais pareciam con! rmar essa expectativa e 17 países
comunitários deram sua aprovação. Veio então uma inesperada dupla
rejeição: pela França e pelos Países Baixos. Depois desses dois insu-
cessos sete outros países � entre os quais a Inglaterra � resolveram
adiar seus respectivos referendos e todo o processo entrou em um
compasso de espera que perdura até hoje.
86) Sem con! gurar exatamente um fracasso, a situação criada sugere
que um cronograma algo arti! cial foi imposto, que a Europa deu um
passo além de suas pernas e que a pausa agora criada foi, de fato, a
melhor solução. Existem aqueles que acham que se deve apenas espe-
rar uma melhor oportunidade, mantendo-se o projeto constitucional
tal como existe; outros consideram que bastariam emendas tópicas
para permitir o relançamento do projeto. Finalmente, existem aqueles
que acham que metas mais modestas devam ser perseguidas com a
busca de um modelo constitucional menos ambicioso. Não parece
haver, de qualquer maneira, vontade política de voltar inteiramente
atrás e recomeçar tudo desde a estaca zero.
87) No itinerário da evolução da UE � de Roma até agora � existe
um último documento a registrar: a Declaração de Berlim de março
de 2007. É um texto curto de caráter essencialmente comemorativo.
Esperava-se mais da Presidência alemã e da comemoração dos cin-
qüenta anos e procurou-se ver na modéstia do texto adotado um sinal
de que a União Européia teria esgotado seu grande ímpeto criador,
81Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
vive um compasso de espera e precisa de um tempo para incorporar
as grandes alterações que as últimas ampliações necessariamente
produziram.
De funcionários internacionais e lideres políticos
supranacionais
88) Um outro eixo útil para observar e avaliar a evolução do projeto
europeu é ver como os homens responsáveis pela comunidade foram
evoluindo de uma posição inicial em que eram meros funcionários
internacionais � a rigor uma elite tecnocrática � até se transforma-
rem em verdadeiros líderes políticos em larga medida atuando com
termos de referência supranacionais e dotados de mandatos que lhes
conferem uma outra voz e outra autoridade.
89) Seria de justiça destacar que o homem que prepara o terreno
para essa mudança e confere ao cargo grande prestigio intelectual e
maior massa crítica política é Jacques Delors, Presidente da Comissão
Européia de 1985 a 1995. Foi sucedido por Jacques Santer que teve
seu mandato abreviado em 1999 por suspeitas de improbidade e má
gestão, não só sua como dos demais Comissários. Romano Prodi é
o primeiro Presidente que assume, com seu grande currículo como
homem público, depois de assinado o Tratado de Amsterdam, e pas-
sa a ter uma reconhecida representação política e novos termos de
referência que lhe pennitem atuar como um autêntico líder político
e, em boa medida, com a desenvoltura de um verdadeiro Primeiro
Ministro Europeu. Para assessorá-lo, conta com o espanhol Javier
Solana designado �Alto Representante para a Política Comum de
Defesa e Relações Internacionais� o que lhe permite agir como um
82 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
Ministro de Relações Exteriores de fato da entidade comunitária. A
Presidência Durão Barroso prossegue no mesmo caminho.
90) Depois da adoção Tratado de Amsterdam, a Comissão e sua
liderança passam a atuar nas Nações Unidas, na OMC, em outros
organismos e agências internacionais, como também, no relaciona-
mento bilateral com os demais países virtualmente como um poder
soberano.
91) Foi, assim, com surpresa e desapontamento que a União Européia,
depois de tantos sucessos, enfrentou o revés relativo que represen-
tou a rejeição do projeto constitucional pelos eleitores franceses e
holandeses, quando se esperava que nos dois países o projeto fosse
aprovado com uma margem confortável. Não é fácil, no momento,
identi! car o momento em que será novamente posto em marcha o
projeto constitucional embora pareça certo de que isto se dará antes
cedo do que tarde (2009 foi indicada como uma data limite) e que a
caminhada em direção à conclusão do pacto federativo irá continuar,
já que a dinâmica da construção comunitária não permite que se perca
o foco e o ímpeto negociador.
92) A nova estatura da UE e de seus principais líderes comporta um
número de evidentes contradições. Ao mesmo tempo em que a Euro-
pa se decide a uni! car sua política de defesa e de relações internacio-
nais, a França e a Inglaterra não abrem mão dos assentos permanentes
que ocupam no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Muito
pelo contrário a Alemanha busca, para a Europa, um terceiro assento
permanente. Não é fácil reconciliar essas duas políticas.
83Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
93) Também na OMC, o negociador de todos os interesses dos
países da União é o Comissário Europeu para o Comércio, Peter
Mandelstam, com amplos poderes de negociação e decisão, embora
perdurem nas estruturas administrativas dos Governos dos países
membros capacidade e impulsos para negociar bilateralmente com
outros países ou grupos de países. Contudo, mesmo no terreno onde
se travam hoje as mais acirradas disputas internacionais, a Europa
atua de forma perfeitamente integrada.
O Cam inho pela Frente
94) O sucesso de um processo dinâmico como tem sido o da uni! -
cação européia gera desa! os e expectativas crescentes. A trajetória
da União Européia, brilhante sem dúvida até agora, não provoca
mais, cinqüenta anos depois do inicio da caminhada um verdadeiro
entusiasmo especialmente entre os mais jovens acostumados ao seu
entorno e é essa dualidade de identidades que hoje é tão característica
do homem europeu: a nacional, de cada um, e a européia reunindo
a todos.
95) Observa-se, e seria o caso de mencionar aqui, que paralelamente
ao desenvolvimento de uma personalidade comunitária, os europeus
tem, de alguma maneira, regressado a certas ! delidades regionais
e mesmo locais como modo de resgatar aspectos de suas culturas
e identidade que estimam importante preservar e cultivar. Bascos,
catalães, " amengos, escoceses, galegos, piemonteses e tantos outros
procuram, recuperam suas matrizes para uma revalorização, não só
do seu direito à auto-determinação como também para dizer que, ao
acederem a uma identidade comunitária maior, não querem perder
84 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
valores e raízes que os de! nem e identi! cam. A contradição é apenas aparente. Os europeus querem as vantagens da participação no grande processo integrador e querem também a! rmar uma outra identidade particular e especí! ca a cada grupo lingüístico ou cultural.
96) A crise do projeto constitucional e o impasse temporário que se criou reabriu, em certa medida, um dos debates que já estava presente em Roma e que nunca se resolveu de forma terminante entre os par-ceiros: se a Europa irá se encaminhar para um destino essencialmente intergovemamental (como seria ainda, talvez, o desejo majoritário de ingleses e franceses) ou se chegará um projeto verdadeiramente federal como vem sendo construído e como seria a preferência da grande maioria dos membros, sobretudo dos menores e daqueles de incorporação mais recente.
97) Depois de vários anos em que as atenções e as preocupações comunitárias se voltaram, quase que exclusivamente, para o leste e para a incorporação dos novos sócios da Europa Oriental a UE procura agora entender melhor e se ajustar ao mundo globalizado que se criou depois do ! m da Guerra Fria e criar e reforçar vínculos especiais com outros países e regiões prioritárias.
98) Os europeus, é evidente, reconhecem a nova dimensão mundial do desa! o e a necessidade de sustentar o ritmo de avanço institucio-nal e operacional do que deve ser, para poder funcionar e competir, essencialmente um projeto aberto e dinâmico.
99) Os europeus também se dão conta de que, nas batalhas pelos mercados mundiais, enfrentam países que são em si continentais � por sua dimensão e pelo seu imenso poder econômico � como os Estados Unidos, a China, a Índia e países com a escala e os vastos
85Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
recursos do Brasil e da Rússia. Esses quatro últimos foram reco-
nhecidos como parceiros estratégicos da UE o que indica o desejo
de criar e desenvolver um tipo novo e especial de vinculação com
grande atores nacionais. Esse passo parece também afastar, por um
tempo ao menos, as perspectivas de um acordo entre os europeus
e outras entidades associativas, como seria o caso das negociações,
virtualmente hoje em ponto morto, com o Mercosul.
100) Essas novas parcerias com os grandes emergentes são o reco-
nhecimento pela Europa de que um mundo globalizado requer novas
estratégias e que novos grandes atores apareceram e não podem ser
ignorados. Existe também a compreensão de que os modelos clás-
sicos de protecionismo estão amplamente esgotados e que com um
sistema sobre-regulado e sobre-controlado como é, em suas linhas
gerais, o europeu não poderá, sem importantes reformas, se manter
competitivo no futuro.
101) Um dos preços (talvez o mais oneroso) do processo de uni-
! cação europeu foi o da aceitação de uma dimensão burocrática e
corporativa, múltipla e cumulativa, que faz com que todo processo
decisório centrado em Bruxelas seja lento, caro, complicado e muitas
vezes contenha uma larga medida de contradições internas que são o
resultado da busca da harmonização de interesses e políticas que não
têm � pelo menos até agora � a clareza e a univocidade daquelas que
costumam emanar de um processo de tomada de decisão realmente
nacional.
102) A União Européia está assim marcada ainda pelo que talvez
seja uma inevitável dualidade de impulsos, conseqüência talvez do
momento de considerável ambigüidade que o sistema ainda atravessa
e do qual é provável que não consiga se libertar no futuro imediato.
86 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
Já não se trata mais de promover a cooperação e a integração eco-
nômica entre vizinhos e não é ainda, profundamente, uma sociedade
que tenha a coerência e a clareza e a quase espontaneidade que cos-
tuma acompanhar as experiências genuinamente nacionais. Assim,
a Europa comunitária ganha, por um lado, a riqueza que deriva de
suas diversas matrizes nacionais constitutivas e, ao mesmo tempo,
as complexidades, contradições e hesitações que decorrem dessa
mesma diversidade.
103) É provável e talvez indispensável que o processo de integração
continue avançando para que o tempo vá forjando aquela percepção
tantas vezes unívoca que brota, com naturalidade, nas sociedades
nacionais. O que aqui se sugere é que o processo integrador está em
uma encruzilhada: o supranacionalismo europeu de certa maneira
já existe, embora de forma incompleta e imperfeita, enquanto os
nacionalismos sobre os quais o sistema foi construído estão ainda
longe de desaparecer, e sobrevivem também de forma imperfeita e
enfraquecida. A dinâmica dos últimos cinqüenta anos sugere que para
a Europa será � se levarmos tudo em consideração � muito mais fácil
avançar em direção a uma união ainda mais íntima e estreita do que
recuar de volta a um momento anterior do processo ou, o que seria
absurdo, para o ponto de partida anterior ao Tratado de Roma. Em
outras palavras: o processo, até onde a vista alcança parece irrever-
sível e os europeus são obrigados, pela própria natureza das coisas,
a estendê-lo e aprofundá-lo. Não teriam como voltar atrás � mesmo
setorialmente � a não ser com grande perda de prestígio, crédito e
status e talvez com o risco adicional de desmanchar tudo o que foi
tão cuidadosamente edi! cado até agora.
87Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
104) Para se ter medida da complexidade gerada pela natureza mesma
do processo associativo, basta mencionar as assimetrias do calen-
dário eleitoral das 27 democracias que compõem a UE. Há sempre
algumas administrações nacionais que começam seus mandatos;
outras que terminam os seus, um sem número de alterações, a cada
momento, da con! guração do poder e das pessoas e partidos que o
exercem, eleições e mudanças de equipe em um país ou outro, muitas
vezes sem datas marcadas, como é da natureza mesma dos sistemas
parlamentares. Virtualmente a cada momento, sócios que não estão
em sincronia nem vivem o mesmo momento político e que estão
sujeitos a calendários, prioridades e constrangimentos próprios são
obrigados e coordenar e formular e executar, em muitos campos,
uma política comum.
105) Sempre houve na Europa grupos que se identi! cam como
�eurocéticos� ou �europessimistas�. Até agora o sucesso sustentado
da experiência comunitária não lhes tem dado ganho da causa mas
de tempos para cá se reforçam as dúvidas e premissas que motivam
e inspiram esses grupos. O fato central é o de que o crescimento
econômico da União Européia, em períodos recentes, tem sido
mais lento do que o de o seus grandes rivais e não se observam na
Europa sinais da retomada de um maior dinamismo. A entrada de
sócios menos aptos e competitivos na UE determina, em alguma
medida, que todo o comboio seja obrigado, às vezes, a navegar em
menor velocidade.
106) É fato, também, que o modelo comunitário não consegue se
desvencilhar da herança do peso do papel do Estado na condução
da economia; de uma multiplicação perversa de órgãos e práticas
88 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
burocráticas e de uma relutância em trabalhar com a intensidade, a
criatividade e a informalidade que prevalecem em sistemas rivais. A
União Européia se deu pelo empilhamento de instâncias, mecanismos
e burocracias nacionais e comunitárias e os novos tempos reclamam
uma drástica eliminação dessas superposições.
107) Dois outros grandes problemas também afetam a Europa de
hoje; as di! culdades em reduzir os níveis de desemprego e os gastos
com seguridade social e a di! culdade, demonstrada até agora, em
absorver os grandes contingentes migratórios que se incorporam
anualmente ao mercado de trabalho comunitário. Sobretudo quando
esses contingentes se originam em países de cultura islâmica as di! -
culdades de integração harmoniosa são evidentes e agudas.
108) A Europa convive mal com a diversidade racial. Países como
os Estados Unidos e o Brasil � apesar das marcadas diferenças de
formação histórica que existem entre ambos � trazem essa diversi-
dade como parte de sua própria identidade e embora em um e outro
sejam ainda muitas as injustiças e as exclusões, as duas sociedades
aprenderam, desde sempre, a conviver com o fato incontornável
dessa diversidade.
109) Na Europa, onde as populações de longa implantação estão nu-
mericamente em declínio e onde é um dado importante, faz décadas,
o envelhecimento demográ! co, os imigrantes são ao mesmo tempo
indispensáveis e mal aceitos. Existem tensões agudas e crescentes �
sobretudo nas periferias dos grandes centros urbanos � e não se vê,
ainda, a luz no ! m do túnel. A eventual inclusão na UE das novas
repúblicas que antes integravam a Iugoslávia será um desa! o adicio-
nal. O risco de que o vírus de uma quase �balcanização� se in! ltre
na experiência européia não pode ser ignorado.
89Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
O s m odelos regionais em um m undo global
110) Para além dos desa! os que são naturais e inerentes ao estágio
atual do processo de integração da Europa, cinqüenta anos depois,
existe uma outra pergunta mais inquietante. Resta saber se as pirâmi-
des interdependentes de poder montadas em Bruxelas e nas capitais
comunitárias são um prenuncio do futuro ou, pelo contrário, relíquias
de um tempo em que os Estados desempenhavam um papel central
e determinante.
111) A pergunta não é saber se a idéia de uma Europa unida é boa
(a resposta a essa pergunta é irresistível e enfaticamente a! rmativa),
mas saber se o modelo adotado, e de que Bruxelas é o topo, e que
foi o de uma superposição de poderes locais, regionais, nacionais e
agora comunitários, preservados muito além do que precisariam ser
pela obstinação de cada burocracia em sobreviver mesmo depois que
sua utilidade tenha cessado, é viável e se o modelo criado poderá se
manter competitivo em um mundo marcado pela lógica inexorável
da globalização.
112) O que a Europa criada desde o Tratado de Roma enfrenta hoje
não é, certamente, a ameaça de um colapso de suas instituições e do
compromisso dos povos constituintes da União com a sua preser-
vação. O risco é o de que haja um lento e insidioso declínio do peso
e da in" uência da Europa no mundo e que o modelo de integração
complexa e tortuosa que a UE representa não tenha condições
para enfrentar bem o desa! o de outros sistemas muito mais ágeis e
produtivos.
113) Resta ainda saber se a Europa, por ! m, se reorientará sobre o
Atlântico Norte e buscará criar ou recriar o tipo de associação com
90 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
os Estados Unidos e o Canadá de que a OTAN, em outro momento
e em outra dimensão, foi o símbolo maior ou irá, em sentido contrá-
rio, continuar a ampliar sua projeção para o Leste buscando a criação
de um espaço a rigor eurasiano. Talvez � e os parceiros estratégicos
até agora escolhidos pela Europa, entre eles � como disse � o Brasil,
são uma indicação disso � o provável é que a Europa � através da
associação com os grandes emergentes, irá procurar romper o casulo
geográ! co e buscar relacionamento especial com países de grande
peso especi! co de outras regiões e que compartilham in" uência e
responsabilidades especiais no mundo globalizado.
114) Não se deve fugir ao registro do pior momento que a Europa
comunitária enfrentou e que foi quando ! cou manifesta sua incapa-
cidade para intervir de forma decisiva na antiga Iugoslávia e especial-
mente quando em Srebrenica, acontece, em 1995, o maior genocídio
e os mais graves crimes contra os direitos humanos ocorridos em
solo europeu desde o ! m da Segunda Guerra Mundial.
115) Foi preciso que a OTAN � com a presença decisiva de Forças
Norte Americanas � atuasse na Bósnia para que a crise fosse supe-
rada. A incapacidade da Europa de agir em seu próprio quintal ! cou
manifesta e acentuou-se a percepção de que, apesar de já ser um
gigante econômico, a Europa uni! cada era um relutante e débil ator
em situações em que a determinação e a força se faziam necessárias.
A política européia comum de defesa e relações internacionais criada,
em parte para corrigir essa vulnerabilidade, custa a sair do papel e
não parece motivar sócios que não desejam nem as despesas nem as
responsabilidades que acompanham a criação e a aplicação de uma
força e! caz e moderna.
91Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 51-91, fev. 2009
116) É possível � talvez mesmo provável � que a Europa depois de tantas guerras e lutas tenha tomado uma aversão duradoura pelo uso da força e que não tenha mais objetivos nem vontade para ir além da construção de um espaço de conforto e prosperidade.
117) Pesado um meio-século marcado por imensas conquistas eco-nômicas, comerciais e sociais o processo de uni! cação da Europa só pode ser de! nido como um verdadeiro sucesso. Na ausência, contudo, de uma verdadeira dimensão política e militar, o papel que a Europa representará no mundo do Século XXI deverá ser, seguramente, me-nor do que aquele que lhe coube desde o Renascimento. O Tratado de Roma ao reorientar a Europa para os caminhos da cooperação talvez tenha dado ao velho continente um futuro seguro e de previsível prosperidade, mas não pode fazer com que a construção da história e o desenho do futuro voltassem a passar como antes, em primeiro lugar, pelos caminhos da Europa.
92 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
Ernane GalvêasEx-Ministro da Fazenda
Síntese da Conjuntura
A Economia Brasileira e a Crise
A crise global, iniciada com as trapaças ! nanceiras nos Estados
Unidos e na Europa, acabou batendo forte na economia bra-
sileira. Primeiro, foi a queda na demanda mundial por combustíveis,
matérias primas (minérios, celulose, etc) e alimentos (principalmente
soja), com a consequente queda nos preços. Em seguida veio a bru-
tal queda na cotação das ações na Bolsa, produzindo uma colossal
perda no patrimônio dos investidores, com fuga de capitais estran-
geiros. Agora, é a vez da retração dos investimentos privados, com
o adiamento de projetos avaliados em R$ 65 bilhões, no período
de 2009/2012. O resultado ! nal é o desemprego da mão-de-obra.
Em dezembro/08, estima-se que ! caram desempregados 654 mil
trabalhadores. Somente o adiamento dos projetos de investimento
vai deixar de gerar 70 mil empregos.
Para agravar a situação, a produção agrícola de grãos deverá sofrer uma
enorme queda de 9% na safra 2008/09, comparada com a safra ante-
93Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
rior, após ter crescido 5,3% na safra 2007/08. A produção industrial
já deu sinais de importantes quedas na mineração e na siderurgia, não
só devido à retração mundial, mas também pela redução da demanda
no mercado interno, principalmente na indústria automobilística e
no mercado imobiliário.
A última linha a ser afetada é o comércio que, entretanto, já vem per-
dendo força desde outubro/08, no setor varejista. A área dos serviços,
provavelmente, será pouco afetada, e o setor turismo pode ganhar no
mercado interno o que poderá perder no campo externo.
Quanto tempo vai durar essa recessão ninguém sabe. Poderá durar
entre um e quatro anos, dependendo da recuperação dos Estados
Unidos e da China. No Brasil, a prova dos noves da recuperação
vai depender do Governo, de sua capacidade de reduzir os gastos
de custeio e ampliar, decididamente, os investimentos do PAC, no
melhor estilo da velha receita do New Deal dos anos 30. O equilíbrio
das contas do setor público vai ser essencial, para não gerar pressões
in! acionárias, que complicariam a execução das medidas anticíclicas.
Atenção ao Banco Central e à sua tendência genética de estragar o
jogo.
O diagnóstico da crise no Brasil não está totalmente claro. Ao que
tudo indica, há uma redução da demanda na indústria automobilísti-
ca e no mercado imobiliário, conjugada com a queda da demanda e
das cotações no mercado internacional, que afetaram a mineração, a
siderurgia, a indústria de papel e celulose, assim como a produção de
combustíveis (petróleo e álcool). Em função desses acontecimentos,
o sistema " nanceiro encolheu, a partir da suspensão das linhas de
crédito dos grandes bancos internacionais. A Bolsa de Valores des-
94 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
pencou fragorosamente e paralisou o mercado de capitais. O capítulo
seguinte, que já começou, é o desemprego da mão-de-obra.
Dessa forma, não se pode concluir que a crise, no Brasil, é de redução
do crédito (liquidez) ou de con! ança, como acontece nos Estados
Unidos e na Europa. As soluções, portanto, devem ser diferentes,
lá e aqui.
A economia brasileira, nos últimos cinco anos e até outubro de 2008,
experimentou um forte crescimento, devido a fatores externos. O
País ! cou mais rico, comprou mais automóveis, televisões, geladeiras,
celulares. Essa fase acabou. Agora, o Brasil vai ! car mais pobre com
a crise e o Governo deve adotar medidas, ! scais e monetárias, para
amenizar seus efeitos. Mas não pode exagerar.
Os brasileiros não podem comprar mais 25% de automóveis a cada
ano e, assim, haverá um ajuste natural no mercado, com queda na
produção de aço e no emprego. Repetimos: é um ajuste natural, para
nos adaptarmos à fase descendente do ciclo econômico. Isto não quer
dizer que o Governo deva ! car imóvel, pois há uma saída lógica, na
área dos investimentos, especialmente na infraestrutura, assim como
na reconstrução das áreas destruídas pelas chuvas, ultimamente. Por
isso, a ação do Governo, mobilizando todos os recursos disponíveis,
deve se concentrar na expansão do crédito para os investimentos e
não para o consumo. A idéia de estatizar os bancos privados é um
non sense. O que não falta no Brasil são bancos públicos.
Não há porque obrigar o consumidor a comprar, nem a empresa a
contratar, nem os bancos a emprestar. O mercado tem a sua própria
95Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
sabedoria e todos sabem que, nesta conjuntura de crise, o reajuste da
demanda e da produção é uma questão natural. Não adianta forçar.
O mercado deve ser estimulado, não coagido. O Governo precisa
saber o que está fazendo.
Isto posto, não se pode forçar as soluções e fomentar uma expansão
do consumo pela via da expansão do crédito ou da liberalidade da polí-
tica ! scal. Os resultados podem ser ruins, podem levar a uma perigosa
pressão in" acionária ou a um agravamento das contas públicas.
Não se pode ir com �muita sede ao pote�. A saída da recessão tem
que ser por um caminho natural e não arti! cial.
LIM ITES DA PO LÍTICA M O N ETÁRIA
A política monetária � centrada na taxa de juros � só tem real senti-
do quando o Banco Central funciona como emprestador de última
instância e a taxa de juros como o custo do redesconto, o que induz
os bancos a expandirem ou refrearem o crédito.
A ação do Banco Central, atualmente, não produz maior efeito sobre
a in" ação, porque o volume de crédito proporcionado pelo sistema
! nanceiro tem muito pouca relação com a base monetária e os meios
de pagamento tradicionais (M1), controlados pelo Banco Central. A
velha teoria quantitativa da moeda não funciona mais.
Entretanto, de outro lado, pela via do redesconto e pela capacidade
legal de emitir moeda e dar crédito ao sistema bancário, a ação do
Banco Central ainda pode ter grande e! cácia no combate à recessão
96 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
econômica, como estamos vendo atualmente. Mesmo assim, com
limitações, eis que nos períodos de de! ação, face ao sentido keynesia-
no da denominada �armadilha da liquidez�, a liquidez não aumenta,
mesmo quando a taxa básica de juros (BC) se aproxima de zero. É aí
que se destaca a política " scal anticíclica.
O Banco Central enganou-se redondamente, desde quando passou a
elevar sistematicamente a taxa básica de juros, de 11,25% em janeiro,
até chegar a 13,75%, em outubro, esclarecendo que essa orientação
se baseava numa expectativa de que havia uma in! ação em gestação,
próxima a explodir. Uma visão in! uenciada pelas expectativas de
mercado " nanceiro, sem uma base sólida de indicadores antecedentes.
Contrariamente a tais expectativas, a taxa de in! ação vem caindo,
nos últimos meses. A perda de dinamismo da economia americana
provocou uma retração da demanda mundial e uma derrocada dos
preços dos combustíveis, das matérias primas e dos alimentos.
Em 2008, os preços do petróleo caíram 75% %, de US$ 147,00/barril
a menos de US$ 40,00. O preço do minério de ferro caiu 30%, o da
celulose e da soja 40%, aproximadamente.
A crise mundial que se abateu sobre a economia brasileira a partir
de outubro encontrou o País fortalecido por uma reserva cambial
acumulada em US$ 207 bilhões e, certamente, essa reserva será fun-
damental para minorar os efeitos da crise, caso venha a ser utilizada
com ousadia e inteligência. Por outro lado, a crise encontra as contas
públicas comprometidas pela ação contraditória do Banco Central,
que insiste em onerar o Orçamento da União com um gasto de juros
absurdo e injusti" cável: R$ 160 bilhões em 2007 e R$ 158 bilhões em
97Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
2008. Por culpa do Banco Central, bilhões de reais que poderiam servir
para ! nanciar obras de infraestrutura e da indústria de base, foram
dilapidados no pagamento de juros, que só serviram para arrasar as
contas públicas, elevar a carga tributária a níveis irracionais e, de outro
lado, enriquecer investidores nacionais e estrangeiros, concentrando
em especulativas operações ! nanceiras recursos que poderiam ter sido
investidos em atividades produtivas e geradoras de emprego.
E a in" ação? Perguntem ao Banco Central.
PO R Q UE A SELIC DEVE SER 13,75% ?
Segundo a teoria econômica, a taxa de juros é a variável mais impor-
tante em relação às oscilações do nível das atividades econômicas,
in" uindo diretamente sobre os gastos em consumo e investimentos,
vinculados à formação do volume de poupanças e de crédito.
Um aumento da taxa de juros atrai os consumidores na direção de
aplicarem suas rendas em ativos rentáveis, reduzindo, consequen-
temente, a demanda por bens de consumo. Simultaneamente, um
aumento de juros encarece o custo do crédito que ! nancia os in-
vestimentos, reduzindo a propensão a investir. Ou seja, quando os
juros sobem, o volume de crédito diminui e o mesmo acontece com
a demanda agregada (consumo mais investimentos) reduzindo as
pressões sobre os preços (in" ação). Tudo isso faz parte da política
monetária do Banco Central, que combate a in" ação por intermédio
da taxa de juros.
O Brasil se insere nesse contexto da teoria econômica? Parece que
não, a julgar pela contradição entre a taxa básica de juros do Banco
98 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
Central (13,75%) e a expansão das operações de crédito do sistema
! nanceiro (+34% em 2008). O Banco Central eleva a taxa de juros
com a preocupação de contrapor-se a uma expectativa de in" ação,
porém, não há qualquer evidência da e! cácia dessa atuação.
No mercado ! nanceiro brasileiro, existe uma enorme multiplicidade
de taxas de juros: o ! nanciamento dos investimentos mais importantes
é feito pelo BNDES, ao custo de TJLP, atualmente em 6,25%, mais
um pequeno spread; o crédito rural utiliza recursos direcionados dos
bancos comerciais, principalmente do Banco do Brasil, a taxas que
variam de 2,5% a 8,25% ao ano; a construção imobiliária se apóia
nos recursos das cadernetas de poupança, captadas a taxas um pouco
superiores à in" ação; no crédito ao consumidor, as taxas de juros
variam conforme a natureza do bem: de 1% ao mês a 150% ao ano.
Evidentemente, essa variedade de taxas guarda uma relação muito
tênue com a taxa SELIC do Banco Central.
Todavia, a taxa SELIC funciona como parâmetro de renumeração
dos títulos públicos, assim como dos depósitos de renda ! xa captados
pelos bancos. Logicamente, os ! nanciamentos do sistema bancário
feitos com esses recursos têm a SELIC como piso e, assim, é possí-
vel a! rmar que, no segmento livre do mercado ! nanceiro, é a taxa
SELIC que comanda o volume de crédito destinado ao consumo dos
indivíduos e ao capital de giro das empresas.
Por outro lado, na medida em que a SELIC serve de base para a
remuneração dos títulos públicos, muito acima da remuneração que
se obtém no exterior, ela atrai os investidores estrangeiros. Como
esse " uxo de recursos externos aumenta a oferta de dólares (moeda
99Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
estrangeira), consequentemente reduz a taxa de câmbio (R$/US$) e
in! ui sobre as exportações, importações, turismo, remessa de lucros,
etc.
Agora, uma pergunta: o que aconteceria se o BC baixasse a taxa SE-
LIC, digamos, para 10% ao ano? Haveria uma expansão de crédito
maior ou igual à que vem sendo registrada ultimamente? Haveria
forte retirada dos Fundos de Renda Fixa e uma corrida às Bolsas de
Valores? Haveria uma fuga de capitais de curto prazo e um aumento
das operações em Bolsa? Aumentariam o consumo e os investimentos,
produzindo uma alta de preços (in! ação)? Sobrariam recursos, que
o Tesouro Nacional poderia investir nos projetos de infraestrutura?
Em uma prova de múltipla escolha, parece que somente a última
resposta é válida.
O CAPITALISM O M O RREU?
O capitalismo privado, como a democracia, é um sistema com muitos
defeitos e imperfeições. Mas é o único capaz de conciliar, com os
menores custos, a liberdade de escolha e de decisão dos indivíduos
e a criatividade da livre iniciativa privada, com o exercício pleno da
democracia. Essa capacidade de conciliar a e" ciência econômica
do mercado com as vantagens políticas da democracia não existe
em outros sistemas de Governo, segundo nos ensina a História das
civilizações. Certamente, qualquer sistema político sócio-econômico
será melhor que um �Estado totalitário�.
Como bem assinalou o marxista Leandro Konder, a teoria socialista
de Karl Marx foi desenvolvida em uma época em que o Estado, o
100 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
sistema produtivo e as organizações trabalhistas diferiam muito do
modelo atual. �Marx, diz Konder, é um homem do século XIX. Hoje
nós temos problemas para os quais Marx não tem a dar qualquer
contribuição de peso.
Indústria
Sondagem da CNI revelou que a crise econômica internacional atingiu
em cheio a atividade da indústria no quarto trimestre de 2008.
Os três últimos meses de 2008 registraram o pior desempenho desde
o primeiro trimestre de 1999.
A desaceleração da indústria era esperada, mas não com essa veloci-
dade. A crise chegou muito forte. A queda na atividade foi puxada
pelas grandes empresas.
Em São Paulo (FIESP) a queda na produção industrial foi de 10,2%,
nos meses de outubro a dezembro. As vendas aumentaram 5,6% para
o exterior e caíram 15,6% no mercado interno.
O consumo de energia elétrica no País caiu 1,8% em dezembro/08,
sobre dezembro/07, com destaque para a indústria: -8,8%. Em com-
pensação, no ano 2008, o consumo de gás aumentou 20,25%.
O Governo pretende estimular a construção civil, com a construção
de um milhão de casas populares, que seriam compradas pela CEF e
vendidas aos mutuários. A produção de aço permaneceu estável, com
33,7 milhões de toneladas. As exportações tiveram um desempenho
101Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
fraco, com queda de 10,9% no volume, mas a receita ! cou em US$
8,1 bilhões (+21,1%). Na contramão da crise, a Petrobras tem planos
para investir US$ 174 bilhões, de 2009 a 2013, numa média anual de
US$ 34,9 bilhões.
O setor canavieiro segue adiando novos investimentos. De uma ex-
pectativa de 43 novas usinas, na safra 2009/2010, apenas 22 entrarão
em funcionamento. As atividades da construção naval estão sendo
revigoradas pelas encomendas da Vale: 49 embarcações, no valor de
R$ 398,6 milhões.
Comércio
O varejo não conseguiu escoar os estoques acumulados no ! nal do
ano passado e estaria reduzindo as encomendas à indústria, com
destaque para automóveis e peças, segundo a ACSP.
Segundo a Serasa, as vendas do varejo cresceram 4,2% em 2008,
sustentado pelo crédito: as vendas a prazo aumentaram 4,4% e as
vendas à vista caíram 21,1%.
As vendas dos supermercados cresceram 8,98%, em 2008, segundo a
Abras. Em Brasília, segundo a Fecomércio-DF, o varejo vendeu mais
3,2% em dezembro/08, comparado com dezembro/07. Em 2008, o
comércio eletrônico cresceu 30% com 13 milhões de usuários.
Segundo a Serasa, a inadimplência das pessoas físicas aumentou 36%
em dezembro/08, sobre dezembro/07, e 5,9% sobre novembro. O
volume de cheques sem fundos cresceu 1,5%. Segundo a Fecomércio-
102 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
RJ, na região metropolitana do Rio, 19,4% da população estava com
algum atraso, no quarto trimestre de 2008.
Agricultura
A demanda por adubos fechou o ano de 2008 com uma queda de
10%, em relação a 2007, o que sinaliza uma produção menor, na
próxima safra. O setor agrícola ainda exibe um alto endividamento de
R$ 130 bilhões, dos quais apenas R$ 75 bilhões foram renegociados.
As linhas de crédito das tradings sofreram redução de 10%. A queda
do preço do petróleo reduziu o custo dos insumos.
Mercado de Trabalho
Segundo o IBGE, a taxa de desemprego nas seis principais regiões me-
tropolitanas caiu de 7,6% em novembro para 6,8% em dezembro/08.A
taxa média de desemprego, no Brasil fechou em 7,9%, contra 9,3%
em 2007, e a renda média do trabalhador subiu 3,4%, segundo o
IBGE. Os números do IBGE divergem da Caged, que registrou
um total de 654 mil demissões, em dezembro, de trabalhadores com
carteira assinada. Pelos levantamentos do DIEESE, a taxa média de
desemprego nas seis regiões metropolitanas do País � Belo Horizonte,
Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo � ! cou
em 14,1% no ano, ante 15,5% em 2007. Segundo a Fiesp, a indústria
de São Paulo perdeu 130 mil vagas, em dezembro/08.
O primeiro acordo de " exibilização foi ! rmado pela Valeo Automo-
tiva com o Sindicatos dos Metalúrgicos de São Paulo, para reduzir a
jornada de trabalho com diminuição do salário.
103Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 54, n. 647, p. 92-106, fev. 2009
No ! nal de janeiro, a Vale teria fechado acordo com sete sindicatos,
com licenciamento dos trabalhadores até 31 de maio e salário reduzido
à metade. O acordo não garante estabilidade na volta. Segundo consta,
a MW M Motores e a Sabó Autopeças também fecharam acordo para
cortar a jornada em 20% e os salários em 17,5%.
A CSN, em Volta Redonda, está programando a demissão de 900
empregados, mas pode chegar a 3.200. Em Rezende e Porto Real, no
Sul " uminense, a indústria automobilística vai extinguir o 3º turno e
demitir cerca de 5 mil trabalhadores.
O mercado de trabalho vai receber uma injeção de recursos em 2009,
com o aumento do salário mínimo para R$ 465,00 (+12%).
No cenário mundial, a situação é trágica e, segundo a OIT, 51 milhões
de trabalhadores podem perder seus empregos, em 2009.
Setor Financeiro
É impressionante o comportamento dos agregados monetários, nos
últimos três anos: em 2006, a base monetária expandiu 19,6%, em
2007, 21,1% e, em 2008, apenas 0,6%, em função da retração das re-
servas bancárias, com 12,3% de expansão do papel-moeda emitido.
O sistema ! nanceiro nacional expandiu o volume de crédito em
31,1%, em 2008, sendo 39,5% a expansão dos bancos públicos, BN-
DES, Banco do Brasil, CEF, principalmente. Pelo visto, essa expansão
de crédito está totalmente divorciada dos objetivos do Banco Central
e, ao que tudo indica, o crédito o! cial vai continuar se expandindo
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fortemente, em 2009, haja vista a alocação de mais R$ 100 bilhões
do Tesouro ao BNDES.
O BNDES expandiu seus empréstimos em 40%, em 2008.
O Banco do Brasil está recebendo mais R$ 2,5 bilhões do FAT, para
emprestar às montadoras. O mesmo está sendo feito com a CEF,
para socorrer o mercado mobiliário e ! nanciar a construção de um
milhão de casas populares.
Em 21//01/09, o Banco Central baixou a taxa de juros básica de
13,75% para 12,75%, mas a repercussão no mercado foi nula. O Pre-
sidente Lula havia dito ao Presidente do BC que um corte de menos
de um por cento seria inaceitável.
In� ação
A in" ação continua com tendência de baixa. Em dezembro/08 houve
de" ação de 0,13% no IGP-M/FGV e, em janeiro/09 nova queda de
0,44%. Em 12 meses, o índice está em 8,15%. A maior queda vem dos
preços no atacado (IPA-0,95%). A in" ação do consumidor, IPCA/
IBGE, subiu 0,40% em janeiro, por conta da alta de alguns alimentos,
do transporte urbano e dos aluguéis.
Setor Fiscal
A Receita Federal obteve novo recorde de arrecadação, em 2008:
R$ 685,7 bilhões, mais 7,7%, em termos reais. O Governo poupou
(superávit primário) R$ 118,0 bilhões para pagar juros de R$ 162,3
bilhões, do que resultou um dé! cit nominal de R$ 44,3 bilhões.
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A dívida bruta do setor público fechou o ano em R$ 1.740,9 bilhões
(58,6% do PIB), 12,8% acima de 31/12/07. A dívida líquida, des-
contadas as reservas cambiais, ! cou em R$ 1.069,6 bilhões, R$ 80
bilhões abaixo de 31/12/07.
Diante da perspectiva de queda na arrecadação e de um crescimen-
to econômico menor do que o previsto, o Governo promoveu um
corte preventivo de 25% nas despesas deste ano. O ministro do
Planejamento anunciou o bloqueio de R$ 37,2 bilhões das despesas
de custeio e investimentos do Orçamento de 2009. Os gastos com
investimentos foram os mais atingidos, sendo reduzidos em R$ 14,7
bilhões, ou 30,5%: passaram de R$ 48,2 bilhões para R$ 33,5 bilhões,
mas o Governo a! rma que o PAC está preservado. Entretanto, algu-
mas empreiteiras estão abandonando o projeto de transposição das
águas do Rio São Francisco.
A arrecadação dos Estados e DF, em 2008, caiu 3,7%, equivalentes
a R$ 19,7 bilhões.
Setor Externo
A crise econômica mundial continua se agravando, conforme se pode
ver pela queda de 3,8% do PIB dos Estados Unidos, no 4º trimestre
de 2008, o pior resultado dos últimos 26 anos. Na zona do euro, o
desemprego chegou a 8% em dezembro/07 e, no Japão, subiu de
3,9% em novembro para 4,4% em dezembro/08. O PIB inglês caiu
1,5% entre o 3º e o 4º trimestre de 2008.
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No Brasil, as exportações mensais de mais de US$ 20 bilhões, de
julho a setembro/08, caíram para US$ 9,8 bilhões em janeiro/09,
prenunciando grandes di! culdades no Balanço de Pagamentos em
2009. Mas continua forte o " uxo de investimentos estrangeiros di-
retos, que alcançaram US$ 44,6 bilhões, em 2008. O Banco Central
vai liberar US$ 20 bilhões para as empresas brasileiras liquidarem
dívida externa.