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Fábulas

do mundo todo

Esopo, Leonardo da Vinci, Andersen,Tolstoi e muitos outros

Recontadas por

Ben Alex

Traduzidas por

Antonio Carlos Vilela

Ilustradas por

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Ruth Imhoff

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Sumário

Procure os animais e seja sábioBen Alex

O gato que tinha visõesArnold Lobel

O Vento e o SolEsopo

O cardo e o trigo

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Jonathan Birch

Os gansos religiososSoren Kierkegaard

Por que existe maldade no mundo?Leon Tolstoi

Podia ser piorFábula judaica

Os grous e a tartarugaFábula chinesa

O jardineiro e o rouxinolPilpay

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O diabo e o dono da pousadaRobert Louis Stevenson

O tesouro na lareira de IsaacFábula judaica (tradicional hassídica)

O espinheiro cruelO Livro dos Juízes

Os monges respeitososScott Peck

O macaco e o crocodiloFábula africana

O rugido do despertarJoseph Campbell

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O leão e o cordeiroJonathan Birch

O rato e o marArnold Lobel

A formiga e o grão de trigoLeonardo da Vinci

O aquecedorLeon Tolstoi

O caracol e a roseiraHans Christian Andersen

A cerejeira cantoraBen Alex

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O pai sábioFábula uzbeque

A leoa e a raposaEsopo

A toupeira casamenteiraCherokee

O diamante e o vaga-lumeRobert Dodsley

O último fósforoRobert Louis Stevenson

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PROCURE OSANIMAIS E SEJASÁBIOIntrodução aos pais, por Ben Alex

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Fábula geralmente é definida como

uma narrativa curta, com orientação

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moral, ligeiramente ingênua, e na qualanimais e objetos inanimados falam e secomportam como humanos. A moral dahistória pode estar implícita na narrativaou ser expressa à parte, na forma de umapêndice à história.

As fábulas são usadas desde a

Antiguidade como veículo para asabedoria convencional. Elas sãovariações de provérbios sobre oconhecimento cotidiano narrado dentroda mitologia e da consciência moral deuma cultura. A fábula, em si, é apenas umpano de fundo literário para umamensagem moral transmitida poranimais, plantas ou objetos inanimados,

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que têm comportamentos com os quais oleitor pode se identificar. As fábulas dePilpay, sobre a Índia antiga, são bonsexemplos de afirmação das principaiscrenças de uma cultura. A tradiçãoespalhou-se por todo o mundo,certamente por causa de fabulistas comoEsopo, da Grécia, Fedro, de Roma, e LaFontaine, da França. As fábulas mundiaissão, em sua maioria, variações sobre ashistórias desses fabulistas originais.

Como a maioria das fábulas se

concentra em comportamento adequadoe interações sociais aceitáveis, elas lidamúnica e exclusivamente com asrealidades e limitações da vida humana.

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Como o humorista e fabulista americanoJames Thurber disse, as fábulasdesmascaram “a fera em mim”,comentando as tolices humanas pormeio de ironia e sátira. Parece maiseficiente expor as fraquezas humanasatribuindo-as a animais e coisasanimadas do que às pessoas. E isso sedeve a duas das maiores bobagenshumanas: nós reparamos nas fraquezasdos outros, mas não nas nossas, eaceitamos uma verdade mais facilmentequando pensamos tê-la descoberto pornós mesmos.

Neste livro eu procurei ir além das

limitações da fábula de sabedoria

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convencional. Quis evitar a típicaperspectiva de “olho por olho” e preferiinvestir em fábulas e parábolas querevelam “o melhor de nós” ao seconcentrarem no potencial humano. Nafábula sobre a cerejeira cantora, porexemplo, eu quis explorar as “asas”espirituais em vez de expor as “raízeshumanas”. Como resultado, as vinte ecinco fábulas deste livro enfatizam ainspiração em vez da educação.

Eu dedico este livro às minhas filhas,

Tirza, Leyah e Melissa, e às criançasexistentes em todos nós, já queprecisamos de mais esperança econfiança num mundo em que noventa

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por cento das informações querecebemos quando somos crianças sãodeterminadas por “faça” e “não faça”.

Espero que os pais leiam estas fábulas

com seus filhos e descubram juntos ossignificados ocultos. Pois, emborarepresentem diferentes culturas, códigosde ética e religiões, cada uma delas é útilpara a educação moral e a inspiraçãoespiritual. Como o grande MartinhoLutero (1530) escreveu no prefácio desua própria tradução de Esopo: “Se umpai deseja que sua família divirta-se deforma agradável e útil, ele pode perguntara sua esposa, seus filhos e criados ‘qual osignificado desta ou daquela fábula?’, e

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então todos podem arriscar umainterpretação”.

BIOGRAFIA

Ben Alex é autor de quase quarentalivros, que vão desde livros infantiscristãos até biografias, livros deinspiração e espiritualidade para adultos.Recebeu a medalha de ouro C. S. Lewispelo melhor livro para crianças cristãsnos Estados Unidos. Ele também édiretor de arte e designer da maior partedos livros ilustrados da editoraScandinavia. Ben nasceu e cresceu emCopenhague, na Dinamarca, tendo umasólida formação na Igreja Evangélica

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Luterana. Por muitos anos viveu naCalifórnia e no Oregon, nos EstadosUnidos, mas reside atualmente naDinamarca, com a esposa e os seis filhos.

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O GATO QUE TINHAVISÕESFábula americana (Arnold Lobel, 1933-1987)

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–Eu tive uma visão maravilhosa – disse

o gato para a vara de pescar enquanto

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caminhava até o rio. – Vi um peixeenorme e gordo num prato de porcelana,e ele nadava num molho de manteigaderretida e suco de limão. – Então elecolocou uma minhoca no anzol, jogou-ona água e sentou-se enquanto esperava opeixe morder.

Depois de uma hora o gato disse:– Eu tive uma visão. Vi um peixe num

prato de porcelana, e ele estava cobertode manteiga derretida com suco delimão.

Muitas horas depois o gato disse:– Ainda tenho uma visão. Vejo um

peixinho num prato de porcelana comalgumas gotas de manteiga derretida esuco de limão.

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Finalmente o gato disse:– A visão mudou. Agora não vejo peixe

nem manteiga derretida ou suco delimão. Tudo o que vejo é um prato deporcelana tão vazio quanto o meuestômago.

O gato estava para desistir de pescarquando sentiu alguma coisa puxando sualinha. Um minuto depois ele tirou daágua um peixe enorme e gordo. Então elecorreu para casa e o fritou, colocando-oem seguida num prato de porcelana, queencheu de manteiga derretida e suco delimão.

– Que refeição maravilhosa! –exclamou ele.

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O VENTO E O SOLFábula grega (Esopo, século VI a.C.)

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Certa vez, o Vento e o Sol discutiam

sobre quem era o mais forte.– É claro que eu sou mais forte que você

– afirmou o Sol. – Ninguém consegue meenfrentar.

– Ah! – gabou-se o Vento. – Todomundo sabe que eu sou mais forte quevocê.

– Veremos – retrucou o Sol.Eles decidiram resolver a questão de

uma vez por todas. Naquele momento,apareceu um homem caminhando pelaestrada.

– Está vendo aquele homem? –perguntou o Sol.

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– Claro – respondeu o Vento.– Ganha aquele que conseguir fazê-lo

tirar o casaco – propôs o Sol. – Primeirovocê.

Rapidamente, o Sol se escondeu atrásde uma nuvem enquanto o Vento seaproximava do homem. Então elecomeçou a soprar. O homem se curvou. OVento soprou mais forte. O homemcomeçou a tremer. O Vento soprou erugiu, mas em vão. O homem apertouainda mais o casaco em seu corpo.

– Minha vez – disse o Sol saindo de trásda nuvem.

Primeiro ele brilhou suavemente sobreo homem, que então desabotoou ocasaco. Depois brilhou mais claro e mais

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quente, esquentando as costas dohomem, que finalmente parou e retirou ocasaco. O Sol esquentou ainda mais, e ohomem, por sua vez, procurou abrigo nasombra de uma árvore e tirou a camisa.

– Realmente você é mais forte –admitiu o Vento. – Pois a sutileza é maispoderosa que a força.

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O CARDO E O TRIGOFábula inglesa (Jonathan Birch, 1783-1847)

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–Que criatura desarmada, covarde e

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impotente você é! – rosnou o cardo para otrigo. – Não possui uma única arma pararepelir seus inimigos! Você é até feliz deficar quieto onde está. Por que não usa oscotovelos, como eu, para manter osintrusos afastados? Por que não seimporta em ter opinião própria e espalharsuas ideias?

– Perdão – respondeu o trigo –, mas queeu saiba não tenho inimigos. Não precisode armas para me defender. Quandotenho uma opinião, fico feliz emcompartilhá-la com meus vizinhos, que,por sua vez, me tratam com respeito. Nãotenho que me orgulhar de espalharminhas opiniões pessoais por todo omundo, principalmente se ele não

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precisa delas. Onde doutrinas malucassão semeadas, o solo fica amaldiçoado!

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OS GANSOSRELIGIOSOSFábula dinamarquesa (SorenKierkegaard, 1813-1855)

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Todas as manhãs de domingo os

gansos se reuniam para o culto e

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escutavam o sermão do ganso velho.O ganso velho era um orador muito

eloquente. Em seus sermões ele gostavade falar dos celestiais destinos dosgansos e do maravilhoso propósito para oqual Deus os havia criado. E, todas asvezes que Deus era mencionado, asgansas abaixavam os olhos emreverência e os gansos inclinavam acabeça. Eles se sentiam muitoabençoados por terem sido criados comasas, que poderiam carregá-los paraterras distantes, a regiões abençoadas,que seriam seus verdadeiros lugares. Oganso velho costumava dizer que eleseram “estranhos e peregrinos numa terraestrangeira”.

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Assim era todo domingo. Após osermão, a congregação se levantava, egansos e gansas conversavam antes debambolear de volta para casa. Nodomingo seguinte estariam na igreja paraouvir novamente os sermõesretumbantes do ganso velho, e depoisbamboleariam de volta para casa. Assimé que era.

Às segundas-feiras os gansos tinhammuito o que conversar, e semprevoltavam ao que aconteceu certa vez como pobre gansinho jovem que resolveuseguir seu destino usando as asas que oCriador tinha lhe fornecido. Ah, quehorrores ele enfrentou! Todos os outrossabiam do fato. Mas aos domingos

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evitavam falar a respeito, com medo deestarem zombando de Deus e delesmesmos. Em vez disso, apenasobservavam aqueles que, dentre eles,levavam a ideia de voar e o chamado deDeus muito a sério. Eram pálidos emagros. “Veja no que dá essa loucura dequerer voar de verdade...”, pensavam. “Avontade de voar só faz com que percamenergia. Eles perdem peso, pois nãoprosperam na graça de Deus como nós.”

E os gansos continuaram a ir à igrejapara ouvir os sermões retumbantes doganso velho. Todas as vezes que elemencionava Deus, as gansas baixavamseus olhos em reverência e os gansosinclinavam a cabeça. Então eles

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pensavam em seus celestiais destinos eno maravilhoso propósito para o qualDeus os havia criado.

Domingo após domingo os gansosficavam cada vez mais gordos, cada vezmais redondos e cada vez maissaborosos.E quando chegou o Natal eles acabaramna mesa de jantar e foram comidos. Foiassim.

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POR QUE EXISTEMALDADE NOMUNDO?Fábula russa (Leon Tolstoi, 1828-1910)

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Era uma vez um eremita que vivia entre

os animais da floresta. Ele e os animais

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costumavam conversar e se entendiammuito bem.

Certa noite, o eremita dormia sob umaárvore quando o corvo, a pomba, a cobrae o cervo se reuniram ali perto. Osanimais estavam evidentementeagitados, pois suas vozes acordaram oeremita.

– Não, não – disse o corvo. – É porcausa da fome que existe maldade nomundo. Enquanto temos o suficientepara comer, permanecemos contentes efelizes sem brigar. Mas, assim que a fomebate, tudo muda: nós nos sentimos mal,voamos de um lugar a outro semdescanso e não encontramos confortona palavra de Deus. E, mesmo quando

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encontramos um pedaço de carne nochão, somos atacados com paus e pedras,ou perseguidos por cachorros e lobos atéque eles nos comam. Muitos problemascomeçam com a fome. Essa é a razão deexistir maldade no mundo.

– Não acho que a maldade sejaprovocada pela fome – discordou apomba. – Não, a maldade é causada peloamor. Se vivêssemos sozinhos, nãohaveria problema. Quando amamos,estamos continuamente preocupadoscom o objeto de nosso amor. A todoinstante nos preocupamos eperguntamos: “Ele tem o que comer? Estáfeliz? Está bem agasalhado?”. E se o outronos abandona, nos sentimos perdidos.

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Quando estamos amando, ficamos otempo todo preocupados. “Será que umfalcão o pegou, ou os humanos ocapturaram em alguma armadilha?” E,quando as preocupações se tornamrealidade, aí é que nos sentimostotalmente perdidos. Não conseguimoscomer nem beber. Só o que fazemos évoar em círculos e nos lamentar. Muitospereceram dessa forma. Não, a maldadenão vem da fome, ela vem do amor.

– Eu não acho que a maldade venha dafome ou do amor – contestou a cobra. –Ela é causada pela malícia. Seconseguíssemos viver em paz uns com osoutros, não nos faríamos mal com tantafrequência. Mas, sempre que alguém nos

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magoa, ficamos enraivecidos e queremosnos vingar. Perdemos o controle,sibilamos e então picamos, até mesmonossos pais e mães. E depois tudo isso sevolta contra nós. Não, a maldade nãovem da fome ou do amor. Ela vem damalícia.

– Eu não acho que a maldade venha dafome, do amor ou da malícia – opinou ocervo. – Não, a maldade é causada pelomedo. Se conseguíssemos viver semmedo, tudo ficaria bem. Por natureza nóssomos rápidos e muito fortes.Conseguimos escapar dos animaisgrandes e, com nossas galhadas,podemos nos defender dos pequenos. Sóexiste uma coisa da qual não

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conseguimos correr. É do medo. Obarulho de um galhinho se quebrando nafloresta, folhas farfalhando; é o suficientepara nos fazer tremer. Nosso coraçãobate mais rápido, e corremos daquilo quenos impôs o medo, que é exatamente oque nos faz correr para o perigo. Fugimosde um cachorro e acabamos na mira daarma de um homem. Não existepossibilidade de paz quando estamosapreensivos. Não, a maldade não vem dafome, do amor ou da malícia, ela vem domedo.

Naquele momento, o eremita selevantou.

– Eu ouvi todos os argumentos – disseele. – Acho que sei a verdadeira razão por

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que existe maldade no mundo. Amaldade não é provocada por fome,amor, malícia ou medo. Ela existe porcausa de nossas diferentes naturezas. Édaí que vêm a fome, o amor, a malícia e omedo.

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PODIA SER PIORFábula judaica

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Isaac, um judeu pobre, foi pedir

conselho a um rabino.– Rabino, diga-me o que fazer –

exclamou. – Sou um homem pobre. Tãopobre que minha mulher, meus seisfilhos, meus sogros e eu temos que vivertodos juntos. Estamos tão cheios uns dosoutros que brigamos o tempo inteiro. Éum inferno ter que viver com tanta gentenum barraco de um cômodo. Nãoaguento mais. Eu preferiria me enforcar avoltar para casa.

O rabino pensou no problema poralguns instantes.

– Meu filho – disse ele então –, se você

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fizer o que vou lhe dizer, garanto que suacondição vai melhorar.

– Faço o que o senhor disser, se for paraacabar com essa loucura – prometeuIsaac.

– Quantos animais você tem? –perguntou o sábio rabino.

– Uma cabra, uma vaca e algumasgalinhas.

– Vá para casa e ponha todos osanimais para dentro, para que vivam comvocê.

Isaac ficou horrorizado com a ideia,mas ele queria manter sua promessa.Então voltou para casa e seguiu oconselho do rabino.

Dois dias depois Isaac voltou ao

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rabino.– Rabino! – exclamou ele. – Eu fiz como

o senhor mandou: pus todos os animaisdentro de casa. Agora me arrependo deter prometido lhe obedecer, pois ascoisas estão ainda piores. Não aguentonem mais um dia dessa loucura. Porfavor, me ajude!

– Bem, filho – respondeu o rabino –,então vá para casa e ponha as galinhaspara fora. Que Deus o ajude.

Assim, o pobre Isaac voltou para casa eenxotou as galinhas. Dois dias depois elevoltou ao rabino.

– Rabino! – exclamou Isaac. – Nãoaguento mais. A cabra está destruindotudo dentro de casa. Quero que ela saia!

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– Então vá para casa e ponha a cabrapara fora – disse o rabino. – Que Deus oajude.

Isaac voltou para casa e enxotou acabra. Dois dias depois ele voltou aorabino.

– Rabino – suplicou Isaac. – Nãoaguento mais. A vaca está fazendo umabagunça na minha casa. Ela precisa sair.

– Então vá para casa e ponha a vacapara fora – aconselhou o rabino.

Mais uma vez Isaac foi para casa e pôs avaca para fora.

Muito tempo se passou. Então, um diaIsaac voltou ao rabino, radiante defelicidade.

– Obrigado, rabino. – Ele sorriu. – O

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senhor mudou minha vida! Desde quepus os animais para fora, minha casatornou-se limpa e tranquila. Estamostodos muito felizes agora. Deusrealmente nos abençoou.

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OS GROUS E ATARTARUGAFábula chinesa

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Havia dois grous e uma tartaruga que

viviam felizes em um lago. Eram todos

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amigos até o ano daquela terrível seca.Durante muitos meses não caiunenhuma gota de chuva, e a terra ficoumarrom e ressecada. O lago foidiminuindo de tamanho até que nãohavia mais espaço para os grous seexercitarem. Então, eles decidiram irembora à procura de um novo lar etiveram que se despedir de sua amiga, atartaruga.

– Cara amiga – disseram eles –,precisamos abandonar este lugar e irpara o Lago Celestial. Desejamos tudo debom para você.

– Pensei que fôssemos amigos. Vocêsvão me deixar aqui? – protestou atartaruga. – Muito bem, então. Eu vou

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para o meu lugar celestial, onde osamigos se importam uns com os outros epermanecem juntos.

– Não temos escolha – responderam osgrous. – Vamos morrer se continuarmosaqui mais um dia.

– Esperem, tive uma ideia – disse umdeles. – Talvez possamos levar atartaruga conosco.

– Por favor! – implorou ela.– Mas você precisa fazer exatamente o

que eu disser – continuou o grou. –Vamos pegar uma vara comprida. Vocêmorde o centro da vara enquanto nósseguramos as pontas dela com nossobico. Sob nenhuma circunstância,durante o voo, você poderá abrir a boca!

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– Isso é fácil – disse a tartaruga. –Vamos lá!

Logo os três amigos estavam no ar, acaminho do oceano. Quando passaramsobre uma aldeia, um homem olhou paracima.

– Vejam esses grous! – gritou ele. – Essatartaruga deve ser muito inteligente parafazer esses grous estúpidos a carregarempor aí.

Os grous não deram atenção paraaquelas palavras ofensivas, mas atartaruga encheu-se de orgulho. “Issomesmo, sou muito inteligente!”, pensouela.

Mais tarde, passaram sobre um campoonde crianças colhiam folhas de chá.

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– Olhem a tartaruga voadora – gritouuma delas –, esses grous têm que sermuito espertos para carregar com elesuma criatura tão estúpida quanto umatartaruga.

Os grous não deram atenção aoselogios das crianças. Apenascontinuaram a voar. Mas a tartaruga ficoubrava.

– Crianças estúpidas! – gritou ela.Um minuto depois atingiu o solo e se

quebrou em mil pedaços.

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O JARDINEIRO E OROUXINOLFábula indiana (Pilpay, século IV a.C.)

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Um jardineiro tinha a mais linda

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roseira em seu jardim. Todas as manhãsele saía para admirar as rosas e sentir suafragrância.

Certa manhã, o jardineiro viu umrouxinol pousado na roseira, arrancandoas pétalas de uma rosa após a outra.Horrorizado pelo estrago que o pássarohavia feito, o jardineiro preparou umaarmadilha e o capturou.

– Seu pássaro malvado – disse ele,trancando-o numa gaiola –, você nãosabia que as rosas que destruiu eram meuúnico prazer? Como pôde tirar de mim amelhor coisa que eu tinha? Cada pétalaque você arrancou foi uma gota desangue do meu coração!

– Seu jardineiro mesquinho –

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respondeu o rouxinol –, está me punindocom severidade por eu ter feito algo semsaber que era errado. Você conseguiu suavingança, mas na próxima vida vai sofreras consequências de seus atos. Lá vocêserá tratado da mesma maneira que trataos outros aqui.

Tocado por essas palavras, o jardineiroimediatamente deixou o rouxinol sair dagaiola. O pássaro agradeceu-lhe por suabondade.

– Já que você mostrou compaixão pormim – disse o rouxinol –, vou lhe dar algoem retribuição. Saiba, portanto, que sob aárvore mais insignificante do seu jardimestá enterrado um vaso cheio de ouro. Oouro é seu. Que os céus o abençoem com

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ele.O jardineiro procurou e encontrou a tal

árvore. Embaixo dela descobriu o vasocheio de ouro.

Quando o rouxinol voltou na manhãseguinte, o jardineiro perguntou-lhe:

– Diga-me, rouxinol, como vocêconseguiu enxergar um pote de ouroenterrado se não pôde ver a rede que eutinha aberto para capturá-lo?

– Ninguém pode ver o que o espera –respondeu o rouxinol. – Contudo, aindaque enxerguemos bem ou sejamosprudentes, nunca conseguimos escaparao nosso destino. Então o sábio pássaroacrescentou: – Mas não tema, jardineiro.Esse fato vai ensiná-lo que, enquanto

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você souber que é inocente, pode ficartranquilo e se resignar com o seu destino.

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O DIABO E O DONODA POUSADAFábula britânica (Robert LouisStevenson, 1850-1894)

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Certa vez, o Diabo se hospedou numa

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pousada onde ninguém o conhecia, poiseram pessoas de pouca instrução. Ele erauma companhia alegre, e assim ummonte de gente se reunia ao redor delepara ouvir suas piadas.

Mas o dono da pousada ficoudesconfiado e, de manhã bem cedo,quando o Diabo tentava escapar sempagar a conta, o pegou e o amarrou comuma corda.

– Você se esqueceu de pagar a conta –disse o homem –, e agora vou lhe dar umasurra.

– Mas eu sou o Diabo – disse o outro –, éminha natureza fazer o mal.

– É mesmo? – perguntou o dono dapousada.

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– Pela minha honra! – exclamou oDiabo.

– Você quer dizer que não consegueevitar ser desonesto? – perguntou o donoda pousada.

– Pela minha honra! – exclamou oDiabo novamente. – Seria uma crueldadeinútil bater em alguém como eu.

– Realmente seria – concordou o donoda pousada. Então ele fez um laço com acorda e enforcou o Diabo.

– Melhor assim – disse o dono dapousada.

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O TESOURO NALAREIRA DE ISAACFábula judaica (tradicional hassídica)

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Havia um judeu pobre chamado Isaac

que vivia numa cabana, muito longe da

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cidade. Certa noite, ele teve um sonhoestranho. Sonhou que havia um grandetesouro enterrado sob a ponte que levavaao principal portão da cidade.

Bem cedo, na manhã seguinte, Isaaccomeçou sua longa jornada até a cidade.Após vários dias de caminhada, elechegou à ponte. Mas ela estavafortemente guardada por soldados. Isaacdecidiu esperar até que escurecesse paracomeçar a procurar pelo tesouro. Entãoele se esgueirou para baixo da ponte ecomeçou a cavar.

– Quem está aí? – rugiu o capitão daguarda.

Isaac se arrastou sob a ponte.– O que está fazendo aí, velho? – o

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capitão exigiu saber.Na simplicidade de sua pobreza, Isaac

contou a ele seu sonho sobre o tesouroenterrado sob a ponte.

– Seu velho tolo... – O capitão riu. –Onde estaríamos todos se fôssemosprestar atenção aos nossos sonhos? Ora,na noite passada tive um sonho parecidocom o seu. Sonhei que bem longe, numcasebre pobre, que pertence a umhomem chamado Isaac, havia umtesouro enterrado sob a lareira. Agora dêo fora daqui, seu velho tolo!

Isaac voltou para casa o mais rápidoque pôde. Ao chegar, tirou as cinzas dalareira e começou a cavar. Lá, bemdebaixo de sua própria lareira, havia um

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grande tesouro.

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O ESPINHEIROCRUELFábula judaica (O Livro dos Juízes,século XI a.C.)

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As árvores decidiram que queriam um

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rei. Um dia, elas se reuniram na florestapara escolher seu rei.

– Oliveira, você quer ser nosso rei? –perguntaram as árvores.

– Por que eu trocaria a produção deminhas valiosas azeitonas pelo prazerduvidoso de governar vocês? –questionou a oliveira. – Não, prefiro fazeralgo em que sou boa. Isso agrada a Deus eaos homens.

Então as árvores se voltaram para afigueira.

– Quer ser nosso rei? – perguntaram.– Por que eu trocaria minhas frutas

doces pelo prazer duvidoso de governarvocês? – indagou a figueira. – Não, euquero ter frutos e não súditos.

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Sem sucesso, as árvores se voltarampara a videira.

– Quer ser nosso rei?– Por que eu trocaria meu precioso

vinho pelo prazer de governá-las? –respondeu a videira. – Quero fazer osoutros felizes, não infelizes.

Finalmente, as árvores se voltarampara o espinheiro.

– Por favor, seja nosso rei – pediramelas.

– Está bem – respondeu o espinheiro,empinando o nariz. – Mas vocês têm quese curvar e se abrigar à minha sombra. Evou puni-las com severidade se não meobedecerem.

Então, todas as árvores se curvaram

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para se abrigar à sombra do espinheiro,até mesmo os grandes cedros-do-líbano.Daquele dia em diante, o espinheirocresceu e se tornou um tirano quegoverna as árvores com mão de ferro.

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OS MONGESRESPEITOSOSFábula americana (Scott Peck, 1936-2005)

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Havia um mosteiro onde um abade e

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quatro outros monges viviam. A ordemque eles representavam já tinha sidomuito grande, mas, por causa daperseguição monástica dos séculos XVIIe XVIII, todos os demais mosteirosforam fechados. Agora, somente cincomonges viviam na decadente abadia, eeram todos velhos. Com certeza aquelaordem estava condenada.

Escondida na floresta que rodeava omosteiro havia uma cabaninha. Umrabino da cidade mais próxima às vezesusava a cabana para fazer retiro. Um dia,o abade, preocupado com o fim de suaordem, resolveu visitar o ermitério eperguntar ao rabino se ele tinha algumconselho para lhe dar sobre como salvar

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o mosteiro.O rabino recebeu o abade em sua

cabana. Mas, quando o monge lheexplicou o motivo de sua visita, o velhorabino só pôde se compadecer do outro.

– Eu sei como é – disse o rabino. – Oespírito abandonou as pessoas. É omesmo na minha cidade. Quaseninguém mais vai à sinagoga.

Assim, o rabino velho e o abade sóconseguiram chorar juntos. Eles lerampartes da Torá e conversaramcalmamente sobre assuntos profundos.Quando o abade se levantou para irembora, os dois se abraçaram.

– Que ótimo que conseguimos nosencontrar, depois de todos esses anos –

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disseram eles.– Mas – disse o abade – eu falhei no

propósito da minha vinda. Não há nadaque possa me dizer, qualquer conselhocapaz de salvar nossa ordem agonizante?

– Sinto muito – respondeu o rabino. –Não tenho nenhum conselho para lhedar. – Então ele pensou por um instante eacrescentou: – Tudo o que posso lhe dizeré que o Messias é um de vocês.

Quando o abade voltou ao mosteiro, osmonges se reuniram ao redor dele.

– O que o velho rabino disse? –perguntaram. – Que conselho ele lhe deu?

– Nenhum – respondeu o abade. – Anão ser que o Messias é um de nós.

Nos dias, semanas e meses que se

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seguiram, os velhos monges refletiramsobre isso, imaginando se havia algumsignificado possível nas palavras doexperiente rabino, sobre um deles ser oMessias.

Será que ele se referia a um dos mongesdo mosteiro? Se fosse o caso, qual? Talvezele se referisse ao abade. Sim,provavelmente ele falava do abade, queera o líder havia mais de uma geração.

Ou talvez ele quisesse indicar o IrmãoTomás. Certamente o Irmão Tomás eraum homem santo. Todo mundo sabiacomo ele era piedoso.

Mas com certeza ele não se referia aoIrmão Jaime! Jaime era sempre tãomoralista. Pensando bem, ainda que ele

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fosse uma pedra nos sapatos dos outros,estava quase sempre com a razão. Quasesempre com muita razão! Talvez o rabinose referisse mesmo ao Irmão Jaime!

Mas certamente não era o Irmão Filipe!Filipe era um ninguém, tão passivo edespreocupado. Ainda assim, ele pareciaestar sempre disponível quando alguémprecisava dele! Talvez Filipe fosse oMessias!

Um de cada vez, os monges pensaram:“É claro que o rabino não estava falandode... mim? Ele não podia estar sereferindo a... mim? Sou apenas umapessoa comum. Supondo que eleestivesse falando de mim... Supondo queeu seja o Messias... Ah, Deus, não, não eu!

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Não consigo ser assim tão semelhante aCristo, consigo?”.

E, enquanto pensavam assim, os velhosmonges começaram a se tratar comextraordinário respeito, pelapossibilidade de um deles ser o Messias.E, pela possibilidade de ser o Messias,cada um deles começou a tratar a simesmo com extraordinário respeito.

Como a floresta onde o mosteiroestava situado era um local muito bonito,as pessoas ainda apareciamocasionalmente para visitá-lo. E algumasdelas começaram a reparar no modocomo os velhos monges se tratavam.Havia algo estranhamente atrativo einstigante naquilo.

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Sem saber o porquê, essas pessoascomeçaram a voltar com frequência aomosteiro para rezar. Elas traziam osamigos para lhes mostrar esse lugarespecial. E os amigos traziam maisamigos. Então aconteceu que alguns dosjovens que iam visitar o mosteirocomeçaram a conversar, cada vez mais,com os velhos monges. Depois de algumtempo, um jovem pediu para se juntar aeles. E depois outro. E mais outro...

E assim uma ordem agonizanteretornou à vida e se espalhou em novosmosteiros, chegando aos mais distantescantos do mundo.

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O MACACO E OCROCODILOFábula africana

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Um macaco vivia numa mangueira

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perto da margem do rio. Certo dia, umcrocodilo se aproximou.

“Hum”, o crocodilo pensou, “estoucom vontade de comer coração demacaco no jantar.” Então, ele disse aomacaco:

– Desça da árvore para brincar comigo.– Eu não posso brincar com estranhos

– respondeu o macaco.– Mas eu quero lhe mostrar uma

mangueira do outro lado do rio, que dámangas muito melhores do que a suaárvore.

– É mesmo? – interrogou o macaco. –Mas eu não sei nadar.

– Não tem problema – disse o crocodilosorrindo. – Pule nas minhas costas que eu

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o ajudo a atravessar o rio.O macaco pulou nas costas do

crocodilo. Logo estavam no meio do rio.De repente, o crocodilo começou a

mergulhar, com o macaco ainda em suascostas.

– Socorro! Pare! Estou me afogando! –gritou o macaco.

– Segure-se. – O crocodilo sorriu. – Euvou afogá-lo, pois quero comer coraçãode macaco no jantar, e você foi muitoburro em confiar em mim.

– Ah – lamentou-se o macaco. – Eugostaria que tivesse me contado averdade. Aí eu teria trazido meu coraçãocomigo.

– Quer dizer que você deixou seu

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coração na mangueira? – perguntou,descrente, o crocodilo.

– É claro – respondeu o macaco. –Nesta selva perigosa, os macacos nãocorrem por aí com seus corações. Nós osdeixamos em casa. Mas vou lhe dizer oque podemos fazer. Você me leva para amangueira com frutas maduras, do outrolado do rio, e depois podemos voltar parapegar meu coração.

– Nada disso – desdenhou o crocodilo.– Vamos voltar e pegá-lo agora mesmo!Segure-se aí!

– Tudo bem – concordou o macaco.Então o crocodilo deu meia-volta e

rumou para a mangueira do macaco.Assim que eles chegaram à margem, o

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macaco subiu na árvore e jogou umamanga na cabeça do crocodilo.

– Meu coração está aqui em cima,crocodilo estúpido! – disse o macaco. –Se quiser comê-lo, vai ter de subir aqui epegá-lo!

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O RUGIDO DODESPERTARFábula indiana (Joseph Campbell, 1904-1987)

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Havia uma tigresa grávida e faminta.

Ela se aproximou de um rebanho de

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cabras e atacou-o com tanta energia queprovocou o nascimento de seu filhote esua própria morte. As cabras fugiram,mas depois, ao voltar, encontraram ofilhote ao lado do corpo da tigresa.Dotadas de forte instinto maternal, ascabras adotaram o tigrinho, que cresceupensando ser uma cabra.

Ele aprendeu a balir e a comer grama,mas, como grama não é comida de tigre,ele ficou com uma aparência deplorável.

Alguns anos depois, um enorme tigremacho atacou o rebanho de cabras. Maisuma vez elas escaparam, mas o tigre-bode permaneceu lá, encarando o tigrão,que parou e disse:

– O que está fazendo aqui? Você não é

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um tigre?– Bééé – respondeu o tigre-bode,

enquanto mordiscava umas graminhas,constrangido.

O tigrão ficou mortificado.Então o tigrão levou o tigre-bode para

um lago parado. Pela primeira vez navida, o tigre-bode viu sua própria imagemrefletida na água.

– Olhe – disse o tigre. – Seu rosto é igualao meu. Você não é um bode. É um tigre,como eu. Siga-me e faça o mesmo que eu.

O tigrão elevou a cabeça e saiuandando. O tigrinho o seguiu, tentandoimitá-lo o melhor que podia.

Mais tarde eles chegaram a uma covade tigres, onde um grupo deles

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banqueteava-se com uma gazela recém-capturada. O tigrão arrancou um bife dagazela, virou-se para o tigrinho e disse:

– Isso é comida de verdade. Abra suaboca.

– Mas eu sou vegetariano – disse otigrinho recuando.

– Chega dessa bobagem – disse otigrão, enquanto enfiava a carne pelagarganta do tigrinho, que engasgou,como nós nos engasgamos com averdadeira doutrina.

Daquele dia em diante o tigrinhocomeu comida de tigre. Ele rugia e atémesmo caçava seu próprio alimento. Elogo se tornou o tigre mais bonito detodos.

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Somos todos tigres vivendo comocabras. E o rugido, o primeiro que todosdevemos dar, é chamado de rugido dedespertar.

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O LEÃO E OCORDEIROFábula americana (Jonathan Birch,1783-1847)

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–O novo milênio chegou – disse o leão

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para o cordeiro, que pastava no curral. –Saia e vamos viver juntos em paz, como a

Bíblia ensina1.– Mas onde está a criança que vai

cuidar de nós? – perguntou o cordeiro.– Não sei – respondeu o leão. – Talvez

seja o próprio filho do pastor.– Não acredito num milênio em que o

pastor tenha de providenciar o alimentoe alguém para nos guiar – contestou ocordeiro. – Minha ideia de felicidade éfazer uma refeição sem que haja carne decordeiro sobre a mesa. E os leões,certamente eu os prefiro como estátuasna sala de jantar do que comoconvidados à mesa!

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O leão, vendo que seu truque falhara,afastou-se, pensativo, e foi calmamentedevorar o padre da aldeia.

1 Ver Isaías, 11, 1-9 (N. do E.)

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O RATO E O MARFábula americana (Arnold Lobel, 1933-1987)

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Um rato, certa vez, disse a sua mãe e a

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seu pai que desejava viajar para longe,para conhecer o oceano.

– Ah, não – pediram eles –, o mundo écheio de perigos. Algo poderia acontecera você. Por favor, não vá!

– Estou decidido a ir – respondeu comfirmeza o ratinho. – Ouvi falar do oceano,mas ainda não o vi. Já é hora de eu ir e vercom meus próprios olhos.

– Já que você não quer nos ouvir –disseram mamãe e papai rato –, então,por favor, tenha cuidado. Há um mundomuito perigoso lá fora.

Mas o ratinho não tinha medo. Namanhã seguinte, assim que o Sol nasceu,iniciou sua jornada. Ele não tinha idomuito longe quando teve sua primeira

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lição sobre problemas e medo. Um gatopulou de trás de uma árvore.

– Vou comê-lo de almoço – disse ogato. Mas o ratinho correu o mais rápidoque pôde. O gato teve que se contentarcom meia cauda de rato para o almoço.

– Ah, como eu queria que mamãe epapai pudessem contemplar esta vistalinda – disse o ratinho suspirando...

Enquanto o Sol movia-se pelo céu, oratinho teve que enfrentar muitos outrosperigos. Ele foi atacado por pássaros ecães. Perdeu-se, ficou com medo,cansado e machucou-se. Mas, no finaldaquele dia, ele finalmente escalou aúltima montanha antes do oceano. E lá,diante dele, estava o vasto mar,

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refletindo milhares de cores do pôr dosol no Pacífico.

– Ah! – suspirou, ao se sentar no topoda montanha.

E, quando surgiram a Lua e as estrelasno céu que escurecia, ele sentiu grandepaz e contentamento.

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A FORMIGA E OGRÃO DE TRIGOFábula italiana (Leonardo da Vinci,1452-1519)

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Durante a colheita, um grão de trigo

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caiu no solo. Ali ele esperou que a chuva oenterrasse.

Então surgiu uma formiga quecomeçou a arrastá-lo para o formigueiro.

– Por favor, me deixe em paz! –protestou o grão de trigo.

– Mas precisamos de você noformigueiro – disse a formiga. – Se nãotivermos você para nos alimentar, vamosmorrer de fome no inverno.

– Mas eu sou uma semente viva –reclamou o trigo. – Não fui feito para sercomido. Eu devo ser enterrado no solopara que uma nova planta possa crescer apartir de mim.

– Talvez – disse a formiga –, mas isso émuito complicado para mim. E

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continuou a arrastar o trigo.– Ei, espere – disse o trigo. – Tive uma

ideia. Vamos fazer um acordo!– Um acordo? – perguntou a formiga.– Isso mesmo. Você me deixa no

campo e, no ano que vem, eu lhe dou cemgrãos.

– Você está brincando – disse aformiga, descrente.

– Não, eu lhe prometo cem grãos iguaisa mim no próximo ano.

– Cem grãos de trigo para desistir deapenas um? – disse a formigadesconfiada. – Como você vai fazer isso?

– Não me pergunte – respondeu o trigo–, é um mistério que não sei explicar.Confie em mim.

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– Eu confio em você – disse a formiga,deixando o grão de trigo no lugar em queele estava.

E, no ano seguinte, quando a formigavoltou, o trigo tinha mantido suapromessa.

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O AQUECEDORFábula russa (Leon Tolstoi, 1828-1910)

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Havia um fazendeiro que vivia numa

grande casa com sua mulher. A casa tinhaum aquecedor enorme, que conseguiaesquentar todos os cômodos comfacilidade. Mas, para mantê-lofuncionando, o fazendeiro tinha quealimentá-lo constantemente commadeira.

O inverno mal tinha começado e toda amadeira do aquecedor já havia sidoconsumida. O fazendeiro e sua mulhercomeçaram a passar muito frio. Assim,para manter a casa aquecida, ofazendeiro desmontou suas cercas eusou as tábuas como combustível para o

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aquecedor. Quando acabaram as cercas,a casa ficou mais fria que nunca.

Então o fazendeiro começou aarrancar o teto e a alimentar o forno comessas tábuas. Um vizinho veio visitá-lo.

– O que está fazendo? – perguntou ohomem. – Arrancando seu próprio teto?Está louco? O vento vai tomar sua casa.Você e sua mulher vão morrer de frio!

– Preciso de algo para alimentar meuaquecedor – respondeu o fazendeiro. –Do contrário, a casa vai ficar muito friapara se morar nela.

– Bem – o vizinho riu –, depois que vocêarrancar e queimar todo o teto,provavelmente vai acabar com a casa equeimá-la também. E não vai ter onde

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morar. Só o que vai lhe sobrar será umaquecedor frio!

– Esse é o meu infortúnio – suspirou ofazendeiro.

– Ouça – aconselhou o vizinho –, vocênão precisa alimentar o aquecedor. Tudoo que precisa é reformá-lo.

– Você está com inveja da minha casagrande e do meu aquecedor enorme –retrucou o fazendeiro. – É por isso que meaconselha a reconstruí-lo.

Então ele continuou a desmontar oteto e depois a casa para manter oaquecedor.

No ano seguinte, quando o invernochegou, o fazendeiro e sua mulher nãotinham onde viver, a não ser com

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estranhos.

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O CARACOL E AROSEIRAFábula dinamarquesa (Hans ChristianAndersen, 1805-1875)

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Ojardim era rodeado por uma cerca de

aveleiras, e além dela havia campos e

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prados com vacas e ovelhas. No meio dojardim erguia-se uma roseira, e sob aroseira esticava-se um caracolexplodindo de ambição.

– É só esperar – disse o caracol à roseira–, minha hora vai chegar! Eu querorealizar muito mais que apenas dar rosasou castanhas, como as vacas produzemleite, e as ovelhas, lã.

– O que você está esperando? –perguntou a roseira. – Espera-se muitodaqueles que recebem muito.

– Ah, eu vou com calma – respondeu ocaracol. – Não tenho pressa.

Um ano se passou. Na primaveraseguinte, o caracol ainda desfrutava dosol sob a roseira, que estava ocupada

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criando botões e desabrochando-os emrosas, um após o outro. O caracol esticousuas antenas, mas logo as recolheu.

– Sempre a mesma coisa – disse ele. –Rosas e rosas e rosas. Nenhumanovidade. Será que a vida se resume arosas?

O verão veio, e o inverno também. Aroseira deu rosas até a neve chegar. Oclima tornou-se úmido e frio. A roseiracurvou-se em direção ao chão. O caracolretirou-se para o solo.

Outro ano começou, com novos botõese rosas. O caracol apareceu novamente.

– Você é uma roseira bem velha, agora –disse ele. – Seu tempo já passou, e você jádeu ao mundo todas as rosas que tinha

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para dar. Mas, se tivesse sido sábia osuficiente para cuidar de seucrescimento interior, poderia ter dado aomundo mais que rosas.

– Nunca pensei nisso – respondeu aroseira, amedrontada.

– Esse é o problema – continuou ocaracol. – Você nunca parou para pensarna vida. Se tivesse refletido sobre o quefazia e em como as rosas crescem,poderia ter realizado mais durante a vida.

– Mas eu fiz aquilo que melhor sabiafazer – protestou a roseira –, e isso me deualegria. Florescer fazia-me sentir viva. Eurespirava o ar fresco e bebia o orvalho e achuva. Eu sentia a força subir por minhasraízes. Sentia-me tão feliz que eu

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simplesmente tinha que florescer. Nãopodia fazer mais nada.

– Que vida confortável e egoísta! –disse o caracol, com ar de repreensão.

– É verdade – respondeu a roseira –,mas só passei adiante o que me foi dado.Em comparação com suas habilidades,talvez não seja muito. Você é tão espertoe inteligente; tenho certeza de que farácoisas bem mais importantes. O mundoficará espantado com todos os seusdons!

– Nada disso – retrucou o caracol. –Não me importo com o mundo. Já mepreocupo bastante comigo.

– Mas nós não devemos pensar nosoutros mais do que em nós mesmos? –

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perguntou a roseira. – Tudo o que eupodia dar eram rosas. Mas você podemuito mais! O que você quer dar aomundo?

– Nada – disse o caracol. – O mundonão é bom e não me importo com ele.Para ser honesto, eu cuspo nele. Vocêpode continuar. Dê suas rosas, se é o quedeseja fazer. Que as aveleiras deem suasavelãs, e as vacas seu leite e as ovelhassua lã. Elas têm seus admiradores. Eutenho o meu. Meu melhor admirador soueu mesmo.

Então o caracol se recolheu em suacasa.

– Bem que eu queria poder fazer isso –disse a roseira. – Já tentei, mas não

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funciona para mim. Sempre acabo meentregando em mais rosas. O vento soprasuas pétalas, e elas saem voando. Certavez, vi uma pétala no livro de orações deuma senhora. Outra, reparei num botãode rosa junto ao seio de uma linda garota.Já vi até crianças se abaixarem parabeijar, felizes, minhas flores. Que bênção!Como isso me fez sentir bem.

E a roseira continuou a florescer emsua inocência enquanto o caracol ficoucochilando em sua casa. Anos mais tarde,muito depois que o caracol e a roseiratinham desaparecido, novos caracóis eroseiras surgiram em seus lugares. E ahistória continuou: as roseiras davamrosas enquanto os caracóis cuspiam e se

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recolhiam em suas casas, já que para eleso mundo nada significava.

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A CEREJEIRACANTORAFábula dinamarquesa (Ben Alex, 1946)

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Havia na campina uma arvorezinha

triste, com os pés firmemente plantados

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no solo e as folhas apontadas para o céuazul brilhante de outono.

– Ah, como eu queria poder andar –suspirou a árvore. – Eu queria caminharaté as colinas e ver o que há do outro lado.

– Mas por quê? – perguntou a grama. –Você é uma árvore, por que quer andar?Árvores não andam.

– Eu sei – disse a árvore. – Ainda assimeu gostaria de sair pelo mundo e metornar bem-sucedida e famosa. É difícilser famosa quando se está presa aomesmo lugar de sempre.

– Isso é bobagem – censurou-lhe agrama. – Não queira ser diferente do queé. Esse é o seu destino.

– O que é destino? – perguntou a

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árvore.– Lançar raízes e crescer fazendo o que

se espera que você faça. Isso é destino. Éo que faz o mundo girar.

Naquele momento uma borboleta seaproximou.

– Com licença – disse ela. – Não hánada de errado com o sonho de se tornarmais do que se é. É verdade que devemosseguir nosso destino, mas devemostambém buscar nosso êxtase.

– O que é êxtase? – a árvore quis saber.– Seguir seu coração e fazer aquilo que

realmente deseja. Isso é êxtase –respondeu a borboleta, antes de irembora.

Veio o inverno. A arvorezinha na

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campina sentiu-se solitária sem a gramapara lhe fazer cócegas nos pés, nem aborboleta para lhe falar palavrasencorajadoras. Ela sentia apenas dor emsuas raízes enquanto o frio penetrava naterra.

Enfim, a neve derreteu e chegou aprimavera. A grama ficou verde e novasfolhas cresceram nos galhos da árvore.

Numa bela manhã, a borboletaressurgiu.

– Meu Deus! – suspirou ela. – Você é aárvore mais bonita que eu já vi. Suasfolhas são de um verde-azulado único, eolhe para essa flor maravilhosa no seucabelo!

– Flor? Eu não vejo flor – disse a árvore.

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– Só me sinto feia e cansada, com a cascarachando.

– A beleza está na flor, não na casca –disse a borboleta.

– Não compreendo – disse a árvore. –Eu queria ter asas para poder voar comovocê. Assim eu ganharia o mundo parame tornar bem-sucedida e famosa.

– Talvez um dia você consiga. – Aborboleta sorriu.

– Mas eu não tenho asas – reclamou aárvore –, só raízes. Ela se contorceu epuxou os pés, tentando se soltar do solo,mas nada conseguiu.

– Confie em mim – disse a borboleta. –Um dia você ainda vai abençoar o solo.

Então a borboleta beijou a flor até que

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ela ficasse toda cor-de-rosa.Um dia, uma rajada de vento veio por

cima das colinas.A árvore se abaixou, mas o vento era

muito forte e arrancou todas as pétalasde sua flor.

– Ai – gemeu a árvore. – Minha flor sefoi. Sou apenas uma árvore comum, maisuma vez. Nunca me tornarei famosacomo a borboleta prometeu.

– Isso é o que acontece com aquelesque se acham muito importantes –resmungou a grama. – Siga o seu destino.Contente-se com a terra.

Veio o verão. Rajadas de ventosacudiram a grama, soando como notasmusicais pelas colinas. A árvore se sentiu

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melhor e começou a acompanhar amúsica. Percebendo que a árvore tinhamelhorado de humor, a grama olhou paracima e imediatamente reparou que umcaroço na árvore tinha mudado de verdepara vermelho.

– Ei – exclamou a grama –, você é umacerejeira!

– É mesmo? – disse a árvore. – Como éque você sabe?

– Ora, estou vendo sua fruta –respondeu a grama, e a cerejeira seencheu de orgulho.

Foi então que um corvo se aproximou,voando.

– Que cereja apetitosa! – disse o corvo.Com uma bicada rápida ele pegou a

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cereja e desapareceu atrás das colinas.– Ei, ladrão, pare! – gritou a cerejeira.Mas de nada adiantou. A árvore ficou

lá, derramando suas folhas no chão. Agrama nada disse.

O inverno seguinte foi longo e penoso.Mais uma vez, a árvore duvidou quesobrevivesse. Mas, quando a primaverachegou, duas flores brancas surgiram emseu cabelo.

– Você se lembra? – perguntou aborboleta. – Você é uma cerejeira.– Eu sei– respondeu humildemente a cerejeira. –Eu recebi uma segunda chance. Desta vezvou proteger com cuidado minhas frutas.

Então ela esticou seus braços para aborboleta, que lhe deu dois beijos

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estalados, fazendo-a ficar toda cor-de-rosa de rubor.

A árvore cantou durante a primaverainteira, até mesmo quando as brisas deverão levaram suas flores, deixando doiscaroços verdes no lugar.

Mas, então, o corvo voltou e arrancouas duas frutas vermelhas.

– Ah, de que adianta? – gemeu a árvore.E assim foi, ano após ano. Na

primavera as flores mais lindasapareciam na árvore, que cantava até overão, quando as cerejas mais docessurgiam no lugar das flores. Mas todo anoo corvo retornava e roubava as frutinhasvermelhas.

Os anos se passaram. Numa manhã de

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inverno a árvore tombou, com a cascaacinzentada, exausta de lutar com astempestades. Um fazendeiro a cortoucom um machado e queimou suamadeira no aquecedor.

Na primavera seguinte, quando aborboleta voltou para beijar as flores, aárvore tinha desaparecido.

– Sinto muito, querida cerejeira –lamentou ela. – Eu queria que vocêsoubesse como foi corajosa, semprecantando suas músicas cheias deesperança. Arvorezinha, você foi roubadapor um corvo. Se tivesse visto o que eu vi,teria compreendido.

Então a borboleta voou através dacampina e sobre as colinas. E lá, no vale

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verde além das colinas, onde o corvotinha comido as frutas roubadas, haviacentenas de cerejeiras em flor, todasesticando seus braços em direção àborboleta e às suas irmãs.

– Estamos aqui, estamos aqui! –chamavam elas ao mesmo tempo.

E a cada beijo estalado que davam, asborboletas repetiam estas palavras:

– Ah, arvorezinha, você também vai sergrande e abençoar a terra!

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O PAI SÁBIOFábula uzbeque

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Havia um homem idoso com muitos

filhos. Certa vez, ele reuniu os filhos aoseu redor e deu uma flecha para umdeles.

– Quebre essa flecha ao meio e passe osdois pedaços a um irmão – disse o velho.

O filho quebrou a flecha e entregou ospedaços a seu irmão.

– Agora quebre os dois pedaços aomeio e passe-os para outro irmão – ohomem disse ao segundo irmão.

– Agora quebre os quatro pedaços aomeio e passe-os para o próximo –continuou ele.

E assim por diante. Os irmãos

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quebraram os pedaços em partesmenores e menores até que o último filhodisse:

– Pai, os pedaços não podem mais serquebrados. São muito pequenos.

– Aprendam uma lição com essa flecha– disse o velho. – Enquanto vocêscontinuarem juntos, nenhum malconseguirá atingi-los e nenhum inimigoos dominará. Mas, se vocês brigarem e sesepararem, não serão mais capazes deenfrentar os inimigos.

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A LEOA E A RAPOSAFábula grega (Esopo, século VI a.C.)

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Todos os animais estavam se

vangloriando de suas famíliasnumerosas. Somente a leoa se mantinhaem silêncio. Ela não disse nada, nemmesmo quando a raposa, toda orgulhosa,desfilou seus filhotes diante dela.

– Olhe! – disse a raposa. – Veja minhaninhada de raposinhas vermelhas; sãosete! Diga-nos, quantos filhos você tem?

– Somente um – respondeu, tranquila, aleoa. – Mas é um leão!

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A TOUPEIRACASAMENTEIRAFábula nativa, América do Norte(Cherokee)

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Um jovem guerreiro apaixonou-se por

uma garota de outra tribo. Mas ela não

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tinha nenhum afeto especial peloguerreiro, embora ele tivesse tentadoconquistá-la com muitas atenções.Finalmente, ele desistiu e se sentounuma pedra, aborrecido. Uma toupeirase aproximou.

– Qual o problema? – perguntou ela.– Estou apaixonado, mas a garota que

amo não me quer – respondeu o jovemguerreiro.

– Vou ajudá-lo – disse a toupeira. –Posso mudar o coração da garota paraque ela não apenas goste de você, masque venha procurá-lo por sua própriavontade.

Naquela noite a toupeira escavou umcaminho subterrâneo até a tenda da

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garota e, sem acordá-la, cavou seu peito eretirou seu coração. Então ela voltou parao jovem guerreiroe colocou o coração em suas mãos.

– Engula-o – disse a toupeira. E o jovemguerreiro o fez.

Na manhã seguinte, quando acordou, agarota teve uma sensação estranha, umdesejo de seguir seu coração. Ela selevantou, vestiu-se e começou acaminhar para fora do acampamento, aolongo do rio e através dos prados, até quechegou à tribo do jovem guerreiro. E,quando o avistou, não entendeu muitobem o que sentia, mas caminhou até ele edisse que o amava e queria ser suaesposa.

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– Isso é magia – disse o curandeiro. –Quem encantou essa garota?

Quando ele descobriu que tinha sido atoupeira, sentiu tanta inveja e raiva quejogou pedras nela. A toupeira seescondeu na floresta e vive assim atéhoje.

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O DIAMANTE E OVAGA-LUMEFábula britânica (Robert Dodsley, 1703-1764)

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Uma jovem andava pelo jardim quando

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o diamante caiu de seu anel e aterrissounuma fenda entre duas pedras.

– Boa noite! Quem é você? – perguntouum vaga-lume ao se aproximar para olharde perto o recém-chegado.

– Sou um diamante brilhante –respondeu o outro.

– Bem-vindo ao lado escuro da vida –disse o vaga-lume. – Você não vai brilharmuito aqui embaixo. – O vaga-lume fezsua lanterna brilhar o mais que pôde eacrescentou: – Ah, diamante, o queaconteceu com seu brilho agora? Nestahora de má sorte você ficou à mercê domeu esplendor.

– Talvez por enquanto – respondeu odiamante. – Contudo, você é apenas um

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vaga-lume convencido, que deve sualuzinha à escuridão ao seu redor. Eucontinuo sendo um diamante, que passana prova do dia.

Na manhã seguinte, quando o Sol seelevou fulgurante no céu, o vaga-lumedesapareceu. Mas o diamante cintilou,pois ele refletia os raios solares.

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O ÚLTIMO FÓSFOROFábula britânica (Robert LouisStevenson, 1850-1894)

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Uma vez, durante a época mais seca da

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estação de incêndios, um viajantesolitário cruzava as florestas daCalifórnia. Ele cavalgava havia dias eprocurava um lugar para descansar efumar. Assim que encontrou uma árvorecom boa sombra, desmontou de seucavalo e pegou o cachimbo.

Então procurou fósforos em seu bolso.Só havia dois. Ele riscou o primeiro, masnão acendeu. O viajante pegou osegundo, olhou para ele e pensou: “O queeu faço? Estou morto de vontade defumar e só tenho mais um fósforo. E se euriscá-lo e ele também não se acender?”.

O viajante continuou pensando:“Suponha que ele acenda, eu fume meucachimbo e bata as cinzas na grama seca,

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que pode pegar fogo. Eu piso no fogo, masele se espalha para um arbusto, depoispara uma árvore e então para toda afloresta. Quase posso ouvir o rugido daschamas. Eu fujo galopando no meucavalo, o fogo consome os campos e asnascentes, destruindo tudo por dias ouanos. Que desastre! O mundo tododepende deste momento!”.

Então ele riscou o fósforo, que nãoacendeu.

– Graças a Deus! – disse o viajante,aliviado, guardando o cachimbo em seubolso.

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Edição revisada conforme o Novo AcordoOrtográfico da Língua Portuguesa Tradução: Antonio Carlos VilelaProjeto gráfico de capa e diagramação:DynamixIlustrações: Ruth ImhoffConversão em epub: {kolekto} Título original em inglês:Fables of Spiritual Wisdom: From Aroundthe World © 1998 Scandinavia Publishing House Direitos de publicação:© 2004, 2014 Editora Melhoramentos Ltda. 1.ª edição digital, dezembro de 2015ISBN: 978-85-06-07704-7 (digital)ISBN: 978-85-06-07745-0 (impresso)

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