Fernando Pessoa -...
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A Poesia Heterônima
• O problema daheteronímia é, sem dúvida,um mistério instigantequando se estuda a obrade Fernando Pessoa. Cadaum dos heterônimos nadamais é do que entidadeúnica, com personalidadee vida próprias, além deestilos e visões de mundoautônomas.
• Os heterônimos refletem,indiscutivelmente, umamultiplicidade naunidade, já que secompletam e se unem aopróprio criador: FernandoPessoa.
• Fernando Pessoa procurou multiplicar-se através de outros
eus (os heterônimos), para
melhor sentir ou enxergar a realidade
e a totalidade do mundo que o
cercava
• Seus principaisheterônimos foramAlberto Caeiro, RicardoReis e Álvaro deCampos, para os quais oautor criou umabiografia própria, obrascom características bemdefinidas, estilopessoal, personalidadee até mapasastrológicos paraanalisar a personalidadede cada um deles.
Alberto Caeiro
• A poesia de Alberto Caeiro é marcadapor uma simplicidade formal evocabular extremas, pois é um homemsimples, um poeta da natureza, queenxerga o mundo como um reflexo de simesmo, ou seja, da própria natureza enão do pensamento. Não é à toa que échamado de “poeta camponês”.
• Sua poesia é resultado do sensacionismo e nãodo pensamento, daí a negação completa dametafísica por parte de Caeiro: Porque pensar énão compreender... Desse modo, resulta de suaobra um realismo sensorial que o faz negarqualquer metafísica. Caeiro retira os disfarcespara desvendar a realidade de todas as coisas.Apesar de ser contra o pensamento e favorável àssensações, é considerado um “poeta filósofo”,que de forma paradoxal, acabou criando umaantifilosofia, uma filosofia da negação da própriafilosofia:
Sensacionismo x Sensorialismo
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?Sei lá o que penso do mundo!Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das cousas?Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?Que tenho eu meditado sobre Deus e a almaE sobre a criação do Mundo?
(...)
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida e toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez para eu o ver,Sol e luar e flores e árvores e montes,Se ele me aparece como sendo árvores e montesE luar e sol e flores,É que ele quer que eu o conheçaComo árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,Como quem abre os olhos e vê,E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,E amo-o sem pensar nele,E penso-o vendo e ouvindo,E ando com ele a toda a hora.
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
(...)
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
O paganismo é o centro das atenções de Caeiro
• Entretanto, seu paganismo “não representa uma fé, mas
uma visão intelectual da verdade”. Nem filosofia, nem religião, no sentido em que conhecemos uma e outra.
VI
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...
• Era um amante da cultura clássica , um estudiosode latim, grego e mitologia.
• Esses traços biográficos explicam as inquietaçõesque marcam a poesia de Ricardo Reis e que fazemdele um poeta de inspiração neoclássica,horaciano na constante preocupação de “gozar omomento” (o que nos remete ao carpe diemhoraciano). A vida se resume a breves momentos,a instantes volúveis; “ gozar o momento”significa, aqui, estar atento a tudo o que a vidanos oferece, mas viver serenamente, semexcessos.
• É o poeta clássico, daserenidade epicurista, queaceita, com calma lucidez, arelatividade e a fugacidadede todas as coisas. Estediscípulo de Caeiro aceita aantiga crença nos deuses,enquanto disciplinadora dasnossas emoções esentimentos, mas defende,sobretudo, a busca de umafelicidade relativa alcançadapela indiferença àperturbação.
• A filosofia de Ricardo Reis éa de um epicurismo triste,pois defende o prazer domomento, o “carpe diem”,como caminho dafelicidade, mas sem cederaos impulsos dos instintos.Apesar deste prazer queprocura e da felicidade quedeseja alcançar, consideraque nunca se consegue averdadeira calma etranquilidade – ataraxia.
• O tempo passa,Não nos diz nada.Envelhecemos.Saibamos, quaseMaliciosos,Sentir-nos ir.
Não vale a penaFazer um gesto.Não se resisteAo deus atrozQue os próprios filhosDevora sempre.
Os temas de Ricardo Reis também são consagradamente clássicos, como podemos perceber
pelo texto que segue:
Aos Deuses
Aos deuses peço só que me concedam
O nada lhes pedir. A dita é um jugo
E o ser feliz oprime
Porque é um certo estado.
Não quieto nem inquieto meu ser calmo
Quero erguer alto acima de onde os homens
Têm prazer ou dores.
Paganismo
• Os deuses a que se dirige o sujeito lírico são asdivindades do paganismo greco-romano.Ricardo Reis é, segundo ele mesmo, umpagão: acredita nos deuses antigos e adotapontos de vista e formas de comportamentobaseados na mundividência dos antigosgregos e romanos.
Essa atitude existencial combina elementos de duas correntes filosóficas da Antiguidade Clássica:
o epicurismo e o estoicismoEPICURISMO
• Corrente filosófica criada pelo filósofogrego Epicuro, segundo a qual, ohomem deveria fazer da própria vidauma busca constante do prazer. Asabedoria seria compreender que oprazer provém da satisfação dosdesejos naturais e básicos e não dodesregramento e do exagero. Comequilíbrio e tranquilidade, usando ossentidos para conhecer o mundo e arealidade e aprendendo a cultivaruma existência saudavelmentedesprovida de grandes paixões queacabam acarretando grandessofrimentos), o ser humano atingiria afelicidade, traduzida num espíritosereno
ESTOICISMO
• Segundo esta filosofia, aNatureza é justa edivina e a sabedoriaconsiste em aceitar odestino e conservarsempre a serenidade –mesmo diante da dor edas adversidades davida.
Não há tristezasNem alegriasNa nossa vida.Assim saibamos,Sábios incautos,Não a viver,Mas decorrê-la,Tranquilos, plácidos,Tendo as criançasPor nossas mestras,E os olhos cheiosDe Natureza ...
Colhamos flores.Molhemos levesAs nossas mãosNos rios calmos,Para aprendermosCalma também.Girassóis sempreFitando o sol,Da vida iremosTranquilos, tendoNem o remorsoDe ter vivido.
1ª FASEO que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
2ª FASE• Álvaro de Campos, além decelebrar o triunfo damáquina, da energiamecânica e da civilizaçãomoderna, canta também osescândalos e corrupções dacontemporaneidade, emsintonia com o futurismo. Oideal futurista em Álvaro deCampos faz com que ele sedistancie do passado paraexaltar a necessidade deuma nova vida futura, ondese tenha a consciência dasensação do poder e dotriunfo.
ODE TRIUNFAL
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza
disto,Para a beleza disto totalmente desconhecida dos
antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!Em fúria fora e dentro de mim,Por todos os meus nervos dissecados fora,Por todas as papilas fora de tudo com que eu
sinto!Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,De vos ouvir demasiadamente de perto,E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um
excessoDe expressão de todas as minhas sensações,Com um excesso contemporâneo de vós, ó
máquinas!
• Contudo, o seu sensacionismodistingue-se do seu mestreAlberto Caeiro, na medida emque este considera a sensaçãocaptada pelos sentidos comoa única realidade, mas rejeitao pensamento. O mestre, coma sua simplicidade eserenidade, via tudo nítido erecusava o pensamento parafundamentar a sua felicidadepor estar de acordo com aNatureza; já Campos,sentindo a complexidade e adinâmica da vida moderna,procura sentir a violência e aforça de todas as sensações("sentir tudo de todas asmaneiras").
Ah, poder exprimir-me todocomo um motor se exprime!
Ser completo como umamáquina!
Poder ir na vida triunfante comoum automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-mefisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-mecompletamente, tornar-mepassento
A todos os perfumes de óleos ecalores e carvões
Desta flora estupenda, negra,artificial e insaciável!
A maravilhosa beleza das corrupçõespolíticas,
Deliciosos escândalos financeiros ediplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,(...)
Notícias desmentidas dos jornais,Artigos políticos insinceramente
sinceros,(...)Como eu vos amo a todos, a todos, a
todos,Como eu vos amo de todas as
maneiras,Com os olhos e com os ouvidos e com
o olfatoE com o tacto (o que palpar-vos
representa para mim!)E com a inteligência como uma antena
que fazeis vibrar!Ah, como todos os meus sentidos têm
cio de vós!
3ª fase• Esta fase caracteriza-se por uma incapacidade de
realização, trazendo de volta o abatimento. Opoeta vive rodeado pelo sono e pelo cansaço,revelando desilusão, revolta, inadaptação, devidoà incapacidade das realizações. Após um períodoáureo de exaltação heroica da máquina, Álvaro deCampos é possuído pelo desânimo e frustração.Parece apresentar pontos comuns com a 1.ª fase- a decadentista -, contudo, há que sublinhar quea intimista traduz a reflexão interior e angustiadade quem apenas sente o vazio depois dacaminhada heroica.
• Em Lisbon revisited (1923), o poeta debate-se com ainexorabilidade da morte, desejando até morrer ("Nãome venham com conclusões! / A única conclusão émorrer."). Recusa a estética, a moral, a metafísica, asciências, as artes, a civilização moderna, apelando aodireito à solidão, apontando a infância como símboloda felicidade perdida ("Ó céu azul - o mesmo da minhainfância - / Eterna verdade vazia e perfeita!").
• Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, umincompreendido ("O que há em mim é sobretudocansaço -"; "Três tipos de idealistas, e eu nenhumdeles: / Porque eu amo infinitamente o finito, / Porqueeu desejo impossivelmente o possível"). A construçãoantitética destes versos é, sem, dúvida, o espelho dointerior fragmentado do poeta.
• LISBON REVISITED (1923)
Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas
completos, não me enfileirem
Conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu,
das ciências!)
Das ciências, das artes, da civilização
moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Ó céu azul – o mesmo da minha infância –,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.