Feminismo e academia -...

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425 ESTUDOS Silvia Cristina Yannoulas Adriana Lucila Vallejos Zulma Viviana Lenarduzzi Palavras-chave: academia; androcentrismo; comparação; discriminação; epistemologia; estudos de gênero; feminismo; poder; universidade . Feminismo e academia * Ilustração: Davi Calil R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 199, p. 425-451, set./dez. 2000. * Traduzido do espanhol por Syomara Deslandes Tindera.

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ESTUDOS

Silvia Cristina YannoulasAdriana Lucila VallejosZulma Viviana Lenarduzzi

Palavras-chave: academia;androcentrismo; comparação;discriminação; epistemologia;estudos de gênero; feminismo;poder; universidade .

Feminismo e academia*

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R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 81, n. 199, p. 425-451, set./dez. 2000.

* Traduzido do espanhol porSyomara Deslandes Tindera.

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Depois de séculos deexclusão, as mulheresconseguem no século 20 suainserção na universidade. Oingresso no mundo acadêmico é,sem dúvida, atravessado pordiversas formas dediscriminação, manifestas eencobertas, que contribuem paraa formatação de trajetóriasuniversitárias diferenciadas parahomens e mulheres, assim comopara uma participação desigualno próprio exercício do poderacadêmico. Embora a academiafeminista tenha estimulado aprodução de conhecimentoscientíficos não sexistas,analisando e redimensionandoconcepções epistemológicastradicionais, o conteúdo e ametodologia científicahegemônica continuammanifestando traços sutilmenteandrocêntricos. Neste sentido, osaportes dos estudos de gêneropodem contribuir com seupotencial dinamizador para aexploração crítica e para atransformação do conhecimentocientífico atual, bem como parauma inserção mais efetiva dasmulheres nos espaçosacadêmicos.

Feminismo acadêmico1

Os problemas de pesquisa da acade-mia feminista surgiram com o compromis-so político pela emancipação das mulhe-res. Neste processo é que se dá a geraçãoda reflexão e do conhecimento feminista,ou seja, a construção do conhecimento sedá pela experiência de transformação dasmulheres, tanto no nível das subjetividadescomo no dos espaços exteriores. O pro-cesso de apropriação e transformação doconhecimento científico por parte das mu-lheres tem implicado a construção de tra-jetórias individuais e coletivas, transgredin-do limites, fazendo incursões em territóri-os proibidos, transitando por espaçosanacumênicos2 e rompendo antigas fron-teiras entre questões privadas e públicas.

A entrada das mulheres na cena coleti-va, pela reivindicação de seus direitos civise políticos, pela incorporação maciça nomercado de trabalho remunerado fora dolar e pelo acesso aos diferentes níveiseducativos, trouxe ao mesmo tempo umafratura do espaço público, tradicionalmen-te considerado território masculino, com aconstituição paralela de um espaço socialpredominantemente feminino.3 Neste sen-tido, o feminismo constitui-se movimentosocial que se torna signo do século 20. Omovimento social das mulheres, com suaheterogeneidade, cria espaços/efeitos deconsciência, onde se dá a ressignificaçãodas subjetividades e das inter-relações so-ciais, onde se negociam e renegociam asnecessidades práticas e os interesses es-tratégicos das mulheres.4

Por outro lado, a presença das mulhe-res – especialmente das acadêmicas femi-nistas – nas universidades contribuiu para apercepção das mulheres como sujeito eobjeto de pesquisa e, simultaneamente, paraa transformação da ciência androcêntrica.5A institucionalização de espaços acadêmi-cos como os de Estudos da Mulher, Estu-dos Feministas, Estudos de Gênero e Rela-ções de Gênero produziram o aporte deimportantes categorias críticas de análise.6

Os Estudos de Gênero podem ser entendi-dos como: "um corpus de saberes científi-cos, que têm por objetivo proporcionarcategorias e metodologias para análise dasrepresentações e condições de existênciade homens e mulheres em sociedades pas-sadas e futuras" (Yannoulas, 1996, p. 17).

Na década de 80, o debate das acadê-micas feministas concentrou-se em torno da

1 Feminismo refere-se aos movi-mentos ou conjuntos de pen-samentos que defendem aigualdade de direitos entre ho-mens e mulheres. Muitas vezessão alvo de conotações pejora-tivas, por entender-se que setrata do contrário de machismo.No entanto, o contrário domachismo, que prega a superi-oridade do homem sobre amulher, seria o femeanismo, quepregaria a superioridade damulher sobre o homem.

2 Espaços anacumênicos: espa-ços onde a vida é excessivamen-te difícil, lugares habitados demaneira transitória (Antártida,grandes altitudes, etc.), comesparsa penetração humana.Nesses casos, a metáfora sim-boliza lugares onde a presençadas mulheres é especialmentedifícil e onde sua sobrevivêncianão depende da natureza, masde seu empenho em transfor-mar relações de gênero histori-camente construídas.

3 Sobre a história da incorpora-ção das mulheres no espaçopúblico, ver Perrot (1998). So-bre o conceito de espaço soci-al, ver Arendt (1993). Sobre oespaço social feminilizado, verYannoulas (1994).

4 "Distintas autoras han identifi-cado lo que se conoce comonecesidades prácticas eintereses estratégicos de lasmujeres: las primeras, se derivande los roles ocupados por lasmujeres en la sociedad, y varíande acuerdo al ciclo de vida de lamujer, su pertenencia de clasey su origen cultural. Losintereses estratégicos, surgende un análisis global de laposición de las mujeres en lasrelaciones sociales, en el cam-po económico, político y socialy están vinculados al cambio delos roles sociales adscritos a ladivisión sexual del trabajo, y a latransformación de las mujeresen sujetos sociales capaces decontrolar sus condiciones devida e intervenir en laorientación de la dinámica so-cial" (Espino, 1999, p. 51).

5 Androcentrismo provém dogrego andrós. Refere-se à con-cepção ou saber supostamen-te neutro e universal que privi-legia o ponto de vista dos ho-mens como eixo articuladordo discurso social e lógico-ci-entífico, sem considerar oudesvalorizando o ponto de vis-ta das mulheres.

6 Para uma visão da incorpora-ção dos Estudos de Gênero nasuniversidades latino-america-nas, ver Montecino e Obach(1999).

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distinção entre os conceitos de sexo e gê-nero.7 Nos anos 90, o debate ampliou-se(parcialmente) a partir da distinção entresexo/orientação sexual ou sexualidade/gê-nero (ver Rodrigues, 1998). Além disso, es-sas categorias enriqueceram-se mediantea teorização do conteúdo relacional mas-culino-feminino, isto é, das relações degênero. Estas relações são concebidas demaneira cada vez mais complexa e com-pleta, quando se opera o entrecruzamentocom a trama das classes sociais e com ascategorias de raça/etnia, geração e idade,religião, nacionalidade, (in)capacidades ou(d)eficiências e identidades múltiplas.

Os Estudos de Gênero redimen-sionaram e desconstruíram as concepçõesepistemológicas tradicionais, enriquecen-do-as, ao adotar um ponto de vista nãodiscriminatório.8 O objetivo fundamentaldas acadêmicas feministas tem sido o degestar um re-acondicionamento do espa-ço científico/acadêmico e estimular a pro-dução de um conhecimento científico nãosexista.9

Enfoque de gêneroO ponto de partida e a estratégia de

análise proposta pelas feministas acadêmi-cas afirmam que gênero é um dado crucialda investigação científica em função de duasperspectivas: como forma de classificaçãosocial a ser resgatada ou procurada no "real";e como dado constitutivo da identidade dosujeito que investiga e produz saberes. Em-bora não exista uma única "teoria de gêne-ro", é possível assinalar as principais carac-terísticas comuns que resultam da adoçãodo enfoque de gênero: comparatividade,transversalidade, historicidade, politicidadee espacialidade (Yannoulas, 1996).

Comparatividade

A comparação tem uma ampla tradição(epistemológica, teórica e pragmática) nasCiências Sociais. Marx (1818-1883), Durkheim(1858-1917), Weber (1864-1920) ou Spengler(1880-1936), por exemplo, aplicaram a com-paração entre períodos históricos ou entreculturas para construir seus respectivos obje-tos teóricos, realizando paralelamente refle-xões epistemológicas sobre os estudos com-parativos. Simmel (1858-1918) fez o mesmopara referir-se expressamente às culturas fe-minina e masculina.

7 A palavra sexo provém do latimsexus e refere-se à condição or-gânica (anatomofisiológica),que distingue o macho da fê-mea. Sua principal caracterís-tica reside na estabilidadeatravés do tempo. A categoriade gênero provém do latimgenus e refere-se ao código deconduta que rege a organiza-ção social das relações entrehomens e mulheres. Em outraspalavras, o gênero é o modocomo as culturas interpretame organizam a diferença entrehomens e mulheres. Sua prin-cipal característica está namutabilidade, isto é, na possi-bilidade de mudança na rela-ção entre homens e mulheresatravés do tempo. Não se tratade um atributo individual, masque se adquire a partir dainteração com os outros e con-tribui para a reprodução da or-dem social. Em todas as cultu-ras, realiza-se uma interpreta-ção bipolar (feminino/masculi-no) e hierárquica (o masculinomais valorizado do que o femi-nino) das relações entre ho-mens e mulheres. Quando sediscute essa questão, preten-de-se debater e transformar aconstrução social e cultural dasrelações de gênero, no sentidode pluralizá-las e democratizá-las, eliminando discriminaçõesbaseadas em dicotomias e hi-erarquias estereotipantes (verYannoulas, 1996).

8 "Discriminação é o nome que sedá para a conduta (ação ouomissão) que viola os direitosdas pessoas com base em cri-térios injustificados e injustos,tais como raça, sexo, idade,opção religiosa e outros. A dis-criminação é algo assim comoa tradução prática, aexteriorização, a manifestação,a materialização do racismo,do preconceito e do estereóti-po. Como o próprio nome diz, éuma ação (no sentido de fazerou deixar de fazer algo) que re-sulta em violação de direitos.""Discriminação contra a mulhersignifica toda distinção, exclu-são ou restrição baseada emsexo e que tenha por objeto ouresultado prejudicar ou anularo reconhecimento, gozo ou oexercício pela mulher dos direi-tos humanos e liberdades fun-damentais nos campos políti-co, econômico, social, culturale civil ou em qualquer outrocampo, independente de seuestado civil, com base na igual-dade do homem e da mulher"(art. 1º da Convenção da Orga-nização das Nações Unidaspara a Eliminação de todas asFormas de Discriminação con-tra a Mulher, extraído de Discri-minação: teoria e prática, 1998,p. 15).

9 Re-acondicionamento do es-paço: provocar rupturas no in-terior de um espaço específi-co, pretendendo conciliar osinteresses individuais com os

Ainda que de forma difusa e pouco ex-plícita, os Estudos de Gênero inserem-senesta tradição comparativa. Para estes es-tudos, a preocupação fundamental é des-tacar as diferenças, as semelhanças e asrelações entre as formas de representaçãoe as condições de existência de homens emulheres, consideradas em seus aspectosdiversos (mercado de trabalho, educação,família, entre outros). A comparação sobreas representações e condições de existên-cia das mulheres e dos homens em diferen-tes culturas permite, por exemplo, desco-brir diversas formas de discriminação.

É possível distinguir, no mínimo, trêsformas de discriminação: a direta ou mani-festa, a indireta ou encoberta e aautodiscriminação (León, 1994; Yannoulas,2000). A direta ou manifesta refere-se às re-gras e códigos instituídos para salvaguar-dar espaços de poder, ou seja, a exclusãoexplícita de um grupo social, em função deseu sexo/gênero, raça/etnia, religião, ida-de, nacionalidade, entre outros aspectos.Tem como conseqüência a manutenção dosmembros de um determinado grupo em si-tuação desvantajosa ou desfavorável. A dis-criminação não poderia ser hoje manifestaou direta como já foi no passado, já que,nas sociedades ocidentais, tem primazia ovalor da igualdade (ao menos no aspectojurídico-formal). Assim, a discriminação foiproibida por normas internacionais (comoa Convenção da Organização das NaçõesUnidas de 1979 sobre a Eliminação de To-das as Formas de Discriminação contra aMulher) e pelas legislações nacionais. En-tretanto, embora a ausência de leis ou medi-das administrativas discriminadoras já cons-titua um avanço, os problemas derivados dadiscriminação não ficam solucionados por-que existe margem para o desenvolvimentode práticas sutis de mais difícil percepção. Adiscriminação encoberta ou indireta consis-te em idéias e práticas admitidas informal-mente, influenciando um comportamento"usual" e "válido" para cada grupo social.Estas práticas, que parecem neutras, criamdesigualdades entre pessoas com condi-ções idênticas por sua raça/etnia, sexo/gê-nero, idade, religião, nacionalidade, entreoutros aspectos. Um exemplo claro distoestá nos anúncios solicitando empregadascom "boa aparência", o que coloca o gru-po de mulheres negras em desvantagem. Aautodiscriminação é uma espécie de vigi-lância internalizada que assegura o compor-tamento de acordo com os parâmetros

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interesses coletivos, a inova-ção com a tradição. Por outrolado, "Cuando hablamos de se-xismo nos estamos refiriendoconcretamente a un ejerciciodiscriminatorio por el cual seadscriben características psi-cológicas y formas decomportamiento y se asignanroles sociales fijos a laspersonas por el sólo hecho depertenecer a determinadosexo, restringiendo ycondicionando de este modola posibilidad de un desarrollopleno para todos los sujetossociales, sean éstos varones omujeres" (Maglie, Frinchaboy,1988, p. 48).

delimitados pela manifestação encobertaou indireta. Constitui-se de mecanismosinternos de repressão que modelam nos-sos desejos, expectativas, anseios e moti-vações, de forma que algumas opçõeseducacionais ou profissionais tornam-seimpensáveis e outras fortemente orientadasou condicionadas. Por exemplo: foi difícilpara as primeiras juízas de futebol e paraas primeiras motoristas de ônibus ou detáxi imaginarem-se exercendo estas profis-sões. Por outro lado, o custo interno deoptar por profissões como enfermagem oumagistério é relativamente inferior, mesmoque se conheçam as limitações de remu-neração e as condições de trabalho des-tas profissões. Os mecanismos de repres-são internos que derivam da autodiscri-minação tornam-se tão naturais que, mui-tas vezes, são interpretados como autode-terminação e não como escolhas sutilmen-te pautadas pelas normas sociais.

A discriminação não é unidirecional (nãoafeta só as mulheres), nem uniforme (não afetaa todas as mulheres por igual). Para desco-brir as diferentes facetas deste polimorfismo,a comparação se faz necessária: por meioda análise comparativa das representaçõese das condições de existência de mulheres ehomens em culturas diversas, a reflexão so-bre a discriminação enriquece-se e ampliasuas potencialidades. Como conseqüência,a análise torna-se mais minuciosa, abarcan-do multiplicidade de sentidos e formas dediscriminação, captando sua mobilidade emudanças históricas.

Os Estudos de Gênero são tambémcomparativos em outro sentido: comparamas formas de existência das mulheres emdiferentes culturas. Por meio das relaçõesestabelecidas historicamente entre os mo-vimentos feministas e por meio das investi-gações promovidas pelas organizaçõesinternacionais, os Estudos de Gênero logose aproximaram da comparação internaci-onal e intercultural.

Existem diversas maneiras de abordarum objeto de estudo adotando o enfoquede gênero de maneira comparada. Tome-mos o exemplo dos processos de inte-gração supranacional. Segundo Jelin,Valdés e Barreiro (200-), existiriam trêsenfoques diferentes para analisar compa-rativamente os atuais processos deintegração supranacional sob uma pers-pectiva de gênero. Um primeiro enfoque,denominado pelas autoras de "perspecti-va sumária", procura analisar os territórios

integrados como uma única unidade, ex-plorando uma situação ou condição destaunidade e apresentando a região como asomatória das sociedades dos diversospaíses que a compõem (por exemplo, asituação educativa das mulheres noMercosul, comparada com a situaçãoeducativa das mulheres na União Européia).

Um segundo enfoque, denominadopelas autoras de "comparativo interno", pro-cura a comparação sistemática (semelhan-ças e divergências) entre os países envolvi-dos em processos de integração.

Este análisis comparativo (interno) tiene suimportancia, ya que los procesos denegociación de la integración parten de re-alidades nacionales y locales muy diver-sas, y no tienen (o mejor dicho, no debierantener) un objetivo de igualación u homo-geneización cultural. No solo estamos frentea países diferentes; también hay una grandiversidad dentro de cada uno. Em realidad,uno de los grandes riesgos al hablar deinteracción y integración es comprenderlascomo una integración entre nacioneshomogéneas, que irá en camino de unahomogeneización global. Sin embargo, enla medida en que el proceso de integraciónplantea objetivos mínimos comunes y la no-discriminación e igualdad de género sonsin ninguna duda (o debieran ser) algunosde ellos, estudiar comparativamente lasituación de las mujeres en los distintospaíses se convierte en una necesidad parala formulación de políticas antidiscrimi-natorias comunes (Jelin, Valdés, Barreiro,200-, p. 43-44).

O estudo comparativo é construtivo, poispermite a observação da maneira pelaqual cada uma dessas sociedades, ape-sar de sua diversidade, avançou na ela-boração de leis voltadas para temas comoo combate à discriminação e ao racismo(...). O aprofundamento das relações den-tro deste bloco regional levará os paísesmembros a buscarem soluções em con-junto e equalização de dispositivos jurí-dicos internos (além de acordos entre si)para dar continuidade ao processo deintegração (Pitanguy, Heringer, 2001, p.19).

Finalmente, o terceiro enfoque da dimen-são de gênero nos processos de integraçãoprocura ancorar a análise no próprio proces-so de interação e diálogo, observando deque maneira a dimensão de gênero apresen-ta-se nos cenários da negociação, na pre-sença ou ausência de atores e atrizes, na

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configuração das agendas de negociação,entre outros aspectos. Denominaremos aeste terceiro enfoque de "processual".

A comparação permite, além do es-pacial, quatro tipos de descentramento: ode gênero, o social, o cultural e o tempo-ral. Quanto ao primeiro, podemos dizer queo trabalho conjunto – de homens e mulhe-res – para analisar e debater o sistema so-cial de gênero é muito necessário. É nesteponto que reside, a nosso ver, o valor fun-damental da transformação dos Estudos daMulher em Estudos de Gênero: a compa-ração com o "outro" permitiria o desenvol-vimento de teorias que dessem conta dasrelações entre os gêneros assim como desuas representações e condições de exis-tência. Neste sentido, a comparação tor-na-se uma ferramenta fundamental paraentender a forma como o gênero socialopera em nossas sociedades e, também,para construir novas formas de convivên-cia entre os gêneros (dentro e fora do mun-do acadêmico), deixando de lado tanto asconcepções androcêntricas como asginecocêntricas, desmontando os proces-sos de formação de guetos instaurados naacademia pela institucionalização dos Es-tudos da Mulher (por efeito da discrimina-ção encoberta e da auto-segregação) edefendendo a adoção de uma reflexão éti-ca e política nas relações de gênero noprocesso de avanço científico. Voltaremosa este ponto.

Quanto ao descentramento social, éimportante ressaltar que o pesquisador oupesquisadora que realiza Estudos de Gê-nero deve procurar constantemente despo-jar-se daqueles pressupostos referentes àsua própria condição social, para evitarprojetá-los no objeto/sujeito de estudo, par-ticularmente quando se trata de sujeitos quenão pertençam a sua mesma condiçãosocioeconômica. Um exemplo: as historia-doras e os historiadores da família tendema projetar os modelos familiares com queforam socializados nas relações familiares,conjugais, de concubinato, etc., dos dife-rentes setores sociais do passado. Este tipode descentramento permite perceber apluralidade implícita em todo objeto de es-tudo e sua complexidade interna.

Em relação ao descentramento cultu-ral, a comparação entre culturas permiteanalisar com maior precisão os fenômenosestudados e a controlar a auto-referênciaexistencial de nossas categorias e concei-tos. Exemplo disto são os diversos estudos

antropológicos comparativos, que demons-tram o seguinte: embora o sexo resulte emcritério básico universal de organização so-cial (divisão sexual do trabalho), as tarefasdesignadas para cada sexo em diferentesculturas não são necessariamente as mes-mas.10 Neste enfoque, portanto, há outraabertura para a percepção não precon-ceituosa da pluralidade e da complexidadede todo objeto de estudo.

Finalmente, o descentramento tempo-ral encontra-se intimamente vinculado à re-flexão histórica. A comparação entre diver-sos períodos históricos permite observar astransformações por que passaram tanto aexistência feminina e masculina como adefinição social dos gêneros. Desta manei-ra, é possível recuperar um olhar crítico so-bre as condições atuais das mulheres e doshomens e sobre as definições correntes defeminilidade e de masculinidade. A título deexemplo, podemos dizer que muitos espe-cialistas em Sociologia do Trabalho desco-nhecem ou ignoram as transformações ge-néricas das profissões, porque não se inte-ressam por sua análise histórica. Estaanistoricidade leva, em muitos casos, àconsideração das profissões como se elasfossem neutras e imutáveis do ponto de vistade gênero.

O exercício consciente do descen-tramento como ferramenta para a constru-ção do conhecimento não significa renún-cia de nossa bagagem cultural e teórica,mas sim apoio ao desenvolvimento de umasubjetividade consciente e comprometida.Nesta perspectiva, a comparação não éapenas necessária, mas, também, desejá-vel para o desenvolvimento dos Estudos deGênero. A busca da subjetividade consci-ente não significa renúncia ao rigor científi-co: muito pelo contrário, acreditamos queo único caminho possível para obtenção dorigor é a auto-reflexão sobre as condiçõessociais do desenvolvimento científico indi-vidual e coletivo.

Transversalidade

Os Estudos de Gênero exigem umaabordagem multidisciplinar, porque se re-ferem a problemas transversais às diferen-tes disciplinas das Ciências Sociais. A dis-criminação não pode ser explicada unilate-ralmente a partir da economia, da política,da sociedade ou da cultura, já que seu sen-tido é multilateral e polimórfico e atravessa

10 Divisão sexual do trabalho é umacategoria utilizada pelas Ciên-cias Sociais para indicar que,em todas as sociedades, ho-mens e mulheres realizam tare-fas distintas. Entretanto, confor-me detalhado anteriormente, astarefas atribuídas a cada sexovariam de cultura para culturaou, ainda dentro da mesma cul-tura, de uma época para outra,e são valoradas socialmente demaneira hierárquica.

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o conjunto dos fenômenos estudados pe-las Ciências Sociais.

Segundo Harding (1996), como as rela-ções de gênero (e as mulheres) estão emtodo lugar, os temas analisados por estesestudos não "cabem" dentro de um esque-ma disciplinar único, e nem mesmo numconjunto de esquemas disciplinares. O ter-mo transversalidade denota não só a neces-sidade de abordar a problemática de gêne-ro a partir das diferentes disciplinas, mas tam-bém a noção de que os problemas de gêne-ro encontram-se em todas as disciplinastransversais a elas e que constituem eixos dereflexão que não podem ser ignorados.

Desde o início, a reflexão sobre a re-presentação e condição das mulheres apre-sentou a dificuldade de ser inabordável apartir de um campo disciplinar exclusivo eexcludente. Por mais paradoxal que seja, éjustamente neste aspecto que se encontrasua maior riqueza, pois impõe o desafio deencontrar as articulações necessárias entreas diversas abordagens disciplinares, e por-que desvenda a transversalidade dos fenô-menos sociais vinculados à discriminação.A imbricação das diferentes dimensões darealidade (política, econômica, cultural esocial) na análise científica dos problemasrelativos à discriminação é atualmente re-conhecida como necessária, tornando-secada vez mais evidente que o exame analíti-co de qualquer fenômeno social não podeser abordado a partir de uma única discipli-na científica.

Poderíamos dizer que os Estudos deGênero enfrentam hoje um duplo desafio: porum lado, o de assegurar os espaçosmultidisciplinares dos Estudos de Gênero(centros e áreas de pesquisa, congressos ejornadas, revistas sobre os Estudos de Gê-nero). Paralelamente, se a intenção é trans-formar a maneira de produzir, de transmitir ede se apropriar do conhecimento científicocom a incorporação da crítica epistemológicafeminista, outro desafio é delinear estratégi-as que incluam a participação de especialis-tas em Estudos de Gênero em espaços dis-ciplinares específicos, ou seja, em congres-sos, jornadas, revistas, equipes de investiga-ção das disciplinas de origem.

Politicidade e historicidade

Autoras diversas têm analisado a pro-blemática das genealogias femininas e suaausência na história social do pensamento

científico (por exemplo: Irigaray, 1992;Amorós, 1991, 1997). As genealogias do-minantes são principalmente masculinas,com pouco ou nenhum espaço para o pen-samento formulado por mulheres. Pode-seafirmar que o esquecimento ou o silen-ciamento das genealogias científicas femi-ninas e das mulheres nas genealogias doconhecimento científico permitiu a discrimi-nação das mulheres, tornando-as órfãs den-tro dos espaços acadêmicos.

O corpus teórico dos Estudos de Gêne-ro delineou uma genealogia própria, basi-camente feminina, que, além disso, recupe-rou obras femininas cronologicamente ante-riores. Quando nos situamos hoje no campoconstituído pelos Estudos de Gênero, dis-pomos de um conjunto de linhas teóricas e"mães" diferentes a quem se reportar, nãotanto por aceitar ou compartilhar do princí-pio de autoridade, como por reconhecer queestas genealogias femininas e estas mãesconstruíram e/ou abandonaram diversos ca-minhos que agora nos permitem debater demaneira mais complexa a problemática dasrelações de gênero. Neste sentido, e comodiria Collin (1986), herdamos um "matrimô-nio" rico e polêmico, do qual é possível be-neficiar-se e com o qual é possível romper,assim como debater com o "patrimônio" sema ele renunciar.

Mas a historicidade dos Estudos deGênero também tem outra faceta. Se, comoadmitimos, o gênero é social e culturalmenteconstruído, também é preciso aceitar quese trata de um fenômeno temporalmentemutável. Isto significa que não é possívelestudar qualquer problemática de gênerosem observar sua variação no tempo e noespaço, na diacronia e na sincronia. Adesnaturalização dos conceitos de feminili-dade e de identidade feminina só é apreen-dida pelo estudo histórico de sua constru-ção, difusão e consolidação.

Além disso, os Estudos de Gênero sãopolíticos. Segundo Scott (1992), alguns au-tores questionam a atual despolitização dosEstudos de Gênero: "O que acontece com ofeminismo quando o movimento das mulhe-res morre? Ele então se torna um estudosobre as mulheres, outra disciplina acadê-mica." Esta crítica resulta um tanto injusta,porque a origem e o desenvolvimento pos-terior da reflexão acadêmica sobre as condi-ções de existência de mulheres e homensvinculam-se a um movimento social e políti-co – o feminismo; porque se ocupar com asdiferenças, a igualdade e as relações de

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gênero implica estudar as hierarquias e opoder; e, finalmente, porque toda e qual-quer utopia é um projeto ético-político (e asutopias, felizmente, ainda existem e recriam-se constantemente).

A politicidade dos Estudos de Gêneroremete à articulação entre as acadêmicasfeministas e aos movimentos de mulheres.Como já indicado, esta articulação nemsempre foi fácil: muitas vezes as acadêmi-cas feministas precisaram desvincular-se dosmovimentos para serem aceitas nos âmbi-tos acadêmicos. Outras vezes, as militantesfeministas distanciaram-se das acadêmicasentendendo que suas estratégias e propos-tas eram reformistas, sem defender umamudança radical a favor das mulheres emconjunto. Na realidade, freqüentemente asacadêmicas feministas participam tambémdos movimentos de mulheres. Apesar dadiferença entre os espaços de atuação, ob-jetivos, metodologias ou estratégias de po-der que adotam, acadêmicas e militantesnutrem-se mutuamente: as militantes assina-lando constantemente os pontos problemá-ticos que precisam ser estudados pelas aca-dêmicas; as acadêmicas oferecendo sabe-res legitimados cientificamente para a cons-trução de estratégias e planos de ação porparte das militantes.

Geração simbólica: outras miradaspolíticas e históricas

Na historiografia masculina, o espaçofeminino não tinha história porque era oespaço da reprodução biológica e da re-petição do mesmo na vida cotidiana. Atransmissão entre mulheres era assimiladaà maternidade biológica, por um lado, ereduzida à transmissão ancestral do mes-mo (o fixo ou imutável, e portanto, não sig-nificativo ou importante para ser registra-do), por outro. Por esta concepção, asmulheres, biologicamente geradoras, fica-vam excluídas de toda atividade cultural-mente geradora (porque estavam excluídasda ação e não tinham palavra própria).

As mulheres organizadas no feminis-mo têm tentado t i rar suas f i lhas econgêneres deste espaço exclusivamen-te dedicado à reprodução biológica e àrepetição do mesmo. E têm conseguidoisto, não em oposição à reprodução bio-lógica, mas ao suscitar o que Collin (1986)denominara de geração simbólica, ocor-rendo em dois níveis: resgatando a

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temporalidade histórica feminina em suatradicional concepção masculina basea-da na “novidade” e na mudança; e intro-duzindo, paralelamente, uma ruptura nareprodução simbólica feminina inter-geracional. Neste sentido, podemos di-zer que as feministas resti tuíram atemporalidade ao mundo das mulheres.

A geração simbólica é a forma de evitaro caráter determinante da maternidade bio-lógica patriarcal, construindo um parentes-co simbólico baseado na palavra e na ação,e não no sangue ou na lei.11 Os trabalhosdas mulheres já não se encontram isolados,e se apresentam como um corpus ao qualos (e as) jovens podem se referir e com aajuda do qual podem também se alimentar,se enriquecer ou se diferenciar. Este corpusnão é um objeto ou um sistema, mas umespaço de circulação transversal, que atra-vessa as disciplinas e reanima-as.

O corpus a que nos referimos não éuma teoria científica ou politicamente cor-reta, mas um longo processo de delibera-ção moral, prática e teórica. Não faz senti-do supor que o feminismo acadêmico ven-cerá suas disputas internas gerando umaúnica teoria a partir da qual seja possíveldeduzir o verdadeiro significado dos even-tos ou simplificar os problemas. Esperar quetal ocorra é negar a própria história do fe-minismo, cuja riqueza principal reside pre-cisamente na pluralidade. Na melhor e maissaudável das hipóteses, este corpus per-mitirá a articulação e organização da com-plexidade, modificando a realidade social(Harding, 1996).

O corpus feminista deveria nutrir-se detodos os aportes (convergentes e diver-gentes) produzidos pelas mulheres. Deve-ria constituir-se instância de interlocuçãomais que doutrina única. A constituiçãodo espaço de interlocução é mais impor-tante que a conformação de uma ciênciaou de uma teoria feminista única; uma ins-tância de interlocução voltada ao desen-volvimento da palavra e da ação das mu-lheres.12 A transformação das relações degênero na academia depende de que eles(os homens) reconheçam que é possívelaprender algo relativo à "verdade" com elas(as mulheres). Depende, assim, de que apalavra das mulheres seja considerada, in-terpretada, citada pelos homens; de quea palavra das mulheres mereça a atençãoe o tempo dos homens. A transformaçãodepende da criação de um espaço deinterlocução compartilhado por homens

e mulheres, um espaço de negociação, degeração simbólica recíproca. Ouvir as mu-lheres, alinhar-se com as mulheres, não sig-nifica inverter uma relação de dependên-cia tradicional, mas abrir a possibilidadepara um diálogo no qual a própria diferen-ça é posta em jogo. A diferença constitui-se, sobretudo, em jogo ético-políticorenegociado em toda relação entre homeme mulher, em nível individual ou coletivo(Collin, 1992).

Espacialidade

Neste texto, já ressaltamos a questãotemporal como característica fundamentaldas relações de gênero: sua mutabilidadeno tempo. Por exemplo: a docência era umatarefa fundamentalmente masculina nos iní-cios da profissão, na Europa. Quando nosdefrontamos com estas mudanças tempo-rais no exercício de uma profissão, é im-portante observar quais foram os fundamen-tos que deram origem a tal mudança, poisexprimem novas formulações político-cultu-rais das relações entre os gêneros.

Ressaltamos também a questão espa-cial (no sentido da geografia humana) por-que é outra característica fundamental dasrelações de gênero: sua mutabilidade noespaço. Por exemplo: grande parte das ati-vidades da construção civil é exercida ex-clusivamente por homens na maioria dospaíses, exceto na Índia, onde as mulherestrabalham normalmente neste setor. Quan-do nos defrontamos com essas diferençasespaciais no exercício de uma profissão, éimportante observar quais são os fundamen-tos que justificam uma ou outra divisão se-xual do trabalho, pois exprimem diferentesformulações culturais das relações entre osgêneros.

... provavelmente somos muitas as pes-soas que, sem ter conexão profissionalalguma com a geografia, o urbanismo oua arquitetura, (...) sentimos o peso doseixos espaço/temporais na organizaçãode nossas vidas e no planejamento ouimaginação de nossos projetos futuros(Ballesteros, 1986, p. ii).

Na abordagem clássica da Geografiaprevaleceu um uso cartográfico do concei-to de espaço, considerado em seu aspec-to descritivo, geométrico. Por este enfoque,pretendia-se responder prioritariamente àpergunta "Onde?" A partir dos anos 50, o

11 O termo patriarcado foi utiliza-do pela primeira vez em princí-pios dos anos 70, com um sen-tido diferente daquele outorga-do pela Antropologia, por KateMillett, no seu livro Sexualpolitics. Este enfoque, que inau-gurou a teoria feminista radical,considera que a causa básicada opressão das mulheres é opatriarcado, entendido comoum conflito sexual transistóricoque os homens haveriam solu-cionado a seu favor, controlan-do os corpos, a sexualidade eos processos reprodutivos dasmulheres (ver Castells, 1996).

12 Nesta instância de interlocução,o feminismo deveria ser enten-dido "no como una entidad cla-ramente definible, sino como unlugar donde las diferenciasentran en conflicto y se unen,donde los intereses comunesestán articulados y contestados,donde las identidades consiguenestabilidad temporal, donde sehace la política y la historia"(Scott, 1997, p. 111).

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conceito de espaço passou a ser formula-do como produto social. Os geógrafos quese preocupavam com o social tentaramuma reformulação paulatina do conceitocartográfico de espaço, relativizando-o eanalisando-o enquanto continente e con-teúdo. Por sua vez, o enfoque espaço-tem-poral – a cronogeografia – reforçou a visãodo espaço como produção social.

O conceito de produção social do es-paço é uma categoria acalentada pela "re-volução das esquerdas", e surge como sin-toma de desencanto em face da incapaci-dade da Geografia tradicional de dar res-posta aos problemas da época. O espaçoconstitui-se então testemunho das tensõesentre os diferentes componentes do soci-al, entendendo as relações espaciais comomanifestação das relações sociais de clas-se sobre os espaços geográficos. Estemovimento crítico dedicou-se à problemá-tica das desigualdades sociais, postulan-do que a Geografia deveria deixar de seruma ciência neutra. Desta forma, não de-veria promover a consolidação de mitosque servissem para legitimar situações dedominação e injustiça, mitos incorporadosde maneira sutil nas análises sociais e polí-ticas por meio da linguagem e dasconceituações.

Por sua parte, as acadêmicas feminis-tas começaram a contribuir para a constru-ção de uma Geografia que pudesse darconta das relações sociais de gênero. Paraelas, o espaço é considerado como umavariável importante na compreensão dastrajetórias pessoais e coletivas das mulhe-res, enquanto suporte vital. Por este pontode vista, é interessante destacar as diferen-ças no uso do espaço de acordo com ogênero, assim como a freqüentação desi-gual dos espaços exteriores e interiores emfunção da divisão sexual do trabalho. Doisexemplos deste tipo de reflexão podem seranalisados em Valle (1997) e Booth, Darkee Yeandle (1998).

A geografia do gênero ou geografiafeminista interessa-se pelo estudo das de-sigualdades socioespácio-ambientais deri-vadas dos diferentes papéis culturalmentedesignados aos homens e mulheres. A ge-ografia feminista denuncia a confusão en-tre a experiência espacial masculina e aexperiência espacial da totalidade da hu-manidade, com o intuito de explicar oscomportamentos espaciais diferenciados.Pesquisa as diferenças quanto às formasde utilização dos espaços, os modos de

acesso e permanência nos diversos espa-ços sociais de uns e de outras. Com a fina-lidade de compreender a distribuiçãoassimétrica e a discriminação em razão dosgêneros, a geografia feminista propõe umaanálise integrada da esfera de produção(geografia econômica) e da esfera de distri-buição e consumo (geografia social). Estetipo de investigação dá conta, por exem-plo, da apropriação diferenciada por partede homens e mulheres do espaço públicoe do espaço privado, ou da incorporaçãosegmentada das mulheres nos mercados detrabalho.

Demarcação pendente

A exclusão das mulheres na construçãodos saberes legitimados tem sido criticadaa partir das diferentes posturas do feminis-mo acadêmico. O caráter androcêntrico doconhecimento científico pode ser analisa-do em duas vertentes: a excludente e a in-clusiva. A primeira estabelece-se historica-mente ao negar-se o acesso à produção,circulação e apropriação do conhecimentocientífico por parte da metade da humani-dade: as mulheres. A segunda vertente, oandrocentrismo inclusivo, manifesta-se apartir da incorporação das mulheres nosespaços de produção, circulação e apro-priação do conhecimento científico (princi-palmente na academia), permanecendo, noentanto, a omissão com respeito à condi-ção sexuada do/a sujeito que constrói oconhecimento e das mulheres como obje-to de estudo, ou seja, desconhecendo oenfoque de gênero no conteúdo e nametodologia da produção científica. Ambasas vertentes do androcentrismo científicoestão intrinsecamente articuladas, sendoque uma fica incompreensível sem a outra.Aqui elas serão tratadas separadamente emfunção única dos objetivos analíticos eexpositivos.

Primeiramente trataremos da análise doandrocentrismo excludente, ou seja, doacesso à produção, circulação e apropria-ção do conhecimento científico por partedas mulheres. A Filosofia, a Ciência Políti-ca, a Sociologia, a Antropologia, a Históriae as Ciências da Educação constituem âm-bitos particularmente férteis para a reflexãosobre as relações sociais de gênero, por-que o entrecruzamento permite analisar deque maneira os diversos tipos de agrupa-mentos sociais têm acesso aos diferentes

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modos de produção, circulação e apropri-ação de saberes, e de que maneira os sa-beres se articulam com as diferentes for-mas de exercício do poder na sociedade.13

Entre as instituições educativas, a universi-dade tem um lugar destacado devido à suaarticulação com o espaço público, espe-cialmente com os mercados de trabalho ecom a participação política.

Os Estudos de Gênero pouco têm seocupado das acadêmicas e das profissio-nais (ver, entre outros estados da arte: Feijoo,1989; Corvalan, 1990; Rosemberg, 1994;León, 1994). Problemas mais agudos emrelação à pobreza e à marginalidade femini-nas, assim como políticas de fomento es-pecíficas desenvolvidas por parte dos orga-nismos internacionais, têm delimitado temase grupos de interesse prioritários, como gra-videz na adolescência, trabalho feminino nomercado informal, ou a situação das mulhe-res na zona rural, das meninas de rua, dasmulheres de setores populares urbanos, entreoutras questões.

Algumas pesquisadoras, afirmandoque a base da discriminação das mulheresdefine-se já na infância e por meio dos pro-cessos de socialização genericamente di-ferenciados, preferem ocupar-se da educa-ção familiar e escolar. Outras opinam queas universitárias possuem ferramentas paralutar por seus próprios meios em defesada igualdade. Finalmente, para um grupomuito reduzido de pesquisadoras, a proble-mática das mulheres universitárias e profis-sionais resulta em foco de interesse privile-giado, porque elas delimitariam uma impor-tante ruptura no que se refere à feminizaçãodo mundo público e às relações das mulhe-res com o poder e o saber.

O conjunto de mulheres acadêmicas eprofissionais pode ser enquadrado sob oconceito de "elite discriminada".14 Trata-sede um grupo duplamente isolado, tanto daelite masculina como da massa feminina, edominado, por estar limitado a pequenasporções de poder que a elite masculina cedea partir de insistentes pressões: "Elites dis-criminadas é a denominação paradoxal emque condensamos a forma peculiar pelaqual uma minoria de mulheres chega aopoder e as regras sociais que devem cum-prir para exercê-lo" (León, 1994, p. 19).

O estudo das elites femininas tem umarelevância especial, dado estas mulheresconstituírem uma espécie de espelho ondese reflete o fato estranho que é o rompi-mento de códigos culturais tradicionais, ou

seja, a existência de mulheres com podermanifesto:

Se o poder é masculino (o que pareceuma constante generalizada nas mais di-versas sociedades), se é exercido comuma clareza que confere a este fato soci-al quase a certeza de uma lei física (paramais poder, menos mulheres), seria pre-ciso questionar este estranho fenômenoque é a existência de minorias de mulhe-res com poder, indagar sobre a naturezae quantum deste poder e se realmente otêm e, sobre tudo, seria preciso indagarde que modos chegaram a formar partedo poder, por quais vias fazem parte daelite (Ibid, p. 39).

Estudar a elite das acadêmicas e pro-fissionais nos ajuda a pensar sobre o alcan-ce das mudanças sociais registradas nasrelações de gênero, no grau de resistênciado monopólio do poder masculino e nopolimorfismo da discriminação. Estas mu-lheres têm traduzido o capital social e cul-tural que o modelo tradicional lhes negavaem espaços de articulação e integração,assim como em formas específicas de exer-cício do poder. Sem dúvida, isto não temsido fácil e não significa que, para este gru-po de mulheres, a discriminação tenha dei-xado de existir.

Origens da problemática

Uma análise preliminar da relação his-tórica entre as mulheres e as instituiçõesuniversitárias é necessária para a compre-ensão das origens da discriminação na Aca-demia. As primeiras universidades criadasna Europa, no transcurso do século 12, fo-ram as de Bolonha e Paris, que permane-ceram fechadas para as mulheres até o sé-culo 19.15 A primeira a admitir mulherescomo estudantes foi a de Zurique, em 1865,e a última, a da Prússia, em 1908. O ingres-so das mulheres nos estudos universitáriose no exercício profissional constituiu-se durocombate para as européias (católicas, judi-as e protestantes), combate esse que nãofoi vitorioso até que se passassem oito sé-culos da criação da universidade.

Os que se opunham à educação superiorpara as jovens utilizavam todos os argu-mentos tradicionais: esta educação as de-bilitaria como futuras mães; seus corposfrágeis se "degenerariam" com o uso de-masiado do cérebro; as mulheres haviam

13 Algumas obras de referência re-centes, nas diferentes discipli-nas mencionadas: Filosofia –Amorós (1997); Ciência Políti-ca – Castells (1996); Sociologia– Duran (1996); Antropologia –Narotzky (1995); História –Lavrin (1998); Ciências da Edu-cação – Acker (1995).

14 Segundo a Real AcademiaEspañola (1992), elite é um gru-po seleto ou reitor.

15 Bowen assinala como antece-dente a existência de uma Es-cola de Medicina em Salerno,no século 11. Cita uma fontede 1059, em latim, que refletiaa fama da mencionada escola.A dita fonte destaca alguémversado em ciência médica,cujos conhecimentos só pode-riam ser igualados em Salernopor uma mulher muito douta.Bowen (1986, p. 160) afirma:"Y esta mujer, sobre la que nose sabe nada más, parecehaber sido legendaria".

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nascido para viver subordinadas(Anderson, Zinsser, 1992, p. 215-216).

Nas academias científicas européiasocorreu algo parecido, já que seus integran-tes eram escolhidos pelos catedráticos:

Nem a astrônoma Maria Winkelman, nema matemática Sophie Germain, nem mes-mo a ganhadora por duas vezes do Prê-mio Nobel de Química, Marie Curie, jáem 1911, foram admitidas. Curie, depoisde grandes discussões no Comitê Se-creto, foi recusada pelo fato de ser mu-lher. Alguns membros da Academia con-sideravam que a admissão de uma mu-lher era suficientemente importante parajustificar uma sessão plenária das cincoAcademias que constituíam o Instituto daFrança. A sessão não chegou a tratar otema e Curie não foi admitida. Até 1979,trezentos anos depois da constituição daAcademia, quando já não era uma insti-tuição de poder, não se dá a admissãode uma mulher como membro de plenodireito da Academia de Ciências de Pa-ris (Pairo, 1997).

Esta prolongada luta teve como con-texto geral a denominada "Querelha dasMulheres", que foi o primeiro debate docu-mentado entre homens e mulheres acercada natureza e do valor das mulheres nasociedade. Iniciada na França, esta"Querelha" logo se ampliou a toda Europa.No princípio, não se debatia a igualdadedos homens e das mulheres; mas as mu-lheres, sim, discutiam a visão masculina daidentidade feminina e reivindicavam o aces-so ao saber legitimado: as posições maisessencialistas argumentavam que era ne-cessário permitir o acesso das mulheres aosaber legitimado para que melhor cumpris-sem suas funções específicas; enquanto asposições mais racionalistas entendiam queas mulheres tinham capacidades semelhan-tes às dos homens e condições de acessoao dito conhecimento.

Participaram da Querelha eruditos eeruditas das cortes, universidades, salõese círculos científicos, durante quase 300anos (séculos 14 a 17). Destacaram-se nestedebate as contribuições de sua iniciadora,Christine de Pisan (1364-1430?) – primeiraescritora profissional na França –, e docartesiano Poullain de la Barre (1647-1723).A importância deste debate para a históriada relação entre os gêneros é de tal mag-nitude que algumas historiadoras datam o

início do feminismo por esta "Querelha"(Kelly, 1984).

A "Querelha das Mulheres" foi um pro-cesso importante na história das relaçõesentre os gêneros, por três motivos: em pri-meiro lugar, porque, pela primeira vez, al-gumas mulheres instruídas puderam docu-mentar suas opiniões sobre o significadode ser mulher; em segundo lugar, porque,para se referir à condição de ser mulher, seapoiaram em sua própria existência e naconsciência de si mesmas, denunciando oprincípio de autoridade vigente na ciência,o qual não era nada mais nada menos queo princípio de autoridade masculina; emterceiro lugar, porque, por meio deste de-bate, as duas formas extremas de se con-ceber a relação entre homens e mulheres,o feminino e o masculino, pode serexplicitada: uma de caráter essencialista,que postula uma diferença sexual natural eimutável,16 e outra de caráter racionalista,que postula uma diferença de gêneroconstruída social e culturalmente.

Por intuição ou conhecimento de cau-sa, as pioneiras universitárias fizeram incur-sões em novos espaços, transgredindo asfronteiras de territórios tradicionalmentemasculinos. Começaram, assim, a quebrarum mito que se havia mantido por séculos:o que rezava que não cabia às mulheres teracesso aos espaços públicos, aos saberessocialmente legitimados, nem às profissõesde maior prestígio ou melhor remuneração,pelo simples fato de serem consideradasfuturas mães e esposas.

Outra temática importante na hora deanalisar o ingresso das mulheres na univer-sidade ao final do século 19 é a co-educa-ção.17 Não se tratava apenas de um "ima-ginário social" atuando contra os interessesdas pioneiras universitárias, pressionandopara dissuadi-las. Burlas e agressões con-cretas por parte de estudantes e docentesnão foram uma exceção (ver Anderson,Zinsser, 1992). Estas pressões não foramsimplesmente uma excentricidade do sécu-lo 19, já que continuam até o século 20apesar do avançado processo de incorpo-ração das mulheres nas universidades,como é possível deduzir de informe elabo-rado pela Unesco, com base em enqueterespondida por 89 países do mundo em1965.18

A falta de modelos de referência foi umverdadeiro obstáculo para as primeiras uni-versitárias e profissionais. Um dos principaisproblemas foi a necessidade de romper

16 Fraisse (1996) distingue os con-ceitos de diferença sexual e dife-rença dos sexos. O primeiro é umpressuposto filosófico que consis-te na afirmação ontológica oupsicológica de uma diferença, oponto de partida de uma filosofiado feminino (ao modo de Irigaray,1998). O segundo remete àhistoricidade como representa-ção antinatural do fato da dife-rença. A historicidade da diferen-ça dos sexos implica uma repre-sentação da diferença sujeita àstransformações das posições eposturas dos homens e das mu-lheres no curso da história (aomodo de Agacinski, 1998).

17 As acadêmicas feministas dis-tinguem co-educação e educa-ção mista . Educação mista é aque se aplica a meninos e me-ninas de maneira conjunta, masque produz e reproduz estere-ótipos de gênero, tomandocomo parâmetro de "normali-dade" os conteúdos da mascu-linidade. A verdadeira co-edu-cação seria um tipo de educa-ção simultânea e não-sexista(Subirats, 1994). Apesar destaespecificação, manteremos autilização do termo co-educa-ção para indicar o ensino queocorre de maneira conjunta ousimultânea, porque muitos dospolíticos e pedagogos da épo-ca como de agora entendemda mesma forma.

18 "Entre los países latinoame-ricanos, cuya mayoría haadoptado la enseñanza superiormixta, se destacan México, quedispone de tres universidadesdestinadas a mujeres, y Bolivia,Guatemala y Uruguay, dondeexisten también varios institutosreservados a ellas. La Argentinaindica, entre otros motivos deesta separación de sexos,factores de carácter tradicional"(Unesco, 1967, p. 8).

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com os valores e modelos femininos rece-bidos pela de socialização prévia, comotambém com os que foram reforçados du-rante a etapa universitária, a partir do co-nhecimento científico da época. Estes va-lores e modelos enfatizavam a dependên-cia, a fragilidade, a passividade feminina,constituindo-se características totalmenteopostas às requeridas no trabalho univer-sitário e profissional, que é centrado naautonomia intelectual, sendo também con-trários aos imperativos de êxito no mundopúblico.

Desta maneira, ao entrar no mundopúblico pelo caminho da inserção univer-sitária (e também política e profissional),as mulheres tiveram que fazer coexistir emsua vida cotidiana duas lógicas e espaçosde poder contrapostos: mundo público emundo privado (Fernández, 1993). Trata-se de dois tipos de espaços especialmen-te contrastantes, com lógicas, critérios deavaliação e prioridades completamentedessemelhantes, que exigem formas depensar, sentir e atuar diferenciadas:

As mulheres têm tido acesso a espaçosdo mundo público há poucas décadas, eisto significa que o treinamento que tive-ram para o desempenho nestes papéisé notavelmente menor que o dos homens.Questões como: conhecimento das re-gras de jogo para apresentação em con-curso para preenchimento de cargos, trei-namento no exercício de funções de po-der, de liderança, aprendizagem sobreadministração de dinheiro, salários, ho-norários, etc., treinamento para atuaçãocompetente em espaços regidos por va-lores que não os do mundo afetivo-emo-cional, etc., constituem conjunto de es-forços que a maioria das mulheres fazquando decide sair de casa e ir traba-lhar fora. Tudo isto independentementedo desempenho do trabalho em si, desua preparação para o mesmo, e da ener-gia e esforço investido nele (Kohen,1994, p. 166).

Trajetórias universitáriasdiferenciadas19

Não obstante os avanços registradosna Europa e na América nos últimos 50anos no que se refere às oportunidadeseducacionais das mulheres, seu ingressona universidade não foi homogêneo, ha-vendo umas poucas áreas ou disciplinas

científicas com notável concentração demulheres e outras múltiplas com concen-tração de homens, refletindo forte associa-ção com modelos culturais vigentes. Ob-serva-se a tendência de agrupamento dasalunas universitárias em disciplinas vincula-das aos serviços, como são as profissõesdas áreas de Comunicação, Educação,Humanidades e Saúde. As carreiras maisfortemente vinculadas à produção, como asCiências Agropecuárias e as Engenharias,permanecem com o corpo discente funda-mentalmente masculino.

O enorme salto educativo dado pelasmulheres em matéria de educação superiornas últimas décadas não modificou signifi-cativamente suas escolhas disciplinares.Alguns autores afirmam que os antigosguetos masculinos (como Veterinária) esta-riam se transformando em disciplinas neu-tras do ponto de vista da composição dosalunos em relação ao sexo. Outros cursosestariam passando pelo processo defeminização (Medicina). Engenharia e Agro-nomia se mantêm masculinizadas. Sem dú-vida, as carreiras e especialidades que sefeminizaram mais cedo (como Educação)conservam este caráter. Este fenômeno in-dicaria que nem todas as carreiras transfor-mam-se em direção a um equilíbrio quantoà composição sexual (ver, entre outros es-tudos: León, 1994; Mosconi, 1998; RevistaIberoamericana de Educación, 1994).

Mulheres e homens realizam trajetóri-as educativas diferenciadas, com saídasprofissionais diversificadas. Os acessos aosaber são socialmente orientados paramulheres e homens. O lugar social que asmulheres e os homens têm ocupado naacademia e no mundo profissional pormeio dos estudos superiores e profissões,os territórios "corretos" que umas e ou-tros têm habitado e as situações quecondicionam suas "escolhas" adquiremassim uma relevância particular.

Sem dúvida, as interpelações produzi-das pela experiência familiar, o discursoescolar, os meios de comunicação social,entre outros aspectos, são capazes de cri-ar identificações e de fundar imagináriosprofissionais e de trabalho, inclusive de ge-rar expectativas de "êxito" ou "fracasso" queinfluem nas escolhas. Os sujeitos não en-frentam uma decisão pela primeira vez deforma isolada. Isto implica contemplar a in-serção dos processos de autoconstruçãode sujeitos em redes de maior alcance, ouseja, no conjunto de instituições, formações

19 Preferimos utilizar o conceito detrajetórias educativas diferenci-adas e não o de "circuitos", con-ceito tradicionalmente utilizadonas Ciências da Educação, por-que, em oposição ao que ocorrecom a segmentação educativabaseada na condição socio-econômica (enfoque pelo qualseria válido falar de circuitos di-ferenciados constituídos por ins-tituições educativas de diferen-te qualidade e prestígio), ho-mens e mulheres de condiçõessocioeconômicas semelhantesse integram às mesmas institui-ções, mas de maneira hetero-gênea, demandando carreirase especialidades diversas, espa-ços de produção e exercício depoder diferenciados.

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e condicionamentos sociais, econômicos,culturais e, especificamente, de gênero.

Mosconi indaga de que maneira asrelações de gênero instituem-se na socie-dade e como influenciam o vínculo com osaber. Saberes distintos são transmitidos apúblicos distintos em correspondência comas divisões sociais e sexuais do trabalho.Há, portanto, divisões do saber quanto aogênero. Neste sentido, são as próprias re-lações de gênero que configuram os cam-pos do saber (Mosconi, 1998).

A pergunta "estudar para qual carrei-ra?" supõe a escolha de um recorte de pro-blemáticas, de determinados "objetos teó-ricos e empíricos", de campos de saber li-gados a distintas áreas disciplinares quesão valorizadas como "femininas" ou "mas-culinas" e demarcadas de maneira desigualpela sociedade. A posição sexuada do su-jeito que decide, os estereótipos sexuaissocialmente atribuídos a mulheres e ho-mens,20 a feminização e feminilização dedeterminadas carreiras,21 as formas de dis-criminação explícitas ou sutis, a autodis-criminação no acesso, a permanência ouegresso da universidade conforme o sexo,o androcentrismo no conhecimento cientí-fico, os códigos e lógicas das esferas pú-blica, privada e social não são questõesalheias às políticas de orientação voca-cional e de difusão dos estudos superio-res, que precisam ser mudadas.

Mesmo quando um texto ou discursonão é portador da totalidade do sentido,porque este se completa nos processos decirculação e recepção, consideramos quenele aparecem cristalizações de significa-dos relativos a tradições acadêmicas, ima-ginários profissionais, valorizações éticas,etc., que se entrecruzam – nem sempre demodo harmônico – em um discursoinstitucional particular que impregna e éimpregnado pelas relações de gênero. Es-tas significações permanecem inscritas emum espaço de articulação das expectati-vas sociais, que, embora desafiado e dis-putado por outras instituições (que pro-põem outros imaginários de êxito ou pro-gresso), mantêm um lugar dominante en-tre as representações coletivas; este espa-ço é a universidade, instituição educativaque é tanto atravessada pelas relações degênero como por elas constituída.

Os estudos universitários onde a pre-sença feminina é maior conduzem, em linhasgerais, a profissões pouco valorizadas nomercado de trabalho, que redundam em

salários menos vantajosos para as mulheres.22

Alguns autores assinalam o contrário, ou seja,que as profissões perdem seu prestígio aose feminilizar, já que este processo acrescen-ta seus efeitos à desvalorização dos títulospela diminuição da "raridade social", querdizer, pela massificação dos títulos universi-tários. Para além da discussão sobre a ori-gem da perda de prestígio das profissões,fica claro que as mulheres são maioria na-quelas carreiras e profissões com menor pres-tígio no mercado de trabalho e na acade-mia, e que, portanto, a discriminação dasmulheres no âmbito acadêmico e profissio-nal mudou de direção: ela não se efetua maispela limitação no ingresso, mas pela transfe-rência a seu interior.

Em relação à participação das mulhe-res na docência dos diferentes níveiseducativos formais, o mesmo fenômeno re-produz-se em todos os países: a participa-ção feminina na docência é maior quantomenor for o nível educativo em questão.Assim sendo, o nível superior do sistemaeducativo formal é o de menor presençafeminina no corpo docente.

Já assinalamos a existência de três for-mas de controle ou discriminação nas insti-tuições acadêmicas: a discriminação mani-festa, referente a regras e códigos pensa-dos para salvaguardar e proteger espaçosde poder; a discriminação encoberta, quese refere às idéias assumidas informalmen-te sobre a constituição da atividade acadê-mica e do comportamento válido em seuinterior; e a autodiscriminação, que é umaespécie de vigilância interna aprendida paraassegurar que nos comportemos dentro dosparâmetros delimitados pela discriminaçãomanifesta e encoberta. Essas formas decontrole nas instituições acadêmicasexplicitam-se em momentos ou espaçosparticularmente propícios, como são osconflitos cotidianos, as estruturas de podermasculinizadas e a institucionalização daexperiência masculina como parâmetro denormalidade (aspecto especialmente visívelna hora de substanciar concursos ou demedir a "produtividade" para a estipulaçãode categorias do pesquisador).

A discriminação manifesta, ou seja, aexclusão das mulheres das cátedras e dasacademias, não se explicitaria hoje comoanteriormente, dado que em nossas socie-dades prima o valor da igualdade (ao me-nos no discurso jurídico-formal). Sem dúvi-da, as mudanças sociais são lentas, e per-sistem formas encobertas e parciais de dis-criminação sexual. Para citar um exemplo:

20 Estereótipos sexuais provêmdas palavras gregas estereós etypos. A primeira significa sóli-do e a segunda, molde ou mo-delo. Os estereótipos são pre-conceitos sobre grupos huma-nos, que se aplicam às pesso-as, mesmo sem conhecê-las.Por exemplo: "as mulheres sãofracas e os homens são fortes";"as mulheres são sensíveis e oshomens são violentos". Os es-tereótipos baseados no sexopromovem a imitação de cer-tos modelos rígidos para asmulheres e outros, igualmenterígidos, para os homens.

21 Na literatura especializada, apa-recem dois significados para oconceito de feminização dasprofissões e ocupações, a quecorrespondem metodologias etécnicas diferentes para a cole-ta e análise de informação: sig-nificado quantitativo oufeminilização: refere-se ao au-mento do peso relativo do sexofeminino, na composição deuma profissão ou ocupação; suamensuração e análise realizam-se por meio de dados estatísti-cos; significado qualitativo oufeminização: alude às transfor-mações de significado e valorsocial de uma profissão ou ocu-pação, originadas a partir dafeminilização e vinculadas àconcepção de gênero predomi-nante em uma época; seu im-pacto é avaliado pela análise dodiscurso. Presume-se que exis-ta uma relação intensa entre oacesso massivo de mulheres auma profissão ou ocupação(feminilização) e sua transfor-mação qualitativa (femini-zação). À medida que aumentaa presença feminina, diminuemas remunerações, a ocupaçãopassa a ser considerada poucoqualificada e decai o prestígiosocial da profissão (Yannoulas,1996).

22 Uma temática conexa diz res-peito ao vínculo real e imaginá-rio das mulheres com o dinhei-ro (ver Borderías, Carrasco,Alemany, 1994).

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a National Science Foundation mostrava, emseu informe de 1984, que os salários anu-ais das cientistas e engenheiras não alcan-çavam 80% dos salários masculinos para amesma categoria. Apesar das desigualda-des salariais poderem ser parcialmentejustificadas com base na experiência pro-fissional historicamente acumulada – demaneira individual e coletiva – pelos ho-mens, quase a metade da diferença salari-al entre homens e mulheres na ciência per-manece sem explicação, a não ser pelosfatores de discriminação (Acevedo, 1994).

A discriminação encoberta apresenta-se no âmbito acadêmico de diversas ma-neiras. A principal toma a forma depostergação das candidatas à titularidadeda cátedra ou aos cargos de coordena-ção ou chefia de pesquisa com base emfatores extra-acadêmicos. Os homens, se-gundo Leon (1994, p. 51), acumularam umexcedente de valoração que os dota deautoridade e que pode definir o resultadofinal de um concurso:

O excedente de valorização masculinaacumulado por um candidato hipotético(pelo simples fato de ser homem) e que,sem dúvida, falta à candidata, funcionaem várias vertentes: a) a socialização di-ferenciada masculina já lhe proporcio-nou desde a infância esta valorizaçãosuperior e subseqüente autoridade; b)qualquer tribunal profissional é compos-to em sua quase totalidade por homens,produzindo-se assim uma afinidade depautas culturais entre examinando eexaminadores; e c) o fato de ser homemper se dota o candidato de autoridade,incrementa seu papel, enquanto que asituação de novidade que é a de umamulher em situação de exame profissio-nal, no melhor dos casos, produz curio-sidade, surpresa ou dúvida, que às ve-zes pode até jogar a seu favor por valorque possa ser atribuído ao exótico, em-bora não produza uma situação neutra,nem o automatismo de autoridade que aviolência simbólica que acompanha amasculinidade cria por si.

Com esse mecanismo, o androcentrismocientífico articula-se especialmente: uma hie-rarquia não explícita que sanciona os temasdo conhecimento como dignos ou indignos,relevantes ou secundários, nobres ou não, eda mesma forma com as metodologias depesquisa como apropriadas ou inapropriadas.Por esta via elimina-se uma grande parte daprática social como objeto de investigação.

No caso das denominadas ciências duras ede saúde, também opera o tema doandrocentrismo científico: por exemplo, aobsessão masculina com a genitalidade esexualidade feminina como fonte e motor dasdiferenças fisiológicas e psicológicas entrehomens e mulheres.

O androcentrismo científico também semanifesta nos critérios de avaliação paraacesso às categorias de pesquisador prin-cipal ou professor titular. Um dos critériosnão discutidos é o da "produtividade", ba-seado na quantidade de pesquisas e publi-cações realizadas pelo candidato. Esta pro-dutividade geralmente não leva em consi-deração o ciclo vital da candidata, porqueo costume é pensar em relação à carreiraprofissional ideal dos homens, sem interrup-ções que alteram seu padrão de produtivi-dade a partir de mudanças produzidas pelareprodução biológica e cultural da família.23

Outro âmbito de expressão da discri-minação encoberta pode ser examinado noprocesso de ocupação de cargos na estru-tura de governo das universidades. Segun-do Estela Lopez (1994), o Directorio deRectoras, Vicerrectoras y Decanas da Or-ganização dos Estados Americanos para oano de 1993 indicava a existência de 35reitoras ou presidentas de universidade (pú-blicas e privadas) e 55 mulheres em outrospostos (vice-reitoras e decanas), para todaa América. No Brasil, por exemplo, havianove reitoras, representando 1% dos car-gos; nos Estados Unidos havia 348, querdizer, 12% dos cargos. Nesse mesmo ano,na Argentina, não havia nenhuma reitora.

Além disto, a autora destaca que, emsua maioria, as reitoras ou presidentas re-presentam freqüentemente instituições ca-tólicas que aceitam apenas alunas mulhe-res, e que é preciso levar em conta que asinstituições de educação superior dirigidaspor mulheres não são as universidades maistradicionais, mas as de fundação mais re-cente. A situação na América não varia mui-to do resto do mundo.

Os mecanismos de discriminação ba-seados em fatores extra-acadêmicos expli-cam como, em círculos de alta qualifica-ção profissional onde os curriculum vitaemasculinos e femininos são tratados, emprincípio, em igualdade de condições, oshomens continuam obtendo as maiores emelhores vantagens profissionais, enquan-to as mulheres constituem-se elites discri-minadas. Ou, dito de outra maneira, na uni-versidade, onde as mulheres deveriam ter

23 Reprodução social e cultural:atividades domésticas não-re-muneradas, realizadas geral-mente por mulheres, relaciona-das à reprodução, material ousimbólica, das pessoas (ali-mentação, saúde, educação,etc.).

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êxito garantido pelo fato de "serem especi-almente dotadas para o ensino", como portratar-se de instituição meritocrática, pordefinição, as mulheres encontraram-se eencontram-se em desvantagem.

Os fatores extra-acadêmicos podemser entendidos a partir da socialização di-ferencial ou pela incorporação tardia emaciça das mulheres nos círculos acadê-micos. Mas é preciso analisar também ahistória da instituição universitária, que foiconstruída excluindo explicitamente asmulheres em seu conjunto. Além disto, épreciso investigar qual tem sido a práticade centros universitários específicos, ondese pode observar com maior nitidez as ten-sões entre as disciplinas (normalmente as-sociadas a um gênero específico), os con-flitos entre o núcleo fundador e o acessodas mulheres, entre outros aspectos.

Para finalizar estas primeiras reflexõessobre as mulheres e o acesso ao saber le-gitimado e à atividade acadêmica e profis-sional, não podemos esquecer a tensão oucontradição presente nos Estudos de Gê-nero na hora de avaliar as continuidades edescontinuidades na experiência das mu-lheres como coletivo social. Se, por umlado, se destaca o "progresso" relativo rea-lizado em algumas áreas ou perspectivas,dois fenômenos negativos tornam-sepreocupantes:

• a invisibilização dos processos dediscriminação e sua plasticidade, devido àconstante deslocar-se ou desarticular-se;

• a separação, cada vez mais profunda,entre as próprias mulheres (com base princi-palmente nas condições socioeconômicas),no que se refere aos bens culturais, aos benseconômicos e ao poder.

Assim mesmo, é necessário ressaltaruma vez mais que tanto os "avanços" comoos "retrocessos" devem ser consideradosde maneira historicamente contextualizada.

Meritocracia, autoridadee poder acadêmico

O tema do poder e da democracia écaro às Ciências Sociais (ver, entre outros,Giddens, 1993) e aos feminismos (ver, en-tre outros, Castells, 1996). Desde suas ori-gens, baseadas no sufragismo de final doséculo 19, as feministas militantes e acadê-micas procuraram ampliar o protagonismo

das mulheres na democracia contemporâ-nea, por meio de diversos mecanismos, orasucessivos, ora sobrepostos ou paralelos.

Na última década do século passado,os resultados alcançados obrigaram a umanova reflexão sobre a participação das mu-lheres no poder, só que, desta vez, a partirde um enfoque qualitativo. Surgiram doistipos de questões-chave, que estabelece-ram os rumos da terceira estratégia:

• é o número de mulheres que garanteuma formulação de políticas públicas emprol das mulheres como coletivo social? Istoé: quando as mulheres participam da políti-ca, defendem os interesses das mulheres?

• é possível que o ingresso maciço demulheres na política contribua para modificaras estruturas e mecanismos masculinizadosda política? Isto é: a feminilização da políticacontribui à sua feminização, alterando a pró-pria prática política?

Enquanto as perguntas sobre a igual-dade numérica e a qualidade da participa-ção das mulheres nos sistemas políticos degoverno já obtiveram relativo consenso cul-tural, perguntas semelhantes colocadas noâmbito acadêmico geralmente produzemuma profunda irritação ou são ridiculariza-das. O resultado final é a falta de debateem torno da distribuição e tipo de poderacadêmico manifesto de mulheres e homensnas universidades, academias, centros depesquisa, órgãos científicos do Estado,entre outros espaços públicos de produção,circulação e apropriação de saberes.

O desmonte deste tipo de respostas eresultados resulta muito difícil, por diversascausas. Aqui faremos referência às duasmais relevantes. Em primeiro lugar, nos di-zem que já somos muitas as alunas e do-centes nas universidades argentinas e domundo, e se é assim, que mais queremos?

A democracia liberal costuma conside-rar que esta promessa [de igualdade po-lítica] está suficientemente cumprida como sufrágio universal e com a possibilida-de, igual para todas as pessoas, decandidatar-se às eleições, mas com istodesconsidera as condições sociais eeconômicas que tornariam esta igualda-de efetiva. Mesmo deixando de ladoquestões de gênero e raça, nosso aces-so desigual ao conhecimento, à informa-ção e à formação política que nos fazpoliticamente (e não apenas socialmen-te) desiguais (Castells, 1996, p. 81).

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Em segundo lugar, nos dizem que osetor acadêmico seria supostamente regi-do por uma meritocracia neutra quanto aogênero, baseada nas realizações objetivasdas pessoas, sem se importar com o sexo:

Em verdade, devemos saber que ameritocracia tem seus riscos. Primeiro,não há critério uniforme de mérito; se-gundo, não há um ponto equânime des-de o qual o mérito seja reconhecido ouretribuído. Portanto, ainda que em umasituação ideal meritocrática as mulheressejam favorecidas, como essa situaçãonão existe, medidas de discriminaçãopositiva são sempre necessárias sim-plesmente para que se produza a justiçacomo ponto de partida. (...) De outras tra-mas estamos excluídas a priori. Dos trêsgêneros de poder real reconhecidos – oeconômico, a expertise e a sabedoria – ,nenhum é alcançado por meio deescalonamento. As mulheres seguimoscarecendo de auctoritas e potestas, e adetenção do poder explícito continua nossendo negada com uma resistência cul-tural muito maior do que poderíamos tersuposto. E há ainda outra fonte de resis-tência, neste caso própria, que cabe lem-brar: nós mesmas não queremos perderentidade neste processo, é o que costu-mamos expressar às vezes quando di-zemos "Não queremos ser como os ho-mens" (Lopez, C., 1995, p. 55).

As medidas de ação positiva ou afir-mativa normalmente são justificadas como argumento de que pretendem compen-sar desvantagens atuais de grupos que his-toricamente tenham sofrido uma situaçãode desvantagem e subordinação.24 Semdúvida, isto não deve nos levar a pensarque se justificam pela necessidade de com-pensar algum tipo de "inferioridade", massim que:

... as políticas de ação afirmativa podemser entendidas como mecanismos com-pensadores de preconceitos culturais nospadrões e critérios de avaliação empre-gados pelas escolas ou por empresários.Estes padrões e critérios de avaliaçãorefletem, pelo menos até certo ponto, avida específica e a experiência culturaldos grupos dominantes, brancos, anglo-saxônicos ou homens. Além disto, emuma sociedade grupalmente diferencia-da, o desenvolvimento de padrões e cri-térios de avaliação totalmente neutrosresulta difícil ou impossível, posto que aexperiência cultural das mulheres, dos/as negros e dos/as latinos e as culturas

dominantes são em muitos aspectosirredutíveis a uma medida comum. Portan-to, as políticas de ação afirmativa ou posi-tiva compensam o domínio de um conjun-to de atributos culturais (Castells, 1996, p.123).

A educação é um processo "gene-rificado", quer dizer, uma prática socialconstituída por gênero e que por sua vezconstitui gêneros. Por meio da educação,diversos tipos de identidades são produzi-dos (de gênero, mas também de naciona-lidade, idade, socioeconômicas, raciais,entre outras). As relações e práticaseducativas estão na base da constituiçãodos diversos tipos de sujeitos, como tam-bém produzem as formas pelas quais asinstituições sociais são organizadas e per-cebidas. Neste sentido, é possível afirmarque a universidade, enquanto instituiçãoeducativa, não só constitui um espaço so-cial privilegiado para a formação/conten-ção da juventude, como é, ademais, umespaço generificado, constitutivamente einstituintemente atravessado pelas relaçõesde gênero (Louro, 1997; Yannoulas, 1997).

Como instituição que faz parte do sis-tema educativo, a universidade é um espa-ço socialmente diferenciador enquantomecanismo de inclusão/exclusão (ter um tí-tulo universitário não é o mesmo que nãotê-lo), como também (e cada vez mais apartir da instauração dos atuais processosde avaliação universitária), por meio demecanismos internos que classificam, orde-nam e hierarquizam os corpos docente ediscente, as disciplinas científicas, as insti-tuições de nível superior, etc. Ao incorporargrupos sociais historicamente excluídospelos processos articulados de massi-ficação e feminilização dos estudos superi-ores, a universidade manteve e talvezaprofundou as desigualdades, por meio desua organização, localização, currículos,regulamentos, sistemas de avaliação,categorizações, entre outros aspectos. Es-tas formas de expressão das desigualdadesnão afetam somente a relação entre homense mulheres, mas também a relação entre aspróprias universitárias.

Ao estabelecer juízos sobre o quê valecomo conhecimento intelectual, os líde-res acadêmicos se guiam mais provavel-mente por conceitos de qualidade base-ados em normas universais de compe-tência. Assim, uma socióloga cujo traba-lho é publicado em revistas acadêmicas

24 Ação positiva ou afirmativa: tra-ta-se da adoção temporal demedidas especiais – legislativas,administrativas, judiciais –, des-tinadas à promoção da igualda-de de oportunidades, em dife-rentes âmbitos, para grupos his-toricamente discriminados. Sãoações corretivas que têm porobjetivo corrigir as defasagensentre o ideal igualitário, consa-grado nas normas e na legisla-ção, e um sistema de relaçõessociais marcado pelas desigual-dades e hierarquias. A discrimi-nação positiva refere-se ao con-junto de medidas de ação posi-tiva adotado como política pú-blica, para uma transformaçãoampla e planejada, a fim de as-segurar a igualdade de oportu-nidades a todos os cidadãos ecidadãs (Centro..., 1996). A pla-taforma de ação aprovada emBeijing deu indicação precisa daimportância das ações afirmati-vas (Conferência..., 1996).

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dominantes terá uma maior probabilida-de de conseguir incentivos acadêmicosque aquela socióloga cujo trabalho épublicado principalmente em revistas fe-ministas ou interdisciplinares. (...) Asmedidas tradicionais de "excelência" fa-vorecem indivíduos social, intelectual eideologicamente semelhantes. (...) Aque-les professores que em sua pesquisa ecátedra desafiam standards normativospodem ser vistos como pouco desejáveispor seu trabalho escassamente ortodo-xo; mesmo quando populares, não con-tribuem substancialmente para os crité-rios de qualidade acadêmica (Bensimon,1995, p. 10).

Alinhamentos(des)orientadores?Espaços, fronteirase empoderamento25

A primeira questão que se coloca emface da situação das mulheres na acade-mia é a que se vincula ao lugar ou espaçoda disputa do poder. Ou seja, lutar a partirdo interior ou ao longo da fronteira?

Qual seria uma política efetiva para asmulheres? Animá-las a não parar, a nãose deter em sua trajetória até o poder, oumudar de modelo (o modelo masculino),criticar os homens, criticar a masculini-dade dominante, que para eles tambémé alienante, muito embora para as mu-lheres seja duplamente alienante? Porem pauta o modelo masculino, com todaalienação a que pode levar e que con-siste essencialmente em viver a vidaunidimensionalmente? Só poder, só po-lítica, só trabalho, só ambição, etc. Esta éa grande e penosa especialização mas-culina, sua glória e sua cruz (Cortázar,León, 1997, p. 74).

Pareceria que não existe um caminhoúnico, e que é necessário/desejável enca-minhar a luta por dentro, mas sem renunci-ar à transgressão e à luta de fronteiras:

É conveniente utilizar a imensa quanti-dade de tempo, esforço e tensão neces-sária para conduzir as lutas de ação afir-mativa quando a raiz do problema seencontra fora da ciência, na organizaçãodas relações de gênero na sociedade enos usos e significados da ciência emgeral? Sim e não. Não, porque sozinhasestas estratégias não podem estabele-cer a eqüidade para as mulheres dentro

da ciência (...). Sim, porque esta açãoacarreta pequenos avanços, modifica al-gumas mentes, cria mais espaço para fu-turas gerações de mulheres, cria consci-ência de solidariedade política entre asmulheres (e os homens) que lutam poreqüidade (Harding, 1996, p. 213).

Pela abordagem da Psicologia, algunsautores e autoras defendem a construçãode um novo modelo, o da androginia, nosentido de indicar a união do feminino e domasculino, uma forma alternativa de con-ceber-se os gêneros feminino e masculino,de cuja flexibilização surgiria um ser huma-no mais completo. Trata-se de um idealcultural, que se traduz psicologicamente emforma mais plena e saudável de desenvolvi-mento pessoal. Pressupõe que o sujeitopossa ir além dos limites impostos pelosestereótipos de gênero, que exceda àtipificação cultural feminina ou masculina(Jayme, Sau, 1996).

O desenvolvimento destes novos mode-los não será espontâneo. Postulamos a ne-cessidade de cursos especiais com gruposespecíficos de mulheres, em torno de técni-cas e práticas que levem ao empoderamento.A palavra empoderamento refere-se àpotencialização educacional e profissionaldas mulheres, aumentando seu nível de infor-mação, aguçando suas percepções e eviden-ciando idéias e sentimentos comuns. Seuobjetivo mais amplo é fortalecer as capaci-dades, habilidades e disposições para o exer-cício legítimo do poder.

É possível identificar um conjunto depráticas que facilitam o processo deempoderamento, como, por exemplo: apre-sentação de textos originais delibe-radamente pensados sob o enfoque dasrelações de gênero; releitura de velhos tex-tos que não foram escritos sob esseenfoque, mas que passam a ser lidos poresta ótica; análise da experiência pessoalpela reconstrução de histórias de vida. Des-tacam-se as técnicas de colaboração, coo-perativa e interativa, com muito uso de diá-logo, role playing (dramatização de papéis),redação de jornais, relato de casos.

Os saberes adquiridos e as habilidadesdesenvolvidas pelas mulheres em sua vidacotidiana e no âmbito de seu trabalho nãocostumam ser valorizados pela sociedade,já que carecem de instâncias de validaçãoou certificação específicas. Por exemplo:ocupações vinculadas ao serviço domésti-co ou ao cuidado de idosos e crianças ge-ralmente são desempenhadas com base em

25 Empoderamento provém do in-glês empowerment (Gore,1996; Piussi, Bianchi, 1996).

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saberes e habilidades transmitidas de ge-ração a geração dentro do lar, entre mãese filhas. O objetivo principal a ser alcança-do pelas estratégias de empoderamento éa tomada de consciência e potencializaçãodas próprias competências. Esta tomadade consciência vincula-se à visibilizaçãodas capacidades que as mulheres têm de-senvolvido em face do desconhecimentoe desvalorização social das qualificaçõesfemininas.

O objetivo do empoderamento não éconstruir uma sociedade de mulheres po-derosas, porém isoladas, mas de contri-buir para a construção de uma nova or-dem científica e cultural, socialmente justae politicamente democrática, em sentidomais amplo ou abrangente. Ou seja, umaordem sem hierarquias nem privilégios ba-seados em estereótipos e estigmas abso-lutamente injustificados e nada científicos,que permita então a homens e mulheresque, de maneira conjunta, desenvolvamuma cidadania plena e produtiva.

Conhecimento científicoe androcentrismo

Analisemos agora a outra vertente doandrocentrismo científico: o androcentrismoincluinte, que, embora permita o ingressodas mulheres na atividade acadêmica, con-tinua desconsiderando as relações de gê-nero quanto à metodologia de pesquisa econteúdo do conhecimento científico.

No discurso lógico-científico em gerale, particularmente, no discurso das Ciênci-as Humanas, o aporte das mulheres à cons-trução da vida social, cultural e científicaaparece silenciado e menosprezado. Des-de a segunda metade do século passado,as acadêmicas feministas denunciam oandrocentrismo na ciência como formaespecífica de sexismo. A análise feministado conhecimento científico permitiu des-velar que o enfoque de uma pesquisa pelaperspectiva masculina, e a posterior consi-deração dos resultados tanto válidos parahomens como para mulheres, distorce oconhecimento científico ao modo doetnocentrismo.26

Pelo modelo da ciência empírica, ocientista é um observador independente,que deve contar com a capacidade deminimizar qualquer relação afetiva evalorativa com o objeto de estudo. Namedida em que se mantém a distancia, os

objetos não seriam influenciados por ele e,por conseguinte, os dados coletados seri-am confiáveis e não contaminados pela sub-jetividade (neutralidade).

O paradigma empírico da ciência temsido julgado pelo feminismo acadêmicoporque a objetividade científica não é sinô-nimo de neutralidade. Gergen (1993) ques-tiona a objetividade científica em função decinco aspectos fundamentais:

• a independência do gênero do cien-tista em relação à disciplina científica;

26"... el etnocentrismo puededefinirse en su doble vertientecomo a) la proyección decategorías de la propia sociedaden el análisis de sociedades"otras" y b) la valoración superi-or de la propia sociedad y cultu-ra en comparación con la"otra"o, más generalmente, lavaloración superior de lo propiorespecto de lo ajeno" (Narotzky,1995, p. 43).

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• a "descontextualização" do fenôme-no sob investigação;

• a isenção de valor no desenvolvimen-to da teoria e da prática;

• a possibilidade de obtenção de "da-dos brutos";

• a superioridade do cientista para in-terpretar a realidade em relação a outraspessoas.

Desdobremos cada um destes aspec-tos. O empirismo tradicional pretende es-tabelecer leis gerais para o funcionamen-to humano, tomando por base o modelodas Ciências Naturais e Exatas. O cientis-ta retira as unidades de análise de seucontexto cultural e histórico e postula aindependência de seus interesses pesso-ais e institucionais. A crítica feminista seconcentra nas conseqüências que estadescontextualização acarreta sobre asmulheres enquanto objetos de estudo. Asmulheres são estudadas à margem desuas circunstâncias pessoais, assim comodas relações de gênero.

Os problemas derivados desta supos-ta neutralidade descontextualizadora sãoclaramente visíveis quando se atribui àsmulheres características pessoais como dis-posições "naturais", em vez de pensá-lascomo efeitos de sua posição específicaenquanto grupo discriminado em uma de-terminada sociedade. Esta perspectiva des-conhece os fatores sociais e culturais queinfluenciam a vida das mulheres. A identi-dade dos objetos de investigação depen-de de seu contexto, e por isto não é possí-vel descontextualizar um fenômeno semmodificar seu significado. A pesquisa cien-tífica deveria ser conduzida de maneira anão violentar a situação social do objeto,levando em conta a contingência históricados fenômenos.

Dentro do paradigma científico tradi-cional, supõe-se que o cientista pode edeve produzir conhecimento isento devaloração subjetiva, e que a atividade depesquisa não deve ser influenciada por pre-conceitos pessoais, princípios éticos e ou-tras preocupações. O feminismo acadêmi-co, ao contrário, afirma que o conhecimen-to e sua criação não são isentos devaloração e subjetividade, e sustentam queo conhecimento livre de interesses é im-possível. Conseqüentemente, torna-se ne-cessário substituir o interesse implícito peloexplícito.

O empirismo sustenta que a única ma-neira de estabelecer conhecimento váli-do é por meio do procedimento científi-co, considerado como único e inequívo-co. Todas as outras formas do saber hu-mano seriam inferiores. Esta hipótese desuperioridade da ciência manifesta-se nosseguintes aspectos:

• assume que o pesquisador é maissábio e competente que o objeto de inves-tigação, e por isto, não tem o interesse dedescobrir o que o objeto de estudo sabeou é capaz de fazer;

• o investigador espera ter controletotal sobre o modo como o estudo se rea-liza; o contexto, os métodos, procedimen-tos, análise, resultados e recomendaçõespara aplicação são regulados pelo pesqui-sador, subjugando desta forma o objeto deestudo;

• o cientista jamais compartilha suasopiniões com os objetos de estudo antesde finalizar seu estudo, porque este com-partilhar supostamente "contaminaria" a for-mulação da pesquisa e os resultados.

As acadêmicas feministas sustentamque esta presunção de superioridade doinvestigador e estes procedimentos de su-bordinação do objeto repetem os padrõesda relação entre gêneros na cultura, comomanifestação de uma ordem hierárquica.

Pelo paradigma empírico, os fatos sãoconcebidos como independentes do cien-tista que os estabelece. Assume-se que omundo "é como é", independentemente doobservador. A tarefa do cientista é, então,refletir este mundo em suas teorias. Alémdisto, todas as pessoas que utilizam osmétodos científicos deveriam chegar àsmesmas conclusões em relação à naturezado mundo.

As feministas acadêmicas sustentamque todos os aspectos do método científi-co requerem atos de interpretação, neces-sários para selecionar e criar um vocabulá-rio relevante e um modelo teórico, para re-alizar distinções entre objetos, para formu-lar sistemas de explicação e sistematizar osdados encontrados. Ainda mais, o que étransformado em "dado" não reflete o mun-do tal como ele é, senão um mundosubsumido em modelo lingüístico a priori.

O feminismo acadêmico questiona alinguagem científica modulada com o fimde produzir um mundo androcêntrico de "fa-tos", que invariavelmente outorga vantagens

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aos homens em detrimento das mulheres.É comum que importantes conceitos cien-tíficos sejam baseados em hipótesespreexistentes relativas às relações entre osgêneros. O mesmo acontece em relaçãoàs metáforas científicas (por exemplo, ci-ências duras e soft), que recorrem a hipó-teses androcêntricas. Estas categorias pro-venientes da linguagem científica dividemo mundo em falsas simetrias e introduzem-se nas categorias concretas da realidade,"naturalizando-se" na vida cotidiana. As re-lações de poder entre homens e mulheresfazem parte constitutiva destas visões ouenfoques científicos.

Em resumo: a concepção empírica doconhecimento objetivo e acumulativo éuma projeção da ideologia ou dos valoresculturalmente atribuídos à masculinidade.As feministas acadêmicas consideram que,ao separar sujeito-objeto, razão-emoção,conhecimento-contexto socioistórico, aorientação empírica torna-se incompatívelcom uma ciência que contemple a inclu-são de todos os sujeitos sociais.

Keller analisou as metáforas e imagensgeralmente utilizadas para referir-se à ciên-cia. Por exemplo, as ciências "duras" re-metem à idéia de ciências objetivas e, poristo, masculinas, e as ciências soft, à idéiade ciências mais subjetivas e mais femini-nas. Isto denota uma metáfora de gênerosumamente arraigada em nossa cultura, aqual estabelece hierarquias entre camposou áreas disciplinares. Outro mito é o dese conceber a ciência como contrária aeros. A percepção social, por exemplo, éde que os cientistas são menos eróticosque os artistas. "A ciência transporta o im-pacto de sua generização não só às dife-rentes formas em que é usada como à des-crição da realidade que oferece" (Keller,1991, p. 86).

A modernidade vangloriou-se da pro-dução de um método universal de pesqui-sa: o método científico. A separação entreteoria e prática na retórica da verificaçãocientífica pressupõe o empirismo e oformalismo como critérios de cientificidadee de obtenção da verdade. A ciência mo-derna é marcadamente tecnológica. Suadefinição é dada pelo domínio tecnológicoda natureza e pelo controle dos fenôme-nos naturais. Para Bacon (1561-1626), porexemplo, a natureza tinha que ser "sub-jugada e obrigada a servir", e a meta docientista era "torturá-la até arrancar-lhe ossegredos". Como muitos autores da época

e posteriores – inclusive contemporâneos –comparou-se a natureza com a mulher(Figueroa-Sarriera, López, Román, 1994).

As imagens sobre "a mulher" namodernidade foram construídas a partir deum pensamento binário que naturalizou aseparação masculino/feminino, justificando-a pelas diferenças biológicas. As dicotomiasnatureza/cultura, selvagem-doméstico cons-tituíram-se categorias que significam peloseu oposto: o feminino é pensado enquan-to existe o masculino. Estabeleceu-se umaequivalência entre feminino e natureza eentre masculino e cultura. O não masculinoenquanto oposição representa o que estáfora do âmbito dos homens. Se o naturalou feminino está fora deste âmbito, torna-se necessário subjugá-lo. Certos significa-dos são convertidos em eixos em torno dosquais outros significados são forçados agirar de modo subordinado. Esta ideologiacientífica dividiu o mundo em duas partes:

• o que conhece (a mente)• o cognoscível (a natureza e os fatos

sociais).

A relação entre quem conhece e o co-nhecido é de distância e separação. O su-jeito e o objeto estão radicalmente sepa-rados. A natureza e os fatos sociais sãocoisificados. Concomitantemente, divide-se as formas de conhecer em "objetivas"e "subjetivas". O masculino denota, então,separação, autonomia e distância radicalde qualquer tipo de mistura entre sujeitoe objeto. O objeto (natureza) é passivo, éobservado, é manipulado, é dominado.O sujeito (a mente) observa, é ativo, ma-nipula, controla, domina. Os qualificativosdo objeto são atribuídos ao feminino e osadjetivos do sujeito, ao masculino.

Além disto, a construção de saberespor parte das mulheres não é percebidacomo elaboração, mas como um saber"dado" (dom) pela natureza. Assim, porexemplo, todos os saberes relacionadoscom a reprodução social e biológica noâmbito doméstico não são percebidoscomo saberes construídos culturalmente,mas são entendidos como dotes naturais,espontâneos, dependentes de uma nature-za feminina essencial.

De acordo com Keller (1991), desde aciência clássica postula-se a separaçãoobjeto-sujeito do conhecimento, o que dálugar a uma concepção de epistemologiaobjetivista. A verdade é medida por sua dis-

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tância do subjetivo. Keller distingue doistipos de objetividade:

• objetividade estática: faz referênciaà busca de um conhecimento que começapela separação entre o sujeito e o objeto;este tipo de objetividade é o que tem sidoassumido desde a ciência tradicional;

• objetividade dinâmica: utiliza a ex-periência subjetiva em prol de uma objeti-vidade mais efetiva. O/a cientista empregauma forma de atenção com o mundo ca-racterizada pelo amor e empatia, isto é,uma forma de conhecimento pela qual éconsciente da conectividade com o mun-do, garantindo ao mesmo tempo indepen-dência do mesmo.

A objetividade dinâmica tolera a am-bigüidade, a incerteza, um certo jogo en-tre o sujeito e o entorno e a capacidade derelacionar-se com a diferença. O reconhe-cimento da diferença proporciona um pon-to de partida para a capacidade de relaci-onamento. Este posicionamento de Keller(1991) coloca-se como um modelo deepistemologia interativa e contextual. Poreste paradigma, é preciso voltar a nomeara natureza como um objeto não alienado ea mente como não necessariamente mas-culina, redefinindo a relação entre sujeito eobjeto, dando outras significações às no-ções de "mente" e "natureza" e reconstruin-do o vínculo entre ambas.

Por sua parte, Harding (1996) assinalaque a história da ciência foi elaborada des-critivamente, com base nas vidas e desco-bertas de cientistas de destaque. A históriada ciência relata os êxitos daqueles que,seguindo um programa cognitivo universal-mente aceito, desenvolveram produçõescientíficas universalmente válidas. Os avan-ços científicos são apresentados como oápice do progresso humano e como resul-tado do método científico.

Esta maneira dominante de relatar ahistória da ciência revela a ausência de umaperspectiva de gênero.

o processo sistemático de se evitar aidentidade e o comportamento de gêne-ro, as disposições institucionais de gê-nero e o simbolismo de gênero nos le-vam a suspeitar que nos encontramosainda ante uma idéia incompleta e de-formada da ciência moderna. Quando seelaboram descrições sensíveis às ques-tões de gênero de outros momentos dahistória, nossas idéias sobre as épocas

progressistas se modificam radicalmente(...) não acreditavam de maneira algumaque a fêmea humana fosse igual ao ma-cho humano, que a lei devesse refletiressa igualdade, que o trabalho das mu-lheres e dos homens fosse intercam-biável, que as ligações das mulheres comos homens e com as crianças e as famíli-as estivessem entre as relações que vin-culam de forma regressiva. Não há dúvi-da de que isto se deve, em grande parte,a que a natureza e a atividade das mu-lheres não eram percebidas como ele-mentos plenamente sociais (Ibid, p. 194-196).

Harding sustenta que o aparecimentoda "nova ciência moderna" apresenta coin-cidências notáveis com a atual propostafeminista de pesquisa, porque ambas:

• questionam as atitudes autoritárias edefendem a emancipação política comofundamento de seus estudos;

• requerem a redefinição do progres-so político e intelectual, colocando em evi-dência que as hierarquias não estão inscri-tas na natureza, mas sim que são criaçõessociais e, por isto mesmo, mutáveis;

• ressaltam a importância da experiên-cia humana como fonte de conhecimento;

• destacam a educação como fator fun-damental para a criação de conhecimentosque erradiquem a subjugação; e

• buscam a combinação do conheci-mento moral e político com o empírico,procurando unificar o conhecimento docoração, do cérebro e das mãos.

Apesar disso, é interessante destacaruma disparidade entre os pioneiros defen-sores da "nova ciência" e as pesquisadorasfeministas. A identificação dos primeiroscom os subjugados de sua época resultamais voluntarista que a identificação dasfeministas com a condição das mulheres:

Temos que aprender com a história. Umrecado para o feminismo se refere à re-dução do radicalismo em nossos objeti-vos e projetos, nos compromissos que as-sumimos. Como os projetos feministasestão incorporados em sociedades ain-da fundamentalmente estruturadas me-diante ordens de gênero, raciais, de clas-ses sociais, culturais, o feminismo deveressaltar de maneira inequívoca a práti-ca diária e os esforços a longo prazo paraeliminar todas essas formas de domina-ção, para evitar o infeliz destino do 'movi-mento da nova ciência' do século 17. Umnúmero importante de indivíduos e gru-

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pos têm muito que perder ante o avançodeste projeto radical e muito que ganharcom a transformação do impulso femi-nista em um elemento a mais de um uni-verso pluralista, não ameaçador, de dis-curso teórico, no qual as relações depoder permaneçam fundamentalmenteinalteradas (Harding, 1996, p. 209).

Transgredindo fronteiras e assumindo limites

Qual é a conseqüência imediata deadvertir-se sobre os traços androcêntricosdo método científico? Deseja-se a cons-trução de uma epistemologia e de umaciência especificamente feministas? Reco-nhecer a ciência como produto social,desconstruir vestígios ou marcas de seusprodutores tanto nos projetos como nasmaneiras de conceber o conhecimento,não implica, a nosso ver, a exaltação deum subjetivismo relativista, que consideraas hipóteses centradas nos homens versusas hipóteses centradas nas mulheres.

O objetivo da busca de saber pelas fe-ministas consistiria em elaborar teorias quemostrem com a maior clareza possível asatividades das mulheres como atividadessociais, e as relações sociais de gênerocomo elemento de importância para a com-preensão da história humana. Este projetonão tem em si mesmo nada de subjetivo;de fato, é necessário evidenciar e evitar atentação ginecocêntrica dos feminismos.

Os aportes dos Estudos de Gêneropara a construção de uma nova ciênciaautorizam enfoques e perspectivas que setornam disponíveis para os empreendimen-tos intelectuais em geral. É possível pen-sar uma epistemologia que possa dar con-ta de uma forma alternativa de se fazer ci-ência? É possível uma ciência que incluaas relações de gênero na produção doconhecimento? Como seria uma visão fe-minista da objetividade da ciência?

Haraway (1995) afirma que o problemada ciência para os feminismos é entender aobjetividade como um tipo de racionalidadesituada: a união das visões parciais e dasvozes vacilantes em um sujeito coletivo si-tuado ou localizado. Quer dizer, a possibili-dade de viver dentro dos limites e contradi-ções das visões situadas. A autora destacaa adjudicação exagerada que o saber cien-tífico atribui a si mesmo: a pretensão de ver

tudo e desde todos os lugares como se fos-se um deus onipresente e onissapiente.Haraway sustenta que nem a onipotêncianem a onissapiência interessam aos feminis-mos, e considera a pretensão da objetivida-de absoluta semelhante à imagem de umpau-de-sebo, portanto inacessível.

Haraway (Ibid) mostra-se hostil aorelativismo e às visões totalizadoras. Desta-ca como alternativa a aceitação dos sabe-res situáveis, parciais, críticos, sustentadosem redes de conexão construídas com soli-dariedade por meio da política e das con-versas compartilhadas em nível episte-mológico. A ciência sobre a qual conduz suareflexão seria uma que nos permitiria juntar-nos na esperança de transformação dos sis-temas de saber e das formas de ver. Umaciência que pudesse interpretar, traduzir epermitir o tateamento e a compreensão par-cial. A produção de saberes situados requerque o objeto de pesquisa seja objeto e atorao mesmo tempo como única forma válidade acercar-se do conhecimento real. Se aética e a política são pilares fundamentaispara a objetividade da ciência, esta mesmapostura em relação ao objeto/ator é que seriaconsiderada coerente.

Ao contrapor a possibilidade de umaobjetividade ilimitada à concepção da ob-jetividade como racionalidade situada, aautora alinha-se na luta por uma visão quereconheça os limites cambiantes dos obje-tos, os quais são passíveis de transforma-ção constante. A metáfora do cyborg, aca-lentada por Haraway (Ibid), sugere uma ima-gem adequada ao entendimento deste con-ceito de objetividade. Os cyborgs são cria-turas da ficção científica, constituem umametáfora irônica e uma estratégia retórica,uma imagem condensada de imaginação erealidade material, onde se confundem asfronteiras entre o real e o fictício, e ondeaparecem subjetividades que não demons-tram temor por suas identidades contradi-tórias. Os cyborgs supõem a emergênciade novos tipos de limites, fluidos e impreci-sos, entre o humano, o natural e o artificial.

Os feminismos têm tido grande preo-cupação de apontar os pecados da ciên-cia, mas ainda não conseguiram mobilizarenergia suficiente para imaginar uma buscade conhecimento emancipadora. Qual é ovínculo existente entre este compromissoemancipatório e a questão ética? As femi-nistas procuram traçar um projeto de sub-versão de valores. A partir de uma lógicadicotômica, os feminismos situar-se-iam do

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"lado do bem". Não se trata de suplantaruma ética masculina por uma ética femini-na. No se trata de suplantar a "lei paterna"pela "lei materna", porque, eticamente fa-lando, "propor não é impor" e "alimentarnão é empanturrar". Pensar as propostasfeministas a partir deste lugar implica nãotanto "zelar", mas "deixar crescer" (Collin,1992).

As posturas feministas implicam um nóproblemático de várias escolas e vertentes,com diferentes posições teóricas e políti-cas. Deste modo, a proposta episte-mológica e ética deve incluir suas ambi-valências – ódios e amores, conflitos e co-incidências – sem impor a idealizaçãodas relações pretendidas tanto no interiordos feminismos como das relações destescom outras posturas teóricas. A pretensãoé de uma ciência e uma ética que sereformulam em suas marchas, muitas ve-zes tentativamente (Azcárate, 1996).

O enfoque de gênero se postula comopotencial alavanca das estruturas científicas

existentes. Negá-lo ou desconhecê-lo signi-fica, sem dúvida, parcializar o conhecimen-to ou diminuir seu potencial emancipador.No entanto, a academia feminista não podepretender construir por si mesma uma ciên-cia sucessora. Assim, os aportes à ciênciarealizados pelos feminismos podem ser con-siderados como conhecimentos/marcas, ori-entações e sinalizações, que não deveriamser ignoradas ao risco de reduzir-se o pano-rama ou desconhecer espaços férteis de ex-ploração e transformação do conhecimentocientífico.

Nesse sentido, as reflexões de Collin(1992) sobre uma "ética do diálogo plural"sustentam nossas aproximações à questãotratada. A autora argumenta sobre umaconsciência do limite que separa do outro,do limite que afasta mas que é ao mesmotempo condição para a aproximação. Odiálogo com outras posturas teóricas eepistemológicas situa-se justamente no jogodialético entre a consciência dos limites daspropostas feministas e o seu enorme po-tencial emancipador.

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Recebido em 19 de outubro de 2001.

Silvia Cristina Yannoulas, doutora em Ciências Sociais pelo Programa de DoutoradoConjunto Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso)/Universidade de Brasília(UnB), é pesquisadora visitante (bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Ci-entífico e Tecnológico – CNPq), professora internacional da Flacso/Brasil e coordenadorado projeto de pesquisa "Mulheres e políticas públicas de trabalho e renda: entre adescentralização e a integração supranacional". [email protected]

Adriana Lucila Vallejos, licenciada em Ciências da Educação pela Universidade Naci-onal de Entre Ríos (Argentina), é educadora sexual, especialista em temas relativos àsrelações de gênero na educação, coordenadora da área de Direitos Sexuais e Reprodutivosdo Programa Municipal da Mulher (Paraná, Entre Ríos, Argentina), pesquisadora da Fa-culdade de Trabalho Social da Universidade Nacional de Entre Ríos (Argentina) e colabo-radora da Flacso/Brasil no projeto de pesquisa "Mulheres e políticas públicas de trabalhoe renda: entre a descentralização e a integração supranacional".

Zulma Viviana Lenarduzzi, mestranda em Educação pela Universidade Nacional deEntre Ríos (Argentina), é especialista em temas relativos às relações de gênero na educa-ção, pesquisadora e docente da Faculdade de Educação daquela Universidade e cola-boradora da Flacso/Brasil no projeto de pesquisa "Mulheres e políticas públicas de traba-lho e renda: entre a descentralização e a integração supranacional".

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Abstract

After centuries of exclusion, women in the 20th century were admitted at University.However, diverse forms of discrimination, apparent or veiled, have crisscrossed womenaccess to the academic world. This situation has contributed to consolidate different universityitineraries for men and women, as well as an unequal participation in the very academicpower. Moreover, if it is true that feminist academy has stimulated the production of a non-sexist scientific knowledge, analyzing and reformulating traditional epistemologicalconceptions, it is also true that hegemonic scientific contents and methodologies presentsubtle trace of androcentrism still today. In this sense, the contribution of gender studies mayprovide its motivating potential to critical exploration. Gender studies may also contribute tothe transformation of contemporary scientific knowledge, and to consolidate a wider andmore effective insertion for women into the academic space.

Keywords: academy; androcentrism; comparison; discrimination; epistemology; genderstudies; feminism; power; university.

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