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ATALANTA FILMES
APRESENTA
O QUARTO DO FILHO
UM FILME DE NANNI MORETTI
Cannes 2001- Palma de Ouro Prémio David di Donatello – Melhor Filme, Melhor Actriz
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
«É a obra prima de Moretti.»
Il Tempo
«Eis, mais uma vez, Moretti anticonformista que procura fazer chorar quando os outros
procuram fazer rir. Ele propõe um tema difícil como é o da dor»
La Stampa
«Um discurso sobre a fragilidade das relações familiares. A ausência do social
esconde, na realidade, um discurso político: fechado em si próprio, não existe
possibilidade de erradicar a dor»
La Repubblica
«Uma tempestade magnética (...) Ele diz Kieslowski, eu acrescento Don Siegel»
Il Manifesto
«O QUARTO DO FILHO, novo filme de Nanni Moretti, é um objecto cândido, frágil e
labiríntico. É uma viagem extrema ao doloroso universo do irreparável e do sagrado. É
um filme singular, atípico, que confirma a chegada do realizador italiano à
maturidade.»
Carlos Picassinos, Público
«Assombroso Nanni Moretti»
João Lopes, Cinema 2000
«Moretti fala-nos do derrube físico e mental dessas pessoas que foram expulsas do
paraíso, que possuíram o mais importante e o perderam, a desolação do estado puro,
o terror ao acordar, a dor que provoca a recordação contínua do ser amado que
morreu, o inevitável sentimento de culpa, as tensões que provoca a tragédia entre as
pessoas que partilhavam a felicidade.»
Carlos Boyero, El Mundo
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Começou pela ideia de interpretar um psicanalista.
Depois veio a ideia de confrontar este personagem com um
sofrimento, a morte do seu filho, contra a qual ele seria
completamente impotente. É verdade que nunca teria escrito
uma história destas há vinte anos atrás. Penso que a idade e
a experiência de vida são necessárias. Em todo o caso, nunca
me senti tão impregnado pelo desejo e a necessidade de
contar uma história. Queria deixar para trás um personagem
que interpretei durante muitos anos. Queria fazer algo de
novo, com um novo personagem. Não me assustei quando
escrevíamos o filme, um tema tão duro e difícil porque desta
vez me impliquei ainda mais. Fico muito contente quando me
dizem que este filme é duro e terno ao mesmo tempo. Tentei
fazer um filme pessoal, completamente meu, mas diferente
dos anteriores, que fosse um pouco mais transparente.
Nanni Moretti
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Ficha Artística
NANNI MORETTI…………………………… Giovanni
LAURA MORANTE ………………………... Paola
JASMINE TRINCA…………………………. Irene
GIUSEPPE SANFELICA………………..…. Andrea
SILVIO ORLANDO…………………………. Oscar
CLAUDIA DELLA SETA…………………... Raffaela
STEFANO ACCORSI………………………. Tommaso
SOFIA VIGLIAR…………………………….. Ariana
ALESSANDRO INFUSINI………………… Matteo
PAOLO DE VITA…………………………… Pai do Luciano
ROBERTO DE FRANCESCO…………….. Vendedor na Loja de Discos
CLAUDIO SANTAMARIA…………………. Empregado
ANTONIO PETROCELLI………………….. Enrico
STEFANO ABATÍ…………………………... Outros
TONI BERTORELLI
DARIO CANTARELLI
ELEONORE DANCO
LUISA DE SANTIS
RENATO SCARPA
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Ficha Técnica
REALIZAÇÃO……….……………………… Nanni Moretti
HISTÓRIA …….……………………….….... Nanni Moretti
ARGUMENTO ………………………….…... Nanni MorettiLinda FerriHeidrun Schleef
FOTOGRAFIA….......………………………. Giuseppe Lanci
DECORAÇÃO…….........................………. Giancarlo Basili
GUARDA-ROUPA………………………….. Maria Rita Barbera
SOM…........................……………………… Alessandro Zanon
MONTAGEM…..................………………... Esmeralda Calabria
MÚSICA ….......……………...................…. Nicola Piovani
PRODUTOR…..........………………………. Angelo BarbagalloNanni Moretti
CO-PRODUÇÃO……………………………. Sacher FilmsBac FilmsStudioCanalEm colaboração comRai CinemaTele +
Itália/França; 2001; Dolby SRD; 1.85; 99’
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Giovanni, a sua mulher Paola, e os dois filhos adolescentes, Irene e Andrea, vivem
uma pacata existência em Ancona, uma pequena cidade no Norte de Itália. Os pais
ajudam os filhos nos trabalhos de casa e riem às escondidas quando ouvem
conversas sobre namorados e “charros”.
Giovanni é psicanalista. No consultório, anexo à casa da família, Giovanni recebe os
seus pacientes, que lhe confiam as suas neuroses, com a mesma calma que marca
toda a sua vida. Ele gosta de ler, de ouvir música (só italiana), de fazer jogging.
Num domingo de manhã, Giovanni recebe um telefonema de um doente que precisa
de o ver com urgência. Giovanni têm assim que cancelar a corrida que tinha
programado com o filho, Andrea.
O rapaz vai então mergulhar com os amigos... mas não volta. Morre de embolia, num
acidente de mergulho.
A família não consegue expurgar a dor da perda do filho. Deixa-se consumir por um
sentimento atroz, que os atinge, a cada um, de um modo particular. Giovanni não
consegue impedir-se de regressar mentalmente ao passado, numa tentativa de alterar
este presente tão cruel. O sentimento de culpabilidade impõe-se e o pai não consegue
deixar de se interrogar como tudo teria sido se não tivesse ido ver aquele doente,
naquele fatídico domingo de manhã.
Até que, um dia, chega uma carta de amor para Andrea, de uma jovem que
desconhece a tragédia. É Ariana que vai conduzir a família nesse contorcido caminho
da possível saída do desespero.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Entrevista Nanni Moretti
Porquê este título?Nanni Moretti – Um título é mais difícil de
encontrar do que se pensa. Quis chamar o meu
filme “O Domingo”, mas tinha saído um outro filme
italiano com este nome. Depois pensei em títulos
que evocassem o destino, mas era demasiado
teórico, e depois já existem “Le Destin”, de
Youssef Chahine, “Les Vagues du Destin” [título italiano de “Ondas de Paixão”], de
Lars Von Trier... Depois pensei em O QUARTO DO FILHO, o lugar dos segredos e
dos mistérios...
É preciso alguma coragem para ir ver este filme...Nanni Moretti – É claro que sim. Os filhos são feitos para sobreviverem aos pais.
Mas, acho que é preciso ter mais coragem para ir ver o “Hannibal” ou alguns talk-
shows.
Descreve no filme uma família modelo, no entanto, os pais parecem conhecer mal o seu filho.Nanni Moretti – Em Itália, evocou-se muito
o lado ideal desta família. Não compreendo
muito bem o que isto quer dizer. Para mim,
a questão não se coloca nestes termos; era
apenas a família ideal para contar esta história. Mesmo quando os membros da família
estão atentos uns aos outro, há aspectos da personalidade dos nossos próximos que
nos escapam. Giovanni não compreende bem o seu filho [durante toda a entrevista,
Moretti diz “o meu filho”, “a minha filha”], o que é que o torna diferente. Mas não é por
eu a encenar que esta família se torna num modelo.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
O psicanalista é um personagem recorrente nos seus filmes desde “Ecce Bombo” (78). Em “Sogni d’Oro” (81), o louco acredita ser Freud. Em “Bianca” (84) é o seu próprio pai que representa um psicanalista...Nanni Moretti – É verdade, curiosamente, tinha-o esquecido... Leio muito sobre a
psicanálise, mas nunca fiz. Pelo menos por enquanto! Em O QUARTO DO FILHO, o
personagem do psicanalista é tratado de um modo muito sério, o que não é o caso nos
outros filmes. Quis mostrar um psicanalista e os seus doentes de modo mais adulto.
Não queria cair nos estereótipos a que recorri em todos os meus filmes anteriores!
É a primeira vez que filma uma cena de amor.Nanni Moretti – Quis mostrar a afeição que liga este casal para que se tornasse mais
real. Acho que para mostrar os sentimentos é preciso existir um pouco de verdade. Do
mesmo modo que, quando quis mostrar a agressividade durante um jogo de
basquetebol, era preciso que não existissem travões, que os figurantes
representassem comigo sem olharem para mim como realizador ou o actor principal.
Laura Morante regressa ao seu cinema depois de longos anos de ausência...Nanni Moretti – Enquanto escrevia o
argumento, não pensei em ninguém
em particular. Por isso fiz castings
com várias actrizes, entre as quais
Laura, que tinha perdido de vista
desde “Sogni d’Oro” e “Bianca”. Ela
estava ainda mais bela e mais favorecida, mais segura da sua profissão de actriz.
Foram encontros muito produtivos. Compreendi que era esta mulher e actriz que devia
estar ao meu lado. Existia uma verdadeira alquimia entre ela e eu. Aliás, ela recebeu o
Donatello para a melhor actriz.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Porque razão a rodagem do filme foi interrompida várias vezes?Nanni Moretti – Houve três interrupções. A primeira porque estive doente, a segunda
por causa de uma greve dos técnicos de cinema em toda a Itália, a terceira durante as
férias do Natal. A verdade é que levei o meu tempo. Desde que me tornei o meu
próprio produtor, deixei de respeitar o plano de trabalho à letra. Aliás, rejeitei parte do
meu cachet como actor para fazer as coisas ao meu ritmo.
Porque é que a acção decorre em Ancona?Nanni Moretti – Filmei Roma sob todos os ângulos. Queria uma pequena cidade à
beira do mar, uma cidade onde toda a gente se conhecesse. Senti-me lá muito bem,
mesmo se, em termos económicos e de conforto, fosse melhor filmar os interiores em
estúdio em Roma. Filmámos nos lugares reais, seguindo a ordem cronológica. Além
disso, faço sempre o som directamente nas filmagens, mesmo sendo esta uma forma
de trabalho mais exigente porque implica encontrar locais de rodagem menos
barulhentos.
O filme termina numa viagem que leva o casal até Menton, na fronteira francesa. Pode traduzir-se este acontecimento por um laço especial à França?Nanni Moretti – Não, não há qualquer ligação entre as duas coisas. Agradava-me a
ideia de uma viagem durante a noite que os levasse de um mar ao outro, até à
fronteira. A França foi, a seguir à Itália, o país mais generoso com os meus filmes. Por
sorte, outros se seguiram, mas continuo a reconhecer a França.
Desta vez, o seu personagem não é Nanni Moretti...Nanni Moretti – Giovanni quer voltar atrás, é um aspecto muito importante da
personagem. Ele gostaria de mudar o curso dos acontecimentos daquele domingo de
manhã em que o filho morreu... No início do filme, Giovanni diz a um dos doentes que
nem tudo depende de nós, mas, no final, é ele que não o consegue aceitar.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Voltou a escolher interpretar este filme. Algum dia veremos um filme de Moretti sem Moretti?Nanni Moretti – Talvez. Não posso dizer que nunca pensei nisso, mas nunca escrevi
nada que não correspondesse à minha pessoa. Se, um dia, isso acontecer, ficaria
curioso de saber a que ponto isso alteraria a minha relação com o cinema.
Que actor o poderia substituir?Nanni Moretti – Silvio Orlando [que representa Oscar, um dos doentes de Giovanni] é
um actor com o qual me sinto muito bem, mesmo se nunca tivesse pensado em
escrever uma história em que ele fosse o protagonista.
Em O QUARTO DO FILHO, deu-lhe um dos papéis mais antipáticos. Porquê dar um papel deste género a um amigo?Nanni Moretti – Por simples curiosidade. O doente que eu começo a odiar, que eu
torno indirectamente responsável da morte do meu filho, é interpretado por um actor
de que o público gosta, que eu, Nanni Moretti, gosto, e de que o meu personagem
gosta. Queria ver como é que uma situação deste género poderia resultar.
Tem 47 anos. Os críticos italianos dizem que amadureceu. Confirma?Nanni Moretti – Talvez eles notem simplesmente que abandonei os meus tiques, as
minhas obsessões, o personagem que construi de filme em filme. Ele já se apagava
nas minhas últimas realizações, mostrava-se mais adulto na sua relação com os
outros. E depois, não me arrependo em nada da minha juventude: éramos tão
angustiados e tão menos conscientes! Nunca imaginei que me tornasse produtor,
proprietário de salas de cinema, que organizasse pequenos festivais... No entanto,
acho que ainda continua intacta a minha relação com o cinema que tinha desde que
comecei a realizar os meus filmes em Super-8.
Angelo Laudisa, Première
Cannes 2001
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
EXCERTOS DE ENTREVISTAS
Com este filme, acha que mudou de registo, abandonando o aspecto comédia e
humor, para desenvolver um registo mais dramático?
Em O QUARTO DO FILHO, o que eu queria contar com urgência era esta dor, a
morte de um ente querido, os diferentes modos como os familiares reagem a esta
morte. Achei realmente importante encenar este registo. Nunca me senti investido pelo
sentimento de um filme como foi o caso desta vez. Nunca me tinha acontecido.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
Esta dor que queria mostrar, donde é que ela vinha?
Já tinha escrito sobre este tema em “Querido Diário”. De onde vem? De certa forma,
com a passagem dos anos, começamos a pensar na morte. Não há nenhuma relação
com o meu cancro porque nunca tive medo de morrer nesse momento. Não tive tempo
de o constatar. O que está em causa é a morte dos outros. Como é que se reage à
morte de uma pessoa que amamos? Como é que é a vida depois da morte dos
outros? Com a passagem dos anos começamos a pensar na morte e, naturalmente, é
um medo que eu tentei não afastar, mas enfrentar encenando-o, contando-o através
de um filme.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
Porque é que tinha tanta vontade de interpretar um personagem que fosse
psicanalista? Leu muitos livros sobre psicanálise?
Sim, li muitos livros sobre psicanálise antes deste filme. Mas li-os por curiosidade
humana mais do que para aí procurar indicações para o filme. Dei o argumento a ler a
alguns psicanalistas para lhes pedir conselhos. Mas é claro que os segui com as
precauções necessárias! Alguns dos personagens dos doentes foram tirados de
revistas de psiquiatria que depois reelaborámos ao escrever o argumento.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Não deve ter sido fácil interpretar este personagem...
Sem dúvida que o teria escrito e interpretado de modo diferente há 15 anos. E pela
primeira vez neste filme, os personagens com os quais o meu entra em contacto, não
são satélites dele próprio. Aqui, existe a minha mulher, Paola, o meu filho e a minha
filha que são personagens com autonomia, com a sua própria densidade. Há por
exemplo uma cena entre a mãe e o filho onde eu não entro. Por outro lado, como já o
tinha dito, foi a primeira vez que me deixei prender tanto pelo sentimento e atmosfera
de um filme. Quando filmei a terceira parte de “Querido Diário” – aquela onde me
lembrava e encenava os dez meses da minha doença ao fim da qual descobri que
tinha um cancro – não senti nenhuma angústia, nem dor, nem pânico. Não revivi de
nenhum modo a desorientação desse período. Pensava somente em realizar e
interpretar esse filme. Pelo contrário, em O QUARTO DO FILHO, estava impregnado
durante toda a rodagem pela dor que queria contar. Foi uma coisa que nunca me tinha
acontecido.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
Porque é que a cena da câmara ardente é filmada de modo tão realista?
Normalmente, no cinema italiano, face a uma cena de um morto no interior do caixão
há dois tipos de aproximação... O grotesco: os personagens dançam uma espécie de
tarantela à volta do morto ou há cenas de telemóveis a tocar, pais que discutem, que
fazem uma série de acusações... A outra possibilidade: uma representação gritada,
uma dor exteriorizada pelo realizador, pelos intérpretes, pelos figurantes. Eu, pelo
contrário, queria mostrar esta cena de modo realista. Eu não sou crente – Giovanni e
Paola também não – e assim para mim e para Giovanni quando o caixão é encerrado
é verdadeiramente o fim... Foi por isso, que eu, como realizador, não evitei a duração
desta cena. O seu filho morreu, Giovanni e Paola não o vão voltar a ver, de maneira
nenhuma, sob nenhuma forma.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Porque é que resolveu afastar-se de Roma, de rodar o filme noutro sítio, nessa
cidade de Ancona, que a um estrangeiro soará a anónima.
Em Itália, também não há muita gente que a conhece. Foi uma das primeiras coisas
de que me lembrei quando comecei a tratar o filme. Ao mesmo tempo que este
personagem em que pensava há tanto tempo e me sentia pronto a interpretar, uma
das primeiras coisas em que pensei foi filmar fora de Roma, numa pequena cidade
onde pudessem existir no máximo dois ou três psicanalistas sérios.
Que importância é que tinha esse facto?Assim... eu não o concebia como um psicanalista entre tantos outros numa grande
cidade... E depois, para além do meu personagem, queria que a história desta família
se passasse numa pequena cidade. Não quis ir para Génova porque é uma cidade
que encerra em si muitas cidades, muitas identidades, uma cidade difícil de agarrar. E
depois é uma grande cidade. Exclui Livourne para não invadir o espaço de outro
realizador, Paolo Virzi, que é natural da cidade; La Spezia, porque me parecia
demasiado pitoresca e bonita; Bari e Taranto, porque se situamos um filme no Sul de
Itália, espera-se do realizador que faça um filme social sobre o Mezzogiorno ou
qualquer coisa desse género, o que não era o meu objectivo. Depois, fui rever Ancona
e convenci-me que era a cidade mais adequada para situar este filme.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
Os flashes das lembranças. A fotografia, que é a imagem do cartaz
do filme em Itália – a imagem do pai a correr com o filho -, não aparece na realidade, só aparece em lembrança.Não são lembranças. O pai tenta voltar atrás e reconstruir aquele domingo,
imaginando o que se teria passado se em vez de ter ido ver o doente ele tivesse ido
correr com o filho.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
O sentimento de culpaNa primeira parte do filme, Giovanni diz a
um doente “Você sente-se sempre
responsável pelo que acontece, mas na vida
não podemos determinar tudo”. No início do
argumento – mas estas palavras soavam-
me estranhas nos lábios de um psicanalista
e retirei-as – eu dizia “tudo é decidido em
grande parte pelo destino”. E é isso
precisamente que Giovanni não consegue aceitar: o destino, a sorte. E quando
imaginei as cenas do rapaz que foge a correr no mercado pensei em Kieslowski.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
A músicaEscolhi todas as músicas para este filme muito cedo, enquanto escrevia. Quando
imaginei a cena em que eu dava um disco ao meu filho morto decidi que a música
tinha que ser o “By The River”, do Brian Eno, e que essa música também tinha que
estar no final. A faixa de Michael Nyman foi gravada ao vivo, numa das primeiras
cenas filmadas. Escolho sempre música que seja evocativa, que comunique qualquer
coisa que eu possa racionalizar. Isso está também relacionado com a liberdade que
tenho por ter a minha própria produtora. Ganho algum dinheiro com os meus filmes,
mas torno-os sempre mais caros do que se tivesse um acordo com um produtor. Na
cena barulhenta do parque de diversões, há três músicas que mal se conseguem
ouvir. Podia tê-las substituído por músicas que tivessem direitos dez vezes mais
baratos, mas aquelas foram as que eu escolhi e estava preparado a pagar muito
dinheiro para as ter neste filme.
(Guido Bonsaver, Sight & Sound)
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
O final à beira marNa sinopse, não existia este fim. Descobrimo-lo com a Linda e Heidrun, e não foi fácil.
Primeiro tivemos a ideia desta jovem rapariga, da carta que os pais recebem. Depois
queríamos encontrar algo que nos permitisse contar duas coisas: por um lado, não
resolver, mas pelo menos atenuar a separação que ocorreu entre Paola e Giovanni.
Por outro lado, esta viagem permite à família reencontrar uma unidade, na dor e no
afecto. Pois até esse momento cada um deles viveu de modo diferente a morte de
Andrea e, naquele lugar, naquela atmosfera, a unidade que a dor tinha quebrado
começa a recompor-se. Mesmo se, no último plano, na praia, apesar de estarem todos
juntos, cada um deles andar para seu lado. Eles não superam nada, é qualquer coisa
que não vão superar nunca, as suas vidas não vão ser como antes, mas há qualquer
coisa que começa a desenlaçar-se.
(Entrevista realizada por Jean Gili)
A última cena, que usa a música de Brian Eno, é inundada por uma atmosfera de
reconciliação. O Quarto do Filho é um filme optimista? Optimista, não tenho a certeza. É um filme muito duro porque os personagens não têm
qualquer fé religiosa. Por isso é que a cena do funeral é tão importante, porque é a
separação final. Não é um filme alusivo sobre a morte, é radical, sem consolação
metafísica ou religiosa. (...) Mas não queria que a dor isolasse os personagens no seu
pesar. Por isso queria algum movimento no final, movimento físico – e há de facto uma
viagem -, e movimento interior dos personagens. Eles não superam a dor, mas a dor
transforma-se noutra coisa qualquer.
(Guido Bonsaver, Sight & Sound)
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
«Assombroso Nanni Moretti.
No seu filme mais elaborado, e também mais depurado, ele interpreta e encena o
drama de uma família violentamente marcada pela morte do filho adolescente. Mais do
que nunca, o seu cinema vive da tensão nunca resolvida entre a concha interior de
cada indivíduo e a pulsão (não poucas vezes irremediavelmente agressiva) de um
exterior cuja lógica todos marcam e ninguém controla.
O QUARTO DO FILHO é um filme que prova que é possível um realismo do humano
que não se perca no moralismo obsceno das telenovelas e, mais do que isso, que o
cinema como arte das imagens & sons permanece como uma fascinante (e partilhável)
experiência. Coisas simples, coisas decisivas.»
João Lopes, Cinema2000
«O QUARTO DO FILHO, novo filme de Nanni Moretti, é
um objecto cândido, frágil e labiríntico. É uma viagem
extrema ao doloroso universo do irreparável e do
sagrado. É um filme singular, atípico, que confirma a
chegada do realizador italiano à maturidade.
A acção não decorre em Roma, como era hábito de
Moretti, nem incorpora as suas recorrentes
perplexidades. Não fala da esquerda, nem de Itália,
nem é o armário de uma crise geracional. Também não
é uma autobiografia, embora Giovanni Sermonti, o
protagonista, psicanalista, pai de família, conserve os
tiques de Michele Apicella de QUERIDO DIÁRIO ou de
ECCE BOMBO. As referências de um prolongam-se no quotidiano do outro: lá está o
“quarentão esplêndido” e o seu café com leite, o copo de água matinal, os ténis de
“jogging, de basquetebol, de futebol”, a mesma obsessão com os católicos.
Giovanni Sermonti, o heterónimo de Michele Apicella, alter ego de Moretti, é o pai de
uma pequena família de Ancona – “a mais triste cidade do mundo”, proclamou
Visconti, nas rodagens de “Obsessão” – constituída por Paola (a impecável Laura
Morante), e por dois filhos, estudantes, adolescentes.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Vivem uma existência serena, numa
casa confortável, sem conflitos nem
crises. Os pais ajudam os filhos nos
trabalhos escolares, na tradução do
latim, estabelecem cumplicidades com
os amigos dos filhos, riem em
gargalhadas abafadas quando
escutam conversas de “charros” e
namoros. Amam e são amados.
Num domingo, o filho, Andrea, morre repentinamente num acidente subaquático,
vítima de embolia. E o sentimento da perda dilata-se até ao recontro e à fragmentação
da harmonia familiar. Imobilizado no sofrimento, Giovanni, o pai tenta sublimar a
tragédia através de sucessivos processos de autoculpabilização, de mortificação e
exaltação do trauma. Assiste à selagem do caixão do filho, enreda-se em diálogos
surdos com Andrea, em elipses alucinatórias, e acaba por desistir da psicanálise. “Já
não consigo fazer este trabalho, não consigo distanciar-me, não consigo...”, afirma
Giovanni desesperado. Paola, a mãe, consome o drama da morte de Andrea numa
agonia reservada.
Até que, inesperadamente, chega no correio, uma carta de amor para Andrea remetida
por uma colega da escola, ainda desconhecedora do acidente. Paola teima em
encontrar a admiradora do filho – Ariane, a adolescente que conduzirá a família para
fora do labirinto, fora de Itália, numa viagem de costa a costa, nocturna, até à
luminosidade da madrugada numa praia junto à fronteira francesa. Uma viagem de
libertação e despedida da última ligação viva ao infante perdido. Mas a praia, apesar
da claridade do dia que nasce, em final de Inverno, não restitui aos Sermonti a
harmonia perdida. Na última cena familiar, a família parece esmigalhar-se no areal
ensolarado. Não se encontram. Antes vagueiam, como órfãos.»
Carlos Picassinos, Público
23 de Março de 2001
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
«Chegou a hora de interpretar um psicanalista", explicava ele na conferência. Ou seja,
interpretar aquele tipo de personagem sobre a qual ele dirigiria a sua irritação se fosse
nos filmes anteriores. "É uma personagem mais adulta em relação a outras que
interpretei. Mudei como realizador porque mudei como pessoa. Quis interpretar uma
personagem que, embora com tiques, manias, obsessões, soubesse escutar os
outros".
É a declaração oficial da mudança, materializada no filme que, toda a gente diz, é o
filme de um Nanni maduro. Que não quer ser já o director da vida das outras pessoas.
Que não quer só falar obsessivamente das suas neuroses - aliás, como psiquiatra
agora tem é de cuidar da neurose dos outros.
No filme, chama-se Giovanni. Gosta de desporto, bebe o inevitável copo de água, fala
em ir ao cinema e não gosta quando não lhe prestam atenção - ainda razoavelmente
narcisista. Realmente, quando passa na rua uma troupe de hare-krishna, Giovanni não
se insurge, como se poderia esperar, nem ironiza, até participa no desfile. E a política
e a motoreta ficaram de fora. Só interessa a família.
Mas tudo é ainda "morettiano", as imagens a desfilarem como um esboço, um caderno
de apontamentos no ecrã. Até conhecermos o resto da família: mulher (Laura
Morante) e dois filhos. E os pacientes do psiquiatra. É uma família feliz, mas o filme
aqui já mudou de tom. Laura Morante, que trabalhara com Moretti em "Sogni di Oro" e
em "Bianca", diz que este é um "filme mais clássico". Que foi rodado com "extremo
cuidado" e "honestidade, o que não está na moda em Itália" - acrescente-se também,
com "pudor". Por causa da morte.
Há uma morte na família, a do filho. O QUARTO DO FILHO é o melodrama dessa dor,
a partir de um facto irremediável. Lá está a cena do caixão a ser lacrado e
aparafusado. Há quem se vá abaixo em lágrimas ao ver este pormenor absolutamente
laico, sem apelo à transcendência, essencial e simples. Como a morte. O que fazer
depois dela? É essa a história desta família de Ancona: cada um para o seu lado. "A
dor, ao contrário do que se diz, não une as pessoas, separa-as", diz Nanni. Em
Cannes, ficaram todos emocionalmente presos a esta família.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
No centro da deriva está Giovanni/Nanni. Obsessivo, repete na memória as últimas
imagens do filho, o momento em que poderia ter ido com ele fazer "jogging" em vez de
o deixar ir mergulhar - e morrer no mar. Giovanni quer voltar atrás e alterar o destino.
Nesse aspecto, diz Nanni, é exactamente como ele.
O que há de novo, então? O que é que se perdeu de Nanni e se ganhou com
Giovanni? Continua a ser Nanni. O tom é que é diferente. É Nanni a experimentar-se
noutro formato. Titubeante, apalpando a maneira de fazer mais narrativo e de
reconhecer a existência de outras personagens. Justo, sim, e pontilíneo, e ancorando
nessa rarefacção a gravidade emocional do filme. »
Vasco Câmara, Público
17-Maio-2001
«O que de mais notável este filme afixa é que ele surge integrando todo o universo
morettiano, não para o contraditar por algo, mas para a ele acrescentar uma nova
dimensão. Moretti já falara da questão da sobrevivência das pessoas quando qualquer
coisa morre, mas esse algo fora, até agora, do domínio das convicções ou das
estruturas sociais (que outra coisa eram “La Messa è Finita” ou “Palombella Rossa”
senão o problema de como viver depois da fé – em Deus ou na classe operária – se
ter extinto?)». E não planavam a angústia e a sombra da morte sobre filmes como “La
Cosa”, “Caro Diário” ou “Aprile”? O que faz a diferença de O QUARTO DO FILHO é
que nele acontece algo que não permite a introdução do humor como efeito
distanciador ou, quando ele aflora – nas relações do protagonista, psicanalista de
profissão, com os seus pacientes -, é para melhor cavar em nós a ferida do patético,
faceta de uma tragédia sem medida. Mas o luto há-de ter um fim, percebêmo-lo
próximo do desfecho da fita, quando um sorriso volta a ser possível. E esse não é um
“happy end”, sequer uma esperança, antes uma constatação perplexa diante do tempo
que passa e muda mesmo o que parece plantado na inamovibilidade de uma dor sem
remédio.»
Jorge Leitão Ramos, Expresso
26 de Maio de 2001
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
«Diga-se que O QUARTO DO
FILHO é um filme muito bom. E
contrasta, pela sua extrema, radical
simplicidade no tratamento de um
tema delicadíssimo e dificílimo (a
morte de um filho) com o maremoto
de excitação que o procedeu.
Nanni Moretti, que realiza e
interpreta, como de costume, disse
na conferência de imprensa que a ideia do filme lhe veio com a vontade que tinha de
“interpretar um psiquiatra, uma personagem mais adulta do que as anteriores. Se ao
longo destes anos mudei como realizador, mudei também como pessoa” (...) O
QUARTO DO FILHO não é, no entanto, um filme assim tão diferente dos anteriores do
realizador. Desde que manipulou pela primeira vez uma máquina Super 8, há quase
30 anos, que Nanni Moretti não tem parado de falar de si nos filmes que faz, por
interposta e transparente personagem, ou como ele mesmo. Este filme continua, e
muito, a ser sobre ele próprio, sobre a curiosidade que Moretti tinha de se ver a
personificar um psiquiatra, e de se filmar como tal. Este psiquiatra é casado com uma
linda mulher (Laura Morante) e tem um filho e uma filha adolescentes. A família mora
na cidade costeira de Ancona e vive feliz, até ao dia em que o rapaz morre num
acidente de mergulho. O pai começa então a sentir um enorme sentimento de culpa
(...).
Moretti pega nesta história e mexe-lhe com infinita delicadeza, justeza, realismo e
simplicidade e um sentido invisível da elipse, qualidades que alastram da realização
para as interpretações, para o tom, para a montagem e para a própria banda sonora.
O QUARTO DO FILHO é um filme que tem um pudor quase puritano das suas
qualidades.
Longe de fazer da dor – e da dor que une na adversidade – o tema, o espectáculo, ou
a obsessão de O QUARTO DO FILHO, Nanni Moretti filma o efeito dessa dor numa
pessoa que está todos os dias em contacto com as dores dos outros, dos seus
pacientes, comparando-a com as reacções dos outros membros da família a ela.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Aqui, a dor da perda absoluta separa, em vez de ligar, pessoas que se amam, e fá-las
reagir de formas completamente diferentes. É uma dor solitária, porque não há
nenhum conforto religioso para Nanni Moretti, que filma a sua personagem a indignar-
se com uma frase dita pelo padre na missa mandada rezar pelos colegas da escola. E
é uma dor verosímil, porque não há nem excessos lancinantes na sua exteriorização,
nem ilusões reconfortantes sobre o seu atenuamento com o tempo. Aliás, no final,
Moretti, além de deixar a sua personagem, e a família, em ponto de interrogação
quanto ao futuro, não deixa no ar uma piedade consoladora que seja sobre a vida dos
que ficam a chorar os mortos.»
Eurico de Barros, Diário de Notícias
18 de Maio de 2001
«O QUARTO DO FILHO, de Nanni Moretti, é uma merecida Palma de Ouro, pela
simpatia e unanimidade imediata que causou no inconsciente colectivo da imprensa
nacional. Um filme sentimental, emotivo, um melodrama na mais pura essência, que
toca todos os corações.»
José Vieira Mendes, Première
Junho de 2001
«A morte do filme de Moretti é uma morte que vai contra o que se convencionou
chamar o curso natural da vida. Normalmente são os mais velhos que vão primeiro.
Por isso, ganha enorme relevância a cena da missa em que, quando o padre tenta
justificar a morte do rapaz com os desígnios de Deus, Moretti olha sem saber o que
pensar para a esposa, interpretada por Laura Morante, que já trabalhou com César
Monteiro, Joaquim Pinto e Joaquim Leitão.»
João Antunes, Jornal de Notícias
18 de Maio de 2001
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
«O QUARTO DO FILHO não é um filme que
nos distancia do sofrimento. Moretti
aproxima-nos do drama real e obriga-nos a
ser solidários com a dor dos seus
personagens. Com uma gestão de equilíbrio
notável entre a identificação da situação e
um certo distanciamento da mesma, somos
aproximados da terrível situação que nos obriga a reflectir sobre a vida. E Moretti
reflecte inteligentemente, com bom coração e sem receio de nos levar por aí abaixo.
Ao vermos o filme, sentimos que o mundo lá fora da sala de cinema parou. Ficamos
do lado do luto daquele pai, vamos atrás da memória do amor, da verdadeira emoção
da saudade. Tudo isto é dizer que choramos com Moretti. O melhor de tudo é que o
filme não é carpido e fúnebre como se poderia pensar numa história de perda de um
filho. Está cheio de vida, de sentimentos abertos e reais. É quase um milagre de
esperança de vida. Mais do que nunca, Moretti mostra-nos personagens da vida real,
em vez de personagens de cinema. De uma certa maneira, é um novo Moretti, mais
próximo dos homens e das coisas da vida. Todo o filme tem aquela força invisível
própria de um silêncio de perda. Ficamos ali, sozinhos, a olhar para o ecrã. Longe de
tudo e de todos. Apenas próximos do que nos é mais íntimo. O cinema serve, pois,
para nos aproximar dos sentimentos dos outros.
Para que O QUARTO DO FILHO ganhe imaculadamente a transparência da perda,
há que se falar do tom dos actores, algures entre a pulsão terna e a naturalidade da
simplicidade. Aí, a assombrosa Laura Morante marca pontos no papel de mãe
dilacerada. Há nela um olhar de perda tão brutal que ganha em cada plano uma
densidade de pormenor absolutamente eficaz. Trata-se de uma actriz em estado de
magia. Tal como o filme, que poderá ser visto como uma lição de simplicidade. Uma
lição de uma aparatosa simplicidade que serve para nos mostrar a dor de uma família
perante a mais irremediável das tragédias. Serve ainda para nos dizer que a vida
continua. Sempre através do desencanto de um pai (que outro filme disseca assim a
condição extrema da paternidade? Se alguém descobrir, que avance). E ouvir no fim
Brian Eno é um excelente bálsamo para continuarmos a olhar para o rio.»
Rui Pedro Tendinha, Notícias Magazine
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
«Já conhecíamos a veia corrosiva,
humorística, crítica, de costumes de
Nanni Moretti, um senhor muito
inteligente que nos oferecia
pontualmente a sua vitríolica,
humanista, agri-doce, impúdica visão
tragicómica do mundo que o rodeia,
dos sentimentos, das ideologias, das
pessoas e das coisas em filmes
transparentemente autobiográficos. O autor de “La Messa è Finita”, de “Querido
Diário”, de “Abril”, definido (não gratuitamente) como uma espécie de Woody Allen
italiano, era um luxuoso cronista de situações e sensações com as quais muitas
pessoas se podem identificar. O seu espírito cáustico despertava sempre o sorriso e a
gargalhada. No arranque de O QUARTO DO FILHO despista-nos, fazendo-nos
acreditar que o riso continua, mas aos 30 minutos a reviravolta que a história sofre é
brutal. Acabou-se a diversão. Sentimos o nó na garganta e a lágrima no canto do olho.
A catarse final aproxima-se do formato e da intensidade do pranto. O pranto legítimo,
necessário, terapêutico. Moretti retrata a plenitude quotidiana de uma família que foi
beneficiada pelos deuses. A família é composta por um casamento de duas pessoas
que se continuam a amar e por dois filhos adolescentes quase não problemáticos.
Uma família que desfruta de estabilidade, amor , comunicação, passado e presente.
O pai é um psiquiatra eficiente e compreensivo, legal e honesto. Está
permanentemente em contacto com a depressão, a tristeza, as fobias, a incerteza, o
medo, as infinitas e dolorosas variantes das doenças do cérebro e do coração, os
traumas de tanta gente que não consegue endireitar a vida. A sua profissão é dura e
perigosa, mas ele consegue que não afecte profundamente a sua vida privada, o
maravilhoso e durável oásis que lhe oferece o seu refúgio familiar. Mas esse grande
cabrão do destino torna a vida mais terrível e caprichosa.. O filho morre num acidente
de mergulho.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Moretti fala-nos do derrube físico e
mental dessas pessoas que foram
expulsas do paraíso, que possuíram o
mais importante e o perderam, a
desolação do estado puro, o terror ao
acordar, a dor que provoca a recordação
contínua do ser amado que morreu, o
inevitável sentimento de culpa, as
tensões que provoca a tragédia entre as pessoas que partilhavam a felicidade. O
psiquiatra enfrenta uma prova de fogo, ainda maior que à sua mulher ou à filha. A sua
responsabilidade profissional obriga-o a tentar continuar ouvir e encontrar solução
para as desgraças alheias, quando aquela que Ele sofre é inconsolável.
Não há epílogo, nem soluções. Apenas a busca febril, esperando encontrar tréguas ou
consolo, da via amorosa e secreta do filho morto, dos seus sonhos realizados e das
suas ânsias íntimas. Moretti conta tudo isto com realismo, dilaceração e intensidade
contagiosos. Consegue que o sofrimento desta família seja o nosso. Respeita-se e
respeita-nos. (...) O resultado é uma obra prima que vai permanecer na memória do
comovido e agradecido espectador.»
Carlos Boyero, El Mundo
18 de Maio de 2001
«Não há nada mais doloroso que a morte de um filho. Não existe, não é possível
imaginar uma dor mais devastadora que essa. Com uma força surpreendente, Laura
Morante e Nanni Moretti (...) conseguiram transmitir essa dor com tanta precisão e
esplendor que a grande sala Lumière converteu-se ontem num silencioso mar de
lágrimas, numa massa absorta de olhos arrasados pelo consolo libertador do pranto.
Foi como estar na projecção de um antigo melodrama na era da inocência do
cinema.»
Ángel Fernández-Santos, El País
18 de Maio de 2001
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
« A doce morte. Em torno do desaparecimento de uma criança, o filme mais doce e
mais circunspecto de Nanni Moretti. A primeira parte de O QUARTO DO FILHO
descreve a felicidade da vida familiar burguesa e culta como uma publicidade ao
chocolate em pó ou às companhias de seguros de vida. Cantam durante as viagens
de automóvel, gracejam durante o pequeno-almoço. Mas debaixo desta aparência
polida da felicidade, há qualquer coisa de assustador que germina docemente. Como
diz o pai. “Nesta casa, tudo está gasto”.
Nanni Moretti é um virtuoso da cena breve. O pai requenta na cozinha um gratinado de
legumes e de repente o prato cai e desfaz-se em pedaços. Fim. Compreendemos :
tudo está partido e é tarde demais. Passamos à sequência seguinte. Moretti é um
pintor pontilhista que pinta por minúsculas pinceladas justapostas. Abandonando o
género do diário filmado dos seus dois filmes anteriores (“Querido Diário” e “Abril”), ele
consegue discorrer esta arte preciosa dos sketches num filme de ficção mais clássico.
O êxito de O QUARTO DO FILHO está relacionado com um inteligente emprego da
dosagem. Os momentos mais violentos (a notícia da morte do filho, o choro da mãe
interpretada pela bela Laura Morante) são sistematicamente menores. Os picos
dramáticos acontecem nas passagens menos esperadas: a crise de nervos de um
doente erotomaníaco que vê o pai romper com o pacto analítico para o tomar nos
braços, uma muito bela sequência de documentário sobre o encerro do caixão com
ferro de soldar, um passeio pela praia com fundo de Brian Eno (By the River, a canção
mais triste do mundo)... O filme joga finamente nesta alternância entre lítotes,
retenções e exacerbação todos os azimutes da emoção melodramática.
Tranquilo. O cinema de Nanni Moretti teve durante muito tempo um gosto de groselha.
Pensámos que trincamos um fruto vermelho e açucarado, mas um sabor ácido ataca
como quem não quer a coisa o paladar. Aqui, a acidez desapareceu. Mesmo o fundo
terrível da morbidez e da culpabilidade infanticida que troa assume uma forma doce e
tranquila. O QUARTO DO FILHO é inegavelmente um filme belo. (...) Um filme que
podemos preferir mesmo apesar das estridências passadas de “Palombella rossa” ou
“La Messa è Finita”, essa época em que Moretti não queria ainda agradar a todos e
que ao mesmo tempo afirmava categoricamente “eu sou um autárquico”.»
Jean-Marc Lalanne, Libération
18 de Maio de 2000
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
«Para filmar a brutalidade da perda,
Moretti recorre apenas a olhares, o de
Giovanni para a figura desolada do pai
do amigo de Andrea, o olhar que
trocam Irene e o pai no meio de um
jogo de basquetebol. Um só olhar é
suficiente para compreender que o
irremediável lhe bateu à porta. Aos
pequenos rituais da felicidade
responde agora aquele da dor absoluta: a magnífica e glacial sequência do encerro do
caixão de Andrea, com uma precisão cirúrgica dos gestos e dos instrumentos.
Como mostrar isto? O que inventar para tornar sensível um tempo bloqueado no
instante da tragédia e da total perda de sentido? Ateu, o mundo de Moretti não pode
apelar a uma qualquer transcendência para curar o caos. (...) Se a família está
destruída, o filme também está, como que bloqueado pelo acontecimento que o funda.
E é nesse momento que se torna verdadeiramente admirável. Porque Moretti
consegue mostrar a dor sem nunca roçar o pathos e o gosto das lágrimas. A fluidez da
primeira parte transforma-se num equilíbrio perfeito entre observação e dramatização,
e o filme encontra soluções narrativas para estados tão pouco narráveis e
espectaculares como o embrutecimento ou o pavor.
O QUARTO DO FILHO empurra a sinceridade até tomar consciência do seu próprio
bloqueio. Para que a história e a vida recuperem os seus direitos, é preciso um deus
ex machina, um novo personagem que vai permitir ao filme recomeçar. Este recomeço
traduz-se literalmente por uma viagem, uma travessia da noite e da fronteira, até
Menton. Mais mesmo lá, nenhum símbolo excessivo (...). E Moretti encontra qualquer
coisa de Kitano na sua forma de se deixar emocionar sem sucumbir ao exagero
sentimental, como se a beira do mar (um cenário clássico das conclusões kitanescas)
encerrasse um espírito, fosse vaga e distância, cura e reconciliação com o mundo. O
QUARTO DO FILHO tem a beleza simples de um novo começo.»
Frédéric Bonnaud, Les Inrockuptibles
Cannes 2001
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
«No início, é como um paraíso vivo, uma figuração da felicidade, uma família unida e
reunida. Não há nada que não esteja bem: as crianças são encantadoras, os pais
também e são naturais (ela – Laura Morante – editora, ele – Nanni Moretti –
psicanalista), o apartamento grande, a vista esplêndida, os jovens criam idílios, os pais
ainda se desejam. A força de Moretti é de não esperar pela catástrofe (a morte do
filho) para entristecer o espectador, mas comovê-lo logo pela felicidade. Ao filmar a
família como uma utopia, ele detalha precisamente o local de um desejo desvanecido,
um antes que fora a idade de ouro; a referência ao latim dos Antigos tem um valor de
referência: o passado era mítico, era belo.»
Stéphane Bouquet, Cahiers du Cinéma
Maio de 2001
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Nanni Moretti
47 anos. Italiano. No descalabro que atingiu a cinematografia transalpina nos últimos
dois decénios, emergiu, como autor particularíssimo e, ao mesmo tempo, cineasta de
sucesso, no seu país e um pouco por todo o lado, através de amargas comédias
geracionais e interventivas, em que a realidade política e social italiana é matricial.
Cannes reconheceu-o desde muito cedo, logo em 1978, com ECCE BOMBO. Depois,
os seus filmes têm regularmente vindo a ser seleccionados, num processo de
competição com Veneza com quem o cineasta mantém contencioso.
Em 1994, Nanni Moretti ganhou o prémio para a Melhor Realização, com QUERIDO
DIÁRIO; em 1997 foi membro do júri.
Jorge Leitão Ramos, Expresso
5 de Maio de 2001
Filmografia
1976 – Io sono un autarchico
1978 – Ecce Bombo
1981 – Sonhos de Ouro
1984 – Bianca
1985 – La Messa è Finita
1989 – Palombella Rossa
1993 – Querido Diário
1998 – Abril
2001 – O Quarto do Filho
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Laura Morante(a partir da entrevista publicada no La Repubblica)
Que recordações guarda da rodagem de O QUARTO DO FILHOLaura Morante – Para Moretti e para mim,
este filme foi uma experiência muito forte no
plano emocional, somos pais. Mas se me
perguntarem se alguma vez pensei nos
meus filhos durante a representação, a
resposta é não, absolutamente. É inevitável
reconhecer esta dor: se não tivesse filhos, seria algo mais abstracto. Mas mantenho
longe as minhas emoções, isso não me serviria para nada.
Mas como é que é possível “criar” essa emoção?Laura Morante – Um dia, uma actriz perguntou-me se ela devia verdadeiramente
chorar. “Não”, respondi eu, “Deves representar”. Acredito que a transformação da
matéria “verdadeira” é uma necessidade quase ética. Os actores que se esforçam por
ter pensamentos tristes para representar cenas tristes são falsos, cínicos. Tornamo-
nos credíveis quando somos honestos.
Giovanni e Paola, pai e mãe, têm duas maneiras diferentes de enfrentar a perda do seu filho.Laura Morante – Giovanni reage, ele tenta transformar a dor em cólera, de a enfrentar
como “um homem”, mas não consegue. Paola deixa evoluir livremente a sua dor, que
não é cólera, nem raiva, nem indignação. Ela tem uma atitude menos ateísta, o que
não quer dizer que encontra conforto na religião, mas consegue sentir uma espécie de
alegria quando encontra a carta de Ariana, a amiga do filho, que não sabe o que lhe
aconteceu. Uma alegria irracional: da morte ela sente aflorar a vida. Para Giovanni,
pelo contrário, a morte é a morte, a cólera da privação. Foi das cenas mais difíceis de
representar, era necessário exprimir a alegria na dor.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
O pai no filme é culpado de alguma coisa relativamente ao seu filhoLaura Morante – O sentimento de
culpabilidade releva da presunção,
sentimo-nos culpados porque nos
julgamos deuses e permitimos os
nossos filhos que assim se
considerem. Os erros, que não são
falhas, podemos corrigi-los. E devem ser aceites pelos nossos filhos. O mais
importante, é representar o nosso papel de pais, e não tentar substitui-lo por uma
relação de igual para igual. Porque assim arriscamos privar os nossos filhos da sua
infância, da sua inocência e da sua liberdade. A liberdade é lutar contra o inimigo, e o
inimigo podemos ser nós. Aceitar esta sã antipatia, saber que nada é perfeito.
Então Giovanni não pecou por distracção relativamente ao filho?Laura Morante – Acho que Giovanni se sente culpado desde o início: é um pai muito
opressivo, incapaz de leveza. O seu filho não quer ganhar e o pai não aceita esse
facto: na sua condição de psicanalista, Giovanni apercebe-se do seu erro, mas não o
consegue corrigir. É verdade que o filho é mais frágil que a filha, que é maior, mais
combativa. Mas se o drama não tivesse acontecido tudo se poderia gerir. Giovanni é
um bom pai.
Antes da estreia do filme, disse que estava certa de ter feito um bom filme. Mas será que é um filme honesto? O facto de provocar tantas lágrimas não pode ser encarado como chantagem moral?Laura Morante – Não há manipulação neste filme. A morte é apresentada de uma
forma terrivelmente concreta. Todos os gestos que a rodeiam são concretos. Não há
alusões. Nanni quis falar da dor que não une mas separa. Assim cada um segue o seu
caminho para sobreviver. Confirmo, é um filme belo e honesto.
O QUARTO DO FILHONanni Moretti
Laura Morante – Filmografia1980 – Oggetti Smarriti
1981 – La Tragedia di un Uomo Ridicolo, de Bernardo Bertolucci
Sonhos de Ouro, de Nanni Moretti
Il Momento dell’aventura, de Faliero Rosati
1982 – Colpire al cuore, de Gianni Amelio
Bianca, de Nanni Moretti
1985 – Le Due Vite di Mattia Pascal, de Mario Monicelli
1986 – L’Intruse, de Bruno Gantillon
À Flor do Mar, de João César Monteiro
1987 – La Vallée Fantôme, de Alain Tanner
Luci Lontane, de Amelio Chèsa
1988 – I Ragazzi di via Panisperna, de Gianni Amelio
1989 – Onde bate o Sol, de Joaquim Pinto
1990 – Corps Perdus, de Eduardo de Gregorio
Un Jeu d’Enfant, de Pascal Kané
La Femme Fardée, de José Pinheiro
Turné, de Gabriele Salvatores
1991 – Ao Fim da Noite, de Joaquim Leitão
1992 – La Voix, de Pierre Granier-Deferre
Juste avant l’Orage, de Bruno Herbulot
1995 – Faut pas rire du bonheur, de Guillaume Nicloux
Io e il re, de Lucio Gandino
1996 – La Vie Silencieuse de Marianna Ucria, de Roberto Faenza
Ferie d’Agosto, de Paolo Virzi
1998 – La Mirada del Outro, de Vicente Aranda
L’Anniversario, de Mario Orfini
2000 – Liberate i Pesci, de Christina Comencini
Film, de Laura Belli
2001 – The Dancer Upstairs, de John Malkovich
O QUARTO DO FILHO, de Nanni Moretti
Vajont, de Renzo Martinelli
Hôtel, de Mike Figgis
Sites
http://www.bacfilms.com/chambre/
http://atalantafilmes.pt/2002/oquartodofilho