Feng shui ernest j eitel

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Representação Chhing antiga da seleção do local de uma cidade; o geomante consulta sua bússola magnética.

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 1 - INTRODUÇÃO 2 - AS LEIS DA NATUREZA 3 - AS PROPORÇÕES NUMÉRICAS DA NATUREZA 4 - O SOPRO DA NATUREZA 5 - AS FORMAS DA NATUREZA 6 - A HISTÓRIA E A LITERATURA DO FENG-SHUI 7 - CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA SOBRE FENG-SHUI

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APRESENTAÇAO

O termo 'Feng-shui" (pronuncia-se "Fong-suei") significa, em chinês,

"vento-água". Designa a geomancia tradicional chinesa em sua forma e aplicação prática de rabdomancia; isto é, a detecção, por regras e sinais e por uma percepção extra-sensorial do rabdomante, das energias telúricas de um local, ou edifício, e a utilização vantajosa das boas energias, ou o modo de evitar ou cancelar as energias telúricas negativas. Esta arte, ou, mais precisamente, ciência esotérica de rabdomancia, é principalmente transmitida (como tudo que é esotérico) oralmente, de mestre a discípulo, desde o princípio dos tempos. A codificação e sistematização de regras em livros (mesmo entre os clássicos chineses, há pouco material direta e explicitamente referente ao "Feng-shui") é fenômeno secundário. O conhecimento esotérico é uma ciência sempre viva, e só pode ser adquirida por quem tem, ao menos em estado latente, a vida espiritual, ou verdadeira vida (daí a necessidade de um mestre, ou guru para despertá-la em quem a tem só em estado latente, ou embrionário). Esta vida espiritual, ampliada e intensificada pela transmissão do conhecimento do guru ao discípulo, dá a intuição que complementa e termina, no caso específico que consideramos, a ciência e a prática do "Feng-shui".

O livro que o leitor tem em mãos foi o primeiro livro ocidental a tratar deste assunto. Se na China há poucos livros sobre Feng-shui, o que não dizer do Ocidente? O Reverendo E. J. Eitel, da "London Míssionary Socíety", ao ser designado como missionário para a China, estudou e escreveu sobre budismo, mas seu renome continua até hoje corno a primeira autoridade européia em Feng-sliui.

Sua obra, na época (primeira edição: 1873, pela Trübner & Co.) só teve paralelo na de J. J. M. de Groot, administrador colonial holandês, em seu monumental "Sistema Religioso da China".

De fato, as primeiras referências por escrito que o Ocidente recebeu sobre esta misteriosa arte de interagir com as energias telúricas foram através dos missionários enviados ao Oriente, e só no séc. XIX. À parte o livro específico do Rev. Eitel, há um artigo ainda anterior, pioneiro, do Reverendo Yates.(1)

O Reverendo Eitel sem dúvida foi meticuloso na descrição da antiga ciência, e devemos reconhecer que deve ter penetrado o seu espírito, e reconhecido em seu íntimo, o valor de ao menos alguns de seus aspectos. Mas enquanto inglês preconceituoso, fortemente imbuído pela educação européia, na época mais do que nunca fortemente marcada pelo iluminismo, e em plena era do positivismo, hesitava em adotar incondicionalmente uma ciência como o Feng-shui, totalmente dirigida pelo misticismo. Para salvar as aparências, colocava-se como relator crítico de uma curiosa superstição de um povo bárbaro. É curioso notar a atitude de auto-afirmação do cientificismo europeu da época, em considerar tosco e bárbaro tudo que não derivasse da tradição greco-latina, e do último rebento do aristotelismo: o positivismo.

Nos contatos iniciais entre ocidentais e chineses, um tema tão especial quanto o Feng-shui nem aparecia em meio à perplexidade que uma parte exercia sobre a outra, mas no século passado, que já apresentava comunidades de ocidentais bem enraizadas em várias metrópoles chinesas, a convivência com os chineses levou os ocidentais a observarem mais de perto as "superstições" e estranhos costumes daquela tribo tida como na infância da civilização. Daí aparecerem referências fugazes, mas nunca explicadas, à ciência do Feng-shui, até espicaçar a curiosidade dos letrados ocidentais,

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que por fim começaram a publicar suas doutas conclusões sobre o folclore e as crenças "anticristãs" dos pagãos a quem pretendiam civilizar.

É bem diferente a atitude de nossos dias. Começa a soprar o vento da Era de Aquário, a nova forma de eterno sopro do Espírito. E assim o Ocidente vem construindo a sua ponte para o Oriente, apagando-se o que ainda não faz um século se considerava, de parte a parte, um abismo intransponível do modo não só de falar, mas de pensar e de viver. Artistas, arquitetos, e mesmo alguns cientistas da vanguarda aquariana, por vezes inconscientemente, por vezes com consciência e entusiástica curiosidade, estão se aproximando da ciência das proporções e da harmonia entre as energias criadas pelas formas, conceito este que descreve bem o Feng-shui. Estes temas também pertencem ao folclore e ao esoterismo europeus, sob os nomes de: geomancia, rabdomancia, radiestesia e, bem recentemente, “energia das formas” (assim como a "energia das pirâmides", tão em destaque entre nós).

Se não vejamos: em tempos mais recentes que os do Rev. Eitel, encontramos outra das parcas edições, no mundo ocidental, sobre a ciência telúrica chinesa, a China pitoresca, do fotógrafo alemão Ertist Börschmann(2), com uma atitude bem diferente, apresentando impressionantes fotos de "monumentos de Feng-shui", ou seja, cons-truções (especialmente pagodes) destinadas não a fins estéticos ou utilitários, mas a harmonizar as energias telúricas de um lugar, exatamente com o mesmo fim dos menires e cromlechs encontrados no território europeu (França e Inglaterra, particularmente). Foi dos primeiros ocidentais a expressar publicamente admiração pela arte rabdomântica que resulta no subtítulo deste livro: um verdadeiro “paisagismos sagrado”, e assim definiu, por suas próprias palavras, o Feng-shui:

"Esta palavra bem conhecida significa 'vento-água', mas em seu sentido amplo significa as relações com a natureza ambiente, a influência da paisagem sobre a estética dos edifícios e na felicidade de seus habitantes".

Notável coerência com todo o conceito ecológico de viver que eclodiu em nossos dias, e a nosso ver, será uma das vigas-mestras da próxima fase da civilização em que, em breve, entraremos ...

Logo no primeiro parágrafo desta Apresentação demos a tradução literal do termo Feng-shui enquanto "vento-água”, mas levamos a discussão para uma interpretação em termos de energia telúrica, rabdomancia, e alguns aspectos dos contatos entre as civilizações oriental e ocidental que nos trouxeram o conhecimento desta arte. Tudo isso para localizar o leitor num assunto demasiado genérico, sutil e esotérico; é preciso algum rodeio para delimitar um território tão vasto. Mas voltemos exatamente a "vento-água", pois aqui temos, contrariando todas as aparências, uma definição precisa (a aparência é tudo o que engana e que é desprovido de importância, para o esoterista). Ora, o termo designa tudo o que é fluido, quer no estado gasoso, quer no estado líquido, dando a sensação de dinâmica, de movimento, e da própria energia (em chinês, ”Ch’i”, termo familiar para nós através da disciplina física do "Tai Ch'i Chuan”; o domínio do Ch'i dentro de nosso corpo, tal como é objetivo da Ioga, que chama ao Ch'i de "Prana"). Aqui uma convergencia que não é de surpreender com a síntese científica que a ciência exotérica, a da Universidade, inconscientemente, e malgrado ela mesma, vem elaborando para a futura civilização aquariana, outra de suas vigas-mestras, a nosso ver: a evolução da Termodinâmica em Energética, e esta, dado mais algum tempo, na Teoria do Campo Unificado, verdadeira busca pela Pedra Filosofal dos físicos contemporâneos. Essa energia única, fonte de todas as coisas, a ser descrita pelo Campo Unificado, será a tradução na linguagem lógico-matemática ocidental, do perene Ch'i.

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Fundamentando este enfoque do Feng-shui enquanto ciência de um jogo de energias, ou Energética, recorremos mais uma vez a Borschmann:

"Certos cumes [ ... 1 são coroados com pagodes, pequenos templos ou pequenos pagodes, para harmonizar as forças mágicas do céu e da terra. Esta ideia assemelha-se, por exemplo, ao nosso conceito da emanação da força magnética de um condutor pontiagudo. E o geomante chinês também considera as formas da natureza como um campo magnético".

Ou ainda, nas palavras de Joseph Needham, autor de nossos dias, em seu Ciência e civilização na China(3), primeiro a capacitar o ocidental a conhecer todo o contexto do Feng-shui:

"Cada lugar tinha suas características topográficas especiais, que modificavam a influência local dos vários Ch’i da natureza. As formas das colinas e direções dos cursos d'água eram as mais importantes, mas adicionalmente as alturas e formas dos edifícios, e as direções de estradas e pontes, eram fatores poderosos. A força e a natureza das correntes invisíveis seriam modificadas de hora em hora pelas posições dos corpos celestes, de modo que seus aspectos vistos da localidade em questão precisavam ser considerados. Enquanto que a escolha dos locais era de primordial importância, a má localização não era irremediável, pois valas e túneis podiam ser escavados, ou outras medidas tomadas para alterar a situação do Feng-shui ".

Ademais, segundo o mesmo autor, à arte do Feng-shui deve-se atribuir a "grande beleza da localização de tantas fazendas, casas e aldeias por toda a China".

Na China, até a ascensão do regime comunista, o Feng-shui era uma ciência reconhecida pelo governo imperial, dirigida pelo Gabinete dos Ritos, supervisionado diretamente pelo Imperador. Nos tempos em que era praticado pela autoridade pública, produziu a paisagem clássica chinesa. Visava manter a produção agrícola e si-multaneamente os fins estéticos e equilíbrio das energias mágicas, ideia absolutamente de acordo com os ideais de uma sociedade ecologicamente estável, e contrárias à dilapidação do ecossistema causada pelo industrialismo e imperialismo econômico materialista.

A definição tradicional chinesa do Feng-shui é: “A arte de adaptar as residências dos vivos e dos mortos de modo a cooperar e harmonizar com as correntes locais do sopro cósmico". A mentalidade mágica pressuposta por: "sopro cósmico"; "forças mágicas", "Ch’i”; “espíritos da natureza"; "espíritos dos mortos" e "correntes invisíveis" chocou o racionalismo ocidental, num contato inicial, causando forte aversão a essa "superstição animista” e ao "fatalismo oriental". O leitor achará, ao longo deste livro, desconcertante a posição de Eitel, que, tido como autoridade e um clássico ocidental do Feng-shui, aparece mais como um detrator deste aspecto da cultura oriental, e - aos olhos mais sadios de nosso tempo pré-aquariano - até mesmo um "snob" intelectual. Especialmente na "Conclusão", o Autor se refere ao Feng-shui como reminiscência da infância de uma humanidade pré-civilizada. Mesmo que porventura tivesse reconhecido a sabedoria oriental em seu íntimo, é preciso lembrar que enquanto missionário, seus compatriotas, seus superiores religiosos e seu editor supunham que ele estivesse na China para dissuadir os chineses de suas superstições, e não para converter-se a elas. Devia cristianizar a China, e impor a ela o racionalismo positivista, e não se transformar em defensor e simpatizante do Taoísmo e do Budismo.

Os autores modernos, no entanto, não se referem mais ao Feng-shui como o fez, por exemplo, o administrador colonial de Groot, como "quase-ciência", ou como os últimos defensores do positivismo materialista acusam as ciências alternativas e o esote-rismo de hoje, como "pseudo-ciência".

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Nestes últimos anos, com a onda de orientalismo que passa sobre o Ocidente, especialmente no pós-guerra, e depois da década de 6O, o Feng-shui reapareceu notavelmente na costa Oeste dos EUA, ponto de concentração de imigrantes chineses. Oficialmente proscrito na China rnaoísta, faz-nos assistir ao curioso espetáculo da orientalização do Ocidente e ocidentalização do Oriente. E desse interesse dos países ocidentais, a ciência tradicional renasce no país de sua origem, contaminado e dominado por ideias e ideologias européias, em Formosa, Hong Kong e outros lugares do Extremo Oriente, com influência chinesa, fora da China comunista.

Toda arte e ciência da China é atribuída mitologicamente ao imperador Fo Hi, que "olhando para cima, contemplou as imagens no céu, e olhando para baixo, observou os padrões da terra". Isto é uma referência à ciência antediluviana, sendo Fo Hi um herói civilizador do mundo caótico pós-diluviano. Na verdade, esse episódio é uma outra expressão do mesmo que acontecia no Antigo Egito, após o mesmo Dilúvio, com Hermes Trismegisto: "O que está embaixo é como o que está em cima".

A mesma arte paisagística equivalente à dos chineses já foi observada por historiadores e arqueólogos europeus mais argutos, quanto à paisagem grega, e a localização dos antigos templos. E ainda hoje se reflete no bom gosto intuitivo de um arquiteto ou paisagista com sólida formação cultural e artística.

Antes de passarmos a uma exposição sucinta dos principais pontos da filosofia taoísta e do Feng-shui apresentados neste livro, para que o leitor não-familiarizado possa referir-se a ela como orientação ao longo de sua leitura, façamos ainda uma crítica e advertência sobre as falhas do modo de pensar oriental, que não é tampouco a perfeição que os defensores entusiásticos de hoje em dia pensam. A ciência oriental é totalmente indutiva: tudo se encaixa, ou é forçado a encaixar-se num molde de explicações universais pré-existentes. Não há espaço para o novo ou para a experimentação. Os "bárbaros" europeus não invadiram o Oriente: encontraram a porta aberta, de uma civilização tão velha que já estava moribunda no séc. XVIII, vivendo apenas de recordações, e da cuidadosa manutenção do passado. No Ocidente, temos o oposto: o excesso de experimentação e análise, excesso dedutivo, que perde quaiquer referencial fixo, esquecendo-nos que exatamente a metade do mundo em que vivemos é o mundo em que queremos acreditar que vivemos, e a outra exata metade deve ser deixada à experimentação do novo, para que a alma humana e a civilização não morram.

Os escritos clássicos pré-confucionistas ainda falavam de um deus único e pessoal, que foi deixado de lado pelo confucionismo, mas a visão viva, animista e interdependente da natureza nunca deixou de existir na China: uma espécie de “ecologia" dos espíritos humanos e da natureza.

No princípio, temos o Tao, o Espírito enquanto nada absoluto, o Proteu grego. Seu primeiro movimento criou a energia Yang, solar, entropizante, que dá o movimento, que afasta, desagrega, e esta, após ter-se expandido com o máximo de seu movimento natural, gerou seu oposto, o Yin, o lunar, a neguentropia, a imobilidade, o frio, a aglutinação. E este movimento de alternância entre as duas energias opostas tornou-se perpétuo, e característica intrínseca de um universo pulsante para todo o sempre.

A energia indiferenciada de onde saem os dois princípios é o "Ch'i", o sopro da natureza, ou o sopro cósmico. O sopro produziu os dois princípios, e estes, todo o Universo, segundo leis fixas. Estas leis da natureza são chamadas "Li": a ordem anterior e arquetípica do universo, tal como é igualmente descrita por Platão. Aliás, as verdades universais e arquetípicas são descritas por igual por todos os Iniciados ou Mestres do Espírito, é o que salta aos olhos da pessoa que já acumulou alguma leitura ou experiência em textos esotéricos, especialmente os da Antigüidade. "Li" está de acordo

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(mas não se identifica) com "So", as proporções numéricas (que não se resumem a uma ingenua aritmética "teosófica", como os principiantes de ocultismo podem interpretar), e cuja expressão analítica máxima está mesmo nas medidas tais como são feitas pela ciência física e cartesiana ocidental. Esta ciência da natureza, tal como conhecemos, era chamada de "Ying", pelos chineses, expressão que significaria "formas da natureza". Eitel se refere a um mestre clássico do Feng-shui para dividir a exposição do sistema da ciência chinesa nestas quatro partes: Chi; Li; So; Ying.

Quanto ao aspecto de "Li", a ordem celestial, arquetípica, é anterior mesmo à Criação, ainda na "mente de Deus": o "Céu" da filosofia chinesa é o ideal ou mundo arquetipal, exatamente como formulado por Platão. Ora, o que se vê no Céu, hoje, são os astros, portanto, a energia criadora que vem do Céu é estudada pela Astrologia.

As forças estudadas pela Astrologia moldam a Terra, e esta, mais cedo ou mais tarde, torna-se reflexo fiel do céu sob o qual está. O mesmo acontece com o destino individual, pelo levantamento do horóscopo.

Princípios gerais, para sempre serem tidos em mente: 1 . O que está em cima é como o que está embaixo: o mundo dos arquétipos reflete-se no mundo dos tipos. 2. Podemos nos colocar nas correntes favoráveis do sopro cósmico dos astros, pela ciência astrológica, como um barco a vela tira proveito dos ventos. 3. Os espíritos da natureza, dos mortos e outros espíritos também podem ajudar ou prejudicar, e podemos nos colocar sob a proteção deste ou daquele que nos possa ser favorável.

Como o Céu é explicitamente representado pelos elementos da Astrologia, temos: o Sol e a Lua (o Yang e o Yin); os 12 signos, as 28 constelações reconhecidas pelos chineses; 5 planetas; as 7 estrelas da Ursa Maior e as 9 do Alqueire do Norte,

Assinalamos também a seguinte tabela de correspondência entre os signos da astrologia chinesa e da ocidental:

Rato – Áries Cavalo - Libra Búfalo – Touro Cabra - Escorpião Tigre – Gêmeos Macaco - Sagitário Gato – Câncer Galo - Capricórnio Dragão – Leão Cão - Aquário Serpente - Virgem Porco - Peixes

Os signos orientais, do calendário lunar, referem-se à interioridade dos tipos

Psicológicos que representam; os signos ocidentais, do calendário solar, à exteríoridade deles.

É de se notar também o simbolismo dos cinco planetas, notavelmente coincidente com o simbolismo esotérico dos deuses que dão nome a estes planetas, para nós, segundo a mitologia grega: Júpiter Leste Primavera Benevolência Madeira Marte Sul Verão Propriedade Fogo Vênus Oeste Outono Decoro Metal Mercúrio Norte Inverno Sabedoria Água Saturno Meio da Terra Meio do Verão Fidelidade Terra

Sobre a dinâmica dos cinco elementos:

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Madeira Produz Fogo Metal destrói Madeira Fogo Terra Madeira Terra Terra Metal Terra Água Metal Água Água Fogo Água Madeira Fogo Metal

Sobre “So", ou numerologia chinesa e medidas proporcionais mágicas da natureza, diz a lenda que o rei Fo Hi, pós-diluviano, descobriu-as meditando sobre os caracóis da crina de um cavalo-dragão (animal semelhante ao cavalo, assim como o licorne da mitologia ocidental, de natureza fantástica). Isto é o mito chinês da cabala. Perfeitamente equivalente ao mito de Posêidon presenteando o cavalo aos humanos, adotado pelos atenienses e pela deusa Atena, como símbolo de sabedoria. A cabala, sistema de interpretação esotérica que não é privilégio da hermenêutica judaica, vem do mar, isto é, da Atlântida ante-diluviana, conservada por tradição, de mestre a discípulo, até hoje, e de hoje para sempre. A mesma referência à cabala está na Ilíada, que se refere esotericamente à Guerra da Atlântida, e não à de Tróia. O cavalo de Tróia assinala existir no poema homérico uma "Cabala de Tróia", que relata as façanhas dos gregos contra os atlantes como nos fala Platão no Timeu e no Crítias.

O casco da tartaruga, cujas linhas, em outra lenda, foram também observadas pelo mesmo herói civilizador. Fo Hi, coincide com o simbolismo hindu: a tartaruga identificada com o oceano no primeiro chacra. Muladhara, ou "Raiz Primordial", o oceano do Dilúvio, debaixo de cujas águas tudo apareceu. Na mitologia grega, ainda, esse Oceano do Dilúvio é o Mar Negro, à porta do qual se localizava Tróia, e que é cenário do mito esotéríco dos Argonautas.

Ainda a observar uma peculiaridade numerológica: a coincidêncía no uso do sistema sexagesimal pelos sumérios, egípcios (ano de 360 dias, com a eclíptica dividida em 360º) e chineses. Isso é encontrado no esquema lógico-indutivo do Yi Ching, também descrito neste livro por Eitel, para fundamentar o Feng-shui. Os oito trigramas do Yi Ching traçados na Terra, e combinados com os quatro pontos cardeais, formam 12, ou o sistema duodecimal de numeração, que usavam para as coisas da Terra.

No Céu, para os cálculos astrológicos, usavam o sistema decimal, mas combinavam-no com os seis elementos da natureza (e não 5) que são descritos no Yi Ching. Ora: 10 x 6 = 12 x 5 = 60, base do sistema sexagesimal, e essas 60 unidades, repetidas seis vezes (seis elementos) resultavam, para os chineses, na divisão do ano em 360 dias. O que se depreende de mais curioso disto é a tradição esotérica ante diluviana comum a chineses, sumérios e mesmo egípcios e maias, que remontam não tanto à Atlântida, mas aos continentes ainda anteriores, afundados no Oceano Pacífico (Lemúria; Mu), derivados do antigo continente do Sul, a Gonduana, o que nos mostra como pode ser conservada até hoje a distantíssima tradição dos gigantes ante-diluvianos da Gonduana. Norberto de Paula Lima (1) M. Yates, "Ancestral Worship and Feng-shui", in Chinese Recorder and Missionary Journal, Vol. 1, 1868. (2) E. Börschmann, Picturesque China (Londres: T. Fischer Unwín, 1924). (3) J. Needham, Science and civilization in China (Cambridge University Press: 1956-62).

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Local legendário das montanhas Wu-tang, adornada com monumentos Feng-shui. 1 - INTRODUÇAO

O que é Feng-shui? Esta é uma pergunta que tem sido feita repetidamente nos últimos trinta anos. Desde que foi permitido aos estrangeiros estabelecer-se nos confins deste estranho império da China, essa mesma pergunta tem brotado continuamente aqui e ali. Ao comprar um terreno, ao construir uma casa, ao derrubar uma parede, ou erguer um mastro de bandeira - os residentes dos Portos do Tratado encontraram inumeráveis dificuldades, e tudo por causa do Feng-shui. Quando foi proposto erguer alguns postes telegráficos, quando a construção de uma ferrovia foi sugerida ao governo chinês, quando uns poucos trilhos foram projetados para as minas de carvão do interior, os funcionários chineses invariavelmente faziam uma polida mesura e declaravam que aquilo era impossível, por causa do Feng-shui. Quando há trinta anos os principais comerciantes da colônia de Hong Kong procuraram estabelecer o bairro comercial da cidade no assim chamado Vale Feliz, e fazer aquela parte da ilha o centro da cidade, fracassaram vergonhosamente por causa do Fengshui. Quando o governo de Hong Kong abriu uma estrada, agora conhecida como o Abismo, rumo ao Vale Feliz, a comunidade chinesa foi lançada num estado de abjeto terror e medo, por causa da perturbação que essa amputação dos membros do dragão causaria ao Feng-shui de Hong Kong; e quando muitos dos engenheiros empregados na obra morreram com a febre de Hong Kong, e as casas de estrangeiros já construídas no Vale Feliz tiveram de ser abandonadas por causa da malária, os chineses triunfalmente declararam ter sido um ato de justiça retributiva de parte do Feng-shui. Quando o senhor Amaral, governador de Macau, que combinava uma grande paixão pela construção de estradas e um desprezo ilimitado pelo Feng-shui, interferiu na situação e aspectos das tumbas chinesas, foi derrubado pelos chineses, sua cabeça cortada, e os chineses chamaram a esse feito horrível a vinganca do Feng-shui.

Por certo deve haver alguma coisa no Feng-shui, se leva as classes inferiores dos chineses a cometer um homicídio, e é rapidamente sustentado por Ministros de Estado

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como uma desculpa satisfatória para sua má vontade em favorecer o progresso do comércio e da civilização.

O que é Feng-shui? Os sinólogos foram procurar nos clássicos chineses uma resposta a essa pergunta, consultaram seus dicionários e não acharam nada. Os comerciantes perguntaram a seus compradores e meninos de entregas: "O que é Feng-shui?" mas as respostas que obtiveram eram obscuras e confusas, e no máximo lhes disseram que Feng-shui significa "vento e água", e é chamado assim “porque é uma coisa como o vento, que não se pode compreender, e como a água, que não se pode agarrar”.

Mas, por incrível que pareça, os chineses constantemente asseveram que os estrangeiros sabem tudo sobre o Feng-shui. Quando houve uma assustadora mortandade entre as tropas de Hong Kong aquarteladas no acampamento Murray, e o médico colonial propôs que se plantassem bambus na parte posterior dos alojamentos, os chineses justamente observaram que essa medida estava estritamente de acordo com o Feng-shui; e quando foi descoberto que a epidemia foi assim de fato interrompida, viram isso como prova das virtudes do Feng-shui. Quando os estrangeiros residentes em Hong Kong começaram a construir suas mansões em Pok-fulum (que o Feng-shui indica ser o melhor local da ilha), quando o governo começou a construir um reservatório ali, quando tanques foram construídos ao norte de Hong Kong, e a encosta do morro foi totalmente arborizada, quando os cortes de terra foram proibidos onde houvesse muitas rochas decompostas, os chineses, em todos esses casos, supuseram que os estrangeiros conheciam mais sobre Feng-shui do que supunham, e o Agrônomo Geral foi tido como adepto profundo do Feng-shui. Ora, disseram eles, eis aí a Casa do Governo ocupando o melhor local do lado norte da ilha, protegida na parte de trás por árvores altas e terraços de proteção, bordejada à direita e à esquerda por estradas com curvas graciosas, e toda a situação combinando com tudo o que o Feng-shui prescreveria - como é possível que os estrangeiros finjam nada saber do Feng-shui?

Bem, se o Feng-shui nada mais fosse que nosso bom senso e o que nossos instintos naturais nos dizem, o Feng-shui dos chineses não seria nenhuma charada para nós. Mas o fato é que os chineses transforniaram o Feng-shui numa ciência oculta, e os peritos nessa ciencia, que ganham a vida com ela, acham vantajoso fazer mistério em torno dela, assim como os alquimistas e astrólogos europeus faziam com suas divagações. Toda pessoa que mora na China, porém, adquire, através do relacionamento de alguns anos com o povo, uma ideia tolerável do que é o Feng-shui, e a maioria de meus leitores sem dúvida sabe que, na prática, é simplesmente um sistema de su-perstição que pretende ensinar às pessoas onde e quando construir um túmulo ou erigir uma casa de modo a garantir aos interessados prosperidade e felicidade duradouras.

Desde minha chegada à China tive muitos entrechoques práticos com o Feng-shui, e por muitos anos coligi notas sobre o assunto e estudei sua literatura em todas as suas ramificações, e agora proponho-me apresentar o resultado de meus estudos perante o público. Feng-shui, pelo que entendi, nada mais é que outro nome para as ciências naturais, e, portanto, devo pedir a indulgência de meus leitores por introduzir um esboço das ciências físicas chinesas para tornar inteligível o sistema do Feng-shui.

As ciências naturais nunca foram cultivadas na China daquela maneira técnica, seca e casual que a nós parece inseparável de toda verdadeira ciência. Os naturalistas chineses não se deram muito ao trabalho de estudar a natureza e arrancar-lhe seus segredos por testes e experiências minuciosos e práticos. Não inventaram nenhum instrumento para ajudá-los na observação dos corpos celestes; nunca se dedicaram a caçar escaravelhos e embalsamar pássaros, ficam horrorizados com a ideia de dissecar o corpo dos animais, nem analisaram quimicamente as substâncias inorgânicas, mas com

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pouquíssimo conhecimento efetivo da natureza desenvolveram todo um sistema de ciência natural, a partir de sua consciência interior, e expuseram-no de acordo com as fórmulas dogmáticas da antiga tradição. Por mais deplorável que seja essa ausência de investigação prática e experimental, que abriu as portas a toda sorte de teoria conjectural, ela preservou na ciência natural chinesa um espírito de reverência sagrada pelos poderes divinos da natureza.

Muito embora o moderno confucionismo tenha há muito tempo descartado a crença num Deus pessoal supremo, do qual seus escritos clássicos ainda preservam uma memória morta, e muito embora tenham substituído o Deus pessoal, que seus ancestrais veneraram, por uma entidade abstrata, desprovida de quaisquer atributos, vêem a natureza não como um tecido morto e inanimado, mas como um organismo vivo e respirando. Vêem uma corrente de ouro de vida espiritual passando por toda forma de existência e unindo, como num só corpo vivo, tudo que subsiste lá no céu ou cá na terra. O que tão frequentemente foi admirado na filosofia natural dos gregos - que eles faziam a natureza viver, que viam em cada pedra, em cada árvore um espírito vivo; que povoavam o mar com náiades, as florestas com sátiros -, essa maneira poética, emotiva e reverente de ver os objetos naturais, é igualmente característica da ciência natural na China.

Todo o sistema do Feng-shui é baseado nesse conceito emotivo da natureza. Podemos sorrir para o caráter anticientífico e rudimentar da fisiologia chinesa; podemos apontar que cada ramo da ciência na China nada mais é que uma tentativa rudimentar para atingir as verdades que qualquer criança de escola européia conhece bem; podemos concluir que a China como um todo assemelha-se a uma criança grande, em cujo intelecto aconteceu uma súbita desgraça, e que chegou à idade adulta e à velhice sem mais conhecimento que um bebê precoce; e no entanto digo, contemplando essa mesma China, o mais antigo dos povos da Antiguidade, o maior dentre os grandes impérios, ou pelo menos o mais populoso de todos os grandes países do mundo, pesado com a idade, estupidificado, com a ignorância de uma criança no que concerne às coisas do intelecto - no entanto eu digo que quisera Deus que nossos homens de ciência preservassem em seus laboratórios, observatórios e salas de aula aquela mesma reverência infantil pelos poderes vivos da natureza, aquele temor sagrado pelos mistérios do invisível, aquela firme crença na realidade do mundo invisível e sua constante intercomunicação com o visível e temporal, que caracterizam as tentativas chinesas de elaborar uma ciência natural.

O sistema de Feng-shui é relativamente moderno, em sua origem. Seus diagramas e ideias principais são de fato emprestados dos antigos clássicos, mas seu método e aplicação prática são quase inteiramente baseados nos ensinamentos de Chu-hi e outros, que viveram sob a dinastia Sung (1126-1278) e cujos comentários aos clássicos são lidos em todas as escolas. O modo de pensar de Chu-bi de fato foi adotado pelo moderno confucionismo, e forma a base filosófica de todo o sistema do Feng-shui.

De acordo com Chu-hi, no começo havia um só princípio abstrato ou mônada, chamado de "nada absoluto", que evoluiu por si mesmo ao "grande absoluto". Esse princípio abstrato ou mônada, o grande absoluto, é a causa primordial de toda existência. Quando se moveu pela primeira vez, seu alento ou energia vital, congelan-do-se, produziu o grande princípio masculino. Quando se movimentou ao máximo, descansou, e, ao descansar, produziu o princípio feminino. Depois de ter descansado ao máximo, moveu-se de novo, e assim passou ao movimento alternado com o repouso, sem cessar. Quando essa causa suprema assim se dividiu em masculino e feminino, o que estava em cima constituiu o céu, e o que estava embaixo formou a terra. Assim foram feitos céu e terra. Mas a causa suprema, tendo produzido pela evolução os

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princípios masculino e feminino, e através deles o céu e a terra, não cessou suas permutações constantes, no decurso das quais homens e animais, vegetais e minerais vieram a ser. A mesma energia vital, além disso, continua a agir e sempre através daquelas duas causas originais, as forças masculinas e femininas da natureza, que desde então mútua e alternadamente empurram e agitam uma à outra, sem um momento de descanso.

Ora, a energia que anima os dois princípios é chamada em chinês Hi, ou o alento da natureza. Quando esse alento foi pela primeira vez exalado e produziu os princípios masculino e feminino e, ao fim, todo o universo, não o fez arbitrariamente, ou ao acaso, mas seguiu leis imutáveis, fixas, inescrutáveis e imutáveis. Essas leis, ou ordem da natureza, chamadas Li, foram assim abstratamente consideradas anteriores à emissão do sopro vital, e devem ser consideradas separadamente. Mais uma vez considerando este Li, ou ordem geral do universo, os antigos sábios observaram que todas as leis da natureza e todas as operações de seu sopro vital estão em estrito acordo com certos princípios matemáticos, que podem ser traçados e ilustrados por diagramas, exibindo a proporção numérica do universo, chamada So, ou números. Mas o sopro da natureza, ou Hi, a ordem da natureza, chamada Li, e as proporções matemáticas da natureza, chamadas So, esses três princípios não podem ser reconhecidos diretamente pelos sentidos; estão ocultos à vista, e só se tornam manifestos através de formas e perfis da natureza física. Em outras palavras, os fenômenos da natureza, suas formas exteriores de aparência, constituem um quarto ramo do sistema da ciência natural chamado Ying, ou forma da natureza. Ora, essas quatro divisões, Li, ou a ordem geral da natureza, So, suas proporções numéricas, Hi, seu sopro vital ou energias sutis, e Ying, suas formas aparentes, constituem o que é popularmente chamado o sistema de Feng-shui.

Nenhuma obra chinesa sobre o Feng-shui, porém, ou pelo menos nenhuma que vi ou de que ouvi dizer - segue essa divisão metodicamente, se bem que todas mencionem esses quatro princípios e lhes dêem aqui e ali a devida importância. Por outro lado, essa divisão em quatro ramos do sistema do Feng-shui não é de minha autoria. Um conhecido erudito cantonês, membro do Colégio Imperial menciona, num prefácio que escreveu a uma popular obra sobre geomancia, que todo o sistema do Feng-shui poderia muito vantajosamente ser dividido nas quatro partes mencionadas. Desse prefácio tomei a sugestão, e proponho agora apresentar a meus leitores o sistema do Feng-shui, segundo esse plano quádruplo, e elaborando-o de modo a dar-lhes uma visão de todo o sistema da ciência natural chinesa.

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A Fortaleza do Terror, Ting-hai, em Chusan, numa paisagem rica em Feng-shui, com casa rural e Recinto dos Ancestrais.

2 - AS LEIS DA NATUREZA

De acordo com as observações acima, preciso primeiro tratar de Li, ou os princípios gerais que governam a natureza; com as leis do universo físico. Para entender isto direito precisamos de saída ter em mente que o chinês vê o céu como o tipo ideal, de que nossa terra é apenas um grosseiro reflexo material.

Tudo que existe na terra nada mais é do que a forma sensível e transitória de algum agente celestial. Tudo que é terrestre tem seu protótipo, sua causa primordial, seu agente governante no céu. O filósofo chinês, contemplando as belezas da natureza, a variedade de colinas e planícies, rios e oceanos, a maravilhosa harmonia da cor, luz e sombra, vê nelas nada além do opaco reflexo daquele cenário mais esplêndido no afresco de beleza etérea do firmamento estrelado do céu. Olha para o sol, aquele ofuscante regente do dia, e reconhece nele, como seu reflexo terrestre, o princípio masculino da criação, governando tudo que está debaixo do sol. Ergue os olhos para a lua, a bela rainha da noite, e vê seu reflexo na terra no princípio feminino, difundindo-se por todas as formas de existência sublunar. Observa o rápido curso rotatório dos cinco planetas: Júpiter, Marte, Vênus, Mercúrio e Saturno, e vê sua contraparte na terra no incessante intercâmbio e permutação dos cinco elementos da natureza: madeira, fogo, metal, água e terra. Observa o firmamento estrelado à noite, e compara-o com sua transcrição fracamente refletida na superfície de nossa terra, onde os picos das montanhas formam as estrelas, os rios e oceanos correspondem à Via Láctea.

Em suma, o firmamento do céu é, para um observador chinês, o livro misterioso em que as leis da natureza, os destinos das nações, o destino e a sorte de cada indivíduo estão escritos em caracteres místicos bieroglificos, inteligíveis unicamente para os iniciados. Ora, decifrar essas tábuas do céu, romper os selos deste livro apocalíptico, é o

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objetivo primário do Feng-shui, e o primeiro método a ser empregado na decifração desse horóscopo celestial do futuro, a primeira chave a ser inserida para destravar esse enigmático cofre, em que as fortunas das gerações presentes e futuras estão trancadas, é o conhecimento dos princípios ou leis gerais da natureza.

Aprendam pois, suas fortunas, e guardem bem as seguintes licões: 1. Que o céu governa a terra; 2. Que tanto céu como terra influenciam todos os seres vivos e está em suas mãos voltar esta influência a seu favor; 3. Que os fados dos vivos também dependem da boa vontade e influência geral dos mortos.

Quanto ao primeiro ponto, a influência que o céu exerce sobre a terra, os agentes que entram em consideração aqui são o sol e a lua, com os doze signos do zodíaco e as vinte e oito constelações, os cinco planetas - pois só cinco são conhecidos dos chineses - as sete estrelas da Ursa Maior e nove outras estrelas do alqueire do norte.

O sol, como já observamos, influencia todo o universo físico e o curso aparente do sol, marcado pelos doze signos zodiacais, é portanto um elemento importante no cálculo da influência do céu sobre a terra.

Os chineses dividem a eclíptica em doze partes iguais, dando a cada uma o nome de um animal. Assim, à primeira, chamam rato; corresponde a Áries; a seguinte é o touro, igual ao nosso signo do Touro; a terceira, que chamam tigre, corresponde a Gêmeos; a quarta, ou a lebre, corresponde a Câncer; a quinta, o dragão, corresponde • Leão; a sexta, ou a cobra, a Virgem; a sétima, o cavalo, a Libra; a oitava, o carneiro, a Escorpião; a nona, o macaco, a Sagitário; a décima, o galo, a Capricórnio; a undécima, o cão, a Aquário; e a duodécima, o javali, a Peixes. Devido à precessão dos equinócios, ou deslocamento dos pontos equinociais do leste para o oeste, ocorreu uma mudança - desde que os ancestrais dos chineses fixaram esses doze asterismos - digo que ocorreu uma mudança nas relações entre os signos do zodíaco e seus respectivos asterismos. Há dois mil anos atrás os signos zodiacais e os asterismos correspondiam-se, de modo que quando o sol entrava no primeiro grau do signo de Áries, entrava também na constelacão do mesmo nome. O efeito da precessão dos equinócios foi separar os asterismos de seus signos nominais, de modo que a constelação de Peixes está agora no signo de Áries e o signo de Áries, em Touro. Os chineses, não sabendo da precessão dos equinócios, ficam perplexos pela discrepância, mas cuidando menos da precisão e mais da antiga tradição, ignoram a discrepância atual, e ainda representam os doze signos, não como aparecem agora, mas como apareciam para seus antepassados há dois mil anos. Usam os doze signos zodiacais especialmente para determinar as vinte e quatro estações do ano. Quando o sol entra no 15º de Aquário (5 de fevereiro), começa a primavera. Quando entra em Peixes (19 de fevereiro) começa a estação das chuvas; quando atinge o 15º de Peixes (5 de março) os insetos ficam excitados; quando entra em Áries (30 de março) chega o equinócio vernal, seguido (a 5 de abril) pelo termo chamado “luz e claridade"; entrando em Touro (20 de abril) traz a chuva frutificadora, e (a 5 de maio) o começo do verão; em Gêmeos (21 de maio) acarreta os dois termos chamados "o grão crescendo" e (a 6 de junho) "o grão está na espiga”; em Câncer, os dois termos, solstício de verão (21 de junho) e pequeno calor (7 de julho); quando o sol está em Leão (23 de julho) o grande calor começa e (a 7 de agosto) tem início o outono; quando o sol está em Virgem (23 de agosto) o calor é limitado, e (a 8 de setembro) cai o orvalho branco; quando o sol está em Libra (23 de setembro), ocorre o equinócio de outono, e (a 8 de outubro) o orvalho frio desce; quando em Escorpião (23 de outubro) o granizo cai e (a 7 de novembro) vem o inverno; quando em Sagitário (22 de novembro), pouca neve cairá, e depois (a 7 de dezembro), muita neve; quando o sol está em Capricórnio (22 de dezembro), ocorre o solstício de inverno e (a 6 de janeiro) pouco

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frio; quando o sol entra em Aquário (20 de janeiro), vem um grande frio, e assim o ciclo do ano é completado.

A seguir, em importância com relação aos doze signos zodiacais, vêm as 28 constelações, ou casas, através das quais a lua se desloca em seu curso mensal através da eclíptica. Estas 28 constelações são divididas em 4 seções, uma das quais é chamada dragão azul, localizada no leste, e compreende as primeiras sete constelações. As sete constelações seguintes são chamadas de guerreiro negro, cuja casa está no norte; as terceiras sete recebem o nome de tigre branco, situadas no oeste, e as últimas sete são designadas de pássaro vermelhão, governando o sul. Mas além dessas quatro constelações que são vistas como espíritos que influenciam a terra, deve-se também observar que destas 28 constelações as de número 4; 11; 18 e 25 formam uma conjunção feliz com o sol; as de números 5; 12; 19 e 26, com a lua; ao passo que dos cinco planetas, as seguintes conjunções são favoráveis: Júpiter com as de número 1; 8; 15; 22; Vênus com, as de número 2; 9; 16; 23; Saturno com as de número 3; 10; 17 e 24; Marte com as de número 6; 13; 21 e 27; e Mercúrio com as de número 7; 14; 20 e 28.

Além das 28 constelações, os cinco planetas conhecidos pelos chineses e as virtudes ocultas atribuídas a eles exercem papel muito importante no sistema do Feng-shui. Diz-se que Júpiter reina no leste, gerando a primavera, e tem o atributo da benevolência. Marte reside no sul, comanda o verão e favorece a propriedade. Vênus reside no oeste, governa o outono e sua província é o decoro. Mercúrio está localizado no norte, governa o inverno e representa a sabedoria. Saturno reina no meio da terra, governa o meio do verão e é caracterizado pela fidelidade.

Há outros corpos celestes que analogamente exercem uma influência sobre a terra. Como os 5 planetas formam, além do sol e da lua, os sete regentes das estações, assim também as 7 estrelas da Ursa Maior contribuem com sua quota para a direção das estações. Esta esplêndida constelação atraiu a atenção e imaginação poética de quase todas as nações da terra, mas nunca ouvi de um povo que desse tamanha aplicação prática a este notável aglomerado de estrelas. Os chineses consideram as sete estrelas da Ursa Maior como formando um relógio natural. Pois o corpo da Ursa Maior estando em tempos antigos consideravelmente mais perto do Pólo Norte do que está agora, a cauda parecia mover-se em torno do pólo um tanto como o ponteiro de um relógio. Considerando a superfície da terra formando o mostrador e dividindo o horizonte em 24 partes iguais, ao passo que a cauda da Ursa age como ponteiros, temos um método simples de determinar as mencionadas 24 estações do ano. Quando a cauda aponta, ao cair da noite, para o leste, é primavera no mundo. Quando aponta para o sul, é verão; quando aponta o oeste, é outono; e quando aponta, ao cair da noite, para o norte, é inverno. A luz destas 7 estrelas, supõe-se ainda, exerce grande influência sobre a terra e todos os seus habitantes, e essas 7 estrelas são, portanto, combinadas com o sol e a lua, chamados os nove luminares do mundo.

Há um outro conjunto de estrelas, chamadas de nove estrelas do alqueire, que são igualmente de grande importância para a determinação dos aspectos propícios ou nefastos de uma localidade dada e sua conseqüente influência nos destinos dos homens. Essas 9 estrelas são minuciosamente descritas em todo almanaque ou calendário chinês, mas é difícil determinar sua posição no céu. São chamadas "nove estrelas do alqueire do norte", mas este termo por vezes é aplicado ao Pólo Norte, por vezes a Ursa Maior, por vezes a uma das 28 constelações chamadas de alqueire. Mas sua posição no céu é de pouca importância - algumas autoridades até mesmo dizem que elas não têm nenhuma posição fixa, mas movem-se pela atmosfera - pois têm todas as suas contrapartes ou representantes na terra na forma de montanhas, e é o ofício e arte do geomante

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determinar que pico de montanha ou colina corresponde a uma ou outra dessas estrelas, cada uma com sua relação permanente com um dos 5 elementos ou um dos 8 diagramas mencionados.

O ponto seguinte a ser considerado é a influência que o céu e a terra exercem sobre o ser humano. Os principais agentes, através dos quais o céu e especialmente os cinco planetas agem sobre todas as criaturas vivas, são os cinco elementos da natureza. Por esses, porém, não devemos entender cinco substâncias materiais, quimicamente indissolúveis, mas essencias espirituais, cada uma caracteristicamente diferente da outra e formando as causas geradoras de todas as substâncias materiais. Estes cinco elementos são: madeira, fogo, terra, metal e água; o primeiro deles sendo agente de Júpiter; o se-gundo, de Marte; o terceiro, de Saturno; o quarto, de Vênus; o quinto, de Mercúrio. Mas é também importante observar a relação mútua dos 5 elementos uns com os outros, pois cada par produz ou destrói um ao outro, se colocados em certas conjunções. A madeira produz o fogo, o fogo produz a terra, a terra produz o metal, o metal produz a água, a água produz a madeira. Por outro lado, o metal destrói a madeira, a madeira destrói (isto é, absorve) a terra, a terra destrói (isto é, absorve) a água, a água destrói o fogo, o fogo destrói o metal. De novo deve ser considerado que a madeira é abundante no leste, o metal no oeste, a água no norte, o fogo no sul, ao passo que a terra predomina no centro, entre os quatro pontos cardeais. Também deve-se ter em mente que a madeira reina na primavera, o fogo no verão, o metal no outono, a água no inverno, e a terra durante os últimos dezoito dias de cada estação. Dessa forma a influência quíntupla dos planetas penetra e dirige toda a natureza, como por exemplo, os 5 constituintes da estrutura humana: músculos, veias, carne, ossos, pele e cabelo; as 5 partes interiores das vísceras, a saber: coracão, fígado, estômago, pulmões e rins; as 5 cores: branco, preto, vermelho, azul e amarelo; as cinco fortunas: riqueza, honra, longevidade, filhos e morte pacífica; as cinco relações sociais: príncipe e ministro, pai e filho, marido e mulher, irmãos mais velhos e mais jovens, e amigos.

Além da influência que, de acordo com as leis da natureza, céu e terra exercem sobre os destinos dos viventes, é preciso considerar as leis que regulam a influência dos espíritos dos mortos sobre os vivos. É uma doutrina que nos parece estranha, mas que nada tem de irrazoável para um chinês acostumado a venerar os espíritos de seus antepassados, que ele supõe estarem constantemente flutuando por perto, e a quem ele anuncia formalmente todo evento em sua família, e oferece-lhes sacrifícios de carne e bebida. "Meus próprios espíritos animais", diz o Comentador dos Analectos de Confúcio, “são os espíritos animais de meus progenitores. Quando de minha parte levo ao máximo minha sinceridade e respeito ao venerá-los, então os espíritos de meus ancestrais estão presentes comigo. Assim como uma baste de trigo, quando a planta original está morta, novas raízes aparecem dos lados - assim ligando o espírito real e idêntico das gerações passadas ao tempo presente". Muito embora falemos de céu e terra, dizia Chu-hi, só existe, em verdade, um sopro (espírito) que os sustenta. Muito embora falemos de indivíduos, e os distingamos uns dos outros, na verdade há só um alento que os anima a todos. Meu próprio alento (espírito) é idêntico ao de meus ancestrais.

Essa ideia da unidade orgânica, ou melhor, identidade, da base espiritual da vida na natureza e nos indivíduos, foi tema favorito de discussão com Chu-hi e outros filósofos da dinastia Sung. De acordo com essa escola agora de influência universal, a alma humana é dotada de natureza dual, e leva, como se fosse uma vida dupla. Distinguem um animus e anima. O primeiro é a energia da natureza humana incorporando o princípio masculino da natureza, O alento do animus é o alento do céu. A anima, por outro lado, é a redundância ou pletoma, por assim dizer, da energia de

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contração (feminina) da natureza. O alento da anima é o alento da terra. O animus é o elemento espiritual; a anima, o elemento material, ou animal, da alma. Quando, pela exalação do sopro vital, o corpo é decomposto, o animus retorna ao céu, a anima à terra; isto quer dizer: cada um é dissolvido de novo naqueles elementos gerais da natureza de onde derivou sua origem e incorporação temporária e ingressou na esfera da vida individual. As almas dos antepassados mortos, portanto, são tão onipresentes quanto os elementos da natureza, assim como o céu e a terra. Assim os chineses foram ensinados a se considerarem como constantemente cercados de um mundo espiritual, de fato invisível e inacessível pelo tato, mas não menos real, nem menos influente.

Ora, as pessoas comuns têm a noção - que, sem dúvida é a aplicação popularizada das proposições filosóficas dadas acima - de que as almas dos ancestrais ficam como que acorrentadas por algum tempo, por sua natureza animal, à tumba em que seus corpos estão enterrados, ao passo que por sua natureza espiritual sentem-se impelidas a voarem sobre as casas de seus descendentes, donde ser uma inferencia lógica e natural supor que a fortuna dos vivos dependa da situação favorável do túmulo de seus antepassados. Se um túmulo for colocado de modo que o espírito animal do falecido, supostamente residindo ali, fique confortável e livre de elementos perturbadores e a alma tenha entrada e saída irrestritas, os espíritos ancestrais sentir-se-ão bem dispostos em relação a seus descendentes e poderão estar sempre à volta deles, dispostos a fazer chover sobre eles todas as bênçãos do mundo espiritual a seu alcance. Essa ideia está incrustada tão profundamente neles, a influência dos mortos sobre os vivos, que os chineses que querem cair nas boas graças dos estrangeiros vão aos cemitérios de Hong Kong, no Vale Feliz, e rezam ali nos túmulos dos estrangeiros, supondo que os espíritos dos mortos que ali estão, agradecidos por suas oferendas e orações, influenciariam os espíritos dos vivos, causando assim um mútuo bom entendimento entre as partes interessadas.

Naturalmente, pois, todo chinês dá-se ao maior trabalho para situar os túmulos de seus parentes de tal maneira que nenhuma estrela ou planeta lá no céu, nem qualquer elemento terrestre cá em baixo, nenhum sopro ou influência sutil da natureza, nenhuma configuração de colinas e vales de mau agouro perturbem o calmo repouso dos mortos, pois disso dependerão as fortunas e infortúnios dos vivos. Consequentemente é importante saber as regras pelas quais o local mais feliz para um túmulo pode ser encontrado, e como o lugar melhor adaptado para um túmulo depende principalmente da melhor conjunção de todos os elementos celestiais e terrestres, está claro que o método pelo qual o melhor lugar para a tumba é encontrado, é também aplicável para a seleção de um bom lugar para uma residência ou edificação de qualquer espécie. Pois as mesmas influências que agem sobre os espíritos animais dos mortos têm também sua ação sobre os vivos.

Aqui abordamos, no entanto, só os princípios gerais, e enunciarei as regras aplicáveis a esse propósito o mais brevemente possível.

Em primeiro lugar deve ser entendido que há na crosta terrestre duas correntes diferentes, que eu chamarei de magnéticas: uma masculina, outra feminina; uma positiva, outra negativa; uma favorável, a outra desfavorável. Uma é alegoricamente chamada de dragão azul, e a outra, tigre branco. O dragão azul sempre deve ficar à esquerda, e o tigre branco sempre à direita de qualquer lugar considerado de bom agouro. Assim sendo, esse é o primeiro afazer do geornante: procurar um local propício, achar um bom dragão, e seu complemento, o tigre branco, ambos discerníveis por certas elevações do solo. Dragão e tigre eram constantemente comparados com a porção inferior e superior do braço de um homem: na dobra do braço está o local favorável. Em outras palavras, no ângulo formado por dragão e tigre, no ponto em que duas correntes

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(magnéticas) que eles representam individualmente se cruzarem, poderá estar o lugar favorável. Digo poderá estar, porque, além da conjunção do dragão e do tigre, deve haver também uma tranquila harmonia de todos os elementos celestes e terrestres que influenciam aquele local em partícular, e que deve ser determinado pela observação da bússola e sua indicação de proporções numéricas, e examinando a direção dos cursos d'água.

À guisa de ilustração, é possível observar que a situação favorável da cidade de Cantão consiste em estar localizada exatamente no ângulo formado por duas cadeias de morros formando curvas suaves rumo ao Bogue, onde quase se encontram, em forma de ferradura. A cadeia de morros conhecida como Nuvens Brancas representa o dragão, ao passo que o terreno ondulado do outro lado do rio forma o tigre branco. O lugar mais favorável de Cantão é portanto o terreno perto dos portões do norte, onde tigre e dragão vão para a direita e esquerda. Pois o lugar mais feliz, dizem os livros de Feng-shui, é como uma modesta virgem que gosta do retiro, e assim é uma das primeiras regras procurar, em caso de dúvida, um local num recesso.

Outra regra é que, em terreno perfeitamente monótono, numa planície perfeitamente nivelada, ou em declives constantes, onde não há sinal de dragão ou tigre, não será possível encontrar nenhum bom sítio.

Uma terceira regra é observar a diferença entre terreno masculino e feminino. As fortes elevações são chamadas masculinas, ao passo que o terreno irregular de ondulação suave é feminino. Em terreno onde as características masculinas prevalecem, o lugar favorável é no ponto com características femininas, visíveis ao olho ou indicadas pela bússola, ao passo que num local globalmente classificado como feminino, o melhor lugar para um túmulo ou casa deve ter indicações de predomínio masculino. Mas os prognósticos mais favoráveis pertencem ao ponto onde haja uma transição de masculino para feminino ou de feminino para masculino, e onde as vizinhanças combinam - como indicado pela bússola - características masculinas e femininas na proporção certa, que os livros do Feng-shui afirmam ser 3/5 masculino para 2/5 feminino. Onde porém as indicações femininas excedem as masculinas, há influências malignas, contrapondo-se a quaisquer outras configurações favoráveis.

Por fim, o lugar a ser escolhido para um túmulo, se todas as regras acima forem satisfeitas, deve ser invariavelmente seco e livre das formigas brancas, que são o maior temor tanto para os vivos quanto para os mortos.

Esses são apenas princípios gerais, cuja aplicação passaremos a considerar em detalhe, quando tratarmos da bússola como indicadora das proporçoes numéricas do sopro e das formas da natureza.

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Túmulos e templos nas montanhas de Amoy. 3 - AS PROPORÇÕES NUMÉRICAS DA NATUREZA

Agora passarei a considerar a segunda divisão do sistema do Feng-shui, do chamado Su, ou proporções numéricas da natureza. Observando o céu, a mudança constante do dia e da noite, os números e a distribuição dos corpos celestes movendo-se, multidões deles, cada um num curso rápido, e nunca interferindo uns sobre os outros - ao observar, digo, esse todo variado e no entanto harmonioso, surpreendeu o observador chinês que, na base desse grande esquema do céu, houvesse princípios matemáticos; que todos os corpos celestes existem e se movem em certas proporções numéricas. De novo, observando a terra, com suas constantes revoluções de verão e inverno, primavera e outono, crescimento e declínio, vida e morte, os chineses notaram que aqui a mesma ordem matemática é repetida, que a terra nada mais é senão o reflexo do céu, a corporificação material grosseira dos problemas matemáticos ideais, eterearnente delineados no firmamento do céu.

Ora, para ilustrar e compreender esse esquema das proporçes numéricas, que conecta e consolida céu e terra, os antigos sábios da China inventaram certos diagramas. Não atribuo qualquer credibilidade à história de Fo Hi ter observado um cavalo-dragão saindo de um rio, carregando em seu dorso os delineamentos geométricos do grande esquema do céu e da terra, em diagramas e círculos formados no seu pêlo encaracolado. Mas o fato, parece incontestável, é que nos mais remotos tempos da antigüidade chinesa certos diagramas foram usados para ilustrar as proporções numéricas do universo. Não interessa quem inventou inicialmente o esquema dos diagramas, não importa se o tenha produzido em seu cérebro, ou fantasiando sobre as confusas linhas existentes nas costas de uma tartaruga; permanece o fato de que, há mais de 2.000 anos, os chineses pos-suíam e usavam um esquema de diagramas essencialmente igual ao que até hoje é usado pelos ignorantes e supersticiosos como um encantamento de inefável eficácia, e frequentemente suspenso sobre as portas das casas. Como quer que esse conjunto de

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oito diagramas possa ter sido originalmente construído, quer sintética, quer anali-ticamente, o modo pelo qual sua origem foi posteriormente explicada é o seguinte.

Representando o princípio superior criativo masculino por uma linha, e o princípio feminino correspondente por uma linha interrompida, e então multiplicando-as e combinando-as, são obtidos quatro diagramas, a saber:

1. duas linhas paralelas, representando o grande princípio masculino. 2. duas linhas interrompidas paralelas, representando o grande princípio feminino. 3. uma linha interrompida, com uma paralela embaixo, chamado o pequeno masculino. 4. uma linha cheia, com uma paralela interrompida embaixo, chamado o pequeno feminino.

O diagrama do grande masculino foi então tomado como um símbolo do sol, do

calor, do intelecto, dos olhos, etc. O diagrama do grande feminino foi considerado representando os planetas, a noite, o corpo, a boca, etc.; por outro lado o diagrama do pequeno masculino significava a lua, o frio, as paixões, as orelhas, etc.; e o diagrama do pequeno feminino significava as estrelas, a luz do dia, a forma, o nariz, etc.

Indo adiante, e combinando esses quatro diagramas uns com os outros, de todas as maneiras possíveis, outro conjunto de oito diagramas foi obtido. É geometricamente composto dos quatro diagramas precedentes, mas sua explicação primitiva era, eu presumo, baseada numa agora antiquada visão dos elementos que compõem a natureza. já mencionei mais de uma vez a enumeração dos cinco elementos: metal, madeira, água, fogo e terra, hoje corrente na China. No tempo em que esse conjunto de oito diagramas foi inventado, parece ter estado em voga uma enumeração bem diferente dos elementos. Os chineses deviam então contar seis elementos, e os chamavam da seguinte forma: trovão, vento, fogo, oceano, água e montanhas. De qualquer modo, um dos mais antigos clássicos chineses, o I Ching, explica esse conjunto de diagramas como se segue: (1) três linhas cheias correspondentes ao grande princípio masculino, representando o céu e designando o Sul; (2) três linhas interrompidas paralelas correspondentes ao grande princípio feminino, representando a terra e apontando o Norte. Segue-se o que suponho significar os seis elementos da natureza: (1) no Leste, duas linhas cheias com uma interrompida no meio significam o fogo, pois, diz o I Ching, para secar a miríade das coisas não há nada mais ardente que o fogo; (2) no Oeste, duas linhas interrompidas com uma cheia no meio representam a água, pois para umedecer a miríade das coisas não há nada como a água; (3) no Sudoeste, duas linhas cheias com uma interrompida no lado interior representam o vento, pois para revolver a miríade das coisas não há nada mais eficaz que o vento, (4) no Nordeste, duas linhas interrompidas com uma inteira do lado interior correspondem ao trovão, pois para agitar a miríade das coisas não há nada mais rápido que o trovão; (5) no Sudeste, duas linhas cheias com uma interrompida no lado exterior representam o vapor do oceano, pois para satisfazer à miríade das coisas não há nada mais satisfatório que o oceano; (6) no Noroeste, duas linhas interrompidas com uma cheia no lado exterior significam as montanhas, pois para terminar e iniciar a miríade das coisas não há nada mais perfeito que as montanhas. Assim, acrescenta o 1 Ching, água e fogo atacando e misturando-se um ao outro, trovão e vento não se opondo um ao outro, e as montanhas e oceano sendo penetrados pelo mesmo sopro, a natureza pode executar suas transformações, completar e aperfeiçoar a miríade das coisas.

Para dar à imaginação e à engenhosidade um jogo ainda mais amplo, esses oito diagramas não só, como mostramos, são correlacionados com os oito pontos cardeais, mas também a oito estações diferentes. Mesmo um conjunto de oito animais diferentes

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são correspondidos com esses oito diagramas; o primeiro, diz-se, representando a força de um cavalo, o segundo, a docilidade de um boi, o terceiro, agradável como um faisão, o quarto, degradante como um porco, o quinto, penetrante como o galo, o sexto. influente como um dragão, o sétimo, dócil como um carneiro, o oitavo, fiel como um cão.

Para ilustrar todas as inumeráveis mudanças e permutações da natureza, esses oito diagramas foram de novo multiplicados uns pelos outros, dispostos em todas as suas possíveis combinações, e assim um outro conjunto de 64 diagramas foi obtido, cada um tendo analogamente um nome especial, e especiais virtudes ocultas a eles asso-ciadas. Esse desenvolvimento do sistema original atribuído a Fo-hi baseia-se, no entanto, numa disposição diferente dos oito diagramas principais. O diagrama do céu, que o sistema de Fo-hi colocava no Sul agora é consignado ao Noroeste, ao passo que o diagrama de fogo, que o sistema mais antigo colocava no Leste, agora ocupa o Sul. De maneira semelhante, o diagrama da terra, anteriormente governando o Norte, agora é relegado ao Sudoeste e seu lugar consignado ao diagrama da água, que antes reinava no Oeste. De acordo com isso temos, nessa nova disposição dos oito diagramas de Fo-hi, o diagrama para água no Norte, o do trovão no Leste, o do fogo no Sul, o do oceano no Oeste. O Nordeste é ocupado pelo diagrama que corresponde às montanhas, o Sudeste pelo diagrama do vento, ao passo que o diagrama para a terra é colocado no Sudoeste, e aquele para o céu, no Noroeste. Essa nova disposição dos oito diagramas originais, e especialmente o seu desenvolvimento num conjunto de 64 diagramas, diz-se ter originado com Wen-wang, o célebre fundador da dinastia Chou, que enquanto passava por um período de retiro, entreteve-se arranjando e rearranjando hastes de palha na base daqueles oito diagramas, de modo que as diversas combinações de hastes longas e curtas de palha representassem todo o esquema do céu e da terra penetrados pelos princípios masculinos e femininos. Podemos prontamente acreditar que os chineses, procurando descobrir o inventor dessa imaginosa teoria, deram com a ideia de que ninguém senão um homem isolado do mundo, ninguém senão um homem doente com o confinamento solitário poderia elaborar um sistema tão engenhoso e maravilhosamente variado, mas tão completamente desprovido de toda observação prática da natureza.

Essa ausência de conexão direta e aplicação prática dos fatos que se dá pela observação da natureza foi, é claro, mais e mais sentida, quanto mais os chineses progrediam em seu conhecimento de astronomia e nos outros ramos da ciência natural. Aquele antigo sistema de diagramas, baseado na antiquada teoria de seis elementos terrestres, não dá lugar para a influência dos cinco planetas, que em eras posteriores foram supostos como fatores de influência capital sobre os destinos da raça humana. Os cinco planetas parecem ter sido desconhecidos mesmo nos dias de Confúcio, ou ao menos nunca são mencionados nos clássicos chineses. Consequentemente, os filósofos da dinastia Sung, achando que o sistema antigo se chocava contra suas populares opiniões sobre astronomia, mas tendo demasiada reverência pela sagrada ferrugem da antiguidade para descartá-la totalmente, mantiveram os oito diagramas, mas elaboraram-nos num sistema baseado na ideia de que os cinco planetas (Vênus, Júpiter, Mercúrio, Marte e Saturno) e os cinco elementos terrestres correspondentes (metal, madeira, água, fogo e terra) contêm a principal solução do grande mistério da vida. Atribuíam aos cinco planetas uma posição central, e pesquisando a partir dessa base as proporções numéricas do universo, chegaram à conclusão de que todos os corpos celestes e todas as forças e influências do céu são dispostas de acordo com o sistema decimal. Aplicando então os antigos seis elementos que entram no plano dos quatro e oito diagramas, e que na verdade referem-se exclusivamente à terra, e não ao céu - apli-cando, digo, esses antigos conjuntos de quatro diagramas e de oito diagramas às

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relações terrestres apenas, chegaram à conclusão de que todas as formações da terra, todas as relações, são baseadas no sistema duodecimal. Assim, inventaram um conjunto de dez caracteres simbólicos ou números, destinados a explicar os mistérios do céu, e chamaram-no de os dez troncos celestiais. Então vieram com outra série de doze caracteres simbólicos ou números, e usaram-nos como a chave matemática para resolver todos os problemas relacionados à terra, chamando-os de os doze ramos terrestres. Eles, além disso, distinguiam tanto nos dez troncos celestes quanto nos doze ramos terrestres, os números pares e ímpares. Todos os números ímpares, declararam, em obediência às regras determinadas pelo I Ching, referiam-se ao princípio masculino da natureza, e todos os números pares, ao feminino. Novamente, dividiram, adotando a regra do antigo sistema, os dez troncos celestes em cinco pares, mas fizeram cada par corresponder não só aos cinco elementos, mas também a cada um dos cinco planetas. Os doze ramos terrestres passaram a significar os já mencionados doze signos do zodíaco, os doze pontos da bússola chinesa e as doze divisões do dia (cada divisão compreendendo duas horas). E ainda, combinando as duas séries e unindo o primeiro dos doze ramos terrestres ao primeiro dos dez troncos celestes; depois unindo os segundos caracteres de cada série e remetendo aos dez troncos seis vezes, através dos doze ramos cinco vezes, obtiveram um conjunto de sessenta caracteres cíclicos, que usaram para designar sucessivos dias e anos, e que multiplicados por seis deram os 360º da eclíptica.

Aqui temos uma série de fórmulas logarítmicas, habilmente idealizadas para englobar todas as proporções numéricas que os chineses atribuem ao universo, intrincada o bastante para deixar perplexa qualquer mente ordinária e assombrar, por seus mistérios, a massa ignorante do povo. Uma hábil e engenhosa manipulação de um tal sistema naturalmente capacita um homem a se impor à multidão supersticiosa, e por conseguinte descobrimos que todas as diferentes artes da adivinhação na China - astrologia, geomancia, horoscopia, frenologia, quiromancia e assim por diante - são ba-seadas nesse sistema de números. Para fins geomânticos, que é só o que nos interessa aqui, os ditos diagramas e séries de computações foram combinados para uso prático na forma de uma bússola, com a agulha magnética no centro, e todos os diferentes diagramas e caracteres cíclicos com todos os elementos que entram no cálculo, inscritos em círculos concêntricos na prancha à volta da agulha.

O uso da agulha magnética sugeriu-me a possibilidade de que os chineses tinham algum conhecimento empírico do magnetismo terrestre, e usariam a agulha magnética para observar a declinação, inclinação e intensidade das correntes magnéticas que passam pela crosta da terra e que hoje em dia estão sendo cuidadosamente obser-vadas pelos meteorólogos modernos, na América e na Europa. Mas lamento dizer que não consegui descobrir o menor conhecimento empírico do fato de que um magneto suspenso livremente indica por seus movimentos a inclinação, declinação e intensidade das correntes magnéticas da terra.

Para começar com o mais exterior dos círculos inscrito na prancha da bússola, achamos este círculo (XVIII) dividido em 28 porções de tamanho desigual, em cada uma delas o nome de uma das 28 constelações pelas quais passa a lua em seu curso pela eclíptica, com o número de graus que cada constelação ocupa. Esse círculo, portanto, representa a órbita da lua, e sua utilidade é determinar não só as influências lunares em geral, mas também a influência que cada constelação supostamente exerce em um dado local. Todo calendário chinês dá uma série de 28 tábuas contendo minuciosa enurneração das afinidades geomânticas associadas a cada constelação, mas bastará aqui dizer que 15 delas são dadas no calendário como nefastas, e 13 como propícias. Para permitir ao geomante determinar as influências lunares felizes ou infelizes de qualquer lugar com perfeita precisão, o círculo seguinte (XVII) representa de novo a

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eclíptica, mas dividida em 360º, dos quais alguns são marcados como felizes, ao passo que no círculo seguinte (XVI) os números ímpares sucessivos dos 360º são marcados em 28 porções correspondendo às 28 constelações do círculo XVII, assim permitindo ao geomante pronunciar, em relação a cada polegada do solo e em relação a cada dia do ano, se o princípio feminino ou masculino ali prevalece, pois os números ímpares representam o princípio masculino e os pares (deixados em branco), o feminino.

Prosseguindo rumo ao centro do círculo (XV) dividido em 60 porções, ilustra-se a influência dos cinco planetas em sua relação com os cinco elementos: metal, madeira, água, fogo, terra. Estes cinco termos são inscritos em série no círculo em diferentes combinações, destruindo uns aos outros, indiferentes uns aos outros, produzindo uns aos outros, e assim por diante. Cada elemento aparece doze vezes, mas o elemento madeira é interpolado num lugar, onde é colocado com o elemento fogo à direita e à esquerda, ocupando dois graus que correspondem ao 10º e 11º graus da constelação do "alqueire” (seis estrelas no ombro e arco do Sagitário). O geomante, referindo-se a qualquer lugar, fica assim capacitado a dizer não só por que planetas em particular o local é influenciado, mas também se o elemento terrestre prevalecendo ali está em harmonia com os elementos que governam os locais adjacentes à direita e à esquerda. Suponhamos, por exemplo, que a bússola indique que um lugar esteja sob a influência de Marte. O elemento terrestre correspondente é o fogo. Ora, se a bússola ali indica madeira à esquerda e água à direita, é um mau agouro, porque água destrói fogo e fogo destrói madeira. Mas suponhamos que a bússola indicasse o elemento terra à esquerda do elemento fogo, e à sua direita, madeira; seria uma conjunção favorável, porque madeira produz fogo e fogo produz terra. Os elementos estão porém arranjados em alguns lugares de modo que, em série, sejam indiferentes uns aos outros, nem produzindo nem destruindo uns aos outros, o que, é claro, é considerado como conjunção favorável.

O círculo seguinte (XIV) é formado por duas linhas concêntricas de caracteres, divididas em 60 porções. A linha interna de caracteres dá 13 diferentes combinações dos dez troncos celestes, arranjados de modo que cada caractere signifique ao mesmo tempo um elemento e um número par (feminino) ou ímpar (masculino). Cada uma dessas 13 combinações de elementos (ou planetas) começa com o elemento (ou planeta) madeira (ou lúpiter), e alternadamente com o número um (masculino) e com o número dois (feminino). Apenas a duodécima combinação, começando com o elemento (ou planeta) fogo (ou Marte) e o número três (masculino) faz exceção. Das 13 combinações, 8 contêm a série completa dos elementos (ou planetas) na ordem em que produzem uns aos outros (madeira, fogo, terra, metal, água). As cinco combinações remanescentes dão os elementos aos pares, de acordo com a ordem de produção. Duas combinações apenas dão os elementos (ou planetas) aos pares, os elementos (ou planetas) que produzem uns aos outros num par e destroem uns aos outros no outro par. A linha exterior de caracteres correspondentes, dividida em 12 espaços, associa a cada 5 caracteres da linha interna um dos 12 signos zodiacais cinco vezes repetido. Consequentemente, cada uma das doze divisões desse círculo contém na linha exterior um signo zodiacal colocado em conjunção com 5 elementos diferentes (ou planetas) na linha interior, mas em todo signo zodiacal a disposição e relação mútua dos elementos é diferente.

Continuando rumo ao centro, o círculo seguinte (XIII) em 60 divisões, dá 48 caracteres, cada um referindo-se a um símbolo diferente dos célebres 64 diagramas de Wen-wang, que mencionei antes. Mas desses 48 diferentes diagramas há 6 que formam o conjunto de 8 diagramas: terra, oceano, fogo, trovão, vento e montanha, e que aqui são dados duas vezes, em diferentes locais; seis outros, não pertencendo ao conjunto dos 8 diagramas, são dados duas vezes, lado a lado. Para a explicação desses 48

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diagramas, o geomante recorre à tabela dada em todo calendário, onde cada um dos diagramas é dado e os dias felizes ou infelizes (para o trabalho geomântico) é apontado.

O círculo seguinte (XII) está dividido em 24 divisões, cada uma subdividida em 5 compartimentos. O segundo e quarto compartimentos em cada uma das 24 divisões têm uma dupla fileira de caracteres à sua volta. A linha interior de caracteres dá alternadamente em cada divisão, os dois símbolos do fogo (ping-ting) – que também significam os números 3 (masculino) e 4 (feminino) – e os dois símbolos do metal (kang-sin) - ou os números 7 (masculino) e 8 (feminino) - repetidos duas vezes em cada divisão; a série sendo: ping-ting ping-ting; kang-sin kang-sin. Na linha exterior corres-pondente, os doze ramos terrestres ou signos do zodíaco são dados sob os já mencionados símbolos em doze divisões, cada divisão tendo um signo zodiacal repetido quatro vezes em caracteres idênticos. A função desse círculo, portanto, é conectar ciclicamente cada um dos doze signos do zodíaco com um dos dois elementos, fogo ou metal, ou com os planetas Marte ou Vênus, assim como com certos elementos masculinos ou femininos.

O círculo seguinte (XI) é idêntico ao de número VII a partir do centro, só que os caracteres inscritos neles estão dispostos de maneira que, por exemplo, o símbolo que designa o norte está à esquerda, e no outro círculo à direita da linha que corre para o norte entre eles. Ora, em ambos os círculos, em 24 divisões, estão escritos em série um ou outro dos 12 ramos, alternando-se com um ou outro dos dez troncos (mas omitindo os dois troncos que designam a terra), ao passo que após cada 5 desses caracteres, um dos 4 diagramas seguintes (tomados daquele conjunto de 8 diagramas) é ínserido: os diagramas para céu, terra, montanhas e vento. Esse círculo portanto combina os doze pontos da bússola chinesa, com referência simultânea aos elementos: madeira, fogo, metal e água; e aos planetas: Júpiter, Marte, Vênus, Mercúrio; e aos quatro princípios geomânticos: céu, terra, montanhas e vento.

O círculo seguinte (X) dá as divisões menores da bússola. É dividido em 60 espaços, onde não só as direções da bússola estão inscritas, mas também as direções dos 10 troncos do céu e dos 4 princípios geomânticos. Lê-se, por exemplo, do leste para o sul: Direção Leste. 7 (metal); 3 (fogo). 3 (fogo); 7 (metal). Direção dois (madeira). 5 (terra); 5 (terra). Direção E-SE. 3/4 E. 7 (metal); 3 (fogo). 3 (fogo); 7 (metal). Direção Vento. 5 (terra); 5 (terra). Direção S-SE. 3/4 E. 7 (metal); 3 (fogo). 3 (fogo); 7 (metal). Direção Fogo. 5 (terra); 5 (terra). Direção Sul. Os números 7; 3; 5 significam, é claro, frações de 10, ou subdivisões da bússola. As palavras 7 (metal), 3 (fogo), por exemplo, significam que 7/10 desta subdivisão da bússola são governados pelo elemento metal, e 3/10 do mesmo espaço pelo elemento fogo.

Com esse círculo está em correspondência o seguinte, (IX), que dá 60 divisões com dois círculos concêntricos de caracteres. Esse círculo com seus caracteres é o mesmo que o de número XIV e o de número V a partir do centro. Só que as inscrições dos 3 círculos estão em posições diferentes; assim, o primeiro caractere do círculo XIV (fileira interior) está quase no leste, a do círculo V quase E-SE, ao passo que o primeiro do círculo IX está entre eles.

O círculo seguinte (VIII) é o mesmo que o XI, exceto pela posição dos caracteres, e suplementa aquele círculo ressaltando a linha de influência de cada símbolo.

O outro círculo (VII) tem as mesmas divisões do VIII e XI, com suas 24 divisões, cada uma representando um dos 24 termos solares ou 24 períodos correspondentes ao dia em que o sol entra no 1º e no 15º graus dos signos zodiacais. Esse círculo é, portanto, um calendário-miniatura, e sua utilidade é determinar a estação durante a qual uma casa pode ser erigida ou um túmulo construído num dado lugar.

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Essas 24 estações não estando, porém, sob a influência apenas do sol, mas também dos 5 elementos e dos 5 planetas, os dois círculos seguintes exibem a influência que esses, elementos e planetas exercem sobre cada uma das 24 estações do ano.

O primeiro deles (VI) faz corresponder a cada estação um dos doze signos zodiacais e dois planetas ou elementos, fogo (Marte) e metal (Vênus). O segundo (V) não traz só dois, mas todos os 5 elementos e planetas, além dos 12 signos do zodíaco, correspondendo às 24 estações. Esse círculo é dividido em 12 porções distintas, com um espaço em branco entre cada uma delas, e cada divisão contém na fileira exterior de caracteres um signo zodiacal 5 vezes repetido, ao passo que na porção exterior correspondente da fileira interior, inscrevem-se 5 diferentes troncos celestiais. Mas esses troncos estão dispostos em 12 diferentes combinações, dando alternadamente, em números pares ou ímpares, os vários elementos ou planetas.

O círculo subsequente (IV) é dividido em 24 partes iguais, nas quais estão inscritos: (1) os 12 signos zodiacais, os números ímpares sendo marcados em vermelho como particularmente auspiciosos, assim como Áries, Gêmeos (que representa o tigre branco), Leão (que representa o dragão azul), Libra, Sagitário e Aquário; (2) oito dos 10 troncos celestiais, a saber: dois caracteres para o elemento água, dois para a madeira, dois para o fogo, e dois para o metal; (3) quatro símbolos pertencentes aos oito diagramas, a saber: céu (em vermelho), terra (marcada em vermelho), vento e água. Esse círculo é essencialmente o mesmo que os de número VIII e XI, e sua identidade é ainda mais salientada pela igualdade de largura e tamanho dos caracteres. A única diferença entre esses três círculos é que os caracteres são colocados em posição diferente, indicando com mais proeminência a linha exata em que se dá a influência de cada símbolo.

O círculo de número (111) associa aos 12 signos zodiacais aquelas 9 estrelas do alqueire do norte que mencionamos acima. São dispostas aqui em 24 compartimentos: um chamado o quebrador da falange, ocorrendo 3 vezes; 3 outras chamadas a estrela militar, a estrela literária e a estrela da pureza, cada uma 4 vezes; 3 outras chamadas de lobo avarento, emolumentos oficiais e a porta ampla, ocorrendo cada uma 2 vezes; e as duas remanescentes, o assistente da mão esquerda, e o assistente da mão direita, cada uma ocorrendo uma vez.

O círculo de número (11) dá, em 24 divisões, da qual cada uma alternada é deixada em branco: (1) os diagramas do céu, terra, montanhas e vento; (2) oito troncos celestiais em pares, cada caractere referindo-se a um número diferente, elemento ou planeta. A sequência é a seguinte: (1) vento; (2) número dois madeira e três fogo; (3) vento; (4) terra; (5) 4 fogo e 7 metal; (6) terra; (7) céu; (8) 8 metal e 9 água; (9) céu; (10) montanhas; (11) 10 água e 1 madeira; (12) montanhas. Note-se aqui que os quatro pares de elementos (planetas) mencionados são dispostos de modo que cada par contém um número par (feminino) e um número ímpar (masculino), e os elementos (ou planetas) a que se referem estão de acordo com a ordem de aparição.

O primeiro e mais interior dos círculos dá em 8 compartimentos os nomes de 8 signos zodiacais: Leão, Gêmeos, Sagitário, Capricórnio, Peixes, Câncer, Virgem e Libra.

Quando a bússola é consultada com referência a um lugar qualquer, não só um destes 18 círculos, mas cada um deles contribui com alguma parte para a determinação dos aspectos propícios ou nefastos do lugar em questão. O resultado, porém, é que para cada local um grande número de conjunções desconcertantes pode ser enumerado, causando ao não-iniciado a crença de que essa bússola é um complexo quase misterioso de sabedoria sobrenatural. E acho que devo reconhecer que seja um dispositivo bastante engenhoso, sendo no todo um conhecimento rudimentar de astronomia, pois compreen-

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de numa só disposição todos os diferentes princípios da ciência física chinesa, os princípios masculino e feminino, os 8 diagramas, os 64 diagramas, a órbita solar, a eclíptica lunar, os 360º da longitude, os dias do ano, os 5 planetas, os 5 elementos, as 28 constelações, os 12 signos zodiacais, as 9 estrelas do alqueire, as 24 estações e os 12 pontos cardeais.

As pessoas incomuns conhecem todos esses termos pelo nome, mas não sabendo seu significado, vêem os termos em si com um certo temor reverente, supondo que exerçam alguma influência mágica. Ora, o geomante, tirando vantagem desse preconceito popular vai ao homem do povo com a bússola na mão, da qual o povo nada entende, e pronuncia seu julgamento em relação a um local num jargão mistificante, e suas afirmações apocalípticas são recebidas com temor supersticioso mesmo onde não há muita fé no sistema. O geomante, ele mesmo sabe muito bem que suas predições são só adivinhação, baseada na experiência que acumula no decurso de sua prática. Mas ele também sabe que suas profecias por vezes se cumprem em consequência do temor que inspiram, e mesmo que suas predições na maioria das vezes sejam desautorizadas pelos eventos reais, ele pode se confortar pensando que sua bússola, afinal, se não faz o dinheiro correr para o bolso de seus clientes, certamente o faz correr para o seu.

Retiro de um filósofo na Colina de Fu-chung, província de Sin-kiang. Degraus cortados na rocha dão acesso aos tanques de pesca.

4 - O SOPRO DA NATUREZA

Agora chegamos à terceira divisão do sistema de Feng-shui, a doutrina do sopro da natureza. A natureza, como já tive ocasião de apontar antes, é vista pelo observador chinês como um organismo vivo e que respira, e não podemos nos surpreender, portanto, ao encontrar os chineses discutindo a inalação e a exalação do alento da natureza. De fato, com a distinção destes dois sopros, o de expansão, como o chamam, e o de reversão, explicam quase todo tipo de fenômeno da natureza. Entre o céu e a terra,

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não há nada tão importante, tão poderoso e onipresente quanto esse sopro da natureza. Penetra cada tronco, cada fibra, e através dele o céu, a terra e toda criatura vive, se move e tem seu ser. O sopro da natureza, nada mais é senão a energia espiritual dos princípios masculino e feminino. Assim, no começo da condensação do sopro transformador da natureza, há a mudança do nada para o ser do princípio masculino: a exaustão do sopro transformador da natureza é a mudança da existência para a não-existência do princípio feminino da natureza. Quando no início esses dois princípios saíram do "grande absoluto", foi então que o primeiro sopro da natureza foi exalado. Mas no princípio, o sopro da natureza era confuso e caótico, de modo que por algum tempo o céu e a terra não estiveram separados, mas quando o sopro da natureza reverteu, e a exalação e a inalação regularmente se sucederam, céu e terra, os princípios masculino e feminino, foram separados e tudo na natureza foi produzido em sua ordem apropriada. Mesmo agora, quando o primeiro sopro da natureza se adianta ou expande, algo como um feto disforme é criado, constituindo o germe de um futuro desenvolvimento. Essa origem incipiente e disforme das coisas, sendo leve e pura, ainda não possuindo qualquer forma determinada, pertence ao masculino, e pode ser chamada princípio superior da natureza: mas quando uma forma bem determinada foi assumida, manifestamente apresenta-se à vista e constitui a forma exata das coisas, possuindo corpo, cor, forma e modo. Isso, sendo pesado, material e cognoscível pelo sentido humano, pertence ao princípio feminino, ou inferior, ou em outras palavras: um sopro que se adianta e outro que reverte, regularmente se sucedendo um ao outro, são a condição da constante sucessão de crescimento e declínio da vida e da morte no mundo físico.

Os dois sopros da natureza são, porém, essencialmente um só. Os princípios masculino e feminino, unindo-se, constituem o começo das coisas; quando se dispersam, causam declínio, dissolução e morte. Por vezes dispersam-se, e de novo se unem. Assim, depois de terminarem, de novo começam o que constitui o princípio da reprodução, difundindo-se sem cessar por toda a natureza. Quanto ao sopro que penetra os seres humanos, as energias da natureza também aqui devem eventualmente se esgotar, e a morte é o que nenhum homem pode evitar. Com a morte, as partes mais grosseiras da alma animal do homem descem e voltam à terra, mas as partes mais finas da natureza espiritual difundem-se e se expandem pelo mundo, tornando-se uma nuvem ou uma luz que aparece ocasionalmente, à semelhança de um fogo-fátuo ou um vapor que, ninguém sabe como, afeta os sentidos humanos e pode torná-los entorpecidos, tristes e deprimidos.

Esse sopro da natureza, com suas constantes pulsações, com suas incessantes permutações de expansão e contração, mostra-se nas condições variadas da atmosfera sob seis modos, sendo a causa original de frio, calor, secura, umidade, vento e fogo. Esses são por vezes chamados de seis sopros da natureza. Esses seis sopros produzem, sob a influência combinada dos 5 planetas e dos 5 elementos, as 24 estações, que são geralmente chamadas de 24 sopros da natureza. O sopro da natureza aliado ao elemento madeira, e guiado por júpiter, produz a chuva; combinado com o elemento metal e governado por Vênus, o sopro da natureza produz bom tempo; unindo-se ao elemento fogo e influenciado por Marte, o sopro da natureza produz o calor; suportado pelo elemento água e governado por Mercúrio, o sopro da natureza produz o frio; e com o auxílio do elemento terra e influenciado por Saturno, causa o vento. E esse é todo o sistema da meteorologia chinesa.

Mas agora surge a questão de como nós, à parte o funcionamento geral do sopro da natureza, podemos determinar, com referência a uma localidade qualquer se há ali um sopro favorável ou desfavorável, ou se há qualquer sopro?

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Aqui de novo o sistema do Feng-shui faz uso da alegoria do dragão azul e do tigre branco. Observamos acima que a superfície da terra nada mais é que o espelho pálido das configurações, poderes e influências do céu, e que portanto, cada constelação do céu tem sua contraparte na terra. Já notamos (pág. 33) que um dos 4 quadrantes do céu estrelado, no leste ou à esquerda do observador, é governado por um espírito chamado de dragão azul, incorporando as influências de sete constelações. O quadrante ocidental, ou da direita, compreendendo também 7 constelações, é representado por um espírito chamado de tigre branco. O dragão azul e o tigre branco são, portanto, emblemas indicadores das influências sutis, o sopro vital das divisões oriental (masculina) e ocidental (feminina) do firmamento. Sempre que há uma pulsação do sopro da natureza, será visível na terra alguma elevação do terreno. Onde o sopro da natureza estiver correndo pela crosta da terra, as suas veias e artérias, por assim dizer, serão detectáveis. Mas o sopro da natureza contém um elemento dual, um sopro masculino e um feminino, um positivo e um negativo, um de expansão e um de reversão, assemelhando-se ao que nós, num português moderno, diríamos, duas correntes magnéticas, ou como os chineses as chamam, o dragão azul e o tigre branco. Onde houver um dragão verdadeiro, haverá também um tigre, e os dois serão detectáveis no traçado de montanhas ou colinas num curso tortuoso. Além disso, será discernível o tronco e os membros do dragão, até mesmo as veias e as artérias de seu corpo, saindo do seu coração, na forma de cadeias de montanhas. Via de regra, haverá uma acumulação de sopro vital perto da cintura do dragão, ao passo que nas extremidades de seu corpo a energia do sopro da natureza estará quase esgotada. A uma distância de 20 li, ou 6 milhas, diz-se que o sopro torna-se fraco e ineficaz. Mas mesmo perto do coração do dragão, o sopro da natureza, a menos que mantido coeso pelas colinas e montanhas das imediações, será disperso. Onde um lugar qualquer, aberto e amplo de todos os lados, admitindo o vento de todas as direções, não terá vantagem nenhuma do sopro, pois o vento se dispersará antes de causar qualquer benefício. Suponhamos ainda um terreno com muito sopro vital, e flanqueado por colinas que tendem a reter o sopro, mas os cursos d'água correm em linha reta, rapidamente; ali também o sopro será disperso antes de servir a qualquer propósito útil. Só nos lugares onde o sopro da natureza for mantido coeso, encerrado à direita e à esquerda e tendo um dreno para levar a água num curso tortuoso, haverá as melhores indicações de um fornecimento permanente de sopro vital. Construir um túmulo ou uma casa num tal lugar garantirá a prosperidade, saúde e honras.

Observa-se a regra geral que, sempre que se se deparar com terreno duvidoso que não dê indicações claras das veias do dragão, é melhor procurar o canto mais recluso, pois no retiro é que o tigre e o dragão são mais entrelaçados, e ali o sopro se acumula mais abundantemente. Suponha-se ainda que foi encontrado um terreno onde ambos, dragão e tigre são completamente delineados: a regra é então procurar pela junção de tigre e dragão, alguma depressão ou montículo, ou alguma súbita transição de terreno masculino para feminino. Pois o corpo do dragão e as colinas circunjacentes sempre devem exibir características masculinas e femininas até o ponto em que o lugar auspicioso esteja precisamente determinado.

Até aqui só falei do sopro natural e benéfico da natureza. Mas há uma exalação venenosa e mortal, e é uma das vantagens do Feng-shui, apontar e advertir contra os locais em que a construção de um túmulo ou uma casa acarretaria a perda da vida e calamidades sobre as gerações futuras. Muito frequentemente, diz-se, há lugares que têm todas as aparências de bom terreno de dragão e sem dar sinal de influências malignas; no entanto, aquele terreno acarretará indescritíveis calamidades e desolação sobre qualquer família que se aventurar a escolher um local ali para uma tumba ou

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residência. Em tais casos, só a bússola indicará a presença de um sopro nocivo, assinalando a desarmonia das influências planetárias e o desacordo dos elementos.

Mas, em geral, a existência de um sopro pernicioso traír-se-à por indicações exteriores. Sempre que houver uma colina ou montanha elevando-se abruptamente do solo, e erguendo-se em linhas retas, ou mostrando um aspecto extremamente anguloso, sem encostas graduais, haverá ali um sopro perigoso. Falando genericamente, todas as linhas retas são maus sinais, mas mais especialmente quando uma linha reta aponta diretamente para o ponto em que um local foi escolhido. Suponha ainda que você tenha escolhido um lugar em que tanto o dragão à esquerda quanto o tigre à direita estão encurvados como um arco, mas aos lados dos quais serras se estendem em linhas retas, cada uma como uma flecha num arco - essa seria uma configuração absolutamente perigosa. Ou suponha que você encontrou um lugar abundante em bons auspícios, mas a alguma distância à sua frente há uma serra em linha reta ou fonte de água, ou corte de ferrovia, não apontando na direção do seu terreno, mas correndo de través em linha reta - essa linha causaria um sopro mortal, afetando toda a sua fortuna e a de seus descendentes.

Como as linhas retas das serras são causadoras de más influências, o mesmo se dá com as correntes de água que correm em linha reta. A água, no sistema do Feng-shui é sempre vista como símbolo da riqueza e da abundância. Sempre que a água correr em linha reta, fará com que as propriedades das pessoas que moram perto dela se escoem depressa, da mesma maneira que a água. As linhas tortuosas são indicações de sopros benéficos e servirão para reter o sopro vital, onde quer que ele exista.

Uma outra indicação da existência de um sopro maligno são as rochas destacadas, a menos que sejam protegidas por árvores e arbustos. Há muitos casos, dados nos livros de geomancia, de túmulos situados perto de rochas, mas estando essas protegidas por vegetação densa; o túmulo em questão exercendo ao longo de várias gerações a mais benéfica influência, acumulando honrarias, riqueza, longevidade, progênie e tudo o mais sobre as famílias cujos ancestrais foram enterrados ali. Mas aos poucos, a descrença no Feng-shui, ou a avidez, ou o ódio de um inimigo malicioso, fez com que as árvores caíssem e os arbustos que protegiam as rochas fossem cortados, causando imediatamente a desgraça e a pobreza a essas famílias; foram privadas de suas honrarias, seus emolumentos, sua riqueza dispersou-se, e seus descendentes foram lançados às agruras da vida, para passar fome.

Hong Kong, com a sua abundância de rochas e encostas rochosas das montanhas, é abundante em sopro maligno, e os chineses acham que nosso governo é muito sábio ao procurar plantar árvores por todos os lugares nas colinas, para obstacular esses geradores do mal. Mas a mais maligna influência que Hong Kong sofre é causada por aquela curiosa rocha no sopé do morro perto de Wanchai. É visto claramente da Queen's Road East, e os estrangeiros vêem nela Caim e Abel, Caim matando seu irmão. Os chineses acham que a rocha representa um vulto feminino que chamam de a mulher má, e acreditam seriamente que toda a imoralidade de Hong Kong, todo o vício de Taip'ingshian são causados pela rocha maligna. Essa crença está tão firmemente impregnada nas classes inferiores de Hong Kong que aqueles que lucram com práticas imnorais vão venerar aquela rocha, esparramando a seus pés oferendas e queimando incenso na sua base. Ninguém se atreve a danificá-la, e já ouvi de pessoas, sob outros aspectos perfeitamente sensatas, que vários canteiros que tentaram cortar a base da rocha morreram subitamente após a sua tentativa,

Ora, todas essas más influências, sejam causadas por linhas retas, colinas, cursos d'água, ou rochas e montanhas rochosas, podem ser defendidas ou contrabalançadas. Os melhores meios para manter à dístância ou absorver essas exalações más são plantar

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árvores junto à casa e manter um tanque com fornecimento constante de água fresca na frente da casa. Um pagode, porém, ou uma colina coberta por floresta serve ao mesmo fim, e por essa razão a Serra de Cantão. com seus pagodes de cinco andares, protege contra o mau sopro da natureza, e protege toda a cidade. Outro dispositivo para manter à distância as más influências, é colocar à frente do portão da casa um escudo ou prancha octogonal com os emblemas dos princípios masculino e feminino, ou com os oito diagramas pintados sobre ele, e dando ao caminho que conduz à casa um traçado tortuoso. Leões talhados em pedra ou dragões de porcelana também servem ao mesmo fim, e podem ser colocados na frente de um edifício ou no topo do telhado; mas o meio melhor e mais efetivo, é contratar um geomante, fazer o que ele diz, e pagar-lhe bem.

Uma bússola de geomante.

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No distrito dos Dois Picos, província de Chen-si. Estas montanhas são ricas em ouro e outros minerais, mas o Feng-shui da região foi considerado ainda mais precioso e a

mineração foi proibida. Guarda tártaros foram estacionados aqui para impedir os prospectores.

5 - AS FORMAS DA NATUREZA

Agora chegamos à última divisão do sistema do Feng-shui - a doutrina dos perfis e formas da natureza. Este capítulo, porém, constitui apenas a aplicação prática das regras e ideias gerais estabelecidas nos capítulos precedentes, e não precisarei entrar em detalhes. Já falei das elevações do solo que indicam a presença do sopro da natureza, com suas duas correntes de energia masculina e feminina, positiva e negativa, simbolicamente chamadas dragão e tigre. A posição relativa e a configuração destas, conforme indicada por colinas ou montanhas, é o ponto mais importante, no que concerne aos perfis e formas da superfície da terra. Não vou entrar numa enumeração de todas as configurações que tornam a posição relativa, extensão e direção desses dois elementos simbólicos, favorável ou desfavorável. Basta dizer que são mais auspiciosamente dispostos quando formam uma ferradura completa, assim como duas séries de morros começando de um ponto vão para a direita e para a esquerda numa graciosa curva, suas extremidades suavemente voltam-se uma para a outra. Tal formação de morros é indício certo da presença de um verdadeiro dragão e, se outras conjunções não a contrariarem, a influência de um local escolhido num ponto onde o dragão e o tigre vão para a direita e para a esquerda, é tudo o que se pode desejar.

Outro elemento importante na doutriria das aparências da natureza é a direção dos cursos d'água. Já tivemos ocasião de aludir a isso mais de uma vez, e o ponto principal é que a água correndo em linhas retas ou formando ângulos fortes em seu curso, é absolutamente perigoso. Um curso sinuoso é o melhor presságio da existência de influências benéficas. Mas a junção de dois cursos d'água é um elemento que não

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deve ser desprezado. A junção deve ter lugar numa curva graciosa, e as águas assim unidas vão em seu curso tortuoso cruzando e recruzando a planície.

Um terceiro assunto exige atenção aqui: a forma dos morros, especialmente os perfis de seus cumes. Já observei que os cumes dos morros são a corporificação de certos corpos celestes. Portanto, é um dos primeiros requisitos de um geomante que seja capaz de num relance dizer que astro é representado por qualquer montanha. Quanto aos planetas e suas contrapartes na terra, as regras pelas quais qualquer montanha pode ser referida a um ou outro dos cinco planetas são muito simples. Se um pico eleva-se altaneiro e reto, terminando numa ponta aguçada, é identificado com Marte e declarado como do elemento fogo. Se uma montanha com essa forma tem o topo quebrado e plano, mas estreito, é corporificação de Júpiter e representa o elemento madeira. Se o topo de uma montanha forma um platô extenso, representa Saturno, e o elemento terra reside ali. Se uma montanha eleva-se alta mas seu pico é suave e arredondado, é chamada Vênus e representa o elemento metal. Uma montanha cujo topo tem a forma de uma cúpula é vista como representante de Mercúrio, e o elemento água domina ali.

Agora, onde houver muitas montanhas ou colinas em grande proximidade, é de grande importância descobrir se os planetas e elementos que essas montanhas individualmente representam formam uma união harmoniosa e pacífica, pois a fortuna de um lugar depende em grande medida disso, que os planetas e elementos que o in-fluenciam sejam amigos ou aliados uns dos outros, produzindo uns aos outros, ou indiferentes uns aos outros. Suponhamos que haja perto de uma colina, assemelhando-se a Júpiter e portanto ao elemento madeira, uma outra com o perfil de Marte e correspondendo ao elemento fogo; é manifesto que esta é uma conjunção altamente perigosa. Por exemplo, o pico de Hong Kong, representando os perfis de Júpiter, está sob a influência da madeira. Ora, ao pé desta montanha, está a colina chamada Taip'ingshan, com o perfil de Marte, e portanto representando o fogo. Ora, uma pilha de lenha com fogo no pé - qual a consequência? Não é de surpreender que a maioria dos incêndios em Hong Kong ocorram no bairro de Taip'ingshan. Vemos portanto, que é de máxima importância considerar não só que planeta cada colina ou montanha representa, mas também a relação mútua, amigável ou destruidora dos vários planetas e elementos representados pelos diferentes picos.

Mais obscuro é o método pelo qual a presença das chamadas nove estrelas do alqueire do norte é detectada. Essas nove estrelas, com seus nomes curiosos e temíveis influências, não têm perfis fixos para indicar suas características e facilitar a identificação, mas devem ser principalmente reconhecidas pela indicação da bússola.

Em geral a associação de ideias sobre o perfil dos morros é de grande importância. Por exemplo, se uma colina assemelha-se, em seu contorno geral à forma de um amplo divã, então sua influência fará seus filhos e netos terem uma morte prematura e violenta. Se você construir numa montanha que se assemelha a um barco emborcado, suas filhas sempre serão doentes e seus filhos passarão a vida na prisão. Se uma montanha lembra o perfil de um sino, ao passo que no cume há perfis de Vênus, a montanha fará as sete estrelas da Ursa Maior lançar uma luz mortal sobre você que o tornará, e aos membros de sua família, estéreis. Mais perigosas são as colinas que se assemelham a um ou outro dos seguintes objetos: uma cesta, um arado, o olho de um cavalo, uma tartaruga, um terraço, uma campina.

Há muito mais regras referindo-se às formas e perfis da superfície da terra. Mas creio que o que é indicado acima dará a meus leitores uma ideia mais ou menos clara dos ensinamentos práticos do sistema do Feng-shui.

Só resta um ponto a ser observado, que é a arte de aperfeiçoar a configuração natural de qualquer lugar. O céu, diz-se, requer o auxílio do homem para executar seu

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esquema de justiça. A terra exige o auxílio do homem para levar seus produtos à perfeição absoluta. Nem o céu nem a terra são completos em si, mas deixam o acaba-mento de tudo para o homem. Consequentemente, no que concerne aos perfis da superfície da terra, há muito espaço para a interferência ativa do homem. A influência dos planetas e dos cinco elementos é muito grande, mas não é tudo. A influência da configuração natural do solo é muito poderosa nos destinos humanos, mas o homem pode alterar as configurações naturais e melhorar os aspectos de qualquer local nefasto. Se houver qualquer elevação insuficientemente alta, pode elevá-la; se qualquer curso d'água estiver correndo numa reta perigosa à vida e à propriedade, pode removê-lo, ou dar-lhe nova direção. Se houver uma montanha representando Marte e o elemento fogo, ele só precisa cortar sua ponta e transformar Marte em Júpiter. Ou se houver uma montanha perturbando a harmonia das vizinhanças porque tem o perfil de Júpiter, é só arredondar os perfis de seu pico e Júpiter é transformado em Vênus. Isso é frequentemente feito, e especialmente os viajantes terão notado um montículo arredondado aqui e ali no topo de uma montanha alta, mas achatada. Esse montículo é elevado para converter aquela montanha, que sendo achatada corresponde a Saturno, em Marte, pois o elemento fogo, em si nunca dando bom terreno para um túmulo ou casa, é absolutamente necessário enquanto elemento para a configuração geral de uma região.

Vemos, portanto, que em grande medida é deixado à previsão e energia do homem mudar sua fortuna para qualquer canal que lhe agradar, modificar e regular as influências que o céu e a terra lhe acarretam, e é atributo do sistema do Feng-shui ensinar ao homem como governar a natureza e seu destino, mostrando-lhe como céu e terra o governam.

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Altar no grande templo de Ting-hai, em Chu-san, outrora o mais rico da China. A Rainha do Céu, sobre um golfinho dentro de uma gruta, corresponde à Virgem

Cristã.

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6 - A HISTÓRIA E A LITERATURA DO FENG-SHU1

Até agora, contemplamos o Feng-shui como derivado principalmente dos ensinamentos de Chu-hi e outros filósofos da dinastia Sung. E certamente, quando vemos o Feng-shui como um sistema de ciências físicas popularmente reconhecido, como combinação metódica de certas ideias filosóficas para fins práticos bem definidos, mal podemos detectar suas origens além daquele período tão justamente chamado de era de Augusto da literatura chinesa. Mas as ideias e práticas mais relevantes que elaboraram esse sistema de superstição popular, podem ser encontradas em épocas muito remotas. Os princípios mais importantes do Feng-shui têm suas raízes na anti-guidade remota, e não seria exagero dizer que se de fato o Feng-shui moderno não era um ramo de estudo ou profissão distinta antes da dinastia Sung (960-1126), a história das principais ideias e práticas do Feng-shui é a história da filosofia chinesa.

A raiz mais profunda do Feng-shui saiu daquela excessiva e supersticiosa veneração dos espíritos dos ancestrais, que muito embora mentes filosóficas como a de Confúcio possam construí-la sobre uma base exclusivamente moral, simplesmente como uma expressão da piedade filial, foi a massa do povo chinês o solo fértil onde proliferou a erva daninha da superstição. O culto aos ancestrais, naturalmente, implicava na ideia de que os espíritos dos antepassados mortos poderiam influenciar, de algum modo, a fortuna dos descendentes. Essa noção supersticiosa, cuja existência pode ser mostrada nos mais antigos registros do pensamento chinês de que dispomos, é a mola propulsora e instinto chefe de todo o sistema do Feng-shui.

O passo seguinte na direção do Feng-shui, que a mente supersticiosa da antiguidade deu, foi conectar a influência dos ancestrais à localização de seus túmulos e o caráter topográfico das vizinhanças de cada túmulo. Nas eras mais primitivas da antiguidade chinesa, não há nenhuma evidência de que esse costume estivesse em moda. Mas temos alguns traços distintos das primeiras ocorrências dessa ideia. Nos tempos do alvorecer da história chinesa (1122 a.C.), diz-se que as pessoas comuns eram enterradas nas planícies, os príncipes nas colinas, os imperadores num montículo no cume das altas montanhas. Aqui temos uma primeira indicação de um grau de impor-tância associado não só à situação geral do túmulo, mas também à construção e à ereção, no caso de tumbas imperiais, de um montículo supostamente erguido como proteção e escora do túmulo; o dragão, como viria a ser chamado nas eras futuras.

De novo, é relatado, com a autoridade de Confúcio, que nos tempos antigos os túmulos eram construídos de modo que a cabeça do falecido apontasse para o norte. As palavras do Li-ke, onde a passagem aparece, são: "os mortos têm suas cabeças colocadas para o norte, e os vivos contemplam o sul"; e o comentador confucionista explica a razão desse modo de enterro, dizendo que o norte era visto como governado pelo princípio feminino, e o sul pelo princípio masculino; que a morte e a decomposição eram consideradas pertencentes ao sopro feminino, ou de reversão da natureza; a vida e o vigor à influência da energia masculina, ou de expansão. Isso indica que mais um passo tinha sido dado na direcão do Feng-shui: as energias masculina e feminina da natureza e as distinções entre norte e sul são impostas à posição e construção do túmulo.

O montículo sobre o túmulo, que originalmente era prerrogativa dos túmulos imperiais, com o tempo foi adotado por todas as classes de pessoas. No período imediatamente anterior ao de Confúcio, parece que era considerado importante por todos ter um montículo de terra sobre cada túmulo. A própria atitude que Confúcio, admirador da antiguidade primitiva, assumiu com referência a esse costume, que considerou como inovação criticável, que a antiga forma de enterro tinha sido

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desvirtuada e que os costumes e ideias até seu tempo estavam associados a ideias contra as quais ele protestava.

Levando em consideração as ideias acima, parece inegável que muito antes de Confúcio a atenção dos enlutados era dirigida à importância de escolher, cuidadosamente, o local de uma tumba e construí-la de uma maneira prescrita pelo costume. É natural supor que isso era feito com o objetivo de protegê-la contra calamidades naturais, ou garantir a prosperidade que poderia ser causada, na opinião dos supersticiosos cultuadores dos espíritos ancestrais, pelo espírito a quem o túmulo era dedicado. Em suma, os princípios elementares do Feng-shui parecem ter sido praticados muitos séculos antes de Confúcio, inconscientemente, por gente supersticiosa. Mas não há nada para provar que o Feng-shui foi reduzido a ciência, e que era praticado metodicamente como profissão. Enquanto a antiga crença num Deus pessoal supremo exerceu influência sobre o povo, as ideias flutuando por entre aqueles influenciados pela superstição não podiam se aglomerar num sistema, que requeria a noção de um fatalismo materialista como centro em torno do qual precisariam reunir-se para tomar a forma definitiva do Feng-shui. Os devotos chineses do Feng-shui tentam provar que nos tempos primitivos, era um ramo organizado da ciência. A passagem em que se baseiam, porém, é muito vaga para alicerçar tal conclusão. Falando dos dia-gramas de Fo-hi, o I Ching diz: "o sábio olha para o céu e (com o auxílio dos diagramas) observa todos os fenômenos celestiais, contempla a terra e (usando os mesmos diagramas) examina o traçado do solo". Mas a sentença que se segue mostra que essa passagem não se refere a nada assim como o Feng-shui - "ele acompanha as origens de todas as coisas e acompanha sua existência até o fim; assim compreende a teoria da vida e da morte". Está claro, portanto, que essa passagem refere-se simplesmente ao uso dos diagramas aplicado ao universo,em geral. Não há a menor evidência para mostrar que os diagramas do Fo-hi ou Wen-wang jamais foram apli-cados, naqueles tempos primitivos, à posição geomântica de tumbas e à determinação da influência que se acreditava que os túmulos exerceriam sobre os destinos humanos.

O segundo período na históra do Feng-shui, pode-se dizer, estendeu-se de Confúcio (550 a.C.) à ascensão da dinastia Han (202 a.C.). Esteve no poder de Confúcio e seus discípulos, Mêncio e Suntze, que exerceram forte influência sobre as mentes dos compatriotas de seu tempo, reprimir e retificar as noções supersticiosas que já flutuavam por entre o povo e tendendo a um sistema regular de geomancia, assumindo uma atitude definida, denunciando a superstição e substituindo por uma teoria esclarecida sobre o assunto. Mas ele e seus discípulos, se bem que pessoalmente livres de superstição, contentaram-se em insistir numa reforma da moralidade de acordo com o padrão dos antigos sábios, sem se aventurar a atacar a superstição que estava se acumulando em torno da forma ancestral da veneração dos ancestrais. Em poucas palavras, permaneceram neutros, e a consequência foi que a superstição espalhou-se mais e mais. A posição tomada por Confúcio e seus discípulos, em relação àqueles primeiros sintomas de superstição geomântica, é ilustrada de maneira exemplar por uma anedota cuja veracidade nunca foi discutida. Confúcio, tendo com alguma dificuldade descoberto o túmulo de seu pai, fê-lo abrir e enterrou os restos de sua mãe com os de seu pai. Nessa ocasião foi sugerido que, de acordo com o costume da época, um montículo fosse erguido sobre a cova. Confúcio, muito embora tivesse observado que isso não estava de acordo com as regras antigas, não se opôs, mas diz-se que logo depois de erguido o montículo, uma súbita tempestade lavou-o e nivelou o chão!

Este pequeno incidente mostra que ele não aderia às superstições geomânticas de sua época, mas também revela que ele não teve coragem de atacar e expor o absurdo e a futilidade de uma doutrina incompatível com a crença num supremo e inteligente

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governante do universo. Mas ele nunca explicou claramente se sustentava essa crença, ou se seu Deus era apenas o céu físico. Nem seus discípulos assumiram uma atitude mais firme contra a superstição. Seguiram o exemplo de seu mestre e observaram uma premeditada neutralidade, permitindo que a fé no deus pessoal de seus reverenciados sábios antigos fosse tacitamente suplantada pelas especulações taoístas entre os letrados, e pelas práticas politeístas entre os iletrados. Eles mesmos não acreditavam na adivinhação, mas aprovavam inteiramente a aplicação dos diagramas para os propósitos da adivinhação. Não acreditavam nas especulações cosmogônicas de seus contemporâneos, mas não expressaram nenhuma opinião sobre a questão de como o mundo foi feito. Assim, deixaram a porta aberta para toda forma de superstição. Não há dúvida que as ideias geomânticas que mencionamos propagaram-se amplamente sob esse silêncio premeditado dos guardiães da antiga sabedoria, muito embora não tenhamos informações sobre a extensão ou progresso atingidos por aquela forma primitiva de Feng-shui durante esse período. É relatado, porém, que perto do fim desse período (249 a.C.) um erudito, chamado Shu-li-tsi, asseverou ter escolhido seu túmulo numa situação que faria com que, numa época futura, fosse flanqueado por um palácio imperial; em outras palavras, encontrara um lugar onde queria ser enterrado depois de morto, e que as afinidades geomânticas daquele lugar eram tais que fariam que um de seus descendentes ganhasse o trono da China.

A ascensão da dinastia Han (202 a.C.), abriu um novo período na história do primitivo Feng-shui. Ouando a lei da supressão dos escritos clássicos foi revogada (190 a.C.), e todo remanescente que escapara à loucura incendiária do déspota dos Tsin foi avidamente coletado para republicar os antigos clássicos, um novo impulso foi dado aos estudos confucionistas, os expositores dos clássicos se multiplicaram, e o confucionismo teve outra chance para restabelecer a antiga fé. Mas de novo, o confucionismo foi insuficiente. A abertura que foi assim permitida, no despertar de um interesse nacional pela literatura, e a oportunidade dada aos expositores do confucionismo para se estabelecerem e à sua antiga tradição contra as especulações e superstições de seus contemporâneos, e reprimir os absurdos dos astrólogos e alquimistas taoístas por exposições populares das razões da antiga fé e seu desenvolvimento por um estudo racional da natureza, foi sacrificada pelos confucionistas por um estudo pedante do significado literal dos antigos textos e uma seca exposição do antigo credo. Mas o taoísmo apossou-se da oportunidade, rejeitada pelo confucionismo e elaborou uma literatura abundante do sobrenatural e do maraviliioso que encheu as mentes do povo com especulações astrológicas e místicas e aumentou a maré de superstição, de modo que os confucionistas estão imbuídos dela até hoje. O próprio homem que ficou famoso por seu sucesso em reeditar os clássicos confucionistas perdidos, Lu-hiang (40 a.C.), deixou claro, por um relatório que enviou ao trono, como censor público, que acreditava nas superstições geomânticas que, sob a influência da astrologia e cosmogonia taoísta, naturalmente receberam um novo ímpeto durante essa época. Informava ao imperador um presságio nefasto: que no túmulo de um homem chamado Wong ("rei"), nativo de Tsie-nan, em Shan-tung, duas árvores estavam de tal modo entrelaçadas que as folhas de uma cresciam entre as da outra, e que a forma do túmulo parecia uma rocha vertical, ou um salgueiro cujos ramos cresciam para cima. Insinuou que essas indicações significavam que um descendente deste homem se tornaria Imperador da China, numa clara sugestão de que se deveria extinguir toda a sua família.

Foi nesse tempo que foi feita a primeira tentativa de coligir as noções populares então correntes sobre a geomancia e compô-las num sistema. O primeiro expoente desse sistema de Feng-shui foi um livro, publicado sob a dinastia Han com o título de

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Tseh-Ching (lit.: o cânon das moradas). Para dar ao livro a aura de antiguidade, foi asseverado que o antigo Hwang-ti fora seu autor, afirmação que deve ter sido aceita então por muitos, mas totalmente sem fundamento. Mesmo os catálogos de livros publicados sob as dinastias Han, Sui e Tang, que mencionam o livro em questão, não mencionam Hwang-ti como seu autor. Essa obra, porém, não só é uma condensação das superstições geomânticas de eras anteriores, mas leva a doutrina do Feng-shui adiante, estendendo as influências geomânticas que anteriormente eram atribuídas apenas aos túmulos e às moradas dos vivos. Estas eram chamadas “moradas masculinas", e as tumbas eram chamadas "moradas femininas". Também dividia os diagramas, antes usados apenas para adivinhação, em diagramas masculinos e femininos, e aplicava-os à determinação do caráter geomântico de túmulos e residências. Dos oito diagramas de Wen-wang, os do vento (SE), fogo (S), terra (SW), e oceano (W) diziam-se operar de acordo com a energia feminina da natureza, ao passo que a influência do céu (NW), água (N), montanhas (NE) e trovão (E), operavam de acordo com o princípio masculino da criação. O livro distingue 24 meios diferentes de se esquivar à calamidade e garantir a prosperidade aplicando estes diagramas de acordo com diferentes métodos, e os compiladores do catálogo imperial acham que há algum bom senso nestas manipulações com os diagramas de Wen-wang.

O período seguinte na história do Feng-shui inclui o período dos Três Reinos (221-277) e das chamadas Seis Dinastias (265-618). A influência que as ideias geomânticas atingiram no início desse período é muito bem ilustrada por um incidente relatado nos arquivos do primeiro daqueles Três Reinos, a chamada dinastia Han posterior (221-263). É relatado, como assunto fora de qualquer discussão, que um certo Yuen-ngan, desejoso de encontrar, por ocasião da morte de seu pai, um terreno adequado para o enterro, saiu procurando por um lugar e deu com três sábios (adeptos da arte geomântica) que apontaram-lhe um lugar que, como lhe asseguraram, garantiria para sua família a mais alta distinção e emolumentos oficiais. Seguiu seu conselho, enterrou o pai ali, e, por estranho que pareça, logo depois foi promovido a um alto cargo oficial e seus descendentes continuaram, por muitas gerações, a ocupar os mais altos e bem remunerados postos no serviço do governo. No romance histórico chamado "Memórias dos Três Reinos", ocorre também uma passagem que mostra que naqueles tempos antigos os geomantes já tinham aprendido a aplicar os quatro quadrantes do céu - o dragão azul no leste, o guerreiro negro no norte, o tigre branco no oeste e o pássaro vermelhão no sul - para exprimir as diversas influências que as 28 constelações deveriam exercer sobre a terra. Kwan-lu, diz-se, aproximou-se do túmulo de Wu-k'iu-kien e exclamou, "Contemplai o tigre branco com um cadáver na boca, e o pássaro vermelhão dissolvido em dor".

Essa referência às 28 constelações que os chineses, eliminando os vários nomes dos Nakchatras emprestaram da astronomia hindu, já revela a crescente influência do budismo. Essa religião estrangeira, oficialmente reconhecida na China por um dos imperadores Han (62), já estava propagando-se por vários séculos em diferentes regiões da China, e lentamente se consolidava. Mas durante aquelas Seis Dinastias, especialmente no decurso da dinastia Tsin (265-419), o budismo tornou-se uma potência perante o governo e, gradualmente, saturou toda a nação com suas ideias ateias e fatalistas. Essas doutrinas naturalmente estimularam o progresso e o desenvolvimento das fabulações geomânticas, que até então estavam à procura de um centro e uma base racional sobre as quais poderiam formar um sistema. O budismo, com o seu ateísmo, o seu fatalismo e a sua doutrina da incessante rotação de destruições e reconstruções cósmicas (Kalpas), forneceu essa base. Assim constatamos que o Feng-shui recebeu durante este período e especialmente sob a dinastia Tsin, um novo ímpeto, novos

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aliados, novos expositores. Um personagem famoso, mas um tanto mítico, Ko-po, parece ter coletado todas as antigas tradições referentes ao Feng-shui e publicou-as num livro, ainda existente, o Tsang-chu (livro dos enterros), que até hoje é uma das principais referências para o estudante do Feng-shui. Muitos geomantes chamam Ko-po de fundador do moderno Feng-shui, mas não têm evidências em favor dessa afirmação além do simples fato, registrado pela história, que Ko-po era um adepto da geomancia e viveu sob a dinastia Tsin. Mesmo o clássico Tsang-chu, que trata o Feng-shui com especial referência às formas de natureza, não pode ter sido comprovadamente escrito por Ko-po. Não é mencionado nos catálogos da literatura produzida durante esse período. O Tsang-chu é primeiro mencionado no catálogo da dinastia Tang (618-905); mas mesmo aqui nenhum autor lhe é atribuído e Ko-po não é mencionado, a quem só o catálogo da dinastia Sung (960-1126) atribui a autoria deste clássico.

Ainda assim, permanece mais que provável que as superstições do Feng-shui receberam grande atenção e encorajamento sob as Seis Dinastias. É um fato significativo que todos os anais imperiais destas diversas dinastias contenham, dentre outros assuntos, capítulos especiais sobre influências geomânticas propícias. E a história nos fala de uma notável circunstância, que Wen-ti, o primeiro imperador da dinastia Sui (589), considerou valer a pena iniciar uma polêmica contra a verdade do Feng-shui. Quando ergueu seu estandarte, seus inimigos violaram os túmulos de seus ancestrais, para fazer cair sobre ele as calamidades que o Feng-shui diz ser a consequência natural de uma tumba destruída; mas apesar disso, ele conseguiu ganhar o trono, mesmo perdendo um irmão no campo de batalha. As palavras colocadas em sua boca pelo historiador imperial de sua dinastia são: "Se as tumbas de meus ancestrais não estão numa posição (geomântica) propícia, por que atingi o trono? Mas, se sua posição é propícia, por que meu irmão foi morto?" Foi provavelmente em consequência deste dito imperial que, em épocas posteriores, os expositores do Feng-shui inventaram teorias sutis para explicar como o mesmo túmulo (ou residência) poderiam fazer com que infortúnios atingissem uma pessoa e chuvas de bênçãos caíssem sobre outro membro da mesma família.

Com a ascensão da dinastia Tang (618-905) - famosa por sua renascença da literatura em geral e em especial da literatura poética - que viu a tradução de centenas de obras budistas do sânscrito para o chinês, abriu-se uma nova era, particularmente favorável à propagação de doutrinas místicas e fabulosas assumindo a roupagem de filosofia nacional, como a geomancia aprendera a fazer, junto com o taoísmo e o budismo. A noção dos 5 planetas (Vênus, Júpiter, Mercúrio, Marte e Saturno) influenciando a terra e todo ser vivo, fez sua primeira aparição nesta época, e foi avidamente adotada por todo professor de Feng-shui. O “1ivro dos enterros" que men-cionamos era então um manual popular, e vários outros livros, dentre os quais o Han-lung-tching (o cânon da arte de despertar o dragão), o Ts'ing-nang-tching (o cânon da sacola verde) e o E-lung-tching (o cânon do dragão duvidoso) eram os mais importantes. O Han-lungtching menciona também, além dos 5 planetas, as 9 estrelas mencionadas, que alguns comentadores dizem ser a chamada constelação do alqueire, ao passo que outros as explicam como as sete estrelas da Ursa Maior com mais duas estrelas vizinhas, e outros dizem que elas flutuam pelo espaço afora. Mas o Han-lung-tching baseia na influência dessas estrelas toda uma teoria da seleção de locais propícios para casas e túmulos. O Ts'ing-nang-tching abre com uma exposição das propriedades místicas da combinação de números pares e ímpares (1-6; 2-7; 3-8; 4-6; 5-10) e estabelece a regra de que tudo no céu tem sua contraparte (em números correspondentes) na terra. O E-lung-tching refere-se especialmente às formas da natureza em que o dragão e o tigre não se destacam de um modo proeminente e ficam

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como que escondidos. A autoria desses três livros é atribuída a Yang-kwan-tsung, que professava ser discípulo de Ko-po e que desenvolveu especialmente aquela parte do Feng-shui referente aos sinais do dragão e do tigre, à direção e à forma das correntes d'água e sua influência.

Mas só com a chegada da dinastia Sung (960), todos os elementos da arte geomântica, acima mencionados, foram reunidos num só grande sistema, construido sobre base filosófica e desenvolvido metodicamente de modo a combinar toda forma de influência que se diz que o céu exerce na terra, e que o céu e a terra têm nos assuntos humanos. Esse sistema, de fato, é uma aplicação prática das especulações materialistas sobre as quais Chew-lin-k'e, Chang ming-tao, os dois irmãos Ch'ing e especialmente o ilustre Cho-hi ganharam aceitação universal, a ponto de sua teoria cosmogônica do universo, suas especulações concernentes ao Grande Absoluto, aos princípios masculino e feminino, e ao duplo sopro da natureza como os agentes primários de todos os fenômenos físicos, tornaram-se a fé nacional na China. Não é de admirar que os devotos de Feng shui, sabiamente adotando tudo o que era popular e atraente nesse grande esquema de filosofia natural, e promulgando suas fantásticas especulações geomânticas de acordo com a terminologia favorita de Cho-hi, vieram a compartilhar do fervor e da popularidade nacionais que os grandes filósofos da dinastia Sung tão justamente alcan-çaram. Um erudito chamado Wang-k'e foi o principal representante da profissão de Feng-shui na sua época. Afirmava ser um discípulo de Ko-po e reclamava o crédito de ter inventado a teoria da produção e destruição mútuas dos cinco elementos (pág. 36). Foi ele que sistematizou, na fraseologia da nova filosofia, todas as ideias tradicionais sobre geomancia e reorganizou a arte do Feng-shui com base no materialismo de Cho-hi.

Nos dias de hoje, os adeptos do Feng-shui estão divididos em duas classes, ou escolas: o Tsung-miau (templo ancestral), que se originou no Fo-kien, e a escola Kwang-si. Nos capítulos precedentes expliquei as teorias mais relevantes que essas escolas têm em comum, e só preciso acrescentar que essas duas escolas se distinguem principalmente pela relativa proeminência que cada uma dá a uma ou outra das quatro divisões do Feng-shui. A escola Fo-kien de geomantes, alegando que Wang-K'e é seu fundador, atribui a máxima importância às doutrinas da ordem da natureza (Li) e das proporções numéricas da natureza (Su). Apegam-se, portanto, principalmente ao uso da bússola. A segunda escola, chamada Kwang-si, porque se originou na província de Kwang-si, alega que Yang-kwantsung foi seu fundador, e dá a máxima ênfase às doutrinas do sopro (K'e) e perfis (Ying) da natureza. Usam também a bússola, mas só como auxiliar da prospecção do terreno, pois seu princípio é primeiro procurar pelos sintomas visíveis do dragão, do tigre e de um bom sopro, e então avaliar as influências subjacentes pelo uso da bússola.

Essas duas escolas produziram uma literatura bastante volumosa que, no entanto, nada mais é senão uma expansão das mencionadas ideias com base na filosofia de Cho-hi.

Tendo assim traçado a história e a literatura do Feng-shui até o presente, só me resta acrescentar umas poucas palavras sobre a extensão da influência dessa estranha mistura de superstição, ignorância e filosofia nos dias de hoje.

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O Pagode Amarelo e o forte no Rio Cantão. 7 - CONCLUSÃO

No Feng-shuí temos o que pode ser chamado, do ponto de vista chinês, um amálgama completo de religião e ciência. Desgraçadamente, porém, o elemento religioso no Feng-shui, pela prematura desaparição do antigo teísmo, foi distorcido numa forma de grosseira superstição, meio taoísta, meio budista, e o que até aqui, por bondade minha, chamei de ciência física chinesa, nada mais é, do ponto de vista científico, que um conglomerado de aproximações grosseiras da natureza, sublimadas por um jogo fantástico com diagramas pueris.

Mas seja como for, resta o fato de que o Feng-shui é uma potência, na China moderna. É parte essencial do culto ancestral, religião nacional que nem o taoísmo nem o budismo conseguiram privar de sua onipresença. O Feng-shui, além disso, está tão enraizado na vida social chinesa e ficou tão firmemente entrelaçado com todo possível evento da vida doméstica (nascimento, casamento, construção de casas, funerais, etc.) que não pode ser desenraízado sem uma revolução completa e subsequente reorganização de todas as formas e hábitos sociais. A pia reverência que todo chinês dedica a quem quer que alegue o prestígio da antiguidade é outro elemento que explica a ampla influência do Feng-shui. Sua origem, de fato, pode ser acompanhada, como demonstrei, até eras remotas, mas a opinião popular associa a origem do Feng-shui com o antigo Hwang-ti e vê esse sistema como tão velho quanto a China. Outra consideração confere ao Feng-shui o respeito e simpatia de muitos homens educados e eruditos. É a conexão fundamental que o Feng-shui se gaba de ter com o esquema dos diagramas, como está estabelecido no I Ching, e o fato de que todo o sistema do Feng-shui está em perfeita unidade com as divagações dos taoístas e budistas de um lado, e com a moderna filosofia de Cho-hi do outro. O Feng-shui, de fato, é a refinada quintessência do misticismo taoísta, do fatalismo budista e do materialismo de Cho-hi, e assim recebe se

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não a aprovação declarada, ao menos a secreta simpatia de todo chinês, seja de classe alta ou baixa.

É claro que os confucionistas educados e particularmente inteligentes não reconhecerão acreditar nas rústicas declarações apocalípticas de qualquer geomante ordinário, mas dentro das paredes de suas casas, esses mesmos intelectuais confucionistas regularão cada um de seus assuntos domésticos em estrita concordância com os cânones mais aprovados do Feng-shui. É claro que o governo chinês não reconhece oficialmente a catolicidade e a ortodoxia do Feng-shui, mas publica, ano após ano, com expressa sanção imperial, um almanaque contendo todas as tabelas e dados, referências e diagramas que um geomante requer como "vade mecum" diário.

O Feng-shui tem um "status" legal na China. Sempre que há na China uma disputa entre as pessoas sob a alegação de interferência e perturbação dos aspectos de Feng-shui de uma casa ou túmulo, os tribunais aceitarão a queixa, examinarão seus méritos e decidirão o caso sob a hipótese de que o Feng-shui é uma realidade e uma verdade, não ficção. Quando uma rebelião irrompe em qualquer das 18 províncias, o primeiro passo invariavelmente tomado pelo governo não é mobilizar as tropas, mas despachar mensageiros instruídos para descobrir os túmulos dos ancestrais dos diversos líderes da rebelião, para abrí-los, espalhar seu conteúdo e profanar os túmulos de todas as maneiras possíveis. Pois supõe-se ser esse o meio mais seguro de truncar os planos e impedir o possível sucesso dos rebeldes. E de novo, quando foi preciso ceder território ao odiado estrangeiro por todo o litoral chinês, como concessões, o governo chinês invariavelmente selecionava um local condenado pelos especialistas em Feng-shui como contendo um sopro mortal, com todas as indicações da bússola que implicassem em calamidades para todos os que se estabelecessem ali, e para os filhos de seus filhos. Se o local não tivesse de ser cedido por um tratado, só seria apontado para o insuspeito estrangeiro como o único disponível para venda e, de qualquer maneira, o bárbaro ignorante e cético se tornaria o alvo da chacota do astuto chinês.

Servem de testemunha as opiniões sustentadas pelos chineses inteligentes em relação à ilha de Sha-min, a concessão estrangeira de Cantão. Originalmente era uma planície pantanosa do rio Cantão, na pior situação reconhecida pelo Feng-shui. Foi concedida pela imperiosa exigência das potências estrangeiras como o melhor lugar disponível para a residência dos estrangeiros, e quando se descobriu que o comércio de Cantão, uma vez tão pródigo, não revivia e não florescia ali, a despeito de todos os esforços de seus defensores; quando se descobriu que toda casa construída em Sha-min era assolada logo depois de construída, com cupins, desafiando o alcatrão, o ácido carbólico e todos os outros recursos dos estrangeiros; quando se notou que o cônsul inglês, se bem que tivesse uma casa especialmente construída para ele ali, preferia viver a duas milhas de distância sob a sombra protetora de um pagode, foi um claro triunfo do Feng-shui e da diplomacia chinesa.

Por mais poderoso que seja o Feng-shui, de modo algum é uma barreira insuperável à introdução da civilização estrangeira na China. Pois ele possui uma extraordinária flexibilidade. Pode ser moldado e torcido por uma hábil manipulação para adaptar-se a quase toda combinação de circunstâncias. Por mais calamitosa que seja a formação do território, mais portentosa a acumulação de sopro mortal ou influências de más estrelas, podem ser retificadas por habilidade e esforço, de modo que todas as más influências sejam evitadas ou desviadas, transformando-se em instrumentos de bênção. Será preciso um grande dispêndio de dinheiro para remover os obstáculos ou colisões com o Feng-shui. Mas é uma arma perigosa, e se for utilizada causará uma série inconclusa de reclamações para compensar pecuniariamente os danos causados pelo Feng-shui.

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Provavelmente o único agente que posso imaginar, poderoso o bastante para derrotar o reino quase universal do Feng-shui na China, é a divulgação de opiniões sensatas sobre a ciência natural, ou seja, a distribuição do conhecimento útil pela China. Só há uma verdade no Feng-shui sobre a qual esse sistema chinês de ciência natural e as nossas opiniões ocidentais sobre física se baseiam. É o reconhecimento da uniformidade e universalidade do funcionamento das leis naturais. Há um grande defeito no Feng-shui, que nossos físicos de há muito felizmente se livraram. É negligenciar uma pesquisa experimental e, ao mesmo tempo, crítica da natureza em todo pormenor. Que essa falha seja compensada por uma completa e popular exposição da mencionada uniformidade e universalidade das leis da natureza; que as opiniões corretas sejam difundidas quanto às forças da natureza, em intercâmbio constante, o calor, a eletricidade, o magnetismo, a afinidade química e o movimento; e que essas opiniões sejam estabelecidas numa forma tão popular quanto Cho-hi empregou, e o resultado disso não deixará dúvidas. O fogo da ciência purgará o erro da geomancia, mas só para que a verdade possa brilhar em sua glória dourada.

Comecei com a questão: o que é Feng-shui? Posso concluir acertadamente fazendo de novo a mesma pergunta. O que é Feng-shui? Meus leitores provavelmente concordarão comigo quanto à observação de que Feng-shui é a filha insensata de uma mãe sábia. Começa com umas poucas noções sobre astronomia, ou melhor, astrologia, nebulosas e obscuras, mas respeitáveis, considerando que foi há mais de dois mil anos que os chineses as descobriram. É baseado num esquema materialista de filosofia, que estudou a natureza de maneira pia e reverente, apesar de superficial e grosseiramente supersticiosa, mas que, confiando na força de novas fórmulas lógicas e diagramas místicos, procurou resolver todos os problemas da natureza e explicar tudo lá no céu e cá na terra com algumas categorias matemáticas. O resultado, é claro, é um remendo de absurdos infantis e coisas sem sentido.

Todo o sistema do Feng-shuí pode conter fragmentos de sabedoria, mas mal chega a fazer muito sentido. O que é Feng-shui, pois? É simplesmente o cego tatear da mente chinesa à procura de um sistema de ciência natural, tatear sem a orientação da observação prática da natureza, confiando quase que exclusivamente na verdade da alegada tradição antiga e na força do raciocínio abstrato, e naturalmente deixando a mente chinesa em completa escuridão. O sistema do Feng-shui, portanto, baseado como é na especulação humana e na superstição, e não no cuidadoso estudo da natureza, está destinado à decadência e dissolução; pois como disse Wordsworth:

No sólido chão da Natureza confia a mente que constrói para a eternidade.*

FINIS (*) To the solid ground Of Nature trusts the mind that builds for aye.

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