Ferrand Professor Faculdade de Ciências do Sucesso na ... · ENTREVISTA Nuno Ferrand Professor...

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ENTREVISTA Nuno Ferrand Professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto "Sucesso na ciência deve-se a investimento de longo prazo" Textos VIRGÍLIO AZEVEDO Fotos RUI DUARTE SILVA O diretor do laboratório asso- ciado Inßio, onde trabalham 300 investigadores, lembra que a competitividade dos cien- tistas portugueses foi mais uma vez reconhecida com a atribuição, na semana passa- da, de bolsas e prémios no va- lor de €6,6 milhões pelo Conse- lho Europeu de Investigação, Howard Hughes Medicai Insti- tute e L'Oréal Portugal. E diz que não foi por acaso. CQue significa a atribuição, numa única semana, de pré- mios internacionais a TO cien- tistas portugueses? mais uma evidência de que é possível fazer ciência de grande qualidade em centros de investigação portugueses. Essa qualidade é cada vez mais reconhecida a nível internacio- nal e é crucial para o desenvol- vimento do país. O Como explica o contraste en- tre os resultados na ciência e a crise que atinge Portugal? BA crise não atinge Portu- gal, mas toda a Europa, embora de modo diferente. A atividade científica e os seus resultados correspondem a um investimen- to de médio e longo prazo e isso aconteceu de forma consistente nos últimos 20-25 anos. Se sector na sociedade portuguesa que é consensual quanto à sua internacionalização e qualidade de resultados é o da ciência. Por isso, o contraste a que se refere não é relevante. O problema é o impacto que a crise poderá ter no sistema científico nacional, que poderá ser avaliado den- tro de algum tempo. ?A redução do investimento ameaça a sustentabilidade do crescimento da ciência? B O investimento subiu bastan- te nos últimos anos e as atuais restrições poderão vir a travar essa tendência. Assim é neces- sário reforçar, ou pelo menos manter, o apoio à melhor ciên- cia feita em Portugal, aplican- do rigorosos parâmetros de avaliação internacional. ?O concurso nacional que a Fundação para a Ciência e Tec- nologia (FCT) vai lançar para 80 vagas de investigadores doutorados é suficiente? HO concurso é muito impor- tante para manter o sistema científico nacional. Mais impor- tante, é preciso assegurar que possa ser aberto regularmen- te. Mas as necessidades do país passam também pelas universi- dades e é fundamental que es- tas vejam nos investigadores contratados no âmbito dos Pro- gramas Ciência 2007 e 2008 e nos que agora se anunciam a possibilidade de aumenta- rem a sua competitividade e vi- sibilidade internacionais. ?Há o risco de fuga de cére- bros para o estrangeiro? 13 É natural que a crise tenha impacto na ciência, nomeada- mente através da saída de in- vestigadores para o estrangei- ro. Cabe-nos a todos e a to- das as instituições fazer tu- do para minimizar o impacto da crise na realização de in- vestigação de qualidade em Portugal. DO concurso para projetos que a FCT vai lançar nas Ciên- cias da Vida, Exatas, Naturais e Sociais é importante? B Corresponde ao que, desde quatro anos, tem sido lança- do com alguma regularidade, e cobre todas as áreas. A ques- tão está em saber qual a taxa de aprovação dos projetos, que tem vindo a diminuir bastante nos últimos anos. ?As restrições internas po- dem ser compensadas com maior recurso a programas eu- ropeus e financiamentos priva- dos internacionais? 0 Podem e devem. muito que as várias instituições por- tuguesas envolvidas na ciên- cia deveriam ter desenvolvido mecanismos que estimulas- sem a procura de todo o tipo de financiamentos do exte- rior. Refiro-me a programas europeus mas também a fi- nanciamentos de instituições norte-americanas ou de paí- ses e regiões com os quais nos relacionamos mais facilmente Brasil, América do Sul, PA- LOP, África Austral, China. Nesses financiamentos incluo a nossa capacidade de atrair privados e bolsas de alunos (doutoramento) ou investiga- dores (pós-doutoramento) es- trangeiros que queiram vir pa- ra Portugal. ? Com que mecanismos? BA FCT e outras instituições deveriam desenvolver um me- canismo de matching funds que premiasse os investigado- res e equipas capazes de atrair para Portugal financiamentos significativos do estrangeiro e capazes de os multiplicar. ? O CIBIO está a sentir a crise? ? Temos perdido excelentes in- vestigadores que ganharam po- sições permanentes noutras universidades europeias e que, embora preferissem ficar cá, optaram por ir embora porque não somos competitivos no melhor dos cenários conse- guimos oferecer-lhes contra- tos a termo e a partir de certa altura eles querem encontrar alguma estabilidade. [email protected] PERFIL Nuno Ferrand dirige o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Universidade do Porto, o maior do país e um dos maiores da Europa nas áreas da evolução, biodiversidade e conservação, O CIBIO desenvolve projetos de investigação em todo o mundo, está a criar a maior plataforma de sequenciação genómica do país e ganhou projeção externa através da investigação do coelho ibérico, considerado hoje uma espécie-modelo pela comunidade científica internacional. Professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Nuno Ferrand é também diretor do Inßio, um laboratório associado com 300 investigadores.

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ENTREVISTANuno Ferrand Professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

"Sucesso na ciência deve-se

a investimento de longo prazo"Textos VIRGÍLIO AZEVEDOFotos RUI DUARTE SILVA

O diretor do laboratório asso-ciado Inßio, onde trabalham300 investigadores, lembra

que a competitividade dos cien-tistas portugueses foi maisuma vez reconhecida com a

atribuição, na semana passa-da, de bolsas e prémios no va-lor de €6,6 milhões pelo Conse-lho Europeu de Investigação,Howard Hughes Medicai Insti-tute e L'Oréal Portugal. E diz

que não foi por acaso.

CQue significa a atribuição,numa única semana, de pré-mios internacionais a TO cien-tistas portugueses?BÉ mais uma evidência de

que é possível fazer ciência de

grande qualidade em centrosde investigação portugueses.Essa qualidade é cada vez maisreconhecida a nível internacio-nal e é crucial para o desenvol-vimento do país.

O Como explica o contraste en-tre os resultados na ciência e acrise que atinge Portugal?BA crise não atinge só Portu-

gal, mas toda a Europa, emborade modo diferente. A atividadecientífica e os seus resultados

correspondem a um investimen-to de médio e longo prazo e isso

aconteceu de forma consistentenos últimos 20-25 anos. Se hásector na sociedade portuguesaque é consensual quanto à sua

internacionalização e qualidadede resultados é o da ciência. Porisso, o contraste a que se referenão é relevante. O problema é o

impacto que a crise poderá ter

no sistema científico nacional,

que só poderá ser avaliado den-tro de algum tempo.?A redução do investimento

ameaça a sustentabilidade docrescimento da ciência?B O investimento subiu bastan-te nos últimos anos e as atuais

restrições poderão vir a travaressa tendência. Assim é neces-sário reforçar, ou pelo menosmanter, o apoio à melhor ciên-cia feita em Portugal, aplican-do rigorosos parâmetros deavaliação internacional.

?O concurso nacional que a

Fundação para a Ciência e Tec-nologia (FCT) vai lançar para80 vagas de investigadoresdoutorados é suficiente?HO concurso é muito impor-tante para manter o sistemacientífico nacional. Mais impor-tante, é preciso assegurar quepossa ser aberto regularmen-te. Mas as necessidades do paíspassam também pelas universi-dades e é fundamental que es-tas vejam nos investigadorescontratados no âmbito dos Pro-

gramas Ciência 2007 e 2008— e nos que agora se anunciam— a possibilidade de aumenta-rem a sua competitividade e vi-sibilidade internacionais.?Há o risco de fuga de cére-bros para o estrangeiro?13 É natural que a crise tenhaimpacto na ciência, nomeada-mente através da saída de in-

vestigadores para o estrangei-ro. Cabe-nos a todos — e a to-das as instituições — fazer tu-do para minimizar o impactoda crise na realização de in-

vestigação de qualidade em

Portugal.DO concurso para projetosque a FCT vai lançar nas Ciên-cias da Vida, Exatas, Naturais eSociais é importante?B Corresponde ao que, desdehá quatro anos, tem sido lança-do com alguma regularidade, e

cobre todas as áreas. A ques-tão está em saber qual a taxade aprovação dos projetos, quetem vindo a diminuir bastantenos últimos anos.?As restrições internas po-dem ser compensadas commaior recurso a programas eu-

ropeus e financiamentos priva-dos internacionais?0 Podem e devem. Há muitoque as várias instituições por-tuguesas envolvidas na ciên-cia deveriam ter desenvolvidomecanismos que estimulas-sem a procura de todo o tipode financiamentos do exte-rior. Refiro-me a programaseuropeus mas também a fi-nanciamentos de instituiçõesnorte-americanas ou de paí-ses e regiões com os quais nosrelacionamos mais facilmente— Brasil, América do Sul, PA-LOP, África Austral, China.Nesses financiamentos incluoa nossa capacidade de atrairprivados e bolsas de alunos

(doutoramento) ou investiga-dores (pós-doutoramento) es-

trangeiros que queiram vir pa-ra Portugal.? Com que mecanismos?B A FCT e outras instituiçõesdeveriam desenvolver um me-canismo de matching fundsque premiasse os investigado-res e equipas capazes de atrair

para Portugal financiamentossignificativos do estrangeiro e

capazes de os multiplicar.

? O CIBIO está a sentir a crise?? Temos perdido excelentes in-

vestigadores que ganharam po-sições permanentes noutrasuniversidades europeias e que,embora preferissem ficar cá,

optaram por ir embora porquenão somos competitivos — nomelhor dos cenários só conse-

guimos oferecer-lhes contra-tos a termo e a partir de certaaltura eles querem encontraralguma [email protected]

PERFIL

Nuno Ferrand dirige o Centrode Investigação emBiodiversidade e RecursosGenéticos (CIBIO) daUniversidade do Porto, o maiordo país e um dos maiores da

Europa nas áreas da evolução,biodiversidade e conservação,O CIBIO desenvolve projetosde investigação em todo o

mundo, está a criar a maior

plataforma de sequenciaçãogenómica do país e ganhouprojeção externa através da

investigação do coelho ibérico,considerado hoje umaespécie-modelo pelacomunidade científicainternacional. Professorcatedrático da Faculdade deCiências da Universidade do

Porto, Nuno Ferrand é

também diretor do Inßio, umlaboratório associado com 300

investigadores.

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Universidadesgeram cada vezmais empresas• Há cada vez mais micronegóciosligados à inovação que estão a nascernas universidades. Só na Universida-de do Porto, esse número subiu decinco para 106 desde 2007, mas háoutros casos. -» Portugal, 12

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Inovação Porto e Minho entre as instituições com maior crescimento no país

Empresas saídas das universidades sãoàs centenas e o número continua a crescerEnquanto a crise faz cair vários indicadores económicos, há alguns territórios que parecemimunes à depressão. Os pequenos ou micronegócios da inovação estão a multiplicar-se no país

Andrea Cunha Freitas

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• São pequenos ou micronegócios emfase de arranque intimamente ligadosà inovação e, na maioria, "filhos" dasuniversidades. Chamam-lhes spin-offsou start-ups e são cada vez mais emPortugal. Só na Universidade do Porto(UP), esta promessa de negócio reu-nia cinco projectos em 2007 - hojejá soma 106. Mas há mais exemplos.Ontem, em Coimbra, foi apresenta-do um resultado concreto da inova-

ção nacional, com o lançamento doprimeiro fármaco produzido numauniversidade portuguesa.

Os dados fornecidos pela Universi-dade do Porto são os mais expressivos,mas não são os únicos que demons-tram o crescimento das spin-offs liga-das a instituições de ensino superiorpúblico e não só. A Universidade doMinho (UM) tem um registo igualmen-te assinalável, tendo aumentado deseis em 2005 para 43 em 2011. Paraobter um retrato mais claro desta rea-lidade, a UM avançou no ano passadopara um inquérito que quis "mapeartodo o universo empresarial que tenhatido por base a formação superior naacademia" e concluiu que existiam113 empresas criadas nas quais pelomenos um dos sócios é actual ou ex-aluno, docente ou investigador destauniversidade. Contas feitas, são pro-jectos que representam 362 milhõesde euros em volume de negócio e 2226

postos de trabalho.Na Universidade de Coimbra, o

crescimento parece ser mais tímido,mas, ainda assim, significativo, como registo de nove spin-offs em 2004 e22 em 2010, a que se juntam mais 15

start-ups na órbita do Instituto PedroNunes. Em Aveiro, foram criadas 28spin-offs entre 2006 e 2011, existindoainda 12 empresas deste tipo na incu-badora da universidade.

A Universidade de Lisboa pareceficar aquém deste "volume de ne-gócios", dando conta da criação de"quatro spin-offs no último ano". NoInstituto Superior Técnico, depois do

avanço em 2009 da comunidade naárea de Transferência de Tecnologia,há actualmente 37 spin-offs.

São números que demonstram cla-ramente uma área em crescimentomas que não traduzem as dificulda-des nem os bons ou maus resultadosdeste universo. Sobre isso, a Agênciade Inovação apresentou em Novem-

bro um trabalho com os resultados das

spin-offs por si apoiadas e que podemservir de indicadores gerais. Assim,numa avaliação da última década,verificou-se que a taxa de crescimen-to média anual das spin-offs relativa-mente a vendas era de 11%, contra os

dois por cento negativos das "outras

empresas". O mesmo se passava aonível das exportações.

Saúde é área-chaveA área da Saúde será uma das mais ex-

ploradas por estas pequenas e micro-

empresas. Em Abril de 2008, o HealthCluster Portugal (HCP) iniciava a suamissão de internacionalizar a saúdenacional com 55 parceiros. Hoje reúne125 instituições e mantém o objectivode lançar cinco novos medicamentos

portugueses até 2020. "É óbvio quea actual situação económica não érisonha para ninguém, mas, em re-lação aos nossos parceiros, as coisasnão pararam", refere Joaquim Cunha,director executivo do HCP.

A produção do radiofármaco de-senvolvido a partir da Universidadede Coimbra não o surpreende. "Va-mos ter mais notícias deste génerovindas da academia e empresas", re-

age, adiantando que, nos próximosanos, deverão surgir medicamentos

inovadores desenvolvidos em Portu-gal para a área do cancro e das doen-

ças cardiovasculares.Ainda que não tenha dados precisos,

Joaquim Cunha afirma que as expor-tações portuguesas na área farmacêu-tica, de dispositivos médicos, meiosauxiliares de diagnóstico e soluçõesinformáticas "estão em franco cresci-mento". "O mercado da inovação estáa borbulhar. Temos recursos humanosaltamente qualificados nas academias

que, com esta crise, começam a ir àluta e criam empresas. A transferênciado conhecimento para o mercado está

a fazer o seu caminho."Um caminho que, aliás, está a ser

reconhecido fora de Portugal. Na maisrecente edição do Innovation UnionScoreboard, Portugal surge no grupodos países "moderados" em termos de

inovação, mas merece uma referênciaespecial por ser "líder" na tabela dos

países que mais depressa cresceram,com a melhor performance no desen-volvimento da inovação.

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Nuno Crato insiste no discurso da exigênciaBolsas levaram estudantes a interpelar ministro

Perante uma plateia onde estavamestudantes do ensino superior,alguns dos quais da direcçãoda Associação Académica deCoimbra, o ministro da Educaçãoe Ciência, Nuno Crato, insistiu,ontem, no apelo à exigência, aoassinalar o sucesso do Instituto deCiências Nucleares Aplicadas àSaúde (ICNAS) na produção de umradiofármaco para diagnóstico docancro. "0 saber, a qualidadrdo conhecimento, só se

alcança com trabalhoe exigência. Os

investigadores queestão na base destemomento sabem-nobem", afirmou NunoCrato, dirigindo-se aos

cientistas do ICNAS, que há trêssemanas colocaram no mercadoum fármaco que até então tinhade ser comprado a Espanha. O

ministro não alterou o discursoquando, à saída do auditório, foiinterpelado pelos estudantes, queprotestaram contra a diminuiçãodo número de bolsas de estudo. "O

país espera um esforço financeirode apoiar os estudantes,

'mas os estudantes que

trabalham", disse,referindo-se ao'acto de as bolsasdependerem não só "da

necessidade", mastambém "do sucesso

escolar". GraçaBarbosa Ribeiro

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INOVAÇÃO

12 3GERAÇÃO

STARTHá uma nova geração de jovens empreendedoresa pensar fora da caixa, com ideias inovadoras.É para eles que nascem em Portugal cada vez maisassociações 'aceleradoras' de negócios. E, não,a troika não os intimida, reportagem de bernardoMENDONÇA (TEXTO) E TIAGO MIRANDA (FOTOGRAFIAS)

Um terceiro andar amplo na Baixa de Lisboa, commais de 400 m

2,paredes e tetos escavacados, lumino-

so mas quase apocalíptico, parece ter sobrevivido a

um bombardeamento. Imaginem que esse espaço foi

ocupado durante três dias por centenas de Jovens,

com experiências e peles de todas as cores, de 33 na-

cionalidades, escolhidos a dedo, mentes brilhantes,currículos extraordinários, percursos invulgares, vi-sões à frente do seu tempo. Uma geração que não só

promete, mas está envolvida em redes e projetos glo-bais. São a "Geração Start". Artistas, designers, jornalis-

tas, cromos da informática e tecnologia, estudantes,

especialistas em marketing, economistas, fotógrafos,

empreendedores, investidores, documentaristas, to-dos sonhadores. Do Paquistão, à índia, passando pelaAmérica Latina, Irão, Suíça ou EUA.

Imaginem que esse grupo pertence a uma rede

global e que se encontrou não para trocar piadas e

beber cerveja, mas para em conjunto produzir e discu-

tir ideias e pontos de vista, de forma livre e desempoei-rada. E, acima de tudo, encontrar novos ângulos revo-lucionários não só para as suas vidas como para esta e

as próximas gerações. Como se o mundo pudesse es-

tar nas mãos deles e o futuro estivesse a ser esboçado

naquele instante.

Imaginem ainda que esta comunidade está bem or-

ganizada Em vez de a multidão gritar, levanta paciente-mente a mão. Sempre que passa uma hora, esses jovens

com menos de 30 anos, distribuem-se em 13 grupos dife-

rentes e, de bloco na mão, sentam-se em caixas de car-

tão. Em redor, há cestos com bananas para não falirem

nesta maratona. Há sempre um líder espontâneo em

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cada grupo e fala-se de tudo: da vantagem de rou-bar ideias desde que se lhes acrescente valor, da

urgência de agir socialmente para proteger o am-

biente, enumeram-se as razões que fazem das ar-tes marciais uma boa forma de ajudar a formar

pessoas com sucesso. Bizarro?

E, se a cada hora de round, rebentasse o hit

pop "Barbra Streisand", do canadiano Duck Sau-

ce, e aquelas centenas de participantes corres-

sem para enormes murais de papel e cartão e

rabiscassem a feltro coisas como: "A única dife-

rença entre um sonho e um objetivo é que umdeles tem um plano", "faz o inesperado", "parti-lha a tua visão, tens que trazê-la à vida"? Sen-

tir-se-ia envolvido por uma energia forte e

boa? Um espírito Yes We Cari? De repente, tudo

pareceria possível... demasiado surreal paraacontecer em Lisboa?

Isto não é ficção. É a realidade do evento

"Sandbox Global Summit 2012" que teve a sua

primeira edição nas instalações do MUDE Mu-

seu do Design e da Moda, entre os dias 20 e 22

de janeiro, agrupando a maior comunidade in-

ternacional de jovens líderes com menos de 30

anos, rigorosamente escolhidos entre cerca de

600 membros. A missão desta organização é for-talecer redes sociais e estimular projetos, ligan-do-os a empregadores, investidores e media.

Um dos presentes nesta equipa de cam-

peões de ideias foi Sebastian Lindstrom, de 26

anos, que fundou duas ONG: Light for Children,

no Gana, e uma organização que realiza doeu-

IMOBILEMACIC APPS MÁGICASÉ uma empresa de Braga vocacionada para a criação de expe-riências e apps para telemóveis e tablets. À frente dela estáMarco Leal, 34 anos, formado em engenharia de sistemas einformática e que esteve na fundação da Mobicomp, uma

empresa que cria soluções inovadoras para computadores eteLemóveis e que foi mais tarde vendida pelo atual secretáriode Estado do Empreendorismo à Microsoft. Esta start-upcomposta por sete profissionais passou a dar que falar com a

invenção da app "Mv Magic Song". Um jogo infantil de cançõespersonalizadas que na Applestore já ultrapassou os 100 mildawnloads nomeada entre os 10 finalistas para o "MobilePremier Awards", a realizar-se em fevereiro na cidade deBarcelona, http://www.imobilemagic.com/

mentários, a Took Vou so Long. "A

base do meu trabalho é a troca de

experiências", disse-nos. Outro dos

participantes foi Patrick Lio-

tard-Vogt, de 27 anos, nova-iorqui-

no, um dos jovens mais bem-sucedi-

dos da Europa. Com 26 anos com-

prou o Diners Club, a empresa que

lançou o negócio dos cartões de

crédito, e é o novo presidente da

Smallworld, uma rede social exclu-

siva adquirida recentemente da

empresa Weinstein Brothers. A lis-

ta de figuras excecionais podia con-

tinuar. É este o novo espírito start,

and go, ou "vamos lá fazer" que co-

meça a ter impacto em Portugal.

MUITAS BETA-IDEIAS

Pedro Rocha Vieira e André Mar-

quet, de 34 e 31 anos, fazem partedeste movimento. São os responsá-veis pela vinda do Sandbox (que su-

perou as candidaturas de Singapu-ra e Istambul) e, acima de tudo, são

dois dos dirigentes da Beta-i, umadas mais relevantes associações na-

cionais de apoio a jovens empresá-

rios, nascida há dois anos. Tal como

aANJE - Associação Nacional de Jo-

vens Empresários fundada em

1986 e pioneira nesta área —, que-

rem promover o empreendedoris-

mo, "com iniciativas mais vanguar-distas e globais." Ao todo são uma

equipa de "sete magníficos" jovens,

com vocação para a inovação.Eles querem transformar Lis-

boa numa cidade favorável às no-

vas oportunidades de negócio, as

chamadas start-ups, e desenvolver

o maior programa europeu de ace-

leração de ideias, fornecendo as

ferramentas e condições necessá-

rias para ligar talentos e investi-

mentos e motivar centenas de no-

vas empresas. "O grande objetivo é

colocar a nossa capital no mapados empreendedores do mundo in-

teiro. Queremos baixar as barrei-

ras à entrada desses empreendedo-res no nosso sistema. Existe umanova geração de pessoas dinâmi-

cas, com vontade, energia e ideias

que podem ser apoiadas e apresen-tadas aos grandes decisores e in-

vestidores", considera Pedro, o pre-sidente da Beta-i, gestor de forma-

ção, num discurso acelerado de

quem não tem tempo a perder no

seu pequeno escritório, situado na

Startup Lisboa. É um prédio da

Rua da Prata que se tornou, desde

o ano passado, numa incubadora

de novos negócios, graças à parce-ria da Câmara Municipal de Lisboa

com o Montepio e o Instituto de

Apoio às Pequenas e Médias Em-

presas e à Inovação (lAPMEI).

Antes de Rocha Vieira partir

para uma reunião, apressado na

sua bicicleta, explica-nos que pode-ria ter feito uma carreira de yup-pie, se não tivesse abandonado o

trabalho na banca e feito uma via-

gem solitária de mochila às costas

pelo mundo durante nove meses.

Passou pela Itália, Brasil, Argenti-na, Chile e Bolívia. Experimentou o

yoga, o reiki, as caminhadas, a refle-

xão e conheceu comunidades au-

tossuficientes. "Vim brutalmente

mudado." Aliás, até aos 18 anos, Pe-

dro nunca tinha estado mais de

quatro anos num só sítio — acom-

panhando o pai Vasco Rocha Viei-

ra, o último governador de Macau.

Em 2009, após fazer um curso de

empreendedorismo social no IN-

SEAD e de ter sido um dos fundado-

res da ONG Tese (para promover o

desenvolvimento social, igualdade

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O CASAL SPARKO CRIATIVO MIGUELGONÇALVES EAECONOMISTA TÂNIADELALANDESÃOADUPLAÀ FRENTE DEUMA AGÊNCIA DEBRAGA QUE ACELERAIDEIAS DE NEGÓCIO

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PLANETA SANDBOXENTRE 20 E 22 DEHANEIROI7O JOVENSFORA DE SÉRIE E 50LÍDERES DE EXCELÊN-CIA ESTIVERAMREUNIDOS NO MUDE,EM LISBOA, PARAPARTILHAREM SOLU-

ÇÕES E EXPERIÊN-CIAS DE INOVAÇÃO

de oportunidades e qualidade de vida), esboça

as linhas gerais ria Beta-i em conjunto com mais

quatro pessoas. "Senti que não havia um espaço

que cortasse com esta cultura burocrática, cabis-

baixa e pouco inspirada que há em Portugal."Uma das primeiras empresas a quem de-

ram a mão foi a Pumpkin, de Mariana Pessoa e

Frank de Brabander, ela portuguesa, ele holan-

dês, que ao decidirem trocar Londres por Portu-

gal viram-se em sarilhos para encontrar serviços

para a sua bebé. Daí surgiu uma ideia de negócio.

A Beta-i aconselhou-os e acolheu-os como incu-

badora nas suas antigas instalações (ver caixa).

Desde o ano passado a equipa da Beta-i jáauxiliou centenas de start-ups — algumas prome-tem ser casos sérios de sucesso. Até mesmo dois

dos elementos da Beta-i estão envolvidos em

start-ups com potencial. Sofia Pessanha, gestora,

33 anos, abriu a Actualsun, que usa um software

que otimiza sistemas de produção de energia so-

lar (e que acaba de ser aceite no programa de

aceleração do Surge, em Houston,

EUA), enquanto o engenheiro infor-

mático Pedro Santos, 34 anos, arran-

cou em março de 2011 com o proje-to AU _ desk, uma plataforma online

que agrega todos os espaços de tra-

balho existentes no mundo, finalis-

ta do MIT ISCTE, que lhe rendeu

100 mil euros, atribuídos pela Caixa

Geral de Depósitos. "Através do

Ali _ desk qualquer pessoa pode ren-tabilizar um quarto de casa, uma

mesa e uma cadeira ou uma divisão

num escritório", explica o próprio.0 foco atual da Beta-i articu-

la-se entre a "inspiração" e "acele-

ração" de ideias. Promovem a cul-

tura do empreendedorismo: atra-

vés de iniciativas como a TEDxED-

GES (à semelhança das famosas

conferências TED), com a duração

de um dia, uma vez por ano, e queconvida empreendedores seniores

internacionais a deslocarem-se a

Portugal numa parceria com a

Fundação Champalimaud.

BATE-PAPOS LUCRATIVOS

O Beta Talk é outro evento da Be-

ta-i que decorre no dia 16 de cada

mês, e que mais nao é do que reu-

niões originais em que são convi-

dados outros dois empreendedo-res veteranos para falarem sobre a

sua experiência. A última decor-

reu no metro da Baixa Chiado,

num inesperado espaço junto às

escadas rolantes. Também o even-

to "Silicon Valley Comes to Lisbon"

deu que falar, em novembro, ao

trazer nomes relevantes de Silicon

Valley (EUA) vindos da Google e

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da Second Life, e ao ser encerrado

por Cavaco Silva. A stflrt-un Cell2B,

da área da biomedicina, vencedo-

ra do prémio BES Inovação, foi

uma das inscritas (ver caixa).

A outra importante vertente

da Beta-i — a aceleração — ajuda

quem já tem uma ideia de negócio,estruturando-a e preparando-a pa-ra ser apresentada aos investido-

res. São disso exemplo o Startup

Weekend, evento americano adap-tado a Portugal, e o Beta Start, pro-

grama de um mês destinado a aju-dar através de treino e workshops.

O próximo Beta Start está prestes a

arrancar no dia 25 de fevereiro.

Além dos orientadores e formado-

res, contará com dezenas de mento-

res conhecidos do grande público,como José Avillez, Catarina Portas,

SKETCH PIXEL OS PAIS DA POPOTASão jovens, criativos e ambicionam ser a "Pixar europeia". Produ-ziram recentemente parte das imagens da Popota e assinaramo genérico 3D do filme "Hulk". Além dos sócios Miguel Abreu eNuno Freitas há uma equipa energética de 20 pessoas sediadaem Braga a criar em 3D entre animadores, ilustradores, progra-madores e criativos e 3 escritórios no estrangeiro. Miguel Abreu,37 anos, especialista em artes digitais e multimédia foi o funda-dor. Mais tarde entrou Nuno Freitas, 31 anos, formado emmarketing, como investidor e sócio. No ano passado atingiram€479.000 de lucro. O seu maior objetivo é produzir uma lon-

ga-metragem de animação, www.sketchpixel.com

CELL2B TERAPIA DO FUTUROQuatro investigadores de biotecnologia e engenharia biológicado Instituto Superior Técnico, entre os 27 e os 29 anos, estão a

apostar numa start-up com um produto que promete serrevolucionário na área da biomedicina. Uma terapia celularbaseada numa fraçâo de células da medula óssea que permitemodelar o sistema imune em casos de rejeição aguda emdoentes que apresentam sinais de rejeição de transplante demedula óssea e de outros órgãos. Com o projeto "ImmuneSa-fe", saíram do MIT Portugal (parceria entre Portugal e o Institu-to de Tecnologia de Massachusetts) e venceram no ano passa-do o prémio Tecnologias da Saúde e Biotecnologia no Concur-so Nacional do Inovação do BES (€50.000). www.ceii2b.com

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PUMPKIN SOS PAPÁSMariana Pessoa estava grávida de oito meses quando regres-sou a Portugal e se deu conta da dificuldade em selecionar nainternet serviços de qualidade para o bebé. Dunto com o mari-do holandês Frank de Brabander percebeu que havia umaoportunidade de negócio. O ano passado lançaram este proje-to oníine que permite aos pais e famílias portuguesas escolhe-

rem, entre as melhores empresas e serviços existentes no país,aquelas que melhor se adequam às necessidades específicasdos seus filhos. No seu site podem-se marcar aulas de prepara-ção e recuperação do parto, contratar uma babysitting, agendarginástica para o bebé ou marcar uma festa de aniversário, Umserviço sem custos para o consumidor, www.pumpkin.pt

OUTITUDE ORDEM PARA SAIRNão é um site de experiências para oferecer como "A Vida éBela". É antes um agregador de todas as empresas portuguesasque organizam desportos radicais ou passeios turísticos de umaponta à outra do país. Acaba de arrancar este mês e disponibilizamais de 100 atividades. Da vela ao skydiving, da escalada ao

bridgejumping karting ou até mesmo passeios a pé ou aéreos,não faltam experiências para todos os gostos e idades. Ideal

para todos aqueles que procuram momentos de adrenalina oucontacto com a natureza ou a cidade. Esta ideia nasceu na

cabeça do informático Alexandre Carvalho, de 31 anos, quandoum dia precisou de marcar uma partida de paintball com amigospara uma despedida de solteiro, www.outitude.com

Manuel Reis ou Miguel fúdice.Estará a formar-se uma ex-

pressiva "Geração Starf ' em Portu-

gal? Pedro não hesita. "Ainda há

muito medo de falhar. Mas mudá-

mos muito. A cultura do programaErasmus tem levado milhares de jo-vens portugueses a estudar no

mundo inteiro. Também as redes

sociais têm sido fundamentais. Por

outro lado deixaram de existir em-

pregos para a vida, vive-se uma ló-

gica de projetos. Acima de tudo, a

motivação principal desta nova ge-

ração entre os 20 e os 30 anos não

está no dinheiro, mas em fazer o

que gosta, participar de uma equi-

pa, ter voz e trabalhar numa dinâ-

mica de start-up. É para esses quetrabalhamos".

MOTIVAR PORTUGAL

Além da ANJE e da Beta-i, estão a

surgir em todo o país inúmeras pe-

quenas associações de apoio ao

empreendedorismo. A Start Up Pi-

rates, a UPtec da Universidade do

Porto, a INEO, do Instituto Pedro

Nunes ou a AUDAX do ISCTE são

apenas algumas delas.

E depois, há pessoas que sozi-

nhas conseguem motivar multi-dões. É o caso de Miguel Gonçal-

ves, de 32 anos, criativo de Bragaformado em Psicologia, que se tor-nou uma espécie de herói nacional

desde que apareceu no programa"Prós e Contras", da RTPI, a tratartodos por tu, inclusive Fátima Cam-

pos Ferreira. Franzino, de colete

cinzento, sem gravata e de relógio

amarelo, calou a audiência mal in-

terveio com o seu sotaque norte-nho: "Neste momento as empresasnão oferecem emprego, compramtrabalho." Outras declarações que

impressionaram os espectadoresfoi que é preciso "bater o punho"

para se ter sucesso e que "CV não é

curriculum vitae, é canal de ven-das". A sua intervenção transfor-

mou-se num fenómeno virai e jávai em mais de 33 mil visualiza-

ções no Youtube. De tal forma quea sua principal fonte de receitaatual é andar pelo pais a fazer pa-lestras partilhando experiência e

inspirando outros. "O meu correio

eletrónico está constantemente en-

tupido. Mas dou sempre uma res-

posta a quem me escreve."

Miguel é um motivador nato e

sabe comunicar e é o exemplo per-

feito de que arriscar ser diferente,

com ideias ousadas, aparentemen-te loucas, mais cedo ou mais tarde

resultarão. "A única forma que eu

conheço para ganhar a vida é tra-

balhar muito. Trabalho sete dias

por semana. Acordo às oito e dei-

to-me às três. Dormir pouco, co-

mer depressa, trabalhar muito."

A sua história de vida é quase

cinematográfica, demasiado com-

plexa para um pequeno guião. Ten-

temos. Estava no terceiro ano do

curso de Programação Informáti-

ca quando percebeu que nunca se-

ria extraordinário nessa área e mu-

dou para Psicologia. Aborreceu-se.

Faltou às aulas, fechou-se em casa

a ler tudo o que havia sobre Filoso-

fia, "dos Pré-Socráticos a Russel e a

Popper", deu aulas de Filosofia a

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crianças de uma instituição, orga-nizou eventos, pintou quadros,criou empresas, trabalhou em ba-

res. 0 diabo a quatro. "Eu era consi-

derado o pateta do meu curso." En-

quanto os colegas estudavam, ele

fazia currículo. Em Cuba, numas fé-

rias com a companheira Tânia, um

relâmpago rebenta à sua frente co-

mo uma "epifania": Aproveitam o

incidente e partem, num ano sabá-

tico, mundo fora. Passam por Cabo

Verde, Sudoeste Asiático e Inglater-ra Em Londres lançam o projetoartístico "Slicewalking": uma pintu-

ra gigante a óleo dividida em cem

parcelas, que ofereceu a 100 pes-soas. A cada uma pediu que doasse

uma quantia ao Kiva, organização

que ajuda populações desfavoreci-

das. Orgulha-se assim de ter ajuda-

do mais de trinta famílias.

Quando regressa a Portugaltorna a fazer muito dinheiro, desta

vez a vender estandartes com an-

jos para a Páscoa. Com parte dessa

quantia volta a viajar e percorre 30

cidades europeias em 90 dias. É em

Berlim que tem a ideia do progra-ma de empreendedorismo "So Vou

Thlnk Vou Can Pitch", inspiradonos "Ídolos", mas adaptado ao mer-cado de trabalho, num registo cool,

trendy e bem disposto, que já reu-

niu 250 empresários com jovens ta-

lentos, sem currículos, num frente

a frente. O projeto teve um impac-to extraordinário e permitiu criar

cerca de 80 postos de trabalho. A

próxima edição está já marcada pa-ra março.

Spark, agência de Braga especializada em técni-

cas de criatividade e geração de ideias. Quer

Portugal a mexer. E por isso criou o programaUdini, que junta empresários a quem queira em-

preender. Para trocarem ideias. Começou emnovembro com 15 empresários e 21 empreende-dores, em reuniões de 45 minutos. Na segunda

edição outros 26 empresários ficaram cara a ca-

ra com 31 jovens. Os resultados estão a começara despontar, com novas oportunidades de negó-cio e de trabalho. "Ao limite, o Udini pretendeinscrever-se como uma referência de atitude

da nova geração de 'navegadores' em Portugal.

Miguel admite que a palavra empreendedoris-mo "está na moda, já cansa, é muitas vezes um

bluff ,usada e abusada por cada vez mais uni-

versidades e associações. Ele mostra boas inten-

ções, quer ajudar mais portugueses a evitarem

morrer na praia, e a aprenderem a levar os seus

negócios para mar alto. o

Miguel é atualmente o CEO da bmendoncaíàexpresso. impresa.pt

REUNIÃOUNDERCROUNDTODOS OS DIAS 16DE CADA MÊS A

ASSOCIAÇÃO BETA-IORGANIZA REUNIÕESORIGINAIS COMEMPREENDEDORESEXPERIENTES,AS"BETATALK".A ÚLTIMA DECORREUNO METRO DABAIXA-CHIADO

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Prémio paraa investigação da dorSerão anunciados em junhoos vencedores do Prémio

Grilnenthal Dor 2012. A este

galardão concorrem equipas de

investigadores da Universidade

do Porto e do Minho, da Escola

Superior de Enfermagemde Coimbra/Unidade de

Investigação em Ciências

da Saúde, entre outros.

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Licenciadosimpedidosde aprenderum oficio

Cursos profissionaisestão vedados a quemtem formação superior P2O

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TRABALHORuturas A subida do desemprego na Europa, em especial em países como Espanha ou Portugal, e afetando grandemente os mais

jovens, fez tocar as sirenes. Está perto o limiar insustentável

Desempregados numa

panela de pressãoTexto PAULO PAIXÃOFoto JOSÉ VENTURA

os lunes ai sol" (segundas-fei-ras ao sol), filme de Fernan-do León de Aranoa, fez noinício do século (2002) umaradiografia muito impressi-va do desemprego em Espa-nha. O país liderava então as

estatísticas europeias — e o

mesmo acontece hoje, comuma taxa esmagadora, de 22,9%. Outros es-

tados, com Portugal (13,6%) no pelotão dafrente, estão bem acima da média comunitá-ria, o que levou ao anúncio de medidas nacimeira desta semana (ver caixa). A décadaé outra, mas o filme é o mesmo.

Os números de Espanha — 5-273.600 "pa-rados", mais do que todos os portuguesescom trabalho —

, amplificados pela proximi-dade geográfica, dão muito que pensar. Atéonde pode um país aguentar o desempre-go? A pergunta fica sem uma resposta úni-ca, mas deixa pistas sólidas.

"Muito provavelmente, por cá, atingire-mos os 20%, e não tarda muito", afirma Au-rora Teixeira, professora de macroecono-mia na Universidade do Porto. Quanto po-derá tardar isso? "Menos de meio ano", diz."É um cenário um bocado dantesco", reco-nhece, mas natural. "Muitas pequenas em-presas de comércio e restauração vão fe-

char", até por causa do aumento do IVA.No interface ideal para avaliar os números

nos países ibéricos está Pedro Maia Gomes,professor na Universidade Carlos 111, de Ma-drid. "Não acredito que Portugal chegueaos níveis de Espanha, mas talvez ainda não

tenha atingido o seu limite, que deve estar

perto dos 15%."José Reis, da Faculdade de Economia da

Universidade de Coimbra, considera que osdois países, "cada um a seu modo, já ultra-

passaram o admissível", no caso espanholmesmo "gravemente". De resto, furtan-do-se a traçar fasquias, o economista salien-ta que "o desemprego elevado" é "um sinal

grave de autodegradação" de um país.A "violência" da taxa atual — e com "ten-

dência para a subida" — é destacada pelosociólogo Carlos Gonçalves, da Universida-de do Porto. Já calcular os limites é outracoisa... "Não há resposta para isso. A situa-

ção é muito grave, mas do ponto de vistaeticocientífico não lhe posso responder."

Novos rostos no flagelo

O filme de Aranoa, premiado pela crítica,mostra a devastação, social e psicológica, ge-rada pela reconversão industrial no Nortede Espanha (Galiza e Astúrias), onde o fe-cho de estaleiros navais deixou sem traba-lho e perspetivas milhares de operários.Santa, interpretado por Javier Bardem,ex-sindicalista de meia-idade, espelhava odrama: o mercado que o expulsou recusa-va-lhe qualquer hipótese de reciclagem.

Uma década volvida, o rosto do flagelo emEspanha — como de resto em toda a UE,onde um em cada cinco dos 23, 8 milhõesde desempregados tem menos de 25 anos —

bem pode ser o de Elena Martínez. O pro-blema em maior evidência já não é a recon-versão profissional, mas a entrada no mer-cado. Com habilitação para ser professorade educação física, sobrevive dando explica-ções. A jovem, cuja história foi contada pelo

"El País", é uma atleta (corre os 400 metrose os 400 metros barreiras, sendo nesta disci-

plina uma das melhores do seu país). E se o

desporto fez dela velocista, o resto da vidatornou-a já, apesar de só ter 22 anos, umacorredora de fundo. Por 509 vezes enviou ocurrículo em busca de emprego; na volta do

correio, nem uma resposta para amostra.Mas Elena salta o desânimo: voltou à univer-

sidade, para poder ser professora de inglês.

Os limites dentro da famíliaNos pontos de rutura que se anunciam —

dois cônjuges no desemprego, por exemplo—

, a primeira mossa ocorrerá sempre noplano económico, pois a sociedade encon-trará almofadas (apoio da família, informali-dade, emigração). "Uma taxa de 20% de de-

semprego seria insustentável do ponto devista da economia. Mas é sustentável no pla-no social", diz Aurora Teixeira, para quem"a panela não rebenta, pois há escapes".

Pedro Maia Gomes e Carlos Gonçalvesdestacam a "entreajuda familiar". Uma"característica dos países do sul da Euro-pa", nota Gomes, que é "uma forma de

seguro". Mas por outro lado, ressalva

Gonçalves, mesmo acompanhada peloapoio de instituições de solidariedade oupelo recurso a pequenos trabalhos à mar-gem da economia oficial (como o regres-so à agricultura de subsistência), "as almo-fadas são muito relativas e dependem do

contexto social e regional". Já o apoio do

Estado, por cá, como se sabe, diminui(subsídios menores e mais curtos, embo-ra abrangendo mais casos).

Aurora Teixeira alerta que nem tudo está

adquirido para sempre. "Há uns três anos, aalmofada familiar era uma realidade. Mas

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hoje todas as gerações estão com dificulda-des. Os avós que então ajudavam os netostêm agora cortes nas pensões."

No fundo, a resistência ao embate passatambém, e desde sempre, pelo indivíduo."Assistir ao fecho de empresas causa danos

psicológicos, pois traz à memória situaçõesde desespero social", diz a economista. "Nacabeça das pessoas fica a martelar umaideia: os próximos podemos ser nós."

[email protected]

DECISÕES DO CONSELHO EUROPEU

EMPREGO JOVEM

Ao fim de poucos meses após a conclusãodos estudos todos os jovens têm dereceber uma oferta de emprego,formação ou estágio. As verbas nãoutilizadas do FEDER e do Fundo Social

Europeu, que totalizam €88 mil milhões,deverão ser afetas a programas de

inserção profissional. A rede europeia de

emprego EURES deve ser explorada aomáximo para facilitar a colocação

noutros países. Oito Estados com osvalores mais altos de desemprego jovem,incluindo Portugal, vão receber técnicosda Comissão para ajudar na definição, atéabril, de planos de promoção de emprego

APOIO AS PEQUENAS EMPRESAS

Vai ser reforçado o papel do Banco

Europeu de Investimento no apoioàs pequenas e médias empresas,que poderão usar os fundos estruturaiscomo garantia bancária

Verdadesescondidas

As estatísticas estão longe dedizer tudo. Para o bem e para o

mal. Por um lado, "não é

verdade que 30% dos jovens em

Portugal estejamdesempregados", adverte Lia

Pappámikail, investigadora doObservatório Permanente da

Juventude, que faz parte do

Instituto de Ciências Sociais

(ICS) da Universidade de Lisboa."Esse valor é calculado com base

nos jovens (até aos 24 anos) quefazem parte da população ativa,o que corresponde a um terço".Ou seja, só 10% dos jovens emPortugal estão desempregados."O que não deixa de ser

gravíssimo." Os outros estão aestudar. Ou estão inativos. Ounão estudam nem trabalham.Por outro lado, "há zonascinzentas, que não são

explicadas pelas estatísticas",admite Pappámikail. "Há muitos

jovens que trabalham mas nadasabemos da qualidade dos seus

empregos. Quantos jovensqualificados não estarão em ca//centers? E há os que estão forade qualquer estatística. Conheçojovens que trabalham em cafése que não passam qualquerrecibo". Luísa Oliveira, cientistano Centro de Investigação e

Estudos de Sociologia do ISCTE,onde é especialista em trabalhoe coordena um projeto sobre

inovação empresarial, enaltece ainiciativa da Comissão Europeiaem dedicar €22 mil milhões

para o combate ao desempregojuvenil em Portugal e mais sete

países, mas vai dizendo que "o

problema de fundo mantém-se e

esse é o problema estrutural donosso tecido produtivo". A

investigadora diz que Portugalapresenta "taxas de desempregojuvenil de longa duraçãorelativamente elevadas, o que é

muito preocupante" e mostra"incapacidade de absorção do

desemprego". Tirar jovens dasestatísticas rapidamente é fácil,mas só se cria "empregopropriamente dito através demedidas de política dirigidaspara a modernização das

empresas. Isso leva tempo".MICAEL PEREIRA

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Um licenciado não suja as

mãos, por mais que queiraEva Monteiro tirou Filosofia.Sem emprego, decidiu sermecânica. Mas já não podefazer um curso profissional.Só porque é licenciada

Ter habilitações a mais para umemprego é uma frase batida naexperiência de milhares de diplo-mados que procuram trabalho.Já ter excesso de qualificações pa-ra poder tirar um curso e apren-der uma profissão é algo de mais

estranho e que Eva Monteiro, 26anos, licenciada e no desempre-go, nunca esperou ouvir.

"Nunca tive ilusões em relação aofacto de o curso de Filosofia não ga-rantir saídas profissionais. O que

nunca pensei foi que uma licencia-tura fechasse portas", diz. "Quesentido faz estar em casa a receberum subsídio de desemprego, emépoca de crise económica, quandopodia estar a meio de um curso

profissional e, quem sabe, já a tra-balhar? Como eu, há mais licencia-dos dispostos a explorar novas op-ções. Pessoas que sabem que o paístem poucos técnicos. Só" peço as

mesmas oportunidades que se dão

a quem estudou menos."Eva queria ter a oportunidade

de aprender mecânica, área quefoi sempre o seu sonho, mas quenão se atreveu a seguir, com tan-to conselho que recebeu em senti-do contrário.

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O. problema é que as> forma-ções profissionalizantes maislongas que existem (cursos pro-fissionais, de aprendizagem eeducação e formação de adul-tos) estão vedadas a quem játem mais do que o 12 Õ ano. Oque é um absurdo, alega Eva."Quem termina um curso profis-sional fica com uma certifica-ção profissional e pode concor-rer ao superior. Se isso aconte-cer, o resultado será o de umtécnico com carta profissionalque se torna licenciado. Que di-

ferença faz que eu, licenciada,tire um curso profissional? O re-sultado não é o mesmo?"

O presidente do Instituto de

Emprego e Formação Profissio-nal (lEFP), Octávio Oliveira, es-clarece que os licenciados podemsempre frequentar formaçõesmodulares, que permitem adqui-rir competências profissionaisnoutras áreas. Mas reconhece

que não está prevista a hipótesede uma pessoa com habilitaçãosuperior fazer uma outra forma-ção mais longa e de nível inferior.

"Estamos a falar de alguém emquem a sociedade já investiu, eutilizando recursos na sua valo-rização. É uma questão de equi-dade e gestão de meios. Mas ad-mito que deva ser equacionadae pensada. É um problema que

até há bem pouco tempo não ti-

nha a dimensão que hoje tem",esclarece Octávio Oliveira.

Sem saber disso, Eva, que morana Maia, foi tentando tudo, sem-

pre com um não como resposta."Não lhe será possível frequentaro curso de aprendizagem de Me-catrónica Automóvel de nível 4,dado ser licenciada, ou seja, de-tentora do nível 6", responde-ram-lho do lEFP.

Call centere salário mínimoAntes já tinha tentado o Centrode Formação Profissional de Re-paração Automóvel. Disse-ram-ihe que podia fazer as tais for-

mações modulares, mas que não

tinham aberto por falta de verbas.Restava o curso de Formação deFormadores. "Permitir-me-ia serformadora de Mecatrónica noscursos que me são vedados. Expli-caram-me que iria aprender tudoo que é ensinado nos cursos de for-mação inicial. Mas que não iriater a carteira profissional de Me-catrónica. Apenas a de formado-ra" — não pode ser mecânica, mas

poderia formar mecânicos. Foi ba-ter à porta de uma escola secundá-ria. A recusa de inscrição num cur-so profissional repetiu-se por játer o 12 a ano.

"O que pretendo é ser mecâni-ca numa oficina. Não quero o or-denado de engenheira. Quero

especializar-me em restauro decarros antigos, trabalhar numaárea prática nem que seja a mu-dar óleo. Um licenciado não su-

ja as mãos, por mais que quei-ra", lamenta.

O percurso de Eva começa co-mo o de tantos outros licenciados

que não encontram emprego(são já mais de 60 mil). Licencia-da em Filosofia, pela Faculdadede Letras do Porto, o primeiroemprego que arranjou foi numcall center. Seguiu-se um traba-lho num centro de línguas, ondetanto era explicadora como rece-cionista. Até que a crise bateu à

porta da empresa e foi dispensa-da. Está há seis meses desempre-

gada. Não por ser esquisita a pro-curar trabalho. Já concorreu pa-ra a linha de produção numa fá-brica. Foi recusada logo no princí-pio da entrevista, por excesso de

habilitações.Na semana passada, respondeu

a uma oferta para ajudante de

mecânico, trabalho de segun-da-feira a sábado e €485 de salá-rio. Está disposta a aceitar e ficarcom menos do que ganha hojecom o subsídio de desemprego(vai ter despesas de transporte)."Pode ser um sonho impossívelmas, no futuro, não quero olharpara trás e ver que não tentei."

ISABEL LEIRIAileiria @ expresso.impresa.pt

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IDEIAS & DEBATES

O MISTÉRIODICKENS

Duzentos anos depois do seu nascimento, Charles Dickens continuaa ser um dos autores mais levados ao cinema e à televisão, graças

ao genial e prolífico universo deste criador de personagens únicas, comoPickwick, David Copperfield, Oliver Twist, Scrooge ou Thomas Gradgrindl

Texto Valdemar Cruz

á ter lido os "Cadernos de Pickwick",de Charles Dickens, transformou-se

numa das maiores e mais intensas tris-

tezas de Fernando Pessoa. Sentia-se

afetado pela melancolia sem retornodo objeto violado. Até para um fingi-

Jdor,como o poeta, nunca mais seria

possível, ao ler o livro, recuperar as

sensações do primeiro encontro, revi-

ver o prazer da descoberta, voltar asentir a mesma perdição espantada por aquele hu-

mor sem sentido. Daí ter escrito no "Livro do Desas-

sossego": "Ter já lido os 'Pickwick Papers' é uma das

grandes tragédias da minha vida." E era-o de tal for-

ma que Pessoa, porventura para tentar amenizar o

sentido de desgraça contido naquela frase, fez dos

"Cadernos" um dos seus livros de cabeceira, ao qual,

presume-se, regressava com assiduidade.

Escritos em 1836, os "Cadernos de Pickwick", pu-blicados em fascículos, como quase todos os roman-ces de Dickens, foram um caso de sucesso imediato

e transformaram para sempre a vida de um homem

que três anos antes ainda andava a escrever gratuita-mente pequenas rábulas para uma revista chamada

"The Monthly". Tudo começou com um convite fei-

to a Dickens para criar uma série cómica, no essen-

cial destinada a acompanhar as gravuras de um artis-

ta muito conhecido na época. Sete semanas depoisdo desafio apareciam as primeiras entregas dos "Ca-

dernos" e nunca mais o mundo da literatura ociden-

tal foi o mesmo, tantas são as mudanças e inovaçõesassociadas ao labor literário de Charles Dickens.

Naquela altura estava já distante o miúdo que,

completados os 12 anos de idade, se vira forçado a

abandonar a escola para ir trabalhar numa fábrica

da zona industrial de Londres, onde cumpria jorna-das diárias de dez horas de trabalho, com uma pe-

quena pausa para comer e um salário de seis ou sete

xelins. O pai de Dickens fora preso por acumulaçãode dívidas, o que teve um impacto profundo na for-

mação da personalidade do filho mais velho de umafamília de classe média repentinamente exposta a

grandes dificuldades. Se é verdade que toda esta vi-

vência poderá ter sido o gérmen de "David Copper-field" (1850), recém-editado pela Relógio D'Água,não é menos certo que Dickens não só não ficou

preso à amarga condição de um eterno ressentido

com a sociedade como soube transformar a acumu-

lação de dinheiro num verdadeiro projeto de vida.

Os "Cadernos de Pickwick" são a viva demonstra-

ção desta dupla realidade. Iniciados em 1836 — o ano

em que se casou, aos 24 anos de idade, com Chateri-

ne Hogart, na igreja de St. Luke's, em Chelsea, então

um subúrbio de Londres —, marcam o ponto de vira-

gem a partir do qual Dickens começa a ficar rico,

Coordenação António Guerreiro II aguerreiro(ã>expresso. impresa.pt

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mas revelam também um escritor capaz de se diver-tir com uma sociedade que noutros romances escal-

peliza nas suas dimensões mais obscuras.

Editado em Portugal pela Tinta da China a abrir

a coleção Literatura de Humor, dirigida por Ricardo

Araújo Pereira, autor do prefácio, o livro deverá terem breve uma nova edição. Será um interessante

contributo para enriquecer as estantes das livrarias

portuguesas, vazias de Dickens. E, contudo, a procu-ra não para, e com toda a justiça, já que, como diz

Ricardo, "o livro transformou-se numa espécie de

estrela pop, superando em popularidade o seu au-tor". Numa das muitas leituras públicas desta obra,refere o humorista, "Dickens fez pequenas altera-

ções no texto. Um jornalista reparou e protestou no

jornal: 'Os 'Pickwick Papers' não podem ser melho-

rados. Nem mesmo pelo sr. Dickens.'"As leituras públicas constituíam uma das facetas

mais singulares da atividade de Dickens. Maria de

Lurdes Sampaio — professora na Faculdade de Le-

tras da Universidade do Porto (FLUP) e responsá-

vel, com Jorge Bastos da Silva, por uma iniciativa de

homenagem ao escritor, a realizar na próxima ter-

ça-feira, dia em que se comemoram os 200 anos do

nascimento de Charles John Huffman Dickens, na

qual se inclui uma exposição do fundo bibliográficoda FLUP com 100 títulos traduzidos ou originais,uma mesa-redonda sobre as escolhas de vários espe-cialistas e a exibição do filme "Tempos Difíceis", de

João Botelho, no Teatro do Campo Alegre — susten-

ta que terá sido Dickens "a inaugurar as leituras pú-

blicas", que o levavam a fazer grandes digressões.Arrastava multidões, em particular na América, on-de desencadeou uma intensa discussão sobre o des-

respeito pelos direitos de autor. O segundo périploamericano, em 1867, ter-lhe-á rendido 20 mil libras,o que, hoje, corresponderia a qualquer coisa como

1,6 milhões de euros. Depois de uma grande pobrezana infância e na adolescência, Dickens usufruía naidade adulta de invulgares condições de vida, ao pon-to de chegar a dizer que precisava de umas 9 mil

libras anuais (753 mil euros na atualidade) para sus-

tentar a sua numerosa família de mulher e dez filhos

e assegurar o estilo de vida a que estava habituado.Por isso prolongou as leituras públicas para lá

dos limites do razoável, com graves consequências

para a sua saúde. O problema é que aquele homem,

que até esteve para ser ator profissional, não resistia

ao apelo do palco e ao fascínio pelo aplauso público.Tratava-se de uma popularidade que, como explicaAbílio Hernandez, ex-pró-reitor da Universidade de

Coimbra, onde se doutorou em Literatura Inglesa,"não derivava de qualquer cedência do ponto de vis-

ta da escrita". Dickens prestava uma profunda aten-

ção "ao mundo dos mais pobres, dos mais injustiça-dos, dos mais frágeis, e o modo como relata as injus-

tiças e as discriminações contribuiu para criar esta

profunda ligação entre o povo britânico e o escritor,

que ainda hoje se mantém". A sua atualidade espe-lha-se no facto de, sublinha Abílio Hernandez, "es-

tarmos num tempo em que é possível reconhecer a

miséria, a injustiça, a opressão, o tratamento injustodos mais frágeis tal como Dickens retratava".

Como diz Maria de Lurdes Sampaio a propósitodo policial inacabado "O Mistério de Edwin Drood"

(1870), do qual nos anos 1930 o escritor Mário Do-

mingues (1899-1977) fez uma tradução/versão à

qual deu um final, "é fascinante o modo como Dic-kens consegue recriar todos aqueles antros do ópioe transmite o sentido do olfato, ao ponto de parecerque estamos lá". É essa sensação de pertença, de

imersão num mundo que parece estar ao alcance da

mão que explicará o facto de se contabilizarem mais

de 300 obras de cinema inspiradas em Dickens. Per-ceber esta presença constante e continuada do escri-

tor em diferentes universos ficcionais é seguramen-te um dos mistérios maiores, alimentados por umaverdadeira panóplia de biografias publicadas ao lon-

go dos tempos. São já mais de 100 desde a morte de

Dickens e todas procuram um novo detalhe, um no-

vo contributo, uma nova forma de penetrar no e ex-

por o universo criativo de um homem cuja grandiosi-dade nunca parou de ser reconhecida.

Há nele, sublinha Abílio Hernandez, "uma ex-traordinária capacidade para contar histórias, com-

por as personagens, criar espaços ficcionais vivíssi-

mos que se gravam na memória do leitor". Em 15

romances, criou, segundo o "Dicionário de Persona-

gens da Literatura Britânica", 989 personagens, em-bora alguns estudiosos indiquem 2000 personagens

para a totalidade da obra de Dickens.A primeira adaptação cinematográfica inspirada

num trabalho do autor de "Tempos Difíceis" data de

1897, tinha o cinema apenas dois anos. Trata-se, diz

Hernandez, de um filme mudo "que terá uns dois ou

três minutos e ficciona um trecho de 'Oliver Twist'muito centrado na prostituta Nancy Sikes". Antes de

chegar às longas-metragens, David Griffith realizou,em 1908, um filme muito curto, intitulado "After

Many Years". Quando Griffith perguntou aos colabo-

radores o que achavam, deparou com reações negati-

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vas, porque o enredo andaria de um lado para o ou-

tro. "Mas não foi isso o que Dickens sempre fez?",terá perguntado o realizador, recordado de como o

escritor sempre conjugava o enredo principal comvários subtemas. Possuidor de uma inesgotável capa-cidade de trabalho, ao ponto de em 1833 ter escrito

em simultâneo "Oliver Twist" e "Nicolas Nickleby",Dickens surgia aos seus contemporâneos como umhomem com duas facetas contraditórias. Podia serencantador e carismático e ao mesmo tempo vingati-vo e implacável. Após um casamento que classificou

de infeliz, separou-se de Catherine, não sem antes a

humilhar em público, e estabeleceu, aos 45 anos,uma relação com uma atriz 27 anos mais nova. Em

plena época vitoriana, numa Londres que é palco,cenário e personagem das suas obras, o romance foidurante longo tempo mantido em segredo.

A celebração dos 200 anos do nascimento do au-

tor de "A Christmas Carol" tem todas as condições

para se tornar o acontecimento literário do ano,com exposições, novas versões em cinema e em tele-

visão, biografias, ensaios, representações. NuncaDickens deixou de estar no imaginário popular. Oli-

ver Twist, Scrooge, David Copperfield, Jacob Mar-

ley, Pickwick, Bill Sikes, Florence Dambey, Uriah

Heep são apenas algumas das personagens que fica-

ram a fazer parte do quotidiano de milhões de leito-

res em todo o mundo. Algumas terão nascido duran-

te os intermináveis passeios noturnos de um ho-

mem que chegava a caminhar 30 quilómetros segui-dos pelas ruas de Londres, como fica patente no en-

saio "Night Walks".Charles Dickens morreu devido a uma hemorra-

gia cerebral, na sua casa de Kent, na tarde do dia 9de junho de 1870, aos 58 anos de idade, após mais

uma desgastante digressão de leituras públicas. Na

parte final da sua vida estava por vezes tão doente

que era necessário ajudá-lo a entrar e a sair do pal-co. Deixou por acabar "The Mistery of Edwin

Drood", o que poderá ser visto como a perfeita metá-fora do escritor que nunca partiu, por nunca o ciclo

se ter fechado. Nunca caiu no baú do esquecimento

e, se não há uma chave simples para entender umautor tão prolífico e multifacetado, fica no entanto a

certeza de que, muito mais do que o entertainer a

que alguns por vezes querem remetê-10, Dickens foi

um escritor testemunha de tempos difíceis. Soube

plasmá-los em histórias inesquecíveis sobre a vidade pessoas comuns. Nunca reduziu as narrativas à

condição de crónicas de um tempo. Da pena de Dic-

kens saíram as narrativas de todos os tempos. [email protected]

Dickens arrastava multidões para as suasleituras públicas, evitava frequentar os salõesda alta sociedade, dirigiu um reformatório einventou os livros de Natal como género literário

A celebração dos 200 anos do nascimentodo autor de "A Christmas Carol" tem todasas condições para se tornar o acontecimentoliterário do ano, com exposições, novasversões em cinema e em televisão,biografias, ensaios, representações

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Reitor da Católica defende aumento de propinas

¦ O reitor da Universidade Ca-tólica Portuguesa (UCP), Ma-nuel Braga da Cruz, apelou on-tem à "revisão do sistema de fi-nanciamento" do ensino supe-rior, defendendo um aumentodas propinas a pagar pelas famí-lias e um financiamento estatalbaseado na qualidade, e não em"critérios quantitativos"

No discurso da celebração doDia da UCP, que completa 45anos, e na presença do secretáriode Estado do Ensino Superior, 0 reitor Braga da Cruz

João Queiró, o reitor defendeu

que "a sociedade, as empresas,as famílias, e os estudantes têmresponsabilidades inalienáveis"e não podem empurrar "para as

costas do Estado a obrigaçãoquase exclusiva de financiar auniversidade".

Confrontado pelos jornalis-tas, João Queiró escusou-se aabordar o tema do financiamen -to do ensino superior. ¦ B.E.

@Mais informação emwww.cmjomal.pt

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COIMBRA

Produção de medicamento é histórica«O ministro da Saúde, Paulo Macedo, disse ontem que o

lançamento, pela universidade de Coimbra, de um radio-fármaco para o diagnóstico do cancro constitui um "mo-mento muito relevante" na História da saúde em Portu-gal. O ministro falava na apresentação do medicamento,onde esteve também o ministro da Educação, Nuno Crato,e o secretário de Estado do Ensino Superior, João Queiró.

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Facebook e TwitterRedes sociaisviciam mais quetabaco e álcool

Estudo. E mais difícil virar costas ao Facebookdo que a cigarros, vinho e café, diz sondagemNUNO CARDOSO

Redes sociais como o Facebook eo Twitter são mais viciantes do quetabaco ou bebidas alcoólicas. Se-

gundo revelou um estudo realiza-do pela universidade Booth Busi-ness School, de Chicago, nos EUA,é mais difícil resistir ao uso das re-des sociais e do e-mail do que aum copo de vinho, um café ou afumar um cigarro.

A sondagem, na qual foram in-quiridos 205 pessoas entre os 18 e

os 85 anos, realizou-se da seguin-te forma: os participantes foramcontactados, sete vezes por dia, ao

longo de sete dias, e questionadossobre que desejos estavam a ternaquele momento, e se consegui-ram ou não resistir aos impulsosde verificar as redes sociais, fumarum cigarro ou beber uma bebida.Foram feitos, no total, 1 1 mil con-tactos a essas 205 pessoas. Desses,sete mil tiveram resposta positivaao apelo dos desejos. A maioria re-

caiu, então, sobre o Twitter, o Face-book ovo e-mail.

"A vida moderna é uma confu-são de vários desejos, marcada porconflitos frequentes e pela resis-tência, esta última com um suces-so muito desigual. Dormir e ter re-lações sexuais foram as atividades

que mais pessoas confessaram de-

sejar, no final de cada dia, mas uti-lizar as redes sociais é o vício maisdifícil de resistir parao nosso universo in-quirido", explicouWilhelm Hofmann,responsável pelaequipa que elaboroueste estudo.

"Os desejos ine-rentes às redes so-ciais podem ser,comparativamente,mais difíceis de resis-tir por causa da sua alta disponibi-lidade ou até do seu fácil e livreacesso. Com os cigarros e o álcool,

por exemplo, existem mais custosenvolvidos - a longo prazo, os da

saúde, já para não falar nos mone-tários. A utilização excessiva dasredes sociais pode não ter conse-quências tão graves como o víciodo tabaco ou do álcool, mas é delembrar que, por seulado, rouba muitotempo à vida das

pessoas", explicou,ainda, o líder do gru-po californiano querealizou o estudo.

Como conclusãoparalela deste estu-do universitário, o

investigador norte-- americano adian-tou ainda que, à medida que o diae as horas vão passando, a força devontade humana diminui e o au-tocontrolo também. Ou seja, é noperíodo da noite que os cibernau-tas têm mais dificuldade em resis-tir aos apelos das redes sociais. "As

maiores falhas de resistência tive-ram que ver com os media. Por ou-tro lado, as mais de 200 pessoas in-quiridas conseguiram, relativa-mente bem, resistir a impulsossexuais ou de gastos financeiros, o

que não deixa de ser surpreenden-te, dada a gigante relevância queestas temáticas têm na culturamoderna. O baixo desejo relativa-mente ao álcool, ao tabaco e aocafé desafiam o estereótipo da de-pendência destes produtos, vistos

pela nossa sociedade como irresis-tivelmente fortes", afirmou Wi-lhelm Hofmann, em entrevista aojornal britânico The Guardian.

O Facebook, criado em 2004,tem 845 milhões de utilizadores. OTwitter já conta com 300 milhões.

Redes sociaissão desejadas

pela "altadisponibilidade

e fácil e livreacesso", diz autor

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O vício do Facebook já chega aos 845 milhões de utilizadores

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Espanha com medodos seis milhões

Com o fim da bolha imobiliária,que alimentava muitas outrasindústrias (como transportesou mobiliário), o desemprego subiua pique e ameaça bater recordes

O horizonte dos seis milhões de desempre-gados em Espanha não é hoje, à vista dosdados oficiais, uma quimera alimentadapor pessimistas crónicos. Para os especia-listas, já nem sequer há tempo para que o

efeito das reformas laborais que o re-cém-empossado Governo de Mariano Ra-joy está prestes a pôr em marcha neutrali-ze o imparável aumento do número de de-

sempregados.

O mais recente dado negativo foi já conhe-cido nesta semana: segundo o registo das

pessoas inscritas nos centros de emprego,em cada dia de janeiro perderam-se 9 mil

postos de trabalho e o número de trabalha-dores ocupados baixou, pela primeira vezem muitos anos, dos 17 milhões. Em 2011foram destruídos 600 mil postos de traba-lho. No final da semana passada, o Inquéri-to à População Ativa (EPA), considerado omelhor termómetro do mercado laborai es-

panhol, revelou que o país fechou 2011 comuma taxa de desemprego de 22,9% (quase5,3 milhões de desempregados).

Com este panorama, como é possível quenão se tenha ainda dado uma verdadeira ex-

plosão social? Segundo os especialistas, pe-la soma e interligação de três fatores decisi-vos: a solidez da estrutura familiar, que per-mite mecanismos de solidariedade funda-mentais; a existência de uma economia pa-ralela que chega, provavelmente, aos 23%do PIB regular; e a permanência dos siste-mas de cobertura que asseguram subsídios

de desemprego de até 18 meses, comple-mentados depois com prestações para de-

sempregados de longa duração, rendimen-tos de inserção social... O pior papel é de-

sempenhado neste drama pelo segmentomais jovem da população espanhola: umem cada dois jovens está sem trabalho(48,5%), mais do dobro da média europeia.

Ainda que os sistemas de medição tenhamvariado de forma radical desde então, é pre-ciso recuar a 1995 para encontrar em Espa-nha números parecidos. A partir daí, o apa-recimento da bolha imobiliária e a febre da

construção, tanto no sector privado comono público, produziu muitas ofertas de em-prego. Rebentada a bolha, chegou-se à trági-ca situação atual.

ANGEL LUÍS DE LA CALLE

correspondente em Madrid

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Docentes ganhamem tribunal

CONTRATADOS O Ministé-rio da Educação (MEC) jáperdeu cinco casos em tri-bunal relativos a professo-res que reclamaram pornão terem recebido a"compensação por caduci-dade do contrato". Este

pagamento, previsto nocódigo de trabalho, dei-xou de ser feito em 2011.O MEC alega que a contra-tação de docentes obede-ce a um regime especial.A Fenprof disponibili-za-se para apoiar mais re-clamações e lembra que,com cinco sentenças favo-ráveis, todos os professo-res nesta situação podemexigir pagamento.

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cinco mil profissionais de engenharia,

para suprir as lacunas que tem na

área, você não estará tão à vontade.

Com efeito, à medida que o desemprego

cresce nalguns países da Europa, outrohá que se fortalecem economicamente

e tem conseguido tornar-se aliciantes

para profissionais com perfil de carreira

global (ver caixa).E esses são para os especialistas

de recrutamento fáceis de detetar.

Um profissional global não tem barreirasde mobilidade, porque também não

as tem em termos linguísticos. Para lá

das qualificações alcançadas nos bancos

das universidades, o investimento sério

e atempado do domínio de pelo menos

dois idiomas estrangeiros faz maravilhas

pela carreira de qualquer profissional que

aspire a uma experiência internacional.

Não há países para a vidaNum mercado cada vez mais global,onde as empresas nascem já com

aspirações de internacionalização, há

muito que já não há nem empregosnem países para a vida. A experiênciade uma carreira internacional é cada

vez mais valorizada, a par com a

capacidade de fechar negócios e gerirou integrar equipas multinacionais,

com diversidade de idiomas.

Essa é a convicção de Álvaro

Fernandéz, líder da Michael Page

Portugal, especialista em recrutamento

especializado. O espanhol que há

alguns anos se rendeu ele também a

uma carreira no país vizinho, acredita

que "na atual conjuntura nacional,

os candidatos devem estar dispostos

a aceitar desafios que lhes permitamdesenvolver as suas competências e

networking" . Uma predisposição que

implica uma abertura à mudança e umavontade de adquirir novas competências

a cada dia. "Os profissionais devem

reciclar conhecimentos em áreas que

complementem a sua experiênciae que tenham real aplicação no

mercado de trabalho", adianda o

especialista, colocando grande ênfase

na aprendizagem de novos idiomas,

mesmo quando a meta não é mudar de

país. "Os cursos de línguas são hoje de

extrema importância. Cada vez mais

as empresas desenvolvem projetos

internacionais, onde o conhecimento

de um ou mais idiomas é requerido".A opinião é também partilhada porPaula Baptista, managing diretor da

Hays Portugal, para quem o domínio

de vários idiomas é já um requisito

indispensável para quem recruta numaaltura em que, "para um candidato,valorizar as suas softskills é tão

importante como perceber quais são,

as que lhe faltam, e desenvolvê-las".

E para Amândio da Fonseca, a atual

conjuntura económica do país é propíciaa esse investimento. O especialista em

recrutamento e administrador do Grupo

Egor, salienta que "a fase do desemprego,

que afeta muitos profissionais em

Portugal, deve ser encarada como um

período sabático de análise e reflexão

e uma oportunidade não apenas para

repensar o futuro mas também paraadquirir competências que alarguem o

acesso a novas oportunidades de carreira

e outros sectores ou mercados".

Para além das línguas mais comuns

como o inglês, o francês, o espanhol ou o

alemão, Fernandéz refere é importanteestar atento para o potencial muitointeressante dos idiomas de algumaseconomias emergentes. Portugal

goza de proximidade linguística com

Angola, Moçambique e Brasil queneste momento se posicionam como

economias em grande crescimento, com

enorme potencial de criação de empregoe inúmeras carências de talento que

os profissionais portugueses podem

ajudar a colmatar. Contudo, há outros

idiomas que estão a ganhar destaquenas escolas de línguas portuguesas.

Brasil, Angola, Alemanha, França,Suécia, Reino Unido, Noruega,Finlândia, Suíça e Holanda são

alguns dos países que estão a recrutar

portugueses e a oferta disponível nas

academias de idiomas nacionais, e

também nas diversas universidades

e institutos do país, comprova a

vontade dos portugueses em não

desperdiçar nenhuma oportunidade

por falta de qualificação.São inúmeros os cursos a funcionar

em horários pós-laboral, pensados

para quem trabalha e quer acrescentar

ao seu currículo novas competências

linguísticas. O russo, o italiano, o

norueguês, o sueco e o turco são alguns

dos idiomas que começam a suscitar

curiosidade entre os portugueses

que já elegeram a aprendizagemdo mandarim como uma ambição.Muito antes da maior potênciaexportadora do mundo começar a

fazer aquisições em território nacional,

já muitos institutos e universidades

promoviam a aprendizagem da língua,num regime de cursos livres.

O mandarim é a língua oficial da

China e é, segundo o Observatório

de Língua Portuguesa, a mais falada

em todo o mundo, totalizando 845milhões de falantes a nível global. Na

Faculdade de Letras da Universidade

do Porto, as turmas estão cheias e o

curso registou este ano a maior adesão

de sempre, sobretudo entre os perfismais jovens. Mas é também possível

aprender o idioma na Universidade

de Aveiro, na Universidade Nova de

Lisboa (que também tem curso de

árabe), na Universidade do Minho

(Instituto Confúcio) e no Centro

Científico e Cultural de Macau.

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Os países que acolhemos desempregados da EuropaCom taxas de desemprego que não param de subir, a vida

para os profissionais de alguns países da Europa não está

fácil e muitos optam por procurar oportunidades laborais

fora do país natal. Conheça os países que estão a acolher

os desempregados do sul da Europa e os idiomas em quevale a pena investir para potenciar novas oportunidades.• Albânia. O Lonely Planet considerou-o o primeiro lugara visitar no ano passado e a verdade é que o país tem-

se tornado bastante atraente para muitos emigrantes

europeus. São sobretudo os italianos e os gregos a aproveitaras oportunidades da Albânia, devido à proximidadeentre as duas nações. A língua oficial é o albanês.

• Alemanha. É um clássico da emigração europeia que atrai

profissionais de quase todos os países. Para muitos portugueses,

a língua oficial alemã é ainda um entrave difícil de ultrapassar.• Angola. O crescimento económico do país tem atraído

ao território profissionais de todo o mundo. A história e a

proximidade linguística colocam os portugueses em vantagemna corrida às oportunidades angolanas. Embora as línguas

nacionais sejam as línguas maternas da população angolana,

o português é a primeira língua da maioria dos angolanos.• Austrália. É outro dos clássicos da emigração europeia.Com uma economia forte, um Governo estável e uma qualidadee nível de vida bastante bons, a Austrália é há muito um país

convidativo para os europeus. A língua oficial é o inglês.

• Bélgica. A economia do país não é muito estável, mas a Bélgica

tem sabido captar a atenção de muitos profissionais europeus.O destino é muito procurado pelos gregos que procuramescapar à implosão económica e social do seu país. O holandês,

o francês e o alemão são as línguas dominantes, embora no país

exista também um número de línguas minoritárias não-oficiais.

• Brasil. A economia está em forte crescimento e os salários

praticados no Brasil já são mais altos do que em muitos

países da Europa ou dos Estados Unidos. Só nos primeirosseis meses do ano passado mais de 52 mil portuguesesrumaram ao Brasil em busca de oportunidadesde trabalho. A língua oficial é o português.• Canadá. Com uma política de acolhimento de estrangeirosmuito aberta, o Canadá oferece oportunidades de empregoe uma segurança que pode ser muito interessante

para os desempregados europeus. As duas línguasoficiais do país são o inglês e o francês.

• Chipre. Tal como a Albânia, o destino surpreende e pode

aparentemente parecer estranho para os europeus do sul.

Contudo, a proximidade com a Grécia e a Itália cada vez atraimais profissionais. As línguas oficiais são o grego e o turco.

• Israel. Com uma veia empreendedora notável, Israel

é um país recetivo a emigrantes. A sua economia e

as oportunidades laborais que gera em várias áreas

transformam-no numa oportunidade aliciante.As línguas oficiais são o árabe e o hebreu.

• Suécia. É o país nórdico com maior número de habitantes.

A Suécia exporta automóveis e tem uma economia muito

ligada à metalomecânica, equipamentos de comunicação

e derivados do papel. O idioma dominante é o sueco.

• Reino Unido. É um dos destinos mais apetecíveis paraos emigrantes europeus. Há oportunidades em áreas

tão distintas como a saúde, o ensino, a comunicação

ou as tecnologias. O idioma oficial é o inglês.• Turquia. Tal como Israel, a sua proximidade ao sul da

Europa transformam a Turquia num território muito

apetecível. O crescimento da sua economia também

é fator de atratividade. A língua oficial é o turco.

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A American School of Languages situada no

centro da cidade de Lisboa, tem uma longatradição e experiência no ensino de Inglês. A nossa

metodologia, baseada na prática continuada da

comunicação oral, tem provado ser a maneiramais eficaz para se aprender a falar uma línguaestrangeira de forma natural e descontraída.Os nossos professores, de origem norte-americana,são cuidadosamente seleccionados e possuemdiplomas internacionalmente reconhecidos. Um dos

nossos alunos fez questão de escrever isto sobre nós:

'(.-.) encontrei uma dinâmica equipa de professores,com um domínio perfeito dos melhores métodos de

ensino, e que respondem perfeitamente às minhasnecessidades de aprendizagem; encontrei aulas

com um método de ensino que aposta em intensa

conversação, sem esquecer, claro, a importânciafundamental que tem a aprendizagem da gramática;encontrei uma recepção calorosa, traduzida na

grande simpatia dos profissionais que nos recebem,

sempre com uma grande disponibilidade e atenção.

—> Exercício prático e continuado-» Comunicação oral-» Fluência e correcção na expressão oral— * Cursos trimestrais— » Turmas pequenas-> Horários até às 22h00-> Aulas aos sábados

Modalidades de Aulas• Inglês Geral (aulas individuais e em grupo)• Inglês para Crianças e Jovens

(aulas individuais e em grupo)• Inglês para Empresas

(aulas individuais e em grupo nas empresas)• Preparação para os testes: TOEFL, GMAT, GRE,

GED, SAT, etc.E ainda:

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Consórcio promoveintercâmbio de estágios

TEXTO MARIBELA FREITAS

Aprofundar

e fortalecer

a ligação entre o ensino

superior politécnico e o

mercado de trabalho através

da criação de estágios profissionais

em países europeus e recebendo

alunos estrangeiros em Portugal é o

grande objetivo a atingir com o recém-

criado Consórcio ErasmusCentro. Um

organismo que envolve desde instituiçõesde ensino superior a associações

empresariais e câmaras municipais.Os consórcios Erasmus destinados à

mobilidade de estágios foram lançados

pela Agência Nacional PRO-ALV

em 2007. Os formados até aquiem Portugal têm agregado apenas uma

instituição de ensino superior a um

conjunto de empresas. O recém-criadoconsórcio vai mais longe e é pioneiro em

Portugal na quantidade e diversidade

de entidades que envolve numa

região, nomeadamente: os Institutos

Politécnicos de Coimbra, Castelo Branco,

Guarda, Leiria e Viseu, 16 associações

empresariais, 41 empresas, cinco câmaras

municipais, seis associações da sociedade

civil e ainda uma parceria com o

Conselho Empresarial do Centro/Câmarade Comércio e Indústria do Centro. Um

modelo que fora de Portugal é muitoutilizado. "Desde o primeiro momento,este modelo pareceu muito mais

interessante e particularmente adequadoao ensino superior politécnico. Por um

lado, pela forte vocação que temos de

ligação aos empregadores nas várias

áreas de formação; por outro, porqueexiste no politécnico a vontade política e

a consciência relativamente às virtudes

e benefícios que se podem retirar da

convergência de sinergias entre as várias

instituições", explica Maria João Cardoso,

vice-presidente do Instituto Politécnico

de Coimbra (IPC), entidade que vai

gerir o consórcio nos próximos dois

anos e coordenadora deste consórcio.

Este ano, a oferta será de 230 estágios

e os países de destino previstos são a

Áustria, Alemanha, Bélgica, República

Checa, Dinamarca, Estónia, Espanha,

França, Finlândia, Grécia, Itália, Holanda,

Noruega, Polónia, Roménia, Reino Unido,

Turquia, Hungria, Chipre, Letónia,

Luxemburgo, Eslovénia, Irlanda e Suécia.

"Com as previsões de que já dispomos,

uma vez que nesta altura estão concluídas

as fases de candidatura e seleção, iremos

alcançar um nível de 100% de execução",refere a vice-presidente do IPC. Quantoaos estudantes a receber a candidatura é

elaborada em termos de paridade, isto

é, as entidades envolvidas dispõem-se

a receber estudantes europeus paraestágio em número idêntico aos

enviados. Acrescenta Maria João

Cardoso que "a larga maioria destes

estágios são curriculares e, portanto,trata-se de formação, mas em contexto

de trabalho. Uma experiência emambiente de trabalho num país

europeu implica a aquisição de

competências muito valorizadas pelos

empregadores na economia globaldos nossos dias". Acrescenta que

adquirem competências linguísticas,de responsabilidade e autonomia na

resolução de problemas, de integração

em modelos organizativos diferentes,de relacionamento interpessoal

e intercultural que constituem,

entre outras, ferramentas valiosas e

reconhecidas no mercado de trabalho.A esta iniciativa podem concorrer os

alunos matriculados nos institutos

politécnicos envolvidos no consórcio,

tanto para estágios curriculares

integrados no curso como não. Nesse

caso será considerada uma atividade

extracurricular, que será registada

como suplemento no diploma.mfreitas.externo(ã)impresa.pt

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Ensino superiorcom 750 patentesDe acordo com um estudo

desenvolvido no departamento de

Produção e Sistemas da Escola de

Engenharia da Universidade do

Minho (UM), existem cerca de 750

patentes tecnológicas registadas

pelas universidades e politécnicos

portugueses no Instituto Nacional

de Propriedade Industrial. A UMestá nas três entidades que mais

registam, mas é a academia com

mais patentes rentabilizadas

em contexto empresarial.

Page 36: Ferrand Professor Faculdade de Ciências do Sucesso na ... · ENTREVISTA Nuno Ferrand Professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto "Sucesso na ciência

Crato admitereduçãode alunoscom bolsa

Ensino superior

O ministro da Educação e daCiência, Nuno Crato, afirma nãohaver números certos quanto aosalunos do ensino superior que fi-caram sem bolsa, mas admite quehaja alguns, devido à entrada dos50% de sucesso, ou seja, que pas-saram pelo menos a metade dascadeiras" nos factores de atribui-ção. Sublinha ainda que o valormédio das bolsas atribuídas estáa ser superior ao do ano passado.Nuno Crato esteve ontem emCoimbra, na apresentação do me-dicamento desenvolvido pelaUniversidade, e no final da ceri-mónia foi abordado pelo presi-dente da Direcção-Geral da Asso-ciação Académica de Coimbra,Ricardo Morgado. "Aja, sr. minis-tro", pediu o líder dos estudantesrelativamente às bolsas, a que Nu-no Crato respondeu que o Minis-tério está tão preocupado comoos estudantes. "Vamos trabalharem conjunto, como sabe as bolsasestão ainda a ser distribuídas e

houve um grande empenho nos-so", assegurou, joão pedro campos

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Observatório reúne pais,escolas, câmaras e docentes

• A Universidade Lusófona e a Uni-versidade de Coimbra juntaram-separa criar um Observatório de Polí-ticas de Educação e Formação, queé oficialmente lançado hoje juntodos parceiros que pretende envol-ver: pais, sindicatos, autarquias eescolas.

O organismo, resultante de um pro-tocolo entre o Centro de Educação daUniversidade Lusófona e o Centro deEstudos Sociais da Universidade deCoimbra, é coordenado por especia-listas das duas instituições, Ana Be-navente e Paulo Peixoto.

"Vamos começar com a educaçãoescolar, procurando constituir umarede de escolas que sejam os nossos

parceiros no terreno de análise das

políticas, das suas concretizações e

consequências, mas também quere-mos trabalhar com outros parceiros,como os Centros Novas Oportunida-des, o Ensino Superior, a educaçãopara a saúde, mas tudo isto vai terde se fazer em diferentes fases", ex-

plicou ontem à agência Lusa a ex-se-cretária de Estado da Educação AnaBenavente.

O Observatório terá uma equipa de20 investigadores e vai proporcionarencontros e seminários com váriosagentes, sendo o primeiro hoje, emLisboa. O objectivo é conhecer, ana-lisar e divulgar os resultados porque,como diz Ana Benavente, "há muitodiscurso", mas "pouco trabalho fun-damentado que passe as paredes daacademia". Ao contrário do extintoObservatório das Políticas Locais de

Educação, criado no mandato de Ma-ria de Lurdes Rodrigues, este "nadatem a ver com o Governo", esclareceua investigadora. "Esse foi um períodoem que estive menos atenta porquediscordava em absoluto de tudo o queestava a fazer-se na educação, nome-adamente em torno da avaliação dos

professores, mas sei que houve muita

parra e pouca uva", acrescentou."Este é um observatório que vai

avançar devagar, é de natureza aca-démica, mas tem como objectivoabrir a todos os parceiros educativos,às escolas, aos autarcas, aos sindica-tos, a movimentos pedagógicos, aosCentros Novas Oportunidades e a jo-vens", especificou. A equipa que vaicoordenar pretende fazer todos osanos uma publicação que dê contado trabalho com os parceiros.

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Estudo mostra que mortes por maláriasão quase o dobro do previsto pela OMSRomana Borja Santos

Os investigadores sublinham

que falar em erradicação damalária a curto ou médio

prazo é impossível

• "Prudência com a palavra erradi-cação". Para a investigadora portu-guesa do Instituto de Medicina Mo-lecular da Faculdade de Medicina daUniversidade de Lisboa Maria Motaesta é a principal conclusão a retirardo estudo norte-americano que aca-ba de ser publicado na revista cientí-fica Lancet e que revela que cerca de

1,24 milhões de pessoas morreramcom malária em 2010 - um númeromuito superior às piores estimativasda Organização Mundial de Saúde(OMS), que apontavam para 655 milmortes, o que indicaria que a doençaestava a ser controlada.

Ainda assim, o estudo agora publi-cado reconhece que os números damalária têm vindo a cair nos últimosanos. O trabalho, que foi patrocinadopela fundação Bill e Melinda Gates,baseou-se num modelo matemáticonovo e que acompanhou os núme-ros da patologia desde 1980 até 2010.E concluiu que, a nível mundial, as

mortes passaram de 995 mil em 1980

para 1,82 milhões em 2004, tendo porisso os 1,24 milhões de 2010 repre-sentado, mesmo assim, uma quebra.

Maria Mota, directora da Unida-de de Malária do Instituto de Medi-cina Molecular, salienta ao PÚBLICO

que tanto o estudo como os dados daOMS são estimativas. A investigadoraafirma, contudo, que a evolução dotrabalho feito com a patologia temsido "positiva", mas destaca que "a

palavra erradicação tem sido referidacom alguma leveza", pelo que acredi-ta que o estudo agora publicado vaiajudar a recentrar as atenções nesta

doença que pelas suas múltiplas for-

mas dificulta o trabalho no terreno.Nove em cada dez casos de malária

são provocados pelo mais perigosodos parasitas, o Plasmodium falci-

parum. Para o contagio, e precisoque um mosquito que tenha pica-do alguém infectado com o parasitapique, em seguida, alguém que nãoesteja doente. Ataques de febre, mal-estar generalizado e dores de cabeçasão alguns dos sintomas que carac-terizam esta doença.

O trabalho da Lancet, que foi co-ordenado por Christopher Murray,da Universidade de Washington,em Seattle, refere que, apesar dasmelhorias, o cenário continua a ser

negro: a maioria das mortes em Áfri-ca registou-se em crianças, mas osnúmeros em adolescentes e adultostambém foi pior que o esperado. Os

investigadores sublinham que falarem erradicação da malária a curto oumédio prazo é impossível, estimando

que só depois de 2020 se consiga des-

cer o número de vítimas mortais paravalores inferiores a 100 mil.

Ao todo, registaram-se mais 433mil mortes em crianças com maisde cinco anos e em adultos do que aOMS estimou. "Nas escolas médicas,aprende-se que as pessoas expostasà malária ainda enquanto criançasdesenvolvem imunidade e raramentemorrem com a doença como adul-tos", afirma Christopher Murray, ci-tado pela BBC, para depois explicarque os dados recolhidos contrariamesta ideia. Para Maria Mota, esta éuma das principais ideias-chave tra-zidas pelo estudo e que demonstra

que é preciso estar atento também às

camadas mais velhas da populaçãoe pensar em novas linhas de investi-

gação. Por outro lado, alerta que acrise financeira não deve reduzir a

prevenção no terreno: "Os estudosmostram que, quando se deixa o ter-reno, doenças como a malária voltamem força".

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A maioria das mortes em África registou-se em crianças

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Debate O sector da Saúde no Portugal da crise

As teias de um poder em espiral

MariaJoãoAvillezJornalista

Resolvi

pôr-me a olhar para a "Saúde" comose me tivesse sentado num banco de jardim aolhar as flores dos canteiros: com vagar. Mascom uma certeza na cabeça: é a pior pasta mi-nisterial, a mais difícil, mais dura, mais expos-

ta. Por natureza a mais "delicada", por definição a maistransversal. Maior palco de interesses cruzados não se

encontrará, e lobbies mais ricos e poderosos também não.O ministro, claro, vai por arrasto: seja ele quem for, defora ou de dentro, tenha a formação, a cor e o curriculaque tiver, é sempre para abater. Basta lembrar o que nãoé, aliás, fácil de esquecer: a Saúde é o segundo maiorempregador do Estado português, num universo do qualdependem directamente mais de 125.000 pessoas.

Com este ponto de partida, é quase preciso ser-se umherói, talvez um louco, em todo o caso o mais devota-do patriota, para aceitar viver em regime de via-sacracontínua. De resultado garantidamente duvidoso e às

vezes infelicíssimo: veja-se o destino humilhante de gentecheia de razão, como foi o caso, há muito tempo, maseu lembro-me bem, de Leonor Beleza. E de Correia de

Campos, mais recentemente. Não sei o que pensa PauloMacedo, mas a sua actual vida torna-o a meus olhos umaespécie de combatente emfull time e apeemo-nos no Ser-

viço Nacional de Saúde (SNS). Sobre o qual se

escreve habitualmente ao viés, por ignorância,é certo, mas se formos aos valores financeirosenvolvidos recebe-se, de volta, outra das cha-ves do enviesamento: interesses, interesses,interesses, instalados ou acabados de instalar.Nem sempre? Muitas vezes.

Em 2009, a despesa total na área da Saúdefoi de 18,2 mil milhões de euros, dos quais cer-

ca de 2/3 correspondem a despesa pública (SNS, ADSEe benefícios fiscais e outros de menor importância). Em2010, o SNS teve um custo total de 9.600 milhões de euros.Eis à cabeça um conjunto de algarismos que não só ator-doará qualquer cidadão normalmente constituído comoradiografa com amável transparência a vertiginosa espiralde ambições que desses mesmos algarismos fatalmenteirradiará. Sendo a natureza humana o que é, númerostão avassaladores não podem deixar de gerar avassalado-res apetites. Para se perceber melhor isto, valerá a penadescodificar a distribuição dos 9600 milhões de euros de

despesa do SNS: 45/50% com pessoal, médicos e outrosprofissionais de saúde; 30% com medicamentos; 10% com

contratação de serviços privados de meios complemen-tares de diagnóstico e terapêutica; 5% com transportes e

parcerias público-privadas; e 5 % com "diversos".

Daqui a concluir que quanto maiores forem os interesses,mais poderosos serão os interessados e maior o seu podernegociai, o passo é ágil. Chocante? Não inteiramente. Proi-

bido, não. Ilegal? Em princípio, também não, e era aquique eu queria chegar para que não se confundam planosnem princípios: parece-me absolutamente expectável quequem depende da despesa pública para manter viva a sua

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empresa ou viçoso o seu produto, defenda os seus interes-

ses, actuando e intervindo neles. Em português corrente:

que puxe legitimamente a brasa à sua sardinha.O pior, porém, é o que está para além da fronteira dessa

legitimidade, o que cai para lá da margem do pequeno,médio, grande ou descomunal abuso. Da mera "cunha"à corrupção mais venal pode caber muita coisa e bastaolhar-se o espelho dos media: certas "decisões" governa-mentais dadas à estampa como verdadeiras mas afinalfalsas; números que surgem como reais e são mera ficção;"notícias" comentadas com indignada veemência quandonão passam de convenientes falsidades. Como seguramen-te em mais nenhum outro sector da administração pública,por detrás do tráfego dos lobbies, quando ele é venal, teráde estar a disponibilidade dócil de alguns (escrevi alguns)media: a vitória dos interesses duvidosos é directamenteproporcional ao caudal da desinformação.

A saúde é um poder em espiral tendo no alto os chama-dos "profissionais de saúde", com os médicos à cabeça,e quem não precisa de um clínico e quem não vai ao mé-dico? Dos influentes - no poder, na política, nos media,na sociedade - aos desvalidos, passando pela classe alta,média e baixa, vai toda a gente e os médicos sabem-no.

Idem com as farmácias e a poderosa indústria farma-cêutica. Quem duvida de como - sem quebra nem cansa-

ço - elas "investem" em variados instrumentos de pressãojunto do poder político?

Last but not least, as empresas privadas de meios com-plementares de diagnóstico dependem, como se sabe, do

SNS, sobretudo nas análises, hemodiálise, imagiologia e

por aí fora. E se não ponho em causa a excelência dos cui-dados prestados, não esqueço que a hemodiálise - parasó dar este exemplo - é dominada por duas grandes mul-tinacionais. Pecado? Não, outra vez, e que fique claro quenão. Lembro apenas que a articulação entre o poder deuma multinacional de cuidados de saúde com a total de-pendência desses cuidados - sobretudo num caso de vidaou de morte, como pode ser a necessidade de hemodiálise

- exige, ou devia exigir, o compromisso da transparênciae da seriedade de processos. À partida, não duvido nemde uma nem de outra, mas gostaria que, à chegada, fosseclaro para todos que continua a ser assim.

E depois há ainda aqueles grupos de interesses, de me-nor relevo e, por isso, menores valores envolvidos. Mas,paradoxalmente, de grande influência política e capacida-de de actuação por esse país fora. Com fortes ligações às

estruturas locais dos partidos, repare-se - é até divertido deobservar! - como os principais "protagonistas" da "terra"pertencem à vez - ou em simultâneo - aos "bombeiros", às

autarquias, às Misericórdias (que operam em hospitais cujaviabilidade económica está, para o bem e para o mal, muito

dependente de acordos celebrados com o SNS). Pequenase médias redes de pequenos e médios interessezinhos apa-rentemente inocentes, aparentemente inócuos, mas afinal

quantas vezes pouco inócuos e nada inocentes.E quando tudo isto - os interesses e os interessados - se

digladia entre si, publicamente, visivelmente, audivelmen-te? Aí percebemos que, à beira de um ataque de nervos,já se podem ter ultrapassado as margens de abuso paraentrar na zona de "perigo", ocorrendo depois sombrios

espectáculos no palco do país: não há muito tempo, eraver a Ordem dos Médicos a digladiar-se com a Ordem dosFarmacêuticos a propósito, et pour cause, dos genéricos.

Um mundo kafkiano, dir-me-ão? Um universo condena-do de tão contaminado? Dizem-me que Paulo Macedo está

a tentar abrir um caminho por entre tais avenidas e alame-das. Não sei. Outros afirmam que "lá vai levando a água aoseu moinho". Não sei que água nem que moinho.

Sei, isso sim, é que a Saúde - que ele certamente tenta-rá "operacionalizar", "racionalizar", "organizar", comooutros governantes antes de si - não pode ser vista nemavaliada se não se tiver em conta o pano de fundo a quealudi. Se se olhar bem e com vagar para essa paisagem,percebem-se subitamente muitas coisas, de que as difi-culdades dos ministros da Saúde, sendo ciclópicas, nãosão sequer as maiores.