FARIA FILHO Instrução Elementar No Século XIX

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ORGANIZADORES: Eliane Marta Teixeira Lopes Luciano Mendes Faria Filho Cynthia Greive Veiga 500 AN OS DE EDUCA\=Ao NO BRASIL a Aut6ntica Belo Horizonte 2003

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ORGANIZADORES:

Eliane Marta Teixeira LopesLuciano Mendes Faria Filho

Cynthia Greive Veiga

500 AN OS DE EDUCA\=Ao NO BRASIL

aAut6ntica

Belo Horizonte2003

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INSTRU~AO ELEMENTARNO SECULO XIX

LUCIANO MENDES DE FARIA FILHO

historiografia consagradasempre concebe a educa-

<;aoprimaria do seculo XIXconfinadaentre a desastrada politica pombalinaeo florescimento da educa<;aona erarepublicana. Tempo de passagem, 0periodo imperial nao poucas vezes eentendido, tambem, como a nossa ida-de das trevas ou como urn mundo

onde, estranhamente, as ideias estao,

continuamente, fora de lugar.1

as recentes estudos a respeitoda educa<;aobrasileira no seculo XIX,particularmente no periodo impe-rial, tern demonstrado que havia, emvarias Provincias, uma intensa dis-cussao acerca da necessidade de es-

colariza<;aoda popula<;ao, sobretudodas chamadas "camadas inferiores da

sociedade". Questoes como a neces-

sidade e a pertinencia ou nao da ins-tru<;aodos negros (livres, libertos ouescravos), indios e mulheres eramamplamente debatidas e intensa foia atividade legislativa das Assem-bleias Provinciais em busca do orde-

namento legal da educa<;aoescolar.

Diversas foram as leis provin-dais que, por exemplo, ainda na

decada de 30 do seculo XIX,tomavam

obrigat6ria, dentro de certos e sempreamplos limites, a frequencia da popu-la<;aolivre a escola. No entanto, ao quetudo indica, muitos foram os limites

enfrentados por aqueles que defen-diam que a educa<;aodeveria ser es-tendida a maioria da popula<;ao. Aoslimites politicos e culturais relaciona-dos a urna sociedade escravista, auto-

ritciria e profundamente desigual, jaamplamente discutidos pela historio-grafia, e sempre necessario considerara baixissima capacidade de investi-mento das provincias, que algumasvezes chegavam a empregar mais de1/4 de seus recursos na instru<;aoe ob-

tinham pifios resultados.

Por outro lado, como veremos,

enfocar 0 processo de escolariza<;aoao longo do periodo imperial im-poe, necessariamente, a relativiza<;aod.opapel e do lugar do Estado. A pre-sen<;ado Estado nao apenas era mui-to pequena e pulverizada como,algumas vezes, foi considerada per-niciosa no ramo na instru<;ao.Ha queconsiderar, tambem, que nem a pr6-pria escola tinha urn lugar social de

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SOOanos de educafao no Brasil

destaque, cuja legitimidade fosse incontestavel. Foi precisoentao, lentamente, afirmar a presen<;ado Estado nessa area etambem produzir, paulatinamente, a centralidade do papelda institui<;ao escolar na forma<;ao das novas gera<;6es.

Assim, posso dizer que urn dos objetivos deste texto edesnaturalizar 0 lugar que a pr6pria historiografia construiupara a institui<;aoescolar em nossa forma<;aosocial, mostran-do-a como urn vir a ser continuo e em constante dialogo comoutras institui<;6es e estruturas sociais. Assim, a perspectivadeste texto e a de demonstrar que a institui<;ao escolar nao"surge no vazio deixado por outras institui<;6es". Os defenso-res da escola e de sua importancia no processo de civiliza<;aodo povo tiveram de, lentamente, apropriar, remodelar, ou re-cusar tempos, espa<;os,conhecimentos, sensibilidades e valo-res pr6prios de tradicionais institui<;6esde educa<;ao.Mas naoapenas isso: a escola teve tambem de inventar, de produzir 0seu lugar pr6prio, e 0 fez, tambem, em intimo dialogo comoutras esferas e institui<;6esda vida social.

DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS

AOS SISTEMAS DE ENSINO PRiMARIo

Vma das maneiras interessantes para sabermos como,nas decadas iniciais do seculo XIX,pensava-se 0 primeiro m-vel da educa<;ao escolar frequentada por crian<;ase jovens eatentarmos para como ela era identificada. A epoca dizia-seque os governos estabeleciam ou mandavam criar "escolas deprimeiras letras". Essa defini<;aoacerca das institui<;6es esco-lares corresponde ao momenta inicial de estrutura<;ao do Es-tado imperial e, nesse sentido, as primeiras iniciativas de selegislar sobre 0 tema.

Essa forma de referir-se a escola que se queria generali-zar para todo 0 povo, ou, conforme dizia-se em Minas Gerais,para as "classes inferiores da sociedade", que possibilita per-ceber, por urn lado, que se queria generalizar os rudimentosdo saber, ler,escrevere contar,nao se imaginando, por outrolado, uma rela<;aomuito estreita dessa escola com outros ni-veis de instru<;ao:0 secundario e 0 superior. Nessa perspecti-va, pode-se afirmar, como muitos faziam a epoca, que, para aelite brasileira, a escola para os pobres, mesmo em se tratandode brancos e livres, nao deveria ultrapassar 0 aprendizadodas primeiras letras.

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lnstrurao elementar no seculo XIX - Luciano Mendes de Faria Alho

A lei de 15 de novembro de

1827,2em seu artigo 1°,dizia que" emtodas as cidades, vilas e lugares maispopulosos haverao escolas de primei-ras letras que forem necessarias".

Essa lei e contemporanea de urnlento, mas paulatino, fortalecimento de

urna perspectiva politico-cultural paraa constrw;ao da nac;aobrasileira e doEstado Nacional que via na instruc;aournas das principais estrategias civili-zatorias do povo brasileiro, tal qualfrac;5es importantes da elite conce-biam e propunham-se a organizar. Ins-truir as "classes inferiores" era tarefa

fundamental do Estado brasileiro e, ao

mesmo tempo, condic;ao mesma deexistencia desse Estado e da nac;ao.

A instruc;ao possibilitaria arre-gimentar 0 povo para urn projeto depais independente, criando tambem ascondic;5espara uma participac;aocon-trolada na definic;ao dos destinos dopais. Na verdade, buscava-se consti-tuir, entre nos, as condic;5esde possi-bilidade da governabilidade, ou seja,a criac;ao das condic;5es nao apenaspara a existencia de urn Estado inde-pendente mas, tambem, dotar esseEstado de condic;5es de governo.Dentre essas condic;5es, uma dasmais fundamentais seria, sem duvi-da, dotar 0 Estado de mecanismos de

atuac;ao sobre a populac;ao. Nessaperspectiva, a instruc;ao como urnmecanismo de governo permitirianao apenas indicar os melhores cami-nhos a serem trilhados por urn povolivre mas tambem evitaria que essemesmo povo se desviasse do caminhotrac;ado. Como dizia 0 jornal mineiroo Universal, em 1825:

(...)e preciso que 0 povo seja livrepara que possa escolheri e e preci-so que ele seja instruido para quefa~a a escolha certa.

Sobretudo nas duas decadas

posteriores a independencia, boa par-te das discuss5es sobre a importanciada instruc;ao estara relacionada a ne-cessidade de se estabelecer, no Impe-rio Brasileiro, 0 Imperio das leis. Issosignificava, por urn lado, instituir 0arcabouc;o juridico-institucional desustentac;ao legal do Estado imperialnas suas mais diversas manifestac;5ese func;5ese, por outro lado, fazer comque os mais divers os estratos sociaisque aqui viviam ou mesmo que exer-ciam func;5es de governo viessem aobedecer as determinac;5es legais.

o Estado Imperial brasileiro eas provincias do Imperio, sobretudo apartir do Ato Adicional de 1834,3fo-ram prodigos em estabelecer leis refe-rentes a instruc;ao publica. No que serefere ao Estadoimperial, a lei de 1827sucederam-se varias outras com 0 in-

tuito de normatizar a instruc;aopubli-ca no municipio da Corte. Tais leisacabavam, no entanto, por servir, den-tro de certos timites, de referencia paraas provincias. No que concerne a es-tas Ultimas, a partir de 1835e ao lon-go de todo 0 Imperio, as AssembleiasProvinciais e os presidentes das pro-vincias fizeram publicar urn n11merosignificativo de textos legais,4 levan-do-nos a acreditar que a normatizac;aolegal constituiu-se nurna das princi-pais formas de intervenc;ao do Estadono servic;ode instruc;ao.

Em decorrencia desses fatores,

o que podemos observar, ao longodo periodo imperial, e, em primeiro

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SOOanos de educafao no Brasil

Ao "1C1', cscrCtlC1' C

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solm'tudo as crinllrns.

lugar, 0 desenvolvimento de servi<;osde instru<;ao,de redes deescolas, muito diversas em consonancia com a diversidade das

Provincias do Imperio. Em segundo lugar, devido a precarie-dade das finan<;asprovinciais, 0 servi<;oda instru<;ao, "reco-nhecidamente dispendioso", como apontava Tavares Bastos,Sacabava, mesmo quando recebia relativamente altos investi-mentos financeiros,6 por contar com recursos sempre muitoaquem das necessidades de expansao dos servi<;os.Em terceirolugar, as multiplicidades dos atos legais, bem como das suasorienta<;oes, fator devedor do pouco tempo que os presiden-tes de provincia permaneciam no carg07 e da fragilidade dasAssembleias Provinciais, que acabou por dar lugar a uma cul-tura administrativa que muito pouco prezava a continuidadedas politicas, sendo as "reformas dos servi<;osde instru<;ao"quase sempre consideradas e mostradas em relat6rios pelosadministradores como urn grande feito politico-administrativo.

No entanto, a diversidade e a forma muito desigualcomo se desenvolveu 0 processo de escolariza<;aoprimaria naodevem nos levar a acreditar que a descentraliza<;ao politico-administrativa possibilitada pelo Ato Adicional de 1834 aca-bou por impedir 0 desenvolvimento da instru<;aoprimaria noBrasil imperial. Apesar da fragilidade e precariedade dos da-dos estatisticos, que, de forma muito precaria, quase semprese referem a instru<;aoprimaria mantida pelo Estado, deixan-do de lado urn significativo nUmero de escolas sem nenhumaliga<;aocom 0 mesmo, tais dados, bem como a crescente insti-tui<;aode estruturas administrativas dao-nos mostras de queem varias provincias do Imperio existiam significativas redesde escolas publicas, privadas ou domesticas.

Assim, com a afirma<;aopaulatina da importfulcia da ins-titui<;aoescolar, primeiro como a responsavel pela instru<;aoe,posteriormente, como agente central em toda a educa<;iioda in-

fancia, foi-selentamente substituindo a "es-

cola de primeiras letras" pela "instru<;aoelementar". A palavra elementar,mesmoetmologicamente, mantem a ideia de rudi-mentar, mas, permite pensar, tambem, na-quilo que e 0 "principio basico, 0 elementoprimeiro", e do qual nada mais pode sersubtraido do processo de instru<;ao.Nessa

perspectiva, a instru<;aoelementar articula-se nao apenas coma necessidade de se generalizar 0 acesso as primeiras letras,mas tambem com urn conjtU\to de outros conhecimentos e

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Instrufao elementar no seculo XIX - Luciano Mendes de FariaFilho

val ores necessarios a inserc;ao, mes-mo que de forma muito desigual, dospobres a vida social.

Ao "ler, escrever e contar"

agregaram-se outros conhecimentose valores, que a instituic;ao escolardeveria ensinar as novas gerac;6es,sobretudo as crianc;as. Conteudoscomo "rudimentos de gramatica", de"lingua patria", de "aritmetica" ou"rudimentos de conhecimentos reli-

giosos", lentamente, aparecerao nasleis como componentes de uma "ins-truc;ao elementar".

A partir dos anos 60 do seculoXIX,em diversas provincias, como re-sultado dos debates e do aparecimen-to de uma ainda fragi! tradic;ao debusca de estabelecimento de urn mini-

mo de organicidade e articulac;aoen-tre os poderes instituidos, e que vaiadquirindo consistencia a ideia danecessidade de uma "instruc;ao" ou"educac;ao primaria" que estivesse

orde~ada de acordo com preceitosestabelecidos por leis gerais. Estas de-veriam estar de acordo com as "mo-

dernas" formas de se pensar 0fenomeno educativo e, na medida do

possivel, articuladas a "instruc;ao se-cundaria". Observa-se, nesse mo-mento, em varias provincias, urnvertiginoso crescimento dos "conhe-cimentos escolarizados", ou seja, haurn aumento significativo daquelesconhecimentos que, esperava-se, aescola deveria ensinar aos alunos.

As leis provinciais, por outrolado, diversificam-seaos poucos, deno-tando a crescentecomplexidade das es-colas e dos sistemas de ensino que sepropunham a instituir e ordenar. Nes-sa perspectiva, podemos falar tambem

da existencia de sistemas provinciais,e posteriormente, estaduais sistemasde ensino cuja complexidade era bas-tante variada, apesar da aus'encia deurn sistema nacional de ensino centra-

lizado tal qual observamos em boa par-te dos paises europeus ja no final doseculo XIX.A abrangencia e a impor-t1ncia de tais sistemas, no que se refereao periodo aqui enfocado, vem sendoestudadas nos wtimos anos, demons-trando urna enorme diferenciac;aonosprocess os de escolarizac;ao de cad aurna das provincias do Imperio.

E nessa direc;ao que devemosentender, por exemplo, as preocupa-C;6esdaqueles que, como Rui Barbosa,propunham reformar, no final do se-culo XIX,todo 0 sistema de instruc;aono Brasile nao mais apenas urn ou ou-tro mvel, urna ou outra instituic;ao deensino, dando-lhe urna coerencia e or-

ganicidade, a partir de variadas vis6espoliticas, que tinham ern comum acrenc;ano progresso da nac;aopor meiodo progresso das letras. Para isso, di-ziam, nao bastavam escolas ou institui-C;6esisoladas, seria preciso,inclusive deacordo corn as nac;6esmais desenvol-vidas, reforrnar 0 ensino dando-lhe urncarater moderno e nacional.

DO METODO MUTUaAO METODa INTUITIVO

Conforme afirmamos ante-

riormente, 0 momenta posterior aproclamac;ao da independencia foimuito fertil para 0 desenvolvirnentode urn grande debate sobre 0 proble-ma da instruc;ao. Observamos a pu-blicac;aode livros, materias de jomais,

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a elabora~ao e publica~ao de textos legais mostrando 0 inte-resse das elites pelo tema.

Tudo isso comprova que todo esse debate nao tinha rela-~ao apenas com a necessidade de estruturar urn Estado nacia-nal e garantir a constru~ao da nacionalidade. 0 ideariocivilizat6rio iluminista irradiava-se, a partir da Europa, paraboa parte do mundo e, tambem, para 0 Brasil. Como compo-nente central desse ideario estava a ideia da necessidade de

alargar as possibilidades de acesso de urn numero cada vezmaior de pessoas as institui~6es e praticas civilizat6rias. 0teatro, 0 jomal, 0 livro, a escola, todos os meios deveriam serusados para instruir e educar as "classes inferiores", aproxi-manda-as das elites cultas dirigentes.

No Brasil, no entanto, 0 diagn6stico que se faz mostrauma realidade muito avessa a esse ideario. Nos debates di-

zia-se que:

(...)0 sistema de educa~aoelementar,que se tem seguidonoBrasil,desde 0 seu descobrimento, tem sido mui dispendioso, emui delimitado;ainda sem notar outrosdefeitos,que de tem-pos em temposse tem conhecido,e se tem tentado remediarcomalgumasprovidenciasoportunas.8

Ate entao a escola que existia funcionava, na maioriadas vezes, nas casas dos professores ou, sobretudo, nas fazen-das, em espa~os precanos e, para 0 que nos interessa aqui,seguiam 0 metodo individual de ensino. Tal metodo consistiaem que 0 professor, mesmo quando tinha varios alunos, aca-bava por ensinar a cada urn deles individualmente. Na verda-de, era 0 metodo por excelencia da instru~ao domestica, aquelaque ocorria em casa, onde a mae ensinava aos fillios e as fi-lhas, ou os irmaos que sabiam alguma coisa ensinavam aque-les que nada sabiam.

o metodo individual caracterizava-se, pois, pelo fatode os alunos ficarem muito tempo sem 0 contato direto com 0professor, fazendo com que a perda de tempo fosse grande ea indisciplina urn problema sempre presente. Certa ocasiao,urn professor fez as contas e chegou a conclusao de que comurna jomada de 4 horas diiirias de aula, mesmo

(...) supondo uma multidao de circunstancias favoraveis, quenunca jamais se podem encontrar, temos que, no sistema indi-vidual, cada aluno tem por dia 41/2 minutos de li~ao de lei-tura,3 de escrita e 1/2 de calculo.9

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Instrufao elementar no seculo XIX - Luciano Mendes de Faria Filho

Nessas cirCtU1Stancias,podemoscalcular,nurna epoca em que se procu-rava afirmar a necessidade de se utili-

zar racionalmente 0 tempo, ensinandonipido e da maneira mais economicapossivel, 0 quanto tal metodo era cri-ticado. Tais crfticas, inicialmente na

Europa no final do seculo XVIIIe, pos-teriormente, no Brasil, nas primeirasdecadas do seculo seguinte, deu lugara experimenta«;ao de urn novo meto-do denominado lancasterianoou mu-tua. Sua elabora«;aoinicial e atribufda

ao educador ingles JosephLancaster,e tern como caracterfstica principal 0fato de utilizar os proprios alunoscomo auxiliares do professor.

Segundo seus defensores, esta-belecendo-se as condi«;Oesmateriais

adequadas, dentre as quais a princi-pal refere-se a exisb~nciade urn am-plo espa«;o,urn professor, com a ajudados alunos mais adiantados, poderiaatender a ate mil alunos em urna uru-

ca escola. Considerando, ainda, que osalunos estariam 0 tempo todo ocupa-dos e vigiados pelos colegas e 0 esta-belecimento de urna intensa emula«;ao

entre os estudantes, 0 tempo necessa-rio ao aprendizado das primeiras le-tras seria bastante abreviado em

compara«;ao com 0 metodo indivi-dual. Essa economia de tempo se-ria tambem urna economia de recursos

economicos, otimizada pela necessida-de de pagamento de salario a urn re-duzido mimero de professores.

As primeiras propagandas dometodo mutuo no Brasil de que temosconhecimento datam de meados da

segunda decada do seculoXIX.to Asdiscussoes em tome do tema tiveram

lugar, sobretudo, a partir da indepen-dencia no interior do intenso debate

sobre a necessidade de expansao daescolariza«;ao. 0 sistema do metodo

mutuo aparecia aos seus defensorescomo urna poderosa arma na luta parafazer com que a escola atingisse urnntimero maior de pessoas. Isso porque,segundo diziam, /10novo metodo deeduca«;ao que nos propusemos a ex-plicar tern em vista tres grandes van-tagens: 1)abreviar 0 tempo necessariopara a educa«;aodas crian«;as;2) dimi-nuir as despesas das escolas; 3) gene-ralizar a instru«;aonecessaria as classesinferiores da sociedade".11

No decorrer de 1820, todo 0

debate pedagogico no Brasil foi arti-culado em tome do metodo mutuo.A lei de 15 de novembro de 1827, a

qual ja nos referimos, determinava,em seu art. IV, que:

(00')as escolas serao de ensino mu-tuo nas capitais das Provincias, e se-rao tambem nas cidades, vilas e

lugares populosos delas, em que forpossivel estabelecer-se.

Nas provfncias do Imperio, va-rios foram os textos legais produzidosbuscando operacionalizar tais deter-mina«;oes,bem como muitas foram as

escolas organizadas segundo tais or-denamentos pedagogicos.t2

Nas discussoes e nas experien-

cias que se foram organizando, foi-sepercebendo a inviabilidade, entrenos, do metodo mutuo. Em primeiro

lugar, porque nao foram produzidas ascondi«;Oesmateriais fundamentais para

que "tais escolas funcionassem: naohavia espa«;osadequados, faltavam os

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materiais didatico-pedag6gicos para os alunos. Em segundolugar, alegava-se que os professores nao eram formados paraa realiza<;aodo ensino segundo preconizava 0 metodo e que,alem disso, a inexisb~ncia de institui<;oes que cuidassem daforma<;ao de tais professores era urn grande limite a realiza-<;aodos prop6sitos reformistas.

De todo modo, as discussoes sobre 0 metodo mutuo, ao

incidirem sobre a organiza<;ao da classe, sobre a necessidadede espa<;os e de materiais especificos para a realiza<;ao dainstru<;aona escola, sobre a necessidade de forma<;aodos pro-fessores e, finalmente, ao estabelecerem 0 tempo e a questaoeconomica como elementos basilares do processo de escola-riza<;ao,acabaram por contribuir para a afirma<;aoinicial, masnem por isso menos fundamental, da especificidade da escola eda instru<;aoescolar, a qual, dai por diante, nao mais poderiaser concebida nos marcos (materiais, espaciais, temporais) daeduca<;ao domestica.

E a partir desses parametros que a discussao sobre 0metodo de ensino, entendido muito mais como forma de "or-

ganiza<;aoda classe" como "forma de ensinar", vai se proces-sar, no Brasil, no decorrer dos anos 40 a meados dos anos 70

do seculo XIX.Assim, ja no final dos anos 30, 0 metodo mutuodara lugar, em varias provincias e em varios textos legais, aoschamados "metodos mistos", os quais buscavam ora aliar asvantagens do metodo individual as do metodo mutuo, oraaliar os aspectos positivos deste ultimo as inova<;oespropos-tas pelos defensores do "metodo simultaneo".

Com 0 decorrer do tempo, vai-se estabelecendo que 0metodo simultaneo era 0 que melhor atendia as especificida-des da instru<;aoescolar, permitindo a organiza<;aode classesmais homogeneas, a a<;aodo professor sobre vcirios alunos si-multaneamente, a otimiza<;aodo tempo escolar, a organiza<;aodos conteudos em diversos nlveis, dentre outros elementos.

o estabelecimento do metodo simultaneo somente se

torna possivel com a produ<;ao de materiais didatico-pedag6-gicos, como livros e cadernos, para os alunos e a dissemina-<;aode materiais como 0 "quadro negro", que possibilitam aoprofessor fazer com que os diversos grupos fiquem ocupadosao mesmo tempo. Porem, 0 pleno estabelecimento do metodotera de esperar a constru<;aode espa<;ospr6prios para a esco-la, 0 que ocorrera, no Brasil, como veremos, apenas na Ultimadecada do seculo XIX.

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Instrurao e1ementar no seculo XIX - Luciano Mendes de Faria Filho

Se essa vertente da discussao

sobre os metodos, como temos argu-mentado, incide fundamentalmente

sobre a forma de organizar a classe,elasofrera uma importante e definitivainflexao a partir de 1870. Nesse mo-mento, sobretudo a partir da divulga-<;aoe apropria<;ao,entre nos, das ideiase experiencias inspiradas na produ<;aodo educador suf<;oJean-Henri Pestalo-zzi, muda 0 curso da discussao sobre

os metodos, passando essa a incidir, di-retamente, sobre as "rela<;6espedag6-gicas de ensino e aprendizagem".

Assim, por variadas vias, a dis-

cussao sobre os metod os, que enfo-cava a questao da organiza<;ao daclasse, e 0 papel do professor comoorganizador e agente da instru<;aovaG dando lugar as reflexoes queacentuam a importancia de pres taraten<;aoaos processos de aprendiza-gem dos alunos, afirmando que "0professor somente poderia ensinarbem se 0 processo de ensino levasseem conta os processos de aprendi-zagem do aluno". Essa inflexao norumo dos debates se articulara emtome do chamando "metodo intui-

tivo" e lan<;ara luzes sobre a imp or-tancia da escola observar os ritmos de

aprendizagem dos alunos.o assim chamado "metodo in-

tuitivo" deve essa denomina<;ao aacentuada importancia que os seusdefensores davam a intui<;ao,a obser-va<;ao,enquanto momenta primeiroe insubstituivel da aprendizagem hu-mana. Ancorados nas tradi<;oesempi-ristas de entendimento dos processosde produ<;aoe elabora<;aomental dosconhecimentos, sobretudo na forma

como foram apropriadas e divulgas. por Pestalozzi,os defensoresdo me-

todo intuitive chamaram a aten<;aopara a importancia da observa<;aodascoisas, dos objetos, da natureza, dosfenomenos e para a necessidade daeduca<;aodos sentidos como momen-tos fundamentais do processo de ins-tru<;aoescolar.

Essa etapa da observa<;aominu-ciosa e organizada e condi<;aopara aprogressiva passagem, pelos alunos,de urn conhecimento sensivel paraurna elabora<;aomental superior, re-flexiva, dos conhecimentos. Tal etapainicia-se pelas "li<;oesde coisas", mo-mento em que 0 professor deve criaras condi<;oespara que os alunos pos-sam ver, sentir, observar os objetos.Podia-se realizar tal procedimentoutilizando-se dos objetos escolares oudos objetos levados para a escola (ca-neta, carteira, mesa, pedras, madei-ras, tecidos...), ou realizando visitase excursoes a circunvizinhan<;a da es-

cola, ou, ainda~ possibilitando aosalunos 0 acesso a gravuras diversas,que tanto poderiam estar nos pro-prios livros, de "li<;oesde coisas" oude outros conteudos, ou em cartazes

especialmente produzidos para 0 tra-balho com 0 metodo.

A partir de urn intenso trabalhode produ<;aoe divulga<;aode variadosimpressos pedagogicos (livros, revis-tas, jomais) e de urn crescente refina-mento teorico, sobretudo com uma

maior aproxima<;ao entre os camposda psicologia e da pedagogia, a dis-cussao sobre a pertinencia e a formade se trabalhar com 0 metodo intuiti-

vo na escola primaria perdurara, no

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SOOanos de educa~ao no Brasil

As excurs6es eas visitas eram

atividodes

importantes no

ensino dos "lifOesdecoisas",segundo 0

metodaintuitivo.

Brasil, ate a decada de 30 do seculo xx. De uma forma defi-

nitiva para a educa«;aoescolar, estarao postas como condi«;oesde possibilidades de exito da a«;aoescolar a considera«;ao daatividade do aluno, como sujeito no processo de aprendiza-gem e do lugar do professor e dos metod os, como sujeito einstrumento, respectivamente, mediad ores desse processo.

DO ESPA<";ODA FAZENDAAO GRUPO ESCOLAR

Herdamos do periodo colonial um nUmero muito redu-zido de escolas regias ou de cadeiras publicas de primeiras Ie-tras. Eram escolas cujos profess ores eram reconhecidos ounomeados pelos 6rgaos de govemos responsaveis pela instru-«;aoe funcionavam em espa«;osimprovisados, geralmente, nacasa dos profess ores, os quais, algumas vezes, recebiam umapequena ajuda para 0 pagamento do aluguel. Os alunos oualunas dirigiam-se para a casa do mestre ou da mestra, e lapermaneciam por algumas horas. Nao raramente 0 periodoescolar de 4 horas era divido em duas se«;oes:uma das 10 as12 horas e outra das 14 as 16 horas.

No entanto, nao podemos considerar que apenas aque-les, ou aquelas, que frequentavam uma escola fora do ambi-ente domestico tinham acesso as primeiras letras. Pelocontrario, ternos indicios de que a rede de escolariza«;aodomestica, ou seja, de ensino e aprendizagem da leitura, da

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/nstrurao elementar no seculo XIX - Luciano Mendes de Faria Filho

escrita e do calculo, mas sobretudo

daquela primeira, atendia a urn nu-mero de pessoas bem superior ao darede publica estatal. Essas escolas, asvezes chamadas de particulares ou-tras vezes de domesticas, ao que tudoindica, superavam em nUmero, atebem avan<;ado 0 seculo XIX,aquelascujos professores mantinham urn vin-culo direto com 0 Estado.13

Em que espa<;o essas escolasfuncionavam? Grosso modo pode-sedizer que tais escolas funcionavamem espa<;os cedidos e organizadospelos pais das crian<;ase jovens aosquais os professores deveriam ensi-nar. Nao raramente, ao lado dos fi-lhos e/ou filhas dos contratantesvamos encontrar seus vizinhos e pa-rentes. 0 pagamento do professor ede responsabilidade do chefe de fa-mflia que 0 contrata, geralmente,um fazendeiro.

Outro modelo de educa<;aoes-

colar que, no decorrer do seculo XIX,vai-se configurando e aquele em queos pais, em conjunto, resolvem criarurna escola e, para ela, contratam co-letivamente urn professor ou urna pro-fessora. Este modelo e bastante

parecido com aquele primeiro, com adiferen<;a fundamental de que estaescola e seu professor nao manb~mnenhum vinculo com 0 Estado, ape-sar dos crescentes esfor<;osdeste, emvarios momentos, para influenciartais experiencias.

Eessa multiplicidade de mode-los de escolariza<;ao,aos quais poder-se-ia somar, ainda, os dos colegiosmasculinos e femininos e 0 da precep-toria, que vamos encontrar como for-

ma de realiza<;aoda escola no seculoXIX. Todos eles, com exce<;ao doscolegios, utilizarao espa<;osimprovi-sados das casas das familias ou dos

professores. Todos eles, exceto 0 pri-meiro, e frequentado quase exclusiva-mente por crian<;ase jovens abastados.Em todas as escolas e, geralmente,proibida a frequencia de crian<;asne-gras, mesmo livres, ate pelo menos 0final da primeira metade do seculo, 0que nao impede, todavia, que estastomem contato com as letras e, as ve-

zes, sejam instrufdas, sobretudo nointerior de um modelo mais familiar

ou comunitario de escolariza<;ao.

Com 0 progressivo fortaleci-mento do Estado Imperial e com adiscussao cada vez maior acerca da

importancia da instru<;aoescolar, vai-se estruturando uma representa<;aodeque a constru<;aode espa<;osespecffi-cos para a escola era imprescindfvelpara uma a<;aoeficaz junto as crian-<;as,indicando, assim, 0 exito daque-les que defendiam a superioridade e aespecificidadeda educa<;aoescolarfren-te as outras estruturas sociaisde forma-

<;aoe socializa<;ao como a familia, aIgreja e, mesmo, 0 grupo de convfvio.Tal representa<;aoe articulada na con-fluencia de diversos fatores, dentre os

quais queremos destacar os de ordempolftico-cultural,pedagogica, cientfficae administrativa.

No que se refere aos primeiros,fatores, ha que se considerar que ainstitui<;ao e 0 fortalecimento do Es-

tado imperial saD fenomenos, tam-bem, polftico-culturais. Relacionadoa isso esta 0 fato de que a escolariza-<;ao,no mundo modemo, faz-sea partir

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500 anos de educapo no Brasil

As saIos de aula

dos gruposesrolares eram

plan£jadassegundo

preceitos medico-

higienistas

bastante precisos.

dos agenciamentos de dar aver e fortalecer as estruturas depoder estatais podendo, mesmo, ser considerada como urndos momentos de realizac;ao dos estados modernos. No Bra-sil, a educac;ao escolar, ao longo do seculo XIX,vai, progressi-vamente, assumindo as caracteristicas de urna luta do governodo estadocontra 0 governo da casa1.4Nesses termos, simboli-camente, afastar a escola do recinto domestico, significava afas-ta-la tambem das tradic;oes culturais e politicas a partir dasquais 0 espac;odomestico organizava-se e dava aver.

Em segundo lugar, conforme ja vimos, as discussoes pe-dag6gicas, sobretudo aquelas referentes as propostas meto-dol6gicas, foram demonstrando a necessidade da construc;aode espac;ospr6prios para a escola, como condic;ao de realiza-c;aode sua func;ao social espedfica. Assim, os defensores dometodo mutuo afirmavam que para 0 exito da instruc;ao e paraa manutenc;ao da boa ordem escolar era absolutamente neces-saria a construc;aode grandes espac;os,onde pudessem ser reu-nidos centenas de alunos e para que, nas paredes construidas,pudessem ser pendurados os quadros e os "cartazes", algunsdos materiais didaticos auxiliares dos monitores. 0 mesmo

problema do espac;o coloca-se, tambem, quando os defenso-res do metodo intuitivo argumentam que e preciso que 0 es-pac;o da sala de aula permita que as diversas classes possamrealizar as lifoes de coisas.Soma-se a isso que a escola, so-bretudo ao final do seculo XIX,vai sendo invadida por urnarsenal inovador de materiais didatico-pedag6gicos (quadro-negro, lousas individuais, cadernos, livros...) para os quaisnao era possivel, mais, ficar adaptando os espac;os, sob pena

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Instrurao elementar no seculo XIX - Luciano Mendes de Faria Filho

de nao colher, destes materiais, os

reais beneficios que podiam trazerpara a instrw;ao.

Tambem 0 desenvolvimento

dos saberes cientificos, notadarnente

da medicina e, dentro dessa, da higie-ne, e sua aproxirna<;aodo fazer peda-g6gico, vao influir decisivarnente naelabora<;aoda necessidade de urn es-pa<;opr6prio para a escola.15Ao mes-mo tempo ern que elaboravam urnacontundente critica as pessimas con-di<;oesdas moradias e dos demais pre-dios para a saude da popula<;ao erngeral, os higienistas acentuavam so-bremaneira 0 mal causado as crian<;as

pelas pessimas instala<;oesescolares.Alem disso, expunham 0 quanto a fal-ta de espa<;os e materiais higienica-mente concebidos era prejudicial asaude e a aprendizagem dos alunos.

Finalmente, a falta de espa<;os

pr6prios para as escolas era vista, tam-bern, como urn problema administra-tivo a medida que as institui<;oesescolares, isoladas e distantes urnasdas outras, acabavarn nao sendo fis-calizadas, nao ofereciarn indicadoresconfiaveis do desenvolvimento do

ensino e, aMm do mais, consurniam

parte significativa das verbas corn pa-gamento do aluguel da casadeescolae do professor. Assim, os professoresnao eram controlados, os dados esta-

tisticos eram falseados, os professoresmisturavam suas atividades de ensi-

no a outras atividades profissionaise, enfim, as escolas nao funcionavam,

ern boa parte das vezes, literalmente.

Apesar das criticas existiremdesde a primeira metade do seculo,sendo crescentemente refinadas e

divulgadas nos anos finais do Impe-rio, 0 Brasil vai ter de esperar ate me-ados da ultima decada do seculo XIX,

prirneiro ern Sao Paulo e, depois, ernvarios estados brasileiros, para ver ernfuncionamento as primeiras constru-<;oespublicas pr6prias para a realiza-<;aoda instru<;aoprimaria: os gruposescolares.Neles,e por meio deles, osrepublicanos buscarao mostrar a pr6-pria Republica e seu projeto educati-vo exemplar e, porvezes, espetacular.

Os grupos escolares, concebi-dos e construidos como verdadeiros

templos do saber,16encarnavam, aurn s6 tempo, todo urn conjunto desaberes, de projetos polltico-educati-vos, e punham ern circula<;ao0 mo-delo definitivo da educa<;aodo seculoXIX:0 das escolas seriadas. Apresen-tadas como pratica e representa<;aoque permitiam aos republicanos rom-per corn 0 passado imperial, os gru-pos escolares projetavam urn futuro.ern que na Republica 0 povo, recon-ciliado corn a na<;ao,plasmaria umapatria ordeira e progressista.

No entanto, acultura escolar ela-borada tendo como eixo articulador os

grupos escolares atravessou 0 seculoXX, constituindo-se referencia basica

para a organiza<;aoseriada das classes,para a utiliza<;aoracionalizada do tem-po e dos espa<;ose para 0 controle sis-tematico do trabalho das professoras,dentre outros aspectos.E,grosso modo,nessee cornreferenciaa esse caldode

culturaqueainda hojese elaborarnasreflexoespedag6gicas, mesmo aquelasque se representam, mais urna vez, decostas para 0 passado e antecipadorasde urn futuro grandioso.

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SOOanos de educarao no Brasil

Finalmente, podemos constatar que alguns problemasse mantem, a despeito dos esfon;os que foram feitos pararesolve-Ios.

Em 1825, nurna materia ja citada, 0 jornal 0 Universalpunha em circula<;aoa seguinte preocupa<;ao:

a problema, pois, que ha de resolver e: como se podera ge-neralizar uma boa educa~ao elementar, sem grandes despe-sas do Governo, e sem que tire as classes trabalhadoras 0tempo, que e necessario que empreguem nos diferentes ra-mos de suas respectivas ocupa~6es?17

Essa preocupa<;ao, que se refere ao tempo e asua utili-za<;ao,escolar ou nao, nao e apanagio das elites mineiras nasprimeiras decadas dos oitocentos. Ela esta no cerne mesmoda modernidade, e nao poderia deixar de ser urn aspecto cen-tral no interior dos processos de escolariza<;ao. A discussaovolta-se, por urn lado, para a rela<;aoentre a escola e outrasinstitui<;6esou ocupa<;6essociais (famIlia, trabalho...), preten-dendo fazer com que os pais, sobretudo, tomem conscienciada importancia da escola e fa<;amcom que seus(suas) filhos(as)freqiientem reguiarmente a escola. No entanto, esta nao e, pa-rece-me, a questao principal. a aspecto central, aqui, refere-seao fato de que mais e mais vai-se afirmando 0 tempoescolar0qual, na sua especificidade, precisa estar em constante dialo-go com os outros tempos sociais.

Ena melhor e na mais eficiente organiza<;aoe utiliza<;aodos tempos escolares que apostarao todos aqueles que, envolvi-dos com a discussao sobre 0 processo de escolariza<;aono seculoXIX,defenderao a centralidade da escola na vida nacional, na

forma<;aode urn povo ordeiro e civilizado. De forma especial,queremos chamar a aten<;ao,aqui, para urna rela<;aoque nem

Nos grupos escolares, 0 patio escolar e as ruas circunvizinhas eram espafos

fundamentais para a educaflio "moral, civica" e "intelectual" dos alunos.

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Instrufilo efementar no seculo XIX -Ludano Mendes de FariaFilho

sempre e estabelecida pelos pesqui-sad ores em hist6ria da educa~ao: arela~ao entre escolariza~ao de conhe-cimentos e tempos escolares. Seacompanharmos os debates que setravaram na area da educa~ao aolongo do seculo XIX, mais especifi-camente aqueles que se referiam asdetermina~6es sobre os conteudosescolares, ou seja, sobre aquilo que,no seculo XIX,chamamos de progra-mas e curriculos escolares, veremos

que sua extensao esta intimamenterelacionada a organiza~ao e a utili-za~ao dos tempos escolares e, dai,com os metodos pedag6gicos, ou,mais especificamente, com a organi-za~o das turmas e das classes.

NOTAS

Assim, nao e de se estranhar

que a esta organiza~ao e utiliza~aodiaria do tempo escolar nas escolasmineiras, da primeira metade do se-culo XIX,corresponde urn diminuto"programa" de ensino.ls Esses pro-gramas, em sua extensao e apro-fundamento, sac muito diferentes

daqueles organizados nas ultimasdecadas do seculo XIX e primeirasdo XX.As mudan~as nos program asacompanham, pari passu, as mudan-~as ocorridas nas form as de organi-za~ao e utiliza~ao do tempo escolar,as quais, por sua vez, guardam es-treitas rela~6es com 0 desenvolvi-mento dos metodos e dos materiais

pedag6gicos.

1 0 exemplo classico dessa abordagem e, sem duvida, 0 trabalho de Fernando de AzevedoA cultura brasileira, a qual, em relac;ao a escolarizac;ao primaria nos oitocentos, aindanao foi suficientemente superada.

2 Leide 15de novembro de 1827,a primeira, e Unica,lei geral sobre instruc;aoprimaria noBrasil durante 0 periodo imperial.

3 Ato Adicional a Constituic;aodo Imperio, publicado em 12de agosto de 1834,que, dentreoutras deliberac;6es, instituia as Assembleias Provinciais e determinava que dentre suasfunc;oes estava a de legislar sobre instruc;ao primaria.

4Na provincia de Minas Gerais, por exemplo, entre leis, regulamentos e portarias, inven-tariamos quase 600 textos legais para 0 periodo de 1835 a 1889.

5 Tavares Bastos. A Provincia. Sao Paulo: Cia Editora Nacional, 193? (1" ed. 1867?).

6 Em varios momentos, observamos, em Minas Gerais, a aplicac;ao de quase 30% dos recur-sos provinciais no servic;o de instruc;ao.

7 A provincia mineira teve, em media, mais de dois presidentes de provincia por ano.

8 Jornal 0 Universal, em 18/7/1825.

9 Francisco de Assis Peregrino. Mem6ria... Arquivo Publico Mineiro, S.P., c6dice 236,1839.

10 Em relac;aoa divulgac;aodo metodo mutuo no Brasilver: Maria Helena Camara BastoseLuciano Mendes de Faria Filho (orgs.) A escolaelementar no seculo XIX: 0 metodo mo-nitorial/mutuo. Passo Fundo: EdUPF, 1999.

II 0 Universal, 17/7/1825.

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500 anos de educafao no Brasil

12Em Minas Gerais,por exemplo,0 conselho da provincia mandou publicar, em 1829,umalista de castigos lancasterianos para serem aplicados nas escolas de primeiras letras daProvincia.

13 A experiencia mineira, que nao parece ser Unica, bem 0 demonstra. Em 1827, BernardoPereira de Vasconcelos sustentava que, em Minas Gerais, havia 23 escolas publicas e 170escolas privadas.

14 Ilmar H. Mattos. In: Tempos de Saquarema. Rio de Janeiro: Acces, 1994,2. ed.

15Ver, a esse respeito, 0 texto de Jose Gon~alves Gondra incluido nesta coletanea.

16 Sobre a constru~ao dos grupos escolares no estado de Sao Paulo, ver 0 trabalho de RosaFatima de Souza: Templosde civilizarao.Sao Paulo: Ed. UNESP, 1998.

170 Universal,18/7/1825.

18 Conforme determinado pelo Artigo 1"da Lei numero 13, publicada em Minas Gerais em1835, que se parece muito com aquelas publicadas mais ou menos na mesma epoca emvarias outras provincias, "a instru~ao primaria consta de dois graus. No primeiro seensinara a ler, escrever e a pratica das quatro opera~6es aritmeticas, e no segundo a ler,escrever, aritmetica ate as propor~6es, e no~6es gerais dos deveres morais e religiosos".As escolas de 2" grau saD aquelas que se localizam em cidades e vilas (maiores) e as de I"em locais de menor popula~ao. Nas localidades onde houvesse as de 2" grau, as de I"nao seriam abertas. Quanto aos conteudos, nas escolas para meninas, alem dos conteu-dos daquelas do I" grau haveria "ortografia, pros6dia, no~6es gerais de deveres morais,religiosos e domesticos". (Art. 3".)

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