FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro...

16
Nº 11 | 50 CÊNTIMOS | JUNHO 2006 MENSAL | JORNAL DO BLOCO DE ESQUERDA ES Q UERDA FECHO DE MATERNIDADES O governo vai avançando na sua estratégia para reduzir a oferta do Serviço Nacional de Saúde. Ganham os negócios, perdem os doentes NAS PÁG. 2 E 3 Trazer o emprego e a precariedade para o topo da agenda política é o objectivo da maior iniciativa de sempre do Bloco, que estará na estrada de 2 a 17 de Setembro NA PÁG. 6 MARC HA PELO EMPREGO! UNIVERSIDADE EUROPEIA O Partido da Esquerda Europeia debate as alternativas para uma política que rompa com o neo-liberalismo. O Bloco é o anfitrião deste encontro, que se realiza em Tavira de 13 a 16 de Julho NA PÁG. I PAULETE MATOS

Transcript of FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro...

Page 1: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

Nº 11 | 50 CÊNTIMOS | JUNHO 2006 MENSAL | JORNAL DO BLOCO DE ESQUERDA

ESQUERDAFECHO DE MATERNIDADESO governo vai avançando na sua estratégia para reduzir a oferta do Serviço Nacional de Saúde. Ganham os negócios, perdem os doentes NAS PÁG. 2 E 3

Trazer o emprego e a precariedade para o topo da agenda política é o objectivo da maior iniciativa de sempre do Bloco, que estará na estrada de 2 a 17 de Setembro NA PÁG. 6

Trazer o emprego e a precariedade para o topo da agenda Trazer o emprego e a precariedade para o topo da agenda TMARCHA PELO EMPREGO!

UNIVERSIDADE EUROPEIAO Partido da Esquerda Europeia debate as alternativas para uma política que rompa com o neo-liberalismo. O Bloco é o anfi trião deste encontro, que se realiza em Tavira de 13 a 16 de Julho NA PÁG. I

PAU

LETE

MAT

OS

Page 2: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

2 | ESQUERDA JUNHO’06 | ENCERRAMENTO DE MATERNIDADES > > > > > > > > > > > > > > > > >

MATERNIDADES PÚBLICAS VIRTUDES, NEGÓCIOS PRIVADOS

Muito tem sido dito e escrito sobre a decisão do gover-no de encerrar, de uma só assentada,

mais de uma dúzia de materni-dades até ao fim do ano. Poucos problemas suscitaram uma tão intensa polémica. Poucas situa-ções mereceram uma tão gran-de mobilização das populações atingidas. Milhares e milhares de pessoas desceram às ruas, e de Barcelos vieram mais de dez mil mulheres manifestar-se a Lisboa.

O governo não esperava tanto protesto. Julgou que o povo “co-mia e calava”, tanto mais que as maternidades a “abater” se situam ou no longínquo e pacato interior

(Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o governo achou que seria mais fácil conter e silenciar as populações.

Está visto que se enganou. As portuguesas e os portugueses querem e exigem participar nas decisões que afectam directamente a qualidade das suas vidas, recla-mam um papel activo na condução da política de saúde e nas opções sobre o funcionamento do SNS.

GOVERNO ESCONDEU O VERDADEIRO OBJECTIVO

Será que o governo do PS apren-deu a lição? Seria desejável que

assim fosse, e que o autismo do ministro da Saúde e da sua equipa desse lugar a uma postura mais dialogante.

A participação dos utentes nos processos de mudança dos servi-ços de saúde é indispensável para que elas resultem e se traduzam em avanços efectivos na quali-dade dos cuidados dos serviços prestados.

Mas isso obrigava o governo a uma maior transparência. E ao que assistimos foi exactamente ao con-trário. O governo de José Sócrates escondeu desde o primeiro mo-mento o seu objectivo, aquilo que o movia e determinava a encerrar aquelas maternidades, e mais tarde os SAPs e mesmo alguns hospitais: apenas cortar na despesa, depressa e quanto mais melhor, numa cor-rida para diminuir a factura com a saúde dos portugueses que, como se sabe, é paga pelos impostos de todos nós.

Se as maternidades fecharem, deixará de ser necessário pagar aos profissionais que lá trabalham e as-seguram o seu funcionamento. Esse é, sem dúvida, o leit motiv desta política e do seu responsável, o mi-nistro Correia de Campos. O que este poupa em milhões, sobra em mais problemas e dificuldades para as futuras mães dessas localidades.

O ARGUMENTO DA SEGURANÇA

Mas será mesmo assim? Então não há maternidades que não cumprem os requisitos técnicos exigidos pelas competentes ins-tâncias internacionais e nacionais, pondo em risco a vida das par-turientes e dos recém-nascidos, sendo assim mais que legítimo o seu fecho?

De facto, todo o discurso do governo repete à exaustão duas palavras chave: segurança e qua-lidade, como se fossem essas as razões porque decidiu encerrar as maternidades.

Então por que não manda fechar também as maternidades privadas, quando apenas duas delas efectu-am mais de 1 500 partos por ano, o número mágico que o governo invoca para justificar a sua decisão no caso das públicas? E por que deixa em funcionamento mui-tas outras maternidades públicas que também não realizam aquele número de partos, algumas delas localizadas nas maiores cidades do país e onde até há mais de que uma maternidade aberta? E, por último, se quer mais segurança e qualidade, por que não vai buscar os profissionais que diz que faltam nas maternidades a encerrar, aos serviços em que eles se concen-tram em excesso?

Se o governo quisesse defender a segurança e a qualidade dos ser-viços vocacionados para a saúde materno-infantil, se o que o move fosse efectivamente a elevação dos níveis de excelência dos cuidados prestados à mãe e ao recém–nasci-do, então não teria começado por liquidar serviços de forma avulsa e pontual. Teria começado por ela-borar e definir um mapa das ma-ternidades de que o país precisa.

Se o governo quisesse, de facto, defender a segurança e a qualidade dos serviços de saúde materno-infantil, não teria liquidado serviços de forma avulsa e pontual. Teria começado por elaborar e definir um mapa das maternidades de que o país precisa TEXTO DE JOÃO SEMEDO FOTO DE PAULETE MATOS

Page 3: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

> > > > > > > > > > > > > > > > > ENCERRAMENTO DE MATERNIDADES | ESQUERDA JUNHO’06 | 3

O ministro da Saúde enche a boca com a palavra coragem. Au-toproclama-se muito corajoso por ousar e impor o encerramento das maternidades.

Corajoso – e, já agora, bem mais inteligente e útil –, seria definir de forma organizada e sis-temática a rede nacional de ser-viços de obstetrícia e pediatria, ajustada e adequada às necessi-dades do país, ponderando fac-tores demográficos, geográficos e de mobilidade, atendendo a cir-cunstâncias de natureza local e, em função desse mapa, distribuir os recursos técnicos e humanos de que hoje dispomos e que, de uma forma geral, se concentram em excesso e irracionalmente nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. E prever e assegurar a formação dos técnicos em falta – médicos e enfermeiros destas especialidades –, para que aquela rede viesse no futuro a funcionar em pleno e com equilíbrio.

FECHAR É SEMPRE O MAIS FÁCIL

O SNS precisa de planeamento e programação. A sua falta tem sido a doença do SNS. Está à vista o resul-tado do improviso, da precipitação, do imediatismo e do experimenta-lismo de sucessivos governos em

matéria de política de saúde.Perante um problema, face às

dificuldades, fechar é sempre a solução mais fácil. Difícil é en-contrar as soluções, reunir os meios necessários para superar os problemas. Com este governo, já todos percebemos que, ao pri-meiro obstáculo, a resposta é in-variavelmente a mesma: fecha-se e não se fala mais no assunto!

A concretizarem-se os desejos de Correia de Campos, as conse-quências do encerramento destas maternidades vão muito para além do prejuízo directo e ime-diato das populações, sobretudo das grávidas que a elas recorrem.

Esse será, naturalmente, o pri-meiro e mais visível resultado da decisão governamental. As partu-rientes passam a ter de deslocar-se para mais longe, logo que chegue a hora do parto, acrescentando novos factores de intranquilidade e insegurança a um momento de-licado e sempre intenso, em que o que mais se deseja e procura é calma e confiança. Naquela hora, a proximidade é um factor impor-tante para que tudo corra bem, mas que o governo desvaloriza e negligencia, irresponsabilidade tão mais grave quanto são conhecidas as dificuldades de assegurar ambu-lâncias com condições em muitas

zonas do país cujas maternidades vão agora ser encerradas.

O fecho das maternidades terá, no entanto, outro tipo de con-sequências cujo impacte se fará sentir muito para além das popu-lações agora directamente preju-dicadas. Integrada numa política de redução da oferta pública de serviços de saúde, a decisão de encerrar estas maternidades abre mais campo e novas oportunida-des de “negócio” aos grupos pri-vados interessados em grandes investimentos na área da saúde.

Na saúde, a relação entre ser-viços públicos e privados asse-melha-se e obedece à lógica dos sistemas de vasos comunicantes: de um lado, reduz-se a oferta do SNS e, do outro, aumenta a oferta privada. Não faltam notícias nos jornais a anunciar novos inves-timentos dos Mellos, do Espíri-to Santo, do BPN/GPS e outros, em grandes clínicas e hospitais, obviamente, com maternidades incluídas.

A este respeito, não deixa de ser muito significativo que, no meio de toda esta controvérsia em torno das maternidades, o porta-voz dos prestadores privados de cuidados de saúde tenha vindo oferecer ao governo os préstimos dos seus associados para gerir e explorar as maternidades que Correia de Campos decidiu “aba-ter” ao activo do SNS.

DEFESA DO SNSA “guerra das maternidades”

– recorrendo à expressão recen-temente utilizada por um co-nhecido jornalista –, apesar de salpicada aqui e ali por palavras e movimentações de indisfarçá-vel matriz populista, é na essên-cia dos seus objectivos mais um episódio, mais um momento, da arrastada e difícil luta em defesa do estado social e dos serviços públicos que lhe dão corpo e existência, neste caso, o Serviço Nacional de Saúde.

De facto, nesta questão do fe-cho das maternidades, o que a política do governo põe em causa é o SNS, o seu desenvolvimento e modernização. “Emagrecer” o SNS, como pretende o PS, é mais um passo em direcção à sua su-balternização face ao rápido cres-cimento e multiplicação dos ser-viços privados. Pondo em risco o próprio direito à saúde, tal como a Constituição o reconhece.

Não admira, pois, que o PSD aplauda esta política, apesar de algum “esbracejar” de autarcas e figuras locais, para satisfazer certas clientelas eleitorais. Ali-ás, o dossier maternidades está pronto desde o tempo de Luís Filipe Pereira, ministro da Saúde dos governos PSD/PP de Durão Barroso e Pedro Santana Lopes. Apenas lhe faltou tempo para o concretizar.

Dossier que, neste seu regresso ao ministério, Correia de Campos encontrou em cima da sua secre-tária, lá deixado pelo seu ante-cessor, como um presente enve-nenado. Que, desgraçadamente, o ministro não devolveu.

NUNO RAMOS DE ALMEIDAEDITORIAL

A RAÇA DO FUTEBOLEstamos em tempos em que as bandeiras se confundem com o futebol e são distribuídas como propaganda do Banco Espírito Santo. Há poucos dias, o presidente do Partido Nacional Renovador veio protestar, dizendo que a selecção nacional não era representativa dos portugueses, devido à presença de negros e do brasileiro Deco. Longe vão os dias em que os políticos queriam selecções etnicamente “puras”, só com elementos da “raça superior”, como quando o presidente brasileiro Epitácio Pessoa decretou, por razões “de prestígio pátrio”, que os negros não podiam jogar na selecção do Brasil, na Copa da América de 1921. A pátria foi salva, já o Brasil foi goleado e derrotado.

Apesar da distância temporal, em Portugal, os filhos dos imigrantes continuam sem direitos, entre os quais o simbólico direito a jogar futebol no clube da sua terra: cada equipa só pode ter um número limitado de “estrangeiros”. Estranhos estrangeiros que nascem, vivem, estudam, trabalham e amam em Portugal, muitos dos quais sem conhecer um qualquer outro país e a quem lhes é negada a cidadania.

Recentemente, uma mulher que vive e trabalha, há mais de nove anos, em Portugal, casada com um português e mãe de dois filhos portugueses viu, segundo o Público, recusada a nacionalidade por um tribunal que alegava que ela não se enquadrava na comunidade em que vivia, visto não saber de cor a letra do hino nacional.

Temos uma “justiça” que não percebe que o critério para ter direitos devia ser privilegiar aqueles que contribuem com o seu trabalho e com o seu esforço para a vida de todos os que vivem em Portugal. Temos um país, em que se acha normal que indivíduos, como o fascista Mário Machado, acusados de crimes de extorsão com violência e condenados no assassínio de Alcino Monteiro, possam ter acesso a armas mortais e declarar que as vão usar contra os negros e os estrangeiros.

Portugal só será um país mais justo, quando todos os que cá vivem tiverem condições de existência condigna e todos os direitos de cidadania, para poderem melhorar a terra onde vivem. E isto não se resolve com leis que tratem os imigrantes como mercadorias, nem com falsos moralismos.

Quem vive e trabalha em Portugal tem o direito de ter todos os direitos: do futebol ao voto. Enquanto isto não acontecer, teremos juízes que aprenderam certamente a justiça de cor, mas recitam-na mal.

AO CONTRÁRIO DO ANUNCIADO PELO GOVERNOFECHO DOS BLOCOS DE PARTOS É O FIM DE TODOS OS SERVIÇOS DAS MATERNIDADESNOS ÚLTIMOS meses tive a oportunidade de visitar, em alguns casos revisitar, algu-mas das maternidades que o ministro Correia de Campos pretende fechar. Falei com va-riadíssimos profissionais, tanto médicos como enfermeiros, com muitos anos de trabalho naqueles estabelecimentos de saúde. Partilham da frustração e, tam-bém, das palavras de revolta e protesto que todos os dias es-cutam da boca das suas par-turientes.Recordo o que obstetras e en-fermeiras-parteiras me disse-ram sobre o seu futuro, tanto em Elvas como em Barcelos:“Que sentido faz continuar aqui se vamos deixar de fazer os partos das mulheres que se-guimos durante a sua gravidez? Que sentido tem uma materni-dade sem partos? Que trabalho vai ser o nosso?” Perguntas simples, mas car-regadas de lógica. Como pode um profissional aceitar ampu-tar o seu trabalho, como pode exercer e aperfeiçoar o seu de-sempenho se lhe retiram algu-mas das tarefas que são parte integrante da sua profissão, como acontece com os partos? Como pode realizar-se profis-sionalmente um médico obste-

tra ou uma enfermeira-parteira se não tem partos para fazer?Para muitos, a resposta está, desde já, encontrada. Vão transferir-se para outros hospi-tais, nos quais possam exercer plena e gratificantemente a sua actividade, deixando as suas actuais maternidades sem obs-tetras nem parteiras.Esta é, naturalmente, uma ou-tra consequência da decisão do governo. Fechar blocos de parto – usando a terminologia de Correia de Campos -, con-duz inevitavelmente, primeiro, ao esvaziamento dos cuidados prestados numa maternidade e, depois, ao encerramento de todos os seus serviços, em vir-tude da debandada dos seus profissionais.A promessa de Correia de Campos de manter em funcio-namento as consultas de gine-cologia e obstetrícia – isto é, o seguimento das grávidas –, nas maternidades cujos blocos de parto mandou fechar até final do ano, não passa disso mes-mo, de uma promessa. Nes-sa altura, já lá não estarão os profissionais habilitados para o fazer.Hoje, são os blocos de parto. Amanhã, serão as próprias ma-ternidades a encerrar as suas portas.

Page 4: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

4 | ESQUERDA JUNHO’06 | INTERVENÇÃO E JORNADAS AUTÁRQUICAS > > > > > > > > > > > > > > >

INTERESSES IMOBILIÁRIOS DESTROEM MATA DE SESIMBRAEstá em debate público o Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra que pretende beneficiar interesses imobiliários e destruir a mata de Sesimbra, o Bloco opõe-se a esta escandalosa violação do PDM TEXTO DE CARLOS SANTOS. FOTO DE ANTÓNIO PROENÇA

Será que algum as-pecto desta febre aquisitiva e destes combates de titãs diz alguma coisa ao

comum dos cidadãos, na sua qualidade de não-accionista das instituições envolvidas? A resposta é sim. Será que as res-postas às questões socialmente mais relevantes têm sido dadas ou sequer afloradas, por líderes, comentadores ou envolvidos? A resposta é não.

Para o Bloco de Esquerda, é necessário dar aos municípios e freguesias um papel cada vez mais relevante no ordenamento do território, ambiente e apoio social. Esta democratização da

vida local é o grande desafio que os autarcas eleitos pelo Bloco se propõem fazer. A política de so-los e a lei que lhe está associa-da - que é umas das principais causas do caos urbanístico, e o abandono de matos e florestas -, foram caracterizadas como tipicamente “terceiromundista” porque estimulam a especula-ção e enriquecem quem pratica verdadeiros crimes ambientais e urbanísticos.

É preciso inverter uma po-lítica de financiamento autár-quico que está a favorecer a “betonização” e o crescimento urbano desmesurado. O Bloco encara com muita preocupação as mudanças que estão a ser

alinhadas pelo Governo que não resolvem nenhuma destas situações.

Na sessão de encerramen-to, a presidente da Câmara de Salvaterra de Magos, Ana Cristina Ribeiro, criticou as di-ficuldades que o poder central está a colocar aos municípios com “as transferências de com-petências sem contrapartidas financeiras” e “com as limita-ções ao endividamento e ao aumento das despesas com pessoal”.

José Sá Fernandes, vereador na Câmara de Lisboa, criticou Carmo-na Rodrigues (PSD), que “prome-teu 309 medidas, teve a desfaçatez de dizer que não cumpriu metade

e veio dizer que o trabalho que fazemos não é válido”. Acentuou ainda que era fácil ser oposição sem apresentar propostas, mas não foi esse o caminho que o Bloco seguiu em Lisboa, concluindo que “somos muito incomodativos” e não pactuaremos com a corrupção e os corruptos.

Francisco Louçã, na conclu-são das Jornadas, afirmou que se torna cada vez mais claro que a regionalização é necessária e tem papel na coesão social e territo-rial. Referiu, igualmente, que o Bloco é a “grande força da oposi-ção e da renovação do poder au-tárquico e da luta social em cada município, que é exigida a uma esquerda de confiança”.

Cerca de duas centenas e meia de autarcas e activistas locais articiparam nas Jornadas Autárquicas do Bloco, no fim-de-semana de 6 e 7 de Maio, em Lisboa. Com a colaboração de vários especialistas, técnicos e eleitos locais foram realizados quatro painéis temáticos, para debate do ordenamento do território, dos recursos naturais, das finanças locais e dos serviços sociais nas autarquias. À margem destes painéis, foi apresentado o “Manual do Autarca”, para apoio à intervenção local. TEXTO DE CARLOS SANTOS. FOTO DE PAULETE MATOS

“A nossa opção de fundo é o debate com a população”, afirmou-nos, logo de início da entrevista, Joaquim Raminhos, salientando a demarcação que fez na discussão do or-çamento, em que expressou a opinião do Bloco de Esquerda que a Câmara da Moi-ta deve, ao contrário do que faz a maioria CDU, evoluir para práticas de democracia participada como o processo do “orça-mento participativo”, em que a população é parte activa na decisão dos investimentos para a sua terra.O concelho da Moita, situado na Península de Setúbal, tem 56 mil eleitores e a compo-sição da Câmara é: de cinco vereadores da CDU (maioria absoluta), dois do PS, um do PSD e um do BE.O vereador do Bloco está a preparar tam-bém um projecto museológico para o con-celho da Moita que vai apresentar breve-mente e que pretende que seja debatido com a população. Preservar o passado e a identidade é uma questão que valoriza, de acordo com a sua prática de dirigente associativo cultural.

Dos primeiros seis meses após a eleição da Câmara salientou: “conseguimos evitar um abate de sobreiros que já tinha sido aprovado no plano de pormenor”. Está igualmente atento a outros projectos de urbanização, sobre os quais tem sérias dúvidas. “Os primeiros seis meses foram de grande aprendizagem”, afirma Joaquim Raminhos, acrescentando que verificou que as condi-ções para o desempenho do cargo não são nada fáceis. Sendo director do Centro de Formação de Professores da Moita, para o trabalho de vereador conta apenas com a flexibilidade da sua actividade profissional e rouba tempo ao descanso. O seu gabine-te é um cubículo de 2 por 3 metros, onde cabem apenas uma pequena secretária, duas cadeiras e um computador. Apesar dessas dificuldades, Joaquim Ra-minhos vai também criar um atendimento público aos munícipes, no sentido do que considera uma marca essencial da diferen-ça do Bloco: a defesa da participação da população.

OUVIR E DEBATER COM A POPULAÇÃO

RENOVAR O PODER AUTÁRQUICO E A LUTA SOCIAL

Entrevista com Joaquim Raminhos, vereador do Bloco de Esquerda na Câmara da Moita

Page 5: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

> > > > > > > > > > > > > > > INTERVENÇÃO E JORNADAS AUTÁRQUICAS | ESQUERDA JUNHO’06 | 5

O plano prevê a cons-trução de uma verda-deira cidade na Mata de Sesimbra, será erigido um empreen-

dimento turístico com um volu-me de construção de um milhão de metros quadrados, mais de 8.000 unidades de alojamento e mais de 30.000 camas. A po-pulação de Sesimbra de 37.000 residentes e 67.000 pessoas de população residente e fl utuan-te, em 2001, pode duplicar até 2011 e crescer até 175.000 pes-soas em 2021. No plano estão incluídos quatro estabelecimen-tos hoteleiros e 11 aldeamen-tos turísticos, 40 hectares para equipamentos públicos, nomea-damente, três campos de golfe, escolas de desporto, cultura, co-mércio, igreja e clínica.

Com o plano de pormenor, é violado o PDM de Sesimbra e au-mentado o índice de construção na mata.

O DEDO DE ISALTINOSesimbra é um aprazível conce-

lho da Península de Setúbal, con-tíguo à Serra da Arrábida e com uma grande frente de mar, bem conhecido pelas suas praias: Se-simbra, Meco, Lagoa de Albufeira, entre outras.

Dadas as suas características atractivas, os crimes urbanísticos e ambientais têm-se sucedido. A Quinta do Conde, freguesia na área do concelho mais afastada do

mar e da serra, fi cou tristemente famosa como um dos maiores cri-mes urbanísticos dos anos 70, da autoria do construtor civil Xavier de Lima.

A mata de Sesimbra é uma área extraordinariamente bela e um pulmão da área metropoli-tana de Lisboa. Antes do 25 de Abril, uma sociedade alemã, a Sociedade Aldeia do Meco, re-quereu a passagem de um alvará de loteamento sobre 67 hectares, numa frente da costa sobre a fa-lésia, prevendo 315 mil metros quadrados de construção. Este projecto desastroso foi travado após o 25 de Abril, tendo a área que englobava sido protegida no PROTAML (Plano Regional de Ordenamento do território da área Metropolitana de Lisboa e Vale do Tejo) e declarada “não urbanizável” no PDM de Sesim-bra. Apesar da empresa ter recor-rido para os tribunais o processo estava enterrado, mas, em 2003, Isaltino Morais, então ministro do Ambiente, assinou um acor-do com a Câmara de Sesimbra, na altura do PS, e com a empresa Pelicano, que fi cou com os direi-tos da antiga Sociedade da Aldeia do Meco. Este acordo decide que os direitos de construção do fale-cido projecto da Aldeia do Meco sejam transpostos para a Mata de Sesimbra, somando o índice de construção da Aldeia do Meco aos índices de construção da pró-pria Mata de Sesimbra.

Foi partindo deste acordo que nasceu o actual Plano de Porme-nor para a Zona Sul da Mata de Sesimbra.

A MÃO DO ESPÍRITO SANTO EOS PARECERES CENSURADOS

O actual projecto é da empresa Pelicano e da ESPART (Espírito Santo Participações Financeiras) e tem a chancela da WWF, sen-do reconhecido como projecto no âmbito do programa mundial de sustentabilidade One Planet Living.

Com a imagem de empreen-dimento turístico de qualidade ambiental, o actual projecto vai muito além de um projecto turís-tico, não destrinçando entre o que será turismo e segunda habitação e englobando escolas, centro de saúde, creches, quartel de bom-beiros, GNR e centro clínico.

Consegue aquilo que o sector imobiliário mais pretende hoje em Portugal: construir em zona proibida. Trata-se de construção violando o PDM, em áreas am-bientalmente protegidas.

Como tem sido usual nestes casos, o processo de consulta pública tem sido atribulado, com claras violações da legislação em vigor. O processo não cumpriu os prazos, mas no fi nal do tempo a Câmara prolongou-o, certamen-te atemorizada pela intenção do advogado José Sá Fernandes de avançar com uma providência cautelar, iniciativa divulgada pu-

blicamente pelo jornal Expresso.O processo de consulta pú-

blica é mesmo usado como um expediente para publicitar o projecto sem divulgar pareceres ou opiniões contrárias a ele. Um parecer negativo da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT) não é conhecido nem divulgado, tal como um parecer da Direcção-Geral de Turismo (DGT) ao que parece “muito condiciona-do”. Também a posição conjunta das organizações ambientalistas Quercus, Geota e LPN, contrária ao plano de pormenor, foi esca-moteada no processo de consulta pública.

O TRIÂNGULO EXPLOSIVOUm dos factos mais espantosos

em todo este processo de urba-nização desenfreada da Mata de Sesimbra tem sido o papel do presidente da Câmara, Augusto Pólvora, e da CDU.

Seria natural que a Câmara tivesse um papel distanciado do projecto de investimento privado Pelicano/Espírito Santo. Não foi porém o que aconteceu. É a Câmara a principal divul-gadora e defensora pública do projecto, com o empenhamen-to pessoal e directo do actual presidente da Câmara, que já em 2003, quando ainda era vereador da habitação embora não pertencesse à maioria PS que dirigia a Câmara na altura, foi

o principal apoiante do acordo promovido por Isaltino Morais, como ministro. Espírito Santo, Isaltino e Pólvora tornaram-se assim uma espécie de trindade e santa aliança para a explosão da construção urbanística no concelho de Sesimbra.

NÃO SÃO FAVAS CONTADASNo dia 16 de Maio, foi torna-

do público mais um parecer des-favorável ao Plano, desta vez do Instituto de Conservação da Na-tureza (ICN), por integrar 1 200 hectares do Parque Natural da Ar-rábida, violando o próprio regula-mento do parque. Existe também um processo em tribunal contra o acordo de 2003, que pode vir a anulá-lo.

A defesa do ambiente e o com-bate à urbanização desenfreada são já hoje em Portugal frentes de luta nas quais a cidadania se afi rma e, neste caso, o processo de consulta pública mostrou que há pessoas de Sesimbra dispostas a continuar a lutar pela defesa do ambiente e dos seus direitos.

Também o Bloco de Esquerda de Sesimbra tem estado parti-cularmente activo em defesa da Mata de Sesimbra e realizou uma acção de protesto no dia 4 de Ju-nho, na praia de Sesimbra.

O plano de betonização masca-rada de verde não está decidido, os cidadãos têm uma palavra a dizer!

Será que algum as-pecto desta febre aquisitiva e destes combates de titãs diz alguma coisa ao

comum dos cidadãos, na sua qualidade de não-accionista das instituições envolvidas? A resposta é sim. Será que as res-postas às questões socialmente mais relevantes têm sido dadas ou sequer afl oradas, por líderes, comentadores ou envolvidos? A resposta é não.

Para o Bloco de Esquerda, é necessário dar aos municípios e freguesias um papel cada vez mais relevante no ordenamento do território, ambiente e apoio social. Esta democratização da

vida local é o grande desafi o que os autarcas eleitos pelo Bloco se propõem fazer. A política de so-los e a lei que lhe está associa-da - que é umas das principais causas do caos urbanístico, e o abandono de matos e fl orestas -, foram caracterizadas como tipicamente “terceiromundista” porque estimulam a especula-ção e enriquecem quem pratica verdadeiros crimes ambientais e urbanísticos.

É preciso inverter uma po-lítica de fi nanciamento autár-quico que está a favorecer a “betonização” e o crescimento urbano desmesurado. O Bloco encara com muita preocupação as mudanças que estão a ser

alinhadas pelo Governo que não resolvem nenhuma destas situações.

Na sessão de encerramen-to, a presidente da Câmara de Salvaterra de Magos, Ana Cristina Ribeiro, criticou as di-fi culdades que o poder central está a colocar aos municípios com “as transferências de com-petências sem contrapartidas fi nanceiras” e “com as limita-ções ao endividamento e ao aumento das despesas com pessoal”.

José Sá Fernandes, vereador na Câmara de Lisboa, criticou Carmo-na Rodrigues (PSD), que “prome-teu 309 medidas, teve a desfaçatez de dizer que não cumpriu metade

e veio dizer que o trabalho que fazemos não é válido”. Acentuou ainda que era fácil ser oposição sem apresentar propostas, mas não foi esse o caminho que o Bloco seguiu em Lisboa, concluindo que “somos muito incomodativos” e não pactuaremos com a corrupção e os corruptos.

Francisco Louçã, na conclu-são das Jornadas, afi rmou que se torna cada vez mais claro que a regionalização é necessária e tem papel na coesão social e territo-rial. Referiu, igualmente, que o Bloco é a “grande força da oposi-ção e da renovação do poder au-tárquico e da luta social em cada município, que é exigida a uma esquerda de confi ança”.

Cerca de duas centenas e meia de autarcas e activistas locais articiparam nas Jornadas Autárquicas do Bloco, no fi m-de-semana de 6 e 7 de Maio, em Lisboa. Com a colaboração de vários especialistas, técnicos e eleitos locais foram realizados quatro painéis temáticos, para debate do ordenamento do território, dos recursos naturais, das fi nanças locais e dos serviços sociais nas autarquias. À margem destes painéis, foi apresentado o “Manual do Autarca”, para apoio à intervenção local. TEXTO DE CARLOS SANTOS. FOTO DE PAULETE MATOS

“A nossa opção de fundo é o debate com a população”, afi rmou-nos, logo de início da entrevista, Joaquim Raminhos, salientando a demarcação que fez na discussão do or-çamento, em que expressou a opinião do Bloco de Esquerda que a Câmara da Moi-ta deve, ao contrário do que faz a maioria CDU, evoluir para práticas de democracia participada como o processo do “orça-mento participativo”, em que a população é parte activa na decisão dos investimentos para a sua terra.O concelho da Moita, situado na Península de Setúbal, tem 56 mil eleitores e a compo-sição da Câmara é: de cinco vereadores da CDU (maioria absoluta), dois do PS, um do PSD e um do BE.O vereador do Bloco está a preparar tam-bém um projecto museológico para o con-celho da Moita que vai apresentar breve-mente e que pretende que seja debatido com a população. Preservar o passado e a identidade é uma questão que valoriza, de acordo com a sua prática de dirigente associativo cultural.

Dos primeiros seis meses após a eleição da Câmara salientou: “conseguimos evitar um abate de sobreiros que já tinha sido aprovado no plano de pormenor”. Está igualmente atento a outros projectos de urbanização, sobre os quais tem sérias dúvidas. “Os primeiros seis meses foram de grande aprendizagem”, afi rma Joaquim Raminhos, acrescentando que verifi cou que as condi-ções para o desempenho do cargo não são nada fáceis. Sendo director do Centro de Formação de Professores da Moita, para o trabalho de vereador conta apenas com a fl exibilidade da sua actividade profi ssional e rouba tempo ao descanso. O seu gabine-te é um cubículo de 2 por 3 metros, onde cabem apenas uma pequena secretária, duas cadeiras e um computador. Apesar dessas difi culdades, Joaquim Ra-minhos vai também criar um atendimento público aos munícipes, no sentido do que considera uma marca essencial da diferen-ça do Bloco: a defesa da participação da população.

OUVIR E DEBATER COM A POPULAÇÃO

RENOVAR O PODER AUTÁRQUICO E A LUTA SOCIAL

Entrevista com Joaquim Raminhos, vereador do Bloco de Esquerda na Câmara da Moita

Page 6: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

6 | ESQUERDA JUNHO’06 | MARCHA PELO EMPREGO > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > >

A MARCHA PELO EMPREGO PASSO A PASSO Braga, na noite de 1 de Setembro, será o palco para a apresentação da Marcha, que a partir daí percorrerá trajectos nos distritos de Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém, Lisboa e Setúbal, terminando no dia 17 com uma iniciativa nacional em Lisboa.

O MAPA fi nal será defi nido

com as organi-zações locais, a partir de esco-

lhas sobre cada um dos trajectos e sobre as inicia-

tivas que promove-rá: visitas a fábricas,

centros de formação, centros de emprego, ac-ções de protesto, comí-cios de rua, festas, sessões

de debate e outras. Nos distritos onde não há

percursos da Marcha, serão igualmente promovidas iniciati-vas de debate e mobilização para a apresentação dos objectivos e do programa contra o desemprego.

Os aderentes do Bloco e os apoiantes da Marcha que se lhe

quiserem associar, a partir do Nordeste, serão convidados a vir a Braga, os das Beiras poderão vir a Coimbra ou Santarém e os do Alentejo e Algarve a Setúbal.

A Marcha é uma acção promo-vida pelo Bloco de Esquerda, não é uma iniciativa do movimento sindical ou de algum movimento social. Não é contra o movimento sindical nem o substitui; apresen-ta o programa de um movimento político sobre a questão do em-prego.

A Marcha não apresenta um pro-grama de governo ou uma alterna-

tiva política global: é uma Marcha pelo Emprego e, portanto, pelos direitos sociais. Não trata de todas as questões nem responde a todas as inquietações. Mobiliza sobre a questão essencial do desemprego e concentra-se nela.

A Marcha não é, pois, um ins-trumento de propaganda abstrac-ta ou de divulgação ideológica. É muito mais do que isso: é um meio de agitação directa, simples, perceptível e mobilizadora e, por isso, privilegia o contacto próximo com as populações.

A Marcha não resolve o pro-blema das pessoas que estão desempregadas. Não cria expec-tativas falsas e insiste sempre na condição fundamental que é a da mobilização colectiva para mudar a relação de forças na sociedade. Não pretende criar um movimen-to artifi cial e episódico que suscite esperanças que venham a ser frus-tradas.

Responde aos problemas das pessoas com uma ideia de mobili-zação colectiva, que é a única for-ma de conseguir qualquer reforma concreta nas políticas económicas ou de protecção social e organiza, com o Bloco, a continuidade da luta por esse programa.

A Marcha promove formas de acção que são novas no Bloco de Esquerda. Envolve muito mais pessoas do que uma campanha eleitoral e dá-lhes mais responsa-bilidade.

Compete às organizações lo-cais defi nir o modo de actuação em cada lugar e contribuir para a selecção do tema de cada acção.

Descentraliza a preparação das iniciativas de animação de cada dia da Marcha.

Desse modo, a Marcha tem dois objectivos políticos:

O primeiro objectivo é atacar de frente a ideologia da inevitabilidade do desemprego, com o seu cortejo de aceitações das falências e das deslocalizações, que é o principal fundamento da passividade do trabalhador ameaçado. Queremos demonstrar como o capitalismo gera desemprego, como se baseia na injustiça e na violência da repartição do rendimento. Queremos apontar os nomes e os casos dos capitalis-tas que dirigem a vida económica, mostrar como enriquecem e como governam o país.

O segundo objectivo é mos-trar que se podem tomar desde já medidas concretas para reduzir o desemprego e para proteger di-reitos sociais. Queremos por isso apresentar um programa concreto, pormenorizado, credível e por isso mesmo mobilizador, que inspire a acção social, os cadernos reivin-dicativos e a luta dos desempre-gados e que infl uencie o debate político.

Deste modo, a Marcha pretende ser um desafi o poderoso lançado contra o governo e as políticas económicas dos últimos anos. Porque quer demonstrar que há alternativas e que a destruição dos empregos é um crime económico. Porque quer combater a desespe-rança, mostrando que se pode me-lhorar a vida das pessoas. Porque quer apontar um caminho para a luta social.

CALENDÁRIO DA MARCHADIA 1: Braga (noite)

DIA 2: Guimarães

DIA 3: Famalicão

DIA 4: Valongo – Maia

DIA 5: Maia – Matosinhos

DIA 6: Gaia – Porto

DIA 7: Feira – S.João Madeira

DIA 8: Ovar

DIA 9: Espinho

DIA 10: Coimbra

DIA 11: Leiria Marinha Grande

DIA 12: Abrantes Tramagal

DIA 13: Entroncamento – Torres Novas – Santarém

DIA 14: Vila Franca de Xira

DIA 15: Loures – Moscavide

DIA 16: Sintra - Oeiras / Moita – Barreiro – Seixal

DIA 17: Queluz – Amadora – Lisboa / Corroios – Cacilhas – Lisboa

CONCELHO A CONCELHO

Page 7: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

GLOBALJORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU

O Partido da Esquerda Europeia (PEE), que engloba várias for-mações da esquerda europeia, muitas das

quais presentes no grupo parla-mentar do Parlamento Europeus GUE/NGL, designadamente o Bloco de Esquerda, realiza a sua primeira Universidade em Portugal, de 13 a 16 de Julho próximo.

No último congresso do PEE, em Outubro de 2005, em Atenas, foi aprovado um vasto plano de iniciativas comuns, no qual se in-seria a realização de um momento de estudo e reflexão comum entre os militantes dos vários partidos da Europa.

A primeira Universidade terá como tema “Esquerda Europeia: Conteúdos e Práticas de uma Al-ternativa”, decorre na localidade algarvia de Tavira e reunirá cerca de 160 participantes de toda a Europa, dando a oportunidade de aprofundar o debate conjunto so-bre alternativas políticas e sociais.

O encerramento desta iniciativa estará a cargo de Fausto Bertinoti, líder do PEE e presidente da Câ-mara dos Deputados do parlamen-to italiano.

Durante quatro dias, os partici-

pantes poderão ouvir um conjunto alargado de conferências, em que participam conhecidos dirigentes e activistas da Esquerda Europeia, como Leila Shahid, antropóloga palestiniana, que é actualmente embaixadora do seu país junto da União Europeia, ou Leila Zana, militante curda que foi eleita pelo PE como Prémio Sakharov em 2005. Boaventura de Sousa San-tos, Francisco Louçã, Miguel Por-tas, Alda Macedo e José Manuel Pureza participam em algumas das conferências.

A iniciativa de Tavira será uma oportunidade única de estar pre-sente numa série de workshops, conferências e mesas redondas, assim como de ouvir especialistas e activistas dos partidos políticos e dos movimentos sociais fora do habitual quadro das reuniões in-ternacionais.

Os seus principais objectivos são avançar o debate político e te-órico sobre as principais questões que dizem respeito à construção de uma alternativa política de esquerda para a União Europeia e promover uma ampla troca de experiências sobre políticas na-cionais e transnacionais e práticas sociais.

PROGRAMA UNIVERSIDADE DE VERÃO DA ESQUERDA EUROPEIA TAVIRA-ALGARVE-PORTUGAL, JULHO DE 2006

A UNIVERSIDADE DA ESQUERDA EUROPEIA REALIZA-SE EM TAVIRACerca de 200 activistas dos partidos da Esquerda Europeia e de movimentos vão participar na primeira grande iniciativa europeia de reflexão sobre a situação da Europa e a construção de uma alternativa de Esquerda a nível do continente. TEXTO DE MANUEL MORAIS

QUINTA-FEIRA, 13 DE JULHO14:00 - 1ª ConferênciaReinvenção do estado social – Yves Salesse (França)15:15 – Intervalo15:30 – 1ª Mesa Redonda:Direitos sociais e ambientais, sustentabilidade e serviços públicos europeus- Robin Blackburn (Inglaterra), Segurança social- Anna Marie Rivera (Itália), Imigração- Ulii Gschwandter (Áustria)- Alda Macedo (Portugal)17:00 - Intervalo17:30 – Workshops simultâneos

SEXTA-FEIRA, 14 DE JULHO12:00 Almoço14:30 – 2ª ConferênciaA esquerda ante as novas tendências e

contradições da globalização capitalista – Boaventura Sousa Santos 15:15 – Intervalo15:30 – 2ª Mesa RedondaGlobalização capitalista e precariedade do trabalho- Raoul-Marc Jennar (Bélgica), WTO- Peter Fleibner (Áustria) Conhecimento e sociedade de informação- Alexandra Wagner (Alemanha), Género e precariedade- Birgit Mannkopf (Alemanha), Precariedade do trabalho: variações nacionais sobre um tema- Alfonso Gianni (Itália), Mudanças da organização do trabalho17:00 – Intervalo17:30 – Workshops simultâneos 20:00 – Fim

SÁBADO 15 DE JULHO12:00 - Almoço14:30 – 3ª ConferênciaDemocratizando o Século XXI – Francisco Louçã (Portugal)15:15 Intervalo15:30 – 3ª Mesa Redonda:Democracia, cidadania e integração europeia- José Manuel Pureza (Portugal)- Rigos Alkis (Grécia)- G. Buster (Espanha), Tratado Constit. Europeu- Nicole Borvo (França)- Masko D. Kunden (Alemanha), a questão Rumi17:00 - Intervalo17:30 – Cinco workshops simultâneos sobre os temas do dia19:30 – Noite livre

22:00 – Acto público cultural pela paz, contra a guerra preventiva23:00 – Fim

DOMINGO, 16 DE JULHO09:30 - 4ª Mesa RedondaMediterrâneo e Médio Oriente: a alternativa europeia à guerra preventiva- Miguel Portas (Portugal), Introdução- Leila Zana (Curdistão), As questões turca e curda- Leila Shaid (Palestina), A questão palestiniana- Manuel Monereo (Espanha)12:30 - Encerramento – Fausto Bertinotti

Page 8: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

II | GLOBAL JUNHO’06 | FÓRUM SOCIAL EUROPEU - ATENAS 2006 > > > > > > > > > > >

ARTE COMO FORMA DE INTERVENÇÃO“Estou sentada nas costas de um homem que está a sofrer por causa do peso. Farei qualquer coisa para ajudá-lo excepto sair das suas costas”. A escultura do dinamarquês Jens Galschiot’s mostra uma mulher gorda do ocidente sentada nas costas de um homem africano esfomeado. Uma estátua de três metros que representa o desequilíbrio na distribuição dos recursos do planeta baseado num sistema de comércio injusto. A acompanhar 20 escultoras de crianças esfomeadas.Uma das obras de arte que marcou o Fórum Social Europeu acabou por integrar a manifestação. Pode encontrar-se toda a informação sobre este projecto em www.aidoh.dk/athens2006.

A REVOLUÇÃO É FEMININA“A revolução é feminina”. A t-shirt com esta inscrição foi uma das que mais se vendeu no Fórum Social Europeu. “Mulheres em movimento, mudamos a Europa, mudamos o Mundo”, foi o mote da Assembleia das Mulheres no Fórum Social Europeu.O objectivo deste reunião foi articular redes dos movimentos feministas na Europa pela defesa da igualdade de gênero e para acabar com a violência contra as mulheres. Os números revelados pela Amnistia Internacional são assustadores: em Espanha, em 2004, cerca de 72 mulheres foram assassinadas pelos seus companheiros; Duas mulheres por semana são mortas pelos seus companheiros no Reino Unido; cerca de 14 mil mulheres foram mortas na Federação Russa em 1999; no mundo cerca de 40 a 70% das mulheres foram assassinadas por um parceiro íntimo.

Mais de cem mil pessoas desfi laram nas ruas da Atenas contra o racismo, a guerra e a globalização no último dia do Fórum Social Europeu. Uma manif que também teve palavras de ordem em português ao som da Grândola Vila Morena.

GÁS CONTRA MANIFESTANTESOs Vigilantes do sistema só entraram em acção quando um grupo de anarquistas (que não tinham nada a ver com a organização da manif) lançaram coktails molotov, incendiaram um carro e partiram montras dos símbolos da globalização: Macdonalds; Zara; Sephora. Os efeitos do gás lacrimogénio acabaram por causar mal-estar em todos os manifestantes.

TEXTO DE MADALENA QUEIROZ. FOTOS DE NUNO RAMOS DE ALMEIDA

Page 9: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

> > > > > > > > > > > FÓRUM SOCIAL EUROPEU - ATENAS 2006 | GLOBAL JUNHO’06 | III

CAFÉ REBELDE ZAPATISTACafé plantado em Chiapas pelos zapatistas era um dos muitos produtos de comércio justo que se podiam comprar na Fórum Social Europeu.Grãos plantados pelos “milhares de produtores de café zapatista, que se revoltaram contra a injustiça e exclusão que estão a criar estruturas autónomas para gerir a sua vida”. O processo passa pela venda direta a grupos de solidariedade na Europa e nos Estados Unidos, conseguindo preços mais altos no mercado global de café.Formando uma rede, a RedProZapa, que subordina o aspecto do comércio a outros objectivos mais importantes: solidariedade política e económica com a luta dos zapatistas.

CLASSE DE PRISIONEIROSA Amnistia Internacional não quis fazer esquecer que existem inúmeros casos de prisioneiros de guerra que ilegalmente são transferidos parta países onde enfrentam tortura e maus tratos. Um interior de um avião foi recreado em pleno Fórum Social Europeu para representar um símbolo destes vôos secretos que usam muitas vezes aviões alugados e violam a lei internacional em nome da “guerra ao terror”. Uma prática que foi iniciado pelos Estados Unidos, que transferem suspeitos de terrorismo para países conhecidos pelas suas práticas de tortura, como o Egipto, Jordânia e Síria. Um sistema utilizada para levar prisioneiros dos Estados Unidos para Guantanamo, em Cuba, e centros de detenção no Iraque e Afeganistão, ou para bases secretas espalhados pelo mundo como “pontos negros”.Durante o protesto, foi lançada uma campanha para que em cada país os movimentos pressionem os governos a proibir o regresso ou transferência de prisioneiros para locais onde enfrentem riscos de tortura e maus tratos. Evitar que os espaços aéreos de cada país sejam utilizados para passagem destes vôos e que os executivos inspecionem cada avião suspeito de transportar prisioneiros, assegurando que as vítimas da rendição sejam protegidas de todas as formas de tortura, são outras das linhas de acção propostas pela Amnistia Internacional.

A participação no Fórum Social Europeu de Atenas excedeu to-das as esperanças mais optimistas: poucos de nós poderíamos acre-ditar que cerca de 35 mil pessoas, de todo o mundo, se inscreve-riam no Fórum e que 100 mil pessoas desfi lariam na manifestação de 6 de Maio de 2006 ( a polícia falou de 35 mil pessoas, os jornais, por sua vez, avaliaram os manifestantes em cerca de 70 mil).

Este resultado inesperado, mostrou mais uma vez as enormes potencialidades deste movimento global, que abriu um novo espa-ço de lutas que não pode ser ignorado.

A manifestação de 6 de Maio constitui um marco histórico do movimento social grego. Foi a maior demonstração de sempre, sem a participação do Partido Comunista Grego. A participação massiva nesta acção demonstra não só a crescente popularidade do movimento global, mas é sinal da emergência de uma nova cultura política de participação na sociedade helénica.

Para além do repúdio à possível Guerra no Irão, os inúmeros manifestantes expressaram também a sua mobilização massiva em favor de uma mudança social.

A utilização de milhares manifestantes como escudos humanos por parte de alguns grupos do black block é um acto autoritário por parte de elementos que sempre afi rmaram ser inimigos do Fó-rum.

O sucesso do FSE, foi ainda mais impressionante, tendo em con-ta os problemas específi cos que o Comité Organizador teve de fazer frente:

- Os grupos que compunham o Comité Grego são relativamente fracos e não tinham nenhuma experiência de organização de uma iniciativa deste tipo.

- A esquerda grega é umas das mais fragmentadas e sectárias da Europa.

- Durante quatro meses o processo do FSE esteve quase blo-queado por gente que vetava todos os esforços para dar passos adiante.

- Depois do FSE de Londres o processo de preparação tornou-se inefi ciente e com alguns aspectos anti-democráticos.

- A existência de um certo cansaço das pessoas devido à mul-tiplicação dos Fórum Sociais, em menos de 6 meses, (nacionais, policentricos, Mediterrâneo, Europeu, etc...).

- A participação da Refundação Comunista Italiana (uma das mais importantes organizações do movimento) na coligação de centro esquerda, encabeçada por Prodi, criou algum sentimento de desapontamento num largo número de activistas, especialmente na juventude mais radicalizada.

Pelo contrario, o nosso trabalho foi facilitado pela vitória do “não” à Constituição europeia, em França. Pelo massivo movimen-to de contestação ao CPE, também em França.

Estas vitórias encorajaram os activistas e aumentaram o interesse pelo FSE em Atenas.

É de sublinhar também, como aspecto positivo, a signifi cativa presença de activistas da Europa de leste, Balcãs e Turquia (mais de 2000 pessoas), foi a maior participação destes países num FSE.

O novo conceito de programa do FSE provou ser positivo. A abolição das Conferencias (todo o FSE foi auto-organizado) faci-litou a preparação do FSE e impediu, ao mesmo tempo, a criação de uma falsa ideia de “representatividade” dos conferencistas, em relação ao movimento. Verifi cou-se a necessidade de existência de um site permanente do FSE que permita ajudar a preparação des-centralizada e participada do Fórum.

Foi importante a aposta na cultura, do comité organizador: mais de 150 iniciativas culturais realizadas durante o FSE. Estamos con-vencidos que esta convergência entre arte e politica não só permite aos jovens artistas apresentarem o seu trabalho a mais gente, como auxilia a emergência de novas formas e culturas de acção e comu-nicação politica.

Ao contrario do artistas, a presença de intelectuais em Atenas revelou-se menos conseguida. O FSE de 2006 não conseguiu ser uma ponte entre intelectuais e activistas.

No futuro, estou convencido que se deve prosseguir o caminho apostando em numa agenda comum de mobilizações, como as ac-ções de contestação a cimeira do G8 na Alemanha. Melhorar a metodologia de preparação do FSE tornando-a mais efi ciente e inclusiva. Continuar a apostar no alargamento geográfi co a leste, à Turquia e Balcãs.

O sucesso do FSE provou mais uma vez a importância deste espaço e do movimento alter-global, sejamos nós capazes de con-tinuar a melhorá-lo e adaptá-lo à permanente mudança das con-dições politicas.

(*) Membro do Comité Organizador Grego. Excertos de um balanço feito pelo autor para a rede do FSE.

AS ENORMES POTENCIALIDADES DO MOVIMENTO GLOBALYANNIS ALMPANIS*

Mais de uma centena de portugueses participaram no FSE. Destes, mais de metade deslocaram-se a Atenas aproveitando uma visita ao Parlamento Euro-peu, a convite do eurodeputado do GUE/NGL, Miguel Portas. Os bloquistas tiveram intervenção destacada nos seminários sobre Imigração, LGBT, Juventude Educação e contestação à politica universitária saída do processo de Bolonha, estratégia dos movimentos sociais e o futuro da Europa.O deputado João Semedo, do Bloco de Esquerda,

falou numa das conferências sobre o futuro da Eu-ropa e Mónica Frechaut da Mesa Nacional do BE apresentou as conclusões, sobre direito de Asilo, na Assembleia Europeia dos Migrantes. Renato Soeiro, que esteve em Atenas na equipa do GUE/NGL, fez uma intervenção sobre a construção de uma alterna-tiva ao capitalismo na Europa. José Soeiro, da Mesa Nacional e do Núcleo de Jovens, fez uma comuni-cação sobre a resposta do movimento estudantil às reformas do Ensino Superior em curso na Europa.

PORTUGUESES EM ATENAS

CLASSE DE PRISIONEIROSA Amnistia Internacional não quis fazer esquecer que existem inúmeros casos de prisioneiros de guerra que ilegalmente são transferidos parta

Um interior de um avião foi recreado em pleno Fórum Social Europeu para representar um símbolo destes vôos secretos que usam muitas vezes aviões alugados e violam a lei internacional em nome da “guerra ao

Uma prática que foi iniciado pelos Estados Unidos, que transferem suspeitos de terrorismo para países conhecidos pelas suas práticas de tortura, como o Egipto, Jordânia e Síria. Um sistema utilizada para levar prisioneiros dos Estados Unidos para Guantanamo, em Cuba, e centros de detenção no Iraque e Afeganistão, ou para bases secretas espalhados pelo

para que em cada país os movimentos pressionem os governos a proibir o regresso ou transferência de prisioneiros para locais onde enfrentem riscos de tortura e maus tratos. Evitar que os espaços aéreos de cada país sejam utilizados para passagem destes vôos e que os executivos inspecionem cada avião suspeito de transportar prisioneiros, assegurando que as vítimas da rendição sejam protegidas de todas as formas de tortura, são outras das linhas de acção propostas pela Amnistia Internacional.

PORTUGUESES EM ATENAS

Page 10: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

ESQUERDA/GLOBAL | JORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU | WWW.MIGUELPORTAS.NETEDIÇÃO: MIGUEL PORTAS DIRECTOR: NUNO RAMOS DE ALMEIDA EDITOR GRÁFICO: LUÍS BRANCO EDITORA FOTOGRÁFICA: PAULETE MATOS REDACÇÃO: CARLOS SANTOS,

CARMEN HILÁRIO, LUÍS LEIRIA E RENATO SOEIRO IMPRESSÃO: RAINHO & NEVES, LDA / STA. Mª DA FEIRA DEP. LEGAL: 219778/04 DISTRIBUIÇÃO: GRATUITA TIRAGEM: 10 MIL EXEMPLARES

IV | GLOBAL JUNHO’06 | FÓRUM SOCIAL EUROPEU - ATENAS 2006 > > > > > > > > > > > > > > >

Nós, mulheres e ho-mens dos movimen-tos sociais de toda a Europa, viemos a Ate-nas depois de anos

de experiências comuns na luta contra a guerra, o neoliberalismo, todas as formas de imperialismo, de colonialismo, de racismo, de discriminações e de explorações, contra todos os riscos de catástro-fe ecológica. Neste ano de vitórias significativas de algumas lutas so-ciais e de campanhas para parar os projectos neoliberais, como a proposta do Tratado Constitucio-nal Europeu, a Directiva Portuária da União Europeia e o CPE em França.

Os movimentos de oposição ao neoliberalismo desenvolvem-se e opõem-se ao poder das multinacio-nais, ao G8 e a organizações como o OMC, o FMI e o Banco Mundial, assim como às políticas neoliberais levadas a cabo pelos estados da União Europeia.

Mudanças políticas importantes aconteceram na América Latina, quebrando as ofensivas neoliberais, e mobilizações populares consegui-ram anular, em alguns países, pro-cessos de privatização.

A situação actual está plena de oportunidades, bem como de im-portantes perigos. A oposição e a resistência à ocupação do Iraque revelaram o falhanço da estratégia dos norte-americanos e britânicos. O mundo afronta, neste momento, a possibilidade de uma nova catás-trofe de uma guerra no Irão.

A decisão arbitrária da UE de cor-tar os fundos à Autoridade Nacional Palestiniana é inaceitável e agrava a situação. A situação de opressão do povo Curdo nunca foi resolvida. As forças conservadores do Norte e do Sul encorajam o « choque de civilizações » que tem por objectivo dividir os povos oprimidos, o que provoca uma violência inaceitável, barbárie e ataques suplementares

contra os direitos e a dignidade dos imigrantes e das minorias.

Apesar da União Europeia ser uma das regiões mais ricas do mun-do, dezenas de milhões de pessoas vivem na pobreza, seja por causa do desemprego em massa, seja pela precarização do trabalho. As polí-ticas da UE, baseadas na extensão sem limites da concorrência fora e dentro da Europa, constituem um ataque contra o emprego, os tra-balhadores, os direitos sociais, os serviços públicos, a educação, o sistema de saúde... A UE planifica a baixa dos salários dos trabalhado-res e dos subsídios de desemprego, assim como a generalização da pre-cariedade.

Nós rejeitamos esta Europa ne-oliberal e o desejo de relançar um Tratado Constitucional que já foi rejeitado. Nós lutamos por uma outra Europa, feminista e ecológica, uma Europa aberta, uma Europa de paz, de justiça social, por uma vida sustentável, pela soberania alimen-tar e a solidariedade, o respeito dos direitos das minorias e a autodeter-minação dos povos.

Nós condenamos a repressão e a criminalização dos movimentos altermundialistas e de outros movi-mentos progressistas da Europa de Oeste e de Leste.

Com o FSE, de Atenas, demos um passo em frente para uma me-lhor coordenação entre movimen-tos sociais de toda a Europa, com a determinação de lutar pela paz, o emprego e uma existência estável. Concretizemos a nossa agenda eu-ropeia de campanhas e de mobiliza-ção sobre as questões princípais da nossa plataforma comum, desen-volvida nas redes do FSE.

Temos necessidade de coordenar o nosso trabalho e de definir uma estratégia eficaz para o próximo período, reforçando e alargando os nossos movimentos.

Apelamos a todos os movimentos sociais europeus para que iniciem

um amplo debate a fim de decidir, em conjunto, as próximas activida-des conjuntas, nos próximos meses nas estruturas do processo do FSE.

Certos acontecimentos importan-tes estão já na ordem do dia:

Vamos mobilizar-nos para a retira-da completa das tropas estrangeiras do Iraque e do Afeganistão, contra a ameaça de uma nova guerra no Irão, contra a ocupação da Palestina, pelo desarmamento nuclear, pela elimi-nação das bases militares norte-ame-ricanas na Europa e apelamos para que se realize por todo o continente uma semana de acção entre 23 e 30 de Setembro de 2006.

Apelamos para a realização de uma jornada interncional de acção e mobilização a 7 de Outubro de 2006, na Europa e em África, pela regularização incondicional dos imigrantes e pela defesa de direitos iguais para todos; pelo encerramen-to de todos os centros de detenção na Europa, para pôr fim às expul-sões e deportações; contra a preca-riedade e pela supressão da obriga-toriedade de contrato de trabalho para aceder ao direito de cidadania e residência.

Vamos mobilizar-nos contra a precariedade, contra o desmantela-mento dos serviços públicos e dos direitos sociais, coordenaremos a nossas lutas à escala de toda a Eu-ropa, durante o próximo mês.

Em Janeiro de 2007, o FSM reali-zar-se-à em Nairobi. O desenvolvi-mento dos movimentos sociais afri-canos é um objectivo crucial para todo o mundo. Construir o FSM será uma oportunidade de lutar contra a exploração imposta pela Europa e o neocolonialismo.

Em Junho de 2007, vai decorrer uma reunião do Conselho da União Europeia e do G8 em Rostock, na Ale-manha, após a reunião deste último, em Moscovo, em Julho deste ano.

Aproveitaremos estas oportu-nidades para edificar uma melhor convergência das nossas lutas.

NU

NO

RA

MO

S D

E A

LMEI

DA

DECLARAÇÃO DA ASSEMBLEIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

POIS É | Miguel Portas

A memória é danada

O taxista não gostava de padres. A culpa nem foi deles, mas de uma tia beata lá para os lados de Gouveia. Miúdo e órfão, o velhote teve infância atribulada, entre confissões,

castigos e terços enraivecidos. Mal pôde, pisgou-se para a cidade. A sua terra sabe-lhe a sotaina e é quanto lhe basta para nunca mais lá ter posto os pés. Isto contava ele enquanto a rádio debitava as primeiras informações do dia chegadas de Timor. Continuava o pandemónio e a mulher de Xanana atirava-se ao governo. Um excelente pretexto para que o meu condutor juntasse à culpa dos padres a nacionalidade da senhora.

Quando o rádio passou para o capítulo do fute-bol, ainda o lugar da frente rosnava. Agora com o povo de lá, e também com o de cá, que “quase chorou por aquela gente, para agora acabar nisto”. Os padres, pois. E os australianos. E o petróleo. E a miséria. E ainda a interrogação: “o que vão para lá fazer os gêéneérres”? As manhãs mal dispostas devem ser um petisco naquele táxi. Eu é que esta-va mal dormido e dispensava a coisa. Bem como as más notícias.

Descontado o tom, a irritante criatura dizia coisas com nexo. Pelo meu cansaço passaram imagens da semana louca em que tomámos as ruas em soli-dariedade com os timorenses. Lembro-me de pas-sar um megafone vermelho ao bispo para ele se fazer ouvir. E da religiosidade pagã que desenhou no chão da praça da liberdade um altar de velas. E das tensões que emergiam ao fim de alguns dias de ocupação da praça. Esperanças tão contradi-tórias quanto genuínas chegavam a Portugal pela luta de um povo que escolhera a independência. E agora...

... Agora é essa memória que nos leva de novo a GNR para Timor. Apenas essa memória. Chegará ela? É duvidoso.

A ONU não foi verdadeiramente a jogo. Enviou uma carta de conforto para quem fosse, depois de de lá ter saído bem antes de tempo e por pressão dos que preferiam “soluções bilaterais”. Em Bru-xelas vêm diminuindo os apoios, enquanto em Es-trasburgo a direita opera no sentido de favorecer um dos lados do conflito. A verdade é que o poder real se encontra na ponta das armas dos dois mil militares australianos que, como se encarregou de explicar o seu primeiro ministro... e depois segue igual até ao fim..

Page 11: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

> > > > > > > > > > > > > ENTREVISTA: LUTA ESTUDANTIL EM FRANÇA | ESQUERDA JUNHO’06 | 7

Conta-nos como foi formada a coordenação nacional dos estudantes.

As coordenações são órgãos que permitem a auto-organização, para que seja a base a controlar democraticamente os destinos do movimento. Historicamente, em França, são as JCR (Juventu-des Comunistas Revolucionárias, ligadas à Ligue Communiste Ré-volutionnaire, LCR) que estão na origem das coordenações. Neste caso, conseguimos o apoio de cer-tas correntes libertárias. No início, foi difícil. Para que a coordenação funcionasse era preciso o apoio e a participação de todas as correntes políticas, desde as mais à direita, como os socialistas, que domi-nam o sindicato estudantil mais importante, a UNEF, às correntes mais esquerdistas, como os anar-quistas. Mas à força de discutir e de organizar reuniões, foi possível convencê-los todos a participar. O que fi zemos foi levar as discussões políticas ao interior desta coorde-nação, para permitir que todos os estudantes, estivessem ou não organizados politicamente, pudes-sem participar das decisões.

A primeira reunião da coordena-ção ocorreu em Rennes, no início do mês de Fevereiro. Nessa altura havia três faculdades em greve e foi possível reunir delegações des-tas três e mais representantes de outras 40 como observadores. A UNEF sentiu-se obrigada a par-ticipar, porque viu que se fi casse ausente iria perder a direcção polí-tica. Cada universidade elegia uma delegação com números precisos: sete representantes por universida-de que estivesse em greve e cinco por universidade mobilizada mas que ainda não estava em greve.

Qual o motivo desta diferença?

Achámos que era legítimo que as universidades em greve, que fa-ziam piquetes e bloqueavam a sua faculdade, tivessem mais peso do que as que não estavam em greve. Era uma questão de legitimidade.

As delegações à coordenação eram eleitas antes de cada reunião, ou eram sempre

os mesmos?As coordenações nacionais reu-

niam-se semanalmente, numa ci-dade diferente – a primeira foi em Rennes, depois Toulouse, em se-guida Paris, depois Poitiers, etc. –, e todas as semanas as assembleias gerais das universidades reelegiam uma delegação, porque a cada mo-mento as discussões evoluíam nas universidades. Por isso, havia tam-bém uma batalha política em cada universidade para saber quem ia ser eleito.Mas isto era feito com o debate, com a base, porque eram as pessoas que escolhiam directa-mente quem queriam.

Houve também um debate sobre o tipo de mandato que tinham os delegados. Os anarquistas defen-diam que os delegados só podiam pronunciar-se sobre o que tinha sido discutido e posto em acta na assembleia geral. Não tinham de forma alguma direito a se pronun-ciar sobre assuntos que não tinham sido debatidos na assembleia. Os burocratas da maioria da UNEF defendiam mandato livre, isto é, os delegados poderiam fazer o que quisessem na assembleia. Nós defendemos uma terceira alternativa, que chamámos de semi-imperativa, em que os delegados deviam defender o que fora decidido na assem-bleia, mas tinham o direito de iniciativa em relação a novas questões, às discussões que sur-giam na coordenação.

Como fi zeram a ligação com os trabalhadores?

Houve várias etapas. No início era feita por organizações estudan-tis que já tinham ligações com sin-dicatos de trabalhadores. Por exemplo, o sindicato estudantil em que eu parti-cipo, o Sud Étudiant, mais à es-querda que a

UNEF e que é maioritário na mi-nha faculdade, faz parte de uma grande confederação ligada a sin-dicatos dos trabalhadores e, por-tanto, já tem ligações. Depois, as centrais sindicais convidaram a UNEF a participar na Intersindi-cal. As próprias assembleias ge-rais estudantis criaram comissões responsáveis por se reunir com as uniões sindicais locais. A nível da coordenação nacional foram elei-tos porta-vozes para ir às reuniões da Intersindical.

E como era a recepção nas fábricas?

Muito boa. No Maio de 68, quando os estalinistas eram mui-to fortes no movimento operário, nas fábricas recebiam os estudan-tes de pedras na mão. Agora, fo-mos sempre muito bem recebidos, houve secções locais da CGT que alugaram autocarros para levar os estudantes às empresas. Como a minha fa- culdade fi ca

perto da Gare de Lyon, nós organi-zámos equipas de estudantes que se encontraram com os ferroviá-rios, fomos às reuniões sindicais, e eles fi caram muito contentes de nos ver, fi caram motivados para fazer greve, a vinda dos estudan-tes convenceu-os, houve uma boa troca de pontos de vista.

Conseguimos mostrar aos traba-lhadores que não era apenas uma questão de solidariedade com os jovens, como diziam as direcções sindicais. Explicámos que o que queríamos era uma luta em co-mum, porque tratava-se de um ataque ao Estado social e os alvos são todos, jovens e velhos, e se ga-nharmos será todos juntos. Dizía-mos: se não travamos agora o CPE, vai atingir depois todos. Pouco a pouco, fomos ganhando os traba-lhadores para esta perspectiva.

Quer dizer que os trabalhadores também retiraram lições?

Esta luta mostrou que é possível ganhar. Não são só as eleições

que permitem mudar as coi-sas. E isso dá confi ança a

milhões de trabalhado-res em França. A úl-tima vitória parcial, em 1995, quando houve uma greve quase geral que paralisou toda a economia do país, também iniciou um novo ciclo de lutas. Tivemos o “não” à Constituição Euro-peia, uma vitória eleitoral que veio

do movimento

social: no Outono, antes das rebe-liões dos subúrbios, houve greves importantes dos trabalhadores do Porto de Marselha. Greves muito duras, os marinheiros desviaram navios e entraram em confl ito com as forças de elite do Exército e da Polícia. Foi um conjunto de acon-tecimentos que fez com que as lu-tas se radicalizassem em França.

A coordenação nacional dos estudantes posicionou-se pela demissão do governo Villepin...

No início foram sobretudo as JCR, contra a opinião dos burocra-tas da UNEF, que só pensavam nas eleições de 2007 e dos anarquistas, que diziam que se o governo fosse derrubado haveria novas eleições e eles o que queriam era destruir o Estado... A nossa argumentação foi abrindo caminho e convencen-do. Na assembleia geral na nossa faculdade ganhámos a proposta de acrescentar a demissão de Vil-lepin à lista de reivindicações. Na coordenação em Poitiers, fui eu a fazer a primeira intervenção, mas foi claramente rejeitada. Nas ruas, à medida que a luta se radicali-zava, os slogans iam mudando. No início eram apenas contra o CPE, mas depois foram ganhando conteúdo político. Por exemplo: “Quem semeia a miséria recolhe a cólera” e ainda “Chirac, Villepin, Sarkozy, acabou o vosso período de experiência”. Rapidamente os socialistas foram ultrapassados pela radicalização do movimento. Até que a coordenação aprovou a reivindicação de demissão de Vil-lepin, três reuniões.

A vitória contra o CPE faz parte de um processo que passou também pelo “não” à Constituição Europeia e por uma onda de greves radicalizadas em França, disse Laurent Bauer ao Esquerda. Nesta entrevista, o estudante da universidade de Paris I Tolbiac, de 22 anos, que participou da direcção do movimento, relata como foi organizada e funcionava a coordenação nacional e explica as semelhanças e diferenças com o Maio de 68.ENTREVISTA DE LUÍS LEIRIA, FOTO DE PAULETE MATOS

forma alguma direito a se pronun-ciar sobre assuntos que não tinham sido debatidos na assembleia. Os burocratas da maioria da UNEF defendiam mandato livre, isto é, os delegados poderiam fazer o que quisessem na assembleia. Nós defendemos uma terceira alternativa, que chamámos de semi-imperativa, em que os delegados deviam defender o que fora decidido na assem-bleia, mas tinham o direito de iniciativa em relação a novas questões, às discussões que sur-giam na coordenação.

Como fi zeram a ligação com os trabalhadores?

Houve várias etapas. No início era feita por organizações estudan-tis que já tinham ligações com sin-dicatos de trabalhadores. Por exemplo, o sindicato estudantil em que eu parti-cipo, o Sud Étudiant, mais à es-querda que a

alugaram autocarros para levar os estudantes às empresas. Como a minha fa- culdade fi ca

Quer dizer que os trabalhadores também retiraram lições?

Esta luta mostrou que é possível ganhar. Não são só as eleições

que permitem mudar as coi-sas. E isso dá confi ança a

milhões de trabalhado-res em França. A úl-tima vitória parcial, em 1995, quando houve uma greve quase geral que paralisou toda a economia do país, também iniciou um novo ciclo de lutas. Tivemos o “não” à Constituição Euro-peia, uma vitória eleitoral que veio

do movimento

foi abrindo caminho e convencen-do. Na assembleia geral na nossa faculdade ganhámos a proposta de acrescentar a demissão de Vil-lepin à lista de reivindicações. Na coordenação em Poitiers, fui eu a fazer a primeira intervenção, mas foi claramente rejeitada. Nas ruas, à medida que a luta se radicali-zava, os slogans iam mudando. No início eram apenas contra o CPE, mas depois foram ganhando conteúdo político. Por exemplo: “Quem semeia a miséria recolhe a cólera” e ainda “Chirac, Villepin, Sarkozy, acabou o vosso período de experiência”. Rapidamente os socialistas foram ultrapassados pela radicalização do movimento. Até que a coordenação aprovou a reivindicação de demissão de Vil-lepin, três reuniões.

“A LUTA CONTRA O CPE MOSTROU QUE É POSSÍVEL TER VITÓRIAS”

Page 12: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

8 | ESQUERDA JUNHO’06 | CRISE NUCLEAR IRANIANA E A GUERRA ANUNCIADA > > > > > > > > > >

OS CANTOS DE SEREIA ATÓMICA

Aberto para adesão em 1968 e com entrada em vigor em 1970, o Tratado de Não Proliferação Nuclear estabelece o monopólio sobre as armas nucleares por parte dos cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Mas também reconhece o direito inalienável de todos os seus signatários de desenvolverem investigação, produção e uso de energia nuclear para fi ns pacífi cos. Actualmente, países nucleares como a Índia, o Paquistão ou

Israel não estão entre os 187 signatários do TNP. A África do Sul renunciou ao seu progra-ma nuclear e assinou o TNP em 1991, depois de destruir o seu pequeno arsenal. A Coreia do Norte ratifi cou o Tratado em 1985, mas retirou-se em 2003 e dois anos depois anunciou que possuía armas nucleares.

ARTIGO IV1. Nada neste Tratado será in-terpretado como impeditivo do

inalienável direito de todas as Partes do Tratado de desenvol-verem investigação, produção e uso de energia nuclear para fi ns pacífi cos, sem discriminação e em conformidade com os Artigos I e II deste Tratado.

2. Todas as Partes deste Trata-do comprometem-se a facilitar, e têm o direito de participar, no mais amplo intercâmbio possível de equipamentos, materiais e in-formação científi ca e tecnológica

para o uso pacífi co da energia nuclear. As Partes do Tratado que estão em posição de o fazer tam-bém cooperarão para contribuir, isoladamente ou em conjunto, com outros Estados ou organizações internacionais para desenvolver aplicações de energia nuclear para fi ns pacífi cos, especialmente nos territórios da Parte de Estados sem armas nucleares, com a devida consideração pelas necessidades das áreas em desenvolvimento do mundo.

O Irão está agora na mira da máquina de guerra norte-americana. Acusação: o país dos aiatolas estaria a desenvolver armas nucleares. Os factos não confi rmam, mas isso pouco importa ao guião de guerra que já está em marcha TEXTO DE LUÍS LEIRIA

Durante uma conferên-cia de imprensa na Casa Branca, em 18 de Abril passado, jor-nalistas perguntaram

a George W. Bush se, quando falava do Irão e dizia que todas opções estão sobre a mesa, in-cluía nelas um ataque nuclear. A resposta de Bush foi a de que “todas as opções estão sobre a mesa.”

Apesar das difi culdades que o Conselho de Segurança da ONU tem encontrado para chegar a um acordo em relação ao dossier Irão, as engrenagens da máquina de guerra norte-americana já come-çaram a girar. Não se trata só de ameaças verbais. De acordo com o jornalista Seymour Hersh – fa-moso, entre outras coisas, pela de-núncia do massacre de My Lai na guerra do Vietname e das torturas

de Abu Graib no Iraque –, os EUA já infi ltraram no Irão unidades de combate e reconhecimento, res-ponsáveis por fazer uma lista de alvos e entrar em contacto, no terreno, com forças antigover-namentais. Foi o próprio Hersh que denunciou que a Força Aérea norte-americana encara a possi-bilidade de usar armas nucleares tácticas para atingir instalações subterrâneas iranianas.

A administração Bush está a se-guir o mesmo guião com que en-cenou a invasão do Iraque há três anos: o vice-presidente discursa sobre a ameaça aos EUA vinda de um país rico em petróleo no Mé-dio Oriente; a secretária de Estado diz ao Congresso que esse país é o maior desafi o global aos EUA; o secretário da Defesa acusa esse país de ser o principal apoio do terrorismo; o presidente aponta-o

como autor de ataques a tropas norte-americanas no Iraque. Para o embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, “a ameaça é um novo 11 de Setembro, desta vez com ar-mas nucleares”.

Mas, afi nal, o que torna subita-mente o Irão o número 1 a abater na lista do “Eixo do Mal”? Que cri-me cometeu para que Bush admita usar armas nucleares? O Irão es-taria a construir armas nucleares.

O QUE DIZ O TRATADO

DE NÃO PROLIFERAÇÃO

NUCLEAR

EPA

/AB

EDIN

TA

HER

KEN

AR

EH

A VEZ DO IRÃO

Page 13: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

> > > > > > > > > > CRISE NUCLEAR IRANIANA E A GUERRA ANUNCIADA | ESQUERDA JUNHO’06 | 9

Mas que dados levam a Casa Bran-ca a acenar esse espantalho? Tal como ocorreu no caso do Iraque, não há qualquer facto que leve a essa conclusão. Mas a verdade é irrelevante, o que é necessário é o pretexto.

OS FACTOSOs elementos do dossier nucle-

ar do Irão são claros: o país está a desenvolver tecnologia nuclear para fi ns pacífi cos, ao abrigo de todas as exigências do Tratado de Não Proliferação Nuclear. O trata-do não proíbe o enriquecimento de urânio para fi ns pacífi cos. Pelo contrário, considera um “ �direito inalienável � a investigação, a pro-dução e o uso de energia nuclear para fi ns pacífi cos” (ver destaque). Mais, como demonstração de boa vontade, o Irão já suspendeu vo-luntariamente, por um período de tempo, o enriquecimento de urânio, embora nada o obrigasse a isso (ver cronologia).

A própria Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) reco-nheceu, depois de três anos de

fi scalizações intensivas, que não há no Irão recursos ou materiais nucleares declarados que tenham sido usados no desenvolvimento de um programa de armamento nuclear.

Diante deste facto, diz-nos a ad-ministração Bush que o Irão deve provar que não tem um programa militar atómico oculto. É a lógica kafkiana da inversão do ónus da prova. Se o que se sabe não serve de prova, exige-se a prova do que não se sabe. Mais uma vez se re-pete aqui o guião já aplicado com as supostas armas de destruição maciça do Iraque.

Em rigor, o actual debate até excede o do Iraque em cinismo. O Irão pode estar à beira de ser atacado por persistir numa prer-rogativa que lhe é dada pelos tra-tados internacionais. Em contra-partida, Índia, Paquistão e Israel tornaram-se potências nucleares e nada levou os EUA, na altura, a desencadear ataques. Muito pelo contrário. Note-se que nenhum destes três países é signatário do TNP. Pior, um país, a Coreia do Norte, retirou a sua adesão ao TNP e pouco depois anunciou a posse de armas atómicas. Mas não se equaciona qualquer ataque a este país.

Último facto, para completar o ramalhete: se há um país que está a violar o TNP, esse país chama-se Estados Unidos da América. Por-que os primeiros artigos do TNP dispõem sobre o desarmamento nuclear e os EUA não só não se desarmam como investigam e de-senvolvem novos tipos de armas atómicas.

FORA DA LEINa interpelação ao governo que

o Bloco de Esquerda fez no dia 3 de Maio sobre a política face ao Irão, a deputada Ana Drago lem-brou como Freitas do Amaral, antes de ser ministro e diante da agressão do Iraque, denunciou a ambição desmedida dos EUA em querer mandar nos seus aliados. “É assim que se começa, normal-mente, a descer o plano inclina-do da conciliação ao seguidismo, deste ao servilismo, e deste último à servidão”, dizia então, o actual ministro dos Negócios Estrangei-ros. Hoje, Freitas do Amaral já ali-nha na espiral de ameaças contra o Irão.

Bem diferente do ex-conselheiro de Segurança Nacional de Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski (na altura considerado “falcão”), que defendeu recentemente que qual-quer ataque norte-americano ao Irão que não tivesse uma decla-ração de guerra formal prévia do Congresso seria inconstitucional e mereceria o impeachment do presidente. “Da mesma forma, se [o ataque] for lançado sem a san-ção do Conselho de Segurança da ONU, seja isoladamente [pelos EUA] ou com a cumplicidade de Israel, iria marcar os agressores como foras-da-lei internacionais.”

A VEZ DO IRÃO

1967: Construção do Centro de Investigação Nuclear de Teerão

JULHO DE 1968: O Irão assina e ratifi ca o Tratado de Não-Pro-liferação Nuclear.

ANOS 70: Sob o xá Reza Pahlavi, fazem-se planos de construir até 20 centrais nucleares no país com o apoio dos EUA. A empresa alemã Kraftwerk Union (subsidiária da Siemens) começa a construção da central de Bushehr (na foto) em 1974.

1979: O novo regime saído da revolução iraniana congela o programa nuclear. Em Julho, a Kraftwerk Union abandona o programa deixando um reactor 50% e outro 85% construídos. A empresa recebera 2.500 mil dólares, mas nada devolveu.

1982: As autoridades iranianas anunciam planos para construir um reactor nuclear, usando o seu próprio urânio no Centro Tecno-lógico Nuclear de Isfahan.

1990: O Irão começa negocia-ções com a União Soviética para retomar a construção da central de Bushehr.

JANEIRO 1995: Teerão assina um contrato de 800 milhões de dólares com a Rússia para com-pletar os reactores de Bushehr sob as salvaguardas da AIEA.

29 DE JANEIRO DE 2002: George W. Bush faz o discurso do “Eixo do Mal”.

DEZEMBRO 2002: A Casa Branca acusa o Irão de tentar construir uma bomba atómica.

16 JUNHO 2003: Mohamed El Baradei, director da AIEA, diz que o Irão “não relatou certos materiais e actividades nucleares, mas em nenhum momento de-clara que o Irão violou o Tratado de Não-Proliferação.

11 DE NOVEMBRO DE 2003: A AIEA diz não ter provas de que o Irão esteja a tentar construir uma bomba atómica.

13 DE NOVEMBRO 2003: Washington afi rma que é “im-possível acreditar” no relatório da AIEA.

18 DE DEZEMBRO 2003: O Irão assina o Protocolo Adicional do TNP.

JUNHO 2004: O ministro de Negócios Estrangeiros do Irão afi rma: “Não aceitaremos quais-quer novas obrigações. O Irão tem altas capacidades técnicas e tem de ser reconhecido pela comunidade internacional como membro do clube nuclear. É um caminho irreversível.”

27 DE JULHO 2004: O Irão retoma a construção de centrifu-gadoras em Natanz, rompendo um compromisso voluntário, feito em

Outubro de 2003, de suspender o enriquecimento de urânio.

18 DE SETEMBRO 2004: A AIEA adopta uma resolução pe-dindo ao Irão que suspenda o enriquecimento de urânio.

22 DE NOVEMBRO 2004: O Irão declara a suspensão voluntária do programa de enriquecimento do urânio para abrir negociações com a União Europeia.

JUNHO 2005: Condoleezza Rice afi rma que El Baradei deve ou endurecer a sua posição ou desistir de se candidatar a um terceiro mandato à frente da AIEA. Mas em 9 de Junho os EUA recuam e El Baradei é reeleito.

9 DE AGOSTO 2005: Ali Khame-nei anuncia uma fatwa proibindo a produção, armazenamento e uso de armas nucleares.

15 DE SETEMBRO 2005: O novo presidente do Irão, Mah-moud Ahmadinejad (eleito em Agosto), declara na ONU que o seu país tem o direito de de-senvolver um programa nuclear civil nos termos do TNP. Oferece uma solução de compromisso que permitiria empresas estrangeiras de participar no programa nu-clear iraniano, garantindo assim que não poderia ser usado para fabricar armas.

JANEIRO 2006: O Irão apresen-ta aos negociadores europeus uma proposta de seis pontos que inclui uma oferta de suspender de novo o enriquecimento de urânio por um período de dois anos, em troca da manutenção de negociações. A proposta é rejeitada e não relatada na im-prensa europeia.

4 DE FEVEREIRO 2006: A AIEA vota por 27 a 3 apresentar um relatório sobre o Irão ao Conselho de Segurança da ONU. Depois da votação, o Irão anuncia a intenção de acabar a coopera-ção voluntária com a AIEA, para além das exigências básicas do TNP, e reatar o enriquecimento de urânio.

MARÇO 2006: A Estratégia de

Segurança Nacional dos EUA condena abertamente o Irão, dizendo que este “violou as sal-vaguardas do TNP e recusa-se a dar garantias objectivas de que o seu programa nuclear tem fi ns exclusivamente pacífi cos.”

16 DE MARÇO 2006: Zbigniew Brzezinsky, ex-conselheiro de segurança nacional de Jimmy Carter, diz num discurso no Cen-tro para o Progresso Americano: “Porque é que a nossa política em relação ao Irão é tão dife-rente da que temos em relação à Coreia do Norte? A Coreia do Norte está talvez a fazer mais coisas que não queremos do que o Irão. Mas com a Coreia do Norte estamos envolvidos em negociações multilaterais directas. Quanto ao Irão, recusamo-nos a fazê-lo. Será que estamos a querer evitar um compromisso? Queremos realmente que o Irão desista, ou queremos empurrá-lo para o extremismo? Não pode certamente ser a nossa intenção deliberada fundir o nacionalismo iraniano com o fundamentalis-mo. Mas é precisamente o que estamos a fazer.”

11 DE ABRIL 2006: O presidente Mahmoud Ahmadinejad anuncia ofi cialmente que o Irão se juntou ao grupo dos países que têm tecnologia nuclear. “Baseados nos regulamentos internacionais, vamos continuar o caminho até atingir a produção à escala in-dustrial do enriquecimento [do urânio]”, reafi rmando que os fi ns do enriquecimento são exclusi-vamente civis e pacífi cos.

12 DE ABRIL 2006: Condoleezza Rice diz que o Conselho de Se-gurança deve dar “passos fortes” para induzir Teerão a mudar de curso quanto às suas ambições nucleares.

26 DE ABRIL 2006: O líder su-premo do Irão, aiatola Ali Kha-menei, diz que os americanos devem saber que se atacarem o Irão os seus interesses serão atacados em qualquer lugar do mundo.

AVANÇOS E RECUOS DO PROJECTO NUCLEAR IRANIANO

Central nuclear de Bushehr, no sul do país

EPA

/AB

EDIN

TA

HER

KEN

AR

EH

Page 14: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

10 | ESQUERDA JUNHO’06 | MORADORES EM LUTA NO BAIRRO DAS AMENDOEIRAS > > > > > > > > > >

Há revolta no bairro: há mais de 30 anos que mais de 2.500 pessoas vivem aqui, em 933 habitações. As casas foram ocupadas por gente humilde no ano de 1975. Depois de vários anos de negociações, fi cou acordado com as várias instituições do Estado que durante 30 anos os habitantes das Amendoeiras pagariam rendas fi xas e no fi nal deste período as casas passa-riam para os moradores. Passado este tempo, o Estado entregou as casas a uma Fundação Privada (D. Pedro IV) que agora quer obrigar os moradores a pagar rendas astronómicas, com aumentos superiores a 2.000 por cento.Estranho negócio com uma, não menos, estranha fundação que tem o estatuto de IPSS, e que ganhou, sem dar nenhuma contrapartida ao Estado, o direito de fi car com o dinheiro dos moradores. Um relatório da Inspecção-Geral da Segurança Social - entretanto misteriosamente arquivado e posteriormente substituído por outro mais favorável - considerou que “a fundação tem vindo a ser gerida por pessoas que não desenvolvem actividades tendentes a concretizar os seus fi ns, desenvolvendo antes outras actividades que nada têm a ver com os mesmos, das quais retiram proveitos pessoais”. O relatório denunciava, entre outras coisas, tentativas de aliciamento por dirigentes da fundação para a realização de vultuosos negócios imobiliários e concluía pela necessidade da extinção da mesma.O Esquerda faz um pouco da história deste bairro, em luta pelo direito à habitação, através dos seus comerciantesTEXTO DE NUNO RAMOS DE ALMEIDA

FOTOS DE PAULETE MATOS

BAIRRO DAS AMENDOEIRAS PROM ESSA, DESENCANTO E REVOLTA

Américo Oliveira, 44 anos, trabalha na Farmácia, já viveu no bairro. Conhece todo o mundo. Diz que a população do bairro é gente trabalhadora e muita gente reformada. “São pessoas que não têm muito dinheiro, eu vejo que muitas vezes não conseguem comprar os remédios receitados pelos médicos, devido a terem muito pouco dinheiro da reforma”. Américo acha que as pessoas idosas estão assustadas. Segundo sabe, técnicos da fundação disseram a alguns moradores que eles tinham casas muito

grandes e talvez fosse melhor serem realojados noutros bairros, em casas mais pequenas. À porta da farmácia, encontrámos Filomena Costa, tem a cargo um fi lho defi ciente, com 47 anos. Os técnicos da fundação disseram-lhe que teria certamente um bom apoio no processo de atribuição de uma renda subsidiada pela instituição. Neste momento, Filomena paga 9,5 euros de renda, a sua renda aumentada passou para 372 euros, a fundação dá-lhe um euro de apoio!

Maria Amália é dona da mercearia, esta pequena loja foi comprada com o dinhei-ro ganho pelo marido que trabalhou na Suíça, como jardineiro, durante 10 anos. Neste momento, a mercearia quase não dá para sustentar a família. “A crise é muito grande, as pessoas fi cam a dever, ou então pedem para comprar um ou dois ovos e uma cebolinha, em vez de gastarem o que costumavam”, diz Amá-lia, concluindo que, “está muita gente com medo de perder a sua casa e há muita falta de emprego”.

Page 15: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

> > > > > > > > > MORADORES EM LUTA NO BAIRRO DAS AMENDOEIRAS | ESQUERDA JUNHO’06 | 11

BAIRRO DAS AMENDOEIRAS PROM ESSA, DESENCANTO E REVOLTA

Benjamim Marco, é o dono do Café. Vive no Bairro há 32 anos. O café foi comprado ao IGAPHE, ainda não tem escritura. A renda da sua casa passou de 11,55 euros por mês (quantia que pagou durante 32 anos) para 523 eu-

ros. Como fez com todas as casas, a fundação considerou que o café se en-contrava em excelente estado, avaliou-o como se fosse novo. O que mais revolta Benjamim é a consciência que as pou-cas obras que foram sendo feitas nos

prédios, foram à conta dos moradores. Da fundação só se conhece o asfalta-mento e pintura das imediações da sua delegação no bairro. Foi no seu café que os primeiros comunicados foram sendo colocados para alerta dos moradores.

Alcides tem 55 anos e uma loja de ferramentas. Há 27 anos saiu da Ma-rinha e foi para uma das casas das Amendoeiras. Estava ainda tudo em obras. Chegou com a fi lha, recém-nascida, deitada numa alcofa. Na altura, fez muitas obras na casa até a tornar habitável. Na sua profi ssão

executava pequenas obras e vendia material de construção. Ele sabe, como ninguém, que ao longo de 30 anos, o bairro não foi abaixo porque os moradores foram cuidando dele e que mesmo grande parte dos es-paços comunitários foram reparados e preservados à custa do trabalho

e dinheiro dos habitantes. Como a maioria dos moradores, recusa-se a pagar o aumento das rendas pedido pela fundação. A fundação ameaça multar, pesadamente, os contestatá-rios. Alcides comenta que o dinheiro da multa “daria para pagar 10 anos de renda”.

Eugénio Grilo, 73 anos, é o dono do quiosque, Pertenceu à primeira comissão de morado-res que acordou com o Estado o montante das rendas a pagar durante 30 anos e o compromis-so que, fi ndo este prazo, seriam entregues aos moradores. Mostra-se revoltado com as nego-ciatas que pretendem fazer à custa dos habi-tantes das Amendoeiras. “Esta gente pensou que como muitos dos mora-dores são velhos poderia facilmente enganá-los, esqueceu-se que nes-te bairro as pessoas já conquistaram uma vez o direito à habitação e que isso não se esquece”.

Page 16: FECHO DE MATERNIDADES ESQUERDA · (Elvas, nordeste transmontano, Beira Interior), ou em centro urba-nos de dimensão limitada, como Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve-dras, onde o

Rui Borges é bolseiro há 10 anos. Os bolseiros tornaram-se os precários da investigação científica, vão de projecto em projecto sem conseguirem assegurar um posto de trabalho: “não há vagas”, repetem-lhes. TEXTO DE CARLOS SANTOS. FOTO DE PAULETE MATOS

Desenvolver projectos sérios não pode ser continuamente feito por pessoas com a corda na garganta”,

afirma Rui Borges. Se há atra-so, o investigador ou a investi-gadora, porque são precários, vêem-se obrigados a mudar de projecto para poderem publi-car artigos. A precariedade não ajuda ao desenvolvimento da in-vestigação. Na ciência, como no resto, produtividade não rima com precariedade.

40% DA MÉDIA DA UE E EM QUEDA

Portugal está longe da média europeia em gastos com a in-vestigação. As despesas em I&D (Investigação e Desenvolvimen-to), em percentagem do PIB, representam 40% em relação à média da UE a 25 e as despesas reais caíram 4,3% por ano, entre 2001 e 2004 (ver caixa – dados do Eurostat).

O primeiro-ministro, José Só-crates, prometeu* “viabilizar a contratação pelas instituições científicas de 500 novos investi-gadores doutorados até ao final de 2007”. A Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) considerou a medida positiva, mas apenas “um primeiro pequeno passo no sentido da recuperação do nosso enorme atraso”.

Em Portugal há cerca de 8 000 bolseiros de investigação científi-ca, quase um quarto das pessoas que trabalham na área de inves-tigação. Os artigos publicados pelos bolseiros representam cerca de 25% dos trabalhos publicados, havendo áreas em que essa percen-tagem chega aos 50%. Segundo a ABIC, Portugal tem em relação à média da UE um défice de 10 000 investigadores.

Para Rui Borges, falta investi-mento sério para recuperar do atraso, quer no sector público, quer no privado.

No sector público, os 500 lu-gares prometidos “são largamente insuficientes para cobrir as neces-sidades e estão muito aquém do número de doutorados que se de-dicam à investigação científica”.

Quanto ao sector privado, “um

inquérito recente referia que só 1% das empresas se mostram interes-sadas em colaborar com as Univer-sidades e 60% não querem de todo colaborar com elas. É a mentalida-de de dinheiro fácil e call-center da burguesia portuguesa”.

NÃO PODEM ESTAR DOENTESOs investigadores/bolseiros,

porque precários, fazem um pou-co de tudo. Estima-se mesmo que mais de 1 500 bolseiros, quase 20%, estejam a fazer trabalhos de secretariado, incluindo atendi-mento telefónico.

Os bolseiros não têm acesso ao subsídio de desemprego, nem têm direito ao subsídio de doença. Só no ano passado passaram a ter di-

reito a férias, mas sem subsídio, tal como não têm subsídio de Natal. Para a segurança social descontam pelo salário mínimo e não pagam IVA.

Tudo isto os deixa um pouco à margem, semi-excluídos e reduzi-damente protegidos.

Este sistema de investigação precária desenvolveu-se nos úl-timos 10 anos. Rui Borges inter-roga-se: qual o futuro? Quanto tempo aguentará este sistema que não serve aos investigadores nem à investigação?

INVESTIGADORES NO 1º DE MAIO

Em 2003, numa reunião na-cional com mais de 200 bolseiros

presentes, foi criada a “Associação de Bolseiros de Investigação Cien-tífica”. No seu site www.bolseiros.org a ABIC refere que tem como objectivos “dinamizar e congregar esforços para melhorar o estatuto do Bolseiro de Investigação Cien-tífica, numa tentativa de alterar o panorama actual e contribuir para o reconhecimento e dignificação dos profissionais que exercem investigação científica enquanto bolseiros”.

Rui Borges foi um dos funda-dores e salienta: “este ano a ABIC apelou à participação no 1º de Maio e na manifestação esteve um pequeno contingente, afinal somos trabalhadores com vínculo precário”.

Rui Borges quer continuar a fa-zer investigação científica e, para além de achar que o sector priva-do português está pouco interes-sado na investigação, é claro na sua opção: “enquanto puder quero trabalhar no sector público”.

A terminar questionámo-lo so-bre o que fará se até ao fim do ano não conseguir um novo projecto: “Numa situação dessas o mais provável seria ir trabalhar no es-trangeiro”.

A falta de investimento na in-vestigação, para além de agravar o atraso do país, tem uma con-sequência inevitável: a fuga de “cérebros”, mesmo daqueles que, como o Rui, gostavam de não ser forçados a fugir de Portugal.

as nossas lutas

Nome: Rui Borges Idade: 32 anos Naturalidade: Português Profissão: Investigador. Percurso académico: Licenciou-se em Físi-ca, na Universidade do Porto, em 1995. Em 1996, foi para a Irlanda como bol-seiro de um projecto de investigação e doutorou-se em Física do Estado Sólido, na Irlanda, em 2000. Em 2001, com um novo projecto, agora britânico, foi para Oxford já como bolseiro de pós-doutoramento. Em 2002, voltou para Portugal e desde então trabalha como bolseiro de pós-doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Tenta conseguir nova bolsa até ao final deste ano para poder prosseguir o seu trabalho de investigação. Foi fundador da ABIC (Associação dos Bolseiros de Investi-gação Científica, www.bolseiros.org)

CAUSA: A luta contra a precarização dos bolseiros.

BILHETE DE IDENTIDADE

Os Escravos da Ciência Neoliberal

* «UM COMPROMISSO COM A CIÊNCIA, PARA O FUTURO DE PORTUGAL» INTERVENÇÃO DE JOSÉ SÓCRATES NA AR EM 29 DE MARÇO DE 2006, DEBATE MENSAL.