fazenda, i. - interdisciplinaridade história, teoria e pesquisa - cap. 1

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MAGISTERIO FORMAgAo E TRABALHO PEDAGOGICO INTERDISCIPLINARIDADE: I HISTORIA, TEORIA E PESQUISA •• PAPIRUS EDITORA

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MAGISTERIO FORMAgAo E TRABALHO PEDAGOGICO

INTERDISCIPLINARIDADE:I

HISTORIA, TEORIA E PESQUISA

••••PAPIRUS EDITORA

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Ivani Catarina Arantes Fazenda,natural de Sao Paulo, licenciou-seem Pedagogia pela Universidadede Sao Paulo (USP), obteve seumestrado em Filosofia da Educagaopela Pontiffcia Universidade Cat6-lica de Sao Paulo (PUC/SP) edoutorou-se em Antropologia Cultu-ral, tambem pela USP, tornando-seIivre-docente em Didatica pelaUnesp/Botucatu.

E professora do programa deEstudos P6s-graduados em Educa-~ao: Supervisao e Curriculo, daPUC/SP, e orienta 0 nucleo deestudos e pesquisas sobre interdis-ciplinaridade.

Atualmente, tambem e docente doCCHS da Universidade Federal doMato Grosso do Sui, em CampoGrande.

Sua produgao e voltada para a areade pesquisa educacional, porem 0

foco de preocupagoes e os avangoste6ricos dela decorrentes conver-gem para a construgao de umateoria da interdisciplinaridade na

educagao.

ento interdisciplinar e 0 estabeleci-rias - 0 conhecimento interdiscipli-o empobrece-se, quando socializado

aspecto, este livro contempla umae 30 pesquisas ja realizadas.

onstrar a essencia do cotidiano esco-e cada pesquisa, do simbolo que ar a descoberta de seus pr6prios movi-

contemplado pelas pesquisas desen-nte quanto 0 conteudo das mesmas,

bem e sobretudo e dado pel a cons- 1REVISAo HISTORICO-CRlTICA DOS ESTUDOS

SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE*enso a ser socializado neste livro, pors trabalhos produzidos e transcri9ao

s realizadas; entretanto nao nos foi

1\ P squisa sobre interdisciplinaridade por mim iniciada noI I"Ill' '0 da decada de 1970 vem percorrendo inumeros caminhos;

,"1111110,'sses tao tortuosos que me impeliram em 1990 a umaI'll 11111II 11'11r r1exao sobre os mesmos, em que procedi a uma revisao11111II 1111. III ' permitiu a percep9ao de alguns ganhos e a indica9aoI iii I , chl'e '( s.

pas sou tambem pelo crivo de seusue cada autor retornou ao grupo com

meteu-o a uma nova forma de di<ilo~oe 0 autor dialogar com sua pr6pria

ilencio - tempo necessario para qu 'ente dele e passe a ser de outrcm. 1\ilita novas produ90es.

o autor volta a ser ator, '01110 :11111'autores, que solitariam nl Irill1l1l'lI)zilhada da vida nconlrar: () 011110,

I III' ISv. ria .. conclus6es a que 0 trabalho' chegou, uma del asI' 'IHIIIIIII 1111'11Impiiar nesse momenta: e impossivel aconstru9ao de

III I 1111I II. Ih, ollila geral teoria da interdisciplinaridade, mas e111\ I 111\ 1'1 Oil 0 dcsvelamento do percurso te6rico pessoal de

II I" pll HIli \I"' S '<IV nturou a tratar as quest6es desse tema.2

II h il' I,,,,,lil/hil, 1\11('0 I on rcsso internacional de forma9ao de professoreslilt It I. I III' III plillilf ItCSIIS. i\vciro, Portugal, 1993.'I , III "Ii, .1 \1111 P \ t1l'j' '110100 '01110 lese de livre docencia, intitulou-se Inlerdis-

'I I ",. I.', III ,,,,. I" 1/ 1\ lo! pllhli 'aOo pol' Edi90es Loyola ao final de 1991.

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\- Embora nao seja possivel a cria9ao de uma unica e restritateoria da interdisciplinaridade, e fundamental que se atente para 0

movimento pelo qual os estudiosos da tematica da interdisciplinari-dade tern convergido nas tres ultimas decadas.

---:::> 0 objetivo, pois, do presente trabalho sera 0 de explicitar asfases e as contradi90es proprias desse movimento, indicando asprincipais dicotomias que dele emergem e a forma como os estudose as pesquisas sobre a interdisciplinaridade vem enfrentando taisdicotomias.

Para tanto, seleciono os textos dos principais teoricos por mimconhecidos, reindagando-os sobre seus posicionamentos. De indaga-9ao em indaga9ao, de perplexidade em Perplexidade procurareiidentificar e interpretar seus mais caros sitnbolos na realiza9ao deseus trabalhos. Uma questao primeira, encOntrada em todos os teori-cos pesquisados, e a necessidade da supera9ao da dicotomia ciencia/existencia, no trato da interdisplinaridade. Isso nos leva a pensar quequalquer atividade interdisciplinar, seja ela de ensino seja de pesqui-sa, requer uma imersao teorica nas discussoes epistemologicas maisfundamentais e atuais, pois a questao da iI1terdisciplinaridade en-volve uma reflexao profunda sobre os impasses vividos pela cienciaatualmente.3

A chamada crise das ciencias tern sido proclamada por muitos,em diversas escolas de pensamento em diferentes paises. Fala-se emcrise de teorias, de model os, d~ paradigmas, e 0 problema que resta anos educadores e 0 seguinte: E necessario estudar-se a problematicae a origem dessas incertezas e duvidas para se conceber uma educC/-fiio que as enfrente. Tudo nos leva a crer que 0 exercfcio da interdi~.ciplinaridade facilitaria 0 enfrentamento dessa crise do conhecimcnlOe das ciencias, porem e necessario que se compreenda a dinami '11

vivida por essa crise, que se perceba a importiincia e os impass 'S I

S rem superados num projeto que a contemple.4

II ·ss respejto, encontramos entre outros 0 livro de H. 131piassu, publiclldo re' 'Ill '1III',iI, \

tift! I (H'Sda riellcia, da Ed. Letras e Letras, 199 J, em que 0 autor percorre II .j 'II '111d 'Sill 111III I

I S I 'UXIIS, nos tempos modernos, a Galileu, Newton, Einstein, Skinner.4. 1\111 nossos '"rsos sobre interdisciplinaridade, ao procede("lnos a reflex, soh,' (I" "'////, ""1,"

Parece-me que 0 grande dilema que vem se propondo desde 0

final da Segunda Grande Guerra teria, por assim dizer, 0 seguinteperfil simplificado: a ciencia questionada em suas objetividades naoencontra patria nas atuais subjetividades. A verdade paradigmatica daobjetividade tern sido substituida pelo erro e pela transitoriedade daciencia. Essa provisoriedade da verdade e da ciencia, por conseguinte,vai nos permitir anunciar a possibilidade de urn real encontro entreciencia e existencia.

Se 0 erro passa a ser criterio de verdade, pensamos que urn'aminho interessante a ser percorrido no atual movimento seria 0 del"leitura da filosofia em seus primordios revendo 0 passado, comolhos de presente e de futuro, e nele revisitar - Socrates aquele queprimeiro colocou a duvida.

Nessa volta ao tempo que somente a memoria permite, tenta-1110,'cncontrar 0 fio condutor da historia do conhecimento, e eis que1111\primeiro sfmbolo nos e anunciado: Conhece-te a ti mesmo. Co-lliI(' "I' a si mesmo e conhecer em totalidade, interdisciplinarmente.I III " 'rates, a totalidade so e possivel pela busca da interioridade.lltl 11110 mais se interiorizar, mais certezas vai se adquirindo da igno-I III ill, da limita9ao, da provisoriedade. A interioridade nos conduz a11111 pllll'l1nclo exercfcio de humildade (fundamento maior e primeiroI, 111Il'1'disciplinaridade). Da duvida interior a duvida exterior, do"dill 1111'nto de mim mesmo a procura do outro, do mundo. Da

III Iii I I' 'l'adora de duvidas, a primeira grande contradi9ao e nela a,"lIld Id . do conhecimento ... Do conhecimento de mim mesmo1111111\ illl 'nto da totalidade.

1'1111Ill, it busca da totalidade vai conduzindo 0 conhecimentoIII IIldis 'riminado, matriarcal, uroborico.5 Esse todo caotico,

II 10, 111'111 IIiIS S ·rvido. entre outros, dos seguintes textos:I 11,1,,\ ,,,11 ull/lillS - H. Japiassu, Imago, 1983.

'.1/".11 /1//11 1I11,\'Iieialllgia - Octavio Ianni, RBCS, 1990.I 1/,,",,1 1/11" J1f1.l'-llIoderna - B. S. Santos, Graal, 1989.I' , I yl1ll1,d. J, Olympio, 1988.

',.1",1, / /"I"III,I'II/Ii1idade lIniversal- Dalai Lama, Eco, J 992.II, I" 1111Ii Pipt'llI (or ,), Integral Ed. Barcelona, 1991.

I. Iltll'lllll"111 1'"1 uionll.

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entretanto, precisa cumprir seu destino de ordem, de regra, de organi-zac;ao, de patriarcado,6 e urn novo retrocesso ao passado remete-meao seculo XVIII, nele urn sfmbolo mais me e anunciado: Penso, logoexisto, em Descartes.

A ordem desse momento, seculo XVIII, indica-me a razaocomo criterio de conhecimento e a l6gica formal como sustentaculoda objetividade. As duvidas precisarn ser comprovadas, testadas,sequenciadas, avaliadas. Quanto mais se disseca a parte, melhor seconhece. Progresso desenvolvimento sao sinonimos de tecnica avan-c;ada. A ordem gera ordem, que detem 0 poder, 0 poder de conhecer eo poder de ser.

o mim mesmo, 0 eu, 0 sou sao reduzidos ao penso. Somenteconhe(:o quando penso. Conhec;o com 0 intelecto, com a razao, naocom os sentimentos. Conhec;o minha exterioridade e nela construomeu mundo, urn mundo sem mim, urn rnundo que sao eles, porem naosou eu, nem somos nos. A razao alimenta-se ate exaurir-se de objeti-vidades. Quando nada mais resta, tenta lanc;ar mao da subjetividade,porern, ela nao e alimento adequado, porque adormecida, porqueentorpecida.

o beijo que tenta despertar a subjetividade adormecida aconte-ce com a criac;ao de algumas ciencias (tais como a psicologia - iniciodo seculo XX - construida a partir dos criterios classicos da objeti-vidade). Sucedem-se as tentativas, porem os produtos acabam sendartes sern alma, psicologias sem espirito, religioes sem Deus, e cien-cias sem homem.

Com isso urn novo caos se anuncia, urn desejo inconsciente ell'volta ao matriarcado, ao aspecto indiscriminado da subjetivid::<d "uma negac;ao a possibilidade de "alteridade"7 - a polaridade ci"lncia/existencia se radicaliza. Ha pouco mais de meio seculo estalllll,vivendo esse impasse, porem a superac;ao dessa dicotomia j:'i ,'I'

anuncia como possibilidade em alguns segmentos das novas ciencias.Comec;a a aparecer uma epistemologia da "alteridade", em que razaoe sentimento se harmonizem, em que objetividade e subjetividade secomplementem, em que corpo e intelecto convivam, em que ser eestar coabitem, em que tempo e espar;o se intersubjetivem.

Alguns equivocos te6ricos perrnanecem, embora parcialmenteclarificados pela evoluc;ao de certas teorias totalizantes, entre elas porexemplo: uma dialetica que se fundamenta no concreto, uma fenorne-nologia que avanc;a para 0 espirito, e uma psicologia que busca atranscendencia. Na medida em que essas proposic;oes te6ricas avan-~al11,mais explfcitas vao se tornando as hip6teses te6ricas da interdis-·iplinaridade.

Assumir a contradic;ao ciencia/existencia nos remete tambem a\'I\lcidar outras dicotomias dela decorrentes, elucidac;ao que acredita-1I10S possivel a partir de uma releitura dos primeiros estudiosos das1111 'stoes da interdisciplinaridade nessas tres ultimas decadas, organi-I \lIdo e sistematizando as principais conclusoes obtidas, tentandoIIpi" 'nder delas 0 movimento pr6prio vivido pel a interdisciplinaridade.

bsse movimento, se quisermos fraciona-lo para fins didaticos,I'I1Ikl'i:l ser subdividido em tres decadas: 1970, 1980 e 1990. SeIIpl Iil10S por urn recorte epistemo16gico, diriamos, reduzida e simpli-III lid 1111'nte, 0 seguinte: em 1970 partimos para uma construr;ao'/'"/"/I/olOgica da interdisciplinaridade. Em 1980 partimos para a

1'11/ /(/('(70 das contradir;i5es epistemol6gicas decorrentes dessa1 fI/1 \ 1/11('( () em 1990 estamos tentando construir uma nova episte-11/""1'10, fI IJr6pria da interdisciplinaridade.

1'111 r 'Ianto, esse mesmo movimento poderia adquirir, quandoI" 11111 111'111 6ptica das influencias disciplinares recebidas, 0 seguinte

" II

6. Novamente recorro a lung e aos ciclos por ele propostos, em que 0 patriarcado SII ','e1I',11I "

matriarcado e precederia um outro, que seguidores seus dominam alteridade.7. Na linguagemjunguiana a alteridade sucederia 0 patriarcado. Nele encontrarfamos indlt 11\1',

de patriarcado e matriarcado, numa dimensao de totalidade, construfdas a partircl 1111' 1''' " ,de individua~ao.

Ii) () 'm busca de uma explicitac;ao filos6fica;

I'), 'II 'Ill busca de uma diretriz socio16gica;

I I II l'ln nusca de um projeto antropo16gico.

I II. I II I' l'il'lI I ntativa de organizac;ao te6rica no movimento da'Idlllli (dnd ' I1:1S tres ultimas decadas nos indicaria que em:

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1970 - procunivamos uma definic;ao de interdisciplinaridade;

1980 - tentavamos explicitar urn metoda para a interdiscipli-naridade;

1990 - estamos partindo para a construc;ao de uma teoria dainterdisci plinaridade.

o movimento da interdisciplinaridade na decada de 1970

A decada de 1970, epoca em que iniciei minhas pesquisas sobreo tema interdisciplinaridade, poderia ser grosseiramente indicadacomo a decada da estruturac;ao conceitual basica. Nela a preocupac;aoincidia fundamentalmente na explicitar;iio terminol6gica. A necessi-dade de conceituar, de explicitar fazia-se presente por varios motivos:interdisciplinaridade era uma palavra dificil de ser pronunciada e,mais ainda, de ser decifrada. Certamente que antes de ser decifradaprecisava ser traduzida8 e se nao se chegava a urn acordo sobre aforma correta de escrita, menor acordo havia sobre 0 significado e arepercussao dessa palavra que ao surgir anunciava a necessidade deconstruc;ao de urn novo paradigma de ciencia, de conhecimento, e aelaborac;ao de urn novo projeto de educac;ao, de escola e de vida.

o movimento da interdisciplinaridade surge na Europa, princi-palmente na Franc;a e na Italia, em meados da decada de 1960 (causaou consequencia, nao e 0 caso de aqui se discutir 0 lado mais impor-tante da questao, acreditamos que ambos), epoca em que se insurgemos movimentos estudantis, reivindicando urn novo estatuto de univer-sidade e de escola.

Aparece, inicialmente, como tentativa de elucidac;ao e de c1as-sificac;ao tematica das propostas educacionais que comec;avam a apa-recer na epoca, evidenciando-se, atraves do compromisso de algunsprofessores em certas universidades, que buscavam, a duras penas, 0

rompimento a uma educar;iio por migalhas.

8. No Brasil a palavra apareee assim traduzida: interdisciplinaridade (do franees au do infll N),

ou interdisciplinariedade (do espanhol).

Esse posicionamento nasceu como oposic;ao a todo 0 conheci-mento que privilegiava 0 capitalismo epistemol6gico de certas cien-cias, como oposic;ao a alienac;ao da Academia as questoes dacotidianeidade, as organizac;oes curriculares que evidenciavam a ex-cessiva especializac;ao e a toda e qualquer proposta de conhecimentoque incitava 0 olhar do aluno numa unica, restrita e limitada direc;ao,a uma patologia do saber.9

o destino da ciencia multipartida seria a falencia do conheci-mento, pois na medida em que nos distanciassemos de urn conheci-mento em totalidade, estarfamos decretando a falencia do humano, aagonia de nossa civilizar;iio.'o

Toda essa discussao te6rica da decada de 1970, a respeito dopapel humanista do conhecimento e da ciencia, acabou por encami-IIhar as primeiras discussoes sobre a interdisciplinaridade de queIl'I110Snotfcia. A categoria mobilizadora dessas discussoes sobre in-Il'I't1isciplinaridade na decada de 1970 foi totalidade.

A totalidade como categoria de reflexao foi 0 tema por exce-l! II 'ia de urn dos principais precursores do movimento em prol daIlll('l'di.'ciplinaridade: Georges Gusdorf.

usdorf apresentou em 1961 a Unesco urn projeto de pesquisa1IIIlIdisciplinar para as ciencias human as - a ideia central do projetoI I I I'l'unir urn grupo de cientistas de not6rio saber para realizar urn

ItllIWl1ld pesquisa interdisciplinar nas ciencias humanas. A intenc;aoiI. I projcto seria orientar as ciencias humanas para a convergencia,II I, tilt II' pela unidade humana. Dizia ele que apesar de essa unidade

I 11111 "('stado de espfrito", poderia ser presenciada nos momentos de'I II I,ll 8ntao, por que nao estuda-lo?

( ) pmj Lode Gusdorf previa a diminuic;ao da disUincia te6ricat" I I II II 'ias humanas. Essa ideia foi retomada em outras diretri-

IlIlt L111') I'UpO patrocinado pela Unesco, cujo trabalho foi publica-

I" II1I11111111pOI' H. Japiassu em lnterdisciplinaridade e patologia do saber, 1976.I It ,'"11III1I'~ 'I'ilo par Georges Gusdorf, publieado em 1978.

"I", 111'1"1111'10roi pllblieado em 1967, pela Universidade de Estrasbllrgo. Intitula-seI .I, I '1i/il/1ll1f' SOli! des sciences humaines.

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do em 1968. Dele fizeram parte estudiosos das principais universida-des europeias e americanas, em diferentes areas do conhecimento. Ahip6tese de trabalho desse grupo era indicar as principais tendenciasda pesquisa nas ciencias do homem, no sentido de sistematizar ametodologia e os enfoques das pesquisas realizadas pelos pesquisa-dores em exercicio no ana de 1964.

Com esse estudo, a pretensao seria 0 levantamento de quest6espara a construc;ao das ciencias do amanha, no dizer de Levi Straussou conforme 0 que dizia Piaget na ocasiao: das ciencias em movimen-to, em ac;ao, aquelas que real mente se exerciam.12

Analisando hoje as entrelinhas desse estudo, ap6s quase 30anos de sua publicac;ao, encontramos hip6teses e orientac;6es de tra-balho para as ciencias humanas que apenas hoje comec;am a seresboc;adas:

r a proposic;ao do estudo da arte numa dimensao antropol6-gica nos induz hoje a refletir sobre a superac;ao da dicoto-mia ciencia e arte.

a indicac;ao da necessidade de estudar-se antropologica-mente as matemcHicas nos induz hoje a refletir sobre adicotomia cultura e ciencia.

a ideia de estudar aspectos nao tecnol6gicos das proposi-c;6es tecnicas nos reforc;a atualmente a importancia do em-bate objetividade/subjetividade.

os resultados dos estudos da cibernetica no desenvolvimen-to da neurofisiologia e da psicologia nos conduzem hoje asuperac;ao da dicotomia percepc;ao/sensac;ao.

estudos de geografia humana para 0 desenvolvimento daantropologia nos convidam a investigar a superac;ao dadicotomia espac;o/tempo.

12. Publicado por Mouton/Unesco em Frances e ingles, recebe 0 nome: Les sciences sociales-problemes et orientations.

Paralelamente a esses estudos da Unesco, em Louvain, 1967,encontramos a realizac;ao de urn col6quio, cuja finalidade era refletirsobre 0 estatuto epistemol6gico da teologia. Esse exercicio acaboupor indicar dificuldades e explicitar caminhos para a interdisciplina-ridade, a partir de urn problema proposto: a necessidade de pesquisaras relac;6es Igreja/mundo. Dele fizeram parte futuros te6ricos dainterdisciplinaridade, tais como: Houtart, Tadt, Ladriere, Palmadeque se dispuseram a definir 0 sentido da reflexao, os metodos conve-nientes e os meios necessarios a execuc;ao do referido projeto. A partirdo exercicio de urn dialogo ecumenico procurou-se, por exemplo,tentar identificar os impasses advindos do ate de dialogar, do quaodiffcil seria poder dizer e se fazer compreender pelos outros; dessaquestao uma outra: se 0 caminho para a interdisciplinaridade naoestaria determinado pelas ligac;6es afetivas entre os colaboradores.Outras quest6es como papel do tempo, do espac;o, valor e campo daciencia foram discuss6es desenvolvidas em Louvain, e que hoje cons-Lituem-se no cerne da polemic a sobre interdisciplinaridade. A expli-'itac;ao do objeto dessa pretensa ciencia denominada teologia'onvida-nos hoje, como na epoca, ao estudo de uma dicotomia maior:ser e existir. Desse trabalho, uma hip6tese te6rica a mais aprendemostl investigar: urn dos caminhos indicados para 0 estudo da dicotomia.I'('f·/existir seria a discussao interdisciplinar sujeito humano/mundo.

Algum tempo mais tarde, 1971, instalou-se sob 0 patrocinio da() 'DE, urn comite de experts, entre e1es Guy Berger, Leo Apostel,

1'<1 Brigs, Guy Michaud, com 0 prop6sito de redigir urn documento'Ill' viesse contemplar os principais problemas do ensino e da pesqui-IIII/OS universidades.13 Essa tentativa convergiu para a organizac;ao de11111I 1I0vaforma de conceber universidade, na qual as barreiras entreH t1il' 'iplinas poderiam ser minimizadas; nela seriam estimuladas asHII idacl s de pesquisa coletiva e inovac;ao no ensino.

I 0 ensino universitario deveria se exigir uma atitude interdis-111'1111111"que se caracterizaria pelo respeito ao ensino organizado por

/ I,I//·,tlisri/J/illari/{}: Problemes d'enseignement et de recherche dans les universi/{!s, OeDE,I'll'

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disciplinas e por uma revisao das rela~6es existentes entre as discipli-nas e entre os problemas da sociedade.

A interdisciplinaridade nao seria apenas uma panaceia paraassegurar a evolu~ao das universidades, mas, urn ponto de vista capazde exercer uma reflexao aprofundada, critic a e salutar sobre 0 funcio-namento da institui~ao universitaria, permitindo a consolida~ao daautocrftica, 0 desenvolvimento da pesquisa e da inova~ao.

A proposi~ao desse projeto partia de uma distin~ao conceitualentre os seguintes nfveis de rela~ao: multi, pluri, inter e transdiscipli-nar (a elucida~ao terminologica se fez nos moldes de epoca, em quea defini~ao conceitual consistia no caminho indicado para uma me-lhor explicita~ao epistemologica).

Cuidou-se, por isso, da explicita~ao terminologica em seusminimos detalhes e a partir desses detalhes hoje e possivel elencar-mos os propositos e ganhos de urn trabalho interdisciplinar.

Os propositos elencados, como nao poderiam deixar de ser,espelhavam as dificuldades enfrentadas pel a crise estudantil do finaldos anos 60 e confluiam para a supera~ao da dicotomia mundo/pre-sente, mundo/pessoal, no en sino universitario. Com isso, objetivava-se possibilitar a crftica e a compreensao dos confrontos da vidacotidiana. Outro aspecto que hoje retiramos daquelas coloca~6esrefere-se a necessidade de atermo-nos as multiplas exigencias e a umaplurivalencia de informa~6es e conhecimentos que a vida profissionalexige. Assumir essa atitude pressup6e fatalmente a forma~ao de maise melhores pesquisadores, de novas pesquisas, de metod os propriospara toda forma de ensino, de urn investimento maci~o e diferenciadona capacita~ao e forma~ao dos professores e na cria~ao de modelosque permitam tomar mais claras as inter-rela~6es e interpenetra~6esdas ciencias, fundamentalmente das humanas. Mas, como ja disse-mos, as indica~6es arroladas, embora importantfssimas, eram aindadifusas e iniciais.

Em 1977, Guy Palmade aprofundou todas essas quest6es ant -t illl'l11 nte levantadas pelos teoricos da interdisciplinaridade, inicianIll! 1111111 dis ussao que acabou, posteriormente, avolumando-sc, \'I II II I I IONp'ri os de a interdisciplinaridade converter-se em ci~1l

cia aplicada.14 A evidencia desse perigo conduz Palmade a insistir naimporUincia da explicita~ao conceitual, dizendo que a partir da mes-ma os obstaculos a serem transpostos no desenvolvimento de urntrabalho dessa natureza podem ser mais bem clarificados. Entre osobstaculos mais frequentes surgidos quando se trabalha nfvel de pluri,multi e interdisciplinaridade, 0 autor nos evoca para 0 problema dos"espfritos solitarios", ansiosos por uma ordem cientifiea a ser criada,fala-nos tambem do perigo de a interdiseiplinaridade eonverter-se em"ciencia das ciencias", e sobretudo adverte-nos sobre os diferentes"perigos ideologieos" gestados na propria organiza~ao das ciencias.

Vma revisao criteriosa de toda essa problematica levantada nasd cadas de 1960 e 1970 pareee-nos hoje fundamental para os que sed 'c1icarem a exercer e investigar a interdiseiplinaridade. Caso isso naoo 'orra, existe 0 perigo de ela permaneeer num modismo vao e passagei-to. A ambiguidacle propria do earater interdisciplinar evideneiar-se-iahoj mais na polemica objeto e campo das ciencias, e no papel e valordo ·onhecimento. A duvida eoneeitual ainda e quem alimenta e direcio-II I IIdiseussao dos projetos interdisciplinares autenticos. Assim como a1I11l'I'discipiinaridadetoma-se a grande responsavel pelo movimento deII dllli nsionamento teorieo das eieneias e pela revisao dos habitos deIII !Illisa, ela poderia eonstituir-se naquela que propugnaria novos eami-111111. para a eduea~ao. Essa e uma diseussao amplamente debatida noslid ,'. d senvolvidos, embora encontre-se ainda em nfvel profilatieo.

'1111 110 Brasil e mais atual do que nunea. De norte a suI, de leste a oesteI Iltlll 'lIr>a~aopel a interdiseiplinaridade se evideneia. E nesse sentido1111 11\),' '1Impre explicitar as contradi~6es desse eaminhar.

/" , I 1/,\',1'( () das estudas sabre interdisciplinaridade na BrasilI. I (/rI" Ie 1970

I) \'\'0 Liasdiscuss6es sobre interdiseiplinaridade ehega ao Bra-III IIII II <III d cada de 1960 com serias distor~6es, proprias daque-

jilt I 1Vl'lIluram ao novo sem reflexao, ao modismo sem medirII I '1111 Ill'illSdo mesmo.

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Dois aspectos sao fundamentais a serem considerados: 0 pri-meiro e 0 modismo que 0 vocabulo desencadeou. Passou a ser palavrade ordem a ser empreendida na educa9ao, aprioristicamente, sematentar-se para os principios, muito menos para as dificuldades de suarealiza9ao. Impensadamente tornou-se a semente e 0 produto dasreformas educacionais empreendidas entre 1968 e 1971 (nos tresgraus de ensino). 0 segundo aspecto e 0 avan90 que a reflexao sobreinterdisciplinaridade pas sou a ter a partir dos estudos desenvolvidosna decada de 1970 por brasileiros (referimo-nos ao de Hilton Japiasstique em 1976 publicou 0 livro Interdisciplinaridade e patologia dosaber, 15 aos trabalhos que procurei desenvolver a partir da disserta9aode mestrado, iniciada em 1976 e concluida em 197816 e ao de outrosestudiosos brasileiros que a esses estudos vem se dedicando).

A primeira produ9ao significativa sobre 0 tema no Brasil e deH. Japiassti. Seu livro e composto por duas partes, a primeira na qualapresenta uma sintese das principais questoes que envolvem a interdis-ciplinaridade, a segunda em que anuncia os pressupostos fundamen-tais para uma metodologia interdisciplinar.

Japiassti reviu em seu trabalho as principais diferenciac;oesconceituais propostas por Michaud, Heckhausen, Piaget e Jantsch,revelando toda a ambiguidade que a controvertida questao acarretou.

A controversia maior se originou da impossibilidade logica deencontrar-se uma linguagem unica para a explicita9ao do conheci-mento (tal, por exemplo, como a proposta pelos filosofos do Circulode Viena). Entretanto, hoje concluimos que 0 exercicio de elabora9aoconceitual, vivido na decada de 1970, muito nos ajudou a estabeleceras finalidades, as destina90es e os porques dos projetos interdiscipli-nares. Atraves dessa explicita9ao foi possivel orientarmo-nos sobre 0que nos interessava investigar, do que podemos ou precisamos nosocupar e ate onde nos e possivel caminhar. Hoje mais do que ontemconsideramos 0 aspecto conceitual como fundamental na proposi9aode qualquer projeto autenticamente interdisciplinar.

A segunda questao colocada por Japiassti refere-se a metodolo-gia interdisciplinar, que para ele consistia fundamentalmente numaresposta a como certo projeto pode tornar-se possivel, com os recur-sos de que se dispoe para sua realiza9ao. Todo 0 projeto de elabora9aodessa metodologia interdisciplinar, proposta por Japiassti, cuida maisde analisar as condi90es de urn projeto interdisciplinar para as cien-cias humanas, em que fosse possivel estudar-se as rela90es e inter-re-la90es entre as ciencias de uma forma semelhante a colocadaanteriormente por Gusdorf. Existem, tanto em Japiassti quanto emGusdorf, indica90es detalhadas sobre os cuidados a serem tornados na'onstitui9ao de uma equipe interdisciplinar, falam da necessidade do'stabelecimento de conceitos-chave para facilitar a comunica9ao en-Irc os membros da equipe, dizem das exigencias em se delimitar 0I rob lema ou a questao a ser desenvolvida, de reparti9ao de tarefas ed ' comunica9ao dos resultados. Sao aspectos valiosissimos que hojev 'ri ricamos como essenciais a toda tarefa interdisciplinar.

Outro aspecto dessa metodologia interdisciplinar analisado porI tpiassu refere-se as conclusoes chegadas por ele sobre pesquisas1\'111 ii'.adas por R. Bastide, em institui90es destinadas ao tratamento dedlll'lll S mentais. Japiassti conclui com Bastide que seus relatos aca-h 1111 scndo mais de ordem etica do que de ordem l6gica e que 01111 lodo apreendido desses relatos consiste mais numa reflexiio sobre1/1 III/Jf'riencias realizadas e no detalhamento dos procedimentos de/, ,il, ,(/('c/o. A elucida9ao das etapas de urn projeto interdisciplinar e

1I1'0l1S 'quente registro parece-nos, hoje, garantir a possibilidade deII I 0 10s aspectos vividos. Registrar a memoria dos fatos e aII I" ,II' l' d ' revisita-los. Interdisciplinaridade nos parece hoje mais,1/"1 ,'1,1' I que produto. Nesse sentido e fundamental 0 acompanha-111,"11\ 'I il 'rioso de todos os seus momentos. Somente esse acompa-111111111 11111 pos'ibilitara chegarmos ao esb090 de urn movimento. A

I 1111111 I isl 'l11<lticadesses registros permite avaliar com propriedadeI II olvim nlo do processo, e avan9ar nos futuros prognosticos.

I II" ISSII, m seu estudo, coloca como condi9ao para efetiva9aoI 111/ lodolo 'i" interdisciplinar uma nova especie de cientista, 0

I II , Iplill II', I~sse tipo especial de profissional exige uma formaII' ill \ 'II Icita<,;ao,aquela que 0 tome participante do nascimento

15. Terceira parle de sua lese de douloramenlo, defendida na Fran~a, inlilulada "L'epislemologi .de I'inlerdiseiplinarile dans les sciences de I'homme".

16. IlIlegra(:iio e inlerdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: efetividade ou ideologia?, 2' ed., SI 0

1aulo, Loyola, 1992.

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de uma "nova consciencia" e de uma nova pedagogia, a baseada nacomunicac;ao; para tanto preve instituic;oes preparadas para essa for-ma diferenciada de capacitac;ao docente. Algumas critic as esparsasforam feitas a Japiassll na epoca. Crfticas a sua proposta metodol6gi-ca. Hoje, com 0 desenvolvimento de nossa pesquisa sobre interdisci-plinaridade, verificamos 0 quanto suas conclusoes eram procedentes.Nossa pesquisa indica-nos 0 valor dos registros das situac;oes vividasnum trabalho interdisciplinar. Eles propiciam a indicac;ao dos aspec-tos de exito e fracasso em trabalhos dessa natureza. a registro hojenos parece, portanto, urn dos pressupostos basicos para a realizac;aode urn trabalho interdisciplinar.

a outro trabalho que aparece no Brasil na decada de 1970 foipor mim desenvolvido como pesquisa de mestrado. Surgiu a partir dosestudos de Japiassll e de outros que vinham sendo realizados sobreinterdisciplinaridade na Europa. Permaneci, nesse primeiro estudo,mais no trato dos aspectos relativos a conceituac;ao do que a metodo-logia. A tarefa a que me dispus investigar foi uma analise das propo-sic;oes sobre interdisciplinaridade a epoca das reformas de en sino noBrasil. Ap6s levan tar toda a bibliografia da area naquele momento(1973), procedi a uma ampla visita a Legislac;ao do Ensino, consta-tando 0 descaso, a falta de criterio, de informac;oes e perspectivas quesubsidiavam a implementac;ao do projeto reformista da educac;ao nadecada de 1970. A analise apontou para urn caos generalizado, a partirdo caos conceitual que se instaurou.

A alienac;ao e 0 descompasso no trato das questoes mais ini-ciais e primordiais da interdisciplinaridade provocaram nao apenaso desinteresse, por parte dos educadores da epoca, em compreendera grandiosidade de uma proposta interdisciplinar, como contribuiupara 0 empobrecimento do conhecimento escolar. a barateamentodas questoes do conhecimento no projeto educacional brasileiro dadecada de 1970 conduziu a urn esfacelamento da escola e das disci-plinas. A pobreza te6rica e conceitual agregaram-se outras tantas quesomadas condenaram a educac;ao a 20 anos de estagnac;ao.17

17. A discussao desses aspectos pode ser analisada no livro In/egrar,:aa e in/erdisciplinaridade (ap.d/.). Dando continuidade a esse estudo um outro a mais foi desenvolvido: Ana/ar,:oes sabrernelOdalagia e prafica de ensina na escala de J2 grau, 3~ed., Sao Paulo, Loyola, 1989.

a esforc;o empreendido na decada de 1970 revelou que ospressupostos de uma epistemologia convencional nao conduziriam aoavanc;o da compreensao das implicac;oes te6ricas da interdisciplinari-dade. Nao se trata mais de ado tar uma posic;ao fechada pela utilizac;aode aspectos ou niveis de uma mesma variavel. No caso da educaf;fio,por exemplo, nao e mais possivel analisarmos a viabilidade do des en-volvimento de urn projeto interdisciplinar sem analisa-Io na interde-pendencia de outras variaveis que dela dependem. Na medida em quetentarmos restringir 0 estudo da ac;ao interdisciplinar a esfera apenasda educa9QO, estaremos comprometendo a analise da interdisciplina-ridade ao campo de ciencia aplicada. a que com isso queremos dizer6 que 0 trato das questoes interdisciplinares tern que partir do con-fronto entre as possibilidades que a educac;ao aventa como possiveisc as outras impossibilidades que as colocariam numa categoria dife-renciada de ciencia. Nesse sentido nao e possivel partir-se de urnquadro te6rico ja organizado para procedermos a uma analise queavance e redimensione as praticas escolares, no sentido da interdisci-plinaridade. E necessario que esse quadro te6rico seja construido namcdida em que 0 objeto a ser analisado - 0 educacional - assim 0

'xigir.

a movimento da hist6ria da ciencia na decada de 1980 foi urnIllovimento que caminhou na busca de epistemologias que explicitas-

'm 0 te6rico, 0 abstrato, a partir do pr:itico, do real. Muitas foram as\'lll1lribuic;oes nesse sentido, entretanto, urn dos documentos maisIltlportantes surgido na decada de 1980, sobre essas questoes, intitu-II N Interdisciplinaridade e ciencias humanas (1983), elaborado por(iIlNdorf, Apostel,Bottomore, Dufrenne, Mommsen, Morin, Palmari-III, Smirnov e Di.

a documento trata dos pontos de encontro e cooperac;ao dasill \'iplinas que formam as ciencias human as e da influencia que umas, , I ' 'm sobre as outras, seja do ponto de vista hist6rico, seja do

I i111\In '0. Sao analisados os problemas e os campos de estudo mais111111'1 'alivos, alem de mostrar certas relac;oes existentes entre as

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ciencias_ na~urais e as humanas. Esse documento nos acrescentaco.ncl~soes Importantes acerca da natureza e alcance da interdisci-plmandade.

_ Assim, por exernplo, Gusdorf nos alerta para 0 fato presente dena? .haver uma corre~te filosofica capaz de proporcionar uma formaulll~lca~a de conhec!m~nt?, que seja conveniente e aceitavel aramUltos, p~ra el~ a propna filosofia da ciencia rnoderna nos redir~io-na para a mterdisciplinaridade.

Smirnov, por sua v~z, diz que a interdisciplinaridade ten de aconv~rter-se em dado teonco dos rnais importantes na medida em ueper~lllte esclarecer as relayoes entre desenvolvimento e progreqssosocIal.

. A~ostel indica que 0 aparecimento de certos marcos metodolo-gICI?S,t~IS co~o. a ~eoria dos jogos e a analise linguistic a, permite suaap ICayaOa dlscIplmas distintas.

Mircea Eliade (sobre 0 estudo da religiao) e Mikel Dufrenne(sobre 0 est~do da arte) nos advertem sobre a importancia de 0

hornem ampl:ar a sua potencialidade para outros campos do conheci-~ento que nao apenas ~ racional. A falencia do hornem de razaoIm~ele. 0 h~m~m a uma dlrnensao de perceber-se em sua dimensao dernalOr mtenondade.

. . ?s n:ais signific~tivos avanyos desse grupo em relayao a inter-dlsclphnandade podenam ser assim sintetizados:

a.atitude ~nterdisciplinar nao seria apenas resultado de umasImples slntese, mas de sinteses irnaginativas e audazes.

inter~isciplinaridade nao e categoria de conhecimento masde ayao. '

a.interdisciplinaridade nos conduz a urn exercfcio de conhe-Cimento: 0 perguntar e 0 duvidar.

e~tre as disciplinas e a interdisciplinaridade existe umadiferenya de categoria.

interdisciplinaridade e a arte do tecido que nunca deixaocorrer 0 divorcio entre seus elementos, entretanto, de urntecido bem tranyado e flexivel.

a interdisciplinaridade se desenvolve a partir do desenvol-vimento das proprias disciplinas.

Alguns desses avanyos apontados no inicio dos anos 80 possi-hi litaram 0 encaminhamento das pesquisas que orientamos e que aquiilOSpropomos analisar. Entre as inumeras dicotomias que precisararnSl:r enfrentadas, citamos estas que aprendemos a ler nos documentosdos pesquisadores da decada de 1980: teoria/pratica, verdade/erro,. rteza/duvida, processo/produto, real/simbolico, ciencia/arte.

Essas dicotomias entao anunciadas constituiram-se no nossoobjeto de reflexao e pesquisa. Orientararn todo 0 processo de investi-Tl\yaO por nos ernpreendido. (Estamos nesse momento continuandocsta discussao, analisando a bibliografia produzida na Italia e nosEstados Unidos sobre a interdisciplinaridade, bem como as ultimaspublicayoes da OCDE.)

A decada de 1980 foi marcada pela necessidade da explicitayaodos equivocos surgidos a partir das dicotomias enunciadas nos anos 70.

Palmade, em Interdisciplinaridade e ideologias, ja nos haviaalertado para alguns problemas a que 0 modismo interdisciplinarida-de estaria sujeito. Entre eles, a questao ideologica particularmentepreocupava-me, por isso decidi enfrenta-Ia a partir de urna viagem aossubterraneos da ayao estatal brasileira, na epoca das reformas educa-cionais dos anos 60. Verifiquei, entao, como a questao da interdisci-plinaridade foi sendo introduzida nas diferentes esferas do poderconstituido. As contradiyoes foram se explicitando a partir da analisedo quadro politico da epoca, no trabalho que intitulei Educa~ao noBrasil anos 60 - 0 pacto do silencio (1985).

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Entre os principais mecanismos ideologic os de manuten~ao dopoder, por ~im analisados, deparei-me com esferas do saber e do agirtotalmente Ignoradas pelos educadores da epoca. Vma visita as deci-s6es dos poderes Legislativo e Executivo esclareceu-me sobre 0

~uadro d~ "conveniencias", no qual a educa~ao para a interdisciplina-ndade fOI gestada. Analisei como foram gradativamente caladas asvozes dos educadores, dos alunos, e 0 processo de entorpecimentopelo qual passaram as consciencias esclarecidas, analisei tambem amudez da imprensa e 0 conluio desonesto na articula~ao das propos-tas educacionais.

Em nome da interdisciplinaridade, todo 0 projeto de uma edu-ca~ao para a cidadania foi alterado, os direitos do aluno/cidadaoforam cassados, atraves da cassa~ao aos ideais educacionais maisnobremente construfdos. Em nome de uma integra~ao, esvaziaram-seos cerebros das universidades, as bibliotecas, as pesquisas, enfim,toda a educa~ao. Foi tempo de si/eneio, iniciado no final dos anos 50,que percorreu toda a decada de 1960 e a de 1970. Somente a partir de1980 as vozes dos educadores voltaram a ser pronunciadas. A inter-disciplinaridade encontrou na ideologia manipuladora do Estado seupromotor maior. Entorpecido pelo perfume desse modismo estrangei-ro, 0 educador se omitiu e nessa omissao perdeu aspectos de suaidentidade pessoal.

Essa perda gradativa de identidade registrada nas decadas de1960 e 1970 causou danos irrepaniveis a curto prazo. Entretanto, talcomo Fenix, 0 educador dos anos 80 renasceu das cinzas, em buscade seu passado de glorias e de sua afirma~ao como profissional.

Fo.i um~ historia de muita luta, de muita garra aquela que meaventurel regIstrar em minhas proximas pesquisas - a historia dealguns professores portadores de uma atitude diferenciada - a inter-disciplinar, em busca de sua identidade perdida.

Essa historia foi descrita em dois momentos sucessivos depesquis~ - (1987 a 1989) e (1989 a 1991).18 No primeiro bienio,procurel, por meio de uma observa~ao criteriosa e continuada do

cotidiano desses professores, registrar todos os aspectos que carac-tcrizei como relevantes, alem de investigar as opini6es de seus"Iunos e a deles proprios sobre 0 seu trabalho. Com isso conseguitra~ar urn perfil do professor portador de uma atitude interdiscipli-nar em todas as suas afirma~6es e nega~6es e nas mais diferentesperspectivas.

Os dados desses dois primeiros anos de pesquisa revelaram-meque 0 professor interdisciplinar traz em si urn gosto especial porr:onheeer e pesquisar, possui urn grau de eomprometimento diferen-ciado para com seus a/unos, ousa novas teenieas e proeedimentos deensino, porem, antes, analisa-os e dosa-os convenientemente. Esseprofessor e alguem que esta sempre envolvido com seu trabalho, emcada urn de seus atos. Competencia, envolvimento, compromissomarcam 0 itinerario desse profissional que luta por uma educa~aomelhor. Entretanto, defronta-se com serios obstaculos de ordem ins-litucional no seu cotidiano. Apesar do seu empenho pessoal e dosucesso junto aos alunos, trabalha muito, e seu trabalho acaba porincomodar os que tern a acomoda~ao por proposito. Em todos osprofessores portadores de uma atitude interdisciplinar encontramos amarca da resisteneia que os impele a lutar contra a acomoda~ao,cmbora em varios momentos pensem em desistir da luta. Duas dico-lomias marcam suas historias de vida: luta/resisteneia e solidiio/de-sejo de eneontro.

Nos dois anos seguintes - 1990 e 1991 - decidi partir para 0

cnfrentamento dessas dicotomias explicitadas num projeto de capaci-la~ao docente para a rede publica. As formas convencionais de capa-cita~ao docente nao me satisfaziam. Decidi, entao, construir e pesquisarL1mprojeto diferenciado de capacita~ao docente para os professoresda rede publica do estado de Sao Paulo em seus cursos de especiali-za~ao, forma~ao e aperfei~oamento do magisterio. 0 projeto quedesenvolvi visou a constru~ao de uma metodologia de trabalho inter-disciplinar. Nela 0 principal objetivo foi levar 0 professor a perceber-se sujeito de sua propria a~ao, revelando aspectos de si mesmo queale a ele proprio eram desconhecidos. 0 processo de conscientiza~aodcssa abordagem interdisciplinar de investiga~ao supos uma gradati-va amplia~ao da consciencia pessoal dos professores, sujeitos da

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pesquisa. Poi urn projeto que demandou muita espera e cautela.Espera e cautela as quais nao estavamos preparados, nem os meussujeitos nem eu mesma.

o processo iniciou-se com urn resgate lento da memoria dassitua<;oes vivenciadas em sala de aula. Esse res gate de memoria foisendo aos poucos registrado e analisado. Principios dessa praticavivenciada foram sendo identificados. Da analise desses principios,nasceu a possibilidade de esclarecimentos sobre os obstaculos maissignificativos e suas formas de supera<;:ao. 0 mesmo exercfcio deobserva<;:ao, registro e analise repetiu-se sobre os fatos vividos naescola - outras contradi<;:oes puderam ser entao analisadas. Somenteassim foi possivel partir-se para 0 levantamento das perspectivas quea atitude interdisciplinar pode determinar. Passei, entao, com essesprofessores, a construir uma proposta curricular interdisciplinar paratoda a rede de ensino. Infelizmente, fui impedida de acompanhar asequencia dos acontecimentos, mas, ate onde pude avaliar, os ganhosforam extremamente compensadores.

Na medida em que essas duas pesquisas junto aos professoresda rede publica se desenvolviam, fui percebendo a riqueza e a belezade algumas praticas intuitivamente vivenciadas por nossos professo-res. Continham, como analisei depois, propostas emergentes de umateoriza<;:ao interdisciplinar para a educa<;ao. Percebi tambem 0 quantose empobrecem as prliticas intuitivas quando abandonadas a sua pro-pria sorte. Muitas se anulam ao p~rmanecer no senso com urn, emuitas vezes sao ignoradas no que tern de mais belo, ate mesmo pelosprofessores que as praticam.

A partir dessa constata<;ao, dediquei grande parte da decada de1980 a anunciar 0 quanta seria importante 0 registro dessas praticas.Esse anuncio redundou na organiza<;:ao de varias coletaneas, em queprocurei sistematizar:

praticas de professores da pre-escola em Ta pronto, Seulobo? Didatica pratica na pre-escola (1987).

praticas de professores da Escola Normal em Uma cas achamada magisterio (1987).

praticas de professores do Ensino, S.uperior e~ Encontros edesencontros da didatica e da pratlca de enszno (1988).

praticas de pesquisadores da didatica em Um desafio paraa didatica (1988).praticas de pesquisadores da Educa<;:aoem Metodologia ~apesquisa educacional (1989) e Novos enfoques da pesqulsaeducacional (1992).praticas em perceber-se interdisciplinar - Praticas interdis-ciplinares na escola (1991).

Do registro e da analise dessas praticas, des~ritas n.adecada de1980, 0 enfrentamento de uma das princi~ais dlc.otomla~ a s~~emsuperadas pela interdisciplinaridade: a dlcotomla ~eona/prat1ca.Acredito que ela pOde ser mais bem enfrentada p~l? cmdado com queseus autores se dispuseram a descreve-las e anahsa-Ias.

praticas de professores do 1Q grau, em Anotar;i5es sobremetodologia e pratica de ensino na escola de if!. grau(1983).

o movimento da interdisciplinaridade no Brasil170 infcio dos anos 90

Os anos 90 representam 0 apice da contradi<;ao pa~a estudos epesquisas sobre interdisciplinaridade por mim desenvolvldos.

A contradi<;ao maior encontrei na prolifera<;ao indiscrimin_a-da das praticas intuitivas, pois os educadore.s p.er~ebe.ram que na.oe mais possivel dissimular 0 fato de a interdlSClpllllandade ~onstl-lUir-se na exigencia primordial da proposta atual de ~onhecl?:en~oe de educa<;ao. A revisao contemporanea do c~~ce~to de C1:.nclaorienta-nos para a exigencia de uma nova conSClencta, que nao se

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apoia apenas na objetividade, mas que assume a subjetividade emtodas as suas contradir;5es.

A partir da constatar;ao de que a condir;ao da ciencia nao estano acerto, mas no erro, passou-se a exercer e a viver a interdiscipli-naridade das mais inusitadas formas.

o numero de projetos educacionais que se intitulam interdisci-plinares vem aumentando no Brasil, numa progressao geometrica,seja em instituir;5es publicas ou privadas, em nivel de escola ou desistema de ensino. Surgem da intuir;ao ou da moda, sem lei, semregras, sem intenr;5es explfcitas, apoiando-se numa literatura provi-soriamente difundida.

Em nome da interdisciplinaridade abandonam-se e condenam-se rotinas consagradas, criam-se slogans, apelidos, hipoteses de tra-balho, muitas vezes improvisados e impensados. Em nome dessa faltade orientar;ao generalizada e que tenho dedicado meus estudos eminhas pesquisas, no sentido de elucidar posicionamentos. Entre oscaminhos escolhidos, urn dos mais importantes tern side a coordena-r;ao de urn Nucleo de Estudos e Pesquisas, composto de mestrandos edoutorandos da pue/sao Paulo. Desde 1987, epoca em que foi cria-do, ja produzimos quase 30 pesquisas, sendo que outras tantas estaosendo concluidas.

As referidas pesquisas buscaram explicitar 0 caminho percorri-do em pr<iticas interdisciplinares intuitivas, tentando retirar delas osprincipios teoricos fundamentais para 0 exercicio de uma praticadocente interdisciplinar.

As outras tantas pesquisas que vem sendo desenvolvidaspelo grupo de meus orientandos da pos-graduar;ao abordam umatematica variada, tao variada quanta a historia de cada pesquisadorque ousou registra-Ia e analisa-Ia; entretanto, em todas elas, ha amarca de uma pratica interdisciplinarmente vivenciada. Aspectoscomo alfabetizar;ao, pre-escola, formar;ao de professores para 0 1£,

2£ e 3£ graus, a questao dos conteudos especificos, a arte, a esteti-ca, a etica, a educar;ao do corpo, dos sentidos, da memoria sao,entre outros, temas que 0 grupo de estudos desenvolve, vem discu-tindo e socializando de norte a suI do Brasil. Nao temos conheci-

mento de outras experiencias similares a nos sa, ~as est~mos esperan-l,:ososde encontra-las em outros lugares. A nossamtenr;ao ao a~resen-la-las, neste livro, alem de socializa-las e a de obter promlssoras'ontribuir;5es que nos permitam questionar e avanr;ar em nossa pro-posta.

A decada de 1990 marc a para mim e para 0 grupo 9u.ecoordenoII possibilidade de explicitar;ao de u~ ~ro~eto antro~O!oglco de edu-'ur;ao, 0 interdisciplinar, em suas pnnclpals contradlr;oes.

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3A CONSTRUc;Ao DA IDENTIDADE FUNDAMENT ADA

NO AUTOCONHECIMENTO - ENSAIO*

A construc;ao da identidade pessoal e coletiva numa escolaslIp6e a superac;ao da dicotomia subjetividade/objetividade, tendo emvista a totalidade. Po de realizar-se com a instaurac;ao da proposta de1I1\1trabalho interdisciplinar, que entretanto precisa ser cuidadosa-mcnte revista, seja em suas limitac;6es ou em suas possibilidades de·I"tivac;ao. Nesse sentido e importante discutir-se uma categoria sem-prc presente em nossos estudos: identidade. Os autores que frequen-t 'mente tern discutido essa questao sao, entre outros, Erickson (1976),ioffman, Violante (1984), Ciampa (1985), alguns mais numa pers-

p 'ctiva psicologica, outros sociologicamente, e alguns num enfoquelialetico, segundo 0 qual a identidade so se consolida no movimento'ontraditorio das situac;6es concretas de vida. Nossos estudos revela-

11I1ll uma nova perspectiva nas quest6es da identidade, a interdiscipli-liar, na qual 0 que importa nao e tentar explicar as causas das ac;6es eI 'presentac;6es dos individuos sob determinada situac;ao de vida, mas'ompreende-las a partir da forma como elas ocorreram.

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Outra caracteristica que marc a 0 professor bem-sucedido e queconduz a interdisciplinaridade e a questao do compromisso que eletern para corn seus alunos. Do ponto de vista pessoal, 0 professorbem-sucedido identifica-se corn alguem sempre "insatisfeito" com 0

que realiza, com duvidas a respeito do trabalho que executa - amarca do novo sempre e revelada em suas ac;;oes,em que cada momentae unico. Seu compromisso so pode ser avaliado em sua contradic;;aomaior: na aventura de ousar as tecnicas e os procedirnentos de ensinoconvencionalmente pouco utilizados e no cuidado em torna-Ios trans-formavejs, conforme a necessjdade de seus alunos, prosseguindosernpre na busca de outras possibilidades, envolvido ern cada ato, emsua totalidade.

Competencja, envolvjrnento, cornprornisso marc am 0 itinerariodesse profissional que luta por uma educac;;ao melhor, afirmando-adiariarnente.

Entretanto, ha que considerarmos, igualmente, as negaroes quemarcam 0 trabalho desses professores bem-sucedidos. A primeira,comum a todos, e a rnarca da solidao. Apesar do seu empenho pessoale do sucesso junto aos alunos, defronta-se, quase sempre, com seriosobstaculos de ordem institucional, pois 0 professor comprometido,em geral, trabalha muito e seu trabalho incomoda aqueles que queremse acornodar, principalmente se a filosofia da instituic;;ao ern quelrabalha for a da acomodarao. Encontramos neles todos a marca daresistencia. Entretanto, sac as vezes tantos os obstaculos ao desenvol-vimento do seu trabalho comprometido que esse professor chega aduvidar da validade do seu esforc;;o, e alguns pensarn em desistir da{uta! Suas hist6rias de vida profissional estao marcadas pela resisten-cia as instituiroes acomodadas, seja no que se refere as escolas ondelrabalham, seja resistindo a acornodac;;ao dos organisrnos norteadoresda politica educacional que tenta submete-los. Muitas vezes sua luta

ingloria e a acomodac;;ao das jnstituic;;oes acaba por vence-los.

Sao rnuito poucas as instituic;;oes educacionais que acolhem 0

professor comprometido, que valorizam seu trabalho, propiciandolambem a infraestrutura necessaria para sua execuc;;ao. Nessas poucasinstituic;;oes encontramos sernpre 0 germe de projetos interdisciplina-res de ensino, em que a tonica e 0 didlogo, e a marca, 0 encontro, a

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reciprocidade. Sao "nichos" onde 0 professor bem-sucedido pode seancorar. Sao terrenos ferteis, onde a semente da interdisciplinaridadepodeni vingar, crescer e dar frutos.

Sao institui<;:oes que ja tern uma proposta de troea, de coparti-cipa<;:ao, por isso respeitam 0 trabalho do professor bem-sucedido,pois acreditam que seu projeto pessoal, nascido no interior de sua salade aula, pode ser gradativamente ampliado aos seus alunos e a insti-tui<;:aocomo urn todo. Entretanto, uma institui<;:ao que procura levar aborn termo uma proposta interdisciplinar precisa passar por umaprofunda altera9iio no processo de capacita9iio do seu pessoal docen-te, pois existem pontos serios a serem considerados, sem os quais 0projeto interdisciplinar podera correr 0 risco de tornar-se urn empeci-lho a troca, a reciprocidade, ou seja, de tornar-se urn projeto a mais,que a nada conduz.

Urn projeto de capacita9iio docente para a consecu<;:ao de umainterdisciplinaridade no ensino precisa levar em conta:

como efetivar 0 processo de engajamento do educador numtrabalho interdiscipJinar, mesmo que sua forma<;:ao tenhasido fragmentada.

como favorecer condi<;:oespara que 0 educador compreendacomo ocorre a aprendizagem do aluno, mesmo que eleainda nao tenha tido tempo para observar como ocorre suapr6pria aprendizagem.

como propiciar form as de instaura<;:ao do dialogo, mesmoque 0 educador nao tenha sido preparado para isso.

como iniciar a busca de uma transforma<;:ao social, mesmoque 0 educador apenas tenha iniciado seu processo de trans-forma<;:aopessoal.

como propiciar condi<;:oes para troca com outras discipli-nas, mesmo que 0 educador ainda nao tenha adquirido 0dominio da sua.

Urn projeto dessa natureza pressupoe .a .f~rma<;:ao,de Pdrofes-. I bus ue a redefml<;:ao contmua e sua

sor/pesqmsador, ~aq~e ~ ~ue .q . t na supera<;:ao dos obstaculosIraxis e de uma mStltUl<;:aoque mVlS a , .. .

i~~l:';~~~0~~~:~~~~~~::~:o~:~~:;~~"fel~:i~:Ei~~:~~~'i£~~1l~016gic~nhaoocorre nmOal~~~~::;~~~;a:e~::ma universidade, seja1,:·'0 camm ar para u ,r;Jm as demais escolas do 1Q e 22 graus.

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lada, na contingencia de que nGO0 sendo causani danos irreversiveisao futuro aprendizado da crian~a. Nesse sentido, esse professor-alfa-betizador, a cada modelo que chega, ve tra~ado seu "perfil de incom-petencia", torna-se urn "navegador sem bussola", em que 0 sellcotidiano, as vezes bem-sucedido, deixa de ter sentido. IIudido porurn novo paradigma sente-se muitas vezes desestimulado a repensarsua pratica, pois muitas vezes nao the e explicado nem 0 como, nemo para que. Atonito, perplexo ante a perspectiva de mudanr;a, nossonavegador torna-se um "naufrago sem rumo", podendo, muitas vezes,afogar-se, e com ele, todo 0 barco que conduz (seus alunos e sua salade aula).

A analise do trabalho de alfabetiza~ao que ja vem sendo execu-tado e, pois, 0 primeiro pressuposto para pensar-se num projetointerdisciplinar para a alfabetiza~ao, pois 0 mesmo precisa alicer~ar-se no envolvimento, no engajamento do professor, e nao existe envol-vimento de imediato; e urn processo demorado, construido a partir dsucessivos questionamentos a pratica efetiva.

o projeto interdisciplinar parte da duvida, da pergunta, dasindaga~6es, do dialogo, da troea, da reciprocidade. Iniciando-se porquestionar quem e esse professor-alfabetizador, surge a oportunidadde questionar-se a qualidade de seu trabalho, como poderia fazer paramelhora-Io, que recursos, tecnicas ou teorias tern sido desenvolvidospara que a a]fabetiza~ao possa realizar-se mais plenamente.

o professor-alfabetizador, muitas vezes, desconhece 0 fato deexistirem estudos que explicam 0 porque de algumas crian~as apren-derem mais lentamente do que outras, de medidas a serem tomadascom essas crian~as "denominadas lentas", ou ainda, de como prosse-guir com os que caminham mais rapidamente.

Outra questao diretamente ligada as rela~6es entre interdisci-plinaridade e alfabetiza~ao e a questGo daformar;GO do professor-al-fabetizador.

o professor-alfabetizador foi, em sua maioria, alfabetizadonuma pratica positivista, em que um metoda era sugerido, em geral,sintetico, analitico, silabico ou global, com urn instrumento unico

\IIII'lllodas as classes, uma cartilha, em que os passos da mesma eram111"orosamente seguidos. .

Essa marca em seu processo de alfabetiza~ao faz parte const!-1IIIivade sua memoria, e nao pode ser apagada. fa~ilmente tal como1I11"unsteoricos da alfabetiza~ao acreditam, pnnclpalmente quan:~I 1I roi refor~ada no Curso Normal, ou em out~os .cursos em. que 01

1IIIIadaa questao da alfabetiza~ao segundo as tecOlcas enuncladas.

Num projeto interdisciplinar, 0 res gate desse momento em que1\ professor foi alfabetizado torna-se fundamental para seu .tr~bal~o111111 os alunos. Urn espa~o para ele di~er,~s marcas ~~vm, ~s 0

" 0 possibilitara uma reconstru~ao hlstonca de seu Itmerano naIIIlSIll ,. I . sdeeleIii II' 'cnsao da leitura e da escrita, e revelara mc USlve as causa. (,'I' hoje urn bom ou mau leitor, ou urn. ~om ou mau escn~o~ no\'lIlido de verificar sua facilidade ou dlflculdade) no dommlO da

111\'lia escrita ou falada.Os atuais estudos sobre a linguagem ta~to, do ponto de vista

'. lo'gz'co linguistico ou sociol6gico contnbUlram fundamental-1'1/10. , fb' - dcomoIII 'ille para a compreensao do significado da al a etlza~ao e eI I \ se processa,

A ideologia da deficiencia cultura,l f~i su~e~ada pelos teoricos,III illcipalmente pelos estudiosos da soclOlmgUlstlca. que passaram aI Ililsiderar as entao chamadas deficiencias como dlferen~a~: Nesse

"III ido urn avan~o na compreensao do fracasso escol~r, Ja que a1\11l'Sla; da lingua e a do dialeto falado dependem do melO em quedaI Iilln 'a vive, e que a escola em vez de tentar apagar. es~~ marca eIIIi lC;ll deve procurar fazer bom uso de~a ~ isso nao slgOlflcando queII )1' 'nder a norma culta tambem nao seJa Importan~e, mas que.as duas11\l'Im1Sde linguagem sac igualmente representatlvas, se qUlsermOslli-S 'nvolver 0 gosto pe1a leitura (dos textos e do mundo).

Esse avan~o deveu-se sobretudo ao contato com es.tudos naIIl1fropologia, que demonstraram que a questao d~ Ifngua se l~g~~a~tesII' mais nada, ao lugar e ao grupo et~ico e_socl.al a que 0 10 IVI uoIwrlcnce e que as diferen~as linguistlcas sac dlferen~as, sobretudo,

II' '()rrentes dele, Assim sendo, podemos por exemplo encofntrarI'd dd uma orma

I IllIlH.,;asretratando 0 seu universo, a sua rea 1 a e, e

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lada, na conting~ncia de que niio 0 sendo causani danos irreversfveisao ~uturo aprendlzado da crianc;a. Nesse sentido, esse professor-alfa-bet~za~o~: a cada modelo que chega, ve trac;ado seu "perfil de incom-petencla , torna-se urn "navegador sem bussola" em que(d' , ' 0 seuco llano, as v~zes bem-sucedido, deixa de ter sentido. Iludido porurn no;~ parad.tgma .sente-se muitas vezes desestimulado a repensarsua pratlca, pOlS mUltas vezes nao the e explicado nem 0 como nemo para que. Atonito, perplexo ante a perspectiva de mudan9a ~ossonavegador torna-se urn "miufrago sem rumo" podendo m 't ',I'. ' , Ul as vezes,aJogar-se, e com ele, todo 0 barco que conduz (seus alunos e sua salade aula).

,A an~lise do ~rabalho de alfabetizac;ao que ja vem sendo execu-~ado ~' ~Ol~, 0 pnmeiro pr~ssu~osto para pensar-se num projetolnterdlsclplz~ar para a alfabetlzac;ao, pois 0 mesmo precisa alicerc;ar-s~ no envol~lmen.to, no engajamento do professor, e nao existe envol-vlmen~o de lmed.lato; e urn processo demorado, construfdo a partir desuceSSlVOSquestIOnamentos a pratica efetiva.

. 0_ projeto .i~terdisciplinar parte da duvida, da pergunta, daslOdag.ac;oes, do dl~logo, da troea, da reciprocidade. Iniciando-se porquestIOn.ar quem e esse professor-alfabetizador, surge a oportunidadede ques~IOnar-se a qualidad~ d~ seu trabalho, como poderia fazer paramelhora-Io, que recursos, tecDlcas ou teorias tern sido desenvolvidospara que a alfabetizac;ao possa realizar-se mais plenamente.

. .°professor-alfabetizador, muitas vezes, desconhece 0 fato deeXIstlrem ~studos que explicam 0 porque de algumas crianc;as apren-derem malS ~entamente do que outras, de medidas a serem tomadasco~ essas cnanc;as "~enominadas lentas", ou ainda, de como prosse-gUlr com os que camlOham mais rapidamente.

. .Outra questao diretamente ligada as relac;oes entre interdisci-phna~ldade e alfabetizac;ao e a questiio daforma9iio do professor-al-fabettzador.

°Frofess~r~a~fabetizador foi, em sua maioria, alfabetizadon.uma.pratlca POSItIVlsta, em que urn metodo era sugerido em geralsmtetlco, analftico, silabico ou global, com urn instrum~nto unic~

pllra todas as classes, uma cartilha, em que os passos da mesma eramIigorosamente seguidos.

Essa marca em seu processo de alfabetizac;ao faz parte consti-Ilitiva de sua memoria, e nao po de ser apagada facilmente tal como1I1'uns teoricos da alfabetiza<;ao acreditam, principalmente quando'Ia foi reforc;ada no Curso Normal, ou em outros cursos em que foiIr"tada a questao da alfabetizac;ao segundo as tecnicas enunciadas.

Num projeto interdisciplinar, 0 resgate desse momento em que(I professor foi alfabetizado torna-se fundamental para seu trabalho('om os alunos. Dm espac;o para ele dizer as marcas advindas doIII 'smo possibilitara uma reconstruc;ao historica de seu itinerario naIpreensao da leitura e da escrita, e revelara inclusive as causas de ele

,"I" hoje urn bom ou mau leitor, ou urn bom ou mau escritor (no,"ntido de verificar sua facilidade ou dificuldade) no domfnio daI ngua escrita ou falada.

Os atuais estudos sobre a linguagem tanto do ponto de vistaIlsicol6gico, lingulstico ou sociol6gico contribufram fundamental-l\1cnte para a compreensao do significado da alfabetizac;ao e de como'Ia se processa.

A ideologia da deficiencia cultural foi superada pelos teoricos,pl"incipalmente pelos estudiosos da sociolingufstica que passaram a('onsiderar as entao chamadas deficiencias como diferenc;as. Nesses 'ntido, urn avan<;o na compreensao do fracasso escolar, ja que al\ucstao da lfngua e a do dialeto falado dependem do meio em que a'rianc;a vive, e que a escola em vez de tentar apagar essa marca dellrigem deve procurar fazer born usa del a - isso nao significando queIprender a norma culta tambem nao seja importante, mas que as duasI'llrmas de linguagem sao igualmente representativas, se quisermosd 'senvolver 0 gosto pel a leitura (dos textos e do mundo).

Esse avanc;o deveu-se sobretudo ao contato com estudos na11111 ropologia, que demonstraram que a questao da lingua se liga, antesd' mais nada, ao lugar e ao grupo etnico e social a que ° indivfduop'rtence e que as diferen<;as lingufsticas sao diferenc;as, sobretudo,d 'correntes dele. Assim sendo, podemos por exemplo encontrarnianc;as retratando 0 seu universo, a sua realidade, de uma forma

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mais concreta ou abstr:ata, depend\crian<;as provenientes ,de urn mei~de abstra<;ao maior, 0 que nao ~!originais ou com raciocinio mais ~I

·1o acesso do educador ao qtdo permite que ele passe a ter \1

realidade educacional, que e mUlti~disciplinar. Nao existem f6rmula~\<;Perguntar, pesquisar e aprender (\que se imp6e ao professor-alfabeti\mentais fara parte de seu cotidia~,<:'. Imstrumento correto ao momento c~·

\tTratando ainda das rela<;6es \

betiza<;ao, precisamos discutir a qu\~processo interdisciplinar. Numa me\scom diferentes praticas. Se a insti~incentivo ao dialogo, e possivel \colegas. Muitas vezes, a solu<;ao \dificil ou ate mesmo insoluvel, torntce a troca com 0 outro. .

Em nossas institui<;6es escol.muros, paredes intransponiveis _ ~l'

nao ser 0 professor e seus alunos, aqba coordena<;ao pedag6gica na maiof ;ate 0 limite das mesmas.

Em nome do respeito a indivi~sor, muitas vezes 0 tornamos "prisio\Uinterdisciplinar nao se resolve na i\~policiamento do trabalho do professo ].>t.toda a proposta de abertura e de re\:.interdisciplinaridade estaria vinculad\~

o pressuposto basico para 0 d(\ 'Inaridade e a comunicariio, e a comun\s~cipariio. A participa<;ao individual (d~~

~