Federalismo Brasileiro - Cláudia Luiz Lourenço

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  • 7/24/2019 Federalismo Brasileiro - Cludia Luiz Loureno

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    Titulo: FEDERALISMO BRASILEIRO

    Cludia Luiz Loureno1

    SUMRIO: 1. INTRODUO; 2. ESTADO E FEDERAO; 3. A FEDERAO NO DIREITOPOSITIVO BRASILEIRO; 4. AS ENTIDADES FEDERATIVAS; 4.1. A UNIO; 4.2. OS ESTADOS-MEMBROS; 4.3. OS MUNICPIOS; 4.4. O DISTRITO FEDERAL; 5. CONCLUSO; 6.BIBLIOGRAFIA.

    1. INTRODUO

    Um Estado no se d a conhecer pela soma ou a justaposio de conhecimentosparcelares que sobre ele possam ser produzidos. Ele uma realidade processual quedificulta a identificao das zonas limites de sua prpria atuao. Em cada sociedade ele seconstitui por uma multiplicidade de combinaes de foras especficas daquele contexto.Mas a concepo de Estado recorre sempre a determinados modelos, a formas explicativasde uma realidade emprica bastante complexa, tendo em vista que ele uma sntese deinmeras determinaes sociais, relaes difusas que s por um processo sucessivo deabstraes pode ser tornado autnomo, retornando-se a partir da ao concreto para suacompreenso. No real concreto tudo se relaciona.2

    Na regulao da sociedade, o Estado aparece como expresso da vontade geral,a instituio que pretende exercer o monoplio da violncia legtima (Weber, 1972)3.Atravs da criao e utilizao de normas, ele imprime a coero a dimenso daracionalidade, tendo como tarefa fazer cumprir um mnimo tico nas relaes entre osindivduos, sendo umlocusde integrao das vontades particulares. O princpio do Estado seencontra justamente no monoplio da proteo jurdica e na distribuio do direito. Odireito sem o Estado torna-se incuo; por outro lado, o Estado sem o direito torna-se umaestrutura arbitrria de poder.

    Na instituio do Estado temos dois pressupostos, fora e razo. Fora, namedida em que implica a criao de um poder que imponha uma vontade de real alcance

    coercitivo; e razo que capaz de elaborar racionalmente a legitimidade do Estado. O podersimblico do Estado, entretanto, s eficaz na medida em que ele se organiza e se aparelhade forma coercitiva, pois s assim assume a onipotncia, oniscincia e a onipresena.

    Nesse contexto o Estado ir se aparelhar de forma a atingir a satisfao dointeresse pblico, o fazendo de forma centralizadora ou descentralizadora, conforme seuinteresse. O federalismo vem se afirmar essencialmente como um modelo dedescentralizao estatal, construdo a partir da teoria bem como pelo resultado emprico deobservaes de experincias reais. Acredita-se que sua eficcia se encontra vinculada a um

    1Advogada. Professora Efetiva da PUC-Gois Especialista em Docncia Universitria pela PUC-Gois. Especialista

    em Direito Penal pela UFG. Mestre em Direito Cincias Penais - pela UFG. Doutoranda em Psicologia pelaPUC-Gois. e-mail: [email protected]

    Cf. POGGI, Gianfranco.A evoluo do Estado moderno.Rio de Janeiro, Zahar, 1981.3

    WEBER, Max.Cincia e Poltica: duas vocaes.So Paulo: Cultrix, 1972.

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    sistema bem estabelecido de diviso de poderes, visto que a mais insignificante dasconfuses em tal mbito afetar a funcionalidade federal.

    2. ESTADO E FEDERAO

    A federao tida como soluo normal para a unio, em uma s potncia maisforte, de estados que dificilmente se sustentariam sozinhos. Tal realidade vista mundoafora. Por outro lado, tambm instrumento artificial que visa facilitar o governo que tenhaterritrio continental ou para satisfao de aspiraes locais, sendo este ltimo o casobrasileiro.

    O Brasil reveste-se de uma federao imperfeita ou fictcia, uma vez que era umestado unitrio sob forma monrquica, descentralizado atravs de provncias que somentecom a proclamao da Repblica, em 1889, transformaram-se em Federao, surgindo assimos estados membros. Desta forma, a criao brasileira foi nada mais que uma maneiraconstitucional dedescentralizaro Poder poltico.

    Apesar da deturpao do sentido do termo federao, esta se mostra comosustentculo de nosso estado e da prpria constituio. Sua origem remonta aos EUA e foimuito bem importada por diversos pases, como forma de organizao de poderes dentrodos estados.

    Ao organizar os poderes do estado brasileiro, aplica sensvel forma de repartiode competncia entre a Unio, Estados membros e Municpios, esculpindo na Constituiode 1988 o pacto federativo.

    Assim, podemos dizer que o cidado sofre influncias de trs esferas de atuao:uma local, uma regional e outra federal. A est o grande enfoque da federao quedemonstra uma forte descentralizao poltica e a plena harmonia entre os entes

    federativos.Caso ocorra a quebra dessa harmonia, com supostas divergncias, o Poder

    Judicirio, representado no Brasil pelo rgo de cpula o Supremo Tribunal Federal, competente para dirimir essas questes, pois recebeu a incumbncia constitucional deguardio da federao.

    O estado visto como uma federao dotado de soberania, ou seja, no deveobedincia jurdica a nenhum outro estado. juridicamente ilimitado. S encontra limite emoutra soberania estatal.

    A federao soberana, e os entes federativos so autnomos, com suascompetncias delimitadas pelo direito. Na lio de Celso Ribeiro Bastos: " O estado federal

    soberano do ponto de vista do direito internacional ao passo que os diversos estadosmembros so autnomos do ponto de vista do direito interno".

    Ponto importante a relao entre federao e democracia. Por se tratar deuma descentralizao poltica, mais perto estaro as decises dos jurisdicionados,aumentando a probalidade de que estas sejam mais democrticas. Da a perfeita conclusode que, quanto mais autoritrio o governo, mais centralizado ele o ser.

    Como j foi dito, a federao exige repartio de poder (ou competncias) entreo estado central e os estados membros. Assim, so previamente determinados, na prpriaConstituio, os poderes de cada um. No entanto, os estudiosos da matria, tendo comoanlise, a federao americana, detectaram que alm dos poderes enunciados,

    indispensvel ao poder central ou Unio os poderes implcitos, os quais so instrumentosde viabilizao dos objetivos dos ditos enunciados.

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    3. A FEDERAO NO DIREITO POSITIVO BRASILEIROA organizao poltico-administrativa da Repblica Federativa do Brasil,

    conforme o art. 18 da Constituio de 1988, compreende a Unio, os Estados-membros, osMunicpios e o Distrito Federal. Esta classificao seria perfeita se o constituinte no tivesse

    includo os municpios como entidade federativa.H divergncia doutrinria a respeito de o municpio ter ou no natureza de

    ente federativo. Jos Afonso da Silva rduo defensor de que o municpio no se enquadrana Federao dizendo: " No existe federao de municpios. Existe Federao de Estados".Neste sentido, os autores justificam que, como os municpios no possuem representaono Senado Federal, um Poder Judicirio Prprio e at territrio (uma vez que integram osEstados), no se caracterizam como entes federativos.

    Por outro lado, o mestre Celso Ribeiro Bastos, arrimado em Hely Lopes Meirelesdemonstra que o municpio, devido a importncia que destaca na federao, tem,certamente, natureza de ente federativo.

    Partilhamos das idias d e Celso Ribeiro Bastos, bastando apenas a verificar oart. 18 da Constituio Brasileira para perceber que o Municpio entidade federativa.Assim, o Municpio que tem autonomia constitucional, no deve de ser excludo daFederao. Portanto, vlido o que prescreve a lei.

    Feitas estas consideraes, veremos que entre os entes federativos deve existiruma repartio de competncias, com a finalidade de garantir a harmonia e o pactofederativo.

    O Brasil adota o princpio da predominncia do interesse, segundo a qual Uniocabe aquelas matrias de interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados-membroscabero as matrias e assuntos de predominante interesse regional, e aos municpios

    concernem os assuntos de interesse local.Em relao ao Distrito Federal, por disposio constitucional (art.321),

    acumulam-se, em regra, as competncias estaduais e municipais, com exceo prevista noart. 22, XVII, da Constituio.

    Assim, o legislador constituinte estabeleceu os seguintes pontos bsicos derepartio de competncias:

    1) Reserva de campos especficos de competncia administrativa e legislativa: aUnio e os Municpios com poderes enumerados e os Estados-membros com poderesremanescentes e o Distrito Federal com poderes estaduais a municipais;

    2) a possibilidade de delegao (art. 22, pargrafo nico da Constituio);

    3) reas comuns de atuao administrativa paralela;4) reas de atuao legislativa concorrente.

    4. AS ENTIDADES FEDERATIVAS4.1. A UNIO

    A Unio pode ser vista por dois ngulos: diante do Estado estrangeiro, onde semanifesta como estado unitrio, exercendo soberania e representao de uma Nao; ouinternamente, como componente da Federao, dotada de autonomia constitucional, aolado dos Estados-membros, Municpios e Distrito Federal.

    Seja como for analisada, a Unio ter natureza Jurdica de Direito Pblico com

    capacidade poltica.As competncias deste ente federativo esto definidas na prpria Constituio, eclassificam-se em legislativas e administrativas.

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    A competncia administrativa compreende atos tanto de poder legislativo comodo executivo, que a Unio dever exercer diretamente (art.21 da CF-88) ou de formaconcorrente com os demais entes federativos (art.23 da CF-88).

    O mesmo acontece com relao competncia legislativa. Unio reservada

    matria privativa para legislar (art.22 CF-88), ao lado de competncia legislativa concorrentecom os Estados-membros e Distrito Federal (art.24 CF-88). Observe-se a excluso dosMunicpios do campo da competncia legislativa concorrente.

    No tocante a matria privativa da Unio, a Constituio prev a possibilidade dedelegao em favor dos Estados-membros. Entretanto como diz Celso Ribeiro Bastos: Trata-se de ".... uma concesso hipcrita, falsa, tentar manter a aparncia de uma competnciaestadual que no existe".

    Desta forma, irreal a delegao, uma vez que, para efetivao deste instituto, necessrio a edio de Lei Complementar e tal delegao limitar-se- a questes especficas,tornando um obstculo quase intransponvel para sua efetivao.

    Outros dispositivos constitucionais estimulam competncia e autonomia aosentes federativos. No entanto, tudo ledo engano. A Unio, atravs de estratagemas legaissimula tal liberdade. O que ocorre de fato a crescente centralizao de atribuies naUnio, em detrimento dos outros entes.A Federao vista s avessas.

    salutar acrescentar que, com a Emenda Constitucional n. 19, novascompetncias foram deferidas Unio no que concerne administrao de seguranapblica e quanto a matria de licitao e contratos. Apesar de serem modificaessuperficiais, sem qualquer efeito constitucional relevante, demonstra o descaso com osdemais componentes da federao, pois em nada foram modificadas suas atribuies com areferida emenda.

    4.2. OS ESTADOS-MEMBROSMuito bem sintetiza o mestre Celso Ribeiro Bastos:" Os Estados-membros so organizaes jurdicas das coletividades regionais

    para o exerccio, em carter autnomo, da parcela de soberania que lhes deferida pela

    Constituio Federal".

    Quanto competncia desta entidade, mister anlise do art. 25 e seupargrafo primeiro. Tal dispositivo estabelece a competncia legislativa remanescente oureservada, ou seja, os Estados-membros podero legislar sobre todas as matrias que noestiverem vedadas implicitamente ou explicitamente pela Constituio.

    Outros dispositivos constitucionais estabelecem competncias concorrentes esuplementares aos Estados-membros.Em sntese, quase nada sobra aos Estados-membros no tocante competncia

    legislativa, entretanto, quanto matria administrativa, estes ainda possuem certaliberdade.

    Apesar deste panorama desanimador com relao s entidades federativas, osEstados-membros possuem certa autonomia, caracterizada pela trplice capacidade de auto-organizao e normatizao prpria, autogoverno e auto-administrao.

    Corroborando a potencialidade do Estados-membros a Constituio Federal lheconferiu a possibilidade de interveno nos municpios. Assim como na interveno federal

    da Unio nos Estados, tal possibilidade excepcionalssima, pois fere o pacto federativo,retirando momentaneamente a autonomia constitucional dos municpios.

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    Assim, o Estado-membro no intervir nos Municpios, exceto em situaesespeciais ditadas pela Carta Magna ( art. 35 CF-88).

    A interveno se operacionaliza atravs de Decreto do Governador do Estadoque indicar o prazo, as condies de execuo e, se necessrio, a nomeao de um

    interventor.Este Decreto ser submetido apreciao da Assemblia Legislativa Estadual em

    24 horas; se esta no estiver em funcionamento, ser reunida extraordinariamente.Se o Decreto apenas suspender o ato impugnado no haver necessidade de

    apreciao por parte da Assemblia Legislativa.Acabando a interveno, se no houver impedimento legal, as autoridades

    devero retornar a seus antigos cargos.

    4.3. OS MUNICPIOSSanadas as controvrsias quanto natureza jurdica do municpio, encontramos

    este como Pessoa Jurdica de Direito Pblico Interno, com determinada autonomiaconfigurada atravs de autogoverno e auto-administrao. A primeira cristalizada porPoderes prprios, como o Executivo (Prefeito) e Legislativo (Vereadores); e a segunda peloexerccio de competncias, como por exemplo, administrativas e tributrias.

    Quanto competncia, podemos destacar o chamado "interesse local" comoforma de delimitao da mesma, apesar de muito pouco precisa sua definio pelaConstituio. Alm desta competncia legislativa exclusiva, o municpio pode legislar deforma suplementar (art.30, II CF-88), e possui competncia administrativa prpria(art.30 CF-88), alm da competncia administrativa comum (art. 23 CF-88).

    A Emenda Constitucional n. 15/96 estabeleceu novas regras a serem

    respeitadas pelo Estados-membros no tocante criao de novos municpios.Neste sentido, fato importante a necessidade de consulta prvia s populaes

    dos municpios diretamente interessados, mediante plebiscito. Se a aprovao for pormaioria absoluta, a proposta encaminhada para a Assemblia Legislativa Estadual, paraefetivar a criao, por meio de lei ordinria.

    A criao do municpio feita pelo desmembramento de parte de outromunicpio ou pela fuso de dois ou mais j existentes.

    Como qualquer entidade federativa, o Municpio sofre fiscalizao financeira eoramentria. Sua viabilizao se d por controle externo pela Cmara dos Vereadores, comauxlio dos Tribunais de Contas, ou at mesmo pelos prprios cidados; e por controle

    interno da administrao, que, com base na Lei n. 4320/64, analisa a legalidade, afidelidade e a execuo de seus atos administrativos.

    4.4. O DISTRITO FEDERALA Constituio Federal de 1988 garante ao Distrito Federal a natureza de ente

    federativo autnomo, pois dotado da trplice capacidade de auto-organizao,autogoverno, e auto-administrao.

    O Distrito Federal se auto organizar por Lei Orgnica e possui eleies paraGovernador e Deputados.

    Quanto competncia, est localizado em uma faixa intermediria, pois com

    relao competncia legislativa possui aquelas atribudas aos Estados-membros e tambmaos Municpios. No entanto, no que concerne as competncias administrativas, exerce-aslivremente, sem qualquer interferncia da Unio.

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    5. CONCLUSOA evoluo do federalismo fez com ele vestisse nova roupagem, poderamos

    afirmar at que ele passa por um estgio de transio. A velha concepo dualista e

    centrfuga fora substituda por uma concepo cooperativista intensificando cada vez maisas relaes inter-governamentais. Mesmo com essa evoluo busca-se um novo federalismoque venha atender as necessidades e realidade de um mundo globalizado.

    Faz-se necessria uma reavaliao das competncias de cada ente federativo,uma redistribuio a fim de que seja aprimorada a relao interna e consequentemente aexterna. A eficcia do sistema federativo ser maior quando melhor estiver estabelecidauma diviso de poderes, no intuito de promover a necessria funcionalidade estatal.

    6. BIBLIOGRAFIA

    BARACHO, Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Belo Horizonte: Editora:FUMARC, 1982.

    BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17 edio. So Paulo: Saraiva,1996.

    ._____________. Por uma nova Federao.So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

    CAETANO, Marcello.Manual de Cincia Poltica e Direito Constitucional.Tomo I. Coimbra:

    Livraria Almedina, 1996.

    CANOTILHO, Joaquim Jos Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Editora LivrariaAlmedina, 1993.

    DINIZ, Maria Helena.Norma constitucional e seus efeitos.So Paulo: Saraiva, 1989.

    LOPES,Maurcio Antnio Ribeiro.Comentrios Reforma Administrativa.So Paulo, Revistados Tribunais, 1998.

    MEIRELES, Hely Lopes. Direito municipal Brasileiro. 6 edio. So Paulo: MalheirosEditores, 1993.

    MORAES,Alexandre de.Direito Constitucional.5 edio, So Paulo: Atlas, 1999.

    POGGI, Gianfranco.A evoluo do Estado moderno.Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

    SILVA, Jos Afonso.Curso de Direito Constitucional Positivo.So Paulo: Malheiros, 13 ed.,1997.

    WEBER, Max.Cincia e Poltica: duas vocaes.So Paulo: Cultrix, 1972.