Feminismo e Despatriarcalização

7
FEMINISMO E DESPATRIARCALIZAÇÃO Segunda, 23 de setembro de 2013 “Tergiversa-se sobre o conceito de feminismo e é entendido como o machismo nas mulheres”. Entrevista com Martha Noya Se em 12 de julho de 1780 nascia Juana Azurduy de Padilla, mestiça que liderou, ao lado do seu marido, um exército de indígenas na Bolívia, em 10 de setembro de 1989 abriu suas portas o centro que leva seu nome, em Sucre.Martha Noya dirige-o desde a sua fundação e está plenamente convencida de que o espírito libertador da guerrilheira os guiou na luta pela equidade de gênero durante esses 24 anos. Ela é advogada e desde muito jovem esteve envolvida nos movimentos políticos de esquerda do país. Pertence a uma geração de mulheres que lutou incansavelmente contra a ditadura militar e pela instauração da democracia. A entrevista é de Natalia Ramos e publicada no sítio Rebelión, 16-09- 2013. A tradução é de André Langer. Eis a entrevista. Que elementos você identifica com a figura de Juana Azurduy para que o centro leve o seu nome? Juana Azurduy foi uma mulher rebelde, líder da guerrilha contra a colônia espanhola. Transgressora e contestadora do sistema, com um profundo espírito de desejos de liberdade do escravismo ao qual submetiam os indígenas. Uma mulher destas características é uma referência a ser imitada, imprimindo nas mulheres o valor necessário para lutar agora contra o patriarcado. As mulheres vivem uma opressão que é fruto de um patriarcado que se tornou ainda mais abusivo com a chegada da colônia. Lamentavelmente, isto persiste. Sobretudo em um país latino-americano e subdesenvolvido como este, onde a maneira de se apresentar o machismo e o patriarcado é sumamente grosseiro e torpe.

description

fe

Transcript of Feminismo e Despatriarcalização

FEMINISMO E DESPATRIARCALIZAO

Segunda, 23 de setembro de 2013Tergiversa-se sobre o conceito de feminismo e entendido como o machismo nas mulheres. Entrevista com Martha NoyaSe em 12 de julho de 1780 nasciaJuana Azurduy de Padilla, mestia que liderou, ao lado do seu marido, um exrcito de indgenas naBolvia, em 10 de setembro de 1989 abriu suas portas o centro que leva seu nome, em Sucre.Martha Noyadirige-o desde a sua fundao e est plenamente convencida de que o esprito libertador da guerrilheira os guiou na luta pela equidade de gnero durante esses 24 anos. Ela advogada e desde muito jovem esteve envolvida nos movimentos polticos de esquerda do pas. Pertence a uma gerao de mulheres que lutou incansavelmente contra a ditadura militar e pela instaurao da democracia.A entrevista deNatalia Ramose publicada no stioRebelin, 16-09-2013. A traduo deAndr Langer.Eis a entrevista.Que elementos voc identifica com a figura de Juana Azurduy para que o centro leve o seu nome?Juana Azurduyfoi uma mulher rebelde, lder da guerrilha contra a colnia espanhola. Transgressora e contestadora do sistema, com um profundo esprito de desejos de liberdade do escravismo ao qual submetiam os indgenas. Uma mulher destas caractersticas uma referncia a ser imitada, imprimindo nas mulheres o valor necessrio para lutar agora contra o patriarcado. As mulheres vivem uma opresso que fruto de umpatriarcadoque se tornou ainda mais abusivo com a chegada da colnia. Lamentavelmente, isto persiste. Sobretudo em um pas latino-americano e subdesenvolvido como este, onde a maneira de se apresentar o machismo e o patriarcado sumamente grosseiro e torpe.H 24 anos, em que contexto surge o Centro Juana Azurduy?Na dcada de 1980, aBolviaera um pas de alta conflitividade poltica. As mulheres haviam se organizado naFederao Democrtica de Mulheres, oriundas de diferentes partidos de esquerda, para lutar pela democracia e contra a ditadura. A democracia naBolvia, em grande parte, mrito das mulheres; os homens que lideravam os movimentos contra a ditadura foram para o exlio. Com o retorno democracia, os homens exilados voltam para tomar o poder e as mulheres so totalmente excludas dos espaos pblicos. Foi ento que aFederaocomea um processo bsico de reflexo para identificar os elementos visveis que sustentam as relaes de gnero desiguais. A criao da Instituio faz parte deste processo.No trabalho pela busca da equidade de gnero, so muitos os obstculos que se apresentam?Sim, permanentemente nos deparamos com barreiras. Por exemplo, quando vamos trabalhar as cartas orgnicas e propomos que necessariamente tem que existir 50% de mulheres que ocupem espaos de poder ou que se disponha de uma porcentagem do oramento municipal para as mulheres, toda a negociao se complica. O discurso das autoridades aparentemente coerente com os direitos das mulheres, mas quando preciso colocardinheiroou limitar o exerccio masculino, comeam os conflitos.O conceito de feminismo gera conflitos e diviso de opinies, mas interpretado ou entendido corretamente?O discurso patriarcal, to impregnado no discurso pblico, associa ofeminismocomo o contrrio do machismo, ou sua verso feminina. Entende-se o feminismo como o machismo nas mulheres. Isto uma grande tergiversao do conceito e sentido poltico do feminismo. A estratgia que muitas instituies adotaram h anos foi deixar de falar de feminismo e falar de enfoque de gnero, como se este no estivesse baseado na teoria feminista. Tira-se da categoria de gnero o contedo poltico e, sobretudo, o sentido questionador das relaes de poder, que o que o feminismo faz. Creio que a nossa instituio, por um tempo, caiu nesta armadilha. Em meados da dcada de 2000, nos damos conta disso e comeamos a reverter esta situao, recuperando o discurso original, falando de feminismo sem nenhum complexo nem restrio. Isto nos colocou em situao de crtica na cidade, o que no limitou a nossa ao.Na viso indgena, como avalia sua postura em relao ao enfoque de gnero e o feminismo?No discurso governamental e das organizaes sociais indgenas originrias camponesas, observa-se uma recusa das teorias estrangeiras, entre elas o feminismo. Mas, contraditoriamente, criou-se uma instncia de governo denominadaUnidade de Despatriarcalizao, subordinada aoMinistrio da Cultura, que desenvolve polticas contra o patriarcado. Confrontar o feminismo e a despatriarcalizao uma falsa dicotomia: No somos feministas, mas vamos trabalhar pela despatriarcalizao. A ideia do patriarcado foi recuperada pelo feminismo como conceitualizao do androcentrismo e da organizao social baseada e dirigida pelo masculino. Apesar desta contradio, promovida, a partir do Estado, um discurso e polticas dirigidas despatriarcalizao um avano importante. uma situao que as organizaes de mulheres devem aproveitar para avanar na estratgia despatriarcalizadora da nossa sociedade.Alm disso, a partir desta perspectiva, existe um confronto entre os direitos individuais e coletivos?Produziu-se um discurso distorcido sobre os direitos individuais e coletivos, contrapondo-os. Desde o feminismo e do movimento de mulheres, acreditamos que no possvel que as mulheres exeram seus direitos coletivos se no se garante o exerccio de seus direitos individuais. Os movimentos indgenas colocam as mulheres nessa falsa contradio gerando nelas um sentimento de traio aos seus direitos como grupo cultural caso defenderem seus direitos individuais. No se pode defender os direitos da comunidade destruindo os direitos das mulheres.O que pensa dos avanos na nova lei sobre a violncia de gnero, aprovada este ano na Bolvia?Houve mudanas muito positivas. Se bem que, pessoalmente, sou partidria de que um agressor deve ser preso, as mulheres naBolviano esto preparadas para isto, optando por no denunciar diante do medo de que seus cnjuges as abandonem. As mulheres no tm a cultura da denncia e da sano. O problema que elas tm uma cultura de alta tolerncia violncia. Por outro lado, ao ser um crime entra na norma penal, o que representa um processo muito complexo e longo. As mulheres no querem passar por um calvrio judicial. Creio que o conceito sobre o qual se construiu a lei est bem, mas o procedimento faz com que nos deparemos com srios problemas de aplicao. Corremos o risco de que, em vez de avanar na proteo do Estado s vtimas de violncia, limite o seu acesso justia.Quais so os fatores chaves para conseguir uma verdadeira transformao?Conseguir uma sociedade despatriarcalizada com justia social e de gnero um processo muito complexo e de avanos lentos. Provocar transformaes culturais em uma sociedade diversa fruto de processos histricos colonizadores que instalaram pensamentos patriarcais e machistas abusivos em toda a sociedade e suas diferentes expresses culturais e organizacionais , ser fruto de uma luta incessante das prprias mulheres, tanto de forma individual como coletiva

PARA LER MAIS:

23/09/2013 - O feminismo na agenda poltica 23/09/2013 - A violncia contra as mulheres e o Estado indiano 16/02/2013 - O feminismo camufla machismos 21/05/2012 - Do feminismo ''sororidade'' 15/03/2012 - Religio: a fronteira final do feminismo? 05/07/2009 - Beauvoir, feminismo e fraternidade. 60 anos depois do "Segundo Sexo"ADaniela Lima2 h Editado Pessoal, Cynara Menezes, a Socialista Morena, disse que eu pareo um macho. O motivo que ela escreveu um texto sobre a insuportvel opresso que o machismo exerce sobre... os homens e eu discordei. No piada. No uma contradio engraada. Justamente por isso, resolvi responder aqui:(1) Apesar de no existir aquilo que seria uma representao plena, importante termos algumas referncias de mulheres na prtica poltica: ativistas, jornalistas, parlamentares;(2) O lugar que essas mulheres ocupam smbolo de resistncia. consequncia de um acmulo histrico da luta feminista. Em ltima instncia, se Cynara Menezes escreve hoje na Carta Capital graas ao mesmo movimento feminista que ela chama de chato;(3) Talvez Cynara no perceba que o lugar que ela ocupa hoje fruto de uma construo coletiva. Contra todos os entraves da ideologia capitalista, que nos faz acreditar na importncia da opinio individual. Das lutas individuais; (4) Cynara, no existe opinio individual. Mesmo a sua opinio individual, totalmente desassociada do pensamento feminista, reproduz o pensamento coletivo. O nome desse pensamento machismo;(5) Escrever sobre como os homens so oprimidos pelo machismo, enquanto uma mulher morta a cada duas horas por crime de gnero no s falsa simetria; estar desassociada da realidade;(6) So palavras que machucam as mulheres expostas cotidianamente s violncias reais e simblicas desencadeadas pelo machismo;(7) Estar aberto ao outro deveria levar os homens a desconstruo do machismo no para "poder chorar" ou por questes individuais. Mas para alargar este fio que separa vida e morte para as mulheres vtimas do machismo: isto ser aliado do feminismo;(8) Cynara, se voc pretende fazer poltica e no ser s mais uma jornalista mulher que escreve para homens, que faz poltica sem polmica, poltica pop, poltica light, poltica sem poltica, escute as mulheres;(9) No mais, querida, eu gostei de parecer um macho, porque isso significa que o meu feminino se apropria de caractersticas que antes no eram acessveis s mulheres, como fazer poltica no espao pblico e questionar lugares de poder, como o seu. Talvez, voc devesse experimentar.X Raphael Tsavkko Garcia No entrando no mrito das ofensas, mas tenho que discordar de um ponto: Sim, o machismo tambm oprime homens. Nem de longe h uma relao simtrica entre o machismo sobre homens e sobre mulheres, no essa a questo, mas sim, o machismo no prejudica apenas mulheres, mas tambm homens. Direta e indiretamente.1 h Curtir 7 Felipe Mota Concordo com tudo, Dani, mas queria tirar uma dvida quando ao item 5.Voc no acha que uma vitria do feminismo que homens tentem (alguns) desconstruir seu machismo? ser fora da realidade entender que isso importante?1 h Curtir 1 Daniela Lima Raphael, a questo a falsa simetria e a diferena entre oprimir alguns homens e oprimir, matar, estuprar todas as mulheres no mundo todo. Convenhamos que se sentir oprimido por uma condio de poder e domnio diante da morte das mulheres em consequncia do machismo estar desassociada da realidade, no?56 min Editado Curtir 11 Raphael Tsavkko Garcia Nisso concordamos, Daniela. Acho que esse texto explica um pouco o raciocnio (escrito por uma feminista) http://desassossego.blogspot.es/141617.../o-outro-masculino/ A opresso que o homem sente sob o machismo no nem de longe igual ao da mulher, s um maluco poderia dizer isso. Mas o machismo nocivo a todos e em alguma medida nos afeta at pela representao de papis que nos forada - maches, pegadores, etc. Alis, entender tambm o papel do machismo sobre homens que nos ajuda a entender o feminismo (ao menos funciona comigo).

Raphael Tsavkko Garcia Da mesma forma que eu tenho algo de machismo em mim (porque fui criado como homem com papis definidos), luto contra e sofro influncias negativas do machismo (a prpria imposio de papis sociais). um dado. Agora o sofrimento das mulheres incomensurvel, no se trata de uma comparao, mas digamos de duas anlises separadas que em algum ponto se tocam quando compreendemos que o machismo nocivo socialmente. Por isso que, pasme, eu at gostei do texto da Cynara, pese ser raso.Bruno Marconi Muito bom, Dani! E essas pessoas que acham que machismo um corpo sem rgos? Uma estrutura sem agentes? Se o homem sofre machismo, ele seu principal propagador nas violncias cotidiana

Todos ns vivemos o impacto de uma certa viso do que so e como devem ser tratados mulheres e homensRaoni Tenrio No acho que "tenho algo de machismo dentro de mim". Isso parece diminuir meus privilgios cotidianos por ser homem ou me livrar de prticas machistas - ou de ser um machista. Achei no mnimo uma frase mal colocada por um homem.

Em relao opresso, o machismo um sistema de dominao de homens sobre mulheres, atribuindo comportamentos, vestimentas e afazeres a ambos. Quando um homem "afeminado" ou um homem gay/bi so assim descobertos, certamente perdero alguns espaos de convvio, sem deixar, no entanto, de serem beneficiados cotidianamente pelo fato de simplesmente ser homem.

Sobre as mulheres, temos todo o peso dos estupros, da negao aos direitos, da perda da identidade quando se torna me etc.

Acho que cabe uma boa discusso do machismo com a homofobia, suas interseces e tal.36 min Curtir 1