Federalismo brasileiro

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 Br as í l i a a . 4 7 n . 1 8 6 a b r. / j un. 2 0 10 1 53 Sumário 1. Introdução. 2. A organização do Estado Federal brasileiro e a repartição de competên- cias entre os entes federativos. 3. As limitações das competências legislativas reservadas aos Estados. 4. A separação de poderes e o Princí- pio da Simetria. 5. A produção legislativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. 6. A  jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 7. Considerações finais. 1. Introdução O objeto de estudo da pesquis a que deu origem ao presente artigo teve como refe- rência o estatuto jurídico (notadamente a Constituição Federal, constituições estadu- ais e legislação ordinária e complementar) do atual Estado Democrático de Direito brasileiro e pretende refletir sobre os limites impostos aos Estados em termos do esta- belecimento de competências legislativas e materiais no contexto do pacto federativo nacional. O objetivo geral da referida investigação consistiu na análise crítica das competênc ias legislativas e materiais no paradigma do Es- tado Democrático de Direito, especialmente no que diz respeito à atribuição de poderes legislativos aos entes federativos estaduais brasileiros. Outrossim, foram estabelecidos quatro objetivos específicos para a aludida pesquisa. O primeiro, identificar as prin-  José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior é doutor em Direito Constitucional pela UFMG e professor da UFMG e PUC-Minas; Eduardo Martins de Lima é doutor em Ciências Huma- nas: Sociologia e Política pela UFMG e profes sor da Universidade FUMEC; Vinicius Gonçalves Porto Nascimento é Mestre em Direito e Ins- tituições Políticas pela Universidade FUMEC; Ana Carolina Alves Villaça graduou-se em Direito pela Universidade FUMEC; Marina Dayrell Brasil de Lima graduou-se em Direito pela Universidade FUMEC. O Estado Democrático de Direito e a necessária reformulação das competências materiais e legislativas dos Estados  José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, Eduardo Martins de Lima, Vinicius Gonçalves Porto Nascimento, Ana Carolina Alves Villaça e Marina Dayrell Brasil

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Sumário

1. Introdução. 2. A organização do EstadoFederal brasileiro e a repartição de competên-cias entre os entes federativos. 3. As limitaçõesdas competências legislativas reservadas aosEstados. 4. A separação de poderes e o Princí-pio da Simetria. 5. A produção legislativa daAssembleia Legislativa de Minas Gerais. 6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.7. Considerações finais.

1. Introdução

O objeto de estudo da pesquisa que deuorigem ao presente artigo teve como refe-rência o estatuto jurídico (notadamente aConstituição Federal, constituições estadu-ais e legislação ordinária e complementar)do atual Estado Democrático de Direito

brasileiro e pretende refletir sobre os limitesimpostos aos Estados em termos do esta-belecimento de competências legislativas emateriais no contexto do pacto federativonacional.

O objetivo geral da referida investigaçãoconsistiu na análise crítica das competênciaslegislativas e materiais no paradigma do Es-tado Democrático de Direito, especialmenteno que diz respeito à atribuição de poderes

legislativos aos entes federativos estaduaisbrasileiros. Outrossim, foram estabelecidosquatro objetivos específicos para a aludidapesquisa. O primeiro, identificar as prin-

  José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior édoutor em Direito Constitucional pela UFMGe professor da UFMG e PUC-Minas; EduardoMartins de Lima é doutor em Ciências Huma-nas: Sociologia e Política pela UFMG e professorda Universidade FUMEC; Vinicius GonçalvesPorto Nascimento é Mestre em Direito e Ins-tituições Políticas pela Universidade FUMEC;

Ana Carolina Alves Villaça graduou-se emDireito pela Universidade FUMEC; MarinaDayrell Brasil de Lima graduou-se em Direitopela Universidade FUMEC.

O Estado Democrático de Direito e anecessária reformulação das competênciasmateriais e legislativas dos Estados

  José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior,Eduardo Martins de Lima, ViniciusGonçalves Porto Nascimento, Ana CarolinaAlves Villaça e Marina Dayrell Brasil

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cipais teorias, considerando a literaturaespecializada nacional e estrangeira, quediscutem a atribuição de competênciaslegislativas nos contextos federativos. O

segundo, analisar a Constituição Federale Constituições Estaduais do Brasil, bemcomo a legislação ordinária e complemen-tar, estabelecendo as competências legisla-tivas da União, Estados, Distrito Federal eMunicípios. O terceiro, analisar a doutrinae a jurisprudência do Supremo TribunalFederal sobre as ações diretas de inconstitu-cionalidade, questionando as competênciaslegislativas federais e estaduais. Por fim,

mas não menos importante, refletir sobrepossibilidades de aprimoramento dasnormas jurídicas federais e estaduais quenorteiam e disciplinam as competênciaslegislativas dos entes federados brasileirosconstitui-se no quarto objetivo.

Pretende-se contribuir para uma relei-tura teórica e prática do papel históricodas instituições políticas pós-19881, sem,contudo, desconsiderar a tensão dialética

presente no processo interdisciplinar ereflexivo de análise da realidade, e, assim,destituir representações simplificadorase rever interpretações conservadoras, demodo a elaborar uma abordagem que inte-gre o objeto de estudo eleito pelo grupo depesquisadores, autores do presente artigo.

Os dados que embasaram a pesquisaem alusão podem ser assim classificados:a) dados primários: jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, com destaquepara as ações diretas de inconstitucionali-dade (ADIs), e de outros órgãos do Poder

  Judiciário, bem como projetos de lei emtramitação e com tramitação encerradana Assembleia de Minas Gerais − comoreferência do Poder Legislativo estadual;e b) dados secundários: obras consultadasde autoria de renomados doutrinadores,

1 Considerando que as instituições políticas sãoobjeto de construções históricas e sociais, não devemser tratadas em si de forma abstrata e atemporal, masem suas devidas relações a partir de um contextopolítico, histórico e social.

que analisaram a mesma questão objeto dopresente estudo.

O presente artigo trabalhará as se-guintes dimensões: a estrutura fornecida

pela Constituição, o funcionamento de talestrutura em função do jogo político entreUnião e Estados, o universo legislativoestadual e a posição do Supremo TribunalFederal que, em boa medida, tem contribu-ído para a consolidação de uma federaçãocentralizada. Como será destacado adiante,decisões proferidas pelo Supremo TribunalFederal em relação a temas centrais para aorganização federativa, tais como aquelas

relativas à Lei Complementar no

101 (Leide Responsabilidade Fiscal), demonstrama escassez de temas hoje objeto da atuaçãolegislativa dos Estados.

Ressaltando a importância da definiçãode um marco teórico como elemento decontrole da pesquisa científica, as profes-soras Miracy Gustin e Maria Tereza Dias(2002, p. 57) o definem como:

“[...] uma afirmação incisiva de um

teórico de determinado campo doconhecimento que realizou investi-gações e reflexões ordenadas sobredeterminado tema e chegou a expli-cações e conclusões metódicas sobre oassunto ou (...) o fundamento teóricoque respalda suas reflexões em todasua produção ou em parte dela.”

Nesse sentido, entendemos adequadoadotar como marco teórico da pesquisa,

que ora se desenvolve, a concepção doDireito como integridade apresentada porRonald Dworkin (2000, 2002) ao longo desuas obras e, em especial, em O Império doDireito (1999).

Efetivamente, é nesse livro que o autorprocura expor de modo sistemático a concep-ção do Direito que ele veio desenvolvendodurante décadas de atividade intelectual, aqual denomina “Direito como integridade”.

Para tanto, começa analisando o que é o Di-reito e, em seguida, diversas teorias relativasà atividade interpretativa. Apresentados,então, seus entendimentos básicos sobre

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referidos temas, Dworkin passa à crítica dasduas principais concepções do Direito pre-sentes na história do pensamento jusfilosó-fico, quais sejam, aquelas encampadas pelo

positivismo jurídico e pelo jusnaturalismo, asquais, segundo ele, não seriam aptas a expli-car nossa prática jurídica de modo plausível,nem a justificá-la coerentemente.

Isso posto, Dworkin começa a delimitaros contornos do Direito como integridade,concepção que ele apresenta em sua obra eque, diferentemente das teorias criticadas,se adequaria e justificaria o Direito dassociedades contemporâneas. Isto é, o prin-

cípio da integridade estaria presente naspráticas políticas e jurídicas correntes comouma demanda por decisões coerentes quan-to aos princípios do ordenamento jurídicoe, por outro lado, seria um forte argumentoem favor da legitimidade do monopólio dacoerção pelo Estado de Direito.

Entre os diversos requisitos e carac-terísticas da concepção do Direito comointegridade, será, então, essencial para o

desenvolvimento do argumento de nossapesquisa a relação entre o princípio da in-tegridade e a necessária coerência quantoaos princípios que se demanda do aplicadordo Direito, entendida esta não como vincu-lação à linha das decisões anteriores, nemcomo mera igualdade formal:

“[...] o direito como integridade (...)exige que um juiz ponha à provasua interpretação de qualquer parte

da vasta rede de estruturas e deci-sões políticas de sua comunidade,perguntando-se se ela poderia fazerparte de uma teoria coerente que

 justificasse essa rede como um todo”(DWORKIN, 1999, p. 294).

Dworkin (2000, p. 203) expõe seu pen-samento sobre o princípio da integridade esua demanda por uma coerência de princí-pio do ordenamento jurídico, seja quando

da criação da lei, seja na sua aplicação.Assim é que ele afirma:“Será útil dividir as exigências daintegridade em dois outros princípios

mais práticos. O primeiro é o princípioda integridade na legislação, que pedeaos que criam o direito por legislaçãoque o mantenham coerente quanto aos

princípios. O segundo é o princípio daintegridade no julgamento: pede aosresponsáveis por decidir o que é a leique a vejam e façam cumprir comosendo coerente nesse sentido”.

Com efeito, é com base nessa conexãoque se pretende avaliar a coerência e, conse-quentemente, a consistência da doutrina e doentendimento jurisprudencial do SupremoTribunal Federal ao reforçar a centralização

de competências legislativas e materiais emtorno da União e em detrimento dos Estadosno contexto do pacto federativo brasileiro.

2. A organização do EstadoFederal brasileiro e a repartição de

competências entre os entes federativos

A repartição de competências legisla-tivas e materiais em um Estado de forma

federal definem o próprio caráter da distri-buição geográfica do poder2. É o termôme-tro da federação, pois delimita o espaço deatuação de cada um daqueles que a inte-gram. A autonomia das entidades federa-tivas pressupõe repartição de competênciase a distribuição constitucional de poderes, afim de possibilitar o exercício e desenvolvi-mento de sua atividade normativa.

De acordo com José Afonso da Silva

(1999, p. 479),“[...] competência é a faculdade juri-dicamente atribuída a uma entidade,

2 Discorrendo sobre a autonomia de que dispõemos Estados-membros num Estado federal, Gilmar Fer-reira Mendes (2008, p. 798) assinala que “a autonomiaimporta, necessariamente, descentralização do poder”,descentralização essa que “é não apenas administrati-va, como, também, política”. De acordo com o autor,“é característico do Estado federal que essa atribuiçãodos Estados-membros de legislar não se resuma a umamera concessão da União, traduzindo, antes, um di-reito que a União não pode, a seu talante, subtrair dasentidades federadas; deve corresponder a um direitoprevisto na Constituição Federal”.

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ou de um órgão ou agente do PoderPúblico para emitir decisões. Compe-tência são as diversas modalidades depoder de que se servem os órgãos ou

entidades estatais para realizar suasfunções”.Considerando que no Estado Federal

incidem mais de uma ordem jurídica sobreum mesmo território e sobre uma mesmapopulação, surgiu a necessidade de se ado-tarem mecanismos que, explica Gilmar Fer-reira Mendes (2008, p. 799), “[favoreçam] aeficácia da ação estatal, evitando conflitose desperdício de esforços e recursos”.Segundo o autor, “a repartição de compe-tências entre as esferas do federalismo é oinstrumento concebido para esse fim”. Talrepartição “consiste na atribuição, pelaConstituição Federal, a cada ordenamentode uma matéria que lhe seja própria”.

O Brasil consagrou na Constituição de1891 a forma horizontal de repartição decompetências, a qual privilegia a atribuiçãode competências exclusivas e privativas aosentes da federação, restringindo a possibili-dade de conflitos ou tornando mais objetivasas formas de solução dos mesmos. O federa-lismo de cooperação consagrado a partir daConstituição de 1934 tornou mais complexaa repartição de competências, na medida emque a forma horizontal de repartição de com-petências cedeu espaço para a forma vertical,com a previsão de competências comuns econcorrentes entre União e Estados3.

A esse propósito, José Alfredo Baracho

 Júnior (2007, p. 279) observa que“O sistema de competências estabe-lecido na Constituição da Repúblicaé bastante complexo, especialmentena medida em que busca conjugar aforma horizontal com a forma verticalde repartição de competências. Talfato potencializa os conflitos entre leis

3 Na modalidade de repartição horizontal de com-petências, não se admite concorrência de competênciasentre os diferentes entes federados. Na repartiçãovertical de competências, realiza-se a distribuição damesma matéria entre a União e os Estados-membros(MENDES, 2008).

editadas no âmbito dos Estados e noâmbito federal, ainda que se busquena competência privativa uma formade atribuição de competências que

não admite concorrências”.A Constituição de 1988 dispõe no seuartigo 1o que a República Federativa doBrasil é formada pela união indissolúvel dosEstados e Municípios e do Distrito Federale constitui-se em Estado Democrático deDireito. Ademais, por meio de seu artigo 18,a Constituição reza que a organização polí-tico-administrativa da República Federativado Brasil compreende a União, os Estados,o Distrito Federal e os Municípios, todosautônomos, nos termos da Constituição.

Essa mesma Constituição articula arepartição de competências entre União eEstados de forma conjugada, estabelecendocompetências exclusivas e privativas, alémdas comuns e concorrentes entre os seusentes federativos, norteadas pelo princípiogeral da predominância do interesse. Dessaforma, à União cabe legislar sobre maté-rias e questões de predominante interessegeral nacional4. Aos Estados, os assuntosde predominante interesse regional e aosMunicípios, os de interesse local5.

As competências podem ser classificadasem dois grandes grupos. O primeiro é o dacompetência material, que se traduz nas atri-buições administrativas e se divide em exclu-siva e comum. O segundo é o da competêncialegislativa, que se traduz na possibilidadede regulamentar determinada matéria pela

expedição de leis, dividindo-se em exclusiva,privativa, concorrente e suplementar.

4 A União, no plano legislativo, pode editar: a) leis nacionais: que alcançam todos os habitantes doterritório nacional e outras esferas da Federação; eb) leis federais: que incidem sobre os jurisdicionadosda União, como os servidores federais e o aparelhoadministrativo da União (MENDES, 2008).

5 Podem ser considerados de interesse local asatividades e a respectiva regulação legislativa, concer-nentes ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo,ordenação do solo urbano, fiscalização das condiçõesde higiene de bares e restaurantes, horário de funcio-namento de farmácias, entre outros que impliqueminteresse predominantemente municipal. (Idem)

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Diz-se que a competência é exclusivaquando é atribuída a uma entidade comexclusão das demais, sem possibilidade dedelegação (transmitir o poder). Competência

privativa, aquela enumerada como própriade uma entidade, podendo, contudo ser de-legada a outra. Competência comum significalegislar ou praticar atos “em pé de igualdade”com outros, sem que o exercício de uma ve-nha a excluir a competência de outra; o exercí-cio das competências comuns, de acordo comSuely Araújo (2005, p. 3), deve pautar-se pelacooperação governamental. Competênciaconcorrente é a possibilidade de dispor sobre

o mesmo assunto ou matéria por mais deuma entidade federativa, podendo ser plena,no âmbito de seu território, quando inexistirlegislação federal, ou suplementar, quandoas normas supram ausência ou omissão dedeterminado ponto da norma geral nacional,ou desdobrem seu conteúdo visando atenderpeculiaridades locais. Sempre a legislaçãofederal terá primazia sobre as elaboradasconcorrente ou suplementarmente pelas

outras unidades da federação.No sistema atual de repartição de compe-tências, destacam-se os artigos 21 e 22 comodefinidores das competências exclusivas6 e

6 Art. 21. Compete à União: I − manter relaçõescom Estados estrangeiros e participar de organizaçõesinternacionais; II − declarar a guerra e celebrar a paz; III− assegurar a defesa nacional; IV − permitir, nos casosprevistos em lei complementar, que forças estrangeirastransitem pelo território nacional ou nele permaneçamtemporariamente; V − decretar o estado de sítio, o es-

tado de defesa e a intervenção federal; VI − autorizar efiscalizar a produção e o comércio de material bélico; VII− emitir moeda; VIII − administrar as reservas cambiaisdo País e fiscalizar as operações de natureza financeira,especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bemcomo as de seguros e de previdência privada; IX − elabo-rar e executar planos nacionais e regionais de ordenaçãodo território e de desenvolvimento econômico e social;X − manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;XI − explorar, diretamente ou mediante autorização,concessão ou permissão, os serviços de telecomunica-ções, nos termos da lei, que disporá sobre a organizaçãodos serviços, a criação de um órgão regulador e outrosaspectos institucionais; XII − explorar, diretamente oumediante autorização, concessão ou permissão: a) osserviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveita-

privativas7 da União, respectivamente. Noartigo 25, encontram-se as competênciasprivativas dos Estados e, observe-se que,no parágrafo 1o, está disposto que são re-

servadas aos Estados as competências quenão lhes sejam vedadas pela Constituição.Os artigos 23 e 24, por sua vez, consagram,

mento energético dos cursos de água, em articulação comos Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estruturaaeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário eaquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais,ou que transponham os limites de Estado ou Território;e) os serviços de transporte rodoviário interestadual einternacional de passageiros;  f) os portos marítimos,

fluviais e lacustres; XIII − organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Públicado Distrito Federal e dos Territórios; XIV − organizare manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo debombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestarassistência financeira ao Distrito Federal para execuçãode serviços públicos, por meio de fundo próprio; XV− organizar e manter os serviços oficiais de estatística,geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional;XVI − exercer a classificação, para efeito indicativo, dediversões públicas e de programas de rádio e televisão;XVII − conceder anistia; XVIII − planejar e promover adefesa permanente contra as calamidades públicas, espe-

cialmente as secas e as inundações; XIX − instituir sistemanacional de gerenciamento de recursos hídricos e definircritérios de outorga de direitos de seu uso; XX − instituirdiretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusivehabitação, saneamento básico e transportes urbanos;XXI − estabelecer princípios e diretrizes para o sistemanacional de viação; XXII − executar os serviços de políciamarítima, aeroportuária e de fronteiras; XXIII − exploraros serviços e instalações nucleares de qualquer naturezae exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, oenriquecimento e reprocessamento, a industrializaçãoe o comércio de minérios nucleares e seus derivados,atendidos os seguintes princípios e condições: a) todaatividade nuclear em território nacional somente seráadmitida para fins pacíficos e mediante aprovação doCongresso Nacional; b) sob regime de concessão oupermissão, é autorizada a utilização de radioisótopospara a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais eatividades análogas; c)a responsabilidade civil por danosnucleares independe da existência de culpa; XXIV − or-ganizar, manter e executar a inspeção do trabalho; XXV− estabelecer as áreas e as condições para o exercício daatividade de garimpagem, em forma associativa.

7 Art. 22. Compete privativamente à União legislarsobre: I − direito civil, penal e do trabalho; II − natura-

lização, emigração e imigração, entrada, extradição eexpulsão de estrangeiros; III − organização do sistemanacional de emprego e condições para o exercício deprofissões; IV − seguridade social; V − diretrizes ebases da educação nacional.

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respectivamente, as competências comuns8 e concorrentes9 entre entes federativos. Há,ainda, a repartição de competências em ma-téria tributária, que, nos termos do artigo

150 e seguintes, prefiguram uma formaespecífica de repartição de competências.O parágrafo único do artigo 22 permite à

União, por meio de lei complementar, dele-gar competências aos Estados para legislarsobre matérias de competência privativa daUnião, hipótese que tem ocorrido de formabastante escassa. Cite-se, como exemplo, aLei Complementar n. 103, de 14 de julho de2000, que “autoriza os Estados e o Distrito Fe-

deral a instituir o piso salarial a que se refereo inciso V, do art. 7o, da Constituição Federal,por aplicação do disposto no parágrafo únicodo seu art. 22”. Cuida-se de simples facul-dade do legislador complementar federal,que, explica Gilmar Ferreira Mendes (2008,p. 818), “não poderá transferir a regulaçãointegral de toda uma matéria da competênciaprivativa da União, já que a delegação haveráde referir-se a questões específicas”.

Importante, também, destacar que aConstituição de 1988 inclui no desenho dafederação os poderes locais, chegando mes-mo a declarar o Município como integranteda federação, nos termos dos artigos 1o e 18,conforme assinalado acima. Em que pesealguns juristas, como José Afonso da Silva(2004) e Luiz Pinto Ferreira (1995), argu-mentarem que os Municípios não integrama federação, é indiscutível que a posição

8 Art. 23. É competência comum da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios: I − zelarpela guarda da Constituição, das leis, das instituiçõesdemocráticas, e conservar o patrimônio público; II −cuidar da saúde e assistência pública, da proteção egarantia das pessoas portadoras de deficiência; III− promover programas que combatam as causas dapobreza e os fatores de marginalização, promovendoa integração social dos grupos desfavorecidos.

9 Art. 24. Compete concorrentemente à União,Estados e Distrito Federal: I − direito tributário, finan-ceiro, penitenciário; II − educação, cultura e ensino;III − previdência social, proteção e defesa da saúde; IVassistência jurídica e defensoria pública; V − proteçãoe integração social das pessoas portadoras de deficiên-cia; VI − proteção da infância e a juventude.

que hoje ocupam restringiu o espaço decompetências dos Estados, como resultadoda própria tendência centralizadora que seestabeleceu a partir de 193010.

A propósito da inclusão do municípiocomo ente federativo, Dallari (2006, p. 4)observa que:

“Um ponto que deve ser ressaltado éque a Constituição inclui o Municípioentre os entes que podem exercer ascompetências comuns, enumeradasno artigo 23, mas só se refere aosEstados quando admite a legislaçãosuplementar. Como tem sido consen-

so na doutrina, o que existe aí é umaimperfeição da Constituição, pois ob-viamente o Município, exercendo ascompetências comuns, deverá legislarsobre a matéria em relação à qual forexercer concretamente a competência.Além disso, pelo artigo 30, inciso I, aConstituição dá competência ao Mu-nicípio para legislar sobre os assuntosde interesse local. Assim, pois, em setratando de matéria não incluída nacompetência exclusiva da União eque tenha sido objeto de norma geralfederal − ou mesmo estadual, se surgira hipótese −, o município poderá le-gislar sobre aspectos específicos dessamesma matéria, que, a par do interes-se geral, sejam de interesse local”.

10 A posição majoritária sustenta que os Municípiosgozam do status de integrantes da Federação, visto

que, além de autônomos, contando com Executivo eLegislativo próprios, contam, também, com o poderde auto-organização, exercido por meio da edição deuma lei orgânica. Ademais, o artigo primeiro da Cons-tituição em vigor afirma que a República Federativa doBrasil é formada pela união indissolúvel dos Estadose Municípios e do Distrito Federal. Os que ostentamposicionamento diverso sustentam que os Municípiosnão participam das entidades criadas para formarem avontade federal, em nosso caso, o Senado Federal. Nãodispõem, além disso, de um Poder Judiciário próprio,como a União e os Estados-membros, e a intervençãonos Municípios situados em Estado-membro está a car-go deste. Finalmente, a competência originária do STFpara resolver conflitos entre as entidades que compõema Federação não inclui as hipóteses em que o Municípiocompõe um dos pólos da lide (MENDES, 2008).

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3. As limitações das competênciaslegislativas reservadas aos Estados

O quadro descrito sucintamente acimatem limitado de forma importante a atuaçãodos Estados. Inicialmente, porque a compe-tência residual prevista no artigo 25 – que éprivativa dos Estados, uma vez que consistenos poderes reservados e não vedados pelaConstituição Federal – é bastante restrita, namedida em que a Constituição da Repúblicaé muito detalhista na definição do elenco dematérias sujeitas à atuação exclusiva ou pri-vativa da União, praticamente esgotando orol de temas jurídicos de maior relevância.Por outro lado, ao reconhecer competênciasprivativas para os Municípios11, a Constitui-ção Federal acrescenta um novo elementolimitador para os Estados, pois estes já nãotêm mais espaço para determinar a organi-zação dos poderes locais.

A atuação legislativa dos Estados hojeestá em grande medida limitada às com-petências comuns e concorrentes, previs-tas nos artigos 23 e 24. O exercício de taiscompetências, entretanto, é também emgrande medida determinado pela União. Oparágrafo único do artigo 23 estabelece quelei complementar federal definirá as formasde cooperação entre os entes da federaçãono exercício da competência comum, tendoem vista o equilíbrio do desenvolvimentoe do bem-estar nacional. Por outro lado, oartigo 24 especifica as matérias no âmbitoda competência concorrente entre União,Estados e Distrito Federal e determina noseu § 1o que compete à União editar normasgerais sobre estas matérias, normas essasque delimitam o campo de atuação dos Es-

11 Art. 30. Compete aos Municípios: I − legislarsobre assuntos de interesse local; II − suplementar alegislação federal e estadual no que couber; III − orga-nizar e prestar, diretamente ou sob o regime de con-cessão ou permissão, os serviços públicos de interesselocal, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter

essencial; IV − manter a cooperação técnica e financeirada União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; V − prestar, com acooperação técnica e financeira da União e do Estado,serviços de atendimento à saúde da população.

tados, mas que não excluem a competênciasuplementar desses Estados (§ 2o). Dianteda inexistência de lei federal sobre normasgerais, os Estados exercerão a competência

legislativa plena para atender suas peculia-ridades (§ 3o). Ademais, está estabelecidoque a superveniência de lei federal sobrenormas gerais suspende a eficácia da leiestadual, no que lhe for contrário (§ 4o). Por-tanto, mesmo no âmbito da competênciaconcorrente, que hoje compreende grandeparte da atuação legislativa dos Estados, háum forte impacto das normas editadas peloCongresso Nacional. Até porque, em caso

de conflito entre os entes federativos, porocasião do exercício de atribuições comuns,assinala Gilmar Ferreira Mendes (2008, p.820), “há de se cogitar do critério da pre-ponderância de interesses, [...] em que osmais amplos (da União) devem preferir aosmais restritos (dos Estados)”12.

A esse respeito, Dallari (2006, p. 4)pondera que:

“Uma questão de grande importân-

cia, por suas implicações teóricas epráticas, e que tem sido objeto decontrovérsias, é o sentido da expres-são ‘normas gerais’, usada na Cons-tituição, no § 1o. do artigo 24, paradefinir a competência legislativa daUnião, no âmbito das competênciasconcorrentes. Não têm sido raras asvezes em que, por inadvertência oudeliberadamente, o legislador federal

tem fixado normas sobre pontos par-ticulares, de caráter regional ou local,de matéria sobre a qual só poderiafixar normas gerais. Nesses casos,

12 Para corroborar essa assertiva, o autor cita deci-são do Ministro do STF, Celso de Mello, na AC-MC/RR 1.255, DJ DE 22/6/2006, na qual ficou assentado oentendimento de que, “concorrendo projetos da UniãoFederal e do Estado-membro visando à instituição, emdeterminada área, de reserva extrativista, o conflito deatribuições será suscetível de resolução, caso inviável acolaboração entre tais pessoas políticas, pela aplicaçãodo critério da preponderância do interesse, valendoreferir que, ordinariamente, os interesses da Uniãorevestem-se de maior abrangência”.

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aquilo que constar de lei federal e quenão se caracterizar, pelo conteúdo,como norma geral será inconstitucio-nal, por exorbitância no exercício da

competência legislativa”.O desenho atual da repartição de compe-tências reduz a importância dos legislativosestaduais, que acabam por ter sua atividadepreponderantemente voltada para o contro-le da Administração Pública estadual, poucoatuando em relação à criação de direitos doscidadãos ou às formas de exercício de direi-tos fundamentais. Com efeito, a competênciaprivativa dos Estados resume-se a algumas

matérias expressamente discriminadas pelaConstituição Federal, como exploração deserviços de gás canalizado e instituição deregiões metropolitanas, e outras não expli-citadas pelo legislador constituinte, comomatérias orçamentárias, criação, extinção efixação de cargos públicos estaduais, auto-rizações para alienação de imóveis, criaçãode secretarias estaduais, organização admi-nistrativa, judiciária e do Ministério Público,

da Defensoria Pública e da Advocacia-Geraldo Estado (MENDES, 2008)13.A preponderância da União sobre os

demais entes da federação, em especial osEstados-Membros, é algo patente. O intuitode diminuir as competências da União, pre-sente na Constituinte de 1988, não se con-cretizou; ao contrário, a atuação da Uniãose ampliou, concentrando o planejamentonacional. Outro fator que influencia essasituação é o fato de toda competência legis-lativa gerar uma administrativa, não sendo,porém, a recíproca verdadeira. Ou seja, osEstados, muitas vezes, possuem competên-cias materiais, mas não legislativas.

Embora as competências concorrentestentem equilibrar essa situação, a União ficaresponsável por editar normas gerais, estas

13 Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 819) destacaque “a Constituição, no tocante a matéria tributária,enumerou explicitamente a competência dos Estados– art. 155. No aspecto tributário, é a União que detémcompetência, além de expressa, residual, permitindo-se-lhe a instituição de outros tributos, além dos enu-merados para ela e para as outras pessoas políticas”.

muitas vezes já presentes na Constituição,limitando a participação do Estado. Em umâmbito geral, os Estados continuaram emsua posição inquietante, pois os Municípios

fortaleceram-se, alcançado o seu reconhe-cimento como ente federativo, ao mesmotempo em que a União ampliou suas com-petências. Pode-se dizer que a Constituiçãobrasileira de 1988 pouco poder reservou aosEstados, o que se reflete nas ConstituiçõesEstaduais, que na verdade não realizammais do que transcrever o texto da Consti-tuição Federal, caracterizando, assim, umaforma federativa muito concentrada em tor-

no da União, parecendo os Estados, muitasvezes, meros coadjuvantes da Constituição,ao contrário do que se poderia esperar, porserem estes entidades federativas.

A Constituição de 1988 atribuiu à UniãoFederal um amplo arco de competênciaslegislativas privativas, competindo legislar,entre outras matérias, sobre direito civil,processual, trabalhista, águas, sistema mo-netário, trânsito, cidadania, normas gerais

de licitação e contrato, diretrizes e bases daeducação, entre outros. O rol contido noartigo 22 da Constituição, no entanto, nãodeve ser tido como exaustivo, visto que háainda diversas competências legislativas daUnião elencadas no artigo 48. Além disso,explica Fernanda Menezes de Almeida(1991, p. 105,106), citada por Gilmar Fer-reira Mendes (2008, p. 818), “numerosasdisposições constitucionais carecem de leis

integradoras de sua eficácia, sendo muitasde tais leis, pela natureza dos temas ver-sados, indubitavelmente de competênciada União”, como “as leis para o desenvol-vimento de direitos fundamentais – comoa que prevê a possibilidade de quebra desigilo das comunicações telefônicas (art. 5o,XII) ou a que cuida da prestação alternativaem caso de objeção de consciência (art. 5o,VIII)”. Do mesmo modo, “serão federais

as leis que organizam a seguridade social(art. 194, parágrafo único) e que viabilizamo desempenho da competência materialprivativa da União”.

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São parcas as possibilidades de atuaçãodos legislativos estaduais, em face do de-senho pouco favorável que a Constituiçãolhes conferiu no que tange à repartição de

competências legislativas. O legisladorconstituinte indubitavelmente conferiuênfase ao Legislativo federal ao atribuir àUnião competência para legislar sobre “osassuntos mais relevantes e de interesse co-mum à vida social no País nos seus váriosrincões” (MENDES, 2008, p. 818).

Essa situação reflete a formação históri-ca de nossa federação. De acordo com JoséAfonso da Silva (2004, p. 101,102),

“[...] os limites da repartição de po-deres dependem da natureza e dotipo histórico da federação. Numas,a descentralização é mais acentua-da, dando-se aos Estados-membroscompetências mais amplas, como nosEstados Unidos da América do Norte.Noutras, a área de competência daUnião é mais dilatada, restando redu-zido campo de atuação aos Estados,

como o Brasil no regime da Constitui-ção de 1967-1969, que construiu merofederalismo nominal”.

Embora tenha buscado “resgatar o prin-cípio federalista”, ao estruturar “um sistemade repartição de competências que [tentasse]refazer o equilíbrio das relações entre o podercentral e os poderes estaduais e municipais”,o Estado federal brasileiro continua sendo,em grande medida, uma federação do tipo

“centrífuga” (SILVA, 2004, p. 102).

4. A separação de poderese o princípio da simetria

Além da divisão de competência entreas entidades que compõem a Federação, aConstituição Federal determina a distribui-ção de funções no âmbito de cada unidade,o que tradicionalmente chamamos de tri-

partição dos Poderes. O princípio da sepa-ração de poderes ou de funções do Estadotem sido um dos princípios fundamentaisda democracia moderna.

Estão consagradas no livro escrito porMontesquieu e publicado em 1748, O espíri-to das leis, a divisão e a distribuição clássicasdos poderes estatais. É em seu livro que o

autor considera a exigência de se tripartiros poderes estatais em órgãos diferencia-dos. Montesquieu explicita a necessidadeda separação de poderes no Capítulo V doLivro Décimo-Primeiro de sua obra, vindoa fazer a distinção entre os poderes Execu-tivo, Legislativo e Judiciário.14

Dessa forma, estava elaborada a ideiada separação de poderes preconizada porMontesquieu por meio de seu princípio,

que se tornou alicerce dos Estados Demo-cráticos de Direito, garantia das liberda-des e direitos dos cidadãos e consagrado,praticamente, em todas as constituiçõesmodernas.

A teoria da tripartição de poderes foique lançou bases para o desenvolvimentodo princípio de “freios e contrapesos”,utilizado pelos fundadores da Repúblicanorte-americana, em meados do século

XVIII, e foi nos Estados Unidos da Américaque ela adquiriu a sua feição constitucio-nal contemporânea por seus fundadores,

 James Madison, Thomas Jefferson, GeorgeWashington, Alexander Hamilton e JohnAdams, denominados Os federalistas.Assim, como Montesquieu, os federalistassustentavam ser necessária a transferênciado poder das mãos de apenas uma pessoaou órgão para os Poderes Legislativo,

Executivo e Judiciário. Com o poder distri-buído em três órgãos, a sociedade poderiaviver em um Estado sem opressão e leistirânicas, sendo asseguradas a liberdade

14 De acordo com Montesquieu (1979, p. 143), “há,em cada Estado, três espécies de poderes: o poder le-gislativo, o poder executivo das coisas que dependemdo direito das gentes, e o executivo das que dependemdo direito civil. Pelo primeiro, o príncipe ou magistra-do faz leis por certo tempo ou para sempre e corrigeou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz a

paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabe-lece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro,pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos.Chamaremos este último o poder de julgar e, o outro,simplesmente o poder executivo do Estado.”

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Revista de Informação Legislativa162

dos cidadãos e a garantia dos direitos in-dividuais, pois a fiscalização do poder pelopoder resguardaria o próprio Estado dosefeitos maléficos de uma tirania.

A feição dada à Constituição norte-americana pelos seus fundadores influen-ciou de forma significativa a elaboraçãodas constituições brasileiras, a citar comoexemplos as Constituições de 1891, 1934,1946 e a atual Constituição de 1988, quetêm em seu âmago a garantia dos direitosindividuais e coletivos, a organização e alimitação dos poderes estatais.

Mesmo que um órgão exerça atribuição

ordinariamente conferida a outro órgão,isso não implicaria violação ao princípioda separação de poderes, desde que auto-rizado e estabelecido dentro dos moldesconstitucionais. Nesse sentido, o princípioda separação de poderes vem reafirmarque a atribuição das funções do Estado aórgãos distintos, interpenetrando uns nosoutros, garante o equilíbrio mútuo destes àluz dos paradigmas do Estado Democrático

de Direito.O princípio da separação de poderesassegura, ainda, a importância de um po-der exercer o controle em relação a outro,porém, evitando qualquer tipo de atividadeexorbitante.

Só é possível viver em um Estado real-mente Democrático de Direito com a limi-tação do poder pelo poder, a fim de, ao secoibirem abusos, assegurar-se a liberdade

dos indivíduos.A atual Constituição brasileira de 1988consagra o princípio da separação de po-deres de Montesquieu em seu artigo 2o,ao estabelecer que: são poderes da União,independentes e harmônicos entre si, oLegislativo, o Executivo e o Judiciário.

Embora a atividade dos três Poderesinterrelacione-se, num sistema de “freios econtrapesos”, à busca da harmonia neces-

sária à realização do bem da coletividade epara evitar o arbítrio e o desmando de umem detrimento do outro, a regra constitu-cional é da indelegabilidade das funções

orgânicas do Estado. Em razão da referidaregra, explicam Nelson Nery Júnior e RosaMaria de Andrade Nery (2006, p. 120), “opoder titular da função típica, que o desig-

na e o distingue, não pode transferi-la aosoutros dois”, de modo que “não é dadoa nenhum dos poderes do Estado ‘inter-cambiar entre si suas funções inerentes”’.As hipóteses de delegação têm que estarprevistas na Constituição, daí podermosafirmar que são independentes.

Gilmar Ferreira Mendes (2008, p.812) aponta que a tripartição de poderes“tornou-se matriz das mais invocadas em

ação direta de inconstitucionalidade, para ainvalidação de normas constitucionais e in-fraconstitucionais dos Estados-membros”.Segundo o mencionado autor,

“[...] a exuberância de casos em queo princípio da separação de Pode-res cerceia toda a criatividade doconstituinte estadual levou a que sefalasse num princípio da simetria , paradesignar a obrigação do constituin-

te estadual de seguir fielmente asopções de organização e de relacio-namento entre os poderes acolhidaspelo constituinte federal” (MENDES,2008, p. 813-814).

O princípio da simetria, contudo, talcomo outros princípios, não deve sercompreendido como algo absoluto, vistoque “nem todas as normas que regem oPoder Legislativo da União são de absorção

necessária pelos Estados”. De acordo comMendes (2008, p. 813,814), “as normas deobservância obrigatória pelos Estados sãoas que refletem o inter-relacionamentoentre os Poderes”. Assim, exemplifica oautor, com base na jurisprudência do STF,os mecanismos de freios e contrapesos, istoé, de controle recíproco entre os Poderes,devem guardar estreita similaridade comos previstos na Constituição de 1988. Nesse

sentido, “a adoção de medidas parlamen-taristas pelo Estado-membro, quando noâmbito da União se acolhe o presidencia-lismo, também é imprópria, por ferir o

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princípio da separação de Poderes, comodesenhado pelo constituinte federal”15. Nãoseria possível, de igual modo, a imposição,por uma Constituição Estadual, do dever de

o prefeito municipal comparecer perante aCâmara dos Vereadores.

5. A produção legislativa da AssembleiaLegislativa de Minas Gerais

Pesquisando a produção legal daAssembleia Legislativa de Minas Gerais(ALMG), constatamos que, entre 1989 e 21de junho de 2006 – portanto, em um contex-

to de nova realidade constitucional federale estadual −, dos projetos de lei que tiveramsua tramitação encerrada16, 774 receberamparecer de inconstitucionalidade17 da Co-missão de Constituição e Justiça da Casa.

15 Durante a vigência da Constituição de 1946,explica Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2004, p. 288),o STF aprovou “diversas representações interventivas contra artigos de Constituições Estaduais (Rio Grandedo Sul, Ceará e Alagoas) supostamente violadorasde princípios estruturantes da República brasileira,entre eles o princípio do Presidencialismo”. Dessemodo, “quaisquer normas que de alguma maneirasubordinassem a ação do Executivo ao Legislativoeram taxadas de parlamentaristas e, portanto, viola-doras da Constituição Federal”, sendo prontamenteconsideradas pelo STF como inconstitucionais, o queviabilizava a intervenção federal.

16 Um projeto de lei estadual pode ter sua tra-mitação encerrada pelas seguintes razões: a) foramarquivados definitivamente (retirados pelo autor ououtro motivo); b) foram rejeitados pelo plenário; ouc) não foram transformados em norma jurídica, por

terem recebido parecer de inconstitucionalidade daComissão de Constituição e Justiça da Casa.17 Há razoável polêmica na doutrina relativa ao

controle de constitucionalidade. Pode-se falar deduas modalidades: a repressiva e a preventiva. Ocontrole repressivo é exercido pelo Poder Judiciárioapós a edição de norma e é aceito consensualmentepelos doutrinadores. O controle preventivo, por suavez, é exercido pelo Poder Legislativo por meio daComissão de Constituição e Justiça – na tramitaçãoda proposição de lei – e pelo Poder Executivo – pelaaposição de veto à proposição de lei – e não é aceito pormuitos doutrinadores. Há inúmeros trabalhos sobre oassunto, dentre eles citam-se: Azevedo (2002), Barbosa(1999), Bastos (2001), Beneton (2003), Bernardes Júnior(2003), Dutra (2003), Fiuza (1999), Mendes (1997),Nassif (1996), Veloso (2003) e Horta (2007).

No quadro 1, relacionamos, por tema,os 774 projetos de lei que receberam pa-receres de inconstitucionalidade. Pode-seobservar que cerca de 36,5% dos pareceres

de inconstitucionalidade emitidos pelaCCJ recaíram sobre temas como trânsito etransporte (13,6% do total), AdministraçãoPública, servidores públicos e previdênciasocial (11,8%) e educação, cultura, esporte,lazer e turismo (11,1% do total). No primei-ro caso (trânsito e transporte), trata-se dematéria reservada à competência legislativaprivativa da União Federal (art. 22, XI, CF).Relativamente ao segundo tema que mais

recebeu pareceres de inconstitucionalidade(Administração Pública, servidores públi-cos e previdência social), conforme vimos,trata-se de competência privativa estadualnão explicitada na Constituição Federal18.Finalmente, o terceiro tema (educação,cultura, esporte, lazer e turismo) acha-seinserido no rol das competências legisla-tivas concorrentes entre União, Estados eDistrito Federal (art. 24, IX, CF).

Relativamente aos projetos de lei emtramitação no período pesquisado (quadro2), cerca de 336 receberam parecer de in-constitucionalidade da Comissão de Cons-tituição e Justiça. Curiosamente, pudemosconstatar que cerca de 36,7% dos pareceresda CCJ recaíram sobre trânsito e transporte(13,6%), Administração Pública, servidorespúblicos e previdência social (13,6% dototal) e educação, cultura, esporte, lazer e

turismo (9,5%), percentual semelhante aoencontrado nos projetos de lei com trami-tação encerrada (36,5%). Deve-se salientaro percentual mais elevado (8,2%) de proje-tos relacionados à tributação, matéria que

18 A competência privativa dos Estados-membrosnão explicitada pela Constituição engloba matériasorçamentárias, criação, extinção e fixação de cargospúblicos estaduais, autorizações para alienação deimóveis, criação de secretarias estaduais, organizaçãoadministrativa, judiciária e do Ministério Público, daDefensoria Pública e da Advocacia-Geral do Estado(MENDES, 2008). O tema previdência social, por seuturno, insere-se na competência legislativa concorrentede União, Estados-membros e Distrito Federal.

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Revista de Informação Legislativa164

TemaTotal de pareceres deinconstitucionalidade

emitidos pela CCJ

Participação no totalde pareceres de

inconstitucionalidadeTrânsito e transporte 105 13,6%Administração Pública, servidores públicos e Previdência 91 11,8%Educação, cultura, esporte, lazer e turismo 86 11,1%Imóvel 58 7,5%Tributação 47 6,1%Saúde e saneamento 46 5,9%Direitos e garantias fundamentais 39 5,0%Segurança 30 3,9%Defesa do consumidor 24 3,1%Fiscalização financeira e orçamento 23 3,0%Utilidade pública 23 3,0%Denominação 19 2,5%Meio Ambiente e energia 19 2,5%Ação Social 18 2,3%

 Justiça (Poder Judiciário) 18 2,3%Propaganda 14 1,8%Desenvolvimento regional 13 1,7%Homenagem 13 1,7%Agropecuária e política fundiária 12 1,6%Fundo estadual 9 1,2%Poder Legislativo 9 1,2%Recursos hídricos 8 1,0%Limite geográfico 6 0,8%Habitação 1 0,1%Outros 43 5,6%Total 774 100%Fonte: Quadro elaborado a partir de informações fornecidas pelo setor de pesquisa da Assembleia Legislativade Minas Gerais. Observação: as categorias dos assuntos dos projetos de lei foram estabelecidas considerandoa indexação temática adotada pela Assembléia.

Quadro 1 – Projetos de lei com tramitação encerrada – Assembleia Legislativa de Minas Gerais– parecer de inconstitucionalidade da Comissão de Constituição e Justiça – 1989/2006

Quadro 2 – Projetos de lei tramitando – Assembleia Legislativa de Minas Gerais – parecer de inconstitucionalidade da Comissão de Constituição e Justiça – 1989/2006

TemaTotal de pareceres deinconstitucionalidade

emitidos pela CCJ

Participação no totalde pareceres de

inconstitucionalidadeTrânsito e transporte 46 13,6%Administração Pública, servidores públicos e Previdência 46 13,6%Educação, cultura, esporte, lazer e turismo 32 9,5%Tributação 28 8,2%Imóvel 26 7,9%Saúde e saneamento 26 7,6%Desenvolvimento regional 19 5,7%Utilidade pública 17 5,1%Defesa do consumidor 17 5,0%Direitos e garantias fundamentais 16 4,7%Denominação 13 4,0%Habitação 12 3,5%Meio Ambiente e energia 6 1,9%Ação Social 5 1,6%

 Justiça (Poder Judiciário) 4 1,3%Segurança 3 0,9%Agropecuária e política fundiária 3 0,9%Fiscalização financeira e orçamento 2 0,6%Poder Legislativo 2 0,6%Recursos hídricos 2 0,6%Fundo estadual 1 0,3%Propaganda 1 0,3%Homenagem 0 0,0%Limite geográfico 0 0,0%Outros 9 2,8%Total 336 100%Fonte: Quadro elaborado a partir de informações fornecidas pelo setor de pesquisa da Assembleia Legislativade Minas Gerais. Observação: as categorias dos assuntos dos projetos de lei foram estabelecidas considerandoa indexação temática adotada pela Assembleia.

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figura no rol das competências legislativasconcorrentes de União, Estados e DistritoFederal (art. 24, I, CF).

Conforme assinalamos, a atuação legis-

lativa dos Estados está, em grande medida,limitada às competências concorrentes(artigo 24 da Constituição Federal). To-davia, mesmo no âmbito da competênciaconcorrente, que hoje compreende grandeparte da atuação legislativa dos Estados, háum forte impacto das normas editadas peloCongresso Nacional. Do levantamento feitoa partir da produção legislativa da ALMG,constatamos que algumas das leis estadu-

ais editadas no exercício da competênciaconcorrente; a) ao disporem sobre as ma-térias elencadas no artigo 24, adentraramem matéria de competência privativa daUnião; ou b) conflitavam com leis federaispré-existentes e que dispunham sobrenormas gerais.

O parecer dado pela Comissão de Cons-tituição de Justiça da ALMG ao Projeto deLei no 3.260/2006 é bastante elucidativo

sobre as hipóteses acima mencionadas deconflito de competência entre União e Es-tados. O aludido projeto pretendia obrigaros fabricantes e os distribuidores de bebidasalcoólicas a inserir, nas embalagens doproduto, as expressões “proibida a venda amenores de 18 anos” e “o uso abusivo destasubstância causa diversos males à saúde”.Vê-se que o referido projeto foi elaboradocom base na competência concorrente da

União, Estados e Distrito Federal para legis-lar sobre consumo (artigo 24, V) e proteçãoe defesa da saúde (artigo 24, XII). Todavia,o aludido projeto recebeu parecer de in-constitucionalidade da Comissão de Cons-tituição e Justiça da ALMG, ao argumentode que, no exercício de sua competênciaprivativa para editar normas sobre propa-ganda comercial (artigo 22, XXIX), a Uniãoeditou a lei federal no 9.294/96, que dispõe

sobre restrições ao uso e propaganda debebidas alcoólicas, medicamentos, etc.,disciplinando a rotulagem dos produtosdessa natureza e determinando a inclusão

da expressão “Evite o consumo excessivode álcool” nas embalagens das bebidas.Note-se que, ao editar a referida norma,a União também fez uso da competência

concorrente para legislar sobre consumoe proteção e defesa da saúde, esgotando,pois, a possibilidade de qualquer Legisla-tivo estadual vir a suplementar a matériaversada na citada lei federal.

Podemos também citar o parecer rece-bido pelo Projeto de Lei no 2.645/05, quedispunha sobre mecanismos facilitadoresdo acesso dos cidadãos aos bancos dedados dos órgãos de proteção e defesa do

consumidor do Estado. O referido projetotambém foi elaborado com base na com-petência concorrente da União, Estados eDistrito Federal para legislar sobre con-sumo (artigo 24, V) e responsabilidadepor dano ao consumidor (artigo 24, VIII).Todavia, o aludido projeto recebeu pare-cer de inconstitucionalidade da Comissãode Constituição e Justiça da ALMG, aoargumento de que o Sistema Nacional de

Defesa do Consumidor, criado pelo Códigode Defesa do Consumidor (Lei Federal no 8.078/90), teria delegado ao Departamentode Proteção e Defesa do Consumidor, órgãodo Ministério da Justiça, a competênciapara planejar, elaborar, propor, coordenare executar a política nacional de proteção aoconsumidor. Já existiria em âmbito federal,portanto, o Sistema Nacional de Informa-ções de Defesa do Consumidor, programa

que integra em rede as ações e informaçõesrelativas a essa matéria, formando um todoharmônico para proteção estratégica e qua-lificada dos consumidores do País.

6. A jurisprudência doSupremo Tribunal Federal

No âmbito do Supremo Tribunal Fe-deral, constatamos, a partir da análise da

  jurisprudência do Tribunal, o questio-namento de leis estaduais que, de formainconstitucional, teriam adentrado nacompetência privativa da União ou na

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Revista de Informação Legislativa166

competência concorrente do legisladorfederal para editar normas gerais. Nessesentido, podemos citar a decisão proferidana Ação Direta de Inconstitucionalidade n.

3.645/PR, ajuizada pelo Partido da FrenteLiberal (PFL) em face do Governador e daAssembleia Legislativa do Estado do Pa-raná, questionando a constitucionalidadeda Lei estadual n. 14.861/05, a qual tinhapor escopo regulamentar o direito à infor-mação quanto aos alimentos e ingredientesalimentares que contivessem ou que fossemproduzidos a partir de organismos geneti-camente modificados. Temos também aqui

uma lei redigida pelo Legislativo paranaen-se versando sobre consumo (artigo 24, V) eresponsabilidade por dano ao consumidor(artigo 24, VIII).

Para a Ministra Ellen Gracie, relatorada aludida ADI, a lei estadual em comentotratava de assunto já disciplinado na Leifederal de Biosegurança e Biotecnologia(Lei n. 11.105/05), conflitando, ainda, com oDecreto Regulamentador (Decreto Federal

n. 5.591/05). Ambos já teriam disciplina-do, de acordo com a Ministra, de formagenérica, a produção e comercialização deorganismos geneticamente modificados.Segundo Ellen Gracie, ainda que tratandode consumo e proteção e defesa da saúde,o diploma legal impugnado teria procedidocom regulamentação paralela e explici-tamente contraposta à legislação federalvigente, extrapolando, pois, a competência

concorrente suplementar de que dispõemos Estados. Em suma, não seria possívelque, no uso de sua competência residual,o Legislativo paranaense afastasse, com aaplicação da lei impugnada, a aplicação dasnormas federais de caráter geral, que forameditadas para a solução de um problemaque visivelmente transcende a esfera dosEstados considerados singularmente.

Podemos também citar a Ação Direta

de Inconstitucionalidade n. 3.098/SP, pro-posta pelo Governador do Estado de SãoPaulo, questionando a constitucionalidadeda Lei estadual n. 10.860/01, que estabele-

cia requisitos para a criação, autorizaçãode funcionamento, avaliação e reconheci-mento dos cursos de graduação na área dasaúde de instituições públicas e privadas,

atribuindo ao Conselho Estadual de Saúdea competência de emitir parecer conclusivosobre a necessidade social dos cursos emquestão. Para o requerente, o legisladorpaulista teria usurpado a competênciaprivativa da União para legislar sobre dire-trizes e bases da educação nacional (artigo22, inciso XXIV), bem como o disposto noartigo 209 da Constituição, que determinaser livre o ensino de iniciativa privada se

atendidos dois requisitos: o cumprimentodas normas gerais da educação nacional ea obtenção de autorização e avaliação dequalidade pelo Poder Público.

Antes de votar, o Ministro relator, Car-los Velloso, explicou que, quando duasentidades políticas – como, por exemplo,a União e os Estados − têm competênciapara legislar sobre a mesma matéria, tem-se competência concorrente que pode ser

cumulativa ou não-cumulativa (suplemen-tar). Segundo ele, cabe ao Estado-membro,no uso da competência suplementar,preencher os vazios da lei que dispõesobre normas gerais, a fim de afeiçoá-laàs peculiaridades locais. Além disso, umavez inexistente a lei federal dispondo so-bre normas gerais, compete ao legisladorestadual exercer a competência legislativaplena para atender às suas peculiaridades.

Para Velloso, no caso da ADI em questão,a lei estadual impugnada teria ido alémdo exercício da competência concorrentesuplementar, tendo em vista que a questão

 já se achava disciplinada pela Lei federalde Diretrizes e Bases da Educação (Lei9.394/96).

Outro caso de lei estadual que, de formainconstitucional, teria adentrado na compe-tência privativa da União foi apreciado pelo

Supremo Tribunal Federal no julgamentoda Ação Direta de Inconstitucionalidaden. 1.893/RJ, relatada pelo Ministro CarlosVelloso. Em sua peça exordial, a Confede-

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ração Nacional da Industria (CNI) argüiua inconstitucionalidade da Lei estadual n.2.702/97, editada, segundo informaçãoprestada pela Assembleia do Estado do Rio

de Janeiro, “no exercício da competênciaconcorrente dos Estados para legislar emmatéria de proteção do meio ambientedo trabalho (CF, art. 24, VI)”. A referidalei determinava, em seu art. 3o, a fixaçãode padrões de qualidade ambiental ocu-pacional por parte dos órgãos estaduaisde saúde e meio ambiente, os quais, dis-punha o art. 4o, deveriam ser obedecidospor empresas e instituições responsáveis

por atividades efetiva ou potencialmentecausadoras de poluição ocupacional, sobpena de advertência, multas e interdição(art. 8o). De acordo com a requerente, asnormas veiculadas pela referida lei teriamviolado a “competência exclusiva da Uniãopara legislar sobre direito do trabalho” (art.22, I, CF), “a competência [privativa] daUnião para organizar, manter e executar ainspeção do trabalho”, prevista no art. 22,

XXIV, além de ter excedido os “limites dacolaboração na proteção do meio ambientede trabalho”, previsto no art. 200, VIII, daConstituição19.

Em seu voto, acompanhado pelosdemais Ministros do Tribunal, CarlosVelloso julgou procedente a Ação Dire-ta de Inconstitucionalidade, mantendo,portanto, a decisão que havia deferido opedido de suspensão cautelar da referida

lei. Naquela ocasião, o Tribunal já havia semanifestado no sentido de que “o gênero‘meio ambiente’, em relação ao qual é viá-vel a competência em concurso da União,dos Estados e do Distrito Federal, a teor dodisposto no artigo 24, inciso VI, da Consti-tuição Federal, não abrange o ambiente detrabalho”, sendo, portanto, inadmissívela “fiscalização do local por autoridadeestadual, com imposição de multa”. Em

19 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete,além de outras atribuições, nos termos da lei:

[...] VIII − colaborar na proteção do meio ambiente,nele compreendido o do trabalho.

outros termos, a matéria disciplinada pelalei impugnada – “política de qualidadeambiental ocupacional e de proteção dasaúde do trabalhador” – não era contempla-

da pela competência concorrente previstano inciso VI do art. 24 mas, sim, pelo art.22, I, da Constituição. Afinal, destacou emseu parecer o então Procurador-Geral daRepública, Geraldo Brindeiro: “os temasatinentes à segurança e à saúde do trabalha-dor estão insertos no conteúdo do Direitodo Trabalho, somente podendo ser objetoda legislação estadual em caso de delegaçãode competência da União para os Estados,

por meio de lei complementar”.

7. Considerações finais

Analisando a repartição de competên-cias efetuada pelo legislador constituintede 1988, é possível constatar ser diminutaa importância dos legislativos estaduais,cuja atividade está preponderantementevoltada para o controle da Administração

Pública estadual, pouco atuando em relaçãoà criação de direitos dos cidadãos ou às for-mas de exercício de direitos fundamentais.Esse é um dado preocupante, posto que aautonomia das entidades federadas emana,em grande parte, da repartição de compe-tências e da distribuição constitucional depoderes, a fim de possibilitar o exercícioe desenvolvimento de sua atividade nor-mativa.

No Brasil, a competência privativados Estados – poderes reservados e nãovedados pela Constituição Federal – é pordemais restrita, visto que à União compe-te, no uso de suas atribuições legislativasprivativas, legislar sobre os assuntos maisrelevantes e de interesse comum à vidasocial do país. Além disso, na medida emque reconheceu aos Municípios compe-tências privativas, a Constituição Federal

acrescentou um novo elemento limitadorpara os Estados, pois esses já não têm maisespaço para determinar a organização dospoderes locais.

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Diante desse quadro, a competênciaprivativa dos Estados resume-se a algumasmatérias expressamente discriminadaspela Constituição Federal, entre as quais

exploração de serviços de gás canalizado einstituição de regiões metropolitanas, e ou-tras não explicitadas pelo legislador cons-tituinte, em sua maior parte vinculadas aofuncionamento da Administração Pública(orçamento, cargos públicos, organizaçãoadministrativa). Eis a razão de a atividadelegislativa dos Estados estar, em grandemedida, limitada ao exercício das compe-tências comuns (materiais) e concorrentes

(legislativas). Entretanto, mesmo nessaesfera de competências, há predomínioda União, uma vez que, no que tange aoexercício da competência comum, cabe aolegislador federal, mediante lei comple-mentar, definir as formas de cooperaçãoentre os entes da federação. Relativamenteao exercício da competência concorrente:a) compete à União editar normas gerais,delimitando, portanto, o campo de atuação

dos legislativos estaduais, aos quais restasuplementar a legislação federal; b) com-pete aos Estados editar normas gerais, seinexistente a lei federal nesse sentido, paraatender às suas peculiaridades; no entanto,a superveniência de lei da União dispondosobre normas gerais suspende a eficácia delei estadual, no que lhe for contrária.

Em suma, mesmo no âmbito da com-petência concorrente, que corresponde

ao grosso da atuação legislativa estadual,há um forte impacto das normas editadaspelo Congresso Nacional. Ademais, noscasos em que há conflito entre os entesfederativos em razão do exercício de atri-buições comuns, em razão do critério dapreponderância de interesses, os interessesda União, por serem mais amplos, prepon-deram sobre os dos Estados, de âmbitomais restrito.

Da análise elaborada sobre a produçãolegislativa da Assembleia Legislativa deMinas Gerais, entre 1989 e 2006, constata-mos que, relativamente às leis estaduais

editadas no exercício da competência con-corrente, algumas adentraram em matériade competência privativa da União e outrasconflitavam com leis federais pré-existentes

e que dispunham sobre normas gerais. Noâmbito do Supremo Tribunal Federal, poroutro lado, constatamos, a partir da análisedos julgados do Tribunal, que algumas leisestaduais foram impugnadas porque outeriam adentrado na competência privativada União, ou na competência concorrentedo legislador federal para editar normasgerais.

Tais constatações corroboram a asser-

tiva de que, em razão da preponderânciada União, materializada na concentraçãode poderes proporcionada pela repartiçãode competências feita pela ConstituiçãoFederal, a federação brasileira continuasendo, em grande medida, uma federaçãodo tipo centrífuga. A reversão dessa ten-dência, acreditamos, depende da revisãoda sistemática adotada pelo constituintepara atribuir as competências aos entes

federativos. O redesenho dessa sistemáticadeverá ampliar o leque de competênciaslegislativas e materiais dos Estados mem-bros e do Distrito Federal, permitindo-lheslegislar sobre uma gama maior de temasque digam respeito à criação de direitosdos cidadãos ou às formas de exercíciode direitos fundamentais, a respeito dosquais a União tem legislado no uso de suacompetência privativa e/ou concorrente

(edição de normas gerais).

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