Felicidade+da+Ética+a+Nicômaco+-+Eudaimonia

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O registro de textos antigos, felicidade aristotélica. Resumos comentados de trechos da Ética a Nicômaco. O texto traz também uma digressão sobre a manutenção de textos antigos e a interferência de comentadores inserida no próprio texto entregue a nós.

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A definição de Felicidade (ou o conceito da Eudaimonia), Harry Edmar Schulz

São Carlos, 2012. Projeto: Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas.

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A DEFINIÇÃO

DE FELICIDADE

(ou o conceito da Eudaimonia)

Harry Edmar Schulz

Esboço inicial de Dezembro de 2011 Texto final de Março de 2012

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Prefácio

Estudar os textos atribuídos a autores antigos como Platão e Aristóteles é um exercício que exige inclinação para esta leitura e uma dose de paciência. Isto porque a forma desses textos traz muitas repetições, muitas idéias tratadas seguidas vezes, mas de pontos de vista algo diferentes, ou muitos pensamentos semelhantes antes de apresentar a conclusão. Evidentemente as personalidades com inclinação para esta forma de exposição considerarão a leitura prezerosa, encontrando seu ambiente natural na exploração dos sentidos de cada variação do mesmo tema.

Na atual sociedade, onde a infomação objetiva e rápida é almejada, com premissas e conclusões claras e bem direcionadas, o rebuscar dos conceitos pode tornar-se uma atividade penosa, na qual a própria função prática deste rebuscar pode ser questionada. Assim, pode-se perguntar: em que sentido a discussão em torno da definição de felicidade segundo a Ética a Nicômaco pode ajudar no desenvolvimento sustentável das sociedades atuais? Por exemplo, considerando a necessidade de um jovem de se estabelecer seguramente em uma sociedade que vê saturar seus modelos de sustentabilidade, pode-se perguntar se há condições de sobrevivência adequada nesse contexto saturado. Nessa situação, conhecer a forma de pensamento que permeava discussões entre uma pequena parcela da elite grega de mais de dois milênios atrás pode auxiliar este jovem a sobreviver?

A resposta relativa à sobrevivência em geral é um “não” muito claro. Discutir o pensamento antigo não acrescenta ferramentas ao jovem em geral para sustentar-se na nossa sociedade, como atualmente organizada. A discussão desse pensamento é mais útil à manutenção do

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próprio pensamento, ou seja, permitir que as idéias antigas não sejam esquecidas, para não termos que eventualmente tatear gerando ou redescobrindo conceitos que já foram discutidos e “catalogados”. Assim, a praticidade ou a aplicação efetiva dá lugar à manutenção dos conceitos como “história do conhecimento”. Não se pode, todavia, descartar esse conjunto histórico de discussões como uma “inutilidade”, porque houveram momentos em que foram relevantes no direcionamento do pensamento que motivou as sociedades. Seu registro, vinculado a esses momentos, permite comparações entre situações semelhantes, eventualmente futuras, habilitando, então, sua rediscussão e eventual aplicação, adaptado a uma nova situação.

Assim, o jovem em geral, se pretende tomar parte das evoluções tecnológicas das sociedades atuais, produzindo e criando as ferramentas práticas dessa sociedade, não encontrará na rediscussão de conceitos como a “felicidade” os meios para esta participação. Mas o jovem em particular, cuja personalidade tem inclinação para a leitura, discussão e rediscussão de conceitos desenvolvidos ao longo da história, poderá compor um conjunto de acadêmicos que manterá este tipo de conhecimento.

A observação dos parágrafos anteriores é feita vinculada ao contexto atual. Adicionalmente, eu o vinculo ao projeto “Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas”, onde a utilidade dessa discussão e rediscussão é testada na busca de melhores meios de transmitir idéias complexas aos jovens que buscam na área de Ciências Exatas o seu meio de sobrevivência. O ambiente dessa aplicação é, portanto, acadêmico, restrito ao interesse de melhor ministrar aulas e “ativar o interesse” do aluno pela atividade intelectual e pela resolução de problemas em sua futura atividade profissional.

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No tocante à antiguidade dos textos em si, o presente estudo discorre sobre um conjunto de informações bibliográficas no qual estão contidas notas desde a legitimidade até a idade dos manuscritos. Nesse caso, não há conclusão própria, as quais necessitariam um rebuscar muito maior dos textos e dos cruzamentos de informações que os legitimam. Interessante, no conjunto de informações disponíveis, é a possibilidade de os textos estarem contaminados com comentários e observações dos copistas, o que, de certa forma, cria um vínculo com os diferentes pontos de vista, ou rediscussões de um conceito, observados em um mesmo texto antigo.

No tocante à definição da felicidade segundo à Ética a Nicômaco, fez-se inicialmente um resumo das idéias contidas no primeiro livor do capítulo 1, apresentou-se um fluxograma, de modo que uma impressão visual permitisse o trânsito pelas discussões, e, então, partiu-se para a justificação contida no próprio texto da Ética a Nicômaco. Este exercício de justificação, após já efetuado o resumo e tendo-se, portanto, atingido o entendimento, é a característica “menos atualizada” desse conjunto de passos, ou seja, que confere uma morosidade usualmente indesejada no contexto atual de rapidez de troca de informações.

No presente texto, não se buscou comentar as posições contidas na Ética a Nicômaco. Apenas comparou-se o entendimento com autores e comentadores encontrados na literatura da área, efetuando, portanto, um exercício de rediscussão. Isto foi feito porque se reconhece que o universo no qual o conceito é aplicado é um universo já tornado restrito pelas condições que são adicionadas ao longo da leitura. Se se desconsiderar as condições, a definição tem que ser rediscutida com muito maior vagar.

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Caso hajam questões sobre a maneira como esta leitura foi conduzida, por favor entrar em contato com o presente autor, através de [email protected], ou [email protected].

Harry Edmar Schulz São Carlos, 11 de Março de 2012. Projeto: Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas.

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Sumário

1 – Introdução 8

1.1 – O tema proposto: 8

2 - Elementos Pré-Textuais 10

2.1 - Uma nota sobre o interesse no tema

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2.2 – Entendimento do texto 12

2.2.1 – Apresentação esquemáti-ca dos passos da Ética a Nicômaco para a felicidade

12

2.2.2 – O auxílio ao entendimen-to: o uso de comentadores

15

2.3 – Os textos através de uma um tanto nebulosa história

18

2.3.1 – Nota acerca de textos históricos e relevantes – Aristóteles

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2.3.2 – Nota acerca da correta interpretação

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3 – Elementos Textuais

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3.1 – Descrição das passagens que evidenciam os passos da definição

31

3.1.1 – Alíneas i e ii do item 2.2.1

31

3.1.2 – Alienas iii e iv do item 2.2.1

33

3.1.3 – Alíneas v e vi do item 2.2.1

36

3 1.4 – Alínea vii do item 2.2.1

41

4 – Conclusão: 44

5 – Bibliografia 46

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Objeto de Estudo: Ética a Nicômaco, Li-vro Primeiro, Capítu-lo Primeiro

1 - Introdução

1 1– O tema proposto

O tema considera o conceito de felicidade segundo o primeiro capítulo do primeiro livro da Ética a Nicômaco. O tema é desenvolvido a partir da leitura do capítulo, sua apreensão seguindo as considerações próprias e pessoais (isto é, o exercício intelectual que acompanha qualquer leitura interpretativa), com comparação (concomitante ou posterior) com as idéias desenvolvidas por comentadores que se ocuparam com o mesmo tema.

Frisa-se que não são feitos comentários que

questionem o desenrolar da definição, uma vez que o seu universo de validade é apresentado no próprio texto. A felicidade se configura, nesta definição, como uma atividade que está sujeita a condições para que possa ser atingida. O universo no qual a idéia se desenvolve, portanto, passa a ter os contornos definidos pelas condições sucessivamente apresentadas. Uma vez que o leitor é levado a considerar esses contornos para que possa atingir o conceito, conforme definido, pode aventar, durante a leitura, a possibilidade de que este universo seja restritivo a

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ponto de não ser realizável, ou seja, de constituir um universo ideal teórico e fictício. Nesse caso, pode-se eventualmente perguntar se a própria definição tem algum interesse que não seja retórico.

Entretanto, uma eventual busca de uma resposta a

qualquer pergunta elaborada neste sentido exige, sem dúvida, que um primeiro esforço se direcione ao entendimento da própria definição proposta no texto, ou seja, da felicidade. Assim, as leituras foram efetuadas visando esse objetivo melhor especificado.

Para a resposta acerca do interesse da definição

falta-me no momento engenho e arte (parafraseando um poeta lusitano), mas segue-se o esforço de um iniciante para se entremear por um texto escrito em uma época em que a necessidade de depositar em papel o entendimento de uma sociedade que se organizava era muito grande, texto este eventualmente redigido por muitas mãos, já entendido por outras tantas cabeças e com a idéia motora aqui assimilada, quero crer, através das leituras efetuadas.

Menciona-se que um texto de origem tão antiga

suscita também questionamentos paralelos, que não se vinculam ao tema discutido, mas talvez ao trajeto deste texto na história, seu vínculo com a proposta original, sua credibilidade, enfim, assuntos que excitam a curiosidade do iniciante. Entendo que tal curiosidade não deve ser calada, ou oprimida, enquanto causa motivadora para entender o próprio texto. Assim, o presente estudo possui duas partes, a primeira denominada de Elementos Pré-Textuais, que trata de alguns aspectos desses temas paralelos, e a segunda denominada de Elementos Textuais, que trata do tema propriamente dito.

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2 – Elementos Pré-Textuais

2.1– Uma nota sobre o interesse no tema

A menção da eventual ausência de um interesse mais abrangente, ou talvez aplicativo (no caso de minha própria motivação), faz com que talvez seja necessário exemplificar essa menção. Ainda que qualquer afirmação possa ser entendida como “conhecimento”, podendo ser posta à prova e discutida, a sua importância mais básica possivelmente estará atrelada à aplicabilidade às atividades humanas e sua capacidade de gerar mais conhecimento. É com esse sentido que busco um entendimento maior da formação dos conceitos, de modo a auxiliar na transmissão dos mesmos em minha atividade.

Como exemplo de uso de conceitos menciona-se

rapidamente o conhecido período Song, no qual a China apresentou um acelerado avanço como sociedade organizada, procurando garantir um alto padrão ético de seus servidores públicos, utilizando censores e encarrega-dos de queixas oficiais. Conforme o texto “Império Ilustrado Chinês”, impresso em Português sob direção de Siewers (1990), as diferentes formas de corrupção podiam ser levadas a juízo, para todos os níveis da administração. O Departamento de Reclamações vigiava o próprio imperador. A China despontava no mundo quanto ao refinamento de sua civilização. A educação e a alfabetiza-ção foram privilegiadas. A xilogravura (impressão em papel utilizando uma tábua entalhada com o texto da página, técnica conhecida há séculos) permitia a publicação em larga escala de livros. Os números de cópias publicadas

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impressionam e os temas iam desde os textos e figuras budistas, dicionários, almanaques, obras de agricultura, obras de medicina e filosofia (confucionismo e o já mencionado budismo). Em torno de 1040 Bi Sheng inventou a impressão por caracteres isolados, mas que não teve repercussão grande porque a língua possuía mais de quarenta mil caracteres, mantendo-se a xilogravura como forma principal de impressão. (Na Europa, o número restrito de caracteres tornou viável a impressão com caracteres isolados, como demonstrou Gutenberg). A nota importante neste recorte específico da história humana é que “a facilidade de acesso aos textos, combinada com as exigências do sistema educacional, deram nova vida aos estudos da filosofia de Confúcio, que nos séculos anteriores aos Song haviam se tornado um domínio um tanto acadêmico, relegados à memorização para os exames e à exegese estéril, enquanto o budismo e o taoísmo atraíam a atenção dos intelectuais mais vivos. Com sua elite de administradores altamente educados, no entanto, a China dos Song precisava de uma escola de pensamento que se voltasse para a vida neste mundo. Os intelectuais interessaram-se novamente pela ênfase secular do confucionismo sobre a vida moral do homem e seu papel na sociedade. Defendendo tanto as atividades sociais como o cultivo do eu, a doutrina revivida era ideal para os funcionários-eruditos do período Song.” (ver Siewers, 1990, diretor da impressão em Português do texto “Império Ilustrado Chinês”, nas páginas 27 a 30).

Verifica-se, no final do parágrafo anterior, o

vínculo entre conhecimento e sua aplicabilidade anterior-mente mencionado, com o qual busco nortear o meu deslocamento iniciante através das afirmações filosóficas. Particularmente, observa-se a aplicabilidade de conceitos

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vinculados “à vida moral do homem e seu papel na sociedade”, um tema próximo da discussão observada no texto objeto do presente estudo. No exemplo aqui relatado, a não-aplicabilidade está ilustrada pelos termos “memorização” e “exegese estéril”, inferidas como características “um tanto acadêmicas”. Adicionalmente, nota-se um movimento no qual uma linha filosófica vinculada à mencionada moralidade homem/sociedade mostra-se relevante para catalisar um novo período de florescimento de uma civilização antiga. Entendo que, havendo acontecimentos que podem ser analisados a posteriori em um conglomerado humano que já conta com 5000 anos, em comparação com acontecimentos do conglomerado humano ocidental, que possui registros que se voltam a até cerca de 2500 anos, os paralelismos podem nos habilitar melhor para eventualmente interferir na direção das sociedades daqui para diante. Não se trata de seguir um socialismo histórico, ou coisa do gênero, mas de procurar aprender com os registros que já dispomos (sem, entretanto, revivê-los).

2.2 – Entendimento do texto

2.2.1 – Apresentação esquemática dos passos da Ética a Nicômaco para a felicidade

Foi preparado o seguinte conjunto de idéias, que

apresentam resumidamente as considerações acerca da felicidade no Livro 1 da Ética a Nicômaco:

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i – As ações humanas visam bens. ii – Como as ações posteriores às que visam um

bem também visam um bem, deve haver um bem maior, apresentado como o objeto da ciência política.

iii – A felicidade surge como o bem maior a atingir. iv – A felicidade é uma atividade. Agir

virtuosamente nos leva à felicidade. v – A felicidade necessita de bens externos, meios,

para ser atingida. vi – Ações virtuosas e meios são necessários ao

longo de toda a vida. vii – Felicidade: agir conforme a virtude

perfeita, suficientemente provido de bens, por toda a vida. (Ética - 1101 a 15).

Entende-se que este conjunto de idéias resume as

conclusões das argumentações do primeiro livro da Ética a Nicômaco, tendo-se ainda gerado e apresentado o fluxograma da Figura 1, com o intuito de criar uma impressão visual deste resumo de conclusões.

(Aposto do presente autor: O uso de esquemas

gráficos elucidativos é bastante raro nos textos de filosofia, fazendo com que a palavra escrita tenha que estabelecer todos os vínculos entre os diferentes conceitos trabalhados pelo autor. Entendo que o uso de esquemas gráficos pode simplificar bastante o trânsito pelas idéias dos diferentes autores, sendo um artifício que, defendo, deveria ser mais explorado pelo menos nas obras de comentadores, que visam esclarecer os vínculos que enxergaram no texto original. Esquemas gráficos permitem entender a estrutura da construção do raciocínio e o fluxo das idéias pretendido pelo autor. )

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Figura 1: Fluxograma dos passos seguidos na apresentação da definição da Felicidade (passos i a vii).

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2.2.2 – O auxílio ao entendimento: o uso de comentadores

A necessidade de utilizar comentadores evidente-

mente leva o iniciante à pergunta acerca da validade dos comentários dos diferentes estudiosos. Em que medida cada comentário se volta ao conceito que se pretende elucidar ou à idéia do conceito que está vinculada ao próprio comentador? Havendo comentários que se contrapõem, qual seria o mais adequado? (Note-se que aqui apenas se aventam as dúvidas que surgem teoricamente, não se citando exemplos). Em que medida o texto traduzido que está sendo estudado reflete a idéia do autor? Ainda mais adiante: o presumido autor escreveu este texto? Qual é a idade do manuscrito mais antigo ligado ao presumido autor? São autor e manuscrito contemporâneos? Se a resposta à contemporaneidade for negativa, outras perguntas surgem: como as cópias foram feitas? Há inserções de outros comentadores nas cópias? Quais diferentes realidades compõem o texto final?

Deixando de atentar ao passado, o iniciante pode se

deslocar no tempo, e perguntar se a sua própria primeira avaliação do texto, no presente, segundo seus próprios primeiros critérios, não é uma seqüência mais natural para o início do seu aprendizado do que a leitura acumulada de opiniões anteriores.

E aqui é importante esclarecer que não se defende a

assunção da posição (petulante, sem dúvida) de um alguém que crê poder entender o que os outros não entenderam. Mas atentar que pode ser a posição de um alguém suficientemente humilde que quer antes tentar entender por

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si próprio, do que de antemão direcionar seu raciocínio por agentes externos, atitude esta que pode criar vícios, regras invisíveis que, em não sendo reconhecidas, poderão impedir uma interpretação talvez mais honesta e produtiva para o seu próprio aprendizado e para o seu futuro entendimento de outros textos complexos. Nesse caso o comentador passaria a ser visto melhor como um auxiliador em “segundo grau”, não uma referência obrigatória ou em “primeiro grau”.

Finalmente, o iniciante pode voltar-se para o futuro

e perguntar se as opiniões emitidas agora e o próprio conceito em discussão são úteis àquilo que se poderia denominar de “desenvolvimento da humanidade”, ou, se formos mais modestos, “desenvolvimentos das sociedades organizadas”. Um exercício que poderia ser feito por esse iniciante seria: se a verdade já foi dita, seja pelos autores de conceitos, seja pelos seus comentadores, pode-se sugerir que se aceite esta verdade e, não havendo complementos a ela, que se fechem os cursos ou as universidades que ainda discutem essas idéias, porque parece elementar que nada há para descobrir para além da verdade. Ou então, o exercício do iniciante pode se deslocar para a idéia de que se concentrem as atenções sobre temas novos, oriundos das novas realidades e anseios experimentados por aquilo que se convencionou denominar de humanidade.

Considerando esse caso, de olhar para o futuro,

creio que se percebe que admitir uma verdade última, absoluta, impõe um final ao desenvolvimento das idéias. Se, por sorte (ou azar) for encontrada esta verdade absoluta (ainda que acidentalmente), atingiu-se tudo o que se poderia atingir com o desenvolvimento do conhecimento. Seria uma visão terminal, idealizada, um tanto triste (mas

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colocada aqui de forma algo bem-humorada): uma grande quantidade de sábios perambulando pelo mundo sem ter o que fazer, porque tudo já foi feito ou tudo é sabido (absolutamente). Assim, olhar para o futuro talvez nos mostre antes que o que se busca é uma maior proximidade a uma eventual verdade, entendida não como algo absoluto, mas algo que permita o contínuo incremento do conhecimento, algo que em sua essência permita que o acúmulo de experiência (da humanidade, na falta de termo melhor) seja utilizável na compreensão daquilo que viermos a considerar relevante. Talvez esse olhar para o futuro mostre que essa busca exige o pensamento criativo e não meramente repetitivo, propondo e não só memorizan-do, evoluindo e não voltando à “exegese estéril” menciona-da no item 2.1.

Assim, não tenho certeza de que devamos reviver

as discussões do período pré-platônico, discutindo Heráclito e Parmênides, ou ao período de Platão e Aristóteles, ou qualquer outra época mais distante (repondo constantemente a pergunta sobre o que será o verdadeiro conhecimento: mutável ou imutável, etc.). Embora haja sempre o esforço de evidenciar os vínculos com os conceitos então em discussão, creio que interessa antes verificar como os conceitos resolveram os problemas havidos e se há sobreposição entre problemas antigos e novos (a sobreposição seria uma “sorte”, que mostraria se uma possível solução deve ou não ser tentada), mas as questões de agora e as soluções de que precisamos devem ser discutidas a partir de nossa realidade. Sem qualquer lampejo de arrogância (por favor), alguns podem dizer: já entendemos a pergunta, precisamos da resposta. No contexto atual, sou alguém que possui algumas décadas de “uso” de ideais aplicativos, de busca de soluções para os

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problemas que se apresentam neste momento. Nessa situação, vejo-me como um crítico de posturas menos vinculadas ao nosso meio atual (sim, nesse caso o meio físico), menos atreladas à necessidade de substituir conceitos (substituição urgente) e procedimentos (ultrapas-sados). Evidentemente reconheço-me como um “recém-nascido” no ambiente mais voltado à filosofia (embora o corpo negue), mas também neste ambiente por vezes tenho a impressão de que se busca evidenciar ferramentas que não têm mais utilidade no ambiente atual.

Na falta da certeza, continuo lendo e procurando

atingir as minhas próprias conclusões. Nesse caso, sinto-me bem, humildemente, com a condição que me fornece a liberdade de poder concluir.

2.3 – Os textos através de uma um tanto nebulosa história

2.3.1 – Nota acerca de textos históricos e relevantes – Aristóteles

No contexto do estudo pessoal, o texto da ética a

Nicômaco é uma motivação a mais para o crescimento em andamento (admitindo que ainda exista aqui capacidade instalada para esse crescimento).

Em termos de idade, o texto lido é descrito como

tendo sido elaborado na época de Aristóteles, sendo aceito como genuíno. Como iniciante no estudo de textos antigos, entendi que talvez valesse a pena ater-me um pouco ao

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“que significa genuíno, neste caso?” Evidentemente não se dispõe, nos dias de hoje, de qualquer manuscrito da época de Aristóteles. Adicionalmente, aventa-se que Aristóteles não tenha escrito os livros a ele atribuídos, mas que isto tenha sido feito por seus alunos, ouvindo-o (ver, por exemplo, Lukáks, http://www.rmki.kfki.hu/~lukaks/ ARISTO3.htm). Ainda mais adiante, um cidadão daquela época podia possuir escravos escribas, que se ocupavam desta tarefa. Mesmo perseguindo esses textos escritos por outras mãos, mas contendo os ensinamentos de Aristóteles, é mencionado que parte deles (parte acromática ou esotérica) foi escondida e perdida por algum tempo (cerca de 200-300 anos), sendo posteriormente redescoberta e reunida por um “editor” antigo (Andronicus de Rhodes ou Tyrannion, ou ambos, ver a seqüência do texto). Para que uma perda total da parte acromática ocorresse, seria necessário que os escritos dos diferentes alunos ou as cópias estivessem todos reunidos nesta “perda e redescoberta”, uma situação curiosa. Em compensação, é dessa parte que a obra de Aristóteles chegou aos nossos dias. A parte “exotérica”, destinada ao público, inicialmen-te era divulgada e “transitava” na sociedade, mas posterior-mente perdeu-se. A biblioteca de Alexandria é mencionada como tendo possuído esses escritos (também a biblioteca de Pergamum é mencionada, saqueada por Marco Antônio, que enviou esses textos para Cleópatra, ou seja, para a biblioteca de Alexandria). A biblioteca de Alexandria, adicionalmente, possui uma história um tanto densa, relativa ao seu tamanho e à sua destruição. O tamanho, ou a própria biblioteca, interessantemente não foi mencionado por Strabo, em 13 AC, uma testemunha ocular da época (ver, por exemplo, Wikipedia, verbete Geographica, http: //en.wikipedia.org/wiki/Geographica), em seu relato sobre Alexandria, em que menciona os cientistas, mas não a

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biblioteca (a referência a Strabo decorre de sua impressio-nante obra Geographica, composta de 17 volumes, cuja primeira versão foi publicada não antes de 7 AC). Com relação ao tamanho, Lukáks (http://www.rmki.kfki.hu/ ~lukaks/ARISTO3.htm) menciona J. Hannam (que, entre outros textos, escreveu God's Philosophers: How the Medieval World Laid the Foundations of Modern Science, livro recebido de forma positiva pelos historiadores e que se contrapõe a posturas preconceituosas relativas à ciência da idade média) que, em um texto voltado aos escritos antigos, comenta que o menor número de rolos de pergaminho foi mencionado por Sêneca (50 DC), sendo este menor número de quarenta mil, e o maior foi mencionado por Aulus Gellius (150 DC), sendo este maior número de setecentos mil (mais de dezessete vezes maior o número anterior). Quanto à destruição da biblioteca, sete eventos que eventualmente a destruíram podem ser encontrados, podendo ser enumerados:

1 – Durante a campanha militar de César, em 47

AC, um incêndio na biblioteca queimou os valiosos pergaminhos.

2 – O imperador Caracalla puniu Alexandria com

um massacre e saque em 215 DC, quando a biblioteca foi destruída.

3 – A cidade se revoltou contra o imperador

Aureliano em 273 DC, sendo então saqueada. O quarteirão do palácio foi transformado em ruínas e também a biblioteca.

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4 – O imperador Theodosius aboliu os templos pagãos em 393. Em seguida os cristãos tomaram o Serapeum (museu) e destruíram a biblioteca.

5 – Em 415 DC a multidão inflamada pelos monges

do bispo Cyryl lincharam a astrônoma pagã Hypatia e destruíram seu local favorito: a biblioteca.

6 – Os árabes tomaram Alexandria em 641, não

considerando a biblioteca necessária porque a sabedoria de Alá é simples. Assim, usaram os pergaminhos para aquecer seus banhos. Os pergaminhos teriam queimado por seis meses (!)

7 – Os cruzados queimaram a biblioteca. Uma vez que Strabo, um observador minucioso,

não descreve qualquer grande biblioteca em Alexandria no ano de 13 AC, há uma probabilidade não desprezível de que ou ela foi destruída por César (em 47 AC, como sugerido pela data mais antiga), ou por outras causas, mas antes de 13 AC. Vale mencionar que o papiro é frágil e que a manutenção de uma grande biblioteca exigiria um grande orçamento (a ser constantemente suprido ao longo de toda a sucessão de mandatários da cidade). Uma grande biblioteca existiu, mas se foi tão grande quanto a sua fama, e tão longeva quanto algumas datas sugerem, torna-se agora difícil de dizer. No caso dos textos de Aristóteles, trata-se de estabelecer quando as cópias teriam sido destruídas (em parte talvez) ou retiradas da biblioteca destruída (novamente, em parte talvez). Considerando a primeira edição do Corpus Aristotelicum, em torno de 60 AC, há tempo para o mesmo, ou uma cópia sua, estar na

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biblioteca e sofrer com sua destruição em qualquer das datas aventadas. Quanto mais “antiga” tenha sido esta destruição, tanto mais tempo existe para que algum material sobrevivente se perca, ficando mais difícil atestar que um determinado texto contenha as informações de seu homônimo da biblioteca. Não obstante, um catálogo das obras de Aristóteles continuou a existir.

Seguindo uma outra linha, considerando os sites

atualmente ativos na internet e que comparam a idade de manuscritos bíblicos ainda existentes e de outros livros famosos, o manuscrito vinculado a Aristóteles mais antigo é datado de aproximadamente 1400 anos após a época em que as idéias teriam sido proferidas (há vários sites que apresentam esse número, em várias línguas. Um exemplo em Português é http://www.allabouttruth.org/portuguese/ origem-da-biblia-2.htm). Lukáks menciona que o manus-crito mais antigo de Aristóteles é datado do século X. Evidentemente entende-se aqui que toda a crítica histórica relativa aos escritos atribuídos a Aristóteles, talvez mais vinculada à crítica das fontes (tradição, monumentos, documentos, segundo a classificação mencionada em Lahr (1969, pgs. 418 a 426, mas nesse caso apenas voltada aos documentos), foi efetuada, seja pela parte interna, pela parte externa, ou pela integridade do documento. Assim, apoiando-nos na certeza de que as conclusões dessa crítica são aquelas melhores possíveis, somos levados a acatar a validade aristotélica dos escritos por ela indicada.

No tempo destinado a este estudo, não consegui

acesso a textos específicos que mostrem os cruzamentos de informações mais efetivos de diferentes fontes, ao longo da história, e as indicações de onde se encontram os textos de referência que asseguram essas informações, as quais

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permitem atestar que um texto sob análise é genuíno. Mas sem dúvida há textos que informam partes desses cruzamentos. O Corpus Aristotelicum (Wikipedia, http://pt. wikipedia.org/wiki/Corpus_aristotelicum), cuja reunião é remetida ao ano 60 AC, primeiramente editado por Andronicus de Rhodes (Wikipedia, http://en.wikipedia.org /wiki/Andronicus_of_Rhodes) ou Tyrannion (Wkipedia, http://en.wikipedia.org/wiki/Tyrannion_of_Amisus), ou ambos, é uma das fontes para esses cruzamentos. Outra seria a Constituição de Atenas, mais conhecida após fragmentos em papiro terem sido encontrados no Egito em 1891 e datados de 332 a 322 AC (ver, por exemplo, a informação algo simples de Wikipedia, http://pt.wikipedia. org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_dos_Atenienses). Acerca de citações antigas das obras de Aristóteles, há controvérsias (naturais, pode-se talvez acrescentar) acerca da validade dessas citações, como mencionado, por exemplo em Wikipedia (http://fr.wikipedia.org/wiki/ M%C3%A9taphysique_(Aristote)).

O iniciante pode perguntar: e posteriormente aos

períodos grego e romano? Como Aristóteles foi divulgado pela Europa? Faria (2008) descreve sucintamente, em um texto para iniciantes, a passagem do mundo antigo ao mundo medieval, da seguinte forma: “De certa forma esquecido na Grécia de seus contemporâneos, banido de Atenas depois da morte de Alexandre, o Grande, Aristóteles ressurge em toda a sua importância na Europa medieval do século XII. Os europeus travam contato com Aristóteles através dos árabes invasores” (grifo nosso). O salto histórico é, sem dúvida, grande, e um texto mais elaborado sobre os meandros dos caminhos dos textos de Aristóteles é, sem dúvida, necessário. Mas, considerando esta informação resumida, Artistóteles retorna à Europa

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através de cópias árabes de seus textos. (Novamente menciona-se que o tempo destinado a este estudo não me permitiu verificar quais as diferentes possibilidades de chegada do pensamento aristotélico à Europa medieval, mas a vertente árabe parece ser a mais enfatizada).

Por exemplo, Meirinhos (http://ler.letras.up.pt/

uploads/ficheiros/5619.pdf) apresenta uma interessante resenha acerca do texto árabe da Ética a Nicômaco, informando:”É conhecida a influência que esta obra de Aristóteles exerceu em pensadores de língua árabe, em particular na Idade Média, mas até recentemente desconhecia-se o texto da tradução árabe medieval. O único manuscrito, datado de 619 da era de Hégira (Outubro de 1222 da era de Cristo) tem duas partes separadas e foi descoberto na Biblioteca de Fez em dois momentos sucessivos e por dois diferentes arabistas, a primeira parte no inverno de 1951-1952 por Arthur J. Arberry, a segunda por Douglas D. Dunlop no Verão de 1959. As duas partes do manuscrito em papel (Fez, Quarawîyîn, L 2508/80 e L 3043/80), hoje de dimensões diferentes por corte das margens, tiveram sérias deteriorações desde a sua descoberta, por vermes e maus cuidados de conservação, que entretanto tornaram ilegíveis muitos pontos do texto.”

Os manuscritos também são motivo de cobiça de

colecionadores, como pode ser visto na página acerca de leilão de livros antigos que menciona a Ética de Nicômaco (http://www.finebooksmagazine.com/press/2011/10/). Em um anúncio de 31 de Outubro de 2011, lê-se: “Günther Rare Books at the Dallas Antique Show (…)outstanding treasures which will invite the audience to dive into a different universe like in a time travel, taken into the world of Aristotle (Aristotle, Ethica Nicomachea, translated by

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Leonardo Bruni Aretino; Illuminated manuscript on vellum. Southern Europe (Italy, Naples, or perhaps Spain), c. 1458-59, US$975.000).” Ou seja, trata-se de um manuscrito de 1458-59 avaliado em 975 mil dólares. Embora sem interesse acadêmico imediato, a existência de coleções particulares pode representar uma manutenção eventualmente mais longeva dos textos antigos, considerando o investimento necessário para esta manutenção.

Considerando a descrição feita do texto árabe da

Ética a Nicômaco, vê-se que o cuidado para com os textos antigos é difícil, o que os torna efêmeros. A deterioração dos textos antigos e a sua complementação posterior por comentadores é mencionada em diferentes fontes. Como fato acerca de documentos antigos, temos que os rolos de pergaminhos tinham que ser copiados, porque se deterioravam com o uso ou porque eram mal preservados. Seguindo um texto de Fontes (2003, p. 27-28), “Logo, porém, foi preciso submeter todo o acervo da Antiguidade clássica a este tratamento (glossários, notas, obras de gramáticos, comentadores – nota do presente autor), de modo que (...) poucos, entre os seus poetas e prosadores, chegaram até nós sem as competentes notas dos comenta-dores. Notas que eram chamadas de σχολια=skhólia e foram publicadas, inicialmente, separadas dos textos: assim os Comentários de Simplício sobre Aristóteles, os de Ascônio sobre os discursos de Cícero (...) Em geral, entretanto, as notas dos antigos comentadores eram copiadas nas margens dos textos por algum escolista anônimo, compilador dos trabalhos de seus predecessores, que ele raramente mencionava. Acrescentemos (...) que muitos desses comentários ou skhólia são de data posterior ao manuscrito onde figuram, pertencendo, no mais, a

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diferentes mãos. Uma palavra estrangeira ou insólita era chamada de γλοσσα=glôssa, e sua explicação constituía um γλωσσηµα= glossema; de onde os termos glosa e glossário. Geralmente concisas, as glosas eram escritas acima do códex; e na sequência de transcrições de um mesmo texto, haveria de ocorrer (...) um fenômeno saboroso: copistas posteriores confundiam as glosas com o texto, introduzindo, nele, adições parasitas, que a crítica moderna procura – deliciada – desalojar de seus esconderi-jos, para destruí-las e reconstruir a obra original.” (os sinais gráficos “acentos” não puderam ser introduzidos nas letras gregas – nota do autor).

Assim, interessantemente estamos estudando um

texto que provavelmente não foi escrito (literalmente) por Aristóteles, mas, espera-se, por seus alunos. O texto foi perdido e reencontrado, copiado um número de vezes, traduzido, podendo ter-se inserido comentários nas sucessivas cópias. Em que isto pode representar um empecilho ao estudo do autor mencionado?

Na verdade, não representa um empecilho porque o

estudo passa a ser a idéia central do autor, não seus detalhes. Se a palavra hoje lida foi proferida de fato no discurso de Aristóteles, isso não é importante frente ao fato de que a sua idéia foi discutida e rediscutida, lida e interpretada de diferentes pontos de vista, e que o resultado desse processo de rediscussão e reinterpretação está acessível a nós. Assim, não tem sentido, por exemplo, enfatizar como “ponto” relevante: “se Aristóteles não quisesse ter usado ’tal’ palavra, ele teria escolhido outra”, porque não há como garantir que Aristóteles a tenha proferido conforme depositado no texto. Esta forma de discussão torna-se uma exegese estéril (expressão já

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utilizada ao mencionar o crescimento do confucionismo na época Song, que se contrapunha a essa estagnação), pouco acrescentando ao entendimento da idéia central. O “ponto” de convergência da discussão não é, portanto, a palavra, mas a idéia que emana do texto como um todo.

O fato de que a idéia relevante passa a ser (por

contingências históricas ou por busca do conhecimento) submetida a diferentes interpretações é um fenômeno existente nas ciências exatas, onde as primeiras interpretações do próprio “criador” ou “descobridor” podem conter incongruências, que são posteriormente abrandadas. Para o projeto “Humanização como aumento de interesse nas exatas” é interessante verificar que as idéias centrais em Filosofia também são sujeitas ao tempo, às reinterpretações, e verificar como os conceitos são abordados na presente data (ou a discussão permite uma progressão, desejada, ou ela é estéril, não levando a avanços práticos).

2.3.2 – Nota acerca da correta interpretação A busca de entendimento dos textos que

fundamentaram o pensamento europeu ocidental, identificados na cultura da Grécia antiga, e, por conseqüência, de todo o pensamento da Europa e das suas ex-colônias ocidentais, está sujeita a questões de interpretação. A palavra uma vez proferida na Grécia antiga e por tantos escrita pode ter assumido diferentes sentidos ao longo da história, o que sem dúvida exige esforço constante para que seu “real” sentido seja entendido. Estudiosos dos textos antigos e comentadores

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têm o seu lugar de honra aqui, permitindo, através do cruzamento de diferentes informações históricas, melhor atentar para o sentido pretendido pelo autor ou nas discussões das aulas desse autor.

A preocupação a posteriori de se ter a correta

interpretação reflete talvez a “necessidade” humana, enfatizada nas diferentes épocas (mas sempre imersa nelas), de buscar aquilo que é mais próximo do pensamento isento de tendências (objetivo difícil de ser alcançado). Interessantemente, um exemplo de uma preocupação a priori acerca do sentido de palavras proferidas encontra-se nas últimas linhas do livro de Chilam Balam de Chumayel, um dos mais importantes manuscritos maias, que diz (na tradução ao espanhol de Bolio, 1930, lembrando que os manuscritos são posteriores à invasão do continente caboclo, contendo tradições eventualmente mantidas anteriormente em escritos maias infelizmente destruídos pela cultura invasora ou mantidas oralmente). No Chilam Balam de Chumayel lê-se:

“Buena es la palabra de arriba, Padre. Entra su

reino, entra en nuestras almas el verdadero Dios, pero abren allí sus lazos, Padre, los grandes cachorros que se beben a los humanos esclavos de la tierra. Marchita está la vida y muerto el corazón de sus flores, y los que meten su jícara hasta el fondo, los que lo estiran todo hasta romperlo, dañan y chupan las flores de los otros. De gente nueva es su lengua, nuevas sus sillas, sus jícaras, sus sombreros; golpeadores de día, afrontadotes de noche, magulladores del mundo! Torcida es su garganta, entrecerrados sus ojos; floja es la boca del Rey de su tierra, padre, el que ahora ya se hace sentir.

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No hay verdad en las palabras de los extranjeros. Los hijos de las grandes casas desiertas, los hijos de los grandes hombres de las casas despobladas, dirán que es cierto que vinieron ellos aquí, Padre.

Qué profeta, qué sacerdote, será el que rectamente

interprete las palabras de estas Escrituras?” O grito final “que profeta (...) será aquele que

corretamente interpretará as palavras destas escrituras” é que apontamos como uma preocupação a priori pela correta interpretação. Este texto é mencionado apenas como uma figura mnemônica, um exemplo (interessante) para que tenhamos a preocupação de expressar as idéias com a maior exatidão possível, e, no caso de tentarmos entender as idéias de outros, assumir a postura mais idônea (com o quê estamos simplesmente nos alinhando ao discurso de todos os nossos precedentes e contemporâneos - e não apenas ao grito maia).

O livro de Chilam Balam está, certamente, fora do

contexto da presente análise, a não ser pelo aspecto de ironia decorrente do choque de culturas, uma delas vinculada ao mundo grego. A preocupação da correta interpretação do Chilam Balam evidentemente estava vinculada às escrituras (ou sua tradução) maias. O tênue vínculo com a Grécia da Ética a Nicômaco é que os estrangeiros que não proferiam a verdade são identificados historicamente (por conta das invasões do continente caboclo) como aqueles (invasores) europeus ocidentais, impregnados de pensamentos discutidos na (ou oriundos da) Grécia antiga; pensamentos que estavam subordinados naquele então, provavelmente, a um ponto de vista diferente do atual.

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A ironia nos leva à situação, por exemplo, de um maia ter dificuldade de atingir a felicidade no sentido da Ética a Nicômaco (com os conceitos atuais de que todo indivíduo é um cidadão) em um choque de culturas no qual a sua devia sucumbir. A felicidade aristotélica é atingida através do exercício da virtude, por toda a vida, com os meios necessários para tal; e os maias estavam perdendo seus meios e sua vida (as virtudes, provavelmente, eram as mesmas decantadas, mas talvez não necessariamente exercitadas naquele momento invasivo, pelos representantes da antiga cultura grega). Por outro lado, seus meios (dos maias) estavam possibilitando que aqueles que deles se apossavam poderiam atingir a felicidade aristotélica por toda a vida.

A ironia desponta porque a felicidade do saqueador

implica na impossibilidade de atingir a felicidade para o saqueado. Esta ironia certamente leva a outras questões e soluções no contexto da Filosofia e do Direito, que não são objeto do presente estudo.

Como foi mencionado, este texto é uma ilustração

de uma preocupação a priori da correta interpretação, que deve estar implícita em toda nossa leitura.

3 – Elementos Textuais

Neste item, são reproduzidas algumas das passagens do capítulo I da Ética a Nicômaco nas quais as alíneas i a vii do item 2.2.1 são justificadas. Adicionalmente, é feita a menção de autores que se referem

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igualmente ao texto lido e ao tema abordado, procurando-se embasar o entendimento do mesmo.

3.1 – Descrição das passagens que evidenciam os passos da definição

3.1.1 – Alíneas i e ii do item 2.2.1

O primeiro livro da Ética a Nicômaco nos transmite a idéia de que a felicidade é o bem final a alcançar. Na nossa visão contemporânea, esse é um objetivo muito interessante, considerando o significado atual de felicidade. O sentido definido na obra mencionada, entretanto, não é imediato. Inicialmente é argumentado que a felicidade é resultado de ações visando um “bem”. Isto é exposto, por exemplo, em EN 1094a – (1 a 3, aproximadamente) “Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem.”

Na seqüência, é argumentado que o ser humano age

encadeadamente, ou seja, executa ações que levam a outras ações. Considerando que ações posteriores àquelas que visam um bem também visam um bem, percebe-se que deve haver um bem maior para o qual todas as ações convergem. Adicionalmente, é informado que este bem é desejado por ele mesmo. Um exemplo deste raciocínio aparece em EN 1094a – (18 a 22, aproximadamente) “Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa

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desejamos com vistas em outra (porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem”.

Um comentário acerca desta obra, muito semelhan-

te às considerações acima, é apresentado por Guimarães (http://revistaitaca.org/versoes/vers09-08/132-140.pdf), onde a autora comenta que “A abertura da ética a Nicômaco traz, a partir de uma observação da vida cotidiana, a afirmação de que todas as nossas ações têm uma finalidade, isto é, um objetivo em relação ao qual fixaríamos todas as nossas ações (...) Em seguida, entende Aristóteles, que essas finalidades podem ser meios para finalidades ulteriores. Isto significa dizer que nossos fins podem desencadear uns aos outros de tal modo que um dado fim seria meio para um fim posterior (...) estes tendem a um fim único (...)”. Também se pode mencionar Oliveira e Trotta (2006), que comentam que “O bem é a plenitude e todo ser tende para esta plenitude. O homem, ao longo da vida, encontra uma hierarquia de bens até alcançar o bem supremo (...)”.Verifica-se, nesse caso, o entendimento adequado das passagens originais de Ética a Nicômaco.

Como informação adicional, vale lembrar a

afirmação de que o homem só se realiza no âmbito da polis (ou, mais extensamente, “...que a cidade faz parte das coisas da natureza, que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade (...que) a natureza compele assim todos os homens a se associarem”, como escrito em Aristóteles, A Política, 1253a, aproximadamente linhas 1 a 30, Folha, 2010), que aqui serve para complementar a “visão politizada dos fins” aos quais o texto da Ética a Nicômaco nos remete, por

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exemplo, em EN 1094b – (10 a 12, aproximadamente) “Tais são, por conseguinte, os fins visados pela nossa investigação, pois que isso pertence à ciência política numa das acepções do termo.” Novamente mencionando Oliveira e Trotta (2006), esses autores comentam que “Segundo o entendimento de Aristóteles, a política é a ciência da felicidade humana, uma ciência prática que busca o conhecimento como meio para a ação e que se divide em ética e política”.

Nota-se que esta seqüência de excertos da Ética a

Nicômaco permite apontar para as conclusões resumidas (i) e (ii) da lista de conclusões apresentadas no item 2.1, o que também se infere da leitura dos autores aqui mencionados.

3.1.2 – Alíneas iii e iv do item 2.2.1

O texto enfatiza que o bem final é a felicidade, uma idéia que se repete explorando diferentes formas de apresentação, ora colocando a felicidade como “fim”, ora sendo algo que “existe por si”, ora vinculado-a à ação bem efetuada. Por exemplo, a finalidade e a “boa ação” são enfatizadas em EN 1095a - (15 a 20, aproximadamente), onde é dito que “Verbalmente, quase todos estão de acordo, pois tanto o vulgo como os homens de cultura superior dizem ser esse fim a felicidade e identificam o bem viver e o bem agir como o ser feliz.” Mais uma vez citamos Guimarães (http://revistaitaca.org/versoes/vers09-08/132-140.pdf), que enfatiza uma multiplicidade de fins com uma tendência ao apresentar o conceito de eudaimonia, ao dizer que “...apesar de percorrermos ao longo de nossas vidas uma variedade de fins, estes tendem para um fim único, ou seja, o fim supremo, a eudaimonia.”

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A finalidade, ou o encadeamento de fins é mais uma vez aventada em EN 1097a – (21 a 23, aproximadamente), onde é dito que: “Por conseguinte, se existe uma finalidade para tudo que fazemos, essa será o bem realizável mediante a ação; e, se há mais de uma, serão os bens realizáveis através dela.” Este encadeamento de repetições de idéias ou de alterações intermitentes de pontos de vista parece antes uma seqüência de comentários “posposta” à afirmação inicial, seja pelo autor original, seja por “comentadores copistas” que buscaram o entendimento da obra. De fato, no presente momento, a repetição faz com que paulatinamente avancemos por “terrenos mais seguros”, porque já houve o esforço do entendimento próprio acerca do conceito inicialmente proposto. Se isto for uma manifestação da didática do autor original, é talvez digna de menção aqui. Por outro lado, essa repetição torna-se um tanto cansativa, expondo o caráter antigo da obra, caráter talvez mais sentido no atual momento de transmissão acelerada de informações e idéias.

Mais adiante, enfatiza-se a “existência por si” do

bem maior, mais uma vez em conjunto com o fim, em EN 1097b – (21 a 22, aproximadamente): “A felicidade é, portanto, algo absoluto e auto-suficiente, sendo também a finalidade da ação.”

Em torno da tendência a um bem, da ação, e, mais

especificamente, da noção de finalidade Zingano (2004) acrescenta a noção de bem aparente, devida a Aristóteles, na forma: “A noção de bem aparente é provavelmente (...) a mais importante. Como tudo tende a um bem, isto vale tanto para a ação quanto para o ser, o que não permite distinguir um domínio do outro. (...) O bem aparente, na moral, não figura mais meramente como um bem falso,

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somente aparente, ao qual se opõe o que é verdadeiramente bom; ele é agora pensado como a condição necessária para que algo seja objeto de busca ou fuga, figurando assim como fim de uma ação. É somente no interior do que aparece ou é tomado como um bem que pode encontrar-se o que é verdadeiramente bom. O bem verdadeiro, portanto, está submerso nas condições de pouca visibilidade que lhe são dadas pelo bem aparente.” Esta forma de apresentação difere do ponto de vista lido na Ética a Nicômaco, porque detalha como se vislumbra o bem verdadeiro através do bem aparente, algo não enfatizado no texto lido, mas ilustra que há diferentes formas de abordagem dos temas no próprio conjunto do pensamento aristotélico.

Como comentado, os argumentos, na ética a

Nicômaco, voltam a idéias já discutidas, fazendo com que haja uma expectativa de novas conclusões, mas eventualmente apenas reforçando as conclusões já obtidas. Por exemplo, em EN 1097b – (26, aproximadamente) a “boa ação”, já mencionada anteriormente, é inserida na seqüência de argumentos, como “...considera-se que o bem e o “bem-feito” residem na função...” que inicialmente não acrescenta uma nova idéia, mas que posteriormente leva ao texto EN 1098a – (15 a 18, aproximadamente) onde essa “boa ação” do homem é vinculada à virtude, na forma: “...e se qualquer ação é bem realizada quando está de acordo com a excelência que lhe é própria; se realmente assim é, o bem do homem nos aparece como uma atividade da alma em consonância com a virtude, e, se há mais de uma virtude, com a melhor e mais completa.”

Os excertos apresentados da Ética a Nicômaco,

bem como os autores mencionados, mostram que as conclusões resumidas (iii) e (iv) da lista apresentada no

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item 2.1, constituem conclusões intermediárias da definição de felicidade buscada.

3.1.3 – Alíneas v e vi do item 2.2.1

A necessidade de ser virtuoso é repetida, após sua apresentação, mas acrescentando-se que isto deve ser feito ao longo de toda a vida. Isto é mencionado, por exemplo, em EN 1098a – (18 a 20, aproximadamente), na forma: “Mas é preciso ajuntar ‘numa vida completa’. Porquanto uma andorinha não faz verão, nem um dia tampouco; e da mesma forma um dia, ou um breve espaço de tempo, não faz um homem feliz e venturoso.” Embora o texto esteja passando ao foco de “vida completa”, a conexão entre viver bem e agir bem, que já havia levado ao conceito de virtude, é mais uma vez enfatizada na seqüência de argumentos da Ética a Nicômaco, onde a felicidade é novamente vinculada a essas práticas. Isso ocorre, por exemplo, em EN 1098b – (20 a 22, aproximadamente), quando se menciona: “Outra crença que se harmoniza com a nossa concepção é a de que o homem feliz vive bem e age bem; pois definimos praticamente a felicidade como uma espécie de boa vida e boa ação.” Esta repetição (ressaltada no próprio texto original) serve de base para remeter à proposta de que são também necessários bens ou meios externos para atingir a felicidade na execução de atos nobres, como aparece em EN 1098b – (29 a 32) e 1099 – (1, aproximadamente), onde consta: “Com efeito, todos eles pertencem às mais excelentes atividades; e estas, ou então, uma delas – a melhor -, nós a identificamos com a felicidade. E no entanto, como dissemos, ela necessita igualmente dos bens exteriores; pois é impossível, ou pelo

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menos não é fácil, realizar atos nobres sem os devidos meios.”

Acerca das posições alternadas observadas ao longo

do texto, além das repetições, é interessante observar o que é comentado por Zingano (2004) (in Hobbus, 2004), acerca da própria definição de felicidade: “Não basta aludir ao eudaimonismo, é preciso ainda determinar qual eudaimonismo. É bem sabido que o bem supremo em Aristóteles parece ora funcionar como um fim de segundo grau, que não conta ao lado de outros fins, mas os inclui em si, ora aparece como um único fim, em detrimento dos outros, a saber, a contemplação, em função do qual o agente seria prioritariamente feliz, os outros fins não podendo senão engendrar uma felicidade de segunda espécie. Falou-se mesmo em uma oposição ou tensão entre os nove primeiros lifros da Ethica Nicomachea, que sustentariam uma doutrina inclusivista do fim supremo, e o último, o décimo livro, que defenderia, em seus capítulos finais, uma versão dominante da felicidade como contemplação.” Esse mesmo “ponto” é ressaltado por outros estudiosos, como comentado em Catunda (2008): “a discussão sobre o estatuto da eudaimonía na ethicha nicomachea (é um) ponto de divergência entre os especialistas, pois segundo eles, enquanto Aristóteles afirma no livro I que para toda ação e toda escolha existe um bem, no livro X Aristóteles afirma que existe um bem que é a finalidade de toda ação e toda escolha”. Hobbus (2004), que se concentra neste aspecto da definição da felicidade, comenta também acerca da felicidade como um conjunto de bens, na apresentação da sua obra: “Parece, à primeira vista, que Aristóteles não tem uma concepção única, apresentando, na realidade, duas concepções aparentemente contraditórias: uma, no livro I da Ethica

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Nicomachea, que defenderia uma tese que explicitaria a felicidade como constituída de alguns ou todos os bens, enquanto na EN X ficaria clara a opção por uma tese distinta da primeira, a saber, a felicidade é um bem que exclui todos os outros bens, isto é, seria apenas e tão somente a vida contemplativa, contemplação dos primeiros princípios e primeiras causas, a vida própria do filósofo. Mesmo no interior destas duas teses existem sutis distinções interpretativas, especialmente entre os defensores da eudaimonia como um composto de bens, já que estes últimos não apresentam, pelo menos com clareza, uma solução que acabe por conciliar esta divergência aparente entre os livros I-IX e o X da EN.” Note-se que esta discussão considera a obra da Ética a Nicômaco como um todo, e não apenas o seu primeiro livro, que é o tema do presente texto. Entretanto, a discussão ilustra a necessidade de transitar por diferentes pontos de vista à medida que se avança no texto.

No tocante aos bens necessários à felicidade, está

claro, no primeiro livro, que devem ser providos. Assim, lê-se em EN 1099b – (26 a 29, aproximadamente): (a felicidade) “é uma atividade virtuosa da alma, de certa espécie. Dos demais bens, alguns devem necessariamente estar presente como condições prévias da felicidade, e outros são naturalmente cooperantes e úteis como instrumentos.” A possibilidade de agir virtuosamente depende dos bens (neste capítulo), situação à qual se adiciona a necessidade de uma vida inteira, como se lê em EN 1100a – (3 a 5, aproximadamente): “Porque, como dissemos, há mister não só de uma virtude completa mas também de uma vida completa...”

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A necessidade de bens para permitir a felicidade é bastante clara no livro I, tanto que autores mais recentes que se debruçam sobre esta leitura, como Malinoski e Silva (http://www.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/069e4.pdf) utilizam até exemplos atuais na descrição de seu entendimento sobre esta parte do texto. Os autores citados mencionam, por exemplo: “Estes bens (dinheiro, prazeres, honrarias, saúde, etc.), são denominados por Aristóteles de bens relativos. Eles são apenas pré-requisitos para atingir a felicidade e, portanto, são meios para se chegar ao fim último (Bem Supremo). Dessa forma, esses bens não são negados na sua teoria, mas entendidos como bens necessários para o homem obter uma vida feliz. Sendo assim, em boa medida, poderíamos afirmar que o homem que possui amigos, família, emprego, estudo, carro, saúde, etc. (grifo nosso), possivelmente terá boas condições para viver feliz.”

Posteriormente, o texto remete novamente às ações

boas e à felicidade ao longo de toda a vida, como se lê em EN (17 – 23, aproximadamente): “O atributo em apreço pertencerá, pois, ao homem feliz, que o será durante a vida inteira; porque sempre, ou de preferência a qualquer outra coisa, estará empenhado na ação ou na contemplação virtuosa, e suportará as vicissitudes da vida com a maior nobreza e decoro, se é ‘verdadeiramente bom’ e ‘honesto acima de toda censura”.

Como foi mencionado, o texto oscila entre distintos

pontos de vista. Eles podem ter sido apresentados dessa forma como um artifício didático, ou seja: após a apresentação da idéia ocorre, em certa altura, a sua repetição, fixando-a para que uma nova condição para atingir a felicidade seja acrescentada. Eventualmente

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também se trata da ação daqueles que transferiram as idéias para o papel (idealmente os alunos de Aristóteles, mas eventualmente copistas que acrescentaram os comentários daqueles que também buscavam o entendimento da obra). Finalmente, esta alteração de pontos de vista pode ser resultado da junção dos diferentes textos, como mencionado em Durand, Klein e Marquer (2010): “Le titre de l'oeuvre a sans doute été choisi par un éditeur ancien plutôt que par Aristote lui-même. Nicomaque était le nom du père d'Aristote, mais aussi celui de son propre fils, mort prématurément. L'oeuvre semble être un recueil de textes rédigés par Aristote en différents étapes et rassemblés en raison de leur unité thématique.”, traduzido aqui como “O título da obra foi provavelmente escolhido por um editor antigo ao invés do próprio Aristóteles. Nicômaco era o nome do pai de Aristóteles, mas também de seu próprio filho, que morreu prematuramente. A obra parece ser um compêndio de ensaios escritos por Aristóteles em diferentes épocas e reunidos por causa de sua unidade temática.”

No tocante ao termo “eudaimonia”, aqui

apresentado como “felicidade no sentido da Ética a Nicômaco”, da mesma forma que há discussões acerca da definição a ser dada ao conceito original, também há alguma discussão acerca de sua tradução. Nesse particular, menciona-se o comentário de Spinelli, encontrado em Catunda (2008), que diz: “A tradução desse conceito é tida por muitos comentadores como difícil e, por isso, muitos deles preferem usar o termo grego transliterado (eudaimonía), enquanto outros vão traduzi-lo por: felicidade, vida plena, vida boa. No anexo de sua dissertação, Priscilla Spinelli faz um comentário acerca da tradução desse termo e observa que as características que

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Aristóteles lhe atribui afastam a possibilidade de qualquer subjetivismo, que é uma das dificuldades colocadas por comentadores e tradutores para o entendimento e tradução do termo. Cf. Spinelli, P. A prudência na Ética Nicomaquéia de Aristóteles.” Particularmente, entendo que se a definição do conceito está ainda obscurecida (a questão dos capítulos I-IX e X da Ética a Nicômaco), é difícil também que uma tradução seja definitiva.

3.1.4 – Alínea vii do item 2.2.1

Após as apresentações anteriores, nas quais foram justificadas as condições para que se atinja a felicidade, ou seja, determinam-se os contornos do universo no qual o conceito se desenvolve, a definição mais completa deste primeiro livro é apresentada em EN 1101a – (15 a 23, aproximadamente): “Quando diremos, então, que não é feliz aquele que age conforme a virtude perfeita e está suficientemente provido de bens exteriores, não durante um período qualquer, mas através de uma vida completa? Ou devemos acrescentar: ‘E que está destinado a viver assim e a morrer de modo consentâneo com sua vida’? Em verdade, o futuro nos é impenetrável, enquanto a felicidade, afirmamos nós, é um fim e algo de final a todos os respeitos. Sendo assim, chamaremos felizes àqueles dentre os seres humanos vivos em que essas condições se realizem ou estejam destinadas a realizar-se – mas homens felizes.” Resumidamente, esta definição foi apresentada no item 2.1, como: Felicidade: agir conforme a virtude perfeita, suficientemente provido de bens, por toda a vida. Entende-se que esta forma agrega as conclusões dos argumentos seguidos no primeiro livro da obra lida.

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Definições são encontradas na literatura, que não necessariamente seguem em detalhes a proposta observada no primeiro livro da Ética a Nicômaco, mas que abordam a eudaimonia como uma doutrina que possui as características já descritas. Assim, por exemplo, Hansen-Love (2011) apresenta a definição: “Eudémonisme (du grec eudaimonia): Toute doctrine qui fait du bonheur, soit individuel, soit collectif, la fin supréme à laquelle tend toute activité humaine. L'eudémonisme doit étre distingué de l'hedonisme, qui place le Souverain Bien dans le plaisir. Le bonheur, notamment dans ces deux écoles de la sagesse antique que sont le stoïcisme et l'épicurisme, n'est un souverain bien que parce qu'il a une valeur éthique. Le bonheur n'est pas séparable de la vertu. On parle aussi parfois d'eudémonisme, en un sens plus négatif, pour désigner toute conception de la vie que privilégie la recherche du bonheur par rapport à toute autre considerátion, y compris morale.” Ou seja, “Eudemonismo (do grego eudaimonia): Toda doutrina que faz da felicidade, individual ou coletiva, o fim supremo para o qual tende toda atividade humana. O Eudemonismo deve ser diferenciado de hedonismo, que coloca o bem maior no prazer. A felicidade, especialmente nessas duas escolas de sabedoria antiga, que são o estoicismo e o epicurismo, é um bem supremo, porque ele tem um valor ético. A felicidade é inseparável da virtude. Essa é muitas vezes referida eudemonismo, em um sentido mais negativo, para se referir a qualquer concepção de vida que enfatiza a busca da felicidade em comparação com todas as outras considerações, incluindo a moralidade.” (Tradução nossa).

Na sua obra muito interessante, na qual discorre

sobre a evolução do conceito de ética ao longo da evolução do conglomerado ocidental da humanidade, Comparato

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(2006, pg 441), quando trata do fundamento da ética, menciona:”O filósofo lembra que, segundo a opinião unânime, o bem supremo, causa final de toda a vida humana, é aquilo que ele denomina de eudaimonia...” Esta passagem é interessante, porque mostra que o pensamento antigo considerava natural (opinião unânime) essa forma de abordagem para a atividade humana. Assim, a ética a Nicômaco parte de um ponto de vista usual para a sociedade antiga, que evidentemente não aponta contra o conceito, mas mostra que dificilmente se encontrariam parâmetros para questioná-lo naquela condição. Outras partes não abordadas nessa busca de definição da felicidade (no sentido da Ética a Nicômaco), como o “caminho do meio”, também são vinculadas a posturas comuns no mundo antigo. Por exemplo, Hobbus (2004) cita Gauthier (1973) na seguinte passagem: “Segundo Gauthier, ‘tudo o que se retém da moral de Aristóteles é (...) a idéia que a virtude é um justo-meio’, mas isto não é verdadeiramente a contribuição mais original da ética aristotélica, já que esta concepção é conhecida há muito tempo, pois ela era ‘familiar à poesia grega’ e, no período clássico, ‘a idéia de justo-meio (...) tinha invadido todos os domínios da vida e do pensamento’. Na verdade, para Gauthier, tratar-se-ia antes, para Aristóteles, do uso de uma noção comum naquela época para expressar um ponto de vista pessoal.” Particularmente essa noção do caminho do meio também se mostra presente, em épocas anteriores à vida de Aristóteles, por exemplo na cultura da região nordeste da Ásia Meridional, onde Siddhartha Gautama igualmente concluiu ser melhor conduzir uma vida sem extremismos (ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Siddhartha_Gautama). Este conjunto de comentários apenas visa mostrar que os conceitos com os quais a Ética a Nicômaco se ocupa podem representar o reflexo de toda uma realidade local, e

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não especificamente a mensagem de um pensador. Nesse caso, a obra esclarece a realidade, os costumes, os conceitos então em voga, aos próprios alunos de Aristóteles, que idealmente efetuaram esses apontamentos, orientados pelo mestre.

4 – Conclusões

Nesse texto concentrou-se a atenção mais nos passos seguidos no texto original, para apresentar a definição de felicidade no capítulo 1 de Ética a Nicômaco. Esses passos foram resumidos e esquematizados, e, posteriormente, justificados e vinculados a passagens de outros autores sobre o mesmo tema.

Verifica-se a consistência da divisão de idéias

apresentada no item 2.1, que resume a estrutura deste capítulo, até a apresentação da referida definição.

O procedimento seguido foi acadêmico, buscando

mais evidenciar o método descritivo das idéias do que uma postura própria acerca das mesmas. A descrição, com cruzamento de opiniões de diferentes autores, mostra que se pode criar um corpo acerca do entendimento de um item, de um conceito específico. No caso estudado, mostra-se que há um entendimento acerca do que o texto da Ética a Nicômaco pretende dizer (ou diz) acerca da felicidade, em seu primeiro livro, primeiro capítulo. Resta a questão, no tipo de abordagem feita, de esclarecer se o que é dito corresponde a uma aproximação de uma verdade geral, ou é uma verdade restrita, o que remete à questão seguinte,

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sobre a sua aplicabilidade em um ambiente geral ou apenas sob condições específicas.

Considerando o Projeto “Humanização como

ferramenta de aumento de interesse nas exatas”, a aplicação dos procedimentos aqui vistos vale para aquele conceito mais claro, sobre o qual não repousam pendências básicas. Assim, mostrar como autores de diferentes áreas utilizam o conceito, ou o apresentam em seus textos, pode ser uma forma de transmitir segurança acerca deste conceito ao aluno das Ciências Exatas.

Harry Edmar Schulz São Carlos, São Paulo, Março de 2012

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5 – Bibliografia Aristóteles, Ética a Nicômaco, Tradução de Leonel

Vallandro e Gerd Bornheim, Coleção Os Pensadores, Editora Abril, São Paulo, 1984

Aristóteles, Ética a Nicômaco, Tradução de Torrieri Guimarães, Coleção A Obra Prima de Cada Autor, Editora Martin Claret, 8ª. Reimpressão, São Paulo, 2011.

Aristóteles, A Política, Tradução de Nestor Silveira, Coleção Folha: Livros que Mudaram o Mundo, v.11, 1ª. Ed., Folha de São Paulo, São Paulo, e Levoir, Oeiras (Portugal), 2010.

Bolio, A.M., El Libro de Chilam Balam de Chumayel – Version del Maya, Ediciones del “Repertorio Americano”, Imprenta y Librería Lehmann (Sauter & Co.), San José, Costa Rica, 1930.

Comparato, F.K., Ética: Direito Moral e Religião no Mundo Moderno, 3ª reimpressão, Companhia das Letras, São Paulo, 2006.

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Durand, Y.; Klein, L.; Marquer, É., BLED Philosophie: Toutes les notions et tous les repères au programme du BAC, Hachette Éducation, Paris, 2010.

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Hobbus, J. (versão on line revisada e corrigida) Eudaimonia e Auto-Suficiência em Aristóteles, Apresentação, Coleção Dissertatio Filosofia, EGUFPel, Pelotas, 2004.

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Meirinhos, J.F. Recensões de “The Arabic Version of the Nicomachean Ethics, Ed. by Anna A. Akasoy and

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Imagem da capa: A imagem da capa foi elaborada com artifícios do “Word” e com a ferramenta digital “Paint”. A imagem do rosto sorridente é uma brincadeira com o título do estudo, que envolve a palavra “felicidade”. Mnemonicamente associa-se felicidade com prazer, com alegria e, portanto, com sorriso.