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FAPEMA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA E AO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DO MARANHÃO ESTÁGIO PÓS-DOUTORAL: PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA O MARANHÃO E O ACRE RELATÓRIO FINAL ESTAGIÁRIO: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) SUPERVISORA: Profa. Dra. Neide Esterci Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia (PPGAS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) São Luís março de 2011

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FAPEMA – FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA E AO DESENVOLVIMENTO

CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DO MARANHÃO

ESTÁGIO PÓS-DOUTORAL:

PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS

NA AMAZÔNIA BRASILEIRA – O MARANHÃO E O ACRE

RELATÓRIO FINAL

ESTAGIÁRIO: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) da Universidade Federal

do Maranhão (UFMA)

SUPERVISORA: Profa. Dra. Neide Esterci

Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia (PPGAS) da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

São Luís

março de 2011

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ÍNDICE

LISTA DE SIGLAS

3

1. AVALIAÇÃO DA SUPERVISORA

4

2. AVALIAÇÃO DO ESTAGIÁRIO

7

3. TRABALHOS REALIZADOS

12

4. TRABALHOS EM PREPARAÇÃO

14

ANEXOS

18

ANEXO I

19

ANEXO II

22

ANEXO III

27

ANEXO IV

45

ANEXO V

67

ANEXO VI

89

ANEXO VII

103

ANEXO VIII

124

ANEXO IX

130

ANEXO X

135

ANEXO XI

151

ANEXO XII

173

ANEXO XIII 192

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LISTA DE SIGLAS

ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais

ANPPAS – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e

Sociedade

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique (France)

DAC – Departamentos de Antropologia Cultural (IFCS/UFRJ)

DESOC – Departamento de Sociologia e Antropologia (UFMA)

DS – Departamento de Sociologia (IFCS/UFRJ)

FAPEMA – Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e

Tecnológico do Maranhão

GEDMMA – Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

GPTEC – Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo

IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

NEPP-DH – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos

PPGCS – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do

Pará

PPGCSoc – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal

do Maranhão

PPGSA – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade

Federal do Rio de Janeiro

PROCAD-NF – Programa de Cooperação Acadêmica – Novas Fronteiras

SBS – Sociedade Brasileira de Sociologia

UFF – Universidade Federal Fluminense

UFMA – Universidade Federal do Maranhão

UFMT – Universidade Federal do Mato Grosso

UFPA – Universidade Federal do Pará

UFPB – Universidade Federal da Paraíba

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

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ESTÁGIO PÓS-DOUTORAL:

PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS

NA AMAZÔNIA BRASILEIRA – O MARANHÃO E O ACRE

RELATÓRIO FINAL

1. AVALIAÇÃO DA SUPERVISORA

O Estágio Pós-Doutoral do professor doutor Horácio Antunes de Sant`Ana

Júnior, que está sendo concluído neste mês de fevereiro de 2011, representa a

continuidade e consolidação de uma parceria acadêmica que foi iniciada no curso de

doutorado realizado sob minha orientação e concluído no ano de 2002.

Desde então, eu e o professor Horácio temos participado em várias atividades

acadêmicas como foi, por exemplo, o Boletim Rede Amazônia, que eu organizava e

para o qual ele contribuiu como autor; o professor Horácio participou também dos

encontros e seminários realizados pela Rede Amazônia do qual participavam vários

pesquisadores da Amazônia, brasileiros e de outros países. Os investimentos em

discussão e a rede criada nessas atividades se desdobraram na organização de Grupos de

Trabalho (GT) e Mesas Redondas (MR) em vários Congressos e Encontros de

Associações Nacionais (ANPOCS, SBS, ABA e ANPPAS) e nessas iniciativas, que têm

sempre reunido vários membros da Rede Amazônia, agora, desativada, o professor

Horácio tem tido um papel importante. Também fizemos um trabalho de coorientação,

embora de caráter informal, na dissertação de Arinaldo de Souza Martins – aluno do

professor Horácio, na UFMA, Arinaldo fez seu trabalho de campo na RDS Mamirauá -

AM, onde eu já trabalhava. Seu trabalho resultou na publicação do livro de sua autoria,

sob o título “Arribando aos Mururus: os pescadores de Tefé, o conflito e a busca pelo

desenvolvimento sustentável em Mamirauá”. Participamos, também, do Programa de

Colaboração Acadêmica (PROCAD), financiado pela CAPES, que, de 2006 a 2010,

envolveu o PPGCSoc/UFMA e o PPGSA/UFRJ. No âmbito desse Programa,

organizamos, conjuntamente, o dossiê “Amazônia e paradigmas de desenvolvimento”,

que foi publicado pela Revista Pós Ciências Sociais, em 2009. Toda essa trajetória de

trabalho conjunto deve ter motivado o professor Horácio a solicitar ao seu

Departamento licença para fazer seu Pós-doutorado e, solicitar o apoio da FAPEMA,

para o empreendimento.

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Durante o ano de estágio pós-doutoral, houve intenso trabalho de colaboração do

professor Horácio comigo e outros professores dos Departamentos de Antropologia

Cultural (DAC) e do Departamento de Sociologia (DS) do IFCS. No âmbito do Grupo

de Pesquisa Relações de Trabalho, Poder e Ecologia, por mim coordenado, ministramos

juntos a disciplina Sociedades Camponesas no Curso de Graduação que inclui os

departamentos de Antropologia Cultural e de Sociologia do Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais da UFRJ; ministrou também comigo e com o professor José Ricardo

Ramalho, do Departamento de Sociologia, a disciplina Desenvolvimento Trabalho e

Ambiente, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ.

Nessa disciplina da Pós-Graduação, tivemos a oportunidade de reunir para palestra e

discussão com os alunos dois outros pesquisadores da Amazônia, antigos parceiros da

Rede anteriormente referida: o professor Ricardo Rezende Figueira, da Faculdade de

Serviço Social da UFRJ e o professor Philippe Léna, do CNRS. Nenhuma dessas

colaborações é esporádica e pontual, pois estão em curso várias formas de colaboração,

conforme se pode constatar no relatório apresentado pelo professor Horácio. De fato, foi

além das expectativas a atuação do professor Horácio junto ao Grupo de Pesquisa

Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), coordenado pelo Prof. Dr. Ricardo

Rezende Figueira e vinculado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos

Humanos (NEPP-DH), também da UFRJ, junto ao qual está organizando um livro.

Também tem sido bem sucedida nossa colaboração no âmbito do Projeto PROCAD-NF

que, desde março de 2010, envolve PPGCS/UFPA, PPGSA/UFRJ e PPGCSoc/UFMA,

cujas equipes são coordenadas respectivamente, por Maria José da Silva Aquino

(coordenadora geral), por mim e pelo professor Horácio.

Seguindo a programação do projeto de pesquisa que orientou o estágio pós-

doutoral, foram realizados três períodos de trabalho de campo, um no Acre e dois no

Maranhão.

Além dos resultados já referidos devo ainda destacar a publicação de dois artigos

em periódico científico, de três trabalhos completos em anais de eventos e dois artigos

em jornais; a organização de um grupo de trabalho e de um seminário temático em

eventos científicos; a realização de uma palestra em programa de pós-graduação e a

participação em uma mesa redonda em evento científico.

Além dos produtos já finalizados, estão em preparação: dois artigos a serem

publicados em periódicos científicos; seis capítulos de livros; quatro trabalhos

completos a serem apresentados em eventos científicos; uma resenha de livro em

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periódico científico; participação na organização de dois livros; organização de dois

grupos de trabalho e de uma mesa redonda em eventos científicos.

O conjunto de atividades realizadas e da produção obtida ou em elaboração

permite avaliar que o Estágio Pós-Doutoral foi realizado com sucesso, colaborando

efetivamente para a consolidação do PPGCSoc/UFMA e da relação de cooperação que

este mantém com o PPGSA/UFRJ.

Profa. Dra. Neide Esterci (UFRJ)

Supervisora

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2. AVALIAÇÃO DO ESTAGIÁRIO

O Estágio Pós-Doutoral realizado junto ao PPGSA/UFRJ, sob orientação da

Profa. Dra. Neide Esterci, entre março de 2010 a fevereiro de 2011, foi uma

oportunidade de novas experiências profissionais e de contatos importantes para minha

carreira acadêmica.

Durante o Estágio pude participar de reuniões e atividades do Grupo de Pesquisa

Relações de Trabalho, Poder e Ecologia, através do qual a professora Neide Esterci se

insere no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), e do

Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), coordenado pelo Prof.

Dr. Ricardo Rezende Figueira e vinculado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas

em Direitos Humanos (NEPP-DH), ambos da UFRJ. Além desses grupos, já em

funcionamento, tive a oportunidade de participar das discussões visando à criação do

Núcleo de Estudos Trabalho, Desenvolvimento e Ambiente (NDTA), cuja instalação

oficial se fará no final de março próximo. O Núcleo será coordenado pelos Profs. Drs.

José Ricardo Ramalho e Neide Esterci, e integrado por outros membros da equipe como

o Prof. Dr. André Botelho e o Dr. Rodrigo Salles Pereira dos Santos. Participei ainda

das atividades do Projeto PROCAD-NF, na qualidade de coordenador da equipe do

PPGCSoc/UFMA, sendo as equipes do PPGCS/UFPA e do PPGSA/UFRJ

coordenadas, respectivamente, pelas Profas. Dras. Maria José da Silva Aquino

(coordenadora geral) e Neide Esterci.

Uma das boas experiências de trabalho acadêmico que o Estágio Pós-Doutoral

me propiciou foi a oportunidade de ministrar duas disciplinas eletivas: “Sociedades

Camponesas”, com a Professora Neide Esterci (carga horária de 60h, semestre 2010.1),

no Curso de Graduação em Ciências Sociais IFCS/UFRJ; e “Desenvolvimento,

Trabalho e Ambiente”, em conjunto com os Professores José Ricardo Ramalho e Neide

Esterci (carga horária de 60h, semestre 2010.2) no Programa de Pós-Graduação em

Sociologia e Antropologia (PPGSA/UFRJ). Nessas disciplinas, foi possível atualizar e

discutir o referencial bibliográfico utilizado na pesquisa prevista no Projeto e em outras

pesquisas em andamento. Foi importante também a oportunidade de partilhar a docência

com dois professores mais experientes e tendo como alunos formados por equipes de

professores de outras instituições brasileiras (não somente da UFRJ, mas também da

UFF e UFPB, por exemplo), o que ofereceu parâmetros para avaliarmos o trabalho que

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desenvolvido com nossos próprios alunos, enriquecendo, sobremaneira, nossa própria

atividade docente.

O Pós-doc foi também produtivo em termos de publicações. Publiquei, neste

período, os artigos “Taim: Conflitos Sócio-Ambientais e Estratégias de Defesa do

Território”, na Revista Pós Ciências Sociais, em coautoria com Sislene Costa da Silva, e

“Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais no Maranhão”, em coautoria

com Carla Regina Assunção Pereira e Elio de Jesus Pantoja Alves, publicado pela

Revista Teoria & Sociedade (UFMG); produzi três trabalhos completos, publicados em

anais de eventos científicos (“Conflitos sociambientais no Maranhão: os povoados de

Camboa dos Frades – São Luís-MA – e SalvaTerra – Rosário-MA”, Anais do V

Encontro Nacional da ANPPAS, em coautoria com Elio de Jesus Pantoja Alves; e “O

mesmo e o outro: jovens camponeses e a negação da cultura camponesa”, Anais do VIII

Congresso Latinoamericano de Sociologia Rural, em coautoria com Bartolomeu

Rodrigues Mendonça; e “Refinaria de Petróleo e Grupos Sociais locais: lógicas

confrontantes no Brasil e Angola, Anais do VIII Congreso Latinoamericano de

Sociologia Rural, em coautoria com Maria José da Silva Aquino) e, produzi também

dois artigos publicados na imprensa: “A criação da Resex de Tauá-Mirim e sua

importância para São Luís”, no Jornal Pequeno de 22/08/2010, em coautoria com Elena

Steinhorst Damasceno; e “Camboa dos Frades, Vila Madureira e Termelétrica do Porto

do Itaqui: grandes projetos de desenvolvimento e comunidades locais”, no Jornal Vias

de Fato de 01/03/2010, em coautoria com Ana Lourdes S. RIBEIRO. Essas publicações

constituíram-se em momentos de elaboração, a partir de informações obtidas na

pesquisa de campo e bibliográfica, de contribuições para maior compreensão do objeto

de estudo, de sua articulação com objetos semelhantes trabalhados pelos outros autores,

e de divulgação dos resultados obtidos.

A organização e participação do Grupo de Trabalho "Sociedade e Ambiente:

territórios, relações com natureza e conflitos socioambientais”, no II Encontro da

Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte, em Belém-PA, em conjunto com

Maria José da Silva Aquino, da UFPA, e Antônio Carlos Witkoski, da UFAM; e do

Seminário Temático "Ideologia do desenvolvimento, sujeitos sociais e conflitos

socioambientais", no 34º Encontro Anual da ANPOCS, em Caxambu-MG, em conjunto

com Flávia Maria GALIZONI, da UFMG, possibilitaram a ampliação de contados com

pesquisadores do país e do exterior e da reflexão em torno dos temas trabalhados.

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Ainda como atividades realizadas no correr do Estágio Pós-Doutoral, cabe

destacar a palestra “Grandes projetos de desenvolvimento e vulnerabilização para o

trabalho escravo”, proferida no Programa de Pós-Graduação em História da UFMT, em

Cuiabá; e a participação na Mesa Redonda "Territórios emergentes de desenvolvimento

sustentável na Amazônia Brasileira”, em conjunto com José Ricardo Ramalho (UFRJ) e

Neide Esterci (UFRJ), Marcelo Domingos Sampaio Carneiro (UFMA) e Maria José da

Silva Aquino (UFPA), no II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região

Norte, em Belém.

Além dos resultados já finalizados, uma série de outros trabalhos está em fase de

elaboração, conclusão ou foram encaminhados para publicação ou execução.

Em coautoria com Maria José da Silva Aquino, estão em elaboração dois artigos.

Encontra-se em fase de finalização o artigo “Amazônia brasileira e desenvolvimento:

identidades, redes e estratégias de marketing de atores não governamentais” (título

provisório), a ser enviado para, no Cadernos de Recursos Humanos (CRH). Em março

de 2011, o artigo “Refinarias de petróleo no Brasil e em Angola” (título provisório),

também em fase de finalização deve ser enviado ao Boletim do Museu Goeldi.

Encontra-se, também, em fase adiantada de elaboração, em coautoria com a Profa. Dra.

Neide Esterci, uma resenha do livro “Combatendo a Desigualdade Social; o MST e a

Reforma Agrária no Brasil”, a ser enviada para publicação em periódico científico.

Dois livros estão sendo organizados. O livro “Atores e Projetos ambientalistas

na Amazônia Brasileira”, em conjunto com a Profa. Dra. Neide Esterci. Em conjunto

com Ricardo Rezende Figueira e Adonia Antunes Prado, o livro “Trabalho Escravo

Contemporâneo: um debate transdisciplinar” foi encaminhado para a Editora Mauad e

deve ser publicado ainda em 2011.

Seis capítulos de livro foram elaborados ou estão em fase de conclusão.

O capítulo “Refinaria Premium: Presença da Petrobrás no Maranhão” foi

produzido em coautoria com Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Ana Lourdes da Silva

Ribeiro e Bruno Henrique Costa Rabelo e encaminhado para publicação no livro

“Petróleo no Brasil: impactos territoriais e desafios para transição a uma sociedade

menos dependente de combustíveis fósseis”, organizado por Oswaldo Sevá e Julianna

Malerba, devendo ser publicado pela FASE ainda em 2011. “Acre e modelo de

desenvolvimento” é o título do capítulo que será publicado, pela Editora da

UFMT, no livro “Olhares sobre a escravidão contemporânea: novas contribuições

críticas”, organizado por Ricardo Rezende Figueira e Adonia Antunes Prado, encontra-

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se no prelo. Em coautoria com Karla Suzy Andrade Pitombeira, o capítulo “Projetos de

desenvolvimento, deslocamentos compulsórios e vulnerabilização de populações locais”

foi encaminhado para publicação no livro “Trabalho Escravo Contemporâneo: um

debate transdisciplinar”, organizado por Ricardo Rezende Figueira, Adonia Antunes

Prado e Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, que sairá pela Editora Mauad, em 2011.

Estão em fase de elaboração os seguintes capítulos: “Desenvolvimento e

Reservas Extrativistas no Acre e no Maranhão”, que comporá o livro “Atores e Projetos

ambientalistas na Amazônia Brasileira”, organizado por Neide Esterci e Horácio

Antunes de Sant‟Ana Júnior; “Injustiça Ambiental, Mineração e Siderurgia”, em

coautoria com Bruno Milanez, Gabriela Scotto, Dário Bossi e Karina Kato, que

comporá o “Livro do Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil”, a ser publicado

pela FIOCRUZ; “Políticas Públicas, Sociedade e Ambiente”, em coautoria com Elena

Steinhorst Damasceno, que será publicado no livro “Transformações Contemporâneas

do Capitalismo Periférico – A Particularidade do Maranhão e o Serviço Social”,

organizado por Josefa Batista Lopes, Nonata Santana e Marina Maciel Abreu.

O Grupo de Trabalho “Conflitos Socioambientais” foi organizado, em conjunto

com Cleyton Henrique GERHARDT (UFRGS), e aceito para ser realizado no XV

Congresso Brasileiro de Sociologia, a ser realizado no campus da UFPR, Curitiba, PR,

26 e 29 de julho de 2011. Em conjunto com Eder Carneiro (UFSJ), encontra-se em fase

de organização o Grupo de Trabalho “Conflitos ambientais e desenvolvimento” (título

provisório) a ser encaminhado para avaliação da Comissão Científica do 35ª Encontro

Anual da ANPOCS, a ser realizado em Caxambu, 24 e 28 de outubro de 2011. A Mesa

Redonda “Conflitos socioambientais: atores sociais, processos de (des)territorialização,

direitos específicos”, em conjunto com Neide Esterci e Cleyton Henrique GERHARDT

(UFRGS), foi organizada e encaminhada para avaliação da Comissão Científica do XV

Congresso Brasileiro de Sociologia, a ser realizado no campus da UFPR, Curitiba, PR,

26 e 29 de julho de 2011

Para publicação em anais de eventos científicos, um trabalho foi encaminhado e

dois estão em fase de preparação. O trabalho “A geografia política dos conflitos

ambientais no Maranhão: território, desenvolvimento e poder no relatório de

sustentabilidade da Vale 2009”, em coautoria com José Arnaldo dos Santos Ribeiro

Júnior, foi encaminhado para avaliação da Comissão Científica do II Simpósio Nacional

de Geografia Política, Território e Poder e I Simpósio Internacional de Geografia

Política e Territórios Transfronteiriços, a ser realizado em Foz do Iguaçu - PR, de 01 a

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04 de maio de 2011. Estão em preparação os trabalhos “Conflitos sociais e a luta por

reconhecimento: o caso dos povos e comunidades tradicionais”, em coautoria com Ana

Caroline Pires Miranda, “As naturezas das produções e consumos de serviços e recursos

ecológicos de grupos ditos tradicionais”, em coautoria com Bartolomeu Rodrigues

Mendonça, a serem encaminhados para o XXVIII Congresso Internacional da

Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS), que será realizado em Recife-PE,

de 06 a 10 de setembro de 2011; “Análise do processo de criação de política pública: a

Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, São Luís-MA”, em coautoria com Elena Steinhorst

Damasceno, a ser encaminhado para o XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências

Sociais, que será realizado em Salvador-BA, de 07 a 10 de agosto de 2011.

O conjunto de atividades realizadas e em andamento demonstra que o Estágio

Pós-Doutoral constituiu-se em período importante para minha carreira acadêmica. Os

objetivos previstos no projeto foram cumpridos e outras atividades ainda puderam ser

incorporadas. A convivência com professores e alunos do IFCS/UFRJ, tanto na

graduação quanto na pós-graduação, foi bastante proveitosa e marcada por

receptividade bastante positiva e calorosa. Ter um ano dedicado à pesquisa propiciou

um incremento na minha produção científica que se revelará mais claramente nos

próximos anos, na medida em que os resultados forem sendo publicados em periódicos,

livros e anais de eventos científicos.

Pelos motivos acima elencados, manifesto meu agradecimento ao

PPGCSoc/UFMA e ao DESOC/UFMA, pelas indicação e licença necessárias para a

realização do citado Estágio; ao PPGSA/UFRJ, pela boa acolhida ao Projeto; em

especial, registro a disponibilidade e competência das funcionárias do PPGCSoc,

DESOC e PPGSA no atendimento às demandas deste Projeto; à FAPEMA, por ter

propiciado as condições financeiras; ao Prof. Dr. José Ricardo Ramalho, pela

convivência na disciplina Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente e pelas agradáveis e

proveitosas conversas; e, especialmente, à minha Supervisora, Profa. Dra. Neide Esterci,

pela amável convivência nas disciplinas, no Grupo de Pesquisa e no cotidiano da

realização das tarefas, mostrando-se sempre disponível para partilhar a vida acadêmica.

Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (UFMA)

Estagiário

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3. TRABALHOS REALIZADOS

Trabalho de Campo

1. São Luís-MA – de 15 de junho a 14 de julho de 2010

2. Rio Branco-AC – de 29 de julho a 14 de agosto de 2010

3. São Luís-MA – de 04 a 09 de novembro de 2010

Disciplinas Ministradas

1. Na graduação (Curso de Graduação em Ciências Sociais da UFRJ)

Nome da disciplina: Sociedades Camponesas (em conjunto com a Profa. Neide

Esterci)

Carga horária: 60h

Semestre: 2010.1

2. Na Pós-Graduação (PPGSA/UFRJ)

Nome da disciplina: Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (em conjunto com

os Professores José Ricardo Ramalho e Neide Esterci)

Carga horária: 60h

Semestre: 2010.2

Artigo em Periódico Científico

1. SANT'ANA JÚNIOR, Horácio Antunes e SILVA, Sislene Costa da. Taim:

Conflitos Sócio-Ambientais e Estratégias de Defesa do Território. Revista Pós

Ciências Sociais. EDUFMA, v.7 nº 13. 2010. p. 159-172.

2. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., PEREIRA, Carla Regina Assunção, ALVES, Elio

de Jesus Pantoja. Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais no

Maranhão. Teoria & Sociedade (UFMG), nº 18.1, janeiro-junho, 2010. p. 94-

113.

Trabalhos em Anais de Evento

1. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., ALVES, Elio de Jesus Pantoja. Conflitos

sociambientais no Maranhão: os povoados de Camboa dos Frades (São Luís -

MA) e SalvaTerra (Rosário - MA). V Encontro Nacional da ANPPAS.

Florianópolis-SC, 2010. p. 1-19.

(http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT2-419-350-

20100903205558.pdf).

2. MENDONÇA, Bartolomeu Rodrigues, SANT'ANA JÚNIOR, H. A. O mesmo e

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o outro: jovens camponeses e a negação da cultura camponesa. VIII Congreso

Latinoamericano de Sociologia Rural - América Latina: realineamientos

políticos y proyectos en disputa. Porto de Galinhas-PE, 2010. p. 1-14.

(www.alasru.org/cdalasru2010/1%20trabalhos%20completos/GT-13/26-

8/GT13%20Bartolomeu%20Rodrigues%20Mendonça.pdf).

3. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., AQUINO, Maria José da Silva. Refinaria de

Petróleo e Grupos Sociais locais; lógicas confrontantes no Brasil e Angola. VIII

Congreso Latinoamericano de Sociologia Rural - América Latina:

realineamientos políticos y proyectos en disputa. Porto de Galinhas-PE, 2010. p.

1-20. (http://www.alasru.org/cdalasru2010/1%20trabalhos%20completos/GT-

7/1SET/GT7%20Horácio%20Antunes%20de%20SantAna%20Júnior.pdf).

Artigos em Jornais

1. SANT'ANA JÚNIOR, H. A. e DAMASCENO, Elena Steinhorst. A criação da

Resex de Tauá-Mirim e sua importância para São Luís. Jornal Pequeno. São

Luís, 22/08/2010. p. 6 (http://www.jornalpequeno.com.br/2010/8/22/a-criacao-

da-resex-de-taua-mirim-e-sua-importancia-para-sao-luis-128997.htm).

2. RIBEIRO, Ana Lourdes S. e SANT'ANA JÚNIOR, H. A. Camboa dos Frades,

Vila Madureira e Termelétrica do Porto do Itaqui; grandes projetos de

desenvolvimento e comunidades locais. Vias de Fato. São Luís, 01/03/2010. p.

12. (http://www.viasdefato.jor.br).

Organização de Grupo de Trabalho em Evento Científico

1. AQUINO, Maria José da Silva, WITKOSKI, A. C., SANT'ANA JÚNIOR, H. A.

Grupo de Trabalho "Sociedade e Ambiente: territórios, relações com natureza e

conflitos socioambientais” no II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia

da Região Norte. Belém-PA, 2010.

(http://www.sbsnorte2010.ufpa.br/site/index.php)

Organização de Seminário Temático em Evento Científico

1. GALIZONI, F. M., SANT'ANA JÚNIOR, H. A. Seminário Temático "Ideologia

do desenvolvimento, sujeitos sociais e conflitos socioambientais", no 34º

Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu-MG, 2010.

(http://www.encontroanpocs.org.br/2010/?page=4&menu=Programação).

Palestra

1. SANT'ANA JÚNIOR, H. A. Título: Grandes projetos de desenvolvimento e

vulnerabilização para o trabalho escravo. Palestra no Programa de Pós-

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Graduação em História da UFMT. Cuiabá, 2010.

Mesa Redonda

1. RAMALHO, J. R. G. P., ESTERCI, Neide, CARNEIRO, Marcelo Domingos

Sampaio, AQUINO, Maria José da Silva, SANT'ANA JÚNIOR, H. A. Mesa

Redonda "Territórios emergentes de desenvolvimento sustentável na Amazônia

Brasileira”. II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte.

Belém, 2010.

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15

4. TRABALHOS EM PREPARAÇÃO

Artigos em Periódicos Científicos

1. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., AQUINO, Maria José S. Ambientalismo na

Amazônia brasileira e desenvolvimento: identidades, redes e estratégias de

marketing de atores não governamentais (título provisório). Cadernos de

Recursos Humanos (CRH). 2012. Situação: artigo em preparação, para ser

enviado à revista no primeiro semestre de 2011.

2. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., AQUINO, Maria José S. Refinarias de petróleo no

Brasil e em Angola (título provisório). Boletim do Museu Goeldi. 2012.

Situação: artigo em preparação, para ser enviado à revista em março de 2011.

Organização de Livros

1. FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; SANT‟ANA

JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.). Trabalho Escravo Contemporâneo: um

debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: Mauad, 2011. Situação: no prelo.

2. ESTERCI, Neide; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.). Atores e

Projetos ambientalistas na Amazônia Brasileira, 2011. Situação: em processo de

finalização de versão final e negociação com editoras.

Resenha em Periódico Científico

1. ESTERCI, Neide; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. Resenha do livro:

Combatendo a Desigualdade Social; o MST e a Reforma Agrária no Brasil.

Situação: em elaboração.

Capítulos de Livros

1. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; MENDONÇA, Bartolomeu

Rodrigues; RIBEIRO, Ana Lourdes da Silva; RABELO, Bruno Henrique Costa.

Refinaria Premium: Presença da Petrobrás no Maranhão. In: SEVÁ, Oswaldo;

MALERBA, Julianna (Org.). Petróleo no Brasil: impactos territoriais e desafios

para transição a uma sociedade menos dependente de combustíveis fósseis. Rio

de Janeiro: FASE, 2011. Situação: no prelo.

2. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. Acre e modelo de

desenvolvimento. FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes

(Org.). Olhares sobre a escravidão contemporânea: novas contribuições críticas.

Cuiabá: Editora da UFMT, 2011. Situação: no prelo.

3. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; PITOMBEIRA, Karla Suzy

Andrade. Projetos de desenvolvimento, deslocamentos compulsórios e

vulnerabilização de populações locais. In: FIGUEIRA, Ricardo Rezende;

PRADO, Adonia Antunes; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.).

Trabalho Escravo Contemporâneo: um debate transdisciplinar. Rio de Janeiro:

Mauad, 2011. Situação: no prelo.

4. MILANEZ, Bruno; SCOTTO, Gabriela; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio

Antunes de; BOSSI, Dário; KATO, Karina. Injustiça Ambiental, Mineração e

Siderurgia. In: PACHECO, Tania; FIRPO, Marcelo; LEROY, Jean Pierre (Org.).

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Livro do Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora

FIOCRUZ, 2011. Situação: em preparação.

5. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; DAMASCENO, Elena Steinhorst.

Políticas Públicas, Sociedade e Ambiente. In: LOPES, Josefa Batista;

SANTANA, Nonata; ABREU, Marina Maciel (Org.). Transformações

Contemporâneas do Capitalismo Periférico – A Particularidade do Maranhão e o

Serviço Social. São Luís: 2011. Situação: em preparação.

6. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. Desenvolvimento e Reservas

Extrativistas no Acre e no Maranhão. In; ESTERCI, Neide; SANT‟ANA

JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.). Atores e Projetos ambientalistas na

Amazônia Brasileira, 2011. Situação: em preparação.

Organização de Grupos de Trabalho em Eventos Científicos

1. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; GERHARDT, Cleyton Henrique.

Organização do GT “Conflitos socioambientais”, no XV Congresso Brasileiro

de Sociologia, a ser realizado no campus da UFPR, Curitiba, PR, 26 e 29 de

julho de 2011. Situação: GT aceito e organizado.

2. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; CARNEIRO, Eder. Organização do

GT “Conflitos ambientais e desenvolvimento” (título provisório), no 35ª

Encontro Anual da ANPOCS, a ser realizado em Caxambu, 24 e 28 de outubro

de 2011. Situação: proposta em elaboração.

Organização de Mesa Redonda em Eventos Científicos

1. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; ESTERCI, Neide; GERHARDT,

Cleyton Henrique. Organização da Mesa Redonda “Conflitos socioambientais:

atores sociais, processos de (des)territorialização, direitos específicos”, no XV

Congresso Brasileiro de Sociologia, a ser realizado no campus da UFPR,

Curitiba, PR, 26 e 29 de julho de 2011. Situação: Em avaliação pela Comissão

Científica do Evento.

Trabalhos Eventos Científicos

1. RIBEIRO JUNIOR, José Arnaldo dos Santos; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio

Antunes de. A geografia política dos conflitos ambientais no Maranhão:

território, desenvolvimento e poder no relatório de sustentabilidade da Vale

2009. II Simpósio Nacional de Geografia Política, Território e Poder e I

Simpósio Internacional de Geografia Política e Territórios Transfronteiriços. Foz

do Iguaçu, PR, 01 a 04 de maio de 2011. Situação: em avaliação pela Comissão

Científica do Evento.

2. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; MIRANDA, Ana Caroline Pires.

Conflitos sociais e a luta por reconhecimento: o caso dos povos e comunidades

tradicionais. XXVIII Congresso Internacional da Associação Latino-Americana

de Sociologia (ALAS). Recife, PE, 06 a 10 de setembro de 2011. Situação: em

preparação.

3. MENDONÇA, Bartolomeu Rodrigues; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes

de. As naturezas das produções e consumos de serviços e recursos ecológicos de

grupos ditos tradicionais. XXVIII Congresso Internacional da Associação

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Latino-Americana de Sociologia (ALAS). Recife, PE, 06 a 10 de setembro de

2011. Situação: em preparação.

4. DAMASCENO, Elena Steinhorst; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de.

Análise do processo de criação de política pública: a Reserva Extrativista de

Tauá-Mirim, São Luís – MA. XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências

Sociais. Salvador, BA, 07 a 10 de agosto de 2011. Situação: em preparação.

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ANEXOS

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ANEXO I

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

Departamento de Antropologia Cultural

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Disciplina: SOCIEDADES CAMPONESAS

Professores: Neide Esterci e Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior

Estágio Docente: Karine Narahara

Monitora: Mariana Porto

1º Semestre de 2010; Segunda-feira, 10h20min às 13h40min

PROGRAMA

O curso tem como objetivo pensar os conceitos que têm orientado a produção

antropológica sobre as sociedades camponesas. A partir de textos clássicos e

contemporâneos visa à discussão da especificidade da organização da unidade

camponesa, sua inserção nas diversas formações sociais e sua persistência em contextos

atuais. Serão examinadas situações que se configuram no Brasil em geral, com

referência especial a situações que ocorrem na Amazônia brasileira.

Unidade 1: O que é campesinato?

WOLF, Eric. O campesinato e seus problemas. In: _______ . Sociedades camponesas.

Rio de Janeiro: Zahar, 1970. p. 9-34.

FOSTER, George. What is a peasant? In: ____; POTTER, J.; DIAZ, M. Peasant

society. Boston: Little, Brown and Company, 1967. p. 2-14.

PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. O sitiante brasileiro e o problema do

campesinato. In: _______ . O campesinato Brasileiro. Vozes, R.J., 1976, cap. 1: p. 7-

32.

Unidade 2: Formação social e econômica: a especificidade da organização

camponesa.

HEREDIA, Beatriz e GARCIA Jr., Afrânio. Trabalho familiar e campesinato. América

Latina, 14 (1-2), 1971. p.10-19.

CHAYANOV, Alexander V. Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas.

In: SILVA, José Graziano da; STOLCKE, Verena (orgs.). A Questão Agrária -

Weber, Engels, Lenin, Kautsky, Chayanov, Stalin. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.

133-163.

ESTERCI, Neide. Roças comunitárias; projetos de transformação e formas de luta. In:

_____ (org.) Cooperativismo e coletivização no campo: questões sobre a prática da

Igreja popular no Brasil. Cadernos do ISER. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984. p. 34-

63.

Unidade 3: Família, trabalho e divisão social do trabalho.

CÂNDIDO, Antonio. A vida familiar do caipira. In: _______ . Parceiros do Rio

Bonito. São Paulo: Duas Cidades, 1971. p. 229-253.

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GARCIA JUNIOR, Afrânio. Trabalho familiar: autonomia e subordinação. In: _______

. Terra de Trabalho, Trabalho Familiar e Pequenos Produtores. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1983. Cap. 1. p. 58-100.

Unidade 4: Relações com terra: diferentes formas de domínio.

ESTERCI, Neide. Campesinato e Igreja na Fronteira – o sentido da lei e a força da

aliança. In: FERNANDES, Bernardo M.; MEDEIROS, Leonilde S. de & PAULILO, Mª

Ignez (orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições dilemas e conquistas –

o Campesinato como sujeito político (1950 a 1980), v.1. São Paulo: UNESP, 2009. p.

223-244.

BENATTI, José Heder. Aspectos jurídicos e fundiários da utilização social, econômica

e ambiental da várzea. Boletim Rede Amazônia, ano 3, n. 1, IRD, PPGSA/UFRJ,

NAEA/UFPA – Rio de janeiro/Belém, 2004. p.107-118.

Unidade 5: Etnicidade: as novas faces do campesinato.

BARTH, Fredrik. Etnicidade e o conceito de cultura. Antropolítica. Niterói, n. 19, p.

15-30, 2005.

O´DWYER. Os quilombos e as fronteiras da Antropologia. Antropolítica. Niterói, n.

19, p. 91-111, 2005.

Unidade 6. Campesinato, grandes projetos e agronegócio

DELGADO, Guilherme Costa. A questão agrária e o Agronegócio no Brasil. In:

CARTER, Miguel (org.). Combatendo a Desigualdade Social – o MST e a Reforma

Agrária no Brasil. São Paulo: UNESP e NEAD/MDA, 2010. p. 81 a 112.

SANT'ANA JÚNIOR, Horácio Antunes. O centro de lançamento de Alcântara e a

segurança alimentar de populações agro-extrativistas: o povoado de Trajano. In:

PAULA ANDRADE, Maristela & SOUZA FILHO, B. (orgs.). Fome de farinha:

deslocamento compulsório e insegurança alimentar em Alcântara. São Luís:

EDUFMA, 2006. p. 145-178.

SANT'ANA JÚNIOR, Horácio Antunes; SILVA, Sislene Costa da. Grandes projetos de

desenvolvimento, conflito socioambiental, reserva extrativista e o povoado do Taim.

Revista de Ciências Sociais. v. 40, nº 1, 2009. p. 31-42.

Unidade 7: Campesinato, participação política e identidade.

PALMEIRA, Moacir. Desmobilização e conflito: relações entre patrões na agroindústria

pernambucana. FERNANDES, Bernardo M.; MEDEIROS, Leonilde S. de &

PAULILO, Mª Ignez (orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições dilemas

e conquistas – o Campesinato como sujeito político (1950 a 1980), v.1. São Paulo:

UNESP, 2009. p. 171-200.

SIGAUD, Lygia. A luta de classes em dois atos: notas sobre um ciclo de greves.

FERNANDES, Bernardo M.; MEDEIROS, Leonilde S. de & PAULILO, Mª Ignez

(orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições dilemas e conquistas – o

Campesinato como sujeito político (1950 a 1980), v.1. São Paulo: UNESP, 2009. p.

287-306.

Unidade 8: Movimentos sociais no campo

CARTER, Miguel. Origem e consolidação do MST no Rio Grande do Sul. In: ______.

(org.). Combatendo a Desigualdade Social – o MST e a Reforma Agrária no Brasil.

São Paulo: UNESP e NEAD/MDA, 2010. p. 199-136.

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21

MEDEIROS, Leonilde S. de. Movimentos sociais no campo, lutas por direitos e

reforma agrária na segunda metade do século XX. In: CARTER, Miguel (org.).

Combatendo a Desigualdade Social – o MST e a Reforma Agrária no Brasil. São

Paulo: UNESP e NEAD/MDA, 2010. p. 113-137.

SIGAUD, Lygia. Debaixo da Lona Preta: Legitimidade e dinâmica das ocupações de

terra na Mata Pernambucana. In: CARTER, Miguel (org.). Combatendo a

Desigualdade Social – o MST e a Reforma Agrária no Brasil. São Paulo: UNESP e

NEAD/MDA, 2010. p. 237-256.

Unidade 9: Narrativas, festas e rituais.

GALVÃO, Eduardo. Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá. Baixo

Amazonas. São Paulo: Nacional, INL, 1976. p. 1-87.

PRADO, Regina de P. Santos. Todo Ano Tem. As Festas na estrutura social

camponesa. São Luís: EDUFMA/GERUR, 2006. p. 25-58.

Unidades 10 e 11: Campesinato Amazônico e políticas de conservação - I

ALMEIDA, Mauro B.; WOLFF, Cristina S.; COSTA, Eliza L.; FRANCO, Mariana C.

Pantoja. Habitantes: Os seringueiros. In: CUNHA, Manoela C.; ALMEIDA, Mauro B.

(orgs.) Enciclopédia da Floresta. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 105-146.

ALMEIDA, Mauro W. Barbosa de. Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e

suas lutas. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, nº55, 2004. p. 33-53.

DIAS, Carla de Jesus; ALMEIDA, Mauro W. Barbosa. A floresta como mercado: caça

e conflito na reserva extrativista do alto Juruá (AC). Boletim Rede Amazônia, ano 3,

n.1, IRD, PPGSA/UFRJ, NAEAUFPA – Rio de janeiro/Belém, 2004. p. 9-27.

PANTOJA, Mariana Ciavatta; COSTA, Eliza Lozano; POSTIGO, Augusto. A presença

do gado em reservas extrativistas: algumas reflexões. Revista Pós Ciências Sociais,

v.6, n.12 jul/dez, São Luis/MA, 2009. p. 115-130.

Unidade 12: Campesinato Amazônico e políticas de conservação - II

LIMA, Deborah. Equidade, Desenvolvimento Sustentável e Preservação da

Biodiversidade: algumas questões sobre a parceria ecológica na Amazônia. In:

CASTRO, Edna & PINTON, Florence. Faces do Trópico Úmido - conceitos e

questões sobre desenvolvimento e meio ambiente. Belém: Cejup, 1997.

LIMA, Deborah de Magalhães. Ribeirinhos, pescadores e a construção da

sustentabilidade nas várzeas dos rios Amazonas e Solimões. Boletim Rede Amazônia,

ano 3, n.1, IRD, PPGSA/UFRJ, NAEAUFPA – Rio de Janeiro/Belém, 2004. p.57-65.

LIMA, Deborah. A economia doméstica em Mamirauá. In: ADAMS, Cristina;

MURRIETA, Rui & NEVES, Walter. Sociedades caboclas amazônicas: modernidade

e invisibilidade. São Paulo: Editora Senac. p. 145 – 172.

ESTERCI, Neide. Conflitos ambientais e processos classificatórios na Amazônia

brasileira. In: Boletim Rede Amazônia: diversidade sociocultural e políticas

ambientais, ano 1, n. 1, 2002. p.51-62.

As sessões 13, 14 e 15 estão reservadas à atividades de complementação de leituras

e avaliação.

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ANEXO 2

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Disciplina: Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente

Professores: Neide Esterci, Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior, José Ricardo

Ramalho

Semestre: 2010-2

Quintas-feiras, 9h às 12h

EMENTA

A proposta do curso é discutir questões relativas ao desenvolvimento, ao

território e às dinâmicas de territorialização, considerando questões relativas ao trabalho

e aos trabalhadores e ao meio ambiente, a partir de textos escolhidos para subsidiar

pesquisas em andamento, nas regiões norte e sudeste do país, focalizando situações nas

quais projetos de desenvolvimento e processos de territorialização estão em curso,

sendo objeto de disputa e negociação entre atores sociais locais, empresas e agências do

Estado.

Serão observadas as dinâmicas de reconfiguração territorial desencadeadas por

processos econômicos e sociopolíticos e consideradas as ações públicas tanto externas

quanto de âmbito local, visando à criação de novos espaços de produção industrial, mas

também territórios de proteção ambiental (desenvolvimento sustentável), a demarcação

de territórios étnicos, assim como projetos de assentamento de pequenos produtores, em

atendimento a reivindicações de movimentos sociais.

Será também considerado que os novos territórios são espaços de construção

de um poder político e, neste sentido, a emergência desses novos territórios é

acompanhada da criação de novas instituições que entram em concorrência ou conflito

com as instituições tradicionais de poder local. Desse estado de concorrência decorre a

importância dos debates sobre a legitimidade destas novas instituições e critérios de

territorialização.

Na região norte, a construção das grandes obras de infra-estrutura como as

rodovias (Transamazônica, Perimetral Norte e Cuiabá-Santarém) e as hidrelétricas de

Tucuruí e Balbina, com o apoio financeiro de organismos internacionais, deixaram

conseqüências ainda não sanadas, ao provocarem o deslocamento de trabalhadores para

a região. Esta concepção de desenvolvimento tornou-se ainda mais dramática ao obrigar

os antigos habitantes a deixarem suas terras. Nas décadas seguintes, esse processo

alcançou também as cidades da região, em função das ações do Estado e das empresas

nesses territórios transformados por novas atividades econômicas e novas formas de

poder político. A relevância do tema se confirma e se complexifica na atualidade, com a

expansão da geografia do setor produtivo devida à exploração do minério de Carajás em

virtude da qual se deu inclusive a construção da estrada de ferro que percorre

municípios importantes e interfere na vida dos moradores dos estados do Pará e do

Maranhão. O setor siderúrgico ativo coloca permanentemente problemas, não apenas

sociais, mas também relativos ao meio ambiente, tendo em vista que sua matriz

energética está baseada no carvão vegetal. Do lado social, as formas de trabalho

acionadas pelo tipo de exploração praticada expõem o desacerto de uma proposta de

desenvolvimento econômico que não leva em conta nem a legislação trabalhista do país,

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23

nem as convenções internacionais relativas aos direitos humanos, criando situações de

trabalho degradantes.

No caso do sudeste industrializado, o debate sobre desenvolvimento e território passa

pela introdução de novas estratégias produtivas, pela flexibilização das relações de

trabalho e pela participação dos atores sociais em instâncias de decisão política que de

certa forma, recria a necessidade de publicizar decisões e aprofundar os mecanismos de

funcionamento da democracia.

PROGRAMA

1ª sessão (26/08/2010)

Apresentação do curso

2ª sessão (02/09/2010)

Tema: Desenvolvimento

De Sardan, Jean-Pierre Olivier (1997). Anthropologie et développment. Paris:

Apad-Kartala. Introdução (pp. 5-23), Cap. 10 (pp. 173-185) e Conclusão (pp.

189-202).

De Sardan, Jean-Pierre Olivier (2001). Les trois approches en anthropologie du

développement. Tiers-Monde. V. 42, Numéro 168. pp 729 – 754.

3ª sessão (09/09/2010)

Tema: Desenvolvimento

Escobar, Arturo (2005) O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização

ou pós-desenvolvimento? In A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências

sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur

Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005.

pp.133-168.

Baré, Jean-François (1997). L‟anthropologie et les politiques de développement.

Terrain, n. 28 [En Ligne]. http://terrain.revues.org./document3180.html

Esteva, Gustavo. Desenvolvimento. In: Sachs, Wolfgang (editor). Dicionário do

desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M

JOSCELYNE, Susana de GYALOKAY e Jaime A. CLASEN. Petrópolis, RJ:

Vozes, 2000. pp. 59-83.

4ª sessão (23/09/2010)

Tema: Desenvolvimento sustentável

Sachs, Ignacy (2002). Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de

Janeiro: Garamond. Disponível em:

http://books.google.com.br/books?id=Evor4GwUmg4C&printsec=frontcover&d

q=Ignacy+sachs&source=bl&ots=S3HR__KiO2&sig=M_EMRuOnJPK8j2sovy

6kmTa8Gpk&hl=pt-

BR&ei=6410TPegIcOB8gaez9GRBw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnu

m=4&ved=0CCYQ6AEwAzgK#v=onepage&q&f=false)

Sant‟Ana Júnior, Horácio Antunes de; Muniz, Lenir Moraes (2009).

Desenvolvimento Sustentável: uma discussão crítica sobre a proposta de busca

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da sustentabilidade global. In: SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de;

PEREIRA, Madian de Jesus Frazão; ALVES, Elio de Jesus Pantoja; PEREIRA,

Carla Regina A. (Org.). Ecos dos conflitos socioambientais: a Resex de Tauá.

São Luís: Edufma.

Lená, Philippe (2006). Desenvolvimento sustentável: entre a economia e a ética.

Belém, MPEG. Pp 1-45.

Leff, Enrique (2001). La insoportable levedad de la globalización de la

naturaleza y las estrategias fatales de la sustentabilidad. In Revista Venezolana

de Economía y Ciencias Sociales, vol. 7, nº 1 (ene.-abr.), p. 149-160.

5ª sessão (30/09/2010)

Tema: Relações Estado e populações locais

Geertz, Clifford. Negara – o estado teatro no século XIX – trechos selecionados.

6ª sessão (07/10/2010)

Tema: Territórios em questão

Haesbaert, Rogério (2006), “Concepções de território para entender a

desterritorialização”, in Milton Santos e Berta Becker (Orgs), Território,

territórios – ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A.

(Pp 43-70).

Pecqueur, Bernard (2005). O Desenvolvimento Territorial: uma nova abordagem

dos processos de desenvolvimento para as economias do Sul. Raízes, Vol 24, Ns

1 e 2, jan-dez 2005. Pp 10-22.

http://www.ufcg.edu.br/~raizes/volumes.php?Rg=14

7ª sessão (14/10/2010)

Tema: Território e conflito social

Gluckman, Max (1987). Análise de uma situação social na Zululândia moderna.

In Antropologia das Sociedades Contemporâneas – Bela Feldman-Bianco. São

Paulo, Global. Pp 227-344.

Little. Paul E. (2002). Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: Por

uma antropologia da territorialidade. Disponível em:

http://www.unb.br/ics/dan/serie_antro.htm.

__________(2001). Os conflitos socioambientais: um campo de estudo e de

ação política. In: BURSZTYN, M. (org.). A difícil sustentabilidade: política

energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Garamond.

8ª sessão (21/10/2010)

Tema: A noção de região e a Amazônia

Bourdieu, Pierre (1998). O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz (português

de Portugal). 2ª ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. Capítulo 5 (A identidade e a

representação – elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região).

Sant‟Ana Júnior, Horácio Antunes (2004). Florestania: a saga acreana e os

Povos da Floresta. Rio Branco-AC, EDUFAC. Cap. 1 – Amazônia e

Modernidade. Pp. 55-129.

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25

Hébette, Jean (2004). Impacto Social dos Grandes Projetos na Amazônia. In:

HÉBETTE, Jean. Cruzando Fronteiras: 30 anos de estudo do campesinato na

Amazônia. Belém: EDUFPA, V. 3. Os Grandes Projetos. A Questão Ambiental:

problemas e propostas. Pp. 149-154.

9ª sessão (04/11/2010)

Tema: Unidades de Conservação: Um novo critério de territorialização

Benatti, José Heder & Fischer, Luly Rodrigues da Cunha (2008). As áreas

protegidas no Brasil: uma estratégia de conservação dos recursos naturais. In

Direitos humanos em concreto / Coord. Paulo Sérgio Weyl A. Costa. Curitiba,

Juruá, 2008, pp. 225-256.

Almeida, Mauro W. Barbosa de. (2004). Direitos à floresta e ambientalismo:

seringueiros e suas lutas. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, nº55,

2004. p. 33-53.

10ª sessão (11/11/2010)

Tema: Mineração e siderurgia na Amazônia

Rodrigo Santos

Monteiro, Maurílio (1997). A siderurgia e a produção de carvão vegetal no

corredor da Estrada de Ferro Carajás. COELHO, M. C. N. e COTA, R. G.

(Orgs.). 10 anos da Estrada de Ferro Carajás. Belém: UFPA/NAEA. Pp 183-

222.

Carneiro, Marcelo D. S (1989). Estado e empreendimentos guseiros no

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_______________(1995). Relações de trabalho, propriedade da terra e poluição

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Açailândia. In: GONÇALVES, F (Org.). Carajás: desenvolvimento ou

destruição? São Luís: CPT/Estação Gráfica, pp 107-134.

11ª sessão (18/11/2010)

Tema: Terra de trabalho e campesinato na Amazônia

Carter, Miguel (2010). Combatendo a desigualdade social – MST e a Reforma

Agrária no Brasil. São Paulo, Unesp-Nead-MDA-University of Oxford.

(Introdução – pp 27-79 e Capítulo 8 “De posseiro a sem terra” – pp 257-285).

Esterci, Neide (2009). Campesinato e Igreja na Fronteira – o sentido da lei e a

força da aliança. In: FERNANDES, Bernardo M.; MEDEIROS, Leonilde S. de

& PAULILO, Mª Ignez (orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições

dilemas e conquistas – o Campesinato como sujeito político (1950 a 1980), v.1.

São Paulo: UNESP. Pp. 223-244.

12ª sessão (25/11/2010)

Tema: Trabalho sob coerção e grandes empreendimentos na Amazônia

Resende, Ricardo (2004). Pisando fora da própria sombra – a escravidão por

dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

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26

Esterci, Neide (2009). Escravos da Desigualdade. Rio de Janeiro, Centro

Edelstein. http://www.bvce.org/LivrosBrasileirosDetalhes.asp?IdRegistro=52

13ª sessão (02/12/2010)

Tema: Terra, trabalho e a noção de tradição na Amazônia

Almeida, A.W.B. de. (2004). “Terras Tradicionalmente Ocupadas”, in Revista

Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, volume 6, número 1. Maio de 2004.

___________.(2006). Terras de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livres”,

“castanhais do povo”, faxinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente

ocupadas. Manaus: PPGSCA-UFAM, 2006.

___________.(2004). Amazônia: a dimensão política dos “conhecimentos

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Janeiro: Relume Dumará/ Fundação Heinrich Böll, 2004.

Almeida, Mauro Willian Barbosa de & Cunha, Manuela Carneiro da. (2001).

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Paulo Ribeiro, et.al. (org.) Biodiversidade na Amazônia Brasileira: avaliação e

ações prioritárias para conservação, uso sustentável e repartição de benefícios.

São Paulo: Estação Liberdade: Instituto Socioambiental, 2001, p.92-107.

Castro, Edna (2000). Território, Biodiversidade, e Saberes de Populações

Tradicionais. In: DIEGUES, Antonio Carlos. Etnocoservação: novos rumos

para a proteção da natureza nos trópicos. São Paulo: HUCITEC, 2000. pp.165-

182.

14ª sessão e 15ª sessão (09/12/2010) – horário estendido

Apresentação dos trabalhos e avaliação do curso

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27

ANEXO III

Artigo publicado em:

Revista Pós Ciências Sociais/Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais. v. 7 nº 13. São Luís: EDUFMA, 2010. p. 159-172.

ISSN 1983-4527 (Continuação de Caderno Pós Ciências Sociais – ISSN: 1807-3492)

Taim: Conflitos Sócio-Ambientais e Estratégias de Defesa do Território

Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior

1

Sislene Costa da Silva2

Resumo: Trata-se, neste artigo, de uma situação de conflito sócio-ambiental, entre

povoados localizados na Zona Rural do município de São Luís-MA e grandes

empreendimentos industriais, decorrente de formas diferenciadas de percepção, controle

e utilização do território. O conflito teve início a partir do final da década de 1970, com

a instalação de grandes projetos de desenvolvimento, o que implicou no deslocamento

compulsório de vários povoados e em alterações nos ecossistemas e modos de vida dos

que ali permaneceram. No início de 2001, anunciou-se a instalação na área de um

grande pólo siderúrgico, o qual implicaria em novos deslocamentos e mais intensas

alterações sócio-ambientais. Abordam-se, aqui, principalmente, as motivações e

estratégias do povoado Taim para resistir ao empreendimento do pólo, pois suas

lideranças assumiram destaque na luta de resistência por suas ações e discursos

contrários ao referido empreendimento.

Palavras-chave: Povoado do Taim. Grandes Projetos de Desenvolvimento. Defesa

territorial. Conflito Sócio-Ambiental.

1 Doutor em Ciências Humanas (Sociologia) pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia e

Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ); Professor do Departamento de

Sociologia e Antropologia (DESOC), do Quadro de Professores Permanentes do Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e do Quadro de Professores Colaboradores do Programa de

Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas (PPGSE) da Universidade Federal do Maranhão

(UFMA). 2 Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade

Federal do Maranhão (PPGCSoc/UFMA).

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Abstract: This article deals with a situation of socio-environmental conflict between

people in the rural zone of the municipality of São Luís-MA and large industrial

companies, stemming from different forms of perception, control and use of the

territory. The conflict began at the end of the 1970‟s with the installation of large

development projects which implied compulsory relocation of people in several villages

and alterations in ecosystems and ways of life that had previously existed. At the

beginning of 2001 the installation of a large steel refinery was announced, implying

new forced relocations in the area as well as intense socio-environmental disruption.

Here we deal principally with the motivations and strategies of the people of Taim in

resisting this refinery, their leaders have assumed leadership roles in the resistance fight

and in the discourse against the Project referred to.

Key words: Taim Village. Large Development Projects. Territorial Defense. Socio-

Environmental Conflict.

1. O pólo siderúrgico e seus desdobramentos

Em 2001, começou a ser divulgado pela imprensa de São Luís que o Governo do

Estado do Maranhão tinha a pretensão de construir, nas proximidades do Complexo

Portuário de São Luís, um Pólo Siderúrgico que seria empreendido por gigantes da

fabricação de aço tais como Baosteel Shanghai Group Corporation (chinês), Arcelor

(francês), Pohang Steel Company-Posco (sul-coreano) e ThyssenKrupp (alemão), as

quais estariam capitaneadas pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)3, como era

conhecida na época (ZAGALLO, 2005). Nesse mesmo ano, o Governo do Estado do

Maranhão deu sinais de apoio ao projeto através da assinatura de um primeiro protocolo

de intenções com a Companhia Vale do Rio Doce (AUGUSTO e SILVESTRE, 2006).

O projeto do pólo previa a instalação de três usinas siderúrgicas e duas unidades de

fabricação de ferro-gusa para exportação aos mercados norte-americanos e europeus. A

área pretendida para a implantação do pólo está localizada ao Sudoeste da Ilha do

Maranhão e iria desde o Porto do Itaqui (na Baía de São Marcos) até o povoado de Rio

dos Cachorros, contando com 2.471,71 hectares. Nesta área, doze povoados seriam

deslocados: “Vila Maranhão, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Taim, Porto Grande,

3 Desde 2007, a CVRD assumiu o nome de fantasia Vale.

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29

Limoeiro, Anandiba, São Benedito, Vila Conceição, Parnuaçu, Madureira e Camboa

dos Frades, que juntos somam uma população de mais de 14.400 habitantes”

(AUGUSTO e SILVESTRE, 2006. Grifo nosso).

O presente artigo tem como pano de fundo uma situação de conflito sócio-

ambiental, ora latente, ora manifesto, entre povoados locais e grandes empreendimentos

industriais. Esse conflito decorre de formas diferenciadas de percepção e utilização de

uma área formada por um mosaico de territórios4 que mantêm, entre si, as mais diversas

relações. O conflito teve início, a partir do final da década de 1970, com a instalação de

grandes projetos de desenvolvimento, o que implicou no deslocamento compulsório5 de

vários povoados e em alterações nos ecossistemas dos que ali permaneceram. Estes

empreendimentos foram instalados como desdobramento do Programa Grande Carajás,

implantado pelos governos ditatoriais brasileiros (1964 a 1985) com o objetivo de

explorar e exportar os recursos minerais (ferro, bauxita, manganês, caulim, ouro etc) da

Amazônia Oriental e promover a inserção da região na dinâmica capitalista

contemporânea (CARNEIRO, 1989, 1995 e 1997; MONTEIRO, 1995 e 1997). A

instalação do pólo siderúrgico, anunciada desde o início do ano de 2001, implicaria em

novos deslocamentos compulsórios e mais alterações sócio-ambientais. A perspectiva

de deslocamento, associada com as promessas de indenizações, empregos e

desenvolvimento (termo utilizado sempre de forma vaga, mas associado diretamente à

expansão do modo de vida urbano-industrial e à promessa de melhoria da qualidade de

vida), dividiu os povoados acima citados e seus moradores entre aqueles que eram a

favor do empreendimento e aqueles que eram contra.

O povoado Taim, através de suas lideranças, foi um dos que mais se destacou

por suas ações e discursos contrários ao referido empreendimento. Interessa-nos abordar

as motivações e estratégias acionadas pelas lideranças do povoado Taim, e

compartilhadas por boa parte de seus moradores, para resistir ao referido

empreendimento.

4 Segundo Little (2002, p. 03), território é o resultado das condutas de territorialidade de um grupo social,

isto é, “o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma

parcela específica de seu espaço bio-físico ... qualquer território é um produto histórico de processos

sociais e políticos”. 5 Operamos, aqui, com a definição de deslocamento compulsório de Almeida (1996, p. 30): “o conjunto

de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a

deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante

constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal

decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.

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30

O projeto de instalação do pólo siderúrgico encontrou um empecilho legal, pois

a área pretendida para a implantação do pólo estava situada, de acordo com a Lei de

Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís, em vigor desde 1992,

na Zona Rural II. Esta Lei, em consonância com a legislação brasileira sobre

ordenamento territorial dos municípios, prevê que empreendimentos industriais somente

podem ser instalados em áreas classificadas legalmente como zona industrial

(SANT‟ANA JÚNIOR; ALVES; MENDONÇA; 2005).

Visando eliminar o empecilho ao empreendimento e ignorando as demandas

legais e constitucionais – as quais exigem que alterações no uso do território e

intervenções nas propriedades existentes sejam precedidas pela apresentação de um

Projeto de Lei do Plano Diretor do Município, o que não foi feito – a Prefeitura

Municipal de São Luís encaminhou à Câmara Municipal projeto para alterar a Lei de

Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís, convertendo os

2.471,71 hectares almejados para instalação do pólo em zona industrial (AUGUSTO e

SILVESTRE, 2006).

Entre os argumentos elencados em mensagem encaminhada, em dezembro de

2004, à Câmara dos Vereadores pelo, então, Prefeito Tadeu Palácio para justificar o

projeto de reformulação da Lei, destacou-se assertiva que mencionava tentativa de

corrigir erro ocorrido na Lei de Zoneamento, nº 3.253, de 29 de dezembro de 1992, ao

classificar como zona rural uma área que teria “vocação natural nitidamente industrial”,

apresentando, inclusive, todo um aparato favorável à industrialização como um

complexo portuário, malha ferroviária e localização privilegiada. Quanto aos povoados

existentes, a mensagem encaminhada à Câmara Municipal argumentava que seriam

“comunidades que, levadas por pressões sociais as mais diversas, instalaram-se na área

ao longo dos últimos quarenta anos”.

Através dos argumentos apresentados, buscou-se justificar, no plano do discurso,

a apropriação territorial apelando para uma suposta vocação “natural” da área para a

industrialização. Nessa perspectiva, o ambiente é focalizado apenas a partir do seu

potencial material e energético – recursos, localização, logística – de proporcionar

ganhos para a indústria. As formas sociais e práticas culturais de apropriação e

significação territorial são desconsideradas, invisibilizadas ou, até mesmo,

desqualificadas. Nessa luta pela legitimação de uma forma que justifique a apropriação

ambiental ao mesmo tempo em que amenize os conflitos daí decorrentes, entra em jogo

o que Acserald (2004, p. 28) chama de “tendência à especialização funcional de

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31

determinadas porções do território nacional, com sua inserção seletiva nos mecanismos

do mercado mundializado”. Tal modelo estaria fundamentado em duas concepções de

“natureza”: uma “natureza natural”, logo, para ser conservada, contando com o apoio

instrumental das práticas, técnicas e valores das populações tradicionais ou com o

imaginário criado acerca dessa natureza; e uma “natureza ordinária” a ser apropriada

economicamente (ACSERALD, 2004).

Quando o Estado, por meio de instância municipal, tenta se apropriar de

determinada porção territorial através da construção de uma imagem que apela para uma

suposta funcionalização industrial, corrobora a segunda concepção de “natureza” e

evidencia a intenção de implantação do pólo siderúrgico ou de outro empreendimento,

desde que industrial, na área. Na imprensa local, as vantagens da área para a

industrialização eram ressaltadas e reforçadas por representantes do Governo do Estado,

do Município e por empresários locais que davam destaque, sobretudo, aos ganhos

econômicos que a alteração proporcionaria àqueles que instalassem empreendimentos

na referida localidade, além de aludirem ao pólo siderúrgico e demonstrarem

desconhecimento e até desprezo pelo modo de vida daqueles que ali residem:

É no mínimo idiotice que essa área não seja utilizada como zona industrial. Essa é uma área de

retroportos o que é estratégico em qualquer lugar do mundo (Ronaldo Braga, à época, Secretário

da Indústria, Comércio e Turismo do Estado do Maranhão).

Não podemos perder um projeto de onze bilhões de dólares por causa de meia dúzia de casas de

taipa (Edinho Lobão, concessionário local da rede de TV SBT e, atualmente, Senador da

República pelo Maranhão) (DIREITOS HUMANOS, 2009).

Além da funcionalização da área para a industrialização, as justificativas ainda

tentaram desqualificar a forma de ocupação e homogeneizar os povoados presentes ao

tratá-los como ocupações dos últimos quarenta anos. Dessa forma, ignora-se que há

povoados que ocupam a área há mais de cem anos e que apresentam modos específicos

e diferenciados de se apropriar do território e de se relacionar culturalmente com o

mesmo. Também ignora-se que a área é formada por um mosaico de povoados que se

interligam e se relacionam afetivamente (via relações de parentesco, compadrio,

amizade), economicamente (através de um complexo sistema de trocas de produtos e

serviços), religiosa e culturalmente (através de seus santos festejados, crenças religiosas,

manifestações culturais diversas) e ecologicamente (na medida em que os recursos

ambientais específicos de um dado território podem complementar as necessidades de

outro).

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32

Os defensores da não alteração da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e

Ocupação do Solo, representados por diversas entidades civis, confessionais,

organizações não governamentais e movimentos sociais, sobretudo através do

Movimento Reage São Luís6, tentaram desconstruir os argumentos estatais que

enfatizavam a vocação “industrial” da área evocando uma série de contra argumentos

que se referiam tanto aos impactos sociais provocados pela alteração da Lei e,

consequente implantação do pólo, quanto aos impactos ambientais. Os argumentos

referentes aos impactos ambientais, de certa forma, estavam subentendidos pela

concepção de “natureza natural”, pois enfatizavam a ameaça que o Projeto representava

para uma área rica em recursos ambientais, como manguezais e mais de 120 nascentes

de rios, protegidos por lei, através de Código Florestal (Lei 4.771/65). Cientes de que a

existência das nascentes poderia interferir na modificação da lei, durante as audiências

públicas, a prefeitura de São Luís apresentou mapa que as omitia, fato que, de um lado,

levou os representantes do Movimento Reage São Luís a contestarem a validade das

audiências. De outro, as referências à diversidade hídrica da área deram um novo tom à

discussão porque, a partir da explicitação da importância das nascentes para toda a Ilha,

a discussão adquiriu uma dimensão maior, uma vez que, a alteração da área não

colocava mais em risco apenas os povoados que seriam deslocados, mas a qualidade de

vida de toda a Ilha, que perderia em reserva de recursos hídricos, podendo sofrer

futuramente ainda mais com problemas decorrentes da falta d‟água7.

Em função da pressão popular contra a mudança da Lei, a mesma sofreu

alteração. Foram excluídas do projeto inicial as áreas de preservação permanente,

constituídas das nascentes e cursos d‟água, e reduziu-se a área a ser convertida em zona

industrial para 1.068 hectares. Esta redução suspendeu, pelo menos momentaneamente,

as ações para a instalação do pólo siderúrgico, pois a área convertida é insuficiente para

execução do que havia sido planejado, no entanto, não inviabilizou a instalação de

futuros empreendimentos industriais.

A situação decorrente da possibilidade de implantação do pólo siderúrgico, que

teve como desdobramento a modificação da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e

Ocupação do Solo de São Luís – mesmo que essa reformulação não ocorresse dentro

dos limites pretendidos pelos interessados no empreendimento (Governo Municipal,

6 Rede que reúne entidades de organização da sociedade civil maranhense que surgiu envolvida nas

discussões acerca da implantação do pólo siderúrgico em São Luís, no ano de 2004. 7 Atualmente, o abastecimento de água potável é insuficiente para satisfazer as necessidades da população

de São Luís e vários bairros da cidade recebem água de forma bastante irregular.

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33

Estadual, Federal e empreendedores) – deu visibilidade à situação de incerteza em que

vivem os moradores dos povoados e a desconsideração com que são tratados. Sob o

discurso de erro de classificação de uma área definida como de “vocação industrial”,

mais de 14.400 pessoas não são levadas em conta na tentativa de adequação da referida

área às exigências do projeto do pólo siderúrgico.

Situação de invisibilidade social e desrespeito aos moradores locais, decorrente

da industrialização não é recente. Vem ocorrendo, em maior ou menor grau, de forma

explícita (como no caso citado) ou mais dissimulada (impactos ambientais e sociais

decorrentes da poluição de rios, igarapés, ar e solo causados pelas indústrias; falta de

políticas públicas adequadas que garantam serviços de saneamento básico, saúde,

transporte, etc) no Sudoeste8 da Ilha desde final da década de 1970, quando começaram

a ser instalados estradas, ferrovias, portos e as indústrias Companhia Vale do Rio Doce

e Alumar. Com o advento da industrialização e de sua infra-estrutura de apoio, diversos

povoados foram deslocados compulsoriamente ou tiveram suas formas de reprodução

social impactadas. Os problemas ocasionados pela industrialização dão-se mediante a

disputa por recursos territorializados cuja apropriação material e simbólica ocorre por

atores diferenciados com formas igualmente diferenciadas de percepção desses

territórios. Enquanto os Governos Municipal, Estadual e Federal e os grandes

investidores vêem os territórios como uma oportunidade de bons negócios, por

apresentar uma logística formada pelo Complexo Portuário do Itaqui9, estradas e

ferrovia e por sua localização privilegiada, mais próxima dos centros de comércio norte-

americanos e europeus; as populações locais os vêem como o lugar em que “nasceram,

cresceram, se criaram”, em que construíram uma história, em que mantêm relações de

vizinhança, compadrio, amizade, e que lhes é provedor dos meios de sobrevivência

obtidos com o trabalho na terra, no mar e nos rios, cuja mão-de-obra é mobilizada

através de uma imbricada rede de solidariedade.

Apesar do projeto do pólo não ter se concretizado com a alteração da Lei de

Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís, os moradores dos

8 O processo de industrialização dessa área começou no final da década de 1970 com a construção de

infra-estrutura para atender às indústrias Alumar (responsável por transformar a bauxita extraída do

estado do Pará em alumina e alumínio) e a Companhia Vale do Rio Doce, atualmente denominada de

VALE (encarregada da estocagem e/ou transformação e exportação do minério de ferro extraído de

Carajás). A instalação dessas indústrias em São Luís faz parte do Programa Grande Carajás (PGC) que

objetivou transformar as áreas em torno da Estrada de Ferro Carajás (EFC), da Serra dos Carajás até São

Luís num grande complexo agroindustrial (MENDONÇA, 2006). 9 Formado pelos portos da Ponta da Madeira – pertencente à Vale; porto da Alumar e pelo porto do Itaqui,

administrado pela Empresa Maranhense de Administração Portuária, do Governo do Maranhão.

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povoados ameaçados não saíram ilesos de todo o processo que antecedeu a tentativa de

instalação do empreendimento. Antes mesmo da aprovação do projeto do pólo, os

gestores do empreendimento iniciaram a demarcação dos povoados e o cadastro das

famílias que seriam deslocadas, o que causou mais insegurança nos moradores.

As demarcações e os cadastros das famílias foram feitos pela empresa paulista

Diagonal Urbana Consultoria LTDA (contratada pelo Governo do Estado e pela Vale),

que tentou impor aos moradores restrições quanto ao uso de suas residências, como

proibição de reforma e ampliação de casas, além de marcar com números pichados com

tinta preta as residências das famílias que supostamente seriam removidas (AUGUSTO

e SILVESTRE, 2006). Somente os povoados Rio dos Cachorros e Taim resistiram e

impediram a (de)marcação.

As ações de (de)marcação territorial e o debate público gerado nas audiências

para a alteração da Lei de Zoneamento e suscitado pela mídia, que divulgava quase que

rotineiramente notícias favoráveis à implantação do pólo, impactaram os povoados

gerando expectativas e temores quanto à permanência no território, além de abalarem o

relacionamento entre moradores de um mesmo povoado ou de povoados vizinhos, na

medida em que provocaram a divisão entre os moradores ou povoados que eram a favor

ou contra o projeto.

2. Motivações

O povoado Taim foi um dos que se destacou nesse conflito sócio-ambiental10

através das ações e discursos de seus representantes contrários ao empreendimento.

Houve uma articulação entre essas lideranças e movimentos sociais contrários à

implantação do pólo em São Luís, principalmente com o movimento Reage São Luís,

que atuou nos povoados difundindo informações sobre como os moradores seriam

atingidos pelo pólo siderúrgico. As informações difundidas pelos representantes dos

movimentos sociais contribuíram para a percepção de que corriam o risco de serem

deslocados de seu lugar de habitação e trabalho, assim como, no caso de permanência

no território, terem como vizinhas usinas altamente poluidoras que acabariam por

expulsá-los, uma vez que a vida se tornaria impossível com mais poluição.

10

Conjunto complexo de embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de inter-

relacionamento ecológico (LITTLE, 2006).

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Os povoados cotados para serem deslocados em decorrência do pólo siderúrgico

constantemente são atingidos pelas externalidades decorrentes das indústrias locais de

grande ou pequeno porte, através das emissões poluentes disseminadas pelo ar ou pela

água. No que concerne ao Taim, o destaque é dado para a Alumar, cujas instalações

portuárias, localizadas na confluência do Estreito do rio do Coqueiro com o rio dos

Cachorros, encontram-se mais próximas do povoado. Na percepção dos moradores,

práticas relacionadas à utilização e ampliação desse porto têm interferido na dinâmica

do povoado e diminuído os recursos pesqueiros. As práticas citadas referem-se a

assoreamento de igarapés por entulhos retirados no processo de dragagem (serviço que

garante a profundidade do porto e o tráfego de navios) do canal desse porto; ao

lançamento de dejetos industriais não identificados pelos moradores locais no rio dos

Cachorros (rio bastante utilizado para a pesca); ao aumento da circulação de

embarcações, as quais interferem diretamente em um dos imperativos do trabalho na

pesca, o silêncio; e também a provocação da perda de utensílios de pesca por

embarcações a serviço da empresa ou por instrumentos de sinalização dos navios, como

bóias. Também causam tensões entre moradores locais e servidores do porto, as

advertências verbais reclamando da pesca na área próxima do porto.

Além disso, no Taim, o convívio com pessoas que já haviam sido deslocadas

compulsoriamente de seus povoados de origem deu aos moradores a dimensão do que

lhes poderia acontecer. Foram entrevistados quatro moradores que haviam sido

deslocados compulsoriamente de seus lugares de nascença: dois do povoado Paquatiua

(deslocamento provocado pela instalação da Alumar na década de 1980), um do

povoado Itaperuçu (também deslocado pela Alumar) e um do povoado Limoeiro

(devido à sua suposta venda). A experiência mais mencionada pelos moradores refere-se

à senhora Flor de Liz Santana, hoje com setenta e quatro anos, que foi deslocada do

povoado Paquatiua. Sua família foi indenizada e mudou para o bairro Vila Sarney: “Foi

a Alumar que tirou a gente de lá. Tinha gente que até morreu, só de pressionada”. Seu

marido usou o dinheiro da indenização na compra de um carro e como não sabia dirigir

contratou um motorista. Com o tempo, o carro se deteriorou e o dinheiro acabou. A

família, então, mudou-se para o Taim, sendo acolhida pela família da filha que residia

ali, e precisou da ajuda dos vizinhos pra reconstruir sua vida. As recordações de D. Flor

remetem à insuficiência da indenização, assim como à inabilidade para lidar com

dinheiro em outro local, que apresentava características e suscitava necessidades

diferentes das que a família estava acostumada a enfrentar: “Cada qual pegou uma

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36

mixaria, não deu para enriquecer, não deu para hoje em dia ter nada de lá. Eu não tenho

vontade e não penso em sair. Nós já estamos acostumados, nós dorme tranqüilo, é uma

comunidade muito unida” (entrevista realizada em 17/06/2008), assinala D. Flor de Liz,

rememorando o deslocamento do povoado Paquatiua e relatando o porquê de querer

permanecer no povoado Taim.

A experiência de deslocamento da vizinhança ajudou no processo de resistência

ao empreendimento, pois, em geral, os deslocados acentuavam a forma truculenta com

que tiveram que deixar seus povoados de origem; a dificuldade para conseguir uma

colocação no mercado de trabalho, uma vez que, para aqueles que sempre trabalharam

na roça ou pesca, faltava a habilitação profissional exigida pelo meio urbano e a

insuficiência das indenizações para possibilitar a inserção no modo de vida citadino.

Ainda contribuiu para a resistência ao empreendimento, a experiência

acumulada ao longo dos anos vivendo próximos aos mais diversos empreendimentos

industriais, de grande ou de pequeno porte, cuja forma de apropriação dos recursos

territorializados vêm interferindo ao longo dos anos no modo de vida dos moradores,

que vêem os recursos utilizados no seu dia-a-dia escassearem. Apesar disso, não pensam

em sair, pois o território apresenta-se como o ambiente em que estão acostumados a

viver; provedor das condições de sustento; considerado tranqüilo, onde podem dormir

sem se preocupar com seus bens materiais, sem a violência que o meio urbano

apresenta: “Aqui, a gente ainda dorme de porta aberta e ainda amanhece tudinho. Ainda

segundo Sr. Inaldo (46 anos, pescador):

[...] os governantes, os interesses deles é só pra eles. Então, fica ruim pra gente que é

acostumado num sistema desse aqui, num ambiente. A situação fica precária porque realmente se

eles precisassem do terreno, rapaz, negociasse, nós vamos precisar do terreno porque vai

beneficiar a nossa geração. Tudo bem. Aí desse outro terreno igual, mas aí não, aí eles querem é

tomar e recompensa nada. Eu aqui, saio daqui, sempre gostei de fazer isso, boto o cofo na cintura

e saio por aí. Eu posso mandar botar o arroz no fogo, aí, pegar os peixes. Chego de lá com eles

vivinhos, pulando, e o arroz ainda não tá pronto (entrevista realizada em 18/06/2008).

Alguns se opuseram ao empreendimento por reconhecerem que, se fossem

deslocados e tivessem que mudar para a cidade, não teriam condições de trabalho, pois

vivem da roça e da pesca e seria inviável morar na cidade e se locomover todos os dias

para a zona rural para trabalhar:

[...] eu não sou empregado, trabalho na zona rural, eu sou lavrador, sou pescador. Então, não

adianta eu ir lá pro centro e vir trabalhar aqui. Eu me dou muito bem aqui no Taim, na zona

rural, se eu mudar daqui pro Limoeiro, pro Rio dos Cachorros, pra Porto Grande, eu vou

trabalhar no mesmo ramo. Agora, se eu mudo pra cidade, vou ficar desempregado (Sr.

Waldemir, 56 anos, entrevista realizada em 25/05/2008).

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37

Outros, apesar da oposição ao empreendimento, demonstram não saber se

conseguiriam resistir durante muito tempo às investidas da empresa, temem o

deslocamento compulsório e, ainda, que sejam levados a sair com uma indenização

inferior ao valor da casa e benfeitorias construídas devido à demora na aquiescência ao

deslocamento.

Eu não sou contra nem a favor, mas também não sou contra muito não, porque se aí vier, eu acho

que, na nossa opinião, tem que aceitar nas devidas condições porque se a gente for botar o pé na

parede, vai fazer que nem o caso do moço que aconteceu ali no Itaqui11

, que eles queriam,

queriam indenizar as outras famílias só ficou esse senhor lá. Daí eles vinham, fizeram o trabalho

tudinho. Depois esse senhor tava se reclamando, dizendo que tava se dando mal, que queria se

mudar de lá. Aí ele foi pedir um preço pra eles, eles não quiseram aceitar o que ele pediu, porque

no tempo que quiseram tirar, ele não quis. Todo mundo saiu, menos ele (D. Claudia, 30 anos,

lavradora, entrevista realizada em 25/06/2008).

Assim como a experiência de deslocamentos vizinhos é utilizada por alguns para

justificar a resistência ao empreendimento, os casos de resistência frustrados também

podem ser emblemáticos para outros para explicar uma possível negociação com o

empreendedor.

Além das motivações para justificar a resistência ao pólo, a forma como se

mobilizaram para participar das audiências suscitadas pelo projeto de alteração da Lei

de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís; como se reuniram

para tentar entender de que forma seriam atingidos pelo empreendimento; como

impediram a (de)marcação de suas casas pelos técnicos contratados pelo Governo do

Estado e pela Vale são momentos enfatizados nas entrevistas, em que ressaltam o

processo decorrente da possibilidade de implantação do pólo como mais uma ocasião

em que tiveram que se unir em defesa do território:

Nós saía daqui, eu e minha filha, nós fazia era comida, levava logo daqui feita, garrafa com

água, comida, garrafa com café, tudo nós levava pra passar o dia todinho se possível. Essa daqui

era menor [aponta sua filha], ainda era gurizinha, a gente levava tudinho... Aqui no Taim não

ficava era ninguém, todo mundo ia (refere-se às Audiências Públicas e demais mobilizações),

nós já lutamos demais por causa desse pedaço de chão aqui do Taim... Mas quem sabe um dia

nós não somos favoritos (D. Maria Paula, 55 anos, lavradora, entrevista realizada em

16/06/2008).

Essa vinda dessa siderúrgica aqui, nessa época, as comunidades tudo se uniram, uma com as

outras, pra poder debater (Sr. Inaldo, entrevista realizada em 17/02/2009).

Para Leite Lopes (2004), muitas vezes nos discursos marcadamente visíveis por

referências ao “meio ambiente” ou “questão ambiental” podem encontrar-se problemas

sociais antigos, advindos, sobretudo da multiplicidade de questões a que se referem

11

Referência a povoado deslocado para a construção do Porto do Itaqui.

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38

essas noções, assim, as de “risco” e “poluição” propiciam diferentes interpretações e

apropriações. No caso do povoado Taim, as motivações que subentendem os discursos

contrários ao pólo siderúrgico são entrecortadas por referências à implantação de outro

grande empreendimento industrial (Alumar) instalado nas proximidades do povoado na

década de 1980. Então, retomam a memória do deslocamento compulsório e dos

problemas advindos da instalação daquela indústria, comparam o discurso do pólo

siderúrgico em relação à promessa de empregos ao discurso proferido pela Alumar, que

na sua concretização somente absorveu a mão-de-obra local na fase de construção do

empreendimento.

3. Estratégias de controle territorial

A percepção de encontrarem-se localizados em área visivelmente cobiçada por

grandes empreendimentos industriais, cuja tentativa de implantação do pólo siderúrgico

demonstra que sua apropriação para a industrialização ainda se constitui em projeto das

instâncias municipais, estaduais e federal, levou os representantes comunitários dos

povoados locais a buscar alternativa voltada para a sua proteção, de forma a impedir que

o avanço industrial traga mais danos sociais e ambientais, mas também que resguarde o

direito dos moradores aos seus territórios e modos de vida. Foi a partir de 1996, nos

espaços de discussão criados pela Igreja Católica, na Paróquia São José do Bonfim, em

Vila Nova12

, que vários representantes comunitários começaram a discutir sobre a

possibilidade de implantação de uma Reserva Extrativista. Sendo que, posteriormente,

as discussões sobre a Reserva foram realizadas nos povoados que seriam contemplados

na proposta. Contribuíram para a discussão, através de consultorias sobre a constituição

de Unidades de Conservação, o CNPT/IBAMA (Centro Nacional de Populações

Tradicionais, então vinculado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis13

), o CNS (Conselho Nacional de Seringueiros), o GTA (Grupo de

Trabalho Amazônico), o Fórum Carajás, a COIABE (Coordenação das Organizações

Indígenas da Amazônia Brasileira), dentre outros movimentos.

12

Bairro inserido no que o Governo do Estado do Maranhão denomina de área Itaqui-Bacanga e cuja

paróquia da Igreja Católica abrange o povoado Taim. 13

Atualmente o CNPT está vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

(ICMBio).

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39

As visitas de representantes comunitários a outras Unidades de Conservação

(Maracanã e Alter do Chão, no Pará; Cururupu e Frechal, no Maranhão) também

contribuíram para a decisão sobre a Reserva. A opção por uma Unidade de Conservação

de Uso Sustentável, na modalidade Reserva Extrativista, deu-se porque esta modalidade

de área protegida assegura a permanência das pessoas em seus territórios e lhes

possibilita dialogar acerca do uso dado ao mesmo, mas também, devido ao

entendimento mais amplo, engendrado no âmbito dos movimentos sociais, mais

especificamente baseado no GTA, de que as Unidades de Conservação apresentam-se

como uma via para diminuir a tensão sobre a terra, onde há conflito decorrente da

disputa por sua posse.

A proposta de criação de uma Reserva Extrativista na Ilha do Maranhão,

consoante Alberto Cantanhede, está inserida dentro de projeto do GTA voltado para o

Norte do país que visa o fechamento da fronteira do Acre até o Maranhão como área de

conservação. Essa proposta baseia-se na visão da entidade de que as Reservas

Extrativistas contribuem para a redução do desmatamento, assim como o plano de

manejo14

ajuda a manter a biodiversidade da floresta, uma vez que os grupos que fazem

uso dos recursos naturais devem encontrar a melhor maneira de continuar a utilizá-los

sem sobre-explorá-los.

A discussão em torno do pedido de implantação de uma Reserva Extrativista foi

sendo engendrada aos poucos, a priori, nos espaços de discussão criados pela Igreja

Católica, na medida em que esses espaços proporcionavam o diálogo entre

comunitários. Posteriormente, a discussão se expandiu para os povoados, sendo que o

povoado Taim destaca-se como protagonista nessa discussão devido, principalmente, à

participação de Alberto Cantanhede15

nos mais diversos movimentos sociais que

discutem a questão ambiental. Dando suporte a essa discussão, estavam diversos

movimentos sociais, que contribuíram para a decisão sobre o pedido de implantação de

uma Reserva Extrativista.

14

Plano que deve ser realizado nas Unidades de Conservação para regular o uso de seus recursos e

espaços. 15

Integra o Movimento Estadual dos Pescadores, chegando, por volta de 1994/1995, a ser coordenador do

Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE), no Maranhão. Ajudou a fundar a COPAMA

(Cooperativa de Pescadores Artesanais do Maranhão) e o CAPPAM (Centro de Apoio e Pesquisa ao

Pescador Artesanal do Maranhão). Em 1995, através do MONAPE, ingressou no GTA (Grupo de

Trabalho Amazônico), movimento em que atuou como delegado, conselheiro fiscal, vice-presidente e

presidente. Atualmente, é secretário do GTA. Também é membro do Conselho Deliberativo da Reserva

Extrativista de Cururupu – MA.

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40

O pedido de instalação de uma Reserva Extrativista em área adjacente a grandes

empreendimentos industriais, que põem em risco a permanência dos povoados na

localidade, assim como, as suas formas de reprodução social, apresentou-se como

alternativa após tentativa de diálogo com esses mesmos empreendimentos na busca de

soluções para reparar e frear os danos sociais e ambientais sofridos. A impossibilidade

de diálogo com os empreendimentos fez com que os representantes comunitários

buscassem outro meio para resguardar seus territórios e modos de vida. Assim, em 08

de agosto de 2003, a União de Moradores do Taim encaminhou documento oficial ao

IBAMA pedindo a criação de uma Reserva Extrativista, a qual abrangeria os povoados

Taim, Limoeiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, parte da Vila Maranhão, Cajueiro,

Portinho, Embaubal, Jacamin, Amapá e Tauá-Mirim16

. A Reserva teria como limites: ao

Norte, o igarapé Buenos Aires e o povoado Cajueiro; ao Sul, o povoado Tauá-Mirim; a

Leste, o povoado Rio dos Cachorros; e a Oeste, a Baía de São Marcos (IBAMA, 2007).

Abrangeria uma área de, aproximadamente, 16.663,55 hectares, com perímetro de 71,21

km.

4. Considerações Finais

O processo que culminou no pedido de construção da Resex do Taim não pode

ser visto separadamente dos conflitos sociais e ambientais que vêm ocorrendo no

Sudoeste da Ilha do Maranhão desde o final da década de 1970, a partir da inserção

dessa porção do território ao Programa Grande Carajás. Associado a esse Programa,

como mencionado anteriormente, produziu-se na área em questão uma série de ações

voltadas para a viabilização industrial que resultou em processos de reordenamento

territorial com o deslocamento compulsório de diversos povoados; cercamento de

grandes áreas de mata até então utilizadas pelos grupos sociais para a extração de

recursos naturais; impactos sobre os recursos hídricos com assoreamento de igarapés e,

consequente diminuição de peixes e mariscos; aumento da pressão sobre os recursos de

um mesmo território; aumento da densidade demográfica da área, resultante da

especulação imobiliária etc.

16

Os cinco últimos povoados citados solicitaram a sua inclusão na área da Resex quando o pedido de

criação da mesma já havia sido encaminhado ao CNPT/IBAMA. Esta solicitação foi aceita após a

ampliação dos estudos necessários e as devidas consultas públicas nos povoados.

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41

Como desdobramento contemporâneo daquele Programa, tentou-se implantar o

pólo siderúrgico, que foi rejeitado por vários povoados que seriam atingidos, direta ou

indiretamente, por essa instalação. A tentativa de implantação do pólo reforçou nos

moradores do Taim a insegurança em relação à permanência no território habitado e

levou à percepção, por parte das lideranças locais, da necessidade de articulação com os

demais povoados em torno de um projeto único para a área no que a proposta de

Reserva Extrativista apresentou-se como a mais adequada para aquela dada situação.

O processo de instalação da Reserva cumpriu as fases legais para a sua

elaboração: laudo biológico e sócio-econômico e a consulta pública à população para

saber se, de fato, a demanda pela Reserva representa a vontade dos moradores locais.

Encontra-se, atualmente, em uma das últimas fases previstas que é o exame do processo

pelo Ministério do Meio Ambiente, após o que, dependerá apenas da sanção do

Presidente da República Todavia, há forte pressão por parte dos setores empresariais

que atuam na área (dentre eles a Vale), para a não aquiescência do Presidente ao decreto

de criação da Resex, pois esta, além de contrariar o interesse de instalação de novos

empreendimentos, seria um instrumento legal para forçar a adequação dos

empreendimentos já instalados a procedimentos mais atinentes à conservação ambiental,

em função da zona de amortecimento que seria obrigatoriamente ali criada.

O confronto de lógicas diferenciadas de apropriação territorial verificado na Ilha

do Maranhão é mais uma das situações que se espalham pelo país em momentos de

expansão capitalista. O caso que aqui se apresenta é ilustrativo da possibilidade de

organização e resistência de grupos sociais normalmente invisibilizados pela lógica

dominante. Independentemente dos desdobramentos futuros com relação à criação da

Resex de Tauá-Mirim, há aqui uma demonstração de que grupos sociais considerados

como descartáveis, nos planejamentos estatais e privados com vistas ao chamado

desenvolvimento, reivindicam ativamente a possibilidade de intervenção nos processos

decisórios e buscam conquistar a efetivação de direitos.

Referências

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Dissertação de Mestrado

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44

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ZAGALLO, José Guilherme. Pólo Siderúrgico em São Luís: Impacto social e riscos

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www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=636. Acesso em: 20/04/2008.

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45

ANEXO IV

Artigo publicado em:

Teoria & Sociedade (UFMG), nº 18.1, janeiro-junho, 2010. p. 94-113.

PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO

MARANHÃO17

Resumo: O trabalho é resultante da preocupação do Grupo de Estudos:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) em examinar projetos

de desenvolvimento e modernização econômica e suas conseqüências sociais e

ambientais. Os impactos desses projetos provocam o confronto de lógicas diferenciadas

de apropriação do ambiente, dos grupos sociais atingidos e dos grupos que gerenciam os

projetos de desenvolvimento e daqueles que se aliam aos mesmos, conduzindo a

“conflitos socioambientais”, que envolvem diferentes formas de significação do modo

de vida, a partir das diferentes categorias, representações e atores sociais que neles

buscam legitimidade. Neste trabalho busca-se identificar e analisar conflitos

socioambientais no Maranhão decorrentes de projetos de desenvolvimento instalados a

partir do final da década de 1970 e, atualmente, em vias de instalação, com destaque

para um estudo de caso relacionado à instalação da Usina Termelétrica do Porto do

Itaqui, na Ilha do Maranhão, e suas conseqüências para os moradores dos povoados de

Camboa dos Frades e Vila Madureira.

Palavras-chave: Conflitos socioambientais. Projetos de desenvolvimento. Maranhão

DEVELOPMENT PROJECTS AND SOCIO-ENVIRONMENTAL CONFLICTS IN

MARANHÃO

Abstract: This work is the result of the concerns of the Study Group: Development,

Modernity and Environment (GEDMMA) which examined development and economic

modernization projects and their social and environmental consequences. The impact of

these projects provokes a confrontation of differentiated logic regarding appropriation

of the environment from social groups affected and the groups which generate the

development projects and those allied to same who conduct “socio-environmental

conflicts” which involve different forms of meaning of way of life, coming out of the

different categories, representations and actors who seek legitimacy. This paper seeks to

identify and analyze socio-environmental conflicts in Maranhão stemming from

development projects installed from the end of the 1970‟s and presently highlighting a

case study related to the installation of the Thermoelectric Plant at Itaqui Port, on

Maranhão Island, and its consequences for the habitants of the towns of Camboa dos

Frades and Vila Madureira.

17

Versão preliminar do foi artigo apresentado ao 33º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-

Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), realizado em Caxambu-MG, entre os dias 26 a 30 de outubro

de 2009.

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46

Key words: Socio-environmental conflicts. Development projects. Maranhão

1 INTRODUÇÃO

Este artigo é fruto da pesquisa “Projetos de Desenvolvimento e Conflitos

Socioambientais no Maranhão”18

, resultante da preocupação do Grupo de Estudos:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)19

em examinar projetos

de desenvolvimento e modernização econômica e suas consequências sociais e

ambientais.

A compreensão desses processos indica sua relação com o surgimento e

desdobramentos do modelo de desenvolvimento decorrente das investidas dos governos

ditatoriais instalados após o golpe militar de 1964, no sentido da industrialização e

consequente modernização do país e que previa, concomitante e associadamente, a

integração da Amazônia à dinâmica econômica nacional e internacional (Sant‟Ana

Júnior 2004). Dessa forma, o governo federal planejou a instalação de infraestrutura

básica (construção de grandes estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, usinas

hidroelétricas) que permitisse a rápida ocupação da região, entendida então como um

grande vazio demográfico (D‟Incao e Silveira 1994). Entendimento que desconsiderou a

existência de inúmeros grupos sociais e povos que milenar ou secularmente ocupavam a

região e aí constituíram relações produtivas, sociais e culturais, com características

próprias. Estes povos, em maior ou menor intensidade (o que somente pode ser

verificado em cada caso empírico) reagem, enfrentam e, em algumas situações,

propõem alternativas ao modelo de desenvolvimento que os atingia ou, ainda, atinge20

.

Essas reações, em boa parte dos casos, se iniciam como um conflito de caráter social em

torno da posse de territórios (Almeida 1996) e passam, crescentemente, a ser

configurados como “conflitos ambientais” (Acselrad 2004) ou “conflitos

18

Pesquisa apoiada pelo CNPq, através do Edital MCT/CNPq 02/2009 – Ciências Humanas, Sociais e

Sociais Aplicadas, e pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e

Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), através do Edital FAPEMA 010/2009 Universal. 19

Vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) e ao Programa de Pós-Graduação

em Ciências Sociais (PPGCSoc) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 20

Dois exemplos notáveis de grupos sociais que, ao reagirem a projetos de desenvolvimento,

demonstraram uma grande capacidade propositiva são os seringueiros da Amazônia ocidental (Esteves

1999; Sant‟Ana Júnior 2004) e quebradeiras de coco babaçu, nos estados do Maranhão, Pará, Tocantins e

Piauí (Almeida 2004; Cordeiro 2008).

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47

socioambientais”, na medida em que seus agentes se apropriam do discurso ambiental e

buscam demonstrar a relação entre seus interesses locais e lutas mais amplas pela

conservação ecológica.

Essas situações conflitivas podem tanto se manter como conflitos pelo acesso e uso dos

recursos naturais (em especial pelo controle do território), quanto incorporar,

principalmente nos casos vinculados à industrialização ou à agricultura com uso

intensivo de produtos químicos, a dimensão de conflitos em torno do que é chamado

pela ciência econômica de externalidades21

, isto é, conflitos suscitados por situações em

que “o desenvolvimento de uma atividade comprometa a possibilidade de outras

práticas se manterem” (Acselrad 2004: 25) devido a seus efeitos. Consoante Acselrad

(2004: 26), os conflitos ambientais são

“aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e

significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a

continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por

impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O

conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de

bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela

atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.”.

Neste trabalho, procuramos centrar o foco nos conflitos socioambientais vinculados a

grandes projetos de desenvolvimento na porção mais oriental da Amazônia Legal

brasileira, localizada no Maranhão, com destaque para um estudo de caso relacionado à

instalação da Usina Termelétrica do Porto do Itaqui, na Ilha do Maranhão, e suas

conseqüências para os moradores dos povoados de Camboa dos Frades e Vila

Madureira.

2 PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO

Na Amazônia Oriental, o Projeto Grande Carajás (Carneiro 1997; Monteiro 1997),

“concebido para garantir a exploração e comercialização das ricas jazidas de minério

localizadas no sudeste do Pará” (Aquino e Sant‟Ana Júnior 2009: 47) e com

21

Na ciência econômica, externalidade pode ser definida como aqueles fatores que não entram no cálculo

do processo produtivo, como, por exemplo, os efluentes líquidos e gasosos de um empreendimento

industrial ou fertilizantes e herbicidas que atingem cursos d‟água em função de sua utilização na

agricultura, fazendo com que os ganhos do processo produtivo sejam mantidos privadamente pelos

empreendedores e seus custos ambientais sejam socializados (Martínez Alier 2007).

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conseqüências em uma grande área de influência e vários ramos de atividade

econômica, constituiu-se na expressão mais visível do modelo de desenvolvimento

implementado a partir do regime ditatorial de 1964. Ao ser apresentado por seus

propositores como modelo de desenvolvimento baseado em projetos de

desenvolvimento, obscurece-se o objetivo principal desse amplo processo que é a

acumulação e expansão do capital, subordinando territórios e grupos sociais.

Fundamentando o modelo de desenvolvimento baseado em grandes projetos, está uma

leitura da Amazônia e do Maranhão como regiões de grandes potencialidades

econômicas, porém com atrasos e déficits que devem ser supridos numa atuação

conjunta de Estado e iniciativa privada. Esta atuação é percebida como um eficiente

instrumento de promoção do desenvolvimento e da modernidade (Sant‟Ana Júnior

2004).

No Maranhão, os desdobramentos deste projeto e de outras grandes iniciativas

desenvolvimentistas levaram à implantação da infraestrutura necessária para a

exploração mineral, florestal, agrícola, pecuária e industrial. Desde o final da década de

1970, foram implantados: estradas de rodagem, cortando todo o território estadual e

ligando-o ao restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando as grandes minas do

sudeste do Pará ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de São Luís, formado

pelos Portos do Itaqui (administrado pela estatal estadual Empresa Maranhense de

Administração Portuária - EMAP), da Ponta da Madeira (pertencente à Cia Vale do Rio

Doce, hoje conhecida como Vale) e da Alumar (pertencente ao Consórcio Alumar,

subsidiária da multinacional do alumínio Alcoa Corporate).

Associadamente a essas grandes obras de infraestrutura, foram instalados neste mesmo

período: oito usinas de processamento de ferro gusa às margens da Estrada de Ferro

Carajás; uma grande indústria de alumina e alumínio (ALUMAR) e bases para

estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do Maranhão;

um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de Alcântara –

CLA), em Alcântara; projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e

sudeste do estado; projetos de criação de búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da

pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral;

projetos de turismo, principalmente em São Luís e nos Lençóis Maranhenses.

Encontram-se, atualmente, em fase de planejamento ou construção grandes

empreendimentos de infraestrutura, como a duplicação da Estrada de Ferro Carajás;

ampliação do Porto do Itaqui e do Porto da Ponta da Madeira; a Hidrelétrica de Estreito,

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49

com construção bastante avançada; seis termelétricas, sendo que a Termelétrica do

Porto do Itaqui encontra-se em fase de terraplanagem da área em que será instalada.

Além dessas obras de infraestrutura, merecem destaque as ações iniciais para a

instalação da Refinaria Premium da Petrobrás e da Companhia Siderúrgica do Mearim,

resultante do consórcio entre a chinesa Boalsteel e a brasileira Vale, e a duplicação, já

concluída, das estruturas industriais produtoras de alumínio e alumina da Alumar.

Os impactos desses projetos provocam o confronto de lógicas diferenciadas de

apropriação do ambiente, seja dos grupos sociais atingidos, seja dos grupos que

gerenciam os projetos de desenvolvimento ou daqueles que se aliam aos mesmos,

conduzindo esse cenário de disputas para “conflitos ambientais”, que envolvem

diferentes formas de significação do modo de vida, a partir das diferentes categorias,

representações e atores sociais que neles buscam legitimidade (Acselrad 2004). No

Maranhão, um expressivo número de conflitos socioambientais se configuram em

decorrência de projetos de desenvolvimento instalados a partir do final da década de

1970 e, atualmente, em vias de instalação, exigindo o aprofundamento da discussão

sobre as concepções vigentes de modernidade (Domingues 1999; Einsenstadt 1987;

Polanyi 2000); de desenvolvimento (Escobar 1996; Sachs 2000) e desenvolvimento

sustentável (Leff 2001; Zhouri, Laschefski e Pereira 2005), que se constituem em

fundamentos justificadores destes projetos, procurando problematizar essas concepções

tão presentes e influentes na formulação de políticas públicas, na iniciativa empresarial

e no cotidiano dos grupos sociais atingidos.

3 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: um estudo de caso

O conjunto de iniciativas decorrente dos planejamentos governamentais e/ou

envolvendo a iniciativa privada tem provocado profundos impactos socioambientais,

alterando biomas e modos de vida de populações locais (que em alguns casos

reivindicam a condição de populações tradicionais), através do reordenamento

socioeconômico e espacial de áreas destinadas à implantação dos mesmos. As

populações tradicionais (Almeida e Cunha 2001; Little 2002; Sant‟Anna 2003), por seu

turno, constituem um modo de vida peculiar (cultura, sociabilidade, trabalho) que tende

a ser adaptado às condições ecológicas, predominando economia polivalente, ou seja,

agricultura, pesca, extrativismo, artesanato, com um calendário sazonal anual, conforme

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os recursos naturais explorados, normalmente, sob o regime familiar de organização do

trabalho (Sant‟Ana Júnior, Alves e Mendonça 2007; Bezerra 2007).

Nesse sentido, busca-se discutir as condições sociais de dois povoados do município de

São Luís-MA: Vila Madureira, recentemente deslocada para o município de Paço do

Lumiar, e Camboa dos Frades, que permanece com o seu modo de vida ameaçado22

. Os

territórios originários destes povoados localizam-se na região administrativa municipal

Itaqui Bacanga. Esta região é marcada pela proximidade com o Porto do Itaqui, com a

BR-135, com a Estação de Passageiros da Estrada de Ferro Carajás e com vários

empreendimentos industriais, entre eles, dois de grande porte: Vale do Rio Doce e

Alumar, o que a torna cada vez mais estratégica para a instalação de projetos industriais

e de infraestrutura. A situação apresentada reflete os conflitos decorrentes da disputa

pelo controle da área originalmente ocupada pelos povoados acima citados, que passou

a ser alvo de interesse por parte do projeto de instalação da Usina Termelétrica Porto do

Itaqui, que é de propriedade da empresa paulista MPX Mineração e Energia Ltda. e

integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal.

O impacto social decorrente de ameaças e/ou efetivação de deslocamento

compulsório23

de famílias, pelo histórico de ocupação industrial na área do Itaqui

Bacanga, tem sido uma tragédia anunciada que se inicia nos anos de 1980, quando o

Porto de Itaqui foi construído e incorporado à dinâmica econômica dos projetos de

desenvolvimento da Amazônia e foram instaladas as estruturas industriais e de

transporte da Alumar e da Vale na região. Esses projetos, ao se justificarem usando o

argumento do “vazio demográfico”, vêm tornando invisível a história social de

populações locais em nome de uma determinada concepção de progresso,

desenvolvimento e modernidade e promovendo sucessivos processos de deslocamentos

populacionais, mas também são estímulos para a organização, resistência e luta por

22

As fontes consultadas foram: relatórios de pesquisa de estudantes de graduação e de pós-graduação da

UFMA; artigo intitulado Caracterização Sócio-Ambiental do Povoado de Camboa dos Frades, resultado

de trabalho de campo realizado em outubro de 2008 por alunos do curso de geografia da UFMA e

coordenado pela Profa. Dra. Ediléia Dutra Pereira (Departamento de Geografia/UFMA) (Pereira, Oliveira

e Amorim 2008); trabalho de campo na Vila Madureira e Camboa dos Frades para realização de

entrevistas com informantes dos povoados; participação em reuniões da Associação de Moradores de

Camboa dos Frades; estudo sobre populações em outras regiões do Estado, como o caso de Alcântara –

MA (Paula Andrade e Souza Filho 2006). 23

Almeida (1996: 30) define deslocamento compulsório como “o conjunto de realidades factuais em que

pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais,

seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos,

sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses

circunstancialmente mais poderosos”.

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51

parte de alguns povoados e lideranças locais mais mobilizados (Bezerra 2007;

Mendonça 2006).

Para compreender melhor a situação atual de Camboa dos Frades e Vila

Madureira, faz-se necessário recuperar processos históricos recentes relacionados à

tentativa de instalação de um grande projeto industrial. Em 2001, o Governo do Estado

do Maranhão assinou um protocolo de intenções com a então denominada Companhia

Vale do Rio Doce (CVRD) com vistas à construção de um pólo siderúrgico. No projeto

original do pólo, a área destinada às instalações físicas de três usinas de fabricação de

placas de aço e duas guseiras seria de 2.471,71 hectares, localizados entre o Porto do

Itaqui e o povoado de Rio dos Cachorros, na região do Itaqui Bacanga. Em 2004, essa

área foi declarada de utilidade pública para fins de desapropriação pelo governo do

Estado do Maranhão (Decretos nº 20.727-DO, de 30-08-2004, e nº 20.781-DO, de 29-

09-2004), o que implicaria o deslocamento compulsório de seus moradores e/ou

daqueles que a utilizam de forma produtiva. Esses moradores foram estimados em mais

de 14.400 pessoas distribuídas em doze povoados - Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio

dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição, Anandiba,

Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira (Sant‟Ana Júnior, Alves e Mendonça

2007, grifo nosso).

Porém, a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do

Município de São Luís, em vigor desde 1992, situava a área pretendida na Zona Rural II

do município de São Luís, constituindo-se num empecilho legal para a efetivação de

projetos industriais, pois, segundo a Lei acima citada, empreendimentos industriais

somente poderiam ser implantados em Zona Industrial. Visando a eliminar essa

dificuldade legal, a Prefeitura Municipal de São Luís encaminhou à Câmara Municipal

um projeto de alteração da Lei, convertendo a área em Zona Industrial. Essa ação da

Prefeitura provocou a realização de audiências públicas e intensas mobilizações

envolvendo várias associações e uniões de moradores das localidades ameaçadas de

deslocamento e o Movimento Reage São Luís, que além destas organizações locais,

incorporou movimentos sociais e ambientais, intelectuais e profissionais liberais da

cidade de São Luís. Após votação na Câmara Municipal, somente 1.068 hectares foram

convertidos para Zona Industrial, pois foi levado em consideração o argumento técnico

de que o restante da área é zona de recarga de aquíferos e de nascentes, o que seria um

impedimento para instalação de estruturas industriais que a tornem impermeável

(Sant`Ana Júnior, Alves e Mendonça 2007).

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52

Com a conversão dos 1.068 hectares em Zona Industrial, mas, ao mesmo tempo, com a

inviabilidade de efetivação do projeto de construção de um grande pólo siderúrgico, a

área em questão passou a ser visada por outros empreendimentos industriais. Dentre

esses empreendimentos, encontra-se a Termelétrica do Porto do Itaqui.

O processo de licenciamento da termelétrica junto aos órgãos ambientais iniciou-se em

2007. O valor do empreendimento está estimado em R$ 1,5 bilhão e o início das

operações planejado para 2011. A MPX anunciou inicialmente a ocupação de 50

hectares (correspondentes ao território ocupado pela Vila Madureira) e o tempo de

operação da termelétrica foi previsto para até 30 anos.

Em 2007, revelou-se o interesse de instalação da termelétrica e desde a fase inicial do

processo de licenciamento ambiental24

até o início da instalação do empreendimento,

em 2009, o referido projeto tem sido alvo de profundas contestações, tanto no plano

técnico-científico, quanto no âmbito de sua transparência política, gerando

questionamentos quanto à sua legitimidade por famílias diretamente atingidas, por

povoados vizinhos e por grupos de ambientalistas e estudiosos da questão ambiental e

pelo Ministério Público.

Do ponto de vista jurídico, o empreendimento foi motivo de ajuizamento de três ações

civis públicas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Do ponto de vista técnico,

nas audiências públicas, estudiosos contestaram os dados apresentados no EIA-RIMA

quanto à emissão de poluentes, pois o processo de produção de energia elétrica da usina

terá como base o carvão mineral e não existem comprovações de que os filtros previstos

para serem utilizados são suficientemente eficazes no controle da emissão de gases

(Óxido de Nitrogênio - NO e Dióxido de Enxofre – SO2). Foram contestados também

estudos apresentados sobre a direção dos ventos que dispersarão esses poluentes, na

medida em que tomaram por parâmetro somente dois meses do ano, não levando em

conta a variação sazonal da região. Além disso, o projeto prevê a utilização de águas do

mar por meio de um processo de dessalinização, sendo que não deixa claro como

ocorrerá o retorno destas águas ao mar e quais podem ser seus efeitos.

Existe o processo nº 1494.000161/2008-17 do IPHAN (Instituto de Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional) referente ao Programa de Prospecção Arqueológica na

área de Implantação da Usina Termelétrica Porto de Itaqui - São Luís-MA. Esse

24

Concluído pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) no

mês de março de 2009.

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53

documento aponta insuficiência e irregularidades no EIA-RIMA, no que se refere à

prospecção arqueológica.

Quanto à ocupação da área, é possível constatar pelo menos duas consequências mais

imediatas vivenciadas pelo processo de sua privatização: a) o deslocamento das famílias

da Vila Madureira, que ocorreu em abril de 2009, para o Residencial Vila Nova Canaã,

construído com este fim pela MPX e localizado a 30 km da capital maranhense, no

município de Paço do Lumiar, permanecendo a incerteza do futuro no que tange à

reprodução social daquelas famílias e de seu modo de vida; b) o comprometimento da

liberdade de ir e vir dos moradores de Camboa dos Frades, pois o único acesso ao

povoado é através de estrada de chão (ramal) que se iniciava na BR- 135 e cortava a

Vila Madureira, até o extremo litoral, onde está localizado; esse ramal atualmente está

ocupado pelas obras da termelétrica.

3.1 Vila Madureira e Camboa dos Frades

O histórico de deslocamentos dos povoados da área Itaquí Bacanga, como afirmamos

anteriormente, remonta ao processo de instalação do Porto de Itaqui e do complexo

industrial da Alumar e da Companhia Vale do Rio Doce, nos anos 1980. Esse histórico

ajuda a compreender o paradoxo em que se encontram os mais antigos moradores da

extinta Vila Madureira e de Camboa dos Frades e, mesmo, das famílias recém-

chegadas.

Os moradores mais antigos procuram se diferenciar daqueles recém-chegados,

demonstrando a relação afetiva com o lugar, fundamentalmente, através da forma dos

processos de territorialização que incluem as condições para a reprodução material das

famílias e o sentido atribuído à vida comunitária: festas religiosas (católicas e de

terreiros de culto afro-brasileiros) e rituais de trocas e intercâmbio cultural que se

misturam às relações de parentesco e de compadrio, refletindo modos específicos de uso

social e apropriação coletiva do meio. Quanto aos recém-chegados, são denominados

“invasores”, devido à alegação de que teriam ocupado terrenos com o intuito de receber

indenizações para instalação de projetos industriais ou de infraestrutura, prometidas por

intermediários entre moradores dos povoados e candidatos a cargos eleitorais, que

utilizavam as promessas de indenizações como forma de garantir votos em ano eleitoral.

Os terrenos ocupados por “invasores”, normalmente, são facilmente perceptíveis ao

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observador externo, devido à ausência de moradias, notando-se pequenos casebres

abandonados e placas com aviso de proibição de acesso aos mesmos.

Nos povoados Vila Madureira (antes do deslocamento) e Camboa dos Frades, o uso

comum da terra é bastante generalizado, ocorrendo, principalmente, através das relações

de parentesco. Parentes cultivam plantações, como a mandioca para fabrico da farinha,

em um mesmo terreno, embora sendo residentes em povoados diferentes. Além disso,

partilham rituais e trocas de serviços, ultrapassando o critério fisiográfico e de

mapeamento exclusivamente econômico da exploração dos recursos ali existentes. Por

outro lado, encontram-se várias famílias vivendo no mesmo terreno, usando a terra

coletivamente, assim como trocando trabalho, através de mutirões, com parentes

residentes em outras localidades. É nesse sentido que esses grupos não podem ser

pensados isoladamente, dissociados do convívio e da interação com os demais povoados

rurais localizados na área em questão.

A presença dos “invasores”, por seu turno, embora quantitativamente representativos25

,

não elimina a dimensão histórica e social por meio da qual os antigos moradores

constituíram, naquele contexto, um modo de vida, uma forma específica de apropriação

do meio. Nesse modo de vida, os limites geográficos dos povoados não se superpõem às

inter-relações comunitárias. Estudos realizados em outros povoados rurais vizinhos

(Cajueiro e Taim) mostram a existência de um sistema tradicional de trocas comerciais

e de serviços (mutirões, trocas de dias de trabalho) e fortes vínculos sociais de

reciprocidades por meio do parentesco, compadrio e amizade (Mendonça 2006; Bezerra

2007). A reciprocidade entre os povoados pode ser ilustrada através do depoimento de

um antigo morador da Vila Madureira:

“É importante, porque, vamos dizer, tem dia que a gente não tem o dinheiro pra comprar

o quilo de comida no mercado, pagar uma passagem, porque pra gente ir até no Anjo da

Guarda [bairro localizado a cerca de 7 Km da localidade] tem que pagar três e oitenta.

Porque agora a passagem aumentou. Às vezes, a gente não tem esse dinheiro. Nem todo

dia a gente tem esse dinheiro. Aí, a gente apanha uma galinha, chega um: „me vende

uma galinha!‟. Eu vendo uma galinha, eu compro o arroz, eu compro a farinha, eu

compro o café, eu compro o açúcar. Daqui do terreiro. Mato uma pra mim comer, dou

outra pra, vamos dizer, um sobrinho, um parente meu que chegar: „Ah! eu estou com

fome, não tenho!‟. Mando pra ele uma, dou. Assim que é minha vida” (M. 46, Morador

da Vila Madureira, entrevista realizada em 03/07/2008).

25

Para o processo de deslocamento e indenização dos moradores de Vila Madureira, a MPX contabilizou

85 famílias, considerando que 36 seriam dignas de receberem as indenizações por serem antigos

moradores, enquanto as demais eram consideradas invasoras.

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Verifica-se a ajuda mútua entre moradores numa mesma condição social (horizontais),

aqueles que se juntam para troca de dia de trabalho (denominada localmente de traça de

dias), por meio da qual se confirmam relações de compadrio e de amizade entre

vizinhos. Podemos considerá-las parte de um sistema de reciprocidade entre moradores,

que fortalece seus vínculos com o lugar em que vivem. De outra forma, constatam-se

relações verticais entre moradores antigos e de menor poder aquisitivo em relação a

moradores de bairros próximos, com maior poder aquisitivo (comerciantes,

proprietários de terras, pequenos e médios empresários que exploram os recursos

minerais – areia e pedra – abundantes na região). Estas, em muitas circunstâncias,

revestem-se em relações do tipo patrão-cliente, no intuito de barganhar serviços de

interesses imediatos com os moradores mais antigos.

3.2 Trajetórias e modos de vida

Os moradores mais antigos de Camboa dos Frades e Vila Madureira guardam em suas

memórias o processo pelo qual os povoados foram se constituindo, sendo que os mais

velhos afirmam que eles próprios ou seus pais chegaram por volta do início do século

XX. Observa-se na trajetória dos informantes que a opção por morar nessa área está

diretamente associada à possibilidade de a família localizar-se proximamente a um

centro urbano (a capital do estado), mas continuar desenvolvendo atividades antes

realizadas nos seus locais de origem. Os dados indicam que a maioria não possui nível

de escolaridade satisfatório para desempenhar ocupações ou funções próprias ao

contexto urbano, o que em tese poderia garantir sua permanência na cidade. A vinda

para as proximidades da cidade de São Luís representa, num primeiro momento da

trajetória, a aproximação com os equipamentos urbanos, os serviços de saúde e de

educação para os filhos e outros atrativos que a cidade poderia oferecer.

Na maioria dos casos, as expectativas contrastam com a realidade com a qual se

depararam na cidade de São Luís. Nesse sentido, o processo de ocupação do território

nos povoados aqui estudados representa uma possibilidade de adaptação, tanto do ponto

de vista das atividades produtivas (agricultura, pesca, coleta e extrativismo), quanto no

âmbito da sociabilidade construída e/ou ressignificada (manutenção das relações de

parentesco, organização familiar do trabalho, práticas e manifestações religiosas).

A Vila Madureira, até o início dos anos de 1970, era considerada terra do Estado ou

terra devoluta, sendo que seu gradual processo de ocupação se deu com a apropriação

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familiar ou comunitária dos terrenos e sem que houvesse regularidade na ocupação,

como, também, títulos de propriedade. Desde o momento em que as terras passaram a

ser utilizadas por algumas famílias, vieram parentes de seus locais de origem que

passavam a dividir partes dos terrenos e a formar outras famílias, ampliando as áreas

ocupadas. Cruzando informações sobre a trajetória dessas famílias com as atividades de

seus pais no local de origem, pode-se perceber que o processo de ocupação do território

na Vila Madureira está associado às estratégias de reprodução social desses grupos,

tendo em vista as dificuldades encontradas na cidade. As atividades ali desenvolvidas,

as formas de organização do trabalho, a sociabilidade com parentes e vizinhos

significam a inserção em um universo que lhes facultam uma identificação com o

espaço e que tem garantido a reprodução social de suas famílias. Segundo o depoimento

de um morador:

“Eu não tinha nada quando eu cheguei aqui. Quando a gente se separa da família, a

gente pode ter tudo na vida, mas larga tudo. Eu saí só com uma bolsinha com duas

roupinhas dentro. Aí, vim pra cá e ela (antiga moradora) me acolheu. Aqui não tinha

nada, aqui não se via um pé de planta, não tinha nada, era só o mato grande. Aí, ela me

acolheu, ela trazia a comida pra mim, ela me deu duas galinhas, me deu um galo, me

deu um pato e duas patas, me deu um porco, pra mim fazer minha vida. Aí, eu fui

fazendo minha vida, fui fazendo, fui fazendo. Aí, fui cavando poço, fui fazendo casa, fui

plantando e hoje estou aqui. E daqui pra mim sair mesmo, só se Deus quiser” (R. 48,

Morador da Vila Madureira, entrevista realizada em 03/07/2008).

Outra situação é ilustrada por uma moradora de 49 anos que veio com os pais do

município de Alcântara para São Luís, em 1960. No local de origem, os pais eram

lavradores, criavam animais e possuíam embarcações que transportavam passageiros

para São Luís. Na Vila Madureira, encontraram a possibilidade de manter a família

unida em função do acesso à terra. Essa moradora, após o falecimento de seus pais,

continuou trabalhando na produção de carvão vegetal (utilização de galhos de árvores

após a poda), extrativismo (coco babaçu e produção de azeite), criação de animais e

coleta de frutas.

Dentre as atividades desenvolvidas na Vila Madureira (antes do deslocamento) e em

Camboa dos Frades, a extração do azeite do coco de babaçu tem uma importância

crucial, principalmente no que tange à participação das mulheres nessa atividade. Outra

atividade importante é a coleta da castanha de caju, feita por mulheres e crianças,

frequentemente vendida nas feiras e mercados de São Luís. Destaca-se também a

criação de galinhas caipiras, patos e porcos. São cultivados bananais e uma infinidade

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de árvores frutíferas. Roças de mandioca e macaxeira, além de plantação de feijão e

legumes como maxixe, quiabo e verduras variáveis são realizadas na modalidade roça

de toco, que implica a necessidade do pousio, isto é, uma área cultivada deve ser

deixada em descanso por vários anos seguidos. Essa prática agrícola encontra crescentes

dificuldades em função da especulação fundiária, que reduz o estoque de terras

disponíveis para o revezamento das roças. Todas essas práticas são voltadas para o

consumo das famílias e, também, para um pequeno circuito de comercialização, tal

como se observa no seguinte depoimento de um morador de Vila Madureira.

“A banana eu levo pro Anjo da Guarda. Aí, eu boto aqui duas caixas no carro de mão,

vou pra parada, deixo o carro de mão escondido, aí eu levo de ônibus. Chego lá, eu

entrego pro revendedor, ele me dá meu trocado e fica se virando por lá” (I. 58, Morador

da Vila Madureira, entrevista realizada em 03/07/2008).

Sendo localizada nos limites com o mar, cujo acesso é direto, a atividade pesqueira se

destaca como a principal fonte de renda e de alimento para aquela população. As

atividades de pesca foram um dos principais atrativos para a formação dos povoados,

devido à alta piscosidade de seus igarapés e praias. O nome dado ao povoado Camboa

dos Frades associa-se à existência das “camboas”, armadilhas de pesca indígena em

forma circular, construídas de pedra, de modo que na vazante das marés o pescado é

aprisionado e retirado na baixa-mar. Ainda é possível observar resquícios dessas

armadilhas no local, embora bastante dispersos em função do deslocamento de areias

provocado pelas máquinas de dragagem do Porto de Itaqui.

Nos povoados estudados, as fainas pesqueiras são intercaladas às atividades

praticadas na terra, de modo que durante o ano os moradores exploram os diferentes

ecossistemas, configurando-se o que pode ser chamado de uma economia polivalente.

As variadas atividades produtivas e de manutenção enriquecem a dieta alimentar,

conforme quadro a seguir:

Quadro 1: Atividades desenvolvidas na área da pesquisa e produtos - 2008

Pesca Marisca-

gem

Coleta

de

frutas

Agricult

u-ra

Criação

de

Animais

Extrativi

s-mo

Vegetal

Extrativis-

mo

Mineral

Peixes Siri Manga Mandioca Galinha Palha Areia

Camar

ão

Sururu Maracuj

á

Macaxeir

a

Pato Coco

Babaçu

Barro

Carangue

jo

Coco Cana Porco Caju Pedra

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Ostra Banana Quiabo Peru Lenha

Jenipapo Maxixe Galinha

d‟Angola

Madeira

Caju Vinagreir

a

Gado

Bovino

Cipó

Cajá Feijão Ervas

Medicina

is

Goiaba Batata

Doce

Mamão

Murici

Babaçu

Juçara

Abacaxi

Fonte: Trabalho de campo

Essas atividades, contundo, têm sido comprometidas devido à poluição produzida pelas

empresas próximas, que atinge os igarapés, o mar, o ar e as plantações, o que,

consequentemente, reduz quantitativa e qualitativamente seus produtos. Sobre o efeito

da poluição nas plantações, um morador de Camboa dos Frades afirma:

“aquela ali é uma empresa de refinaria (Codomar), dessa firma bem ali detrás de Porto

Grande. Ela é negócio de adubo químico, produto químico. Então, esse produto de lá,

que cai aqui, as folhas ficam da cor de uma folha amarela. Recomeçou um projeto, que

teve ali perto do gás butano, aquela indústria que tem de pelotização. Tem dia que nós

não podemos enxergar aqui, porque parece tudo uma luz negra, aquela fumaça, aquilo

ali tudo na vista da gente. As mangueiras ficam amarelinhas do minério que cai. As

mangueiras já não botam mais, vamos dizer, se uma botava duzentas mangas, hoje elas

não botam nem cem. Porque os galhos ficam todos moles, vai secando tudo” (H. 39,

Morador da Camboa dos Frades, entrevista realizada em 03/07/2008).

3.3 Tempos de incertezas

Desde as primeiras notícias, em 2007, sobre a possível instalação da termelétrica na área

do Itaqui Bacanga, a Vila Madureira tornou-se o foco das ações da MPX, pois a área

almejada para instalação do empreendimento correspondia exatamente ao local com

maior concentração das casas desse povoado. Camboa dos Frades não era visibilizada

nas discussões e/ou materiais técnicos e de divulgação publicados pela empresa e

mesmo nos debates dos movimentos sociais. Até o final de 2008, os moradores de

Camboa dos Frades não se organizavam de forma autônoma e eram representados pela

União de Moradores da Vila Madureira.

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Camboa dos Frades possui entre 35 e 40 famílias e essa variação no quadro

demográfico relaciona-se à sazonalidade das atividades produtivas (pesca e agricultura).

Segundo levantamento de Pereira, Oliveira e Amorim (2008), num universo composto

por 35 informantes, as famílias apresentam uma renda variável entre 1 e 2 salários

mínimos e 82% são analfabetos e semianalfabetos ou apresentam escolaridade

correspondendo ao ensino fundamental incompleto. Esse perfil abrange mais da metade

dos moradores, levando em conta que se trata de um universo geral de 35 a 40 famílias.

A pesquisa indica ainda que 73% dos entrevistados não apresentam formação

profissional específica e que as aposentadorias aparecem como fonte de renda

importante. Além dessas condições, as instalações de energia elétrica no local são muito

precárias e os moradores também não possuem água encanada. No povoado não há

escolas nem posto de saúde, pois a permanente possibilidade de deslocamento

populacional fez com que os sucessivos governos estaduais e municipais se eximissem

da responsabilidade de prestar estes serviços aos moradores dos povoados, contribuindo

para facilitar os processos de negociação para possíveis deslocamentos.

No processo de negociação entre a MPX e os moradores, quanto ao deslocamento dos

mesmos da área, a União de Moradores da Vila Madureira apresentava-se como

representante dos dois povoados e, efetivamente, moradores dos dois povoados

participavam das reuniões promovidas pela União. No entanto, como somente a Vila

Madureira localizava-se nos 50 hectares planejados para a instalação da Termelétrica, as

especificidades de Camboa dos Frades não eram contempladas nos debates e

negociações. Um exemplo dessa situação está relacionado ao fato de que uma grande

parte da área de mangue26

que separa os dois povoados seria ocupada pela MPX, pois

ali seriam instalados os equipamentos para transportar o carvão mineral dos navios até o

local de seu beneficiamento. A instalação desses equipamentos iria interromper

definitivamente o ramal de acesso ao povoado e isolar os moradores de Camboa dos

Frades. Pelas informações obtidas no trabalho de campo, tratava-se de uma situação que

2626

Sobre o ecossistema local, Pereira, Oliveira e Amorim (2008) relatam o seguinte: “Observar-se na

área as mais variadas espécies de mangue como: mangue vermelho (Rizophora mangle L.), mangue

branco (Laguncalaria racemosa) e mangue de botão (Conocarpus erectus) que vem sofrendo degradação,

sobretudo ocasionada pela retirada de vegetação para a construção de casas e dos empreendimentos”.

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60

não havia sido esclarecida aos moradores de Camboa dos Frades durante as reuniões

com representantes da empresa.

Todo o processo de negociação referente ao deslocamento da Vila Madureira foi

conduzido pelo Setor de Responsabilidade Social da MPX, que muito habilmente

aproximou-se da diretoria da União de Moradores, em especial de seu presidente, e,

através de seus sociólogos, assistentes sociais e psicólogos, passou a fazer visitas

constantes ao povoado, visitando casa por casa e realizando um trabalho sistemático de

convencimento da conveniência do deslocamento. As promessas feitas aos moradores

consistiam em: indenizações (que na maioria dos casos foi de cerca de R$ 1.200,00) e

uma casa titulada em conjunto residencial a ser construído com este fim, mobiliada e

com um computador, além do transporte para o deslocamento. Sem maiores

resistências, em abril de 2009, ocorreu o deslocamento para o Residencial Vila Nova

Canaã, construído pela MPX no município de Paço do Lumiar, a cerca de 40 Km do

antigo povoado.

Após a aprovação do licenciamento ambiental e o início da implantação da termelétrica

(maio de 2009), os moradores de Camboa dos Frades, como referido anteriormente,

testemunham uma condição dramática no exercício básico de sua cidadania: a restrição

do direito de ir e vir. Na medida em que a estrada de acesso a Camboa dos Frades

passava pela Vila Madureira, com o controle privado da área, para entrar e/ou sair do

povoado, seus moradores passaram a ser submetidos ao controle e a constrangimentos

por parte dos seguranças da empresa, que se apresentavam armados. Além disso,

estavam sujeitos ao perigo de transitarem por via tomada por caminhões, maquinários

pesados e materiais, dificultando a passagem dos moradores e, como era período

chuvoso, viam suas vias de acesso tomadas pela lama, devido às obras de terraplanagem

que se iniciavam.

As crianças, para tomarem o transporte para a escola, passaram a ter que andar por cerca

de 30 minutos até a BR 135, ficando expostas aos perigos representados pelas

atividades de construção da termelétrica.

A criação da Associação de Moradores de Camboa dos Frades, no final de 2008, deu-se

em função da necessidade de a comunidade se organizar politicamente para reivindicar

direitos e resistir às agressões que a atingiam. A partir de então, através dos diretores da

Associação recém-formada, foram levantados elementos que questionaram o processo

de licenciamento da termelétrica, bem como a situação em que se encontra o povoado

de Camboa dos Frades:

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61

1) A empresa iniciou nova estrada de acesso à Camboa dos Frades, por dentro do

mangue, com um trajeto desaprovado pelos moradores devido ao aumento da distância

com relação à BR-135, além do que desmatou uma área considerável da vegetação de

mangue. O IBAMA, em função do impacto no mangue, não autorizou esta obra, que se

encontra embargada.

2) Durante o processo de licenciamento para a construção da termelétrica, os moradores

de Camboa dos Frades não foram comunicados sobre a situação, prevalecendo

informações distorcidas e manipuladas pela União de Moradores. O povoado foi

ignorado tanto pelos empreendedores quanto pelos próprios moradores da Vila

Madureira, que foram orientados pelos técnicos do Setor de Responsabilidade Social da

MPX a não manter diálogo e não passar informações do que viria a acontecer mais

tarde.

3) Os moradores reclamam que estão sendo prejudicados mais recentemente por dois

problemas: o primeiro, diz respeito aos dejetos que, sem qualquer tratamento, são

despejados nos igarapés pela empresa “Ecodiesel”, o que tem reduzido a produção de

pescados; o segundo, refere-se ao assoreamento dos igarapés em que pescam, pois o

desmatamento e aterramento feito pela MPX para instalação das obras estaria causando

a descida de areia, barro e lama.

4) No povoado não tem escola e posto de saúde, o que implica deslocamentos para

obtenção destes serviços.

Na memória dos mais antigos, paira a lembrança de um “tempo de fartura”,

contrastando com a situação atual, que compromete as possibilidades de reprodução

social do povoado. O recente processo de organização da Associação dos Moradores de

Camboa dos Frades e a disposição de suas lideranças de buscar informações sobre seus

direitos, principalmente no que se refere às possibilidades de controle do território e

implantação/manutenção de condições de vida dignas, geram problemas para o

empreendimento da termelétrica.

A permanência de Camboa dos Frades entre o empreendimento e o mar apresenta duas

ordens de problemas para a MPX: dificuldades para a instalação dos equipamentos de

transporte do carvão mineral, da água do mar e da água resultante do processo

produtivo; possíveis denúncias futuras quanto aos efeitos da poluição sobre a população

local, após a entrada em funcionamento do empreendimento.

Em função dos embates relacionados, atualmente, com a possibilidade de permanência e

controle do território e com as consequências ambientais já constatadas após o início

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das obras de terraplanagem, somados aos possíveis confrontos decorrentes da

continuidade das obras e do funcionamento da termelétrica, podemos afirmar que se

encontra em andamento o confronto de duas lógicas de ocupação do território, aquela

dos moradores que pretendem permanecer nele e a do empreendedor que o percebe

como recurso produtivo para a acumulação de capital, o que configura uma situação de

conflito socioambiental.

4 CONCLUSÃO

A implantação na Amazônia brasileira de um modelo de desenvolvimento que atingiu

diretamente populações e ambientes, concebido no regime ditatorial de 1964, resultou

no confronto com lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e recursos. Este

modelo, ainda hoje, é mantido em boa parte com suas características usuais e continua a

atingir grupos sociais que reagem, na busca de manter seus modos de vida. Se não conta

mais com o poder de repressão direta assegurado no período militar, recorrentemente

utilizado nos processos de deslocamento compulsório de grupos que mantinham

territórios almejados pelos projetos a serem implantados ou para a contenção de

protestos resultantes de externalidades geradas por estes mesmos projetos, hoje é

crescente a utilização de processos de manipulação dos instrumentos legais, previstos na

legislação brasileira (tais como os Relatórios de Impactos Ambientais), e da organização

social dos grupos sociais atingidos por seus impactos. E, ainda assim, quando esses

processos não funcionam, não são raros os casos de uso da força física (ameaças,

assassinatos, pressões), tanto pelo aparato estatal quanto por grupos privados.

No Maranhão, conflitos socioambientais se configuram desde o início dos anos 1980 e

continuam a surgir novos, na medida em que as características impactantes do modelo

de desenvolvimento dominante se renovam com a retomada da capacidade de

investimento do Estado brasileiro (abalada pela última crise econômica mundial, mas

não comprometida em seus fundamentos) e são permanentemente anunciados novos

projetos de desenvolvimento ou ampliação dos já existentes, que envolvem a iniciativa

privada e são de infraestrutura ou produtivos, referidos a atividades ligadas à

industrialização, à agropecuária, à pesca industrial, à carcinicultura, ao turismo. Mesmo

que os impactos sejam discursivamente amenizados, por exemplo, através da

incorporação de noções como desenvolvimento sustentável, sustentabilidade,

responsabilidade social e ambiental, no momento em que a discussão da questão

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63

ambiental toma uma crescente importância no cenário internacional, esses conflitos

continuam a surgir e/ou a aprofundarem-se, exigindo que sejam ampliados os estudos

sobre impactos socioambientais e suas consequências.

No caso de Camboa dos Frades e Vila Madureira, é possível verificar como dois

povoados próximos reagiram de formas diferenciadas à ação de um grande projeto. Vila

Madureira, a partir de um competente trabalho realizado pela empresa empreendedora,

que lançou mão de tecnologias sociais de manipulação de conflitos, cedeu com relativa

facilidade ao deslocamento. Em Camboa dos Frades, a organização política tem sido

instrumento na busca de garantir o controle sobre o território e de recuperar os “tempos

de fartura”. Para tanto, a Associação de Moradores demanda a necessária presença do

Estado, porém, não para negar sua história, seu modo de vida, mas para garantir que

seus moradores tenham respeitados os direitos que lhes são constitucionalmente

assegurados. Os desdobramentos desta situação se encontram em aberto e exigem um

permanente acompanhamento.

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ANEXO V

Artigo publicado nos anais do:

V Encontro Nacional da ANPPAS. Florianópolis-SC, 2010. p. 1-19.

(http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT2-419-350-20100903205558.pdf).

Conflitos Socioambientais no Maranhão: os Povoados de Camboa dos Frades (São Luís – MA) e Salvaterra (Rosário –

MA)

Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (UFMA) Sociólogo, Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais, em Políticas Públicas e Sustentabilidade de

Ecossistemas e Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA). [email protected]

Elio de Jesus Pantoja Alves (UFMA) Sociólogo, Doutorando em Ciências Humanas (Sociologia) pela UFRJ, Professor do

Departamento de Sociologia e Antropologia e Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).

[email protected]

Resumo

Tendo como pano de fundo os conflitos socioambientais no Maranhão em decorrência

da instalação de grandes projetos ditos de desenvolvimento, o foco específico do

presente trabalho incide sobre a situação de conflitos resultantes da instalação de dois

projetos industriais, a Termelétrica do Porto do Itaqui e a Refinaria Premium I, que

provocam consequências socioambientais e/ou ameaça de deslocamento compulsório

de dois povoados rurais, respectivamente: Camboa dos Frades, no município de São

Luís – MA, e Salvaterra, no município de Rosário – MA. Visa, também, discutir os

desdobramentos dessas conseqüências e ameaças no processo de mobilização de

importantes segmentos da sociedade civil maranhense e sua repercussão no debate

público, bem como a atuação governamental como agente intermediador. Os dois

empreendimentos têm como uma de suas justificativas para instalação na região a

proximidade da mesma como o Complexo Portuário de São Luís, condição

infraestrutural privilegiada para esse tipo de ação econômica. Moradores dos

povoados e seus aliados, por seu turno, lutam para manutenção de um modo de vida

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e de seus territórios e para a conservação ambiental, provocando o confronto de

lógicas diferenciadas de relação com a natureza.

Introdução

Este trabalho apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa e extensão

“Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão”,

implementado pelo Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio

Ambiente (GEDMMA), da UFMA e financiado pelo Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo a

Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). A

pesquisa e extensão têm como foco geral os conflitos socioambientais no Maranhão

em decorrência da instalação de projetos ditos de desenvolvimento.

O foco da análise deste trabalho incide sobre dois aspectos. O primeiro refere-

se à situação de conflitos resultantes da instalação de dois projetos industriais, a

Termelétrica do Porto do Itaqui e a Refinaria Premium I, envolvendo, respectivamente,

os povoados de Camboa dos Frades, no município de São Luís – MA, e Salvaterra, no

município de Rosário – MA. Estes empreendimentos vêm provocando situações de

permanente ameaça de convivência no interior dos povoados e consequências

socioambientais e/ou de deslocamento compulsório dos moradores dessas áreas. O

segundo aspecto diz respeito aos desdobramentos dessas ameaças quanto à

mobilização dos moradores através de seus processos de organização locais. Aliando-

se a outros movimentos sociais, eles buscam o reconhecimento de seus direitos lutam

para manutenção do modo de vida e territórios (LITTLE, 2002) e para a conservação

ambiental. Com relação aos empreendedores, uma de suas justificativas técnicas para

instalação das indústrias na região é a proximidade ao Complexo Portuário de São

Luís, condição infraestrutural privilegiada para esse tipo de ação econômica. Por parte

dos empreendedores, temos notado as articulações com agentes políticos locais e os

seus interesses nos interstícios dos órgãos estatais. No entanto, na medida em que a

situação desses povoados repercute na esfera pública, importantes segmentos da

sociedade civil maranhense se incorporam nos fóruns de discussão, fortalecendo as

lutas sociais e exigindo a atuação do poder público como agente intermediador. Cabe

destacar a relevância do papel exercido pelo ministério público.

O trabalho aqui apresentado resulta dos seguintes procedimentos:

acompanhamento de audiências públicas e reuniões convocadas por órgãos

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governamentais (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, IBAMA, Secretaria Estadual

de Indústria e Comércio) ou pelas empresas responsáveis pelos empreendimentos;

acompanhamento de reuniões, oficinas, assembléias realizadas nos povoados em

questão, promovidas por entidades de organização local ou por movimentos sociais e

entidades de assessoria popular; exame de notícias veiculadas por jornais ou páginas

eletrônicas, através de banco de dados mantido pelo GEDMMA; entrevistas com

agentes sociais envolvidos.

Camboa dos Frades é um povoado que possui em torno de 40 famílias e teve

seu cotidiano profundamente afetado pelo processo de instalação da Usina

Termelétrica do Porto do Itaqui em sua vizinhança. Essa termelétrica é um

empreendimento da empresa MPX, de propriedade do empresário Eike Batista, e tem

como uma de suas características a produção de energia elétrica a partir de carvão

mineral que será, segundo o empreendedor, importado da Colômbia. O povoado está

localizado às margens da Baia de São Marcos, vizinha ao Porto do Itaqui. Com as

primeiras notícias da instalação da termelétrica, as famílias passaram a sofrer

ameaças de deslocamento. Informações imprecisas sobre a inclusão ou não da área

do povoado na extensão das instalações da usina termelétrica chegavam até os

moradores, o que de certa forma, do ponto de vista do impacto social, já apresentava

por si só, um importante sinal de desarticulação e desmantelamento das relações

sociais ali estabelecidas. Situação essa que se agravou em abril de 2009, com o

deslocamento do povoado vizinho, Vila Madureira, em cuja localidade está sendo

construído o empreendimento. Embora observando os limites e fronteiras entre ambos

os povoados, antes do deslocamento da Vila Madureira, foi possível registrar o forte

vínculo entre ambos, testemunhado pelo fato de que, além de relações de parentesco,

os povoados estavam unidos por meio de uma mesma Associação de Moradores. No

caso de Camboa dos Frades, a principal via de acesso passava pela Vila Madureira, e

com o deslocamento deste povoado, aquele ficou isolado entre a área da comunidade

deslocada e já privatizada pela MPX, e o mar, demandando, de imediato, a construção

de outra estrada que a ligasse à rodovia mais próxima. A partir do início das obras, os

moradores passaram a perceber também impactos ambientais imediatos como

desmatamento de manguezais e assoreamento de igarapés, provocando a redução de

suas fontes de alimentos. A precipitação dessa ameaça tem provocado conflito interno

ao povoado, implicando em um dilema significativo quanto ao futuro e à reprodução

social de grupos familiares que têm uma relação histórica com o lugar (ALVES E

SANT‟ANA JÚNIOR, 2009).

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O outro caso, objeto de discussão neste trabalho é do povoado de Salvaterra,

cuja situação de conflito iniciou-se com a construção de estradas para a preparação

do terreno almejado pela Refinaria Premium I da Petrobrás, nas áreas de roça das

famílias. Trata-se de uma comunidade com mais de 200 anos, ocupando uma área de

450 hectares, sendo herança sem partilha de quatro herdeiros, constituindo-se um

grupo de pelo menos 34 famílias de pescadores e agricultores. Esses dados, no

entanto, não representam a totalidade do universo de pessoas que direta ou

indiretamente fazem uso social dos recursos, pois, como se trata de terras de

propriedade coletiva, em pesquisa de campo pudemos registrar a presença de

agregados e parceiros que usam essas terras sem, no entanto, estabelecer moradia

fixa no povoado, o que sinaliza a importância daquele território para esses grupos. Em

setembro de 2009, os moradores receberam uma intimação da Secretaria Estadual de

Indústria e Comércio do Maranhão para, em vinte dias, deixarem seu território e a

informação de que seriam alocados em um galpão na cidade de Bacabeira, até que

fosse encontrado um terreno para instalá-los definitivamente. Essa intimação gerou

uma forte reação e, buscando construir alianças com movimentos sociais críticos à

instalação de grandes projetos de desenvolvimento, os moradores construíram formas

próprias de organização e resistência.

As duas unidades de análise em questão merecem atenção, sobretudo, pelo fato de

que a história social e a lógica de reprodução social do modo de vida em questão

estão ameaçados. Esses processos conflituosos remontam ao início dos anos de

1980, com a implantação de grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão, a

partir do Programa Grande Carajás (ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR; MENDONÇA,

2007), a partir do qual vários grupos sociais vêm sendo impactados. A situação dos

povoados aqui estudados tem sido alvo de ação dos Ministérios Públicos Federal e

Estadual e de Promotorias e, em alguns casos, geram liminares que suspendem as

obras, se não permanentemente, pelo menos, temporariamente. Na análise dessas

situações, se percebe que em grande parte a preocupação principal relaciona-se à

defesa do território que por sua vez é indissociável da defesa do modo de viver e das

formas sociais de uso dos recursos naturais. As pesquisas em andamento sobre a

situação desses povoados, em reuniões restritas e audiências públicas, têm permitido

constatar que diversos agentes envolvidos nos processos assumem discursos que

levam em conta a questão ambiental (LEITE LOPES, 2004) bem como revelar as

contradições nas intervenções do poder público e o modo como os diversos grupos de

agentes se mobilizam visando a realização de seus interesses e provocando o

confronto de lógicas diferenciadas de relação com a natureza (ACSELRAD, 2004).

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Maranhão: Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais

Nessa primeira década do século XXI, é possível constatar, na Amazônia brasileira,

em geral, e no Maranhão, em particular, uma significativa retomada de projetos ditos

de desenvolvimento que se originaram nos governos ditatoriais decorrentes do golpe

de 1964 e a elaboração e implementação de novos projetos, com destaque para

aqueles que compõem o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), capitaneado

pelo Governo Federal. Esses velhos e novos projetos e programas são retomados ou

elaborados sob o controle de agências governamentais e/ou privadas, com uma ampla

justificação na busca de superação dos baixos Índices de Desenvolvimento Humano

(IDH) que, no caso do Maranhão, em especial, apresenta-se recorrentemente entre os

piores, comparando-se às demais unidades federativas do Brasil.

Na Amazônia Oriental, o Projeto Grande Carajás (CARNEIRO, 1997; MONTEIRO,

1997), “concebido para garantir a exploração e comercialização das ricas jazidas de

minério localizadas no sudeste do Pará” (AQUINO e SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 47)

e com conseqüências em uma grande área de influência e vários ramos de atividade

econômica, constituiu-se na expressão mais visível do modelo de desenvolvimento

implementado a partir dos governos ditatoriais.

No Maranhão, os desdobramentos deste projeto e de outras iniciativas

desenvolvimentistas levou à constituição de uma ampla rede de infraestrutura com o

objetivo de permitir a exploração e/ou escoamento da produção mineral, florestal,

agrícola, pecuária e industrial do próprio Maranhão e de estados vizinhos. Essa

infraestrutura consiste em uma extensa rede de rodovias; a Estrada de Ferro Carajás,

ligando as grandes minas do sudeste do Pará27 ao litoral maranhense; além do

Complexo Portuário de São Luís, e mais recentemente, a Hidrelétrica de Estreito e os

empreendimentos mencionados acima objetos de nossa pesquisa. Associado a essa

infraestrutura, existem oito usinas de processamento de ferro gusa ao longo da

Estrada de Ferro Carajás, além de uma indústria de alumina e alumínio (Alumar), as

bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do

Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de

Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho)

no sul e sudeste do estado; projetos de criação de búfalos, na Baixada Maranhense;

27

No sudeste do Pará estão localizadas gigantescas jazidas de minério de ferro, além de outros minérios, controladas pela Companhia Vale do Rio Doce, atualmente, autodenominada apenas Vale.

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72

ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão; projetos de

carcinicultura, no litoral.

Esse cenário desenvolvimentista no Maranhão tem provocado a expulsão de milhares

de agricultores de suas terras e o desmantelamento da produção familiar rural, como

consequência nefasta de um modelo de desenvolvimento excludente. Observando os

indicadores sociais, percebe-se que, apesar de grandes investimentos nos últimos

anos em projetos de desenvolvimento econômico, o Maranhão permanece sendo um

dos estados mais pobres do Brasil, com elevados índices de concentração de terras,

riquezas e poder político e importando grande parte do que consome.

Por outro lado, como esses projetos colocam em evidência as diferentes lógicas de

apropriação dos territórios, provocam a formação de conflitos, na medida em que os

questionamentos das decisões políticas e das ações associadas aos projetos de

desenvolvimento se expressam em forma de resistência por meio da mobilização

coletiva. Dentre as diferentes lógicas de ocupação e uso territorial, destacam-se duas

diametralmente confrontantes: 1) a lógica do empreendimento, que torna invisíveis os

grupos sociais locais e percebe o território como “espaço vazio” e disponível para

fortes intervenções ambientais e sociais; 2) a lógica dos grupos locais, que percebe o

território como sendo pleno de significados, fonte de subsistência e espaço de

realização de modos de vida próprios, tradicionalmente estabelecidos e relativamente

pouco impactantes ao meio. A expansão do processo de acumulação de capital

através de processos produtivos apresentados como sendo de desenvolvimento,

resultando no confronto de lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e

recursos, leva a processos conflitivos que podem ser associados àqueles que

Acselrad (2004, p. 26) denomina de conflitos ambientais e define como sendo

aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.

A Refinaria Premium no Maranhão e o Povoado de Salvaterra28

28

Na elaboração deste item, contou-se com informações obtidas, também, por Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Bruno Henrique Costa Rabelo, pesquisadores do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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73

O rio Itapecuru, um dos maiores rios do Maranhão, tem aproximadamente 1.500 Km,

corta o estado de sul ao norte e fornece grande parte da água potável consumida na

capital, São Luís, e em vários outro municípios. Antes de desaguar na Bahia de São

José, passa pelo município de Bacabeira, onde encontram-se em andamento estudos

e ações iniciais para a instalação de uma grande refinaria de petróleo. A Petrobras, ao

anunciar a construção da Refinaria Premium, planejada para ser a maior refinaria já

construída no Brasil e uma das maiores do mundo, por um lado, cria um fato político e

midiático de grandes proporções no Maranhão, na medida em que vem acompanhada

do anúncio da criação de milhares de empregos, do incremento e dinamização da

economia local, da expansão das oportunidades, enfim, do anúncio de uma nova onda

de desenvolvimento. Por outro lado, no entanto, encontra a resistência no povoado de

SalvaTerra, cujos moradores se opõem ao deslocamento compulsório29 de seu

território ancestralmente ocupado e almejado para construção da refinaria, e em

movimentos sociais e ambientais, críticos ao modelo de desenvolvimento

representado pela instalação de grandes projetos com significativo potencial de

impactos socioambientais negativos.

A expansão da estrutura de refino de petróleo indica possibilidades de alterações nos

modos de vida de grupos sociais tradicionalmente identificados com atividades como a

agricultura, caça, pesca e criação de animais, portanto, com fortes relações com o

ambiente natural. Esses modos de vida são ameaçados pelas atividades comumente

identificadas com a modernidade e o desenvolvimento em função da alta inversão de

capital em novas tecnologias, caso das estruturas de produção de combustíveis

fósseis. Além do que, a questão dos riscos ambientais se amplia.

A Petrobrás, em 2008, tornou público seu projeto de construção da Refinaria Premium

I no município de Bacabeira, vizinho ao município de São Luís, capital do estado do

Maranhão. Um dos principais motivos alegados para a escolha do local é a rede de

infraestrutura implantada na região, em especial, a proximidade com o Complexo

Portuário de São Luís, que garantiria o abastecimento do petróleo e a exportação de

seus derivados. Segundo o EIA/RIMA (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009)

apresentado no processo de licenciamento do empreendimento, os derivados de

petróleo a serem obtidos por essa refinaria serão de qualidade superior quanto à

emissão de poluentes em sem uso (daí a denominação Premium), de forma a atender

às exigências do mercado europeu, sendo, portanto, destinados à exportação.

29

Operamos, aqui, com a definição de deslocamento compulsório formulada por Almeida (1996, p. 30): “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.

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74

Assim como o Projeto Carajás, de quarenta anos atrás, a Refinaria Premium I vem

sendo apresentada por órgãos do governo estadual e pela Petrobrás como um projeto

que seria redentor do Maranhão, indutor de desenvolvimento e instrumento para

solução dos graves problemas econômicos e sociais do estado.

O planejamento de construção de novas refinarias de petróleo no Brasil decorre da

estratégia montada pelo Governo Federal para reduzir a exportação de petróleo in

natura e aumentar a exportação de derivados, agregando valor ao produto. Visa,

também, reduzir a importação de diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP, conhecido

popularmente como gás de cozinha) e nafta petroquímica, de forma a garantir o

combustível necessário para o crescimento em curso da economia nacional.

A Refinaria Premium I, uma vez em pleno funcionamento, faria o refino de 600 mil

barris por dia (bpd), o que é quase o dobro dos 365 bpd de capacidade da REPLAN, a

maior refinaria em operação no Brasil, e aumentaria a capacidade nacional de refino

para 2.600 bpd. Segundo os dados apresentados pela Petrobrás, de cada barril, seria

extraído 50% de diesel, 20% de nafta petroquímica, 11% de querosene de avião, 8%

de coque, 5% de GLP e 3% de bunker (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009).

No processo de licenciamento ambiental coordenado pela Secretaria Estadual de Meio

Ambiente (SEMA), em novembro de 2009, ocorreram cinco audiências públicas em

quatro municípios que seriam diretamente afetados pela Refinaria Premium I. Uma

audiência nos municípios de Bacabeira, Rosário e Santa Rita, respectivamente, e duas

audiências no município de São Luís.

Como afirmamos anteriormente e como foi confirmado nas audiências públicas pelos

representantes da Petrobrás, o principal destino dos derivados de petróleo a serem

produzidos seria o mercado externo, principalmente europeu, atendendo às

especificações e necessidades deste, e não as locais. Desta forma, os preços dos

derivados de petróleo no Maranhão, por exemplo, não sofreriam alterações em função

do abrigo da refinaria. Maurício Martins, representante da Petrobrás na Audiência

Pública de Rosário-MA, ao ser questionado sobre a possibilidade de redução do preço

do combustível a partir do seu refino no estado, afirmou que “A Petrobrás não pode

regular o preço do combustível nas bombas...”.

Durante as audiências públicas e no material de divulgação da Refinaria Premium I,

constata-se, como forma de legitimação discursiva do empreendimento, uma grande

ênfase na geração de empregos. Segundo os empreendedores, cento e trinta mil

empregos, direitos, indiretos e por efeito renda seriam gerados ao longo de sua

implantação. No entanto, o que se verifica, a partir de um estudo mais minucioso do

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75

EIA/RIMA (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009), e da resposta dada por

Maurício Martins na segunda Audiência Pública realizada em São Luís, esses

empregos chegariam a um pico anual de dez mil, na fase de construção, constituindo-

se majoritariamente de postos de trabalho braçal, na construção civil. Após a entrada

em funcionamento da refinaria, seriam reduzidos a cerca de dois mil e quinhentos

empregos de caráter permanente e, na sua maioria, exigindo qualificação técnica, o

que excluiria boa parte dos moradores dos municípios que serão afetados pelo

processo de construção e dos trabalhadores envolvidos nesse mesmo processo. Nas

cinco audiências públicas realizadas, chamou atenção, também, o destaque que era

dado a atividades como jardinagem ou venda de sorvetes e outros produtos

alimentares nas imediações da Refinaria, apresentados com possibilidades de

envolvimento dos moradores locais no empreendimento.

Para garantir a construção da refinaria no Maranhão, o Governo do Estado se

comprometeu a desapropriar o terreno de 20 km2, necessário à construção da

Refinaria, e transferir gratuitamente sua propriedade à Petrobrás. No entanto, como

dito antes, este terreno ainda é o território sociocultural de mais de trinta famílias de

trabalhadores da agricultura familiar que se encontram, assim, ameaçadas de

deslocamento compulsório (ALMEIDA, 2006), além de que, constata-se que se trata

de terras de herança, nas quais as redes de parentela asseguram a reprodução social

não somente das famílias nucleares ali fixadas em mais de três gerações, mas

também, de uma ampla capacidade de absorção da mão de obra familiar de outros

grupos que mantém vínculos seja de parentesco, seja de afinidade. Além disso, a área

possui inúmeras nascentes, riachos, igarapés que possibilitam o livre acesso de

pessoas de outras comunidades que se deslocam cotidianamente. A desarticulação

desses laços e a promessa de inclusão desses moradores como mão de obra “a ser

qualificada” com a instalação dos empreendimentos, pelo menos para uma grande

parte dos moradores, não tem legitimidade, sobretudo pelo modo violento como essa

mudança tem sido proposta.

Segundo denúncia apresentada por representantes do povoado nas audiências

públicas acima referidas, funcionários da Secretaria de Indústria e Comércio, em

setembro de 2009, procuram os moradores do povoado de Salva Terra (um dos

povoados ameaçados de deslocamento) afirmando que teriam vinte dias para

deixarem suas terras e que seriam alojados em um galpão na cidade de Bacabeira,

até que fosse encontrada uma solução definitiva para sua situação, isto é, uma nova

área para realização de seu assentamento. Ainda segundo a denúncia, alguns

representantes dos moradores foram levados para conhecer o galpão e foram

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informados que, a partir de então, estavam proibidos de realizar novas plantações ou

benfeitorias em suas terras, pois somente seriam indenizados pelo que tinham até

aquela data. Estas medidas estavam sendo tomadas para a efetivação da doação do

terreno à Petrobrás e para que o mesmo ficasse desobstruído para a realização das

obras iniciais de construção da refinaria.

Essa situação provocou intensa indignação nos moradores mais antigos, que

passaram a buscar apoio na Defensoria Pública do Maranhão, no Ministério Público

Estadual e Federal e junto a movimentos sociais envolvidos com a questão

socioambiental, procurando garantir o controle sobre o território que ocupam

tradicionalmente. Mesmo com a reação de moradores e, sem considerar as denúncias

feitas nas audiências públicas (denúncias que se estendiam também a aspectos

técnicos do EIA/RIMA), a SEMA expediu a Licença Prévia (LP) do empreendimento.

Esta situação tem gerado insegurança, medo, instabilidade e conflitos no interior dos

povoados ameaçados de deslocamento, criados pelas ações da Petrobrás e do

Governo do Estado do Maranhão. Um de seus efeitos é o risco à segurança alimentar

dessas famílias uma vez que, desde setembro de 2009, estão com suas atividades

produtivas comprometidas, na medida em que vivem permanentemente sob o risco de

terem de deixar suas terras.

A Termelétrica do Itaqui e o Povoado de Camboa dos Frades30

Camboa dos Frades é um povoado do município de São Luís-MA. O território localiza-

se na região administrativa municipal Itaqui Bacanga, próximo ao Porto do Itaqui, com

a BR-135, com a Estação de Passageiros da Estrada de Ferro Carajás e com vários

empreendimentos industriais, entre eles, dois de grande porte: Vale do Rio Doce e

Alumar, o que a torna cada vez mais estratégica para a instalação de projetos

industriais e de infra-estrutura. A situação apresentada reflete os conflitos decorrentes

da disputa pelo controle da área originalmente ocupada que passou a ser alvo de

interesse por parte do projeto de instalação da Usina Termoelétrica Porto do Itaqui, da

empresa paulista MPX Mineração e Energia Ltda, do empresário Eike Batista, e

integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal.

30

As principais fontes consultadas para elaboração desse item foram: relatórios de pesquisa de estudantes de graduação e de pós-graduação da UFMA; artigo intitulado Caracterização Sócio-Ambiental do Povoado de Camboa dos Frades, resultado da pesquisa de campo realizada em outubro de 2008 por alunos do curso de geografia da UFMA e coordenada pela professora Dra. Ediléia Dutra (Departamento de Geografia/UFMA) (PEREIRA, OLIVEIRA e AMORIM, 2008); relatório de trabalho de campo na Vila Madureira e Camboa dos Frades para realização de entrevistas com informantes dos povoados (ALVES e SANT‟ANA JÚNIOR, 2009); relatos de participação em reuniões da Associação de Moradores de Camboa dos Frades; estudo sobre populações em outras regiões do Estado, como o caso de Alcântara – MA (PAULA ANDRADE e SOUZA FILHO, 2006).

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77

O impacto social decorrente de ameaças e/ou efetivação de deslocamento

compulsório de famílias, pelo histórico de ocupação industrial na área do Itaqui

Bacanga, remonta aos anos de 1980, quando o Porto de Itaqui foi construído e

incorporado à dinâmica econômica dos grandes projetos da Amazônia e foram

instalados as estruturas industriais e de transporte da Alumar e da Vale na região.

Estes projetos, ao se justificarem usando o argumento do “vazio demográfico”,

tornaram invisível, no âmbito das políticas públicas, a história social de populações

locais em nome de uma determinada concepção de progresso, desenvolvimento e

modernidade e promovendo sucessivos processos de deslocamentos populacionais.

Ao mesmo tempo, ressurgem a organização, a resistência e a luta por parte de alguns

povoados e lideranças locais mais mobilizados (BEZERRA, 2007; MENDONÇA,

2006).

Para compreender melhor a situação atual de Camboa dos Frades, faz-se

necessário recuperar processos históricos recentes relacionados à tentativa de

instalação de um grande projeto industrial. Em 2001, o Governo do Estado do

Maranhão assinou um protocolo de intenções com a, então denominada, Companhia

Vale do Rio Doce (CVRD) com vistas à construção de um pólo siderúrgico. No projeto

original do pólo, a área destinada às instalações físicas de três usinas de fabricação

de placas de aço e duas guzeiras seria de 2.471,71 hectares, localizados entre o Porto

do Itaqui e o povoado de Rio dos Cachorros, na região do Itaqui Bacanga. Em 2004,

esta área foi declarada de utilidade pública para fins de desapropriação pelo governo

do Estado do Maranhão (Decretos nº 20.727-DO, de 30-08-2004, e nº 20.781-DO, de

29-09-2004), o que implicaria no deslocamento compulsório de seus moradores e/ou

daqueles que a utilizam de forma produtiva. Estes moradores foram estimados em

mais de 14.400 pessoas distribuídas em doze povoados - Vila Maranhão, Taim,

Cajueiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição,

Anandiba, Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira (SANT‟ANA JÚNIOR,

ALVES e MENDONÇA, 2007, grifo nosso).

Mas, a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do

Município de São Luís, em vigor desde 1992, situava a área pretendida na Zona Rural

II do município de São Luís, constituindo-se num empecilho legal para a efetivação de

projetos industriais, pois, segundo a Lei acima citada, empreendimentos industriais

somente poderiam ser implantados em Zona Industrial. Visando eliminar esta

dificuldade legal, a Prefeitura Municipal de São Luís encaminhou à Câmara Municipal

um projeto de alteração desta Lei, convertendo a área em Zona Industrial. Este fato

resultou em audiências públicas e intensas mobilizações envolvendo associações e

uniões de moradores das localidades e o Movimento Reage São Luís, além de

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movimentos sociais e ambientais, intelectuais e profissionais liberais da cidade de São

Luís. Após votação na Câmara Municipal, somente 1.068 hectares foram convertidos

para Zona Industrial, pois foi tecnicamente comprovado que o restante da área é zona

de recarga de aquíferos e de nascentes, o que é um impedimento para instalação de

estruturas industriais que a tornem impermeável (SANT‟ANA JÚNIOR, ALVES e

MENDONÇA, 2007).

Com a conversão dos 1.068 hectares em Zona Industrial, mas ao mesmo tempo, com

a inviabilidade de efetivação do projeto de construção de um grande pólo siderúrgico,

a área em questão passou a ser visada por outros emprendimentos industriais. Dentre

estes emprendimentos, encontra-se a Termelétrica do Porto do Itaqui.

O processo de licenciamento da termoelétrica junto aos órgãos ambientais iniciou-se

em 2007. O valor do empreendimento foi estimado em R$ 1,5 bilhão e o início das

operações planejado para 2011. A MPX anunciou inicialmente a ocupação de 50

hectares (correspondentes ao território ocupado pela Vila Madureira) e o tempo de

operação da termelétrica foi previsto para até 30 anos (PEREIRA, 2010).

E desde a fase inicial do processo de licenciamento ambiental31 até o início da

construção do empreendimento, em 2009, o referido projeto tem sido alvo de

profundas contestações, tanto no plano técnico-científico, quanto no âmbito de sua

transparência política, gerando questionamentos quanto à sua legitimidade por

famílias diretamente atingidas, por povoados vizinhos e por grupos de ambientalistas e

estudiosos da questão ambiental e pelo Ministério Público (PEREIRA, 2010).

Do ponto de vista jurídico, o empreendimento foi motivo de ajuizamento de três ações

civis públicas pelo Ministério Público Estadual e Federal. Do ponto de vista técnico,

nas audiências públicas, estudiosos contestaram os dados apresentados no EIA-RIMA

quanto à emissão de poluentes, pois, o processo de produção de energia elétrica da

usina terá como base o carvão mineral e não existem comprovações de que os filtros

previstos para serem utilizados são sufientemente eficazes no controle da emissão de

gases (Óxido de Nitrogênio - NOx e Dióxido de Enxofre – SO2). Foram contestados

também estudos apresentados sobre a direção dos ventos que dispersarão estes

poluentes, na medida em que tomaram por parâmetro somente dois meses do ano,

não levando em conta a variação sazonal da região. Além disso, o projeto prevê a

utilização de águas do mar por meio de um processo de dessalinização, sendo que

não deixa claro como ocorrerá o retorno destas águas ao mar e quais podem ser seus

efeitos.

31

Concluído pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) no mês de março de 2009.

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79

Existe o processo nº 1494.000161/2008-17 do IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico

e Artístico Nacional) referente ao Programa de Prospecção Arqueológica na área de

Implantação da Usina Termoelétrica Porto de Itaqui - São Luís-MA. Este documento

aponta insuficiência e irregularidades no EIA-RIMA, no que se refere à prospecção

arqueológica, devendo constituir-se, portanto, em objeto de avaliação e revisão quanto

a este aspecto.

O histórico de deslocamentos dos povoados da área Itaquí-Bacanga, como afirmamos

anteriormente, remonta ao processo de instalação do Porto de Itaqui e do complexo

industrial da Alumar e da Companhia Vale do Rio Doce, nos anos 1980. Esse histórico

ajuda a compreender o dilema em que se encontram os mais antigos moradores da

extinta Vila Madureira, já deslocados, e de Camboa dos Frades e, mesmo, das

famílias recém-chegadas.

Em entrevistas e conversas informais com moradores de Camboa dos Frades, é

notória a diferenciação que os antigos moradores estabelecem com relação aos

moradores recém-chegados. Numa demonstração de afetividade com o lugar apontam

as benfeitorias e plantações, depreendendo-se a construção social do território e o

sentido de comunidade atribuído ao patrimônio familiar e as relações ali estabelecidas.

A importância desse aspecto reflete não somente um apego simples ao mundo

material, mas fundamentalmente, pelo fato de indicar a reprodução material e

simbólica das condições de existência social no “lugar”. Festas religiosas (católicas e

de terreiros de culto afro-brasileiros) e rituais de trocas e intercâmbio cultural que se

misturam às relações de parentesco e de compadrio, refletindo modos específicos de

uso social e apropriação coletiva do meio. Quanto aos recém-chegados, são

denominados “invasores”, devido à alegação de que teriam ocupado terrenos com o

intuito de receber indenizações para instalação de projetos industriais ou de

infraestrutura prometidas por intermediários entre moradores dos povoados e

candidatos a cargos eleitorais, que utilizavam as promessas de indenizações como

forma de garantir votos em ano eleitoral. Os terrenos ocupados por “invasores”,

normalmente, são facilmente perceptíveis ao observador externo, devido à ausência

de moradores, notando-se pequenos casebres abandonados e placas com aviso de

proibição de acesso aos mesmos.

Nessas áreas, o uso comum da terra é bastante generalizado, ocorrendo,

principalmente, através das relações de parentesco. Parentes cultivam plantações,

como a mandioca para fabrico da farinha, em um mesmo terreno, embora sendo

residentes em povoados diferentes. Além disso, partilham rituais e trocas de serviços,

ultrapassando o critério fisiográfico e de mapeamento exclusivamente econômico da

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exploração dos recursos ali existentes. Por outro lado, encontram-se várias famílias

vivendo no mesmo terreno, usando a terra coletivamente, assim como trocando

trabalho através de mutirões com parentes residentes em outras localidades. É nesse

sentido que esses grupos não podem ser pensados isoladamente, dissociados do

convívio e da interação com os demais povoados rurais localizados na área em

questão.

A presença dos “invasores”, por seu turno, embora quantitativamente

representativos32, não elimina a dimensão histórica e social por meio da qual os

antigos moradores se constituíram, naquele contexto, como um modo de vida. Nesse

modo de vida, os limites geográficos dos povoados não se superpõem às interrelações

comunitárias. Estudos realizados em outros povoados rurais vizinhos (Cajueiro e

Taim) mostram a existência de um sistema tradicional de trocas comerciais e de

serviços (mutirões, trocas de dias de trabalho na roça) e fortes vínculos sociais de

reciprocidades por meio do parentesco, compadrio e amizade (MENCONÇA, 2006;

BEZERRA, 2007). A reciprocidade entre os povoados pode ser ilustrada através do

depoimento de um antigo morador.

É importante, porque olha, vamos dizer, tem dia que a gente não tem o dinheiro pra comprar o quilo de comida no mercado, pagar uma passagem, porque pra gente ir até no Anjo da Guarda tem que pagar três e oitenta. Porque agora a passagem aumentou. Aí, às vezes a gente não tem esse dinheiro. Nem todo dia a gente tem esse dinheiro. Aí a gente apanha uma galinha, chega um: me vende uma galinha! Aí eu vendo uma galinha, eu compro o arroz, eu compro a farinha, eu compro o café, eu compro o açúcar. Daqui do terreiro. Mato uma pra mim comer, dou outra pra, vamos dizer, um sobrinho, um parente meu que chegar: Ah! eu estou com fome, não tenho! Mando pra ele uma, dou. Assim que é minha vida (M. 46, Morador)

Verifica-se a ajuda mútua entre moradores numa mesma condição social (horizontais),

aqueles que se juntam para troca de dias de trabalho na roça, por meio da qual se

estabelecem relações de compadrio e de amizade entre vizinhos. Podemos considerá-

las parte de um sistema de reciprocidade entre moradores, que fortalece seus vínculos

com o lugar em que vivem. De outra forma, constatam-se relações verticais entre

moradores antigos e de menor poder aquisitivo em relação a moradores de bairros

próximos, com maior poder aquisitivo (comerciantes, proprietários de terras, pequenos

e médios empresários que exploram os recursos minerais – areia e pedra –

abundantes na região). Estas, em muitas circunstâncias, revestem-se em relações do

32

Para o processo de deslocamento e indenização dos moradores de Vila Madureira, a MPX contabilizou 85 famílias, considerando que 36 seriam dignas de receberem as indenizações por serem antigos moradores, enquanto as demais eram consideradas invasoras.

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tipo patrão-cliente, no intuito de barganhar serviços de interesses imediatos com os

moradores mais antigos.

Os mais velhos afirmam que eles próprios ou seus pais chegaram por volta do início

do século XX. Observando a trajetória dos informantes, percebe-se que a opção por

morar nessa área está diretamente associada à possibilidade da família localizar-se

próximo a um centro urbano (a cidade de S. Luis), mas continuar desenvolvendo

atividades produtivas antes realizadas nos seus locais de origem. Os dados indicam

que a maioria não possui nível de escolaridade satisfatório para desempenhar

ocupações ou funções próprias ao contexto urbano, o que em tese poderia garantir

sua permanência na cidade. A vinda para as proximidades da cidade de São Luís

representa, num primeiro momento da trajetória, a aproximação com os equipamentos

urbanos, os serviços de saúde e de educação para os filhos e outros atrativos que a

cidade poderia oferecer.

Na maioria dos casos, as expectativas se contrastam com a realidade com a qual se

depararam na cidade. Nesse sentido, o processo de ocupação do território nos

povoados aqui estudados representa uma possibilidade de adaptação, tanto do ponto

de vista das atividades produtivas (agricultura, pesca, coleta e extrativismo), quanto no

âmbito da sociabilidade construída e/ou ressignificada (manutenção das relações de

parentesco, organização familiar do trabalho, práticas e manifestações religiosas).

Desde as primeiras notícias, em 2007, sobre a possível instalação da termoelétrica na

área do Itaqui Bacanga, a Vila Madureira tornou-se o foco das ações da MPX, pois a

área almejada para instalação do empreendimento correspondia exatamente ao local

com maior concentração das casas deste povoado. Camboa dos Frades não era

visibilizada nas discussões e/ou materiais técnicos e de divulgação publicados pela

empresa e mesmo nos debates dos movimentos sociais. Até o final de 2008, os

moradores de Camboa dos Frades não se organizavam de forma autônoma e eram

representados pela União de Moradores da Vila Madureira.

Camboa dos Frades possui entre 35 e 40 famílias e essa variação no quadro

demográfico relaciona-se à sazonalidade das atividades produtivas (pesca e

agricultura). Segundo levantamento de Pereira, Oliveira e Amorim (2008), num

universo composto por 35 informantes, as famílias apresentam uma renda variável

entre 1 e 2 salários mínimos e 82% são analfabetos e semi-analfabetos ou

apresentam escolaridade correspondendo ao ensino fundamental incompleto. A

pesquisa indica ainda que 73% dos entrevistados não apresentam formação

profissional específica e que as aposentadorias aparecem como fonte de renda

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importante. Além dessas condições, as instalações de energia elétrica no local são

muito precárias e os moradores também não possuem água encanada. Neste

povoado não existem escolas nem posto de saúde e os sucessivos governos

estaduais e municipais não têm prestado estes serviços nessa área, dificuldade

mediante a qual, segundo informações de moradores têm contribuído para facilitar os

processos de negociação para possíveis deslocamentos.

No processo de negociação entre a MPX e os moradores, quanto ao deslocamento

dos mesmos da área, a União de Moradores da Vila Madureira apresentava-se como

representante dos dois povoados e, efetivamente, moradores dos dois povoados

participavam das reuniões promovidas pela instituição. No entanto, como somente a

Vila Madureira localizava-se nos 50 hectares planejados para a instalação da

Termelétrica, as especificidades de Camboa dos Frades não eram contempladas nos

debates e negociações. Um exemplo desta situação está relacionado ao fato de que

uma grande parte da área de Mangue33 que separa os dois povoados seria ocupada

pela MPX, pois, ali seriam instalados os equipamentos para transportar o carvão

mineral dos navios até o local de seu beneficiamento. A instalação desses

equipamentos iria interromper definitivamente o ramal de acesso ao povoado e isolar

os moradores de Camboa dos Frades. Pelas informações obtidas no trabalho de

campo, tratava-se de uma situação que não havia sido esclarecida aos moradores de

Camboa dos Frades durante as reuniões com representantes da empresa.

Todo o processo de negociação referente ao deslocamento da Vila Madureira foi

conduzido pelo Setor de Responsabilidade Social da MPX, que muito habilmente

aproximou-se da diretoria da União de Moradores, em especial de seu presidente, e,

através de seus sociólogos, assistentes sociais e psicólogos, passou a fazer visitas

constantes ao povoado, visitando casa por casa e realizando um trabalho sistemático

de convencimento da conveniência do deslocamento. As promessas feitas aos

moradores consistiam em: indenizações (que na maioria dos casos foi de cerca de R$

1.200,00) e uma casa titulada em conjunto residencial a ser construído com este fim,

mobiliada e com um computador, além do transporte para o deslocamento. Sem

maiores resistências, em abril de 2009 ocorreu o deslocamento para o Residencial Vila

Nova Canaã, construído MPX no município de Paço do Lumiar, a cerca de 40 Km do

antigo povoado.

33

Sobre o ecossistema local, Pereira, Oliveira e Amorim (2008) relatam o seguinte: “Observar-se na área as mais variadas espécies de mangue como: mangue vermelho (Rizophora mangle L.), mangue branco (Laguncalaria racemosa) e mangue de botão (Conocarpus erectus) que vem sofrendo degradação, sobretudo ocasionada pela retirada de vegetação para a construção de casas e dos empreendimentos”.

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83

Após a aprovação do licenciamento ambiental e o início da implantação da

termoelétrica (maio de 2009), os moradores de Camboa dos Frades, como referido

anteriormente, testemunham uma condição dramática no exercício básico de sua

cidadania: o direito de ir e vir. Na medida em que a estrada de acesso a Camboa dos

Frades passava pelo meio da Vila Madureira, com o controle privado da área, para

entrar e/ou sair do povoado, seu moradores passaram a ser submetidos ao controle e

a constrangimentos por parte dos seguranças da empresa, que se apresentavam

armados. Além disso, estavam sujeitos ao perigo de transitarem por via tomada por

caminhões, maquinários pesados e materiais, dificultando a passagem dos moradores

e, como era período chuvoso, viam suas vias de acesso tomadas pela lama, devido às

obras de terraplanagem que se iniciavam. As crianças, para tomarem o transporte

para a escola, passaram a ter que andar por cerca de 30 minutos até a BR 135,

ficando expostas aos perigos representados pelas atividades de construção da

termelétrica.

A criação da Associação de Moradores de Camboa dos Frades, no final de 2008, deu-

se em função da necessidade da comunidade se organizar politicamente para

reivindicar direitos e resistir às agressões das quais se viam vítimas. A partir de então,

através dos diretores da Associação recém formada foram levantados elementos que

questionaram o processo de licenciamento da termelétrica, bem como, a situação em

que se encontra o povoado de Camboa dos Frades:

1) A empresa iniciou nova estrada de acesso à Camboa dos Frades, por dentro do

mangue, com um trajeto desaprovado pelos moradores devido ao aumento da

distância com relação à BR-135, além do que desmatou uma área considerável da

vegetação de mangue. O IBAMA, em função do impacto no mangue, não autorizou

esta obra, que encontra-se embargada.

2) Durante o processo de licenciamento para a construção da termoelétrica, os

moradores de Camboa dos Frades não foram comunicados sobre a situação,

prevalecendo informações distorcidas e manipuladas pela União de Moradores. O

povoado foi ignorado tanto pelos empreendedores, como pelos próprios moradores da

Vila Madureira, que foram orientados pelos técnicos do Setor de Responsabilidade

Social da MPX a não manter diálogo e não passar informações do que viria a

acontecer mais tarde.

3) Os moradores reclamam que estão sendo prejudicados mais recentemente por dois

problemas: o primeiro, diz respeito aos dejetos que, sem qualquer tratamento, são

despejados nos igarapés pela empresa “Ecodiesel”, o que tem reduzido a produção de

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pescados; o segundo, refere-se ao assoreamento dos igarapés em que pescam, pois,

o desmatamento e aterramento feito pela MPX para instalação das obras estaria

causando a descida de areia, barro e lama.

4) No povoado não tem escola e posto de saúde, o que implica em deslocamentos

para obtenção destes serviços.

Na memória dos mais antigos, paira a lembrança de um “tempo de fartura”,

contrastando com a situação atual, que compromete as possibilidades de reprodução

social do povoado. O recente processo de organização da Associação dos Moradores

de Camboa dos Frades e a disposição de suas lideranças de buscar informações

sobre seus direitos, principalmente no que se refere às possibilidades de controle do

território e implantação/manutenção de condições de vida dignas, para o

empreendimento tem sido um problema.

A permanência de Camboa dos Frades entre o empreendimento e o mar apresenta

duas ordens de problemas: dificuldades para a instalação dos equipamentos de

transporte do carvão mineral, da água do mar e da água resultante do processo

produtivo; possíveis denúncias futuras quanto aos efeitos da poluição sobre a

população local, após a entrada em funcionamento do empreendimento.

Em função dos embates relacionados, atualmente, com a possibilidade de

permanência e controle do território e com as consequências ambientais já

constatadas após o início das obras de terraplanagem, somados aos possíveis

confrontos decorrentes da continuidade das obras e do funcionamento da termelétrica,

podemos afirmar que se encontra em andamento o confronto de duas lógicas de

ocupação do território.

Conclusão

A implantação na Amazônia brasileira de um modelo de desenvolvimento altamente

impactante sobre populações e ambientes, concebido no regime ditatorial de 1964,

resultou no confronto com lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e

recursos. Este modelo, ainda hoje, é mantido em boa parte de suas característica e

continua a impactar grupos sociais que reagem, na busca de manter seus modos de

vida. Se não conta mais com o poder de repressão assegurado no período militar,

recorrentemente utilizado nos processos de deslocamento compulsório de grupos que

mantinham territórios almejados pelos projetos a serem implantados ou para a

contenção de protestos resultantes de externalidades geradas por estes mesmos

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projetos, hoje é crescente a utilização de processos de manipulação dos instrumentos

legais, previstos na legislação brasileira (tais como os Relatórios de Impactos

Ambientais), e da organização social dos grupos sociais atingidos por seus impactos.

No Maranhão, conflitos sócio-ambientais se configuram desde o início dos anos 1980

e continuam a surgir novos, na medida em que as características impactantes do

modelo de desenvolvimento dominante se renovam com a retomada da capacidade de

investimento do Estado brasileiro (abalada pela última crise econômica mundial, mas

não comprometida em seus fundamentos) e são permanentemente anunciados novos

grandes projetos de desenvolvimento ou ampliação dos já existentes, que envolvem a

iniciativa privada e são de infra-estrutura ou produtivos, referidos a atividades ligadas à

industrialização, à agropecuária, à pesca industrial, à carcinicultura, ao turismo.

Mesmo que os impactos sejam discursivamente amenizados, por exemplo, através da

incorporação de noções como desenvolvimento sustentável, sustentabilidade,

responsabilidade social e ambiental, no momento em que a discussão da questão

ambiental toma uma crescente importância no cenário internacional, estes conflitos

continuam a surgir e/ou a aprofundarem-se, exigindo que sejam ampliados os estudos

sobre impactos sócio-ambientais e suas consequências.

Nas duas situações analisadas, há recorrência de denúncias junto ao Ministério

Público sobre a violação dos Direitos Humanos por parte das ações dos

empreendedores. Em Camboa dos Frades, os moradores foram impedidos de se

deslocar do povoado, ficando isolados e sendo ameaçados pela segurança da MPX.

No caso de Salvaterra, os moradores têm reclamado da presença de maquinários

(caminhões, tratores, máquinas) que ameaçam invadir as áreas de plantios (roças)

para ampliação das vias de acesso da Refinaria Premium I. Há notícias de

enfrentamentos físicos entre os trabalhadores rurais de Salvaterra e funcionários das

empresas terceirizadas dos serviços de terraplenagem. Por outro lado, temos

constatado com muita recorrência a presença de profissionais ligados ao setor de

“responsabilidade social” das empresas ou a órgãos estatais intencionados em forjar

situação de consenso na decisão de deixar as terras em troca de indenizações.

Observando a situação de grupos já deslocados, percebemos que as pessoas relatam

com arrependimento em ter aceitado o valor indenizatório, muitas vezes,

insignificantes se valorados em termos de serviços ambientais e sociais para esses

grupos (STEINHORST DAMASCENO, 2009) e se dizem “lesados”, além de que

relatam a perda de seus referenciais, pois, raramente, após o deslocamento, as

pessoas permanecem juntas aos seus parentes.

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86

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89

ANEXO VI

Artigo publicado nos anais do:

VIII Congreso Latinoamericano de Sociologia Rural - América Latina: realineamientos

políticos y proyectos en disputa. Porto de Galinhas-PE, 2010. p. 1-14.

(www.alasru.org/cdalasru2010/1%20trabalhos%20completos/GT-13/26-

8/GT13%20Bartolomeu%20Rodrigues%20Mendonça.pdf)

O MESMO E O OUTRO: jovens camponeses e a negação da cultura

campesina34

Bartolomeu Rodrigues Mendonça - [email protected]

Sociólogo, mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas, prof. do COLUN/UFMA e coordenador do GEDMMA/UFMA.

Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior - [email protected]

Sociólogo, doutor em Ciências Humanas [Sociologia], prof. do DESOC/PPGCS/UFMA e coordenador do GEDMMA/UFMA.

Introdução

Os modos e estilos de vida que se convencionou chamar de urbano e de

rural, com suas tensões, conflitos, disputas, distâncias, dissensos, consensos,

acordos, aproximações, têm sido bases de inúmeras pesquisas e,

consequentemente, resultado em produções acadêmico-literárias que buscam

demonstar as supostas distinções existentes entre esses mundos.

Diversos artigos, livros, reportagens podem ser consultados sobre a

temática incitando entendimentos os mais variados; como a ideia de que essa

relação urbano-rual está superada, que os campos sibólicos desses dois

espaços socioculturais foram aproximados pela moderna prática da circulção

34

Ponencia presentada al VIII Congreso Latinoamericano de Sociología Rural, Porto de

Galinhas, 2010

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90

de infomações. Entretanto, o que se pode perceber é que essa circulação de

informações, ao aproximar esses mundos distintos, ao invés de diminuir as

diferenças, fez com que elas se afirmassem, se confrontassem e se tornasem

mais visíveis (GUIMARÃES, 2002; SILVA, 2008; CASTRO, 2008).

Neste artigo, pretendemos discutir e problematizar as proximidades e

distanciamentos existenes entre campo e cidade. Para tanto, utilizamos os

dados e informações constuídos a partir de pesquisa de campo e bibliográfica

quando da elaboração do trabalho de pesquisa de mestrado realizado nos anos

de 2007 e 2008 em três povoados (Salgado, Bom Gosto e Porto da Roça) de

dois municípios do Estado do Maranhão (Icatu e Humberto de Campos).

Durante a pesquisa, percebemos que o número de jovens nos povoados

em estudo era desproporcional à quantidade de filhos que as famílias

informavam ter. Buscando invetigar o porquê dessa desproporcionlidade, o que

se percebeu foi que há uma idade em que os adolescentes são “obrigados” a

sairem para as áreas mais urbanizadas para continuar estudando; entretanto

esse “continuar estudando” não nos satisfez e nos gerou perguntas, questões:

o que se busca ao sair de casa para estudar? Seria somente a necessidade

por novos conhecimentos? E por que os conhecimentos locais não são/eram

suficientes? Em que esse sair contribuiu para a reprodução material e

simbólica do grupo?

Frente a estas questões resolvempos ajustar as lentes em busca de

compreensões sobre esse fato que diz muito sobre a relação simbólica entre o

campo e a cidade.

1. A organização social

Iniciemos com uma breve caracterização das famílias e dos jovens

desses povoados.

O estrato etário dos entrevistados mostra predominância de adultos,

já que os questionários foram direcionados para os provedores do grupo

familiar. As faixas etárias de 26 a 55 anos somam 64% da amostra. Ainda

assim, a participação dos jovens é significativa, 16% entre 12 e 25 anos

participam da estrutura produtiva dos povoados, os idosos, acima de 66 anos,

representam pouca participação, apenas 4% (Gráfico 1).

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Distribuição dos entrevistados por sexo

54

47%60

53%

Masculino

FemininoN = 114

Distribuição dos entrevistados por

faixa etária

16%

23%

23%

18%

16%

2%

2%12 a 25

26 a 35

36 a 45

46 a 55

56 a 65

66 a 75

Acima 76

lllll

N = 114

Gráfico 1. Distribuição dos entrevistados por faixa etária, 2008.

A amostra revelou um número maior de mulheres, sendo 53% de

sexo feminino contra 47% do sexo masculino (Gráfico 2). Isto pode explicar-se

pelo fato que elas ficam mais tempo em casa durante o horário diurno, período

utilizado para a aplicação dos questionários e, por isso mesmo, tenham

aparecido mais vezes, mas também as resposta demonstram suas

participações no processo produtivo dos povoados.

Gráfico 2. Distribuição dos entrevistados por sexo, 2008.

A maioria dos moradores é constituída por pessoas casadas ou que

moram junto. Estas duas categorias representam 81% das situações civis dos

moradores dos povoados, conforme a amostra tomada para análise, que

aponta, ainda, que 13% são solteiros, 4% e 2% são viúvos e separados,

respectivamente. A maioria dos entrevistados, também tem filhos, sendo que

86% responderam que têm filhos e 14% disseram que não (Gráficos 3 e 4).

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Distribuição dos entrevistados em

função do estado civil

13%

21%

60%

2%

4%Solteiro

Casado

Mora junto

Separdo

ViúvoN = 114

Se o entrevistado tem filhos

86%

14%

Sim

Não

N = 114

Número de filhos por entrevistado

15%

27%

32%

18%

8% Nenhum

1 a 3

4 a 6

7 a 10

Acima 10N = 114

Gráfico 3. Distribuição dos entrevistados em função do estado civil, 2008.

Gráfico 4. Se o entrevistado tem filhos, 2008.

Gráfico 5. Número de filhos por entrevistado, 2008. Gráfico 6. Número de filhos que residem fora do povoado, 2008.

Número de frilhos que reside fora

56%25%

18%1%

Nenhum

1 a 3

4 a 6

8 a 10

N = 114

A média de filhos é de 4,5 por casal. Sendo que 32% dos

entrevistados têm entre 4 e 6 filhos; 15% não têm filhos e 8% têm acima de 10

filhos. As famílias, geralmente, são numerosas, entretanto, boa parte dos

adolescentes e jovens não vive com os pais. 44% dos entrevistados têm pelos

menos um filho morando fora do povoado e destes 18% têm de 4 a 6 filhos

residindo fora. Os principais motivos, geralmente, são para estudar e/ou

trabalhar; sendo que, em 43% dos casos, os jovens saíram do povoado para

estudar e trabalhar; 16% só para estudar e 37% apenas em busca de postos

de trabalho (Gráficos 5 e 6).

Como as famílias não dispõem de recursos para manter os jovens

nos centros mais urbanizados, onde se oferece educação gratuita até o ensino

médio e, em tese, mais oportunidades de emprego, estes jovens co-habitam

com parentes, em alguns casos, de parentesco distante (68% dos que moram

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Motivo de residir fora do povoado

16%

37%

43%

4%Estudar

Trabalhar

Estudar e

trabalhar

Outros

Com quem reside fora do povoado

68%6%

4%

20%2%

Parentes

Amigos

Conhecidos

Sozinho

Outros

N = 114

N = 114

fora dos povoados vivem com parentes). Mesmo aqueles que saem para

trabalhar, terminam co-habitando com amigos ou parentes, porque,

geralmente, os empregos que conseguem não lhes auferem renda suficiente

para o provimento de alimentação, transporte, vestuário, aluguel ou mesmo

financiamento de um imóvel (Gráficos 7 e 8).

2. Sonhos de criança e de adulto também

“Quando achavam que a educação é ter diplomas, seguindo uma definição econômica da instrução, não tiveram professores nem escolas” (ETEVA, 2000).

Nos casos em que crianças, adolescentes e jovens que são

obrigados a saírem das casas dos pais para continuar estudando, o apoio de

familiares é fundamental, mas há casos que os adolescentes migram para os

centros urbanos para morar com “amigos da família” e, em situações extremas,

as crianças (na maioria meninas) deixam seus familiares e aventuram-se em

casas, na cidade, servindo de trabalhadoras domésticas, em troca de comida e

de abrigo próximo a uma escola pública.

Da amostra qualitativa realizada na pesquisa, constatamos que,

por algum motivo, 44% dos entrevistados têm filhos morando em outro

povoado, município ou estado. Fizemos um esforço no sentido de consultar a

literatura sobre informações semelhante, mas não obtivemos sucesso; a idéia

era comparar este percentual com outras realidades. Mas, em conversas

informais com outros pesquisadores que também estudam situações análogas,

há uma certa convergência no sentido de perceber que os povoados mais

distantes das sedes dos municípios do interior do Estado tendem a apresentar

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um corte na estratificação etária, sendo que a presença de adolescentes e

jovens não corresponde à proporcionalidade de adultos e a média de filhos por

família. De todo modo, se ficarmos apenas com a regularidade e

representatividade dos números, embora não desmerecendo sua importância,

a capacidade analítica, ao nosso juízo, fica comprometida, podendo impedir

algumas inferências, afinal a frieza numérica não mede nem expressa os

sentimentos, as expectativas e os sonhos que habitam os imaginários de filhos

e pais que se inserem nesse cenário.

Sendo assim, a descrição de situações de crianças que deixaram

suas famílias para estudar, no município de São José de Ribamar35, nos serviu

como referência para compreensão das “maneiras de agir, de pensar e de

sentir” (DURKHEIM, 2001, p. 32). Ou conforme sugere Jara (2001, p. 260): “As

pessoas movimentam-se a partir de pensamentos, sentimentos, referências e

representações elaboradas no cotidiano da vida social”, ou seja, é importante

discutir e problematizar as motivações que fazem com que os pais de um

grande número de crianças optem por enviar seus filhos a aventurarem-se nas

escolas públicas dos centros urbanos e quais as expectativas destes meninos

e meninas.

A família de João36 vive no povoado de Bom Gosto, Icatu,

Maranhão. João tem nove irmãos, seis dos quais já saíram de casa, ficando

apenas os mais novos. João tem doze anos, estudou na escola municipal do

povoado até a 4ª série do ensino fundamental, pela metodologia do

multisseriado37.

A vez de João, seguindo o histórico familiar de migração para

estudar ou trabalhar, coincidiu com nossa etapa de trabalho de campo de 09 a

12/02/2008. Nos primeiros dias de campo, a Sra. Teresa, mãe de João, nos

indagou se poderíamos levá-la no carro que estávamos; a viagem seria para

deixar seu filho na casa de um conhecido, em São José de Ribamar, para

35

São José de Ribamar é um dos quatro municípios que compõem a Ilha do Maranhão, onde fica a Capital do Estado, São Luís. 36

João é o pseudônimo de um adolescente que migrou de Bom Gosto para São José de Ribamar, esta opção tem o objetivo de preservar a identidade do menino. Os nomes dos seus familiares, quando aparecerem, também gozarão deste artifício. 37

Numa mesma sala de aula e com uma única professora, estudam alunos de várias série escolares diferentes.

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continuar os estudos, nos revelando, mais tarde, que já havia uma filha sua

morando na referida residência.

A Sra. Teresa (entrevista concedida em 11/02/2008) manifestou

em várias ocasiões preocupações com os filhos que estão distantes. Pergunta-

se se eles estão bem, se vão conseguir “ser alguém na vida”. Para ela, seria

bom que seus filhos estivessem juntos, mas afirma: “é melhor para eles, aqui é

essa coisa de sempre, não tem futuro”. E, chorando, já começa lamentar a falta

que João fará no dia-a-dia, nos afazeres domésticos: “quando o menino tá

começando a ajudar, ele tem que ir embora, ele já fazia mandados, ia no

Salgado dar um recado, comprar uma coisa, já ajudava o pai dele na roça.

Agora vai ficar só nós e esses dois pequeninos, mas eu sei que é o melhor

para ele”.

Na mesma ocasião que a Sra. Teresa deixou seu filho na casa de

amigos, no município de São José de Ribamar, ela iria a São Luís para visitar

outra filha que também estava em casa de amigos da família, mas que,

conforme afirmara, “estava dando problema”. Segundo a Sra. Teresa, na casa

em que morava sua filha “a dona não estava lhe dando nada”, embora elas

tivessem firmado acordo que a menina seria remunerada em R$ 100,00 (cem

reais) por mês. Dona Teresa se mostrou muito ofendida, afirmando que não

entendia porque aquela senhora estava fazendo isso com sua filha, pois

conforme nos revelou: “ela sempre foi muito boa, eu morei muitos anos na casa

dela e nunca tive problemas”.

A segunda situação, diz respeito a Maria38, uma adolescente de

quatorze anos que vive há dois anos com o tio, também em São José de

Ribamar, cujos pais residem em Porto da Roça, Humberto de Campos,

Maranhão.

Na primeira etapa de trabalho de campo, conheci os pais de

Maria. Eles falavam muito sobre sua filha que está estudando, é muito

inteligente e sonha ser juíza. Quando retornei ao Porto da Roça, nos dias 16 a

19/11/2007, por ocasião da Festa de Nossa Senhora da Vitória, em uma

viagem de seis horas de barco, tive a oportunidade de observar o retorno de

diversos jovens em função da festa, inclusive Maria.

38

Neste caso, também, utilizamos pseudônimos.

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Como que querendo aproveitar cada momento daquele retorno, a

adolescente não parou um instante. Durante o dia, visitava os amigos e à noite

estava na festa, mas no último dia consegui uma conversa com ela. Nesta

ocasião, ela e sua mãe já estavam começando a sentir a distância e choravam

porque iam se separar novamente.

Maria (entrevista concedida em 19/11/2007) informou que cursara

da 5ª à 7ª série na sede do município de Humberto de Campos, mas como

havia muita falta de professores e a qualidade do ensino não era boa, a família

resolveu que a menina fosse para São José de Ribamar. Do bairro em que

mora, Maria precisa andar, todos os dias, quarenta minutos para chegar à

escola, depois mais quarenta minutos para retornar para casa. Ela pensava

que seria melhor sua ida para um município que faz fronteira com a capital,

mas revela que “é muito cansativo, meus pais não têm como mandar dinheiro

para pagar passagem todo dia e também falta professor na escola”.

A necessidade de sair de um lugar em busca de melhores

condições39 para uma criança, adolescente ou jovem, parece totalmente

naturalizada no imaginário dos moradores destes povoados, inclusive tem

quem afirme que não manda seus filhos estudarem em centros urbanos porque

não tem condições financeiras de mantê-los. Mas, como pano de fundo,

aparece uma questão talvez óbvia: por que o imaginário desses moradores é

preenchido com a firme idéia de que, fora dali, há a redenção para as

dificuldades, principalmente das gerações mais jovens? De onde vem esta

certeza? Há casos que reforçam esta idéia?

Relação campo-cidade: o desejo, a ideia e o discurso

Séculos de propaganda de um discurso sobre um suposto estilo

de vida urbano40= civilizado = cortez, com vestuário, linguagem,

39

No caso em análise, essa suposta melhoria de condição vida tão sonhada tanto pelos pais dessas crianças e jovens quanto por elas mesmas refere-se a buscar mecanismo que garantam seus acessos ao que é produzido material e simbólicamente na cidade. Não se pensa na possibilidade de se deparar, na capital São Luís, com a periferização, com as condições duras e desumanas, que gravitam em torno de um núcleo urbano imaginado como chique, charmoso e glamoroso (Montanaro, 2010). 40

Ao consultar o dicionário Houaiss & Villar (2001) da língua portuguesa veremos que urbano coincide, é sinônimo, de “afável, civilizado, cortez, polido, fino, relativo ou pertencente à cidade”, e antônimo de “abrutalhado, descortês, inurbano, rural, rústico, caipira, malcriado e tolo”.

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comportamento, etiqueta próprios fizeram com que fosse eleito como “O” modo

de vida humano, por excelência.

Afinal, conforme sugere Foucault (1996, p. 10):

Por mais que o discurso seja pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é também, aquilo que é o objeto do desejo; visto que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo quê se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.

Os enredos discursivos dos moradores dos povoados pesquisados

são direcionados pelo discurso da cidade e para apoderarem-se deste discurso

dominante é preciso viver a objetividade dominante.

Vive-se em um mundo permeado por informação, tecnologia e consumo, e a sociedade do espetáculo apresenta-se como capaz de combinar o inconciliável, o injustificável, de criar e recriar necessidades ou carências fundamentais não-realizáveis (GUIMARÃES, 2002, p. 296).

As mentes, as subjetividades têm sido atravessadas por códigos

discursivos e etiquetas sociais que valorizam hábitos, atitudes e estilos de vida

que, além de serem contrários a uma suposta mudança de paradigma de

produção e de consumo, fazem com que os mercados se mantenham

sobrepostos aos outros aspectos da vida. Jara (2001, p. 259) tem contribuído

para compreendermos estas questões quando diz que:

Os potenciais invisíveis, energias e pulsões inerentes aos códigos cultural e emocional, precisam ser integrados ao processo de desenvolvimento local. Esses potenciais vêm sendo utilizados pela publicidade na estruturação da subjetividade totalitária que molda o comportamento da massa de consumistas pelo prazer a curto prazo. Há especialidade exitosa na manipulação dos sentimentos, criando ou suprimindo identidades em favor do mercado.

Para muitos, então, é melhor viver nas periferias das cidades41 do

que longe delas. Ter a sensação de compartilhar do mesmo espaço simbólico e

discursivo e de acesso às benesses urbanas dos mercados, em certa medida,

é o que move milhares de pessoas para as cidades e os jovens são especiais

41

Embora seja arriscado conceitual e metodologicamente utilizar uma suposta dicotomia entre cidade/urbano e outros espaços físicos e simbólicos, quando falamos de cidade não se trata de lugar físico apenas, mas principalmente como espaço sociosimbólico que guarda códigos morais, estéticas e etiquetas que têm sido difundidas como “arbitrário cultural dominante” (BOURDIEU; PASSERON, 1992), tanto é que muitos, consumindo a estética e a lógica citadina, não precisam viver na cidade fisicamente constituída.

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nesse processo, uma vez que servem como reprodutores do sistema, como

sucessão geracional do ideal de cidade supostamente almejado pelo campo.

Por outro lado, há casos, é evidente, dos que, não precisando estar perto

fisicamente da cidade, relacionam-se por outros meios: têm o estilo de vida

urbano, formaram-se nos centros renomados, acumularam bens materiais e

agora levam a tecnologia (inclusive de transmissão de dados e informações

ditos de última geração) e todo o simbolismo do mundo urbano para conviver

geograficamente distante das cidades.

Há, portanto, não apenas a busca por melhoria objetiva de uma

suposta condição de vida nem uma migração espontânea para o espaço físico

das cidades, mas o que se deseja é o reconhecimento da condição humana,

que muitas vezes é negado aos estilos que estão fora do escopo discursivo

e/ou objetivo da civilização do consumo, materializada na cidade. Para tanto,

há uma forte tendência por parte das gerações que se sucedem em negar os

códigos morais e de conduta, os vocabulários, os gestos e as técnicas

corporais que definem o ser campesino em oposição ao citadino. Essa

negação de si e dos seus aperece como uma estratégia em busca de aceitação

pelo espaço urbano.

Entretanto, isso não ocorre de modo linear, fácil e definitivo. Há,

entre os jovens dos povoados base desta pesquisa, certa dualidade em se

sentir pertencente ao campo, mas respeitado e inserido no escopo simbólico da

cidade, de sair da suposta condição de inferioridade por ser do mundo rural.

Nesta direção, poderíamos recorrer às proposições de Elias e

Scotson (2000, p. 24):

Afirmar o rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas mais usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social, o estigma social imposto, costuma-se penetrar na auto-imagem e com isso enfraquecê-la e desarmá-la.

Há uma busca de sair da condição de indolente, bárbaro, ignorante

para a condição humana, ser reconhecido, e nada melhor do que transitar e ser

aceito na instituição escolar que tem como objetivo transmitir e reforçar os

acordos sociais, as comovisões, os estilos aceitos ou rejeitados no contexto

social dominante (BOURDIEU; PASSERON, 1992). Então, com relação às

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crianças, adolescentes e jovens que saem de suas casas para estudar nos

centros urbanos, supõe-se que também buscam apoderar-se do plano teórico,

prático e discursivo próprio do grupo de maior poder na sociedade, o grupo

urbano.

Geralmente nas cidades, ainda que naquelas chamadas de

“modelo”, há um núcleo com toda estrutura que disponibiliza conforto e

comodidade e ao mesmo tempo uma região, bem maior que o núcleo, que

carece de infraestrutura mínima de abastecimento de água, de coleta de lixo,

sistema de esgoto, com moradias precárias, ou seja, as cidades (o lugar da

realização dos sonhos) jamais foram justas com todos os seus moradores. Mas

uma coisa é verdade: ela sempre aponta para a possibilidade (ainda que

fictícia) de ascensão social, e isso move vidas e gerações inteiras. Há casos

que os pais transferem a missão, o sonho, o desejo para os filhos; nesta

pesquisa de campo mesmo, certo interlocutor dizia que: “eu já estou velho,

cansado, mas os meninos podem ainda ir para a cidade, estudar, trabalhar e

ter uma vida melhor”.

Mesmo com as suas contradições, os aspectos interditados da

cidade conseguem ser camuflados e a matemática dos valores tem sido

favorável à conduta e à etiqueta urbana. O que leva, em alguns casos, aqueles

grupos ou pessoas que não compartilham deste território simbólico a

vivenciarem “afetivamente sua inferioridade de poder como um sinal de

inferioridade humana” (ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 28).

Os grupos com pouco ou nenhum poder de consumo da estética, da

gramática e da etiqueta da porção dominante da sociedade são, em alguns

casos, “vistos – coletiva e individualmente – como anômicos” (ELIAS;

SCOTSON, 2000, p. 26); em outros casos, pela sua condição próxima à

natureza, pela sua inocência são lidos como detentores de poder de salvação

da humanidade que se afastou da mãe natureza (DIEGUES, 1996), mas, em

ambos os casos, opera a idéia de tutela, de que se faz necessária a

intervenção dos donos do conhecimento e da técnica para direcionar os

caminhos dos grupos de menor poder.

No primeiro caso, os centros de referência acadêmica e tecnológica

e as instituições governamentais de planejamento agem com programas e

projetos capazes de remediar tal condição, já na segunda possibilidade estes

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centros e instituições defendem a preservação da cultura do grupo local

(SOUSA; FURTADO, 2004 e BUARQUE, 2002).

Como há uma aceitação tácita de que é necessário às crianças e

aos jovens irem para a escola, parece que o simples preenchimento desta falta

seria o suficiente ou, como alguns advogam, é preciso ir por partes, primeiro

escola para todos, depois se pensa que tipo de escola pode atender às

demandas. Mas será que uma escola distante espacial e simbolicamente dos

territórios socioculturais dos povoados de pescadores e lavradores atende às

suas demandas? O simples fato das crianças saírem para estudar na cidade ou

mesmo levar o modelo de escola universal (leia-se com os códigos e objetivos

dos grupos dominantes) para os povoados atende às necessidades objetivas e

simbólicas destes grupos?

Ou seria conforme sugere Freitag (1980, p. 38):

[...]„toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica‟: no caso da hegemonia burguesa, trata-se essencialmente do processo de aprendizado pelo qual a ideologia da classe dominante se realiza historicamente, transformando-se em senso comum. É uma pedagogia política, que visa a transmissão de um saber, com intenções práticas.

A proposição de uma educação deslocada da realidade dos

povoados aqui investigados leva a resultados que geralmente são

negligenciados pelos agentes e instituições educacionais, ou seriam esses

resultados os realmente pretendidos por estas instituições? No caso de João,

por exemplo, sua mãe reclama que o menino tem muita dificuldade de

concentração, de acompanhar o ritmo das aulas, e os conteúdos; do mesmo

modo ao retornar para o povoado sente dificuldade com o trabalho da roça ou

da pesca, pois o corpo perdeu o condicionamento das técnicas apreendidas na

labuta diária, gerando uma certa liminaridade, ou seja, o menino desaprende

técnicas essenciais para o modo e meio de vida (MAUSS, 2003) nos povoados

ao mesmo tempo que não consegue assimilar as novas técnicas intelectuais e

comportamentais da escola tipicamente urbana.

Conclusão

Ao sair do espaço material e simbólico rural, os jovens dos povoados

Salgado, Bom Gosto e Porto da Roça, negam, ainda que implicitamente, a si e

ao grupo, bem como seu modo de ser e compreender o mundo.

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O desejo pelo consumo estético do urbano em contraposição ao

rural, faz com que a dicotomia rural-urbana se mantenha objetiva e é reforçada

por instituições como a escola, que tem em seu escopo curricular os

paradigmas do urbano. Isso faz com que se crie e reforce, no âmbito do

simbólico, o lugar do bem viver, da melhoria de vida, ainda que não se confirme

materialmente nos centros urbanos. Porque, embora se tenham as cidades

imersas em violências, poluições, periferizações, os símbolos do bom lugar

ainda são mantidos no âmbito do discursos como também dos lugrares

referência: shopingg, bairros nobre, ruas e avenidas largas e iluminadas.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Trad. Reynaldo Bairão. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

BUARQUE, Sérgio C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

CASTRO, Elisa Guaraná de. JUVENTUDE RURAL: UMA LUTA COTIDIANA. In: Ciências Hum. e Soc. em Revista. Seropédica, RJ, EDUR, v. 30, n. 2, jul-dez., p. 25-31, 2008.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2001.

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio, 9. ed. São Paulo: Loyola, 1996.

FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e sociedade. 4. ed. São Paulo: Morais, 1980.

GUIMARÃES, Maria Teresa Canesin. Juventude, educação e campo simbólico. In: Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002.

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JARA, Carlos Julio. As dimensões intangíveis do desenvolvimento sustentável. Brasília: Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), 2001.

MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In: Sociologia e antropologia. Tadução: Paulo Neves, São Pulo: Cosac Naify, 2003.

MENDONÇA, Bartolomeu. A natureza “é mina, não acaba nunca”: uma avaliação da sustentabilidade na Baía do Tubarão na percepção dos seus moradores. São Luís, 2008. 92 p. Programa de Pós Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas, mestrado. Universidade Federal do Maranhão.

MONTANARO, Silvestro. Não vale. Filme, 75 min, São Luís: JnT, 2010.

SILVA, Renata Rastrelo e. CAMPO E CIDADE: uma experiência de interação: distrito de Martinésia e a cidade de Uberlândia. In: CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v.3, n. 5, p. 63-92, fev. 2008.

SOUZA, José Ribamar Furtado de; FURTADO, Eliane Dayse Pontes. (R)evolução no desenvolvimento rural: território e mediação social: a experiência com quilombolas e indígenas no Maranhão. Brasília: Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, 2004.

Juventude rural: entre ficar e sair. Entrevista com Elisa Guaraná, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Disponível em: http://www.observatoriojovem.org/materia/juventude-rural-entre-ficar-e-sair. Acesso 21/05/2010, às 20:50.

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ANEXO VII

Artigo publicado nos anais do:

VIII Congreso Latinoamericano de Sociologia Rural - América Latina: realineamientos políticos y

proyectos en disputa. Porto de Galinhas-PE, 2010. p. 1-20.

(http://www.alasru.org/cdalasru2010/1%20trabalhos%20completos/GT-

7/1SET/GT7%20Horácio%20Antunes%20de%20SantAna%20Júnior.pdf).

REFINARIAS DE PETRÓLEO E GRUPOS SOCIAIS LOCAIS; LÓGICAS

CONFRONTANTES NO BRASIL E EM ANGOLA

Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Dr. em Ciências Humanas (Sociologia)

Universidade Federal do Maranhão. [email protected]

Maria José da Silva Aquino, Dra. em Ciências Humanas (Sociologia).

Universidade Federal do Pará. [email protected]

No município de Bacabeira, situado no estado do Maranhão, na

Amazônia Legal e na região Nordeste do Brasil, às margens do rio Itapecuru, e

na cidade do Soyo, província do Zaire ao norte de Angola, no estuário do rio

Congo, encontram-se em andamento estudos e ações iniciais para a instalação

de duas grandes refinarias de petróleo em territórios tradicionalmente

ocupados por grupos sociais rurais.

Essas refinarias, para serem instaladas, provocam o confronto de

lógicas de ocupação territorial diferenciadas. Dentre essas lógicas, o trabalho

apresentado focaliza seu interesse em duas diametralmente confrontantes: 1) a

lógica do empreendimento, que torna invisíveis os grupos sociais locais e

percebe o território como espaço vazio e disponível para fortes intervenções

ambientais e sociais; 2) a lógica dos grupos locais, que percebe o território

como sendo pleno de significados, fonte de sobrevivência e espaço de

realização de modos de vida próprios, tradicionalmente estabelecidos e

relativamente pouco impactantes ao meio. Visamos aqui fazer uma

comparação, com ênfase nas especificidades, de duas experiências societárias

que se desenrolam a partir de políticas desenvolvimentistas relacionadas ao

processamento de combustíveis fósseis em larga escala.

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No caso de Angola, maior produtor de petróleo ao sul do Sahara,

recurso que responde por 80% das exportações daquele país, 70% deste

produto, explorado sob o comando da Chevron Texaco, vem da costa da

província de Cabinda na qual, até bem recentemente, grupos oposicionistas

locais, como a Frente de Libertação do Estado de Cabinda, disputaram pela

instalação da segunda refinaria angolana em seu território, alegando a

necessidade de investimentos na modernização da estrutura econômica com

vistas à ampliação de oportunidades de emprego para seus habitantes. As

atividades de refino em Angola são realizadas através de uma parceria entre a

estatal Sonangol e a Petrobras.

No caso do Maranhão, a Petrobras, ao anunciar a construção da

Refinaria Premium no município de Bacabeira, planejada para ser a maior

refinaria já construída no Brasil e uma das maiores do mundo, encontra a

resistência do povoado de Salva Terra, cujos moradores resistem ao

deslocamento compulsório de seu território ancestralmente ocupado, contando

com apoio de movimentos sociais e ambientais.

Em ambos os casos, porém, a expansão da estrutura de refino de

petróleo não tem indicado possibilidades de inclusão social de populações

tradicionalmente identificadas com atividades como a agricultura, caça, pesca e

a criação de animais, ameaçadas pelas atividades comumente identificadas

com a modernidade e o desenvolvimento pela alta inversão de capital em

novas tecnologias, caso das estruturas de produção de combustíveis fósseis.

Além do que, a questão dos riscos ambientais se amplia. Procuramos perceber

como, em cada uma das regiões estudadas, podem ocorrer confrontos,

alianças, distanciamentos e aproximações na relação entre empresas, Estado,

movimentos sociais e grupos locais.

Berlin e Simulambuco: Angola e o Enclave (“exclave”) de Cabinda:

Angola, segundo maior produtor de petróleo do continente africano,

conta na província de Cabinda, à margem norte do estuário do rio Congo, com

mais de 60% de toda a produção de petróleo do país. É uma província que

guarda, em relação ao bloco das outras províncias que compõem o Estado

angolano, um diferencial. Na divisão do ex-reino do Congo em possessões

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portuguesa, belga e francesa, no quadro geral da Conferência de Berlim42

garantiu-se, uma saída para o mar para os domínios belgas até então

geopoliticamente desfavorecidos nesse sentido. E, para tanto, acionou-se o

argumento de defesa da garantia da liberdade de comércio, da navegação dos

rios Congo e Níger e da interdição de tráfico de escravos. Como refere

Venâncio (2000: 84), a Conferência de Berlin não contou com a participação de

nenhuma autoridade africana interlocutora dos europeus durante a fase

mercantilista. Arbitrariamente, entre si, as potências coloniais ratearam o

continente e Cabinda, que até aquela altura era um território soberano, assinou

com as autoridades portuguesas, em 02 de fevereiro de 1885, o Tratado de

Simulambuco, tornando-se um Protetorado de Portugal.

O território, hoje, continua sob a dominação política de Angola, porém,

na condição de “exclave”, ou seja, não mantendo com esta ligação por via

terrestre, pois é separada do resto do país pelo Estado do Congo. Apesar

dessa anexação remontar ao século XIX e desde então ter sido objeto de

questionamento, pois a anexação de Cabinda à Angola em 1974, segundo

Milando (2005), violou o Tratado de Simulambuco, importa para este momento

destacar o recrudescimento deste questionamento a partir do início do século

atual. Assim, grupos locais em Cabinda reivindicam independência em relação

à Angola desde 2002, quando o último acordo de paz encerrou a guerra civil

naquele país, mantendo-se, no entanto, na prática, uma estrutura de

organização de poder centralizado e de partido único.

Figura 2 Província de Cabinda e Angola

42

Conferência Africana ou do Congo, ocorrida no período de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, solicitada por Portugal e acolhida por Otto Von Bismarck, então chanceler alemão. Também conhecida por Conferência de Berlim, representa a organização das regras para ocupação da África de acordo com os interesses coloniais. Treze países europeus assinaram o ato resultante desta conferência que, de acordo com os especialistas, não reconheceu as culturas locais, a diversidade étnica, outras delimitações de territórios produzidas pelos povos lá estabelecidos. Estiveram lá presentes também delegações da Rússia, Estados Unidos e Turquia (Cf. Venâncio, 2000; Pain, 2007; Pereira, 2008).

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Fonte: (www.cabinda.net). Acesso em 01/07/2010

De acordo com a Associação Cívica de Cabinda (Mpalabanda),

Angola e Cabinda foram governadas de forma diferenciada pelos portugueses

e, mesmo após a independência de Angola, essa diferenciação de tratamento

continuou, apesar e por causa da importância geopolítica de Cabinda.

Importância esta baseada na contribuição do petróleo de Cabinda ao PIB de

Angola, o que justificaria uma participação diferenciada da Província nos

rendimentos auferidos pelo Governo com exportações e royalties deste

produto. As relações entre a resistência em Cabinda representada pela Frente

de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), criada em 1963, e as forças

militares do Governo têm sido tensas. A repressão a este movimento tem sido

denunciada por lideranças locais, como o ex-padre Raúl Tati, atualmente

preso, junto ao colega Francisco Luemba, acusado de atentar contra a

Segurança do Estado. De acordo com a Anistia Internacional, a prisão foi

efetuada imediatamente após o atentado à Seleção do Togo, que resultou na

morte de duas pessoas, quando chegava à Cabinda onde participaria de um

jogo do CAN (Copa Africana das Nações). Raúl Tati, professor da Universidade

em Cabinda, liderança, militante dos direitos humanos, membro da ONG

“Associação pela Vida”, tem elaborado relatórios, desde 2002, sobre violação

dos direitos humanos na província, chamando a atenção em suas

manifestações para o autoritarismo do Estado Angolano através do MPLA,

assim como os métodos de resistência das FLEC, que não tem tido

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sensibilidade para o diálogo, para o reconhecimento de outras frentes e

interesses43. A resolução pacífica do conflito entre as FLEC e o Estado

angolano é o que tem preconizado o movimento do qual participam as

lideranças acima referidas.

Enquanto isso o contingente populacional da capital da Província, a

cidade de Cabinda, cresce com a chegada constante das pessoas que

abandonam as áreas rurais mais próximas às florestas nas quais tanto estão os

guerrilheiros das FLEC quanto inúmeros destacamentos do controle militar do

Estado. Acorrem à cidade em busca de tratamento para a malária e na

esperança de encontrar trabalho nas construtoras partícipes da investida

modernizadora em marcha. Bem representativo deste estilo é o recentemente

estádio de futebol construído por uma empresa chinesa. O Estádio

Internacional de Chiazi, em Cabinda, um empreendimento orçado em 85

milhões de dólares, com capacidade para 20.000 pessoas, inaugurado a 30 de

dezembro de 2009, para recepcionar jogos da Copa Africana das Nações 2010.

Questão social e ambiental: da malária ao afastamento dos peixes

Nessa atmosfera, a ação militar repressora tem sido a maneira mais

marcante da relação do Estado com a população em Cabinda e, para o maior

produtor de petróleo de Angola, que conta também com a exploração da

madeira na Floresta do Mayombe, na fronteira com o Congo, a destituição

social e os prejuízos ambientais traduzem-se de forma flagrante na presença

quase “naturalizada” da malária, à qual as autoridades locais, segundo a

Agência Angola Press, em 21 de abril de 2010, assim têm reagido:

Cabinda - Dois mil e 452 casos de malária, 45 dos quais resultaram em óbito, foram registrados de janeiro a março do ano em curso, a nível da província de Cabinda, informou hoje (quarta-feira), à Angop, Maria Angelina Nunes, do programa provincial de combate à doença. (...)

Em 2009, foram distribuídas mais de 20 mil redes mosquiteiras às mulheres grávidas e crianças menores de cinco anos. Para as festividades do Dia Mundial da Malária, a comemorar-se a 25 deste mês, está prevista a realização de uma feira de mosquiteiros, no centro médico de Lombolombo (Notícia veiculada em 16 de março de 2010, consultada em www.portalangop.co.ao).

43

Violação dos Direitos Humanos Continua em Cabinda. Apostolado, 2003-04-21, disponível em www.cabinda.net/church2.htm. Ver também “Angola urged to free prisoners of conscience facing trial over Togo football team attack”, publicado no sítio da Anistia Internacional – www.amnesty.org). Acesso em 10 de julho de 2010.

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108

A presença da malária, da tuberculose, de uma estrutura escolar,

habitacional e hospitalar insuficiente, iluminação pública e saneamento básico

também, compõe um território em cuja costa está instalada moderna estrutura

de produção de petróleo, blindada, independente: o autosuficiente Centro de

Operações de Produção da Chevron em Angola. Um centro administrativo

terrestre e campo marítimo de produção de petróleo, estrutura jamais afetada

pelos conflitos, guerra civil, movimentos armados, precariedade social e política

que lhes rodeia. Mas, os segmentos populacionais agricultores, extrativistas e

pescadores, esses sim, têm seus modos de vida alterados nestas

circunstâncias. A pesca, por exemplo, é uma das atividades mais afetadas.

Recentemente, a Associação dos Pescadores do município do Cacongo, que

representa mais de 1000 pescadores, manifestou-se apontando o derrame de

petróleo na costa e a destruição dos mangues na foz do rio Chiloango como

causas do desaparecimento dos peixes.

Em 08 de julho de 2010, foi veiculada uma matéria na Televisão Pública

de Angola sobre a situação dos pescadores no mar de Cacongo, litoral de

Cabinda, onde está situada a foz do rio Chiloango, cujo manguezal encontra-se

em elevado estado de degradação produzido pelos derrames de petróleo e

pelo fechamento de manilhas sobre a estrada que liga Cacongo a outros

municípios. Essas manilhas permitiam a comunicação da área de mangue com

o mar e, por consequência, garantiam condições adequadas à reprodução dos

peixes. Fechadas as manilhas, a água estagnou, a vegetação segue morrendo

e o volume de pescado é afetado. Estudos realizados por pesquisadores da

Universidade de Atlanta (EUA), apoiados pela Chevron, sobre a situação

ambiental da foz do rio Chiloango têm sido feitos atribuindo-se as causas à

ação do homem. Assim como alguns pescadores têm obtido da empresa

indenizações que têm variado de 150 a 1000 dólares, o que, segundo José dos

Santos, presidente da Associação dos Pescadores de Cacongo, não é

suficiente para compensar os prejuízos causados pelos derrames de óleo às

atividades de pesca artesanal (www.jornaldeangola.sapo.ao abrigado em

www.angonoticias.com. Acesso em 28 de junho de 2010).

Evidentemente, os acidentes com derrame de óleo no mar são mais

visíveis e às reações a estes, ainda que de maneira tímida, restrita à

verbalização da insatisfação dos diretamente atingidos quando demandados,

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109

são colocadas de imediato. Mas, sabe-se que a indústria do petróleo e do gás,

cuja fronteira avança continuamente, desde as atividades de prospecção, seja

no mar ou em terra, faz parte do conjunto de atividades econômicas

consideradas mais impactantes nos sistemas de vida, com desdobramentos

em conflitos sociais que vão dos países amazônicos até a Birmânia, passando

pela África, onde a Nigéria é paradigma da relação entre violação dos direitos

humanos e produção de petróleo. Produção de conflitos nos quais se

combinam a defesa dos direitos humanos e a defesa do meio ambiente. Como

refere Martinez Allier em O Ecologismo dos Pobres (2007: 157-58), os conflitos

relativos à produção de petróleo nas zonas tropicais podem, a partir de

experiências com a democracia em muitos países, se apresentar em termos de

demandas a tribunais internacionais por pagamentos de passivos ambientais

gerados, medidas compensatórias aos danos causados às pessoas que

perdem em capacidade de provisão de seu sustento em decorrência desse tipo

de atividade sob o comando de companhias transnacionais, às quais os

governos têm optado geralmente por não enfrentar.

As províncias de Cabinda e Zaire estão na área de influência da Bacia

do rio Congo, zona marítima de Angola. Trata-se de zonas compostas por

ecossistemas frágeis dos quais depende a sobrevivência de grupos locais com

modos de vida e relações com os recursos naturais orientados pela lógica da

subsistência. A esse nível, a capacidade de regeneração dos recursos não é

comprometida. O rio Congo é o nono maior rio do mundo em extensão e o

segundo em caudal; o único que atravessa duas vezes a linha do Equador.

Como a bacia do Amazonas, a bacia do rio Congo, é reconhecida pela

presença de exuberante diversidade de flora e fauna além de recursos

pesqueiros de alta importância, embora já apresentando indicadores de

ameaça significativos. Ao exemplo do Delta do Níger, na Nigéria, onde a

degradação ambiental e social agudizada pelo avanço da fronteira de produção

de petróleo atingiu níveis preocupantes. Mas, ao contrário da situação de

Angola, na Nigéria, um movimento social encontrou lugar desde fins dos anos

de 1990 e tem resistido combinando estratégias e discursos da proteção do

ambiente, do respeito aos direitos humanos e dos direitos territoriais indígenas

Martinez Alier (2007: 148-154).

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110

O avanço dessa fronteira da indústria petrolífera, o que indica que o

consumo desse tipo de energia continua a se expandir, apesar de todas as

advertências colocadas pelos especialistas na questão dos riscos da produção

e utilização deste tipo de energia (Jernelov, 2010), está certamente relacionado

às mudanças no equilíbrio ecossistêmico do delta do Congo. A pressão da

exploração dos recursos naturais levou em 2001, o biólogo da conservação,

José Márcio Ayres44 afirmar ser o caso da Bacia do Congo preocupante do

ponto de vista da degradação ambiental. O que justificava em boa medida o

trabalho de conservação de ecossistema de várzea no médio Solimões com a

criação e a gestão das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e

Amanã. De acordo com este pesquisador, o que se buscava na Amazônia era

justamente evitar as situações já atingidas tanto naquela região da África

quanto na China, onde incidia representantes ecossistêmicos equatoriais

correspondentes, cujo equilíbrio, de acordo com este especialista,

encontravam-se já bastante comprometidos.

Refinar gás natural no Soyo – como, por quê e para quem?

Os depósitos de petróleo e gás da bacia do Congo vem sendo

explorados desde os anos de 1970. Atualmente o petróleo constitui-se em

componente a contribuir com 45% do PIB de Angola. 70% desta produção é

realizada na zona costeira de Cabinda, um dos motivos pelos quais grupos

locais reinvindicam a independência da Província assim como também colocou

em causa, a construção da refinaria na província do Zaire, levando para fora da

maior produção do gás, os empregos que seriam gerados com a instalação da

terceira refinaria45. A Chevron (ex-Texaco) é a empresa que detém o controle

das atividades petrolíferas, e tem como sócia a estatal Sonangol (Sociedade

Nacional de Combustíveis de Angola). Parte significativa dessa riqueza

produzida é exportada e as rendas obtidas de acordo com os estudos de Pain

44

Entrevista concedida a Maria José da Silva Aquino em abril de 2001. Capítulo 7 da tese “A Casa dos nossos gens”: um estudo sobre ONGs ambientalistas na Amazônia. Referência completa ao final do artigo. 45

A primeira refinaria construída em 1958 está localizada em Luanda, tem hoje capacidade para processar 65 mil barris/dia. A segunda está sendo construída em Lobito, província de Benguela, a Sul de Luanda. Para a de Lobito, projetada para processar 200.000 barris/dia, prevê-se o início das operações para 2014.

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(2007) e o BTI 2010, Angola Country Report (2010)46, ainda não significou

mudança na estrutura da distribuição da riqueza.

Ainda de acordo com as fontes já referidas, nos períodos de guerra, que

começou nos anos de 1960, com a venda de óleo e diamantes financiou-se

armamentos. Mesmo depois da independência em 1974/75, as elites locais,

representantes dos interesses da antiga metrópole continuaram a gerir os

negócios do Estado de modo não democrático. E em mais de três décadas de

conflitos condições não houveram para organizar no país uma democracia

traduzida numa participação política e econômica de diversos segmentos

sociais, sem o peso do autoritarismo, do clientelismo, e de um capitalismo

predatório. Ao contrário, reconhecem os analistas que,

“Shortly after independence, the MPLA47

regime formed strategic alliances with multinational oil corporations. It financed its military and economic projects almost entirely throug oil revenues, which rendered the productive capacities of mosto f the population” (BTI 2010 - Angola Country Report, p. 4)

Diante de um quadro político controlado quase que absolutamente pelo

MPLA e, já há mais de trinta anos, os esforços modernizadores, do que vem

sendo referido como “petro-diamond capitalism”, e de manutenção do último

acordo de paz obtido em abril de 2002 após a morte do líder da UNITA Jonas

Savimbi, de acordo com o relatório em análise pode ser assim apresentado.

The overall political regime remained the same and was extended to the previously UNITA-dominated areas, but as early as 2003 a transformation process that has since been defined as “authoritarian reconversion” began. Its main thrust was a consolidation of the macroeconomic situation, accompanied by a construction boom (infraestructure, housing, Office buildings and hotels, sometimes in Dubai style), an expansion and diversification of the service sector, increased state efficiency, a number of social measures and an administrative “deconcentration (BTI 2010 - Angola Country Report, p. 6).

Mesmo que haja disputas entre grupos e territórios locais pela instalação

de uma unidade de refino de petróleo, convém refletir na capacidade de uma

iniciativa como esta reunir condições de imprimir mudanças no sentido da

inserção social através da abertura de oportunidades de trabalho para a

46

Este relatório faz parte do Transformation Index (BTI 2010). Trata-se de uma classificação considerando o estado da democracia os sistemas econômicos de mercado tanto quanto a gestão política de um conjunto de 128 países em desenvolvimento e transformação. Projeto do Centro de Pesquisa Aplicada da Universidade de Munique. 47

O Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) foi criado em 10 de dezembro de 1956. Um partido resultante da fusão de outros partidos e movimentos que assume o poder, orientando-se pelo marxismo-leninismo, algumas vezes também referido como afro-stalinista, o MPLA, com a Independência em 1975, assume o poder instalando um regime inspirado no modelo soviético do partido único e da economia planejada e coordenada pelo Estado. O MPLA, a Frente Nacional pela Libertação de Angola (FNLA) e a União pela libertação Total de Angola (UNITA), foram as forças em combate, tanto entre si quanto contra o regime colonial, que nutriram 27 anos de Guerra Civil (Pain, 2007; BTI 2010).

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populações locais, que faz parte de um universo a apresentar os menores

indicadores de desenvolvimento humano de todos os países. Da mesma

maneira que a estrutura de produção de petróleo até hoje tanto na Nigéria

quanto em Angola constituem-se em enclaves econômicos quase que

absolutamente desconectados de uma rede de produção, distribuição e

consumo. É o que revela o paradoxo de uma economia que tem crescido a

25% ao ano e apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano colocando-a

na 143a posição em relação aos outros países e em expectativa de vida na

190a posição. Autoritarismo colonial, autoritarismo stalinista, MPLA e o

movimento por uma sociedade mais plural, os efeitos das guerras em termos

de esgarçamento social; os indicadores sociais atuais e o significado disso para

a operacionalização de estruturas produtivas utilizadoras de tecnologias

distantes das referencias tecnológicas de sociedades mais agrícolas, pastoras,

coletoras, pescadoras, diversas portanto, é preocupante; coloca em cheque a

capacidade desta lógica a integrar favoravelmente a biodiversidade e a

sociodiversidade.

Está a se colocar em discussão a lógica de estruturas econômicas e

sociais consumidoras de energia fóssil sob o comando de empresas

transnacionais responsáveis por desastres ecológicos significativos, o que

tende a se tornar ainda mais freqüente com o avanço da fronteira da indústria

de petróleo a exigir a exploração em jazidas localizadas em áreas de acesso

cada vez mais difíceis e no fundo do mar. É o que aponta o especialista em

bioquímica ambiental Arne Jernelöv, do Instituto de Estudos Futuros de

Estocolmo em artigo publicado na revista Nature (tomo 466, n° 7303, p.182-

183).

Um avanço de fronteira que mesmo antes de terminar a guerra em

Angola não sofreu solução de continuidade. É elucidativo, neste sentido

perceber nos relatórios dos estudos para a construção da Refinaria do Soyo

que quatro anos antes de se estabelecer o acordo de paz, que se encontra em

vigência, um contrato para a construção da refinaria tenha sido assinado pelas

empresas estrangeiras que operam no país, tendo a Chevron como acionista

majoritária. Pois,

“Em 1998, a Texaco (actualmente Chevron) assinou com a Sonangol um Contrato de Planeamento Conjunto. Este Contrato foi posteriormente r eformulado em Abril de 2002, de modo a incluir novos investidores (BP, ExxonMobil, Total e Norsk Hydro). A

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Norsk Hydro retirou-se do Projecto em Junho de 2003, deixandoa BP Exploration (Angola) Limited, a Esso Angola Gas Company Limited e aTotal LNG Angola com as respectivas quotas de 13,6% cada. Nos termos do Contrato reformulado, a Cabinda Gulf Oil Company Limited (uma subsidiária da Chevron) e a Sonangol foram nomeadas Co-Líderes com quotas de 36,4 por cento e 22,8 por cento respectivamente” (Angola, 2006, p. 3).

O governo angolano, de acordo com os estudos de impacto e

estabelecimento de ações compensatórias ambientais e sociais, através do

projeto Petróleo LNG (gás natural liquefeito), estabeleceu como meta encerrar

toda a queima de gás até o ano de 2006 (Angola, 2006: p. 5)

Ao se avaliarem as alternativas, foram tomados em consideração vários factores, incluindo os ambientais, socioeconómicos, de saúde e protecção, operabilidade, segurança, custo, calendário de actividades, potencial para promoção de crescimento económico, assim como os pontos de vista das partes interessadas. O trabalho inicial de selecção do local concluiu que o Projecto devia estar localizado na margem sul do estuário do Rio Congo, no município do Soyo da Província do Zaire.

Em construção a refinaria do está situada no noroeste de Angola a 481 km de

Luanda, no Zaire, província identificada como território da FNLA, por quase três

décadas. Com o fim da guerra civil o MPLA passou a controlar a região sem

uma oposição tão ostensiva o quanto é o caso das FLEC, em Cabinda. em

Cabinda, o que facilita as ações de um governo que assumiu publicamente em

discurso pronunciado em 2004 na cidade de Namibe, por ocasião do 29o.

aniversário da Independência

Eu penso que a maior parte da equipa governamental vai trabalhar nesta frente que resolve as questões materiais, pois a democracia e os direitos humanos, embora essenciais, não enchem a barriga de ninguém. São um alimento espiritual e moral ou político que apenas pode criar novas condições para o trabalho (José Eduardo dos Santos).

De acordo com Milando (2005), nesse ambiente político podem até ter

mudado os atores sociais mas as dinâmicas próprias do colonialismo

permanecem. Pois, evidentemente, não desapareceriam magicamente, a partir

da instituição de uma República formal, e dessa maneira, empreendimentos de

alto impacto como obras ligadas à indústria do petróleo comandada pelo capital

transnacional encontram, nas experiências societárias frágeis do ponto de vista

da democracia e das práticas republicanas “reais”, acolhida quase

incondicional.

A obra, destinada ao refino de gás natural a ser exportado para os EUA,

está sendo executada pela Bechtel, empresa dos Estados Unidos e ocupa 180

hectares, o que equivale a 150 campos de futebol, na qual foram empregados

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na primeira etapa 1500 trabalhadores. A essa estrutura, cuja acionista

majoritária é a Chevron, está vinculado, com estudos já encerrados e

aprovados pelo Governo, um projeto rodoviário com uma ponte de 17 km sobre

o rio Congo ligando Soyo a Cabinda. São empreendimentos apresentados

pelos representantes governamentais como iniciativas claras de compromisso

com a modernização.

São empreendimentos apresentados pelos representantes

governamentais, através dos estudos realizados por empresas de consultorias

em ambiente e energia, como iniciativas claras de compromisso com a

modernização. No entanto, pelo que se pôde observar nos estudos, que prevê

e realiza inventários faunísticos, botânicos, exaustivos, para a implantação do

projeto, o tratamento que merece as populações indígenas nestes processos

tenha sido algo para ser gerido depois de definida a implantação. Senão,

observe-se:

Na seção Capital Humano

Nesta fase, apenas foram efectuadas estimativas abrangentes sobre os níveis de população por cada agrupamento de construções na Área de Estudo associadas a potenciais localizações durante o processo de selecção de locais. Além disso, apenas foram obtidas informações gerais sobre saúde, educação e níveis de competência através de consultas com pessoal de cuidados de saúde, professores da escola de formação ADPP e recolha de dados secundários. Serão recolhidos dados adicionais específicos para o local seleccionado relativamente a padrões demográficos e de migração, capacidades locais disponíveis e níveis de educação e saúde. Estes dados serão relevantes para o exercício de rastreio, a fim de determinar se as Populações Indígenas serão ou não afectadas pelo desenvolvimento, bem como para a limitação do âmbito do Planos de Populações Indígenas e Acções de Reassentamento, se necessário.

Na seqüência, na seção Impactos Indirectos e Cumulativos, lê-se

A potencial do futuro desenvolvimento económico a ser proporcionado pelo Projecto Angola LNG e a proximidade da fonte de gás para o complexo foi um factor importante para a selecção do Soyo como local geral para o desenvolvimento (consultar a Secção 2.0). É provável que o Projecto Angola LNG contribua para impactos cumulativos significativamente importantes tendo em Documento de Apoio da Fase de Delimitação do Âmbito do Projecto Angola LNG ENSR – Março de 2005.

E logo depois, na seção Impactos Indirectos e Cumulativos,

É provável que o Projecto Angola LNG contribua para impactos cumulativos significativamente importantes tendo em conta o papel catalizador que se prevê venha a ter para esse desenvolvimento. Estes impactos cumulativos podem ser muito mais significativos do que alguns dos impactos directos acima descritos, nomeadamente em termos de perda de habitat, uso de terras, oportunidades de emprego, desenvolvimento económico, imigração, alterações a nível cultural e de saúde. Dependendo da dimensão de qualquer desenvolvimento industrial e das taxas de imigração, a extensão destes impactos pode ser suficientemente grande para alterar o Soyo ao longo do

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tempo, que pode passar de uma economia fortemente baseada na subsistência de pequena escala para uma área industrial urbana (Projecto Angola LNG, 2005: 6-3 e 6-4).

No entanto está-se discutindo grandes empreendimentos em infra-

estrutura em um pais cuja média de vida em 2005 atingia 42 anos e em 2007

apresentava uma taxa de mortalidade da ordem de 150 para cada mil

nascimentos. Apenas 3,45% do orçamento anual do pais é destinado a

políticas sociais. Embora o OECD‟s African Economic Outlook 2008 (Apud BTI

2010: 24) tenha já referido queda no desemprego e aumento dos investimentos

públicos em educação e saúde. São portanto indicadores a pôr em causa a

soberania desse modelo de desenvolvimento que parece desconhecer certos

traços de uma identidade econômica na região assentada na pesca, na

agricultura de subsistência, no extrativismo. E assim, é de fato, difícil de

visualizar seja qual for a escala temporal a integração das populações na

determinação de seus destinos.

Maranhão: Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais

Na Amazônica brasileira, em geral, e no Maranhão, em particular, há

uma significativa retomada, nos últimos anos, de projetos de apresentados

como de desenvolvimento e planejados, principalmente, nos governos

ditatoriais decorrentes do golpe de 1964. Além desses, novos projetos e

programas são elaborados e implementados e todos envolvem agências

governamentais e/ou privadas.

A expansão do processo de acumulação de capital através de processos

produtivos apresentados como sendo de desenvolvimento, cujos efeitos se

fazem sentir pela alteração do modo de vida de populações locais e fortes

alterações ambientais, tem resultado no confronto com lógicas diferenciadas de

ocupação e uso de territórios e recursos e levado a processo conflitivos que,

por serem referidos à questão ambiental, Acselrad (2004, p. 26) denomina de

conflitos ambientais e define como sendo

aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou

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de bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.

Na Amazônia Oriental, o Projeto Grande Carajás (CARNEIRO, 1997;

MONTEIRO, 1997), “concebido para garantir a exploração e comercialização

das ricas jazidas de minério localizadas no sudeste do Pará” (AQUINO e

SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 47) e com conseqüências em uma grande área

de influência e vários ramos de atividade econômica, constituiu-se na

expressão mais visível do modelo de desenvolvimento implementado a partir

dos governos ditatoriais.

No Maranhão, os desdobramentos deste projeto e de outras iniciativas

desenvolvimentistas levou à constiição de uma ampla rede de infraestrutura

com o objetivo de permitir a exploração e/ou escoamento da produção mineral,

florestal, agrícola, pecuária e industrial do próprio Maranhão e de estados

vizinhos. Essa infraestrutura consiste em uma extensa rede de rodovias; a

Estrada de Ferro Carajás, ligando as grandes minas do sudeste do Pará48 ao

litoral maranhense (administrada pela Cia. Vale do Rio Doce, autodenominada

atualmente apenas como Vale); o Complexo Portuário de São Luís, formado

pelos Portos do Itaqui (administrado pela estatal estadual Empresa

Maranhense de Administração Portuária - EMAP), da Ponta da Madeira

(pertencente à Vale) e da Alumar (pertencente ao Consórcio Alumínio do

Maranhão, subsidiária da multinacional do alumínio Alcoa); a hidrelétrica de

Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui (essas últimas em fase de

construção). Paralelo e associadamente a essa infraestrutura, foram instalados:

oito usinas de processamento de ferro gusa nas margens da Estrada de Ferro

Carajás; uma grande indústria de alumina e alumínio (Alumar) e bases para

estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do

Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de

Lançamento de Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura

agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e sudeste do estado; projetos de criação de

búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em

todo o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral.

48

No sudeste do Pará estão localizadas gigantescas jazidas de minério de ferro, controladas pela Vale, além de outros minérios.

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Esse conjunto de iniciativas, decorrentes de planejamentos

governamentais e/ou envolvendo a iniciativa privada, tem provocado profundos

impactos socioambientais, alterando biomas e modos de vida de populações

locais, através de reordenamento sócio, econômico e espacial de áreas

destinadas à implantação dos mesmos. Após quarenta anos de instalação do

Projeto Grande Carajás e dos projetos de desenvolvimento a ele associados, o

Maranhão continua sendo um dos estados mais pobres do Brasil, com os

piores indicadores sociais, com altos índices de concentração de terras,

riquezas e poder político.

A Refinaria Premium no Maranhão49

A Petrobrás, desde 2008, vem tornando público seu projeto de

construção da Refinaria Premium I, que se beneficiaria da rede de

infraestrutura implantada na região, em especial, da proximidade do Complexo

Portuário de São Luís, que garantiria o abastecimento do petróleo e a

exportação de seus derivados. Segundo o EIA/RIMA (FUNDAÇÃO

SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009) apresentado no processo de licenciamento do

empreendimento, os derivados de petróleo a serem obtidos por essa refinaria

serão de qualidade superior quanto à emissão de poluentes em sem uso (daí a

denominação Premium), de forma a atender as exigência do mercado europeu,

sendo, portanto, destinados à exportação.

Assim como o Projeto Carajás, de quarenta anos atrás, a Refinaria

Premium I vem sendo apresentada por órgãos do governo estadual e pela

Petrobrás como um projeto que seria redentor do Maranhão, indutor de

desenvolvimento e instrumento para solução dos graves problemas

econômicos e sociais do estado.

O planejamento de construção de novas refinarias de petróleo no

Brasil decorre da estratégia montada pelo Governo Federal para reduzir a

exportação de petróleo in natura e aumentar a exportação de derivados. Visa,

também reduzir a importação de diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP,

49

Na elaboração deste item, contou-se com informações obtidas, também, por Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Bruno Henrique Costa Rabelo, Elio de Jesus Pantoja Alves, pesquisadores do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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conhecido popularmente como gás de cozinha) e nafta petroquímica, de forma

a garantir o combustível necessário para o crescimento em curso da economia

nacional.

A Refinaria Premium I, uma vez em pleno funcionamento, faria o

refino de 600 mil barris por dia (bpd), o que é quase o dobro dos 365 bpd de

capacidade da REPLAN, a maior refinaria em operação no Brasil, e aumentaria

a capacidade nacional de refino para 2.600 bpd. Segundo os dados

apresentados pela Petrobrás, de cada barril seria extraído 50% de diesel, 20%

de nafta petroquímica, 11% de querosene de avião, 8% de coque, 5% de GLP

e 3% de bunker (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009).

No processo de licenciamento ambiental coordenado pela Secretaria

Estadual de Meio Ambiente (SEMA), em novembro de 2009, ocorreram cinco

audiências públicas em quatro municípios que seriam diretamente afetados

pela Refinaria Premium I. Uma audiência nos municípios de Bacabeira, Rosário

e Santa Rita, respectivamente, e duas audiências no município de São Luís,

capital do Maranhão50.

Como afirmamos anteriormente e como foi confirmado nas

audiências públicas pelos representantes da Petrobrás, o principal destino dos

derivados de petróleo a serem produzidos seria o mercado externo,

principalmente europeu, atendendo às especificações e necessidades deste, e

não as locais. Desta forma, os preços dos derivados de petróleo no Maranhão,

por exemplo, não sofreriam alterações em função do abrigo da refinaria.

Maurício Martins, representante da Petrobrás na Audiência Pública de Rosário-

MA, ao ser questionado em sobre a possibilidade de redução do preço do

combustível a partir do seu refino no estado, afirmou que “A Petrobrás não

pode regular o preço do combustível nas bombas...”.

Durante as audiências públicas e no material de divulgação da

Refinaria Premium I, constatasse, como forma de legitimação discursiva do

empreendimento uma grande ênfase na geração de empregos. Segundo os

empreendedores, cento e trinta mil empregos, direitos, indiretos e por efeito

renda seriam gerados ao longo de sua implantação. No entanto, o que se

verifica, a partir de um estudo mais minucioso do EIA/RIMA (FUNDAÇÃO

50

Essas audiências foram acompanhadas por pesquisadores GEDMMA/UFMA e seu registro é uma das fontes desse artigo.

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119

SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009), e da resposta dada por Maurício Martins na

segunda Audiência Pública realizada em São Luís, esses empregos chegariam

a um pico de dez mil, na fase de construção, e constituindo-se majoritariamente

em postos de trabalho braçal, na construção civil. Após a entrada em

funcionamento da refinaria, seriam reduzidos a cerca de dois mil e quinhentos

empregos de caráter permanente e, na sua maioria, exigindo qualificação

técnica, o que excluiria boa parte dos moradores dos municípios que serão

impactados pelo processo de construção e dos trabalhadores envolvidos nesse

mesmo processo.

Para garantir a construção da refinaria no Maranhão, o Governo do

Estado se comprometeu a desapropriar o terreno de 20 km2, necessário à

construção da Refinaria, e transferir gratuitamente sua propriedade à

Petrobrás. No entanto, este terreno ainda é o território sociocultutal de mais de

trinta famílias de trabalhadores da agricultura familiar que encontram-se, assim,

ameaçadas de deslocamento compulsório (ALMEIDA, 2006).

Segundo denúncia apresentada nas várias audiências públicas

realizadas no processo de licenciamento, funcionários da Secretaria de

Indústria e Comércio, em setembro de 2009, procuram os moradores do

povoado de Salva Terra (um dos povoados ameaçados de deslocamento)

afirmando que teriam vinte dias para deixarem suas terras e que seriam

alojados em um galpão na cidade de Bacabeira, até que fosse encontrada uma

solução definitiva para sua situação, isto é, uma nova área para realização de

seu assentamento. Alguns representantes dos moradores foram levados para

conhecer o galpão e foram informados, também, que a partir de então estavam

proibidos de realizar novas plantações ou benfeitorias em suas terras, pois

somente seriam indenizados pelo que tinham até aquela data. Estas medidas

estavam sendo tomadas para a efetivação da doação do terreno à Petrobrás e

para que ficasse desobstruído para a realização das obras iniciais de

construção refinaria.

Essa situação provocou intensa indignação nos moradores mais

antigos, que passaram a buscar apoio na Defensoria Pública do Maranhão, no

Ministério Público Estadual e Federal e junto a movimentos sociais envolvidos

com a questão socioambiental.

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120

Mesmo com a reação de moradores e, sem considerar as denúncias

feitas nas audiências públicas (denúncias que se estendam também a aspectos

técnicos do EIA/RIMA), a SEMA expediu a Licença Prévia (LP) do

empreendimento, demonstrando insensibilidade em relação àquelas famílias.

Esta situação tem gerado insegurança, medo, instabilidade e conflitos no

interior dos povoados ameaçados de deslocamento, criados pelas ações da

Petrobrás de do Governo do Estado do Maranhão. Um de seus efeitos é o risco

à segurança alimentar dessas famílias, uma vez que foram instados a

cessarem suas atividades produtivas.

Encerrando o texto, continuando a discussão...

O entendimento de regiões habitadas por populações locais e por seus

modos de vida como um vazio demográfico e cultural (MENDONÇA, 2006) que,

em grande medida, compõe os discursos de justificação de projetos de

desenvolvimento, e nos casos aqui estudados, de grandes refinarias de

petróleo, desconsidera a existência de inúmeros grupos sociais e povos que

milenar ou secularmente ocupam seus territórios e aí constituem relações

produtivas, sociais e culturais, com características próprias. Esses grupos,

quando chegam a ser considerados, principalmente quando ocupam territórios

almejados pelos empreendimentos, normalmente são percebidos como

arcaicos, atrasados, empecilhos para o desenvolvimento. As populações locais,

no entanto, constituem um modo de vida peculiar (cultura, sociabilidade,

trabalho), em grande medida adaptado às condições ecológicas, predominando

economia polivalente, ou seja, agricultura, pesca, extrativismo, artesanato, com

um calendário sazonal anual, conforme os recursos naturais explorados,

normalmente, sob o regime familiar de organização do trabalho (ALMEIDA e

CUNHA, 2001; LITTLE, 2002; ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR e MENDONÇA,

2007).

Quando confrontados, esses grupos sociais e povos, em maior ou

menor intensidade, conforme o caso, reagem, enfrentam e propõem

alternativas ao modelo de desenvolvimento que os atinge. Conflitos

socioambientais se configuram na medida em que as características do modelo

de desenvolvimento dominante permanecem, mesmo que discursivamente

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121

amenizadas, por exemplo, através da incorporação de noções como

desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade social e

ambiental. No momento em que a discussão da questão ambiental toma uma

crescente importância no cenário internacional, estes conflitos exigem que

sejam ampliados os estudos sobre impactos socioambientais e suas

consequências.

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124

ANEXO VIII

Artigo publicado em:

Jornal Pequeno. São Luís, 22/08/2010. p. 6.

(http://www.jornalpequeno.com.br/2010/8/22/a-criacao-da-resex-de-taua-mirim-e-sua-

importancia-para-sao-luis-128997.htm)

A CRIAÇÃO DA RESEX DE TAUÁ-MIRIM E SUA IMPORTÂNCIA

PARA SÃO LUÍS

Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior51

Elena Steinhorst Damasceno52

As Reservas Extrativistas são unidades de conservação previstas em lei

federal (SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei Nº 9.985

de 18 de julho de 2000) nas quais a permanência de populações extrativistas

tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e,

complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de

pequeno porte, está aliada aos objetivos básicos de proteger os meios de vida

e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos

naturais da unidade.

A criação Reserva Extrativista de Tauá-Mirim (ou RESEX de Tauá-Mirim)

é uma reivindicação antiga de moradores de povoados localizados na porção

sudoeste do município de São Luís, porém, seu processo de implantação está

parado na Casa Civil do Governo Federal desde 2007 e encontra forte

oposição por parte do Governo Estadual do Maranhão e de grandes

empreendimentos industriais, como o Consórcio Alumar e a Vale (nome pelo

qual se apresenta a Companhia Vale do Rio Doce).

51Sociólogo, Professor Doutor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Políticas Públicas; Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. Atualmente realiza seu Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 52

Bióloga, Mestre em Saúde e Ambiente, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e pesquisadora do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão.

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A área proposta para a Reserva abrange os povoados Cajueiro,

Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros e Taim; engloba também parte da

Vila Maranhão e a Ilha de Tauá-Mirim, na qual localizam-se os povoados

Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e Tauá-Mirim, e um amplo espelho

d‟água na Baia de São Marcos, totalizando 16.663,55 hectares e perímetro de

71,21 km. Essa é uma área com forte presença de manguezais, além de

várzeas e nascentes, sendo local de reprodução de várias espécies marinhas,

dentre elas o Peixe-Boi (Trichechus manatus) e o Mero (Epinephelus itajara),

que estão ameaçados de extinção. Especificamente na região da RESEX, são

encontrados também o macaco-cuxiú (Chiropotes satanas), o guariba (Alouatta

alouatta) e o tamanduaí (Cyclopes didactylus), todos ameaçados de extinção,

segundo o IBAMA.

Desde o ano de 1996, as lideranças dos moradores da área vêm

aprofundando seus conhecimentos sobre as reservas extrativistas e discutindo

a possibilidade de criação dessa modalidade de unidade de conservação, o

que resultou no abaixo assinado coordenado pelas organizações sociais locais

solicitando a criação da RESEX, protocolado no IBAMA em 2003. Os estudos

socioambientais e socioeconômicos realizados pelo IBAMA foram concluídos

em 2007, atestando a viabilidade e demonstrando a importância de criação

dessa unidade de conservação.

Desde então, os moradores dos povoados envolvidos aguardam sua

efetivação e buscam aprimorar suas práticas produtivas e sociais no sentido de

garantir a conservação ambiental da área, uma vez que estes estão

conscientes da corresponsabilidade de uso e conservação dos recursos ali

existentes, destacando a pesca como a principal atividade extrativista

realizadas pelas comunidades.

O processo de criação da RESEX de Tauá-Mirim cumpriu todas as

exigências legais e técnicas previstas na legislação vigente e sua implantação

depende, atualmente, apenas da vontade política dos governantes.

Em um momento de forte expansão urbana e industrial, é importante

para a saúde e qualidade de vida das populações da Ilha do Maranhão e de

seu entorno a presença de áreas destinadas à conservação ambiental e à

garantia da territorialidade de populações tradicionais. É também um valioso

instrumento para a conservação de biomas e ecossistemas ameaçados, já que

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pela legislação ambiental vigente haveria a necessidade de criação de uma

zona de amortecimento contígua à RESEX, o que minimizaria os impactos das

atividades industriais e de infraestrutura na região.

A área em questão sofre disputas antigas devido a interesses

diferenciados em relação ao seu uso, provocando o choque entre aqueles a

planejam para fins industriais (o que gera degradação para o ambiente e para a

vida das pessoas) e aqueles que desejam a manutenção do modo de vida

secular e da segurança alimentar de populações tradicionais (principalmente

através da pesca, do extrativismo e da agricultura familiar).

Desta forma, a criação da RESEX de Tauá-Mirim seria a efetivação de

uma política pública que garantiria aos grupos sociais que ali vivem a

possibilidade de sair da situação conflitiva em que se encontram e de buscar

revigoramento de suas relações sociais, culturais e produtivas, articulando-as

com a defesa e manutenção do ambiente em que sempre viveram.

Por outro lado, a recorrente postergação do ato que criaria oficialmente a

RESEX de Tauá-Mirim permite-nos constatar que a manutenção da qualidade

de vida, proveniente da manutenção da qualidade ambiental, não é uma

prioridade na agenda política nem do Governo Federal nem do Governo

Estadual. A prática governamental prioriza os grandes empreendimentos. No

entanto, o histórico dos últimos trinta anos de projetos de desenvolvimento no

Maranhão tem demonstrado que nem mesmo a criação de novos postos de

trabalho, utilizada como justificativa para novos empreendimentos, é uma forma

eficiente de oferecer emprego à população maranhense, já que esta, em sua

grande maioria, não possui qualificação suficiente para ocupá-los: vide os

índices de IDH tão utilizados como referência e o baixíssimo índice de pessoas

das comunidades em questão empregadas nas indústrias já implantadas em

seu entorno.

Um dos principais motivos que as lideranças dos povoados que

pleiteiam a criação da RESEX de Tauá-Mirim alegam para resistirem à

instalação de novos projetos industriais e de infraestrutura na região – e

igualmente resistirem aos consequentes deslocamentos populacionais, já que

são terras secularmente ocupadas por populações tradicionais – é a

constatação da desestruturação comunitária e familiar que um deslocamento

desses provoca. Essa constatação advém da experiência de seus vizinhos, que

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foram deslocados na década de 1980 para instalação do Complexo Portuário

de São Luís, da Alumar e da Vale do Rio Doce. Caso haja novamente a

necessidade de deslocamentos, as populações desalojadas, provavelmente,

terão dificuldades em encontrar novas ocupações e terminarão por engrossar

ainda mais o caldo de marginalizados na periferia do centro urbano de São

Luís, o que se constituiria em uma tremenda injustiça social e ambiental.

Dentre as motivações para se criar unidades de conservação no entorno

de São Luís, existe a necessidade de contornar a problemática ambiental

presente na Ilha do Maranhão, por possuir as fragilidades inerentes a qualquer

ambiente insular e por possuir máxima sensibilidade ambiental para as áreas

de manguezais, principalmente quanto à prevenção de impactos ambientais

oriundos de derramamento de óleo, produtos químicos altamente

comprometedores (uréia, aldeídos, pesticidas, herbicidas, adubos, fertilizantes),

além dos impactos ocasionados pelo esgoto doméstico jogado ao mar sem

tratamento, já que a capital não possui estações de tratamento de esgoto ativas

e muito menos redes para transportar os dejetos. Tal fato corrobora ainda mais

a importância de conservação da região de estudo, na medida em que tal

degradação ambiental leva à diminuição da produtividade da pesca em todos

os ambientes aquáticos.

Deve-se lembrar, ainda, que as regiões estuarinas, onde ocorre o

mangue (ecossistema manguezal), são consideradas área de preservação

permanente pelo Código Florestal (Lei Nº 4771 de 15 de setembro de 1965), e

estão também contempladas na Convenção Internacional de Ramsar – sobre a

preservação de áreas úmidas, da qual o Brasil é signatário. O Maranhão é

contemplado com dois sítios Ramsar dentre os oito sítios brasileiros: a Área de

Proteção Ambiental da Baixada Maranhense e as Reentrâncias Maranhenses.

A Declaração de Changwon – um convite para ação do 10° Encontro da

Conferência das Partes (no contrato para a Convenção de Ramsar sobre

Zonas Úmidas), que foi realizada em Changwon, na República da Coréia, de

28 de outubro a 04 de novembro de 2008 – destaca a importância de impedir

que as zonas úmidas do planeta sejam degradadas ou perdidas e de restaurar

as que já estão degradadas, além de administrá-las sabiamente, baseado no

reconhecimento claro de que todos dependemos de zonas úmidas preservadas

para a manutenção da qualidade de nossa água, no que se reflete ao

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abastecimento (de água e de alimentos), à saúde, à agricultura, à pesca e à

proteção da biodiversidade, além da minimização dos impactos das mudanças

climáticas, já que as zonas úmidas ajudam na atenuação de enchentes, na

retenção de carbono e na redução de emissões de gases estufa.

Segundo essa declaração, os tomadores de decisão precisam

reconhecer a “infra-estrutura natural” como um recurso principal no combate e

adaptação às mudanças climáticas. Água e zonas úmidas funcionais têm um

papel chave na resposta às mudanças climáticas e na regulação de processos

climáticos naturais. A preservação e uso inteligente das zonas úmidas ajudam a

reduzir os efeitos negativos que possam ocorrer, tanto sociais e ecológicos

quanto na economia. Neste caso, a RESEX de Tauá-Mirim seria um exemplo

de política ambiental consonante com estes princípios e recomendações, já

que a área proposta para a RESEX é rica em manguezais e possui inúmeras

nascentes e olhos d'água, além de ser, em função de suas características

geológicas, uma área de recarga de aqüíferos (isto é, águas subterrâneas

potáveis) que abastecem boa parte dos municípios localizados na Ilha.

O Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

(GEDMMA), vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC)

e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) da

Universidade Federal do Maranhão (UFMA), desde 2005, realiza estudos na

área, tendo produzido monografias de final de cursos de graduação,

dissertações de mestrado, relatórios de pesquisa, artigos publicados em

periódicos científicos e apresentados em congressos. A relevância destas

produções resultou na publicação, em 2009, pela EDUFMA, do livro “Ecos dos

conflitos socioambientais: a RESEX de Tauá-Mirim”. Os estudos realizados

atestam que as populações dos povoados envolvidos na criação da RESEX

são efetivamente populações tradicionais, algumas famílias moram na área há

mais de cem anos, gerando modos de vida próprios e, historicamente, têm

contribuído para a conservação ambiental do território que constituem.

Desta forma, as vésperas do aniversário de criação do Instituto Chico

Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do Governo

Federal encarregado da gestão de unidades de conservação, a ser celebrado

no dia 27 de agosto de 2010, e por todos os motivos acima apontados,

estamos confiantes que a criação da RESEX de Tauá-Mirim se constituirá em

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mais uma justa homenagem à memória de um dos formuladores da concepção

de Reserva Extrativista, Chico Mendes, e àqueles que lutam cotidianamente,

no Maranhão, para conservar seu modo de vida e o ambiente no qual foram

criados e vivem.

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ANEXO IX

Artigo publicado em:

Jornal Vias de Fato. São Luís, 01/03/2010. p. 12. (http://www.viasdefato.jor.br)

CAMBOA DOS FRADES, VILA MADUREIRA E TERMELÉTRICA DO

PORTO DO ITAQUI

Ana Lourdes da Silva Ribeiro

Geógrafa, aluna do Curso de Especialização em Educação Ambiental da UEMA.

Pesquisadora do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

(GEDMMA)

Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior

Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais da UFMA. Coordenador do Grupo de Estudos:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)

Grandes projetos de desenvolvimento e comunidade locais

Desde a década de 1980, as ondas do tão falado desenvolvimento chegam ao

Maranhão. A implantação da ALUMAR e da VALE no município de São Luís

provocou impactos socioambientais na área do Itaqui-Bacanga e na atual zona

industrial. Muitas comunidades foram atingidas e, em vários casos, deslocadas de seu

território, deixando para trás seu modo de vida: a pesca, o extrativismo, a agricultura

familiar e atividades afins.

Em 2003, ressurgem as discussões sobre novos empreendimentos na Ilha do

Maranhão. Dessa vez, um grande pólo siderúrgico é anunciado e, junto com ele, o

deslocamento compulsório de 12 povoados. A empresa paulista de consultoria

Diagonal, a serviço do Governo estadual e da Vale, iniciou o cadastramento das

famílias a serem deslocadas e fez a marcação de casas que, até então, estavam

localizadas na Zona Rural II do município de São Luís.

Para atender aos interesses do empreendimento, o Prefeito Municipal de então,

Tadeu Palácio, encaminhou um projeto de lei à Câmara Municipal, alterando a Lei de

Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís (Lei Municipal nº

3.253/1992) com vistas a transformar a área pretendida em zona industrial. Depois de

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amplo debate público e forte e mobilizada resistência por parte de lideranças dos

povoados ameaçados e do Movimento Reage São Luís, o projeto foi votado e, através

da Lei Municipal nº 4.548/2005, parte da área foi convertida em Zona Industrial. Como

eram pleiteados 2.471,71 hectares para a implantação do pólo siderúrgico e somente

1.063,60 hectares foram convertidos em Zona Industrial, o projeto do pólo foi frustrado.

As comunidades dessa região estão sendo permanentemente ameaçadas e

atingidas pelos empreendimentos, contudo uma significativa quantidade de pessoas luta

em seus locais de moradia para que os moradores continuem em suas casas e com seu

modo de vida. Através da organização comunitária, conseguem resistir e realizar

mobilizações visando à permanência das suas comunidades bem como das vizinhas.

Resistem e, apesar de estarem tão perto do “centro urbano” de uma capital, conseguem

manter características peculiares ao seu modo de vida.

A Termelétrica do Porto do Itaqui

Com a conversão dos 1.063,60 hectares em Zona Industrial, a área em questão

passou a ser visada por outros empreendimentos industriais. Dentre estes

empreendimentos, encontra-se a Termelétrica do Porto do Itaqui, que está sendo

construída pela MPX, do grande empresário Eike Batista – um dos homens mais ricos

do Brasil.

O processo de licenciamento da termelétrica junto aos órgãos ambientais

iniciou-se em 2007. O valor do empreendimento está estimado em R$ 1,5 bilhão e o

início das operações planejado para 2011. A termelétrica ocupa 50 hectares e seu tempo

de operação foi previsto para até 30 anos. Dois povoados são atingidos diretamente

pelas operações do empreendimento: Vila Madureira, que se localizava nos 50 hectares

ocupados e foi deslocada para o município de Paço do Lumiar, e Camboa dos Frades,

que ficou imprensada entre as obras e as águas da Baia de São Marcos.

Desde a fase inicial do processo de licenciamento ambiental o referido projeto

tem sido alvo de profundas contestações, tanto no plano técnico-científico, quanto no

âmbito de sua transparência política, gerando questionamentos quanto à sua

legitimidade por famílias diretamente atingidas, por povoados vizinhos, por grupos de

ambientalistas e estudiosos da questão ambiental e pelo Ministério Público.

Do ponto de vista jurídico, o empreendimento foi motivo de ajuizamento de três

ações civis públicas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Do ponto de vista

técnico, nas audiências públicas, estudiosos contestaram os dados apresentados no EIA-

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RIMA quanto à emissão de poluentes, pois, o processo de produção de energia elétrica

da usina terá como base o carvão mineral e não existem comprovações de que os filtros

previstos para serem utilizados são suficientemente eficazes no controle da emissão de

gases (Óxido de Nitrogênio e Dióxido de Enxofre). Foram contestados também estudos

apresentados sobre a direção dos ventos que dispersarão estes poluentes, na medida em

que tomaram por parâmetro somente dois meses do ano, não levando em conta a

variação sazonal da região. Além disso, o projeto prevê a utilização de águas do mar por

meio de um processo de dessalinização, sendo que não deixa claro como ocorrerá o

retorno destas águas ao mar e quais podem ser seus efeitos.

Camboa dos Frades e Vila Madureira

Desde as primeiras notícias, em 2007, sobre instalação da termelétrica, a Vila

Madureira tornou-se o foco das ações da MPX. Camboa dos Frades não era citada nas

discussões e/ou materiais técnicos e de divulgação publicados pela empresa. Até o final

de 2008, os moradores de Camboa dos Frades não se organizavam de forma autônoma e

eram representados pela União de Moradores da Vila Madureira.

No processo de negociação com a MPX, a União de Moradores da Vila

Madureira apresentava-se como representante dos dois povoados. No entanto, como

somente a Vila Madureira localizava-se nos 50 hectares planejados para a instalação da

termelétrica, as especificidades de Camboa dos Frades não eram contempladas nos

debates e negociações.

Todo o processo de negociação referente ao deslocamento da Vila Madureira foi

conduzido pelo Setor de Responsabilidade Social da MPX, que muito habilmente

aproximou-se da diretoria da União de Moradores, em especial de seu presidente, e,

através de seus sociólogos, assistentes sociais e psicólogos, passou a fazer visitas

constantes ao povoado, indo de casa em casa, com um trabalho sistemático sobre a

conveniência do deslocamento. As promessas feitas consistiam em indenizações (que na

maioria dos casos foi de cerca de R$ 1.200,00) e uma casa titulada, mobiliada e com um

computador, além do transporte para a mudança.

Sem maiores resistências, em abril de 2009, ocorreu o deslocamento para o

Residencial denominado Vila Nova Canaã, explorando a ideia de “Terra prometida”,

construído MPX a cerca de 40 Km do antigo povoado.

Após a aprovação do licenciamento ambiental e o início da implantação da

termelétrica (maio de 2009), os moradores de Camboa dos Frades, como referido

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anteriormente, vivenciaram uma condição dramática no exercício básico de sua

cidadania: o comprometimento do direito de ir e vir. Na medida em que a estrada de

acesso à Camboa dos Frades passava pela Vila Madureira, com a privatização da área,

para entrar e/ou sair do povoado, seu moradores passaram a ser submetidos ao controle

e a constrangimentos por parte dos seguranças da empresa, que se apresentavam

armados. Além disso, estavam sujeitos ao perigo de transitarem por via tomada por

caminhões e maquinários pesados, dificultando a passagem e, como era período

chuvoso, viam suas vias de acesso tomadas pela lama, devido às obras de terraplanagem

que se iniciavam.

As crianças, para tomarem o transporte para a escola, passaram a ter de andar

por cerca de 30 minutos até à BR 135, ficando expostas aos perigos representados pelas

atividades de construção da termelétrica.

A criação da Associação de Moradores de Camboa dos Frades, no final de 2008,

deu-se em função da necessidade da comunidade se organizar politicamente para

reivindicar direitos e resistir às agressões das quais se viam vítimas. A partir de então,

foram levantados elementos que questionaram o processo de licenciamento da

termelétrica, bem como, a situação em que se encontra o povoado de Camboa dos

Frades:

1) A empresa iniciou nova estrada de acesso à Camboa dos Frades, por dentro do

manguezal, com um trajeto desaprovado pelos moradores devido ao aumento da

distância com relação à BR-135, além de ter desmatado uma área considerável da

vegetação de mangue. O IBAMA, em função do impacto, não autorizou a obra, que foi

embargada.

2) Durante o processo de licenciamento para a construção da termelétrica, os moradores

de Camboa dos Frades não foram comunicados sobre a situação, prevalecendo

informações distorcidas e manipuladas pela União de Moradores de Vila Madureira. O

povoado foi ignorado tanto pelos empreendedores, como pelos próprios moradores da

Vila Madureira, que foram orientados pelos técnicos do Setor de Responsabilidade

Social da MPX a não manter diálogo e não passar informações do que viria a acontecer.

3) Os moradores reclamam que estão sendo prejudicados mais recentemente por dois

problemas: o primeiro, diz respeito aos dejetos que, sem qualquer tratamento, são

despejados nos igarapés pela empresa “Ecodiesel”, o que tem reduzido a produção de

pescados; o segundo, refere-se ao assoreamento dos igarapés em que pescam, pois, o

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desmatamento e aterramento feito pela MPX para instalação das obras estaria causando

a descida de areia, barro e lama.

4) No povoado não tem escola e posto de saúde, o que implica em deslocamentos para

obtenção desses serviços.

Na memória dos mais antigos, paira a lembrança de um “tempo de fartura”,

contrastando com a situação atual, que compromete as possibilidades de reprodução

social do povoado. O recente processo de organização da Associação dos Moradores de

Camboa dos Frades e a disposição de suas lideranças em buscar informações sobre seus

direitos, principalmente no que se refere às possibilidades de controle do território e

implantação/manutenção de condições de vida dignas, geram problemas para o

empreendimento da termelétrica.

Em função dos embates relacionados, atualmente, com a possibilidade de

permanência e controle do território e com as consequências ambientais já constatadas

após o início das obras de terraplanagem, somados aos possíveis confrontos decorrentes

da continuidade das obras e do funcionamento da termelétrica, podemos afirmar que se

encontra em andamento o confronto de duas lógicas de ocupação do território: aquela a

do empreendedor, que o percebe como recurso produtivo, e a dos moradores, que

pretendem permanecer nele, lutando pelo seu território e pelo seu reconhecimento

enquanto população tradicional, por sinal, de maioria afrodescendente.

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ANEXO X

Capítulo a ser publicado em:

SEVÁ, Oswaldo; MALERBA, Julianna (Org.). Petróleo no Brasil: impactos territoriais

e desafios para transição a uma sociedade menos dependente de combustíveis fósseis.

Rio de Janeiro: FASE, 2011.

REFINARIA PREMIUM: PRESENÇA DA PETROBRÁS NO MARANHÃO53

Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior54

Bartolomeu Rodrigues Mendonça55

Ana Lourdes da Silva Ribeiro56

Bruno Henrique Costa Rabelo57

No município de Bacabeira (situado no estado do Maranhão, na

Amazônia Legal e na região Nordeste do Brasil), às margens do rio Itapecuru,

estão em andamento estudos e ações iniciais para a instalação de uma grande

refinaria de petróleo em território tradicionalmente ocupado por grupos sociais

rurais.

A Petrobras, o Ministério de Minas e Energia e o Governo do Estado do

Maranhão, em 2009, anunciaram publicamente, através da imprensa

53

Apresentam-se aqui resultados da pesquisa “Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). 54

Sociólogo, Doutor em Ciências Humanas (Sociologia), pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Políticas Públicas; Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. Atualmente realiza seu Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 55

Sociólogo, Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas pela Universidade Federal do Maranhão; Professor do Colégio Universitário (COLUN); Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. 56

Geógrafa, Especialista em Educação Ambiental pela Universidade Estadual do Maranhão; Pesquisadora do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. 57

Graduando em Direito pela Faculdade Dom Bosco. Pesquisador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão.

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maranhense e nacional, a construção da Refinaria Premium I, planejada para

ser a maior refinaria já construída na América Latina e uma das maiores do

mundo. Esse anúncio, por um lado, cria um fato político e midiático de grandes

proporções no Maranhão, na medida em que vem acompanhada do anúncio da

criação de milhares de empregos, do incremento e dinamização da economia

local, da expansão das oportunidades, enfim, do anúncio de uma nova onda de

desenvolvimento. Por outro lado, no entanto, encontra resistência tanto no

povoado de Salva Terra II, cujos moradores se opõem ao deslocamento

compulsório58 de seu território ancestralmente ocupado e almejado para a

construção da refinaria, quanto nos movimentos sociais e ambientais críticos

ao modelo de desenvolvimento baseado na expansão de projetos

agropecuários e industriais de grande impacto social e ambiental.

Essa refinaria, portanto, desde os primeiros passos dados com vistas a

sua instalação, em 2007, provoca o confronto de lógicas de ocupação e uso

territorial diferenciadas. Dentre essas lógicas, destacam-se duas

diametralmente confrontantes: 1) a lógica do empreendimento, que torna

invisíveis os grupos sociais locais e percebe o território como espaço vazio e

disponível para fortes intervenções ambientais e sociais; 2) a lógica dos grupos

locais, que percebe o território como sendo pleno de significados, fonte de

sobrevivência e espaço de realização de modos de vida próprios,

tradicionalmente estabelecidos e relativamente pouco impactantes ao meio. A

expansão da acumulação de capital através de processos produtivos

apresentados como sendo de desenvolvimento, resultando no confronto de

lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e recursos, leva a

situações conflitivas que, por serem referidas à questão ambiental, Acselrad

(2004, p. 26) denomina de conflitos ambientais e define como sendo

aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou

58

Operamos, aqui, com a definição de deslocamento compulsório formulada por Almeida (1996, p. 30): “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.

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de bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.

A expansão da estrutura de refino de petróleo indica possibilidades de

alterações nos modos de vida de grupos sociais tradicionalmente identificados

com atividades como a agricultura, caça, pesca e criação de animais, portanto,

com fortes relações com o ambiente natural. Esses modos de vida são

ameaçados pelas atividades comumente identificadas com a modernidade e o

desenvolvimento em função da alta inversão de capital em novas tecnologias,

caso das estruturas de produção de combustíveis fósseis. Além do que, a

questão dos riscos ambientais se amplia. Visamos, aqui, fazer uma

aproximação com a experiência societária que se desenrola a partir de uma

dada política desenvolvimentista relacionada com o processamento de

combustíveis fósseis em larga escala.

Maranhão: Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais

Desde a década de 1990, com a formulação dos projetos Avança Brasil,

nos mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC), os mandatos do Presidente Luís Inácio Lula

da Silva, na Amazônia brasileira, em geral, e no Maranhão, em particular, há

uma significativa retomada de projetos apresentados como de desenvolvimento

e planejados, principalmente, nos governos ditatoriais decorrentes do golpe de

1964, através de seus Planos de Integração Nacional (PIN). Além desses,

novos projetos e programas são elaborados e implementados envolvendo

agências governamentais e/ou privadas.

Na Amazônia Oriental, o Projeto Grande Carajás (CARNEIRO, 1997;

MONTEIRO, 1997), “concebido para garantir a exploração e comercialização

das ricas jazidas de minério localizadas no sudeste do Pará” (AQUINO e

SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 47) e com conseqüências em uma grande área

de influência e vários ramos de atividade econômica, constituiu-se na

expressão mais visível do modelo de desenvolvimento que marcou os

governos ditatoriais.

No Maranhão, os desdobramentos deste projeto e de outras iniciativas

desenvolvimentistas levaram à constituição de uma ampla rede de

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infraestrutura com o objetivo de permitir a exploração e/ou escoamento da

produção mineral, florestal, agrícola, pecuária e industrial do próprio Maranhão

e de estados vizinhos. Essa infraestrutura consiste em uma extensa rede de

rodovias; a Estrada de Ferro Carajás, ligando as grandes minas do sudeste do

Pará59 ao litoral maranhense, e que está em processo de duplicação e

expansão, constituindo a Ferrovia Norte-Sul; o Complexo Portuário de São

Luís, em permanente expansão, com a construção e planejamento de novos

píeres e portos; a hidrelétrica de Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui

(essas últimas em fase de construção) e mais uma série de termelétricas em

planejamento ou processo de licenciamento ambiental.

Esse conjunto de iniciativas, decorrentes de planejamentos

governamentais e/ou da iniciativa privada, permitido a instalação de um grande

conjunto de empreendimentos agropecuários, industriais, madeireiros, de

transporte, de exploração marítima, tem provocado profundos impactos

socioambientais, alterando biomas e modos de vida de populações locais,

através de reordenamento social, econômico e espacial de áreas destinadas à

implantação dos mesmos. Após quarenta anos de instalação do Projeto

Grande Carajás e dos projetos de desenvolvimento a ele associados, o

Maranhão continua sendo um dos estados mais pobres do Brasil, com os

piores indicadores sociais, com altos índices de concentração de terras,

riquezas e poder político.

A Refinaria Premium no Maranhão60

Seguindo o planejamento da Petrobrás, a construção Refinaria Premium

I cumpre seus primeiros estágios, ocupando uma área de 20 Km² do recém

criado Distrito Industrial de Bacabeira (DIBAC), município vizinho a São Luís,

capital do estado do Maranhão. O investimento total previsto é de 19 bilhões e

oitocentos mil dólares.

59

No sudeste do Pará estão localizadas gigantescas jazidas de minério de ferro, além de outros minérios, controladas pela Companhia Vale do Rio Doce, atualmente, autodenominada apenas Vale. 60

Na elaboração deste item, contou-se com informações obtidas, também, por Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Bruno Henrique Costa Rabelo, Elio de Jesus Pantoja Alves, pesquisadores do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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Um dos principais motivos alegados para a escolha do local é a rede de

infraestrutura implantada na região e, em especial, a proximidade com o

Complexo Portuário de São Luís, que garantiria o abastecimento do petróleo e

a exportação de seus derivados, com custos reduzidos. Segundo o EIA/RIMA

(FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009) apresentado no processo de

licenciamento ambiental do empreendimento, o petróleo bruto e os produtos

finais de seu refino seriam conduzidos através de uma faixa de dutos de 54

Km, ligando a Refinaria a um terminal de tancagem (tanques para

armazenamento) a ser construído em uma área de 3 Km² no Distrito Industrial

de São Luís, proximamente ao Complexo Portuário.

Outros motivos utilizados para justificar sua instalação no Maranhão,

além dos citados acima, são: a Refinaria contribuiria para aumentar do Produto

Interno Bruto (PIB) brasileiro e maranhense; contribuiria com a geração de

empregos, ao fomentar a indústria metal-mecânica e a melhoria da

infraestrutura existente na região; contribuiria decisivamente para a melhoria da

renda, elevação da escolaridade e da saúde dos moradores de seu entorno.

Tudo isso em uma dos estados mais pobres da Federação.

O planejamento de construção de novas refinarias de petróleo no Brasil

decorre da estratégia montada pelo Governo Federal para reduzir a exportação

de petróleo in natura e aumentar a exportação de derivados, agregando valor

ao produto. Visa, também, reduzir a importação de diesel, gás liquefeito de

petróleo (GLP, conhecido popularmente como gás de cozinha) e nafta

petroquímica, de forma a garantir o combustível necessário para o crescimento

em curso da economia nacional.

Os derivados de petróleo a serem obtidos pela Refinaria Premium I

seriam de qualidade superior quanto à emissão de poluentes em seu uso (daí a

denominação Premium), de forma a atender às exigências do mercado

europeu, sendo, portanto, destinados à exportação, com alto valor agregado. A

título de exemplo, podemos, com base nos dados do EIA-RIMA (FUNDAÇÃO

SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009) citar que, atualmente, o diesel usado no

Maranhão contém 2 mil partes por milhão (ppm) de enxofre, enquanto o diesel

a ser produzido na Refinaria Premium I deverá conter 10 ppm de enxofre.

A Refinaria Premium I, uma vez em pleno funcionamento, faria o refino

de 600 mil barris por dia (bpd), o que é quase o dobro dos 365 bpd de

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capacidade da REPLAN, a maior refinaria em operação no Brasil, e aumentaria

a capacidade nacional de refino para 2.600 bpd. Segundo os dados

apresentados pela Petrobrás, de cada barril, seria extraído 50% de diesel, 20%

de nafta petroquímica, 11% de querosene de avião, 8% de coque, 5% de GLP

e 3% de bunker (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009).

Assim como o Projeto Carajás, de quarenta anos atrás, e outros projetos

de desenvolvimento relacionados a esse Projeto ou não61, a Refinaria Premium

I vem sendo apresentada por órgãos do governo estadual e pela Petrobrás

como um projeto que seria redentor do Maranhão, indutor de desenvolvimento

e instrumento para solução dos graves problemas econômicos e sociais do

estado.

No processo de licenciamento ambiental coordenado pela Secretaria

Estadual de Meio Ambiente (SEMA), em novembro de 2009, ocorreram cinco

audiências públicas em quatro municípios que já vêem sendo diretamente

afetados pela Refinaria Premium I. Uma audiência, respectivamente, nos

municípios de Bacabeira (dia 09/09/2009), Rosário (dia 10/09/2009) e Santa

Rita (dia 11/09/2009), e duas audiências no município de São Luís, sendo que

uma Bairro Renascença I, em região nobre da cidade (dia 12/09/2009), e outra

na Vila Maranhão, Zona Rural de São Luís e próxima ao Complexo Portuário

(dia 13/09/2009). Essas audiências foram acompanhadas por pesquisadores

GEDMMA/UFMA e seu registro é uma das fontes desse trabalho.

Como afirmamos anteriormente e como foi confirmado nas várias

audiências públicas pelos representantes da Petrobrás, o principal destino dos

derivados de petróleo a serem produzidos seria o mercado externo,

principalmente europeu, atendendo às especificações e necessidades deste, e

não às locais. Desta forma, quando questionado sobre o impacto que a

presença da Refinaria teria sobre os preços dos derivados de petróleo no

Maranhão, por exemplo, Maurício Martins, executivo e representante na

Petrobrás na mesa condutora dos trabalhos nas cinco audiências, afirmou que

61

Como exemplo, podem ser citados: oito usinas de processamento de ferro gusa nas margens da Estrada de Ferro Carajás; uma grande indústria de alumina e alumínio (Alumar) e bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e sudeste do estado; projetos de criação de búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral.

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os mesmos não sofreriam alterações, pois “A Petrobrás não pode regular o

preço do combustível nas bombas...”.

Durante as audiências públicas e no material de divulgação da Refinaria

Premium I, constata-se, como forma de legitimação discursiva do

empreendimento, uma grande ênfase na geração de empregos. Segundo os

empreendedores, cento e trinta mil empregos, direitos, indiretos e por efeito

renda seriam gerados ao longo de sua implantação. O que se verifica, no

entanto, a partir de um estudo mais minucioso do EIA/RIMA (FUNDAÇÃO

SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009), e da resposta dada por Maurício Martins na

segunda Audiência Pública realizada em São Luís, esses empregos chegariam

a um pico anual de dez mil, na fase de construção, constituindo-se

majoritariamente de postos de trabalho braçal, na construção civil.

Esses empregos estariam relacionados a atividades como: transporte de

pessoal; apoio administrativo (secretaria, copiadora, arquivo); hospedagem;

serviços de mensageiros; fornecimento de refeições; manutenção predial e de

equipamentos diversos; fornecimento de vale-refeição; vigilância; despachos

aduaneiros; serviços de recepção e portarias; serviços de agência de viagens;

serviços de coleta de lixo; construção civil (auxiliar de obras civis na construção

de galpões, prédios administrativos, urbanização, arruamento, pavimentação,

plantio, drenagem e dragagem, fundações, cravação de estacas, execução de

blocos e pilares, sondagem, topografia, movimentação de terras, fornecimento

e montagem de andaimes, pintura industrial).

Após a entrada em funcionamento da refinaria, seriam reduzidos a cerca

de um mil e quinhentos empregos diretos, de caráter permanente, e, na sua

maioria, exigindo qualificação técnica, o que excluiria boa parte dos moradores

dos municípios que serão afetados pelo processo de construção e dos

trabalhadores envolvidos nesse mesmo processo e, em grande parte, atraídos

de outras regiões do país atrás de postos de trabalho. Nas cinco audiências

públicas realizadas, chamou atenção, também, o destaque que era dado, por

parte de técnicos da Petrobrás, a atividades como jardinagem ou venda de

sorvetes e outros produtos alimentícios nas imediações da Refinaria,

apresentados como possibilidades de envolvimento dos moradores locais no

empreendimento.

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Para garantir a construção da refinaria no Maranhão, o Governo do

Estado se comprometeu a desapropriar o terreno de 20 km2, necessário à

construção da Refinaria, e transferir gratuitamente sua propriedade à

Petrobrás. No entanto, este terreno ainda é o território sociocultutal de mais de

trinta famílias de trabalhadores da agricultura familiar que se encontram, assim,

ameaçadas de deslocamento compulsório (ALMEIDA, 2006).

Segundo denúncia apresentada nas audiências públicas acima referidas,

por Rosemeire Botetuit de Assis, sobrinha de uma das moradoras mais antigas

de Salva Terra II, e por outros moradores do povoado, funcionários da

Secretaria Estadual de Indústria e Comércio, em setembro de 2009, procuram

os moradores do povoado afirmando que teriam vinte dias para deixarem suas

terras e que seriam alojados em um galpão na cidade de Bacabeira, até que

fosse encontrada uma solução definitiva para sua situação, isto é, uma nova

área para realização de seu assentamento. Ainda segundo a denúncia, alguns

representantes dos moradores foram levados para conhecer o galpão e

constataram que não eram oferecidas condições mínimas de permanência,

recusando prontamente a proposição dos funcionários da Secretaria.

Os moradores ainda foram informados que, a partir de então, estavam

proibidos de realizar novas plantações ou benfeitorias em suas terras, pois

somente seriam indenizados pelo que tinham realizado até aquela data. Um

dos efeitos dessa ação governamental denunciado nas audiências é o risco à

segurança alimentar dessas famílias uma vez que, desde setembro de 2009,

estão com suas atividades produtivas comprometidas, na medida em que

vivem permanentemente sob o risco de terem de deixar suas terras.

As iniciativas dos funcionários da Secretaria visavam garantir a

desobstrução do terreno para que houvesse a efetivação da doação do terreno

à Petrobrás e para a realização das obras iniciais de construção da refinaria.

Essa situação provocou intensa indignação nos moradores mais antigos,

que passaram a buscar apoio na Defensoria Pública do Maranhão, no

Ministério Público Estadual e Federal e junto a movimentos sociais envolvidos

com a questão socioambiental, procurando garantir o controle sobre o território

que ocupam tradicionalmente, ou, no mínimo, condições dignas em seu

deslocamento.

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O povoado de Salva Terra II é uma comunidade com mais de 200 anos

que ocupa uma área de cerca de 450 hectares. Essa área é herança sem

partilha de quatro herdeiros, cujos descendentes constituem um grupo de, pelo

menos, 34 famílias de pescadores e agricultores. No entanto, a totalidade do

universo de pessoas que direta ou indiretamente fazem uso social dos recursos

naturais ali existentes é muito maior, pois, como se trata de terras de

propriedade coletiva, durante a realização de trabalho de campo no povoado,

pudemos registrar a presença de agregados e parceiros que usam essas terras

sem, no entanto, estabelecer moradia fixa no povoado, o que sinaliza a

importância daquele território para esses grupos.

As denúncias apresentadas nas Audiências Públicas com relação à

forma como a Secretaria de Indústria e Comércio conduziu o processo de

anúncio do deslocamento e as primeiras tentativas de realizá-lo, provocavam

muito constrangimento na mesa coordenadora dos trabalhos. Os técnicos e

representantes da Petrobras chegaram a afirmar que não tinham conhecimento

de tais fatos e que as orientações da companhia era que, se houvessem

necessidades de deslocamentos, que eles fossem feitos com a participação e

concordância dos moradores a serem deslocados. Diante disso, vários

moradores de Salva Terra II se posicionaram, afirmando que deveriam ser

buscadas soluções que não implicassem em seu deslocamento. Lembrando a

ancestralidade do povoamento, o apego afetivo ao território constituído,

representantes dos moradores sugeriam que a área de seu povoado fosse

excluída do perímetro da Refinaria.

Na audiência pública de Rosário, os moradores de Salva Terra II

receberam apoio de outros trabalhadores rurais, a exemplo de Zeca Pereira,

que é diretora do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de

Rosário, que compôs a poesia abaixo e a leu no plenário da Audiência:

"Salve a Terra" Salva, Salva terra

Vives o teu tempo de guerra Não construístes armas

Plantastes cupuaçu Salva, Salva Terra

Quantas papas de farinha mimosa Fizestes para alimentar

Raimundo, Timóteo, Maria e Rose Salva, Salva Terra Teu piqui com café

Tua Juçara com camarão

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teu povo querido, amigo e irmão Salva, salva Terra refinaria te ocupou

o teu povo sente dor Pau d'arco cai a flor

Salva Terra, Salva terra Quantos sonos os teus filhos Angustiados não tem perdido

Pensando nos dias que serão vividos Salva, Salva Terra

Quem salvará tua terra? O que será do teu povo?

Salva Terra, Salva Terra, Salva terra

Os representantes dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras

Rurais dos municípios diretamente afetados que tomaram a palavra, assim

como outros moradores dos municípios, manifestaram também preocupações

com relação à qualidade da água do rio Itapecuru, aos efeitos da poluição nas

práticas agrícolas e pesqueiras e o aumento da especulação imobiliária, que já

se faz sentir em função do aumento brusco dos preços dos aluguéis e dos

imóveis postos à venda. Na quarta Audiência Pública, realizada em São Luís,

alguns funcionários de uma imobiliária distribuíam panfletos anunciando a

venda de lotes em loteamento próximo à Refinaria e destacando a rápida

valorização financeira como um de seus principais atrativos.

Na última Audiência Pública, ocorrida no município de São Luís, na Vila

Maranhão, os debates foram intensos, pois foi retomada a discussão sobre

Salva Terra II, mas foram discutidas, também, as consequências da Refinaria

na Zona Rural de São Luís, pois seu projeto prevê que a faixa de dutos corte

vários povoados. Dentre esses povoados, alguns como Rio dos Cachorros,

Cajueiro e parte da Vila Maranhão estão incluídos no perímetro reivindicado

para criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, cujo processo encontra-se

em fase de finalização na Casa Civil do Governo Federal (SANT‟ANA JÚNIOR,

PEREIRA, ALVES e PEREIRA, 2009). No debate sobre os dutos, foi levantada

uma falha do EIA-RIMA, que não faz referência direta ao Terminal de

Tancagem, a ser construído no Distrito Industrial de São Luís, e nem aos

impactos ambientais e sociais da faixa de dutos.

As cinco audiências públicas que discutiram o licenciamento ambiental

para a construção da Refinaria Premiu I foram marcadas, além da reação de

moradores, por pronunciamentos de estudiosos que se estendiam também ao

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questionamento e/ou contestação de aspectos técnicos do EIA/RIMA. Uma das

questões levantadas refere-se às alterações na qualidade das águas

superficiais e subsuperficiais e processos erosivos e assoreamentos que

podem atingir os municípios de Bacabeira, Rosário e São Luís, envolvendo as

bacias dos rios Itapecuru, Mearim, Estiva, Inhaúma, Cachorros, Bacanga e

Itaqui e a baía de São Marcos. Além disso, serão diretamente atingidas as

comunidades de pescadores e quilombolas de Bacabeira e Rosário que estão

localizadas ao logo de todo o sistema de captação de água para uso do

empreendimento e do duto de efluentes, compreendendo uma zona tampão de

5 km a partir dos limites da área da refinaria e um trecho do Rio Itapecuru à

jusante da adução/descarte de efluentes até sua foz na baía de São José.

Em seus processos produtivos diretos, a Refinaria prevê a utilização de

água retirada do rio Itapecuru, no qual serão, também, descartados os

efluentes (resíduos, sujeira). O rio Itapecuru fornece, hoje, cerca de 50% da

água consumida em São Luís, para o que são captados aproximadamente 1,8

metros cúbicos por segundo (m³/s). Para a Refinaria, está prevista a captação

de 2 m³/s, equivalente a 7.200 metros cúbicos por hora (m³/h). A previsão de

descarte de efluentes da Refinaria, no período chuvoso e médio é de 0,74 m³/s,

equivalendo a 2.653 m³/h. No período seco, a previsão é de descarte de 0,56

m³/s, equivalendo a 2.013 m³/h. Atualmente o rio Itapecuru tem elevada

concentração de matéria orgânica, com altos teores de Fosfato e Ferro

dissolvidos, duas a três vezes superiores aos limites aceitos pelo CONAMA. Os

efluentes da Refinaria viriam a agravar esse fato.

Outro aspecto abordado foi a relação entre o refino de petróleo e a

poluição atmosférica. No EIA-RIMA e na fala dos responsáveis por sua

apresentação nas Audiências Públicas, houve sempre o destaque para o uso

de tecnologias avançadas na elaboração de filtros poderosos para o controle

da poluição. As refinarias, no entanto, possuem vários tipos de fontes

emissoras de poluentes atmosféricos: chaminés de fonte de combustão;

chaminés de exaustão de gases de processo; fontes difusas como tanque de

estocagem de líquidos orgânicos; vazamentos em válvulas; e outros

componentes como tochas e tratamento de efluentes. Assim, na atividade de

refino ocorre a emissão de material particulado (MP), de óxidos de enxofre

(SOx), de monóxido de carbono (CO), de hidrocarbonetos (HC), de gases

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resultantes da queima de combustíveis fósseis (os óxidos de nitrogênio – NOx),

dos gases de efeito estufa (dióxido de carbono – CO2 –, óxido nitroso – N2O – e

metano – CH4 –, e mais as emissões de solventes, de gás sulfídrico, de metais

e de Benzeno. Países e regiões do planeta que possuem maior experiência

com esse tipo de empreendimento e possuem legislações e políticas

ambientais mais rígidas não aceitam mais sua implantação, fazendo com que

processos industriais altamente poluidores sejam destinados a regiões e

países cujas políticas públicas estão baseadas na concepção de que a

melhoria de vida de suas populações somente pode ocorrer a partir do

crescimento econômico baseado em processos de industrialização.

Nos pronunciamentos lembrou-se que o próprio EIA-RIMA elenca

impactos ao meio físico e biótico que são irreversíveis, na medida em que as

alterações provocadas pelo empreendimento não podem ser revertidas por

ações de recuperação ou mitigação: contaminação das águas subterrâneas e

dos corpos hídricos; perda da camada orgânica do solo; redução da recarga do

aqüífero suspenso e da Formação Itapecuru e perdas totais ou parciais das

nascentes intermitentes; deterioração da qualidade do solo e das águas

superficiais e subterrâneas; geração de chuva ácida e intensificação de efeito

estufa; alteração da paisagem com modificação dos aspectos fisiográficos

locais; perda de indivíduos da flora; efeitos nocivos sobre a vegetação em

decorrência de emissões atmosféricas.

Quanto aos impactos no meio antrópico, são considerados irreversíveis:

interferências e alteração do cotidiano da população; interferências e

alterações no uso e ocupação do solo; pressão sobre a infraestrutura de

serviços públicos essenciais; aumento do tráfego de veículos; interferências no

cotidiano das populações tradicionais (quilombolas e ribeirinhos do rio

Itapecuru).

Apesar das denúncias e pronunciamentos contrários à instalação do

empreendimento, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) expediu a

Licença Prévia (LP) para o início das obras, que começa a ocorrer. Mesmo com

a permanente divulgação de notícias contraditórias na imprensa maranhense

sobre a efetivação ou não da Refinaria Premium I, principalmente em função de

questões relacionadas ao orçamento federal para o ano de 2011, foram

iniciadas obras cercamento do terreno e de terraplanagem que, apesar de

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descontínuas, ajudam a consolidar em Salva Terra II, a concepção de que o

deslocamento é inevitável.

Como os moradores do povoado nunca tinham passado por situação de

ameaça de deslocamento de seu território nem de demanda coletiva por

políticas públicas (em relação às quais sempre foram desassistidos), seu

processo de organização interna era baseado na estrutura de autoridade

familiar, tradicionalmente estabelecida. Assim, não foi produzida uma

organização formal que pudesse organizar a resistência às ameaças de

deslocamento. Essas ameaças, por um lado, e as promessas que, após a

resistência inicial de locação no galpão em Bacabeira, passaram a ser feitas de

indenização financeira e de boas condições de reassentamento, por outro,

levaram a confrontos internos em Salva Terra II e em relação a povoados

vizinhos, mais suscetíveis às propostas apresentadas por funcionários da

Secretaria Estadual de Indústria e Comércio.

Os moradores de Salva Terra II já receberam o pagamento de

indenizações referentes aos territórios que ocupam e recebem cestas básicas

para compensar as perdas por um ano sem investimentos na agricultura, mas

ainda não saíram de suas terras, pois, estão esperando a liberação do terreno

e a construção das casas que irão ocupar. No entanto, as desastrosas

experiências de deslocamento de populações no Maranhão, fazem com que a

expectativa de uma vida com mais qualidade seja obscurecida pelo temor da

não adaptação do novo modo de vida, de doenças psicossociais ou de

migração para os grandes centros, com os riscos consequentes de

marginalização. Rosemeire Botetuit de Assis, uma das pessoas que lutaram e

lutam pela permanência da sua família no seu território, expressa o sentimento

de amedrontamento e perda: “perdemos pra eles não temos forças para lutar

mais, eles ganharam (...)”.

A efetivação da Refinaria Premium I em Bacabeira, Maranhão, contudo,

é ainda incerta. Seus impactos, porém, são sentidos desde seu anúncio. O

comprometimento do modo de vida dos moradores de seu entorno já é um

impacto irreversível.

Encerrando o capítulo, ampliando a discussão...

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148

O entendimento de regiões habitadas por populações locais e por seus

modos de vida como um vazio demográfico e cultural (MENDONÇA, 2006) que,

em grande medida, compõe os discursos de justificação de projetos de

desenvolvimento, e no caso aqui estudado, de uma grande refinaria de

petróleo, desconsidera a existência de inúmeros grupos sociais e povos que

milenar ou secularmente ocupam seus territórios e aí constituem relações

produtivas, sociais e culturais, com características próprias. Esses grupos,

quando chegam a ser considerados, principalmente quando ocupam territórios

almejados pelos empreendimentos, normalmente são percebidos como

arcaicos, atrasados, empecilhos para o desenvolvimento. As populações locais,

no entanto, constituem um modo de vida peculiar (cultura, sociabilidade,

trabalho), em grande medida adaptado às condições ecológicas, predominando

economia polivalente, ou seja, agricultura, pesca, extrativismo, artesanato, com

um calendário sazonal anual, conforme os recursos naturais explorados,

normalmente, sob o regime familiar de organização do trabalho (ALMEIDA e

CUNHA, 2001; LITTLE, 2002; ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR e MENDONÇA,

2007).

Quando confrontados, esses grupos sociais e povos, em maior ou menor

intensidade, conforme o caso, reagem, enfrentam e propõem alternativas ao

modelo de desenvolvimento que os atinge. Conflitos socioambientais se

configuram na medida em que as características do modelo de

desenvolvimento dominante permanecem, mesmo que discursivamente

amenizadas, por exemplo, através da incorporação de noções como

desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade social e

ambiental.

No caso de Salva Terra II, é possível verificar, que apesar da resistência

buscada por parte de seus moradores, tudo indica que, no momento atual, será

muito difícil evitar deslocamento. Contudo, a luta de resistência forçou os

órgãos do governo estadual envolvidos na questão a buscarem soluções

negociadas com a população, na medida em que não conseguiram impor sua

orientações iniciais. Os desdobramentos desta situação, no entanto,

encontram-se em aberto e demandarão um acompanhamento permanente.

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149

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150

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151

ANEXO XI

Artigo a ser publicado no livro:

FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes (Org.). Olhares sobre a

escravidão contemporânea: novas contribuições críticas. Cuiabá: Editora da UFMT,

2011. Situação: no prelo.

ACRE E MODELO DE DESENVOLVIMENTO

Introdução

O Estado do Acre localiza-se no extremo ocidental da Amazônia brasileira, faz

fronteiras internacionais com o Peru e a Bolívia e nacionais com os Estados do

Amazonas e de Rondônia (ACRE, 2000, v.2, p.10). Na segunda metade do séc. XIX, foi

gradativamente invadido e ocupado por brasileiros e, na primeira década do séc. XX,

incorporado definitivamente ao território nacional do Brasil. A história de sua invasão,

ocupação e incorporação62

ao território nacional é intimamente relacionada à instalação

da empresa seringalista. Esta empresa tinha por objetivo extrair e exportar a borracha

produzida com o látex da seringueira (hevea brasiliensis) para os países que, a partir de

meados do séc. XIX, graças à consolidação da aliança entre conhecimento científico,

tecnologia e processos produtivos63

, passam a incorporar cada vez mais a borracha em

suas indústrias.

62

Utilizamos as noções de invasão, ocupação e incorporação para lembrar que todo o processo não

aconteceu em um espaço vazio, mas que implicou em intensas disputas por territórios e conseqüentes

massacres de povos que milenarmente ocupavam aquelas terras, com suas práticas produtivas e culturais.

Além disso, “os termos invasão, ocupação e incorporação ajudam a deixar claro que não se trata de

processos autônomos, frutos de um desenvolvimento histórico auto-gerado e inexorável... trata-se do

desempenho de atores sociais, individuais e coletivos, que estabelecem arranjos societários/institucionais

e práticas sociais, políticas, econômicas, culturais relativamente adaptados à busca de satisfação de seus

desejos e necessidades” (SANT‟ANA JÚNIOR, 2004, p. 67). 63

Principalmente a partir da segunda metade do século XIX, os produtores de conhecimentos científicos

passam a receber fortes incentivos da crescente indústria moderna. Estes incentivos aumentam à medida

que estes conhecimentos fornecem as bases para a elaboração de novas tecnologias, cada vez mais

aprimoradas e voltadas para atender o crescimento da produção industrial e agrícola, principalmente na

Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Para o que nos interessa neste artigo, é importante destacar que a

relevância econômica da borracha ocorre a partir de estudos sobre suas possibilidades de uso que

culminaram na descoberta da técnica da vulcanização (composto de borracha e enxofre, em quantidade

própria e temperatura adequada), de forma que o produto deixava de ser quebradiço quando exposto a

uma temperatura baixa, e não se tornava viscoso a um calor elevado, podendo ser, então, plenamente

incorporado, com grande proveito, na atividade industrial (TOCANTINS, 1979, v.I, p.133).

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Para pensar a instauração da empresa seringalista, em outros momentos tenho

me inspirado (SANT‟ANA JÚNIOR, 2004) nas reflexões de Bauman (1998 ), de

Benjamin (1985) e de Adorno e Horkheimer (1985) a respeito da ascensão do nazi-

facismo na primeira metade do século XX. Estes autores apontam que a retomada do

totalitarismo e da intolerância, enquanto marcas do exercício do poder, não era um

desvio no processo crescente de racionalização das práticas societárias no Ocidente.

Pelo contrário, seria um desdobramento possível de potencialidades encerradas no

mesmo processo de racionalização e não um desvio casual do percurso de constituição

do mundo moderno. Bauman (1998) afirma ainda que somente em condições de

modernidade um empreendimento de tal monta como o nazismo alemão poderia

acontecer, pois o mundo moderno, cuja feição assumida no século XX é fruto do

casamento entre ciência, tecnologia e indústria, forneceu a técnica necessária para o

controle midiático das massas; as impensáveis, até então, máquinas de guerra; as

técnicas de administração de massa e a aparelhagem técnica necessária para transporte,

controle e eliminação higiênica (câmaras de gás) de milhares de pessoas, em tão curto

espaço de tempo.

A empresa seringalista, da mesma forma, somente pode ser pensada a partir da

lógica da racionalidade moderna. Uma vasta região do planeta terra, em boa parte, até

então, desconhecida, passa a ser ocupada em função de interesses que estão

relacionados ao mais avançado processo industrial do séc. XIX que, para garantir um

determinado tipo de matéria-prima (a borracha), fundamental para seu aprimoramento,

arregimentou forças e recursos em grande monta.

Para ser implantada, a empresa seringalista exigiu que se fizesse o transporte de

milhares de nordestinos para a Amazônia64

e de grande quantidade de equipamentos e

mercadorias necessários para seu funcionamento e para fornecer as condições de

sobrevivência àqueles nela envolvidos. Exigiu, também, que se estabelecesse o fluxo

contínuo da produção dos seringais até as indústrias européias e norte-americanas. Para

tanto,

“foram mobilizados recursos tecnológicos e administrativos

dentre os mais avançados da época como, por exemplo, os

navios a vapor, que eram os meios de navegação mais modernos

64

As estatísticas deste período são muito imprecisas, mas estima-se que cerca de 500.000 a 1.500.000 de

pessoas foram transportadas entre 1875 e 1910, a partir de iniciativa da empresa seringalista (SANT‟ANA

JÚNIOR, 2004).

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de então; a utilização de alimentos enlatados, remédios

industrializados e equipamentos bélicos avançados; relações

financeiras e comerciais internacionais implantadas segundo os,

então, mais modernos princípios de administração; a

disponibilidade de capital para implantação de todo o sistema.

Enfim, pode-se afirmar que somente em função das

necessidades do mundo moderno e das condições tecnológicas e

administrativas geradas por este mesmo mundo é que foi

possível a implantação de tão vultosos empreendimentos que

viabilizaram a empresa seringalista amazônica” (SANT‟ANA

JÚNIOR, 2004, 89).

A relação direta com o núcleo da modernidade ascendente não exigiu, no

entanto, que fossem implementadas, também, “modernas” formas de emprego da mão-

de-obra. Ao invés do trabalho assalariado, que se consolidava como a forma típica do

trabalho no mundo capitalista e que recebia, por parte dos economistas clássicos, a

denominação de “trabalho livre”65

, a produção da borracha na Amazônia, desde seus

primórdios, aconteceu a partir do já bastante estudado sistema “de aviamento”

(ALMEIDA, 1992; CUNHA, 1946 e 1994; PAULA, 1991; TOCANTIS, 1979, v.I), que,

em linhas gerais

consistia na manutenção da dependência do produtor direto, no

caso o seringueiro, através do fornecimento, a crédito, de bens

de consumo e instrumentos de trabalho. O seringueiro ficava

obrigado a vender sua produção ao barracão do seringalista

(dono do seringal) que lhe aviava (fornecia) as mercadorias de

que necessitava (DUARTE, 1987, p.19; grifo do autor).

Boa parte dos seringueiros não conseguia saldar (“tirar saldo”, como se dizia na

época) suas dívidas com o barracão, que começavam nos custos com o transporte para a

Amazônia e se estendiam graças aos altos preços cobrados pelas mercadorias a eles

destinados; às proibições de produção de alimentos em suas colocações66

e de

comercialização com outros agentes67

; à manipulação das contas.

65

Desde a demonstração que Marx (1983) fez de como é extraída a mais-valia no trabalho assalariado,

esta denominação pode ser fortemente questionada. 66

Unidade individualizada de produção de borracha, no interior da floresta. 67

Desde o início da empresa seringalista, é possível encontrar registros da presença de regatões, que eram

comerciantes que navegavam pelos rios amazônicos estabelecendo trocas com produtores diretos de

borracha ou outros produtos florestais, em condições mais vantajosas que aquelas impostas pelo barracão.

O comércio com os regatões era uma forma de fugir aos rigores do controle por parte dos seringalistas e,

por isso mesmo, era proibido, implicando em fortes sansões quando descoberto.

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Segundo uma frase famosa de Euclides da Cunha, “... o seringueiro realiza uma

tremenda anomalia: é o homem que trabalha para escravizar-se” (CUNHA, 1994, p.36).

O sistema criado para a produção de borracha era garantido pela manutenção dos

seringueiros sob estrita vigilância, através de capangas contratados para este fim, e os

mesmos eram severamente castigados, se não mortos, nas tentativas de fuga ou de burla

das regras estabelecidas, sob o argumento de que tinham uma dívida a pagar

(ALMEIDA, 1992, p.20-26; CUNHA, 1994, p.35-38; DUARTE, 1987, p.23-24;

FRANCO, 1994, p.190-191; PAULA, 1991, p.36-39).

O empreendimento seringalista,

“impulsionado a partir de interesses e necessidades do mundo

moderno e do empenho de agentes que, em uma primeira

instância – a indústria européia –, faziam parte no núcleo

gerador deste mundo, ao invés de promover autonomia e

liberdade, recria relações sociais e de trabalho que são

instrumentos de cerceamento e constrangimento” (SANT‟ANA

JÚNIOR, 2004, p. 85)

As relações de trabalho criadas neste empreendimento não podem ser

consideradas, portanto, pré-modernas ou pré-capitalistas ou tradicionais, pois foram

criadas (e este é o termo mais correto) como produtos da modernidade, atendendo a

interesses surgidos no núcleo centro da industrialização moderna. Portanto, a

reprodução ou criação de novas formas de trabalho compulsório não são desvios

momentâneos, erros de rota, que marcam indevidamente certos processos de

modernização. São, sim, frutos da mesma modernidade e não têm nada de incompatível

com a mesma. A manutenção contemporânea de formas variadas de trabalho escravo

deve ser pensada como um instrumento para repensar o sinal positivo que normalmente

é apensado à própria modernidade. Esta, por mais que tenha promovido liberdade e

autonomia em algumas partes do planeta e para alguns grupos sociais, na medida em

que se espalha pelo mundo, tem difundido, também, instrumentos de coerção, de

destruição e apropriação de bens naturais, de ampliação e criação de novas formas de

exploração do trabalho.

A década de 1910 foi marcada por uma forte queda no preço internacional da

borracha, devido à concorrência da borracha de cultivo explorada pelos ingleses em

suas colônias do sudeste asiático. Isto teve significativos impactos na produção de

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155

borracha natural na Amazônia68

, gerando a primeira grande crise da empresa

seringalista brasileira. Esta primeira crise foi sucedida por um breve período de

recuperação da produção durante a Segunda Grande Guerra, de 1939 a 1945. Os

seringais de cultivo do sudeste asiático foram dominados pelos japoneses, que eram

inimigos dos países que formavam bloco dos aliados (Inglaterra, França e EUA) e o

preço internacional do produto cresceu rapidamente. O Governo brasileiro, em aliança

com os EUA, patrocinou a chamada “Batalha da Borracha”, procurando restabelecer a

produção nacional. Esta retomada não passou, no entanto, de um rápido surto, pois, com

o fim da guerra, a concorrência da borracha asiática é retomada e intensificada com a

produção de borracha sintética, feita a partir de subprodutos do petróleo. A crise na

produção seringalista brasileira se agrava e assume contornos irreversíveis.

Mauro Almeida (1992) e Cristina Wolff (1999) demonstram que, ao contrário do

que enuncia o discurso da decadência da empresa seringalista, nem todos os segmentos

sociais do mundo dos seringais foram atingidos negativamente pela crise da borracha.

Para os seringueiros, produtores diretos, os momentos de crise representaram um

afrouxamento dos controles que pesavam sobre eles. A decadência dos barracões

diminuía a sua capacidade de fornecimento de mercadorias, mas, ao mesmo tempo,

diminuía, também, sua capacidade de fiscalização e de exigência de lealdades com

relação aos seringueiros. Esta situação permitiu que os mesmos pudessem diversificar

suas atividades produtivas, ampliar seus conhecimentos dos produtos da floresta,

incorporar novos elementos em sua dieta alimentar e novos remédios de origem vegetal

e animal. Tudo isso proporcionou uma melhoria na qualidade de vida dos seringueiros

que, como lembra Wolff (1999), puderam associar os conhecimentos que traziam de sua

terra natal (na maioria dos casos, o Nordeste), com os conhecimentos que aprendiam

com nativos mais adaptados à floresta. Essa soma de conhecimentos permite gerar uma

nova forma de viver e produzir que Almeida (1992) denomina de “campesinato

florestal”.

No Estado do Acre, todo este processo, aqui apresentado em linhas gerais e

como um tipo ideal (WEBER, 2001), teve desfechos diferenciados no Vale do Rio Acre

e no Vale do Rio Juruá. A partir das políticas de desenvolvimento concebidas e

68

Dados sobre a exportação de borracha entre 1821 e 1920 podem ser obtidos em Benchimol (1977, p.

252).

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implantadas pelos sucessivos governos da ditadura civil/militar69

que se abateu sobre o

Brasil entre 1964 e 1985 e repercutidos pelos nomeados governos estaduais, e das

condições de implementação destas políticas, encontraremos ações diferenciadas das

elites locais e importadas e reações, também, diferenciadas dos grupos sociais

marginalizados no processo, em especial, dos seringueiros.

Este artigo centra sua atenção em um modelo de Unidade de Conservação

surgido do movimento socioambiental originado no Acre, como forma de enfretamento

ao modelo de desenvolvimento dos governos ditatoriais. Busca, então, recuperar a

trajetória de criação e constituição das duas primeiras experiências de Reserva

Extrativista70

criadas no Estado do Acre: a Reserva Extrativista do Alto Juruá e a

Reserva Extrativista Chico Mendes, procurando, à luz do histórico acima apresentado

como Introdução, refletir sobre os mecanismos acionados pelos seringueiros na busca

de superação de sua marginalização e os desafios contemporâneos que se apresentam,

tendo em vista a perspectiva de conquista de liberdade e autonomia e da, mais

recentemente incorporada, perspectiva de defesa ambiental.

1. O Vale do Rio Acre e o Vale do Juruá

Os Vales dos Rios Juruá e Acre são marcados por diferenças ambientais,

históricas e sociais.

Uma diferença ambiental relevante e com conseqüências imediatas nas

atividades extrativistas, é a ausência de castanheiras no Vale do Juruá, o que faz com

que a apropriação de produtos da floresta economicamente relevantes seja

predominantemente feita através do corte das seringueiras. É importante destacar

69

Adotamos, aqui, a denominação “ditadura civil/militar” por concordarmos com Gonçalves (2005a) ao

afirmar que a expressão “ditatura militar” isenta os setores civis que participaram do processo ditatorial. 70

As reservas extrativistas, constituem-se numa categoria de unidade de conservação ambiental prevista

no Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC – do Ministério do Meio Ambiente,

institucionalizado em 2004. O SNUC prevê dois grupos de unidade de conservação: Unidades de

Proteção Integral (“preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais”

– BRASIL, 2004, p 15) e Unidades de Uso Sustentável (“compatibilizar a conservação da natureza com o

uso sustentável de parcela de seus recursos naturais” – BRASIL, 2004, p 15). Compondo o segundo

grupo, a Reserva Extrativista é definida, no SNUC, como sendo: “(...) uma área utilizada por populações

extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na

agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos

proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos

naturais da unidade” (BRASIL, 2004, pp. 19-20).

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157

também o fato geográfico de que os rios Juruá e Purus (o rio Acre é afluente deste rio)

correm paralelos e vão desaguar no rio Amazonas, no Estado dos Amazonas. Esta

característica geográfica sempre foi determinante para a dificuldade de comunicação

entre as duas regiões e um relativo isolamento mútuo. No início do século XX, uma

viagem entre Rio Branco (capital do Acre), localizada nas margens do rio Acre, e

Cruzeiro do Sul, localizada nas margens do rio Juruá, poderia chegar a 2 meses de

duração e, no período das secas, quando a navegabilidade dos rios diminui, poderia se

tornar praticamente impossível.

Este elemento geográfico foi significativo na constituição de histórias

diferenciadas entre as duas regiões do Estado. A partir da década de 1960, outro

interveniente histórico tornou-se relevante: as posições político-ideológicas da Igreja

Católica passam a ser bastante distintas. No Vale do Rio Juruá, na Prelazia de Cruzeiro

do Sul, com marcante presença de padres franciscanos de origem alemã, era mantida

uma linha pastoral que, nos confrontos internos da Igreja Católica, passou a ser

reconhecida como conservadora. Já no Vale do Rio Acre, na Prelazia de Rio Branco,

constatava-se a crescente influência de uma orientação pastoral que participava do que

viria a ser chamada de corrente progressista da Igreja, associada à, então em formação,

Teologia da Libertação.

A Igreja no Vale do Rio Acre estimulou a formação de Comunidades Eclesiais

de Base, com forte ênfase na formação, organização e atuação partidária e sindical de

seus membros. Desta forma, houve uma nítida aproximação de padres, freiras e agentes

pastorais com os núcleos de resistência de seringueiros à exploração no formato de

barracão e, principalmente, às ameaças de expulsão da floresta advindas com a nascente

perspectiva de pecuarização do Acre (PAULA, 1991; ALMEIDA, 1992, SANT‟ANA

JÚNIOR, 2004).

É também no Vale do Rio Acre que se iniciou a expansão das Rodovias, marca

típica das políticas de Integragão Nacional, implementadas a partir do final dos anos

1960, pelo regime ditatorial. A BR 317, que liga o Brasil ao Peru, segue paralela ao Rio

Acre, ligando as sedes dos municípios de Rio Branco, Senador Guiomard, Capixaba,

Xapuri, Epitaciolândia, Brasiléia e Assis Brasil. Já a BR 364, cujo trajeto liga as cidades

de Rio Branco e Cruzeiro do Sul, em função de dificuldades operacionais decorrentes

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158

do grande número de rios71

e da ausência local de pedras aproveitáveis para confecção

do asfalto e de sua base, tem grande parte de seu percurso ainda sem asfaltamento,

tornando-se trafegável somente no período das secas.

Desta forma, as estradas que efetivamente ligam o Acre ao restante do país e

que, desde a sua construção lograram produzir um grande interesse em

empreendimentos pecuários, chegaram primeiro ao vale do Rio Acre e, nesta região,

provocaram, em primeiro lugar, os processos de desmatamento, a expulsão de

seringueiros da floresta e os conflitos daí resultantes. Os desmatamentos e expulsão de

seringueiros estavam diretamente relacionados com o projeto do Governo Federal,

encampado pelo Governo do Estado do Acre, de pecuarizar a economia acreana. Em

outras palavras, houve uma intensa campanha de divulgação no Centro-Sul do país que

estimulava a compra de terras daquele estado, que eram muito baratas, e incentivava o

investimento na pecuária, a partir de slogans como “Amazônia: uma terra sem homens

para homens sem terra” ou “Produza no Acre e exporte pelo Pacífico”, slogan esse que

associava terras baratas, incentivos fiscais e a construção de estradas que ligariam a

Amazônia ocidental aos portos peruanos do Oceano Pacífico.

A chegada dos primeiros fazendeiros vindos de outras regiões, denominados

localmente (independentemente de sua origem) de “paulistas”, e as conseqüentes

derrubadas de trechos da floresta, chamadas de “limpeza de áreas”, para implantação de

pastagens redundaram em amplos processos de expulsão de seringueiros que

sobreviviam nas e daquelas florestas.

A “limpeza de área” implicava, então, em retirar árvores, animais e pessoas.

Todo este processo gerou movimentos de resistência por parte dos seringueiros e

resultou em intensos e prolongados conflitos pelo controle e uso de territórios.

Perguntado sobre estes conflitos, Osmarino Amâncio, líder seringueiro, referindo-se ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e ao movimento de resistência às

derrubadas de floresta comandado inicialmente por este Sindicato e denominado

“empate”, lembra que

foi fundado o Sindicato em 1975 e o primeiro empate se deu em

1976. No Seringal Carmem, que tem uma história muito bonita.

Esse empate começou com 16 famílias e terminou com 92.

Então, teve uma adesão. E o que foi mais importante é que o

empate durou dois meses de conflito, de enfrentamento,

71

Além do grande número, vários rios, nesta região, possuem cursos instáveis, que se alteram com as

cheias anuais, o que dificulta a construção de pontes (Entrevista realizada em 20/12/2000, com Gilberto

do Carmo Lopes Siqueira, então Secretário de Estado de Planejamento e Coordenação).

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159

trincheiras dos dois lados. Enfrentou-se o exército, polícia, tudo

e foi vitorioso. Então, isso foi assim como um querosene que

pingou e espalhou, porque aí virou ... deu uma infecção de

empate na Amazônia, no Acre, principalmente, porque aí foi

exportado os empates pra Boca do Acre, pra Assis Brasil,

Xapuri. Aí eles não podiam mais vencer, porque a resistência

começou em Brasiléia, já organizada. Porque antes a resistência

era desorganizada. Mas aí, com os sindicatos, o sindicato só

organizou essa resistência (Entrevista realizada em 05/08/1999).

Estes conflitos, com os empates, assumiram um contorno local e o nome dado à

esta modalidade de resistência foi criado por seus próprios agentes, mais precisamente,

e ainda segundo Osmarino Amâncio, pelo Presidente do Sindicato, Wilson Pinheiro,

líder sindical que viria a ser assassinado em 1980.

Foi o Wilson Pinheiro quem surgiu com a idéia do empate... O

quê que era o empate? Empatar significa nós para sobreviver

aqui na floresta, nós não precisamos desmatar, nos não

precisamos fazer o desmatamento. Mas, também, se eles

desmatarem nós não temos como ficar aqui, porque o que nós

sabemos fazer é cortar seringa, quebrar castanha, trabalhar no

extrativismo. Ninguém está adaptado à agricultura. Então,

vamos empatar: nem nós derrubamos nem eles derrubam, então

está empate. Nós não derrubamos, mas eles também não

derrubam. Só que para nós era uma vitória, porque se a floresta

ficasse em pé, nós sobrevivíamos (Entrevista realizada em

05/08/1999).

Nos conflitos resultantes da resistência à expulsão e contra a derrubada da

floresta, os seringueiros contaram com o apoio da Igreja Católica e com a presença da

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), através de seu

delegado sindical, João Maia, que foi deslocado para aquele estado com a missão de

contribuir para a organização de sindicatos de trabalhadores rurais e, posteriormente, da

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre – FETACRE. Entre 1975 e 1977

foram fundados sindicatos nos sete municípios que, então, existiam no Acre (PAULA,

1991; SANT‟ANA JÚNIOR, 2004). Concomitantemente, à constituição do movimento

sindical e das comunidades eclesiais de base, acontece a discussão sobre a criação do

que viria a ser o Partido dos Trabalhadores. Segundo Osmarino Amâncio, “tanto fazia o

cara ser da Igreja, como ser do PT, como ser do sindicato, na hora de discutir estavam

ali as mesmas pessoas. Então, quando fazia uma reunião, para não perder tempo, fazia

logo as reuniões do sindicato, do partido e da Igreja” (entrevista realizada em

04\08\1999).

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160

Abrigados sob a legenda do PT, além dos militantes ligados à Igreja Católica,

podemos destacar a presença de grupos e partidos clandestinos. Dentre estes, no Acre, o

Partido Revolucionário Comunista (PRC) teve bastante influência e contou entre seus

membros com Chico Mendes e Marina Silva72

, por exemplo. Toda esta mobilização

política e social era mais expressiva no Vale do Rio Acre, tendo os municípios de

Brasiléia e Xapuri, que estavam na rota de expansão da BR 317, como principais

centros das lutas dos seringueiros.

O movimento de seringueiros, ao insurgir-se contra os desmatamentos

necessários para implantação da pecuária extensiva, buscava garantir a manutenção das

condições da reprodução social e econômica da categoria. A luta contra os

desmatamentos, mesmo que inicialmente de forma não intencional, acabou

constituindo-se em um apelo forte de preservação ambiental o que redundou numa

aproximação cada vez maior com os movimentos ambientalistas que se fortaleciam em

todo o mundo na década de 1970.

O movimento dos seringueiros contou com muitos aliados e aspectos

conjunturais favoráveis, conseguindo um nível bastante significativo de organização, de

capacidade propositiva, de articulação com outras forças sociais e de obtenção de

resultados. A eficácia do movimento foi ampliada quando passou a incorporar, em

meados dos anos 1980, o discurso ambientalista, para justificar suas lutas e como

instrumento de consolidação de alianças políticas para além da Região Amazônica,

articulando seus interesses particulares e locais com características universais e

mobilizações globais.

Os “empates” tornaram-se emblemáticos na defesa da floresta. Na busca de

ampliar suas alianças e conseguir apoio externo para suas reivindicações, os

seringueiros do Vale do Acre trouxeram a questão ambiental para o cerne da luta

travada na região. Segundo Osmarino Amâncio,

quando esse movimento surgiu, agente não sabia o que era essa

história de ecologia, essa história de defender o meio ambiente.

Aí nós descobrimos que os ambientalistas e os ecologistas

estavam querendo uma coisa, porque eles explicavam pra gente

que se a mata fosse desmatada ia aumentar a temperatura, o que

72

Chico Mendes, e Marina Silva nasceram em seringais e cresceram cortando seringa, foram

alfabetizados depois de adultos e tornaram-se lideranças sindicais, partidárias e ambientais reconhecidas

internacionalmente. Chico Mendes, a mais expressiva liderança dos movimento dos seringueiros, foi

assassinado em 1988 e é um símbolo da defesa da Amazônia. Marina Silva foi eleita Senadora da

República em 1994, reeleita em 2002 e nomeada Ministra do Meio Ambiente no início de 2003, cargo em

que permanece até os dias atuais.

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161

eles chamam de efeito estufa. Tinha uma camada de gelo

acumulada não sei onde e se o efeito estufa aumentasse a

camada de gelo ia se dissolver e as cidades na beira-mar iam

ficar debaixo d‟água, iam sumir, o mar ia subir 12 a 14 metros, o

sol ... tinha um buraco na camada de ozônio. A gente nem sabia

o que diabo era isso, essas coisas. Eles vinham falando essas

coisas e a gente mandava depois eles trocarem em miúdo, pra

gente, o que que era isso... Então esse pessoal veio e, aí, a gente

passou a ir descobrindo que eles eram os aliados importantes.

Porque a nossa briga aqui era pela reforma agrária. Agente

queria o direito de ficar na terra (Entrevista realizada em

05/08/1999)

O modelo de desenvolvimento econômico para o Acre, proposto a partir dos

governos ditatoriais, enfrentou uma oposição que, ao aliar-se com o crescente

movimento ambientalista, assumiu um caráter cada vez mais propositivo e começou a

elaborar alternativas de desenvolvimento que incluíssem o extrativismo, a qualidade de

vida dos extrativistas e a preservação ambiental. Desta forma, é a partir desta

organização que foi possível realizar o I Encontro Nacional de Seringueiros, realizado

em 1985, em Brasília. Este encontro decidiu pela criação do Conselho Nacional dos

Seringueiros e teve, entre seus resultados, a elaboração da proposta de criação das

reservas extrativistas.

Já na região do Vale do Juruá, o atraso na abertura de grandes estradas fez com

que a especulação imobiliária em torno das terras só chegasse posteriormente. Assim, o

processo de pecuarização da economia ainda não era verificável no final da década de

1970. O sistema de barracão continuava existindo e, como não há, aqui, a chegada de

fazendeiros do sul (“paulistas”), os velhos “patrões”, como eram chamados os

seringalistas, permaneceram ou mantiveram prepostos ou arrendatários, também

denominados de “patrões”. A economia do Vale do Juruá continuava sendo

dominantemente marcada pela extração da borracha e pela persistência de práticas de

exploração da mão-de-obra herdadas do modelo dos seringais implantados no final do

século XIX.

No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, não era possível manter mais o

sistema de aviamento em sua integralidade, pois a perversidade do sistema já havia sido

por demais denunciada e as condições de manutenção da exclusividade da compra de

mercadorias necessárias para a sobrevivência dos seringueiros no interior da floresta e

da venda borracha no barracão do “patrão”, já não mais existiam. Apesar disso, ainda

era muito comum a prática do endividamento dos seringueiros, mantida através da conta

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162

desigual entre o que ele consumia (mercadorias) e o que ele vendia (borracha e demais

produtos florestais) para o seringalista.

Numa região com fraca presença de órgãos fiscalizadores do Estado, com

dificuldades na difusão de informações e forte controle social e político exercido pelos

seringalistas, além do endividamento, a exploração da mão-obra dos seringueiros

persistia através da cobrança da “renda”. Como lembra Franco (1994), a capacidade dos

patrões de fornecer as mercadorias diminuiu, em função da crise da borracha, mas

continuavam a cobrar renda de terras, das quais em muitos casos, nem detinham a posse

cartorial. Isto é confirmado por Francisco Barbosa de Melo (Chico Ginu), Coordenador

do Conselho Nacional dos Seringueiros no Vale do Juruá e líder seringueiro naquela

região desde os anos 1980,

a cobrança da renda, que não era uma lei, era uma espécie de

acordo que tinha sido feito com os mateiros73

e depois foi

tomando força de lei... As pessoas que tinham título de terra,

como umas empresas que cobravam a renda no valor de 70.000

ha de terra que era ocupado pelos seringueiros, sendo que

documentado, com título definitivo eles só teriam 30.000 ha.

Isso aconteceu muito. Os seringueiros foram muito usados, com

a cobrança de renda em terras da união, 60 a 90 kilos de

borracha por estrada74

(entrevista realizada em 09/11/2006).

No Vale do Juruá, os conflitos envolvendo seringueiros, no final da década de

1970 e início da década de 1980, portanto, aconteciam majoritariamente em função da

persistência das práticas típicas do barracão e da cobrança de renda por parte dos

seringalistas. Naquela região, a cobrança de renda sem uma contrapartida em termos de

assistência, provocou cisões nos acordos tácitos que garantiam a legitimidade daquela

forma de dominação. Esta seria, então, a forma mais visível de conflito no qual estavam

envolvidos os seringueiros do Vale do Juruá.

Em 1976, foi criado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cruzeiro do Sul.

Este Sindicato, inicialmente, buscou organizar a resistência ao pagamento da renda. No

entanto, gradativamente, os “patrões” conseguiram “comprar” os Delegados Sindicais

através da sublocação da cobrança da renda. Segundo Chico Ginu

73

Especializados em abrir estradas de seringas, que são trilhas abertas na floresta ligando várias

seringueiras, e distribuí-las para os seringueiros. 74

Cada seringueiro explora, em média, 3 estradas de seringa. Normalmente, no período propício, cada

estrada de seringa é percorrida de três em três dias, para o corte e colheita do látex. A renda era cobrada

anualmente e correspondia a aproximadamente um terço da produção.

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163

Os seringalista tiveram muita ousadia, que era de comprar os

delegados sindicais. Quando eu assumi nos anos 8075

, mas

quando foi em 85 e 86 eu estava sozinho, pois eles compraram

os outros delegados todos, ou pelo contrário, eles tinham se

vendido, que é como se chamava na época, aos patrões. Se

comprava um delegado, normalmente oferecendo emprego de

cobrador de renda. Então, por várias vezes, eles tentaram me

comprar da seguinte forma: naquela época, daria em torno de 60

a 90 toneladas de borracha, só de renda, eu ganharia em torno de

15%, se eu recebesse a renda como delegado sindical, eu

receberia em torno de 15% do valor. A mesma coisa eram as

contas, os débitos. Então, eles passavam a tentar me convencer

com isso. A gente assina aqui e se tu for no seringal e dizer que

o pessoal deve pagar a renda, então nós te damos tantas

toneladas de borracha (entrevista realizada em 09/11/2006).

A cooptação da grande maioria dos Delegados Sindicais por parte dos “patrões”

enfraqueceu o movimento de resistência dos seringueiros e desacreditou o Sindicato. A

partir de meados da década de 1980, o movimento dos seringueiros, bem como os

sindicatos de trabalhadores rurais já estavam bastante consolidados no Vale do rio Acre.

O Conselho Nacional dos Seringueiros decidiu, então, que deveria apoiar mais

firmemente a organização da resistência dos seringueiros no Alto Juruá. Segundo Chico

Ginu,

Em 1988 chegou o Conselho Nacional dos Seringueiros. Em

1987, eu tive algumas reuniões com o Mauro Almeida76

no

interior dos seringais e ele já me falava do Conselho Nacional

dos Seringueiros e já falava também nas reservas extrativistas,

um tipo de reforma agrária dos seringueiros, que tinha sido uma

coisa criada pelo idealista Chico Mendes. Aí o Chico Mendes

pega o Macedo77

e bota o Macedo para ir para o Juruá para

trabalhar a proposta. Nessa época, o Macedo cruza com o Mauro

e o Mauro me indica para o Macedo como o Delegado Sindical

que estava lá trabalhando. Eu não conhecia o Macedo, eu já

tinha ouvido falar do Macedo por rádio, porque ele trabalhava

na FUNAI nessa época, com comunidades indígena, e daí, eu

pego uma mensagem pelo rádio do Macedo para encontrar com

ele no Bajé. Eu digo: „eu não conheço esse cara, mas eu vou

encontrar‟. Tive que viajar um dia por dentro dos rios alagados

75

Chico Ginu se refere ao período em que foi eleito Delegado Sindical no Sindicato de Trabalhadores

Rurais de Cruzeiro do Sul. 76

Mauro Almeida é acreano e professor e pesquisador da UNICAMP. Sua tese de doutorado, intitulada

“Rubber Tappers of the Upper Jurua River, Brasil; the Making of a Forest Peasant Economy”, foi sobre

os seringueiros do Alto Juruá e, desde sua criação vem atuando como assessor do Conselho Nacional de

Seringueiros, com especial atenção ao movimento de seringueiros no Alto Juruá. 77

Antonio Luiz Batista de Macedo, atuou como indigenista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e

participou do processo de implantação do Conselho Nacional dos Seringueiros no Vale do Rio Juruá,

tendo sido o primeiro Coordenador daquela regional.

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para poder encontrar. Daí nós começamos os trabalhos com as

comunidades (entrevista realizada em 09/11/2006).

Com a presença de Antonio Macedo e o envolvimento de Chico Ginu, foi criado

o Conselho Nacional dos Seringueiros/Vale do Juruá (CNJ/VJ), que era uma regional do

Conselho Nacional. Esta regional buscou articular o que havia de resistência dos

seringueiros e, em 1989, foi criada a primeira associação de seringueiros, a Associação

dos Seringueiros e Agricultores da Bacia do Rio Tejo. Esta associação consegui

articular um financiamento do BNDES para criação de micro-cooperativa, que pudesse

garantir o fornecimento de mercadorias para os seringueiros no interior da floresta e,

desta forma, criar alternativas ao controle que os “patrões” ainda exerciam sobre os

mesmos78

. No entanto, a criação da Cooperativa era um passo rumo ao objetivo

assumido pelo Conselho Nacional dos Seringueiros, que era a criação das Reservas

Extrativistas. Segundo Chico Ginu, “nesse período de 89, nós já trabalhávamos

totalmente com o propósito de criação da Reserva Extrativista” (entrevista realizada em

09/11/2006).

2. O processo de criação das RESEX (Chico Mendes e Alto Juruá) – da resistência

ao modelo de desenvolvimento ao desafio da sustentabilidade

Enfrentamentos constantes, conflitos, “empates”, mortes e perseguições intensas,

levaram os seringueiros à re-significar sua identidade, então ligada ao empreendimento

seringalista decadente e, portanto, desvalorizada. Procuraram, então, relacioná-la, cada

vez mais, com a defesa ambiental, apresentando-se como “guardiões da floresta” (Cf.

ESTEVES, 1999), de forma que permitiu uma rápida articulação com movimentos

ambientalistas e sociais locais, nacionais e internacionais. A crescente articulação entre

movimentos ambientais e sociais, num processo que pode ser pensado como

ambientalização dos conflitos sociais (LEITE LOPES, 2004), provocou o surgimento de

novas práticas e conceitos nestes mesmos movimentos, permitindo a emergência do que

hoje vem sendo chamado de socioambientalismo.

Os movimentos sociais no Estado do Acre assumiram um forte papel na

consolidação do socioambientalismo, como movimento, e atuaram como protagonistas

78

Para uma análise detalhada do processo de criação desta cooperativa, dos passos dados e dos problemas

surgidos, ver Franco (1994).

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165

na construção de uma modalidade de Unidade de Conservação que se constituiu em

uma novidade jurídica, que é a Reserva Extrativista.

Em 1985, no I Encontro Nacional dos Seringueiros, a proposta de criação das

reservas extrativistas, que vinha sendo discutida nos encontros de base preparatórios

para este Encontro Nacional, foi aprovada como uma das principais reivindicações dos

extrativistas ali presentes79

. A idéia era que, a exemplo das Reservas Indígenas, os

extrativistas deveriam lutar para que o Estado brasileiro criasse uma modalidade de

ocupação de território na qual a propriedade da terra seria mantida sob controle do

Estado, mas seria dada a concessão do direito de uso a associações de extrativistas que

manteriam sua forma tradicional de uso do território. Desta forma, seria implantado um

novo modelo de reforma agrária: a reforma agrária do seringueiro. Este modelo se

distingue por acontecer sem a distribuição de lotes individuais ou familiares de terras,

como nos assentamentos de reforma agrária, mas pela apropriação coletiva do território

e pelo compromisso dos membros das associações beneficiadas com a prestação de

serviços ambientais, garantidos através de planos de manejo dos recursos naturais. Além

disso, o órgão federal encarregado de gerir o processo não seria o INCRA, mas o

IBAMA, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. A reforma agrária do seringueiro

é um mecanismo de ambientalização da luta pela permanência na terra e pela garantia

de acesso aos recursos naturais.

A primeira Reserva Extrativista do país foi criada no Acre. Trata-se da Reserva

Extrativista do Alto Juruá, criada, por decreto presidencial, em 23 de janeiro de 1990,

pelo Decreto Presidencial nº 98.863, abrangendo uma área de 506.186 ha, no recém

emancipado município de Marechal Thaumaturgo, desmembrado do município de

Cruzeiro do Sul. Chico Ginú, referindo-se a esta reserva afirma:

foi nos anos 90, ela foi criada. Foi um trabalho muito difícil, que

foi tentar desenhar um modelo de reforma agrária para os

seringueiros com características ambientais, ninguém tinha...

Então ali não foi feita nenhuma consulta pública, não foi feita

nenhuma reunião comunitária, não foi feito nenhum trabalho

preparatório, como a lei obriga que seja feito hoje. Então foi

feita uma coisa assim, porque, ou fazia daquele jeito ou então

não saía. Porque não tinha nenhuma modalidade de reservas

extrativistas. Daí, foi quando começou.

79

Apesar de ser denominado de Encontro Nacional dos Seringueiros, participaram do evento outras

categorias de extrativistas como quebradeiras de coco do babaçu, pescadores artesanais, ribeirinhos.

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166

No dia 12 de março de 1990, portanto, no mesmo ano da anterior, foi criada,

pelo Decreto Presidencial nº 99.144, a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Vale do

Rio Acre, abrangendo 970.570 ha dos municípios de Xapuri, Brasiléia e Assis Brasil.

As primeiras Reservas Extrativistas (RESEX) foram criadas em um momento

em que o país passava pelo encerramento do processo de transição dos governos

ditatoriais para governos eleitos diretamente pelo voto popular. O primeiro presidente

eleito após a ditadura de 1964, Fernando Collor de Melo, assumiu como diretriz de seu

governo a orientação conhecida geralmente como neoliberal e que prevê o enxugamento

do tamanho do Estado, a redução de sua intervenção na economia e das políticas

públicas.

Houve um incentivo inicial à constituição das Reservas Extrativistas, em boa

parte assegurado pelo processo de preparação da Conferência das Nações Unidas para o

Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD)80

, prevista para ser realizada entre

03 e 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro, o que fazia com que o Governo brasileiro,

como anfitrião de evento tão importante, tivesse que apresentar resultados significativos

em termos de iniciativas de defesa ambiental. Mas, com o passar do tempo, predominou

a concepção de que o Estado deveria assumir um papel cada vez menos ativo na

sociedade, Assim, com relação à garantia de qualidade de vida e de condições de

produção econômica no interior das Reservas Extrativistas, aos extrativistas restaria a

alternativa de buscar criar as condições de sua própria sobrevivência, aprendendo a lidar

com o mercado (coisas que não foi feito antes, pois as relações comerciais feitas com o

mundo externo aos seringais se davam por mediação dos seringalistas e do barracão ou

através dos regatões). Hoje, enfrentam os desafios próprios de qualquer iniciativa

inovadora, buscando garantir as condições para sua consolidação (Cf. PINTON;

AUBERTIN, 1997, p. 268-283; FRANCO, 1996, p. 50).

3. As RESEX e os desafios contemporâneos – o modelo de desenvolvimento não

morreu e as ameaças da incorporação ao mercado.

80

Também conhecida pelos nomes ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra.

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167

Os desafios de sobrevivência, num mundo hegemonizado pelo mercado e

em situação de monetarização crescente da vida81

, faz com que as pessoas se tornem

mais dependentes do acesso ao dinheiro, na forma de moeda. A falta de apoio estatal,

tanto no âmbito da fiscalização da ação de agentes externos às Reservas e que buscam

extrair seus recursos, quanto do incentivo às práticas produtivas previstas nos planos de

manejo, remete os extrativistas localizados em reservas à sua própria sorte. Segundo

Chico Ginu,

Não existe nenhuma política pública adequada às populações

tradicionais, que venha a possibilitar que as pessoas encontrem

entre eles mecanismos de sustentabilidade econômica e social e

ambiental, que evite, que possa prevenir a aceleramento do

desmatamento, provoque ação ao meio ambiente e que, acima de

tudo, venha a garantir uma vida digna para quem está dentro da

mata.

A constituição das Reservas Extrativistas não é garantia de que a conservação

ambiental se dará. Como lembra Becker (2007), assistimos atualmente uma retomada do

planejamento de grandes projetos de desenvolvimento do Estado brasileiro,

principalmente a partir do Programa Avança Brasil82

, elaborado nos governos

presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), e do Plano Pluri-Anual do

governo Luís Inácio Lula da Silva (a partir de 2003), que logrou obter o contorno da

acentuada crise econômica pela qual passava o país e, assim, ampliar a capacidade de

investimento do Estado nacional.

Não é difícil constatar, neste processo, a retomada intensiva de projetos

desenvolvimentistas concebidos no período ditatorial e relativos à construção de infra-

estrutura (principalmente estradas e hidroelétricas) para garantir as condições de

implementação de grandes projetos econômicos no país e, em especial, na Amazônia.

Retoma-se a perspectiva de integração da Amazônia à dinâmica capitalista. No caso do

Acre, há uma ênfase na extração de madeira e na pecuária.

O momento político é outro, há o acúmulo dos últimos anos, com constituição de

Reservas Indígenas e demais Unidades de Conservação, no entanto, o efeito objetivo

parece não mudar. A questão a ser pensada é a monetarização da vida. O inimigo

devastador não tem mais uma cara visível, imediatamente associada à truculência de

81

Isto é, a sobrevivência individual e familiar torna-se cada vez mais dependente do acesso à moeda,

forçando cada vez mais as pessoas e grupos sociais a se dedicarem à produção de valores de troca,

sobrando cada vez menos tempo para a produção de valores de uso (sobre valores de uso e de troca, ver

Marx, 1983). 82

Para uma análise crítica deste Programa, ver Nepstad et al (2000).

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168

uma ditadura e seu aparato militar ou à impunidade de grandes fazendeiros e seus

capatazes ou jagunços. Ele está disfarçado em práticas cotidianas, movidas por motivos

simples e imediatos, que permitem transferir, sempre, a outrem, quase sempre um

homem genérico, sem cara e sem corpo (“o Homem está destruindo a natureza” –

Gonçalves, 2005b), e dissociando as práticas produtivas e de consumo imediatas dos

graves efeitos globais.

Não se coloca, assim, em questão o modo de vida. Há uma lógica que não

permite enfrentar efetivamente as causas do problema. Por parte das populações locais,

principalmente da crescente população urbana, a demanda por desenvolvimento,

modernização é cada vez maior e legitima ações modernizadoras governamentais e da

iniciativa privada. Estas ações, no entanto, normalmente, implicam em concentração de

renda e degradação ambiental.

As Reservas Extrativistas, aqui estudadas, têm sofrido um processo crescente de

pecuarização por dentro, na medida que, não tendo garantido outras possibilidades de

ganho financeiro, os extrativistas passam a investir na criação de gado bovino. É

comum ouvir, entre os seringueiros, que a criação de algumas cabeças de gado seria

uma espécie de constituição de uma poupança para o enfrentamento de necessidades

imediatas de dinheiro, pois há grande facilidade de transformação do gado em papel

moeda: é só colocar no varadouro83

e levar para cidade que se obtém o dinheiro

necessário e/ou desejado. É crescente a solicitação, por parte dos seringueiros, da

ampliação das áreas de desmate no interior das Reservas, com vistas à ampliação da

criação de gado. Segundo Rosildo Rodrigues de Freitas, Presidente do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Brasiléia,

Nós temos exemplo aqui de várias comunidades que está com

sua colocação inteirinha e tem dificuldade até para tomar o café

da manhã. Já outro que desmatou a área dele inteirinha, ele tem

o carro na porta, ele tem o seu crédito, ele tem o seu filho

estudando lá fora. Isso dá uma contradição muito grande e às

vezes isso ta chamando o próprio produtor a pensar desta forma:

„eu não tenho nada ainda porque não desmatei minha floresta,

mas até quando vou poder continuar a fazer isso?‟ Isso a gente

ouve todo dia. Isso eu ouço todo dia aqui na minha mesa

(entrevista realizada em 18/08/2004).

Em função desta situação, Rosildo afirma ainda que:

Nossos parceiros hoje estão dentro do Governo e o Governo tem

suas leis que têm que ser cumpridas e, aí, se limita na burocracia

83

Caminhos abertos no interior da floresta.

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169

das leis do Estado, do país e às vezes as entidades não têm como

romper, porque estão desmobilizadas e com isso nós temos

sofrido muitos fracassos nesta questão da preservação

ambiental, da organização social. E se nós não tivermos uma

política voltada para esta questão, a Reserva Chico Mendes vai

estar ameaçada e, daqui há dez anos, nós não vamos ter mais a

Reserva. Isto nós temos comentado com muitas pessoas, já

fizemos audiência pública tocando esta questão, mas até agora

as coisas acontecem e parece que não aconteceu nada (entrevista

realizada em 18/08/2004).

A discussão atual sobre as Reservas Extrativistas não pode passar ao largo de

uma discussão sobre o papel do Estado na consolidação destas reservas enquanto espaço

de garantia da convivência entre produção e conservação ambiental. Tanto a atuação no

âmbito da fiscalização das práticas produtivas e das ações de agentes sociais externos às

reservas, quanto no âmbito do incentivo e suporte a práticas produtivas não degradantes

do meio e da remuneração por serviços ambientais, o estado não pode se ausentar, sob

pena de colocar em risco a viabilização das Reservas Extrativistas enquanto modelo de

conservação ambiental. Estes territórios não posem ser submetidos às leis do mercado,

pois o mercado moderno não é e, por suas características, não pode ser uma instância a

ser acionada para garantia da conservação.

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Ecológico-Econômico do Estado do Acre. Zoneamento ecológico-econômico:

indicativos para a gestão territorial do Acre – documento final. Rio Branco: SECTMA,

2000. V. 3.

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Ecológico-Econômico do Estado do Acre. Zoneamento ecológico-econômico: recursos

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171

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MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Trad. Regis Barbosa e Flávio R.

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172

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Brasília: INL/Conselho Federal de Cultura; Rio Branco: Governo do Estado do Acre,

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Wernet. São Paulo: Cortez/Ed. da UNICAMP, 2001. Parte 1. pp. 107-154.

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(1890-1945). São Paulo: Hucitec, 1999.

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173

ANEXO XII

Artigo a ser publicado no livro:

1. FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; SANT‟ANA

JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.). Trabalho Escravo Contemporâneo: um

debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: Mauad, 2011. Situação: no prelo.

PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO, DESLOCAMENTOS COMPULSÓRIOS E

VULNERABILIZAÇÃO DE POPULAÇÕES LOCAIS

Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior84

Karla Suzy Andrade Pitombeira85

1. INTRODUÇÃO

A Amazônia brasileira e, nela, o Maranhão, desde a década de 1960, têm sido

alvos de planejamentos governamentais que envolvem políticas desenvolvimentistas

promovidas pelos governos federal e estaduais, contando com a participação ativa de

grandes grupos econômicos privados e com o financiamento de agências multilaterais

de desenvolvimento. Estas políticas, quando implantadas, levam à instalação de grandes

projetos industriais, mineradores, pesqueiros, turísticos, agro-pecuários. Seus impactos

(políticos, sociais, culturais, ambientais, religiosos e étnico/raciais) são múltiplos,

levando a conflitos sociais que, mais recentemente, em grande medida, passam a ser

reconhecidos como conflitos socioambientais, na medida em que estão associados ao

domínio e uso de territórios e de seus recursos naturais.

Os grandes projetos de desenvolvimento provocam o confronto de lógicas

diferenciadas de apropriação do ambiente, seja dos grupos que os gerenciam e/ou

daqueles que se aliam aos mesmos, seja dos grupos sociais atingidos, conduzindo esse

cenário de disputas para conflitos socioambientais, que envolvem diferentes formas de

significação do modo de vida, a partir das diferentes categorias, representações e atores

sociais que neles buscam legitimidade. Existe uma tendência geral, verificada nestes

84

Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC), Professor Permanente do

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Professor Colaborador do Programa de

Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas (PPGSE) da Universidade Federal do Maranhão

(UFMA); Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

(GEDMMA). 85

Mestranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade

Federal do Maranhão (PPGCSoc/UFMA), bolsista do CNPq.

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processos, de que os grupos sociais com menor poder de decisão sofram mais

diretamente com as possibilidades de cerceamento do acesso a territórios

tradicionalmente utilizados como fonte de sobrevivência, estando sujeitos mais

diretamente a deslocamentos compulsórios86

e/ou impedimentos de realização de

atividades produtivas e de manutenção familiar.

Deslocamentos compulsórios de populações locais e/ou impedimento de acesso

a recursos naturais (em função de seu cercamento, apropriação privada ou extinção)

para instalação de projetos industriais, mineradores, agropecuários, turísticos,

pesqueiros, ou de infra-estrutura, têm ampliado a vulnerabilização destes grupos, na

medida em que sua possibilidade de reprodução social fica comprometida pela

diminuição de sua capacidade produtiva. A necessidade de buscar meios de

sobrevivência diferenciados daqueles tradicionalmente acionados expõe,

principalmente, os homens adultos em idade produtiva à ação de

aliciadores/intermediadores de mão-de-obra, que arregimentam trabalhadores para as

mais variadas formas de trabalho, submetendo-os a exploração, coerção e violência,

com destaque para as atividades relacionadas ao roço da juquira87

, produção de carvão

vegetal e trabalho na cana de açúcar.

É recorrente na porção oriental da Amazônia brasileira a combinação de trabalho

escravo88

em fazendas, tráfico de seres humanos, conflitos de terra e desflorestamento, o

que demonstra o descompasso da lógica de produção dos grandes projetos com a

realidade local, na qual a riqueza socialmente produzida não é distribuída igualmente e

os ônus são socializados, sendo destinados principalmente aos grupos sociais mais

fragilizados social e economicamente (SCHERER, 2009).

Visa-se aqui analisar situações socioambientalmente conflitivas no Maranhão,

decorrentes de projetos de desenvolvimento instalados a partir do final da década de

1970 ou, atualmente, em vias de instalação, enfatizando a relação entre deslocamentos

86

Almeida (1996, p. 30) define deslocamento compulsório como “o conjunto de realidades factuais em

que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias

habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive

físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses

circunstancialmente mais poderosos”. 87

“Trata-se da derrubada do mato com a foice, caracterizando uma das últimas etapas de limpeza do

pasto para a criação de gado, com a retirada de ervas daninhas e demais tipo de vegetação que cresce em

meio ao capim, já plantado anteriormente” (MOURA, 2009, p. 25). 88

Para o aprofundamento do estudo de formas de exploração da mão-de-obra que podem ser interpretadas

como trabalho escravo, em suas várias modalidades e diferentes denominações (escravidão, servidão,

trabalho escravo, trabalho escravo contemporâneo, redução de pessoas a condições análogas à de escravo,

trabalho escravo por dívida, semi-servidão, trabalho forçado) no Brasil, ver Esterci (1994), Martins

(1994), Figueira (2004), Moura (2009), dentre outros.

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compulsórios de grupos sociais locais, cerceamento de acesso a recursos naturais e

vulnerabilização para o trabalho escravo.

A compreensão desses processos indica sua relação com o surgimento e

desdobramentos do modelo de desenvolvimento decorrente das investidas dos governos

ditatoriais, instalados após o golpe militar de 1964, no sentido da industrialização e,

conseqüente, modernização do país e que previa, concomitante e associadamente, a

integração da Amazônia à dinâmica econômica nacional e internacional (SANT‟ANA

JÚNIOR, 2004). O Governo Federal planejou, então, a instalação de infraestrutura

básica (construção de grandes estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, usinas

hidrelétricas) que permitisse a rápida ocupação da região, entendida então como um

grande vazio demográfico (D‟INCAO e SILVEIRA, 1994). Este entendimento

desconsiderou a territorialidade multifacetada da Amazônia brasileira, marcada pela

existência de inúmeros grupos sociais e povos que milenar ou secularmente vêem

ocupando a região e aí constituindo relações produtivas, sociais e culturais, com

características próprias. Estes grupos sociais e povos, em maior ou menor intensidade (o

que somente pode ser verificado em cada caso empírico) sucumbem, reagem, enfrentam

e/ou propõem alternativas ao modelo de desenvolvimento que os atingia ou, ainda,

atinge.

Lógicas de mercado, de representação, de vida se impuseram na Amazônia e são

retratadas através de variadas pesquisas que revelam a população, o trabalho, o trabalho

infantil, o espaço de reprodução da força de trabalho, a riqueza, a pobreza, os conflitos

agrários, o trabalho escravo, a questão étnico-racial em suas diferentes manifestações

(BECKER, 2007; CASTRO, 2008; ESTERCI, 1994; FIGUEIRA, 2008; SANT‟ANA

JÚNIOR, 2004; SCHERER, 2009), colocando às claras, o descompasso entre o

desenvolvimento pensado para essa região e a repercussão deste no cotidiano de seus

habitantes.

Nos últimos 30 anos, os vultosos projetos mínero-metalúrgicos e

agroexportadores têm causado o deslocamento, expropriação e/ou expulsão de inúmeras

famílias e povos tradicionais de seus lugares. A expansão da produção recompõe a

organização socioespacial dos municípios que sediam esses projetos, assim como

daqueles que estão em seu entorno, repercutindo nas condições de vida da população e

contrapondo mais uma vez o dueto capital e trabalho.

2. PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO

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Na Amazônia Oriental, o Programa Grande Carajás89

, “concebido para garantir a

exploração e comercialização das ricas jazidas de minério localizadas no sudeste do

Pará” (AQUINO e SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 47) e com conseqüências em uma

grande área de influência e em vários ramos de atividade econômica, constituiu-se na

expressão mais visível do modelo de desenvolvimento implementado a partir do regime

ditatorial de 1964 (CARNEIRO, 1997; MONTEIRO, 1997).

Fundamentando o modelo de desenvolvimento baseado em grandes projetos,

está uma leitura da Amazônia e do Maranhão, como regiões de grandes potencialidades

econômicas, porém com atrasos e déficits que devem ser supridos numa atuação

conjunta de Estado e iniciativa privada. Esta atuação é percebida como um eficiente

instrumento de promoção do desenvolvimento e da modernidade (SANT‟ANA

JÚNIOR, 2004).

A instalação de um amplo pólo siderúrgico situado entre os estados do

Maranhão e Pará pode ser compreendida como uma das principais conseqüências do

processo de modernização da Amazônia brasileira levado a cabo pelo Programa Grande

Carajás. As indústrias siderúrgicas, segundo esse modelo de planejamento, ocupariam a

posição de principais protagonistas da modernização nessa região. Os impactos sociais e

ambientais referentes à atuação desses megaprojetos eram postos de lado frente ao

discurso inebriante de geração de trabalho e expansão de bens e serviços que tornariam,

portanto, a região mais “modernizada”. Na contra corrente desse discurso, evidenciou-

se uma crescente degradação ambiental, posta em xeque por organizações

ambientalistas e caracterizada pela poluição das áreas circunvizinhas às siderúrgicas,

que passam a ser impactadas com a emissão de poluentes na atmosfera e nos cursos

d‟água e pelo intenso desflorestamento, em função da produção de carvão vegetal,

principal redutor e fonte de energia utilizados na produção siderúrgica da região.

Há de se considerar que, antes mesmo da implantação do pólo siderúrgico, os

desmatamentos já ocorriam por conta do preparo da terra para a lavoura, posse de terra e

formação de pastagens sem “quaisquer controle ou mesmo sem o devido cuidado no

89

Segundo Sousa (2009, p. 24), o Programa Grande Carajás foi criado por decreto presidencial (Decreto-

Lei 1.813, de 24/11/1980) e “abrangia uma área de 900 mil Km² (10,6% do território nacional), e

abarcava os estados de Goiás (na região que atualmente é o Tocantins), Maranhão e Pará”. O Programa

previa a criação de pólos mínero-metalúrgicos, florestais, siderúrgicos e agrícolas. Foi oficialmente

extinto, enquanto política governamental, em 1991, no entanto seus efeitos continuam presentes e

atuantes na região, principalmente em função da infraestrutura gerada e do permanente estímulo à

implantação de atividades produtivas nele previstas.

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tocante ao manejo florestal e reflorestamento” (IDESP, 1988, p. 02). Contudo, isso

ocorria em menores proporções comparado à atuação da siderurgia, que é tão predatória

quanto o desmatamento para fins agropecuários, mas com a agravante de ser uma

atividade regular ao longo dos anos. Ambas causam danos irreparáveis ao meio

ambiente ao destruírem o frágil equilíbrio dos ecossistemas regionais (IDESP, 1988).

Em menos de quarenta anos, a vasta floresta que caracterizava a pré-amazônia

maranhense foi praticamente extinta. Essa degradação passou a ser apontada pelo

discurso empresarial como sendo, exclusivamente, resultado da atividade pecuária e da

agricultura “itinerante”, funcionado como argumento para escusa da responsabilidade

ambiental que lhe cabe.

Outro aspecto derivado do Projeto Grande Carajás e associado diretamente à

implantação da Estrada de Ferro Carajás, é o processo de concentração fundiária com a

ampliação das ações de grilagem de terra e da expulsão de trabalhadores de sua área. A

Amazônia, fonte de fornecimento de matéria-prima e mão-de-obra barata, sofre a

apropriação de recursos que beneficiam o capital em detrimento das condições de

reprodução material e subjetiva dos grupos sociais locais. São vastos hectares de terra

voltados ao modelo de desenvolvimento pensado para essa região para atender,

principalmente, a exploração mineral, madeireira, agrícola e pecuária de grandes

proporções.

Este cenário reflete o avanço da fronteira agrícola regido pelos denominados

proprietários de terras tituladas, que amiúde são os representantes de empresas

transnacionais, madeireiras e grandes fazendeiros que se utilizam da logística dominante

na região para instaurar um modelo de desenvolvimento que vem de fora e beneficiam-

se ainda mais das injunções políticas locais, contribuindo para invisibilidade de grupos

sociais com pouco poder político e econômico diante do grande capital. Sendo-lhes útil

direcionar os holofotes quando convier aos protagonistas do desenvolvimento,

significativas são as iniciativas de responsabilidade social que se apresentam como

tendo o objetivo de neutralizar os impactos dessas atividades, embora de uma maneira

limitada e contraditória.

Longe de ser uma região de oportunidades – pelo menos, para aqueles que

produzem a riqueza de nosso país – a Amazônia destaca-se pela pauperização de sua

população contrastando com a riqueza dos recursos naturais, o que vem a contribuir

para a vulnerabilização dos agentes sociais, ocasionando deslocamentos de pessoas e

famílias inteiras a procura de melhores condições de vida.

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No Maranhão, os desdobramentos do Projeto Grande Carajás e de outras

grandes iniciativas desenvolvimentistas levaram à implantação da infraestrutura

necessária para a exploração mineral, florestal, agrícola, pecuária e industrial. Desde o

final da década de 1970, foram implantados: estradas de rodagem cortando todo o

território estadual e ligando-o ao restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando as

grandes minas do sudeste do Pará ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de São

Luís, formado pelos Portos do Itaqui (administrado pela estatal estadual Empresa

Maranhense de Administração Portuária - EMAP), da Ponta da Madeira (pertencente à

Cia Vale do Rio Doce, hoje conhecida como Vale) e da Alumar (pertencente ao

Consórcio Alumar, subsidiária da grande multinacional do alumínio, a Alcoa); a

hidrelétrica de Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui (ambas em construção).

Paralelo e associadamente a estas grandes obras de infraestrutura, foram instalados neste

mesmo período: sete usinas de processamento de ferro gusa nas margens da Estrada de

Ferro Carajás (ver quadro 1); uma grande indústria de alumina e alumínio (ALUMAR,

que no ano de 2009 inaugurou a expansão de sua planta industrial, dobrando sua

capacidade produtiva) e bases para estocagem e processamento industrial de minério de

ferro (Vale) na Ilha do Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais

(Centro de Lançamento de Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura

agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e sudeste do estado; projetos de criação de búfalos,

na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão;

projetos de carcinicultura, no litoral.

Quadro 1: Empresas siderúrgicas implantadas no Maranhão

Nome da Empresa Controle Origem

Viena Siderúrgica do

Maranhão S/A

Grupo Valadares Siderurgia/MG

Cia. Vale do Pindaré S/A Grupo Queiroz Galvão Construção/PE

Cia. Siderúrgica do Maranhão

S/A

Grupo Queiroz Galvão Construção/PE

Siderúrgica do Maranhão S/A Grupo Queiroz Galvão Construção/PE

Gusa Nordeste S/A Grupo Ferroeste Siderurgia/MG

Ferro Gusa do Maranhão Ltda Grupo Aterpa Siderurgia/MG

Maranhão Gusa S/A Grupo Calsete Siderurgia/MG

Fonte: Dados apresentados pelo Prof. Dr. Marcelo D. S. Carneiro na Mesa Redonda Impactos

Econômicos e Transformações nas Relações de Trabalho, VI Jornada Maranhense de Sociologia e II

Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, UFMA, de 06 a 09/10/2009.

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A implementação dessa logística operacional voltada ao escoamento da

produção em grande escala trouxe uma série de transformações aos municípios que

estão em seu entorno. O abandono da agricultura (por parcela dos camponeses) e a

consequente venda de terra podem ser elencados como fatores que alteram a realidade

regional da atividade produtiva e do trabalho, uma vez que estes trabalhadores

encontram-se pressionados (por falta de alternativas) e atraídos pelo carvoejamento.

Acresce-se a isso o crescimento do latifúndio, o avanço da propriedade privada

sobre a floresta, os fluxos migratórios e “uma defasagem gritante entre a infra-estrutura

voltada ao desenvolvimento das atividades econômicas ligadas ao grande capital e a

infra-estrutura destinada ao bem estar da população em geral” (HÉBETTE et al, 2004,

p. 107)90

. O desenvolvimento da atividade carvoeira exemplifica um dos processos

desencadeados após a efetivação da Estrada de Ferro Carajás, devido à instalação das

empresas siderúrgicas, em que o trabalho nas carvoarias assume uma dimensão

relevante na cadeia de produção siderúrgica. “O carvão vem de milhares de grandes e

pequenas carvoarias espalhadas por um amplo território abrangendo os estados do

Maranhão, Pará, Tocantins e, em menor escala, do Piauí” (INSTITUTO

OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 19)

O processo de produção do carvão envolve um conjunto de etapas com funções

específicas:

Cada etapa da produção do carvão é feita por trabalhadores com funções características:

motoqueiros (operadores de motosserras) para o corte da madeira; carbonizadores e forneiros,

funções chave no processo, que lidam com a queima da madeira; batedor de tora e carregadores

de lenha, que transportam a madeira (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 21).

As atividades relacionadas à agricultura, à extração da madeira e à produção de carvão

tem registrado inúmeros casos de trabalhadores em condições de trabalho não digno91

,

que também vem sendo denominado de trabalho escravo.

A utilização da força de trabalho sob forma repressiva e precarizada tem se

apresentado como uma questão recorrente no segmento siderúrgico, por adquirirem

carvão vegetal de fornecedores (terceirizados) que se utilizavam destas práticas, ações

que se tornaram mais conhecidas a partir das fiscalizações do Grupo Móvel de

90

Nesta, e nas demais citações, mantemos a ortografia original do texto, que é anterior ao Acordo

Ortográfico da Língua Portuguesa, que entrou em vigor em 2009, provocando algumas alterações na

ortografia utilizada no Brasil. 91

“O trabalho forçado é a antítese do trabalho digno” (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009,

p. 05)

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Fiscalização do Ministério do Trabalho e a atuação de entidades da sociedade civil e

organizada.

O carvão, principal recurso usado para a fabricação do ferro-gusa, passou a

adquirir uma dimensão econômica relevante na área de influência da estrada de ferro,

pois as indústrias o consomem em larga escala, provocando desta forma a modificação

da realidade regional, compondo uma “vocação” imposta à região em razão dos

empreendimentos siderúrgicos. O preço reduzido em relação aos outros insumos, a

maior oferta e disponibilidade logística são os fatores que contribuem para que o carvão

vegetal seja, ainda, o mais utilizado como insumo energético na produção siderúrgica

(PITOMBEIRA, 2008).

Considerando a atividade de produção de carvão como um apoio ao parque

siderúrgico de Carajás, Monteiro (2004, p. 05) percebe a produção de carvão como:

o principal elo de articulação dessas indústrias com a socioeconomia da região (...) não só pelos

valores movimentados, mas principalmente pelo surgimento de variadas e diversas estruturas

sociais que passaram a viabilizar a produção do carvão vegetal. Esta demanda impulsiona

transformações sociais na região. Dentre elas o surgimento de um grande contingente de

trabalhadores dedicados à produção de carvão vegetal.

O carvão vegetal a baixos custos desempenharia certo controle sobre a margem

de lucro tanto das empresas siderúrgicas quanto dos empresários fornecedores de

carvão. A mão-de-obra barata e a madeira em abundancia retirada ilegalmente da

floresta sem licença ambiental são fatores que se coadunam para o complexo guseiro de

Carajás adentrar na concorrência de mercado de uma forma vantajosa, com baixos

custos em sua produção. A ampliação da capacidade de produção das siderúrgicas tem

contribuído para que muitos proprietários rurais voltem sua atenção para a produção de

carvão, o que os leva a investir na mobilização de trabalhadores através da estratégia de

subcontratação92

. Repete-se aqui, o que é conhecido internacionalmente: “São

particularmente vulneráveis as pessoas menos protegidas, incluindo as mulheres e os

jovens, os povos indígenas e os trabalhadores migrantes” (ORGANIZAÇÃO

INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2009, p. 01).

O emprego da força de trabalho nas carvoarias está vinculado à condições

estruturais que viabilizam o delineamento de relações entre empregados e empregadores

sob conjunturas de dominação e exploração. No cotidiano dessas carvoarias ainda

92

A subcontratação pode ser citada como uma estratégia de garantia da força de trabalho para o complexo

siderúrgico dessa região, prática esta que tem dado margem ao descumprimento da legislação trabalhista

vigente.

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persistem vivências de exploração humana, tema comumente recorrente na literatura

que trata do período escravidão no Brasil, que aparentemente parece ter cessado. Há de

se considerar, conforme é enfatizado pelo já referido relatório da OIT, o trabalho

forçado “não pode ser simplesmente conotado com baixos salários ou com más

condições de trabalho”, esta atrelado à violação de direitos humanos em suas variadas

nuanças, sendo considerado, portanto, uma grave infração penal.

Nas carvoarias da Amazônia vivem:

homens que perderam a liberdade, não recebem salários, dormem em currais, comem como

animais, não têm assistência médica e, em muitos casos, são vigiados por pistoleiros autorizados

a matar quem tentar fugir. Esses trabalhadores, em sua maioria, não sabem ler nem escrever. Em

geral, esqueceram a data do aniversário. Têm dificuldades de se expressar, sentem medo, vivem

acuados e não gostam de falar sobre si mesmos. Quase sempre, não possuem carteira de

identidade nem título de eleitor. São como fantasmas, com futuro incerto (INSTITUTO

OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 12)

Embora haja legislação, declarações políticas, convenções coletivas de

trabalho93

, instrumentos regionais e planos de ação contra essas práticas que afrontam

os direitos humanos, ainda é persistente sua ocorrência. Em março de 2004, servindo

como um aliado ao trabalho desenvolvido pelo Grupo Móvel de Fiscalização da

Delegacia Regional do Trabalho (DRT-MA), foi constituído o Fórum de Erradicação do

Trabalho Escravo no Maranhão (FOREM)94

que, somado às ações realizadas pelo

Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH)95

, Sindicatos de

Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), Organizações Não-Governamentais

(ONG) e demais entidades civis, vem realizando atividades de mobilização social junto

aos trabalhadores rurais, com vistas à prevenção e à denúncia de trabalho escravo.

O artigo 149, do Código Penal Brasileiro (CPB) considera trabalho escravo não

só a privação da liberdade, mas igualmente, a submissão do trabalhador a trabalhos

forçados ou á jornada exaustiva96

. Os artigos 203 e 207 do CPB também visam atribuir

punição a este crime, apesar de muitos casos não resultarem em efetiva punição, tendo

como agravante a indefinição da competência jurisdicional (Justiça Federal ou Justiça

93

A Convenção Coletiva de Trabalho 2009/2010, celebrada entre o Sindicato de Trabalhadores nas

Indústrias de Carvão Vegetal no Estado do Maranhão e o Sindicato das Indústrias de Carvão Vegetal do

Estado do Maranhão, Piauí e Tocantins, é significativa no setor siderúrgico, pois estipula as condições de

trabalho para as categorias de trabalhadores e empregadores nas indústrias e reflorestamento para carvão

vegetal do estado do Maranhão. 94

Moura (2009) ressalta que algumas denúncias encaminhadas à DRT-MA partiram deste Fórum. 95

Instituição sediada em Açailândia-MA, e que tem como uma de suas principais características o

combate ao trabalho escravo contemporâneo na região em que atua. 96 Quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua

locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

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comum dos estados?) para se julgar esses casos (CERQUEIRA, FIGUEIRA, PRADO e

COSTA, 2008).

Das 29 operações regionais de fiscalização realizadas no Maranhão pelo grupo

Móvel de Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho, entre janeiro de 2005

e setembro de 2009, ao todo foram resgatados 1.093 trabalhadores em situação de

análoga a de escravo (ver Tabela 1). Moura (2009) salienta que a maioria das ações de

fiscalização foram realizadas na Região Tocantina (ao Sul do estado), com destaque aos

municípios de Imperatriz, Açailândia e adjacências, ou seja, na região de influência da

Estrada de Ferro Carajás.

Tabela 1: fiscalizações da Superintendência Regional do Trabalho no estado do Maranhão

Ano Operações realizadas Trabalhadores

resgatados

2005 05 264

2006 05 287

2007 08 381

2008 08 87

2009* 03 74

TOTAL 29 1.093 Fonte: Superintendência Regional do Trabalho/MA

*Dados até setembro de 2009.

A utilização da força de trabalho sob condições degradantes e repressiva passou

a ser um aspecto recorrente na Amazônia Oriental, levando-se em consideração a

tendência “fabricada” a partir da instalação de empreendimentos siderúrgicos para a

fabricação do ferro gusa. As desigualdades sociais que destoam da riqueza de recursos

minerais e florestais na região é apontada por Esterci (1994) como o vetor responsável

pela utilização de práticas degradantes da força de trabalho. As denúncias que tratam da

exploração da mão-de-obra rural, da coerção e da violência despertaram um interesse

público graças às ações de entidades de mobilização social que contribuíram de forma

decisiva para ações mais efetivas por parte do estado.

No caso específico das situações de trabalho escravo na cadeia de produção

siderúrgica da região Carajás, destaca-se a atuação de combate e denúncia do Centro de

Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), do Grupo Móvel de

Fiscalização do Ministério do Trabalho, do Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo

no Maranhão (FOREM), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e, por parte das

empresas siderúrgicas, o Instituto Carvão Cidadão (ICC).

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Criado em 2004, o Instituto Carvão Cidadão é uma entidade que representa os

interesses das empresas siderúrgicas de Carajás97

, uma espécie de porta-voz das

experiências dessas empresas na questão da repressão ao trabalho escravo na produção

de carvão vegetal, embora haja iniciativas de tornar a produção autossustentável, com o

reflorestamento, com eucalipto, das áreas devastadas.

As siderúrgicas98

não possuem fornecedores fixos de carvão. As

carvoarias produzem para distintas siderúrgicas e o processo de produção (por ser

terceirizado) nesses termos apresentava-se como um dado sem grande relevância.

A criação do ICC tem sido apresentada como uma tentativa de acompanhar o

cumprimento da legislação por parcela de seus fornecedores. É com este intuito

que o ICC audita somente os fornecedores das indústrias guseiras associadas a

este99

. Assim como o Ministério do Trabalho, o Instituto Carvão Cidadão emprega em

suas auditorias questionários para diagnosticar as condições de trabalho nas carvoarias,

de forma a avaliar o desempenho dos fornecedores e das empresas siderúrgicas na área

de sua atuação.

Os dados quantitativos que esses questionários sintetizam oferecem um meio

privilegiado de apreensão da realidade social da produção carvoeira que abastece o Pólo

Siderúrgico de Carajás. A diversidade de indicadores mensura as irregularidades

cometidas pelos fornecedores de carvão.

Vale destacar que a seleção dos indicadores que o ICC leva em consideração

está em consonância com as exigências do Ministério do Trabalho e Emprego. São

esses indicadores que vão permitir ao Instituto a aproximação com a realidade do

trabalho na atividade carvoeira. O ICC, portanto, é apresentado como:

fruto da necessidade das Siderúrgicas de ter entre seus fornecedores, produtores de carvão

vegetal responsáveis e cumpridores da legislação trabalhista. O Ministério do Trabalho e

Emprego iniciou em 1996 um trabalho intensivo de fiscalizações nas carvoarias do Maranhão,

que resultou, em 1999, no Termo de Ajuste de Conduta firmado entre as Siderúrgicas do

Maranhão, Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego, instrumento

que regulamenta até a presente data as relações de trabalho nas carvoarias do Maranhão

(http://www.carvaocidadao.org.br/empresa/).

97

O ICC foi criado pelas siderúrgicas que compõem o Pólo Carajás, sendo o seu capital produto

exclusivo de aplicações dessas empresas voltadas para o desempenho de suas funções. 98

Essas siderúrgicas têm como principais consumidores de ferro gusa os Estados Unidos. Esse gusa

movimenta um mercado de aços especiais, requisito indispensável para fabricação de artigos de alta

tecnologia. 99

As siderúrgicas associadas ao ICC são: Cikel Siderurgia Ltda, Cosima, Fergumar, Gusa Nordeste,

Ibérica, Margusa, Pindaré, Sidepar, Simasa, Sinobrás, Viena e Vale.

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Depreendemos, portanto, que o Instituto carvão Cidadão tem sido um mediador

importante entre as siderúrgicas que compõem o Pólo Carajás e o segmento mobilizado

da sociedade civil que luta contra o trabalho escravo contemporâneo. É o ICC quem

traduz aos produtores mínero-metalúrgicos as pressões externas decorrentes da

execução das atividades no setor carvoeiro (PITOMBEIRA, 2008, p. 55).

Segundo Carneiro (2008), a explicação para a maior adesão das siderúrgicas

localizadas no Maranhão ao ICC pode estar relacionada com a maior pressão exercida

pelo movimento de combate ao trabalho escravo na cadeia da produção siderúrgica

nesse estado, o que depois irá ocorrer também no estado do Pará.

O consumo da mata nativa, com impactos sobre os biomas locais, é a outra face

do tão almejado e difundido desenvolvimento industrial. Um dos pilares da

industrialização, a siderurgia é expressiva na economia brasileira dada sua inevitável

importância na viabilização de outras indústrias, como, por exemplo, as de materiais de

transporte, bens de capital e equipamentos elétricos.

O volume de matéria-prima demandado impressiona. Somente em 2007, segundo a Associação

Mineira de Silvicultura (AMS), o consumo de carvão vegetal no Brasil foi de 9,2 milhões de

toneladas - mais de 90% destinou-se ao setor siderúrgico. Para se ter uma idéia, são necessárias

48 árvores, conforme parâmetros do Ministério do Meio Ambiente (MMA), para produzir

apenas uma tonelada de carvão. Em outras palavras, naquele ano mais de 440 milhões de árvores

foram para o forno (http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1611).

Muitos empresários desse setor compraram e ainda compram terras para a

plantação de eucalipto, ampliando a especulação imobiliária e fazendo com que muitos

trabalhadores migrem para grandes centros urbanos ou para os municípios

circunvizinhos.

O trabalho escravo na região Amazônica, relacionado ao roço da juquira, está

atrelado a constituições de condições prévias ao estabelecimento de atividades

produtivas. É no processo de formação das fazendas que subsidiam os empreendimentos

na chamada região de fronteira agrícola que se cria a complexa rede de relações sociais

que transformam a super-exploração em escravidão (MOURA, 2009). É no interior

dessas fazendas, que abrangem uma imensidão de hectares, que muitos dos

trabalhadores em situação de desemprego buscam trabalho, submetendo-se a super-

exploração, que pouco a pouco passa a se configurar como escravidão. Muitos destes

encontram-se longe de seus locais de moradia e foram aliciados por contratos verbais

com promessas de emprego que favorecem a imobilização do trabalhador diante da

necessidade de reproduzir-se material e socialmente.

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Convém destacar que os objetivos postos pelo Instituto Carvão Cidadão não

são intrínsecos a esse espaço, mas emergentes de uma conjuntura situada

historicamente. O seu sentido atrela-se ao engajamento (relacional e engendrado) do

setor empresarial com as questões sociais reclamadas pelos agentes (ou grupo de

agentes) atingidos por suas ações.

As estratégias acionadas pelos trabalhadores que, expulsos de suas terras,

submetem-se às condições precárias de trabalho100

alteram as condições de

funcionamento da economia familiar assim como sua organização, reconstituindo os

papéis sociais envoltos nesse processo. A subordinação ao trabalho que se aceita por

questão de sobrevivência e/ou ausência de alternativas, que no interior do Maranhão é

conhecido como “a necessidade” (MOURA, 2009), em muitas situações é vivenciada

como superexploração da força de trabalho, em que diversos mecanismos são postos em

ação para imobilizar a força de trabalho.

Considerando esse aspecto, a relação estabelecida entre estes trabalhadores e

suas atividades podem, por vezes, dar um sentido específico às interações entre os

aliciadores/intermediadores da força de trabalho, fazendeiros, trabalhadores e outros

agentes envolvidos nessa trama.

Os deslocamentos de trabalhadores em busca de trabalho têm transformado o

contexto de vários municípios formadores de um exército de mão-de-obra que é

distribuído em diversos setores da economia. Timbiras, assim como, Codó e São José

dos Basílios são municípios maranhenses que se destacam por fornecer trabalhadores

para o desempenho de funções nas usinas de cana-de-açúcar de São Paulo e de outras

regiões do centro-sul brasileiro.

Muitos dos agentes envolvidos nessa conjuntura expressam aquiescência pelas

situações de exploração vivenciadas no trabalho101

, uma vez que estas denotam

possibilidade de aquisição102

, conforme salienta Marinho (2007).

A repercussão desses deslocamentos na região de origem e suas representações

(nuançadas pelas experiências individuais) criam laços que deixam em aberto a

possibilidade de retornar ao destino que lhes propicia oportunidade de emprego,

conjecturando, portanto, uma complexidade na representação que os trabalhadores

100

Moura (2006) designa esses trabalhadores de escravos da precisão. 101

Experiência também vivenciada no transporte desses trabalhadores em ônibus clandestinos que,

comumente encontra-se em péssimas condições de conservação. 102

Aquisição de bens materiais e de dinheiro que proporcionariam a sensação de que o “esforço”

empregado foi compensatório, embora se tenha vivenciado exploração da força de trabalho.

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formam a respeito das atividades que desempenham e o custo-benefício atreladas a

estas, neutralizando, por vezes, a problemática do trabalho escravo e a superexploração

do trabalho (preponderantemente rural) e constituindo, assim, uma peculiaridade

relacional que varia conforme a conjuntura local.

A relação de exploração formatada sob diversas nuanças103

acrescida da

formação de grandes empreendimentos agrícolas na Amazônia brasileira constitui uma

rede de relações104

que caracterizam a chamada escravidão contemporânea. É no

mosaico dessas relações que a vulnerabilidade a que estão sujeitos esses trabalhadores

passa a ser um aspecto marcante.

A atividade agrícola, não obstante as condições precárias em que é realizada,

continua a ser a principal fonte de rendimentos, mesmo considerando outras atividades

que geralmente são apontadas como complementação de renda, sendo, também, um

meio de se adquirir recursos para serem aplicados no roçado que garantirá (por algum

tempo) a reprodução do grupo familiar (MOURA, 2009).

Esse conjunto de iniciativas, decorrentes de planejamentos governamentais e/ou

envolvendo a iniciativa privada, tem provocado profundos impactos socioambientais,

alterando biomas e modos de vida de populações locais (conhecidas também como

populações tradicionais), através de reordenamento socioeconômico e espacial de áreas

destinadas à implantação dos mesmos.

3. CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS, À GUISA DE CONCLUSÃO

Apesar das permanentes relações de exploração/complementariedade que

ocorrem entre trabalhadores rurais vulnerabilizados pela concentração das terras e

graves limitações às suas formas de reprodução social e grandes empreendimentos

agropecuários e industriais e seus intermediários (os “gatos”, por exemplo), os impactos

de grandes projetos podem provocar o confronto de lógicas diferenciadas de

apropriação do ambiente, seja dos grupos sociais atingidos, seja dos grupos que

gerenciam os grandes projetos de desenvolvimento ou daqueles que se aliam aos

mesmos, conduzindo esse cenário de disputas para “conflitos ambientais”, que

envolvem diferentes formas de significação do modo de vida, a partir das diferentes

103

A escravidão por dívida, alojamento inadequado, falta de equipamentos de segurança são bastante

esclarecedoras nesse sentido. 104

Relações estas que, em muitos casos, são retratadas como uma experiência traumática.

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categorias, representações e atores sociais que neles buscam legitimidade (ACSELRAD,

2004). Na medida em que alguns grupos sociais incorporam em sua luta e em seus

discursos a questão ambiental, como instrumento de universalização de sua luta

particular, podemos identificar um processo de “ambientalização dos conflitos sociais”

(LEITE LOPES, 2004). No Maranhão, um expressivo número de conflitos

socioambientais se configuram em decorrência de projetos de desenvolvimento

instalados a partir do final da década de 1970 e, atualmente, em vias de instalação.

Dentre os principais conflitos sócio-ambientais que marcaram e/ou marcam a

história recente do Maranhão, podemos destacar os conflitos em torno da criação de

búfalos nos campos de uso comum da Baixada Maranhense, que ficou conhecido na

imprensa local como a “matança dos búfalos” (MUNIZ, 2009); a luta dos povoados

quilombolas do município de Alcântara contra as ações do Centro de Lançamentos de

Alcântara (centro de lançamento de artefatos espaciais), que para se implantar na década

de 1980 deslocou compulsoriamente vinte e três povoados e ameaça deslocar mais seis

para expandir sua área de atuação (PAULA ANDRADE e SOUZA FILHO, 2006); o

movimento de quebradeiras de coco babaçu contra a expansão da pecuária bovina

extensiva e contra o cercamento e interdição de acesso às florestas de babaçuais

(CORDEIRO, 2008); o conflito envolvendo povoados da Zona Rural do município de

São Luís contra a instalação de um pólo siderúrgico que implicaria no deslocamento de

doze povoados (ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR; MENDONÇA, 2007), conflitos em

função da expansão da sojicultura no sul e leste maranhenses (SCHLESINGER;

NUNES; CARNEIRO, 2008), os conflitos nos municípios de Bacabeira e Rosário em

torno da instalação da Refinaria Premium da Petrobrás. Além destes, inúmeros outros

conflitos vão se configurando com a implantação de projetos de carcinicultura no litoral;

a construção da Hidrelétrica de Estreito, na divisa com o Tocantins; a ampliação da

indústria turística, principalmente nos Lençóis Maranhenses; dentre outros. Esses

conflitos revelam que, além da subordinação e ajustamento a uma ordem injusta, vários

grupos sociais podem vir a acionar instrumentos de resistência e, buscando estabelecer

alianças com outros grupos sociais na mesma condição e com movimentos sociais os

mais variados, lutar pela garantia do acesso à terra e aos recursos naturais utilizados

ancestralmente, procurando superar sua condição de vulnerabilidade.

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192

ANEXO XIII

Artigo enviado para ser publicado nos anais do:

II Simpósio Nacional de Geografia Política, Território e Poder e I Simpósio

Internacional de Geografia Política e Territórios Transfronteiriços. Foz do Iguaçu, PR,

01 a 04 de maio de 2011.

A GEOGRAFIA POLÍTICA DOS CONFLITOS AMBIENTAIS NO

MARANHÃO: TERRITÓRIO, DESENVOLVIMENTO E PODER NO

RELATÓRIO DE SUSTENTABILIDADE DA VALE 2009

THE POLITICAL GEOGRAPHY OF ENVIRONMENTAL

CONFLICTS IN MARANHÃO: TERRITORY, DEVELOPMENT AND POWER IN THE VALLEY SUSTAINABILITY REPORT 2009

Autor: José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior

Vínculo Institucional: Universidade Federal do Maranhão

Atividades Profissionais: Discente do Curso de Geografia Licenciatura Plena e

Bacharelado (UFMA). Professor da Rede Pública de Ensino no Colégio José

Justino Pereira e do Programa de Educação Pré-vestibular Comunitário para

Jovens Afro-descendentes "Agadá”. Membro do Grupo de Estudos:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e colaborador do

Núcleo de Estudos e Pesquisa do Sindicalismo (NEPS). Estagiário do Instituto

Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC)

E-mail: [email protected]

Autor: Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior

Vínculo Institucional: Universidade Federal do Maranhão

Atividades profissionais: Doutor em Ciências Humanas (Sociologia) pelo

Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ); Coordenador do Grupo de Estudos:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA); Professor do

Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC), dos Programas de Pós-

Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Políticas Públicas (PPGPP) da

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

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193

E-mail: [email protected]

Resumo: o presente trabalho, a partir de um ponto de vista crítico, identificado

com a ecologia política, visa analisar a distribuição dos conflitos ambientais no

Maranhão, através do discurso contido no documento intitulado Relatório de

Sustentabilidade 2009 da Vale, quando possível, redarguir as afirmações

presentes no documento com casos concretos.

Palavras-chave: Relatório de Sustentabilidade da Vale. Ecologia Política.

Conflitos Ambientais no Maranhão.

ABSTRACT: the present work, from a critical point of view, identified with

political ecology, aims to analyze the distribution of environmental conflicts in

Maranhao, through the speech contained in the document entitled Valley‟s

Sustainability Report 2009, where possible, reprove the affirmations gifts the

document with specific cases.

Key-Words: Valley‟s Sustainability Report. Political Ecology. Environmental

Conflicts in Maranhao.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: estabelecendo o contexto

A Vale105 é uma das maiores transnacionais e uma das maiores

mineradoras do mundo. Seu grupo empresarial é composto por pelo menos 27

empresas coligadas, controladas ou joint-ventures distribuídas em mais de 30 países,

dentre eles Canadá, Moçambique e Nova Caledônia, nos quais desenvolve atividades

de prospecção e pesquisa mineral, mineração, operações industriais e logística. É

uma empresa multinacional sediada no Brasil que conta com 60 mil

empregados próprios e 80,6 mil terceirizados, totalizando mais de 140 mil

empregados.

Desde a década de 1970, a Vale tem atuado direta e indiretamente no

território maranhense, haja vista o Corredor Norte da Companhia ser formado

por um complexo mina-ferrovia-porto, a saber: a província mineral de Carajás,

105

Desde 2007, a Companhia Vale do Rio Doce utiliza o termo Vale como nome fantasia.

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no Pará; a Estrada de Ferro Carajás, que corta os Estados do Pará e

Maranhão, e, finalmente, o Terminal Marítimo Ponta da Madeira, localizado na

capital São Luís-MA. A estruturação desse complexo tem contribuído

decisivamente para a promoção de impactos socioambientais: deslocamento

de populações, poluição atmosférica, mudanças na articulação e apropriação

do território, reorganização da economia e crescimento urbano desordenado.

No decorrer deste artigo, objetivamos analisar o documento intitulado

“Relatório de Sustentabilidade 2009” da Companhia Vale do Rio Doce, que

está disponível no sítio www.vale.com. O documento compõe-se de três

seções principais: OPERADOR SUSTENTÁVEL, CATALISADOR DO

DESENVOLVIMENTO LOCAL e AGENTE GLOBAL DE SUSTENTABILIDADE.

2 O perfil de uma empresa moderna, “eco-eficiente” e (in)sustentável

A Vale se apresenta no relatório como uma empresa que preza 1) pela

ética nos negócios, 2) pelo respeito ao meio ambiente, 3) pela qualidade de

vida nos territórios onde atua e 4) por buscar contribuir para a construção de

um legado positivo para as gerações futuras (VALE, 2010a, p.2 ). Este

pequeno perfil da empresa já nos permite ter uma noção do que esperar da

leitura do relatório: um escrito que se apresenta como a fonte da verdade

objetiva, que servirá como prova inquestionável e de legitimação de suas

ações. Mas, continuemos com o documento:

Somos uma empresa global com atuação direcionada ao setor de mineração. Promovemos a pesquisa, a produção e a comercialização de um amplo portfólio de produtos que hoje inclui minério de ferro e pelotas, níquel, cobre, carvão, bauxita, alumina, alumínio, potássio, caulim, manganês, ferroligas, cobalto, metais do grupo da platina e metais preciosos. Nossos negócios incluem, ainda, os segmentos de logística, energia, siderurgia e fertilizantes, que consideramos estratégicos e integrados à mineração. Nossos produtos e serviços estão presentes em todas as áreas da sociedade moderna, como componentes fundamentais para a garantia da qualidade de vida das pessoas. Três de nossos principais produtos – minério de ferro, carvão e manganês – são insumos essenciais para a fabricação do aço, presente na indústria de base, nos transportes, nas construções e em milhares de itens do nosso dia a dia. O níquel é utilizado na produção de aço inoxidável e também integra equipamentos eletrônicos e médico-hospitalares. O cobre está presente nas redes de telecomunicação e também nos aparelhos de TV e celulares. A bauxita é insumo para a produção de alumínio, material que compõe tanto embalagens como peças de aviões. Já o uso do potássio e da rocha fosfática aumenta a produtividade da agricultura, enquanto o caulim é utilizado nas indústrias de papel, cerâmica e farmacêutica (VALE, 2010a, p.2, os grifos são nossos).

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Para pensar criticamente uma descrição tão alvissareira da atividade

minerária realizada pela Vale é preciso, antes de mais nada, lembrar que a

atividade de mineração é extremamente agressiva ao meio ambiente. Este

fator, aliado aos segmentos de logística (principalmente a Estrada de Ferro

Carajás, com seus 892 km, por onde a Vale escoa a sua produção), energia

(uma demanda cada vez mais crescente para que o trabalho possa ser

realizado), siderurgia (metalurgia do ferro e do aço que cada vez mais expõe

seus riscos) e fertilizantes (um dos muitos símbolos da Revolução Verde106)

constituem a esfera de ação da Companhia. A justificativa para toda essa ação,

para todo esse portfólio estratégico, está arraigada na modernização da

sociedade: todos os produtos e serviços oferecidos pela Vale se fazem

extremamente necessários para a garantia da qualidade de vida das pessoas.

É como se fora desse âmbito, da modernidade, a vida não fosse de

qualidade ou qualificada: todos seriam tradicionais107.

No espaço dedicado a mensagem do diretor-presidente Roger Agnelli lê-

se:

Frente à retração da demanda por minerais e metais, em função da redução sem precedente na produção da indústria siderúrgica, tivemos de realizar iniciativas voltadas à redução de custos e ao aumento da eficiência. No entanto, tomamos medidas para manter os talentos internos, entre as quais a recolocação e a requalificação dos nossos funcionários. Fizemos os ajustes necessários para enfrentar a situação imediata, mas realizamos, em 2009, investimentos de US$ 9 bilhões, fundamentais para o nosso crescimento orgânico e para a sustentabilidade econômica no médio e no longo prazos (VALE, 2010a, p.6, os grifos são nossos).

Em virtude da recessão econômica mundial, iniciada no final de 2008, na

qual a Vale reduziu os investimentos de US$ 14 bilhões para US$ 9 bilhões,

como também demitiu 2 mil trabalhadores diretos e 13 mil terceirizados, a

empresa economizou com essa demissão de trabalhadores diretos

aproximadamente US$ 200 milhões e US$ 616 milhões com os terceirizados,

totalizando US$ 816 milhões (RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2010).

106

Foi chamado de revolução verde um amplo processo internacional de incorporação de sementes manipuladas geneticamente, insumos agrícolas, fertilizantes, maquinário pesado na agricultura, alterando formas tradicionais e locais de produção (MUNIZ; SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 256). 107

A noção de modernidade está atrelada diretamente a de colonialidade: a história moderna nada mais é do que a universalização de uma história local: aquela da Europa. Modos de produzir e consumir de origem européia são considerados modernos; em contrapartida, o que não é europeu é considerado atrasado, bárbaro, tradicional (DUSSEL, 2005).

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Creio que este exemplo ilustra bem o que a Vale entende por redução de

custos e aumento da eficiência. Agora vem o mais interessante:

[...] a Vale contabilizou, em 2009, um lucro líquido de US$ 5,3 bilhões, realizando uma remuneração total ao acionista de US$ 2,75 bilhões. Em meio a toda a incerteza nos mercados globais, realizamos, em 2009, extensos investimentos socioambientais, totalizando US$ 781 milhões, destinando US$ 580 milhões para ações ambientais e US$ 201 milhões a projetos sociais (VALE, 2010a, p.7, os grifos são nossos).

Nas palavras do diretor-presidente Roger Agnelli, presume-se que a

Vale investiu maciçamente em meio ambiente e projetos sociais. Só que este

dado por si só mascara uma realidade. Se fizermos o cálculo sobre a

porcentagem dos investimentos socioambientais sobre o lucro líquido da

companhia temos como resultado: 0,15%. Ou seja, não atingiu sequer 1% do

lucro líquido da Vale. Ressalte-se ainda que este é o valor disponibilizado para

todas as unidades da companhia.

Muito desse sucesso econômico alcançado pela Vale reflete o seu

posicionamento no mercado mundial (exportadora de matéria-prima), no qual a

sua transnacionalização e o seu crescimento assombroso deve-se, em parte, a

demanda industrial da China (GODEIRO et al, 2007). Com efeito, as

negociações entre as mineradoras mundiais com a Baosteel chinesa tornam-se

referência para o preço anual do minério de ferro no mercado internacional

(FIGURA 01).

Figura 01. Vendas de minério de ferro para China. Fonte: Vale, 2010b.

Em matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, David

Friedlander escreve que depois de dobrar o preço do minério de ferro (em abril

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de 2010), a Vale o reajustará em 35%. Com o novo reajuste, a previsão é que a

Vale dobre o faturamento este ano e, consequentemente, as siderúrgicas já se

preparam para repassar o aumento de custos. O novo preço começou a vigorar

a partir de 1º de julho de 2010 e, segundo os analistas, o faturamento da Vale

deve dobrar, fechando o ano em mais de US$ 40 bilhões (RIBEIRO JUNIOR;

SANT‟ANA JÚNIOR, 2010).

O reajuste foi feito em consonância com o mercado chinês: a cotação do

minério de ferro no mercado chinês bateu em US$ 189,50 a tonelada, enquanto

a mineradora brasileira vendia seu produto por cerca de US$ 110 - que foi o

preço fixado pela Vale para o trimestre que vai de abril a junho. Nesse sentido

a Vale está tentando recuperar a defasagem adquirida em relação à China.

Começou em julho de 2010 quando o preço do minério de ferro da Vale

foi reajustado de US$ 110 para algo em torno de US$ 140 e US$ 145 a

tonelada. É significativo o reajuste, ainda mais se considerarmos que antes da

crise econômica global, que desencadeou um período de recessão nas mais

diversas economias do mundo, em setembro de 2008, a Vale vendia a tonelada

de minério de ferro por US$ 80 (RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2010).

É interessante perceber como a empresa que se diz comprometida com

o “desenvolvimento dos empregados”, por serem “dinâmicos e persistentes”,

não levou em consideração que poderia estar sendo descompromissada ao

não destacar que, ao aumentar o preço do minério de ferro, a Vale promoveu o

fechamento das portas da Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré. No início

da década, o preço de cada tonelada de ferro valia US$ 30. Atualmente varia

entre US$ 130 e US$ 150. Isso é aproximadamente um aumento de cinco

vezes em 10 anos. Com a alta no preço, a Vale contribuiu negativamente para

a produção de ferro gusa no Distrito Industrial de Pequiá, em Açailândia - MA.

Com efeito, não apenas a Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, mas

também a Siderúrgica do Maranhão, que juntas geram cerca de 500 empregos

diretos e 2000 indiretos, foram diretamente afetadas. Relativamente a tal

impasse, a ex-Deputada Helena Heluy (PT-MA) convocou junto a uma comitiva

de metalúrgicos, uma audiência pública na Assembléia Legislativa do

Maranhão, que, infelizmente, não teve resultados positivos e se transformou

em pouco mais do que um desabafo e algumas falas de consolo. O fato é que

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os impactos no setor de empregos chegaram a 3 mil diretos e 6 mil indiretos

(RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2010).

3 OPERADOR “SUSTENTÁVEL”... E LUCRATIVO

Um dos três pilares da Vale é o operador sustentável. “Operar com

sustentabilidade é atuar com consciência e responsabilidade socioeconômica e

ambiental em todo o ciclo de vida das nossas atividades. É criar “V.A.L.O.R.”

(VALE, 2009a, p. 1). Para demonstrar com mais clareza o que a empresa

entende por criar valor, o relatório segue afirmando:

Nos últimos dez anos, entre 2000 e 2009, a Vale foi a empresa de mineração diversificada que mais gerou valor para o acionista, com retorno total (TSR, na sigla em inglês de Total Shareholder Return) de 33,2%, em média, por ano, desempenho que se repetiu também nos últimos cinco anos, entre 2005 e 2009, com TSR médio de 35,3%. [...] o valor de mercado da Vale passou de US$ 61,9 bilhões, em 31 de dezembro de 2008, para US$ 146,9 bilhões, ao final de 2009. [...] Nos últimos cinco anos, a Vale distribuiu aos seus acionistas, sob a forma de dividendos e juros sobre o capital próprio, o valor de US$ 10,075 bilhões, sendo US$ 2,75 bilhões apenas em 2009 (VALE, 2010a, p.19).

Em apenas um espaço de tempo de 01 ano (2008-2009), a Vale

aumentou seu valor de mercado em US$ 85 bilhões! O que se esconde por trás

desse número é uma exploração brutal da natureza e dos seus trabalhadores

que se converte em dividendos para os acionistas. Apenas para 2009, a Vale

repassou mais de 27% do seu lucro para os acionistas. “Este dinheiro poderia

pagar todos os salários da empresa em todo o mundo e ainda sobrar 25% deste valor

para entregar aos acionistas [...] dinheiro suficiente para pagar a folha de

pagamento anual dos 42 mil trabalhadores da Vale no Brasil (ORGANIZAÇÕES,

2010, p.40, os grifos são nossos).

Não obstante, ateste-se que, quando se fala em “controle de emissões”,

as plantas de alumínio possuem 22% de suas emissões por processo e 78%

originadas da queima de combustíveis fósseis. Para este último, o

consumo de carvão mineral foi 40% maior para o ano de 2009. Além disso,

as locomotivas e equipamentos de mineração correspondem a cerca de 70%

das emissões globais da Vale e, por mais que a empresa advogue que estão

“predominantemente, em áreas não habitadas ou com baixo índice de

ocupação, o que reduz significativamente os impactos na qualidade do ar”

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(VALE, 2010a, p.64), ela ignora, por exemplo, as vibrações produzidas pelo

trem quando passa por algumas localidades, como é o caso de Arari-MA, o que

provoca muitas rachaduras nas casas próximas, colocando em risco suas

estruturas.

Em Arari, a Vale está implantando uma Estação Conhecimento. As

Estações Conhecimento são Núcleos de Desenvolvimento Humano e

Econômico idealizados pela Fundação Vale que seguem o modelo rural ou

urbano. Os núcleos são organizações da sociedade civil de interesse público

(OSCIP), viabilizadas por meio de parcerias locais com o poder público e

entidades da sociedade civil organizada. Seu objetivo divulgado é contribuir

para a melhoria da qualidade de vida e para o desenvolvimento integrado e

sustentável das comunidades tendo como público prioritário crianças e jovens,

estimulando-os em práticas esportivas, atividades culturais e

empreendedorismo. No dizer de Pantoja (2010, p. 8-9):

Este é o grande projeto da Fundação atualmente, ainda que o cronograma de implantação das Estações esteja atrasado.

Trata-se de um novo modelo de intervenção social da empresa, focado no desenvolvimento individual dos participantes e voltado ao esporte individual. A empresa já tem páginas da web dedicadas ao programa, onde se vêem principalmente crianças, e ao marketing do desenvolvimento individual de seus participantes, através das conquistas de medalhas em competições pelo Brasil (o “Programa Brasil Vale Ouro” começa nas Estações Conhecimento e funciona em suas instalações). Além das atividades esportivas, são oferecidas atividades voltadas à “vocação produtiva local”, onde “o conhecimento adequado à região é trabalhado, elegendo cadeias produtivas de maior valor agregado, que possam ganhar escala de produção”, e para isso é oferecido apoio técnico aos produtores, além de estímulo ao comércio dos bens produzidos. Um exemplo deste tipo de produção é a de biojóias (colares e outras peças feitas com sementes da região), em Tucumã-PA. A previsão é de que sejam instaladas 15 Estações Conhecimento, sendo 9 delas no Maranhão, ao longo da EFC. Os recursos vêm da Lei do Esporte (1% do I.R. da pessoa jurídica da empresa e 6% dos empregados, o que somaria cerca de R$ 23 milhões, segundo apresentação da empresa) e do Projeto Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, pelo qual cada cidade que implementar um centro destes recebe R$300 mil por ano.

Ressalte-se que esta iniciativa da empresa se transforma em apenas um

paliativo, pois dentre os principais problemas em Arari podem ser destacados:

1) a poluição sonora produzida pelo trem; 2) o pó de ferro que o trem deposita

nas casas e na atmosfera e é inalado pelas moradores; 3) os atropelamentos

de pessoas e animais; 4) transtornos pelas paradas contínuas e demoradas

dos trens nos lugares de cruzamento; 5) as enchentes provocadas por causa

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da elevação da estrada de ferro que retém as águas em época de inverno; e 6)

o transporte de passageiros que é ausente de qualidade, tanto no atendimento,

quanto no serviço.

Outro conflito existente refere-se à ampliação do Terminal Marítimo

Ponta da Madeira. Tal obra já fora autorizada pela Agência Nacional de

Transportes Aquaviários (Antaq). O anúncio foi publicado pela Agência em

março de 2010, no Diário Oficial da União. A Vale, operadora do terminal,

entrou com pedido para implantar o Píer IV e aumentar o Pátio I de estocagem,

mas não entregou à Agência a certidão de cessão de uso oneroso de espaço

físico em águas públicas, emitida pela Secretaria de Patrimônio da União

(SPU). Por esta razão, a mineradora somente poderá dar início à atividade

econômica na parte off shore após comprovar a obtenção do documento junto

à SPU. Já as obras de implementação do Píer IV e de ampliação do Pátio I de

estocagem têm o aval para serem iniciadas em breve (ORGANIZAÇÕES,

2010).

A obra está estimada em R$ 386 milhões e aumentará para

aproximadamente 100 milhões de toneladas/ano a capacidade de exportação

de granéis sólidos. A obra também habilitará a instalação para receber os

maiores navios graneleiros em operação no mundo, o Berge Stahl108 (356 mil

toneladas) e o Chinamax109 (400 mil toneladas).

4 CATALISADOR DO DESENVOLVIMENTO LOCAL OU EMPRESA

GLOBAL (DES)RETERRITORIALIZADORA?

A Vale se apresenta como um “Catalisador do desenvolvimento local”,

pois informa que quer “ir além da gestão dos impactos de nossas operações e

projetos, contribuindo voluntariamente e através de parcerias com governo e

sociedade para o desenvolvimento L.O.C.A.L.” (VALE, 2009a, p. 2). Segundo o

relatório:

108

Este graneleiro opera com capacidade plena no Complexo Portuário de São Luís e no porto de Roterdã (Holanda). Ele possui 343 metros de comprimento, 65 de largura e calado de 23 metros. O navio tem peso bruto de 364.767 toneladas. 109

Os ChinaMax serão conhecidos agora como ValeMax. E o primeiro de uma série de 16 supergraneleiros deverá aportar no Brasil em março de 2011. Suas dimensões são as seguintes: 365 metros de comprimento por 66 metros de boca (largura), com calado de 23 metros (quilha) e capacidade de carga de 400 mil toneladas.

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A Vale, ciente da sua responsabilidade social perante os impactos causados com a implantação do Píer IV do Terminal Portuário de Ponta da Madeira, em São Luís, está realizando o Programa de Desenvolvimento Socioeconômico da Comunidade de Pescadores Artesanais da Praia do Boqueirão. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) definiu as áreas afetadas pelo empreendimento. Por isso, por meio da Fundação Vale, propusemos a construção participativa de um programa de apoio à pesca artesanal na praia do Boqueirão. Foram realizadas reuniões com pescadores e lideranças comunitárias e também articulações com o sindicato, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Estaleiro Escola, assim como visita às instalações da Vale no porto. A equipe da Fundação participou das audiências públicas em que foram apresentados os eixos do programa: valorizar e conservar a cultura da pesca artesanal, colaborar para a geração de renda e contribuir para o exercício da cidadania. A primeira etapa do programa, desenvolvida em 2009, incluiu a realização de uma pesquisa que classificou os pescadores em três grupos, de acordo com a atividade de pesca na praia para melhor definir o atendimento. Além disso, uma especialista em biologia marinha acompanhou a produção local e analisou as potencialidades de geração de renda dos grupos. Desde dezembro de 2009, os 51 pescadores inscritos no programa, junto com suas famílias, participam da qualificação, por meio de um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), e recebem mensalmente uma bolsa-auxílio vinculada à participação nos cursos. O programa inclui ainda a distribuição de materiais de pesca artesanal, kit de segurança e apoio para obtenção de documentos pessoais. Até 2012, tempo previsto para a duração dessa ação, a comunidade da praia de Boqueirão terá oportunidade de conhecer outras experiências comunitárias de desenvolvimento local, por meio de visitas técnicas (VALE, 2010a, p.78).

Mais uma vez, para analisar o relatório, é de vital importância saber

pensar o espaço: a geógrafa inglesa Doreen Massey nos ensina que o espaço

molda as nossas cosmologias estruturantes, nosso entendimento do mundo,

nossa política (MASSEY, 2008). O conflito entre a Vale e os pescadores, além

de ser um conflito ambiental, é um conflito espacial, na medida em que os

agentes envolvidos possuem diferentes cosmologias que se chocaram neste

encontro de trajetórias e de histórias. A forma como ambos imaginam o espaço

está posta: a Vale enxerga na implantação do píer IV mais uma operação

comercial e mercantil que lhe trará cada vez mais lucros; na outra ponta, os

pescadores, depois de terem sido desqualificados, são agora segmentados em

valores monetários: sua existência e sua vida estão dispostas em cifras.

A Companhia informa também em seu relatório que na capital

ludovicense, foi implementado o programa de formação de mão de obra local

para a construção do Píer IV do Porto de Ponta da Madeira, que formou 300

jovens da área do Itaqui Bacanga, vizinha às instalações da empresa (VALE,

2010a).

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Deve-se ter em mente que essa prática da Vale é uma forma de

anestesiar o conflito em que ela está diretamente inserida, além de que é uma

forma de dividir a comunidade: como questionar os pescadores se a Vale está

oferecendo a qualificação de mão-de-obra para o competitivo mercado de

trabalho? Por que defender a causa de 50, 70 pescadores se a Vale qualificou

300 jovens? São questões importantes nas entrelinhas do processo.

5 AGENTE GLOBAL DE SUSTENTABILIDADE... ECONÔMICA

Até agora pode-se perceber que o “operador sustentável” e a função de

“catalisador do desenvolvimento local” são altamente questionáveis, posto que

as práticas concretas da Companhia Vale do Rio Doce deflagraram uma série

de conflitos ambientais que desembocam, sem nenhum exagero, numa

verdadeira cadeia produtiva de disputas territoriais. Esta é a última seção

principal no qual gravitam os demais tópicos no Relatório. Nesta parte, a Vale

se intitula um “Agente Global de Sustentabilidade”, em suas próprias palavras:

A atuação G.L.O.B.A.L. parte do reconhecimento de que determinados temas globais de sustentabilidade podem afetar nossos negócios, e de que a Vale - como uma das empresas líderes globais no setor de Mineração - pode contribuir para a promoção internacional de boas práticas de sustentabilidade (VALE, 2009a, p. 2).

De fato, a atuação da Vale é global, assim como também são seus

impactos. Mais do que reconhecer-se enquanto tal, mais do que apenas se

preocupar com a capacidade que um determinado tema tem de afetar os seus

negócios, especialmente o setor de mineração, as “boas práticas de

sustentabilidade” da Vale sustentam apenas os seus negócios; enquanto

que uma verdadeira prática de sustentabilidade requer uma teoria sustentável,

que implica, por conseguinte uma racionalidade ambiental (LEFF, 1998), ao

contrário da racionalidade crematística da qual está impregnada a referida

empresa.

Um fato curioso perceptível ao longo da análise foi constatar que a Vale

foi signatária junto com outras dezenas de empresas (FIGURA 02) da “Carta

Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas”. De forma sintética a “Carta” é um

documento que mostra a visão, os compromissos e as propostas ao governo

brasileiro de sugestões para o “drama climático”.

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Figura 02. Signatárias da Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas. Fonte:

Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas.

Tal carta está longe de ser a “carta de alforria” da sociedade brasileira e

muito menos da sociedade ocidental. Curioso mesmo é a assinatura da Vale,

uma vez que ela foi a empresa que encabeçou as negociações do pretendido

Pólo Siderúrgico de São Luís que implicaria na emissão de 35,6 milhões de

toneladas/ano de Dióxido de Carbono (CO2), principal responsável pelo efeito

estufa (AQUINO; SANT‟ANA JÚNIOR, 2009). Ou ainda como atesta o

advogado Guilherme Zagallo (2010, p.15):

Estudo de Impacto Ambiental na cidade de São Luís-MA elaborado pela Vale em 2005 informa a emissão de 15.549 toneladas anuais de poluentes, sendo 3.014 t de material particulado (PTS) assim como 8.002 t de dióxido de enxofre (SO2), 4.317 t de óxido de nitrogênio (NOx), 129 t de monóxido de carbono (CO) e 28 t de hidrocarbonetos (HCT), poluentes esses gerados em 210 fontes fixas para uma produção de 6,1 milhões de toneladas de pelotas e embarque de 72,4 milhões de toneladas de minério de ferro.

Isso significa que trabalhadores, pessoas que moram próximas às

unidades operacionais da Vale em São Luís, provavelmente sofrem impactos

na saúde como consequência da emissão de partículas em suspensão.

Obviamente, a emissão destes materiais particulados não é um prejuízo

centrado apenas na capital maranhense: em Açailândia – MA, as carvoarias

vinculadas à Vale poluem o assentamento Califórnia (FIGURA 03).

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Figura 03. Carvoarias da Vale poluem ao lado do assentamento Califórnia-Açailândia-MA. Fonte: Organizações, 2010.

Ateste-se que a própria Companhia reconhece que as suas atividades

suprimiram áreas consideráveis na Floresta da Costa Leste Africana (16,7 km2)

e na Floresta Amazônica (8,6 km2), em virtude da implantação e da expansão

dos empreendimentos localizados em Moçambique (Projeto Moatize) e no

Brasil (especialmente Complexo Sossego, Projeto Paragominas, Projeto

Salobo e Complexo de Carajás). Ressalte-se que o Projeto Salobo, que

objetiva a extração e transformação de minério de cobre, localizado em

Parauapebas-PA, trouxe como “frutos do desenvolvimento”: expulsão de

comunidades, poluição de igarapés, aterramento de nascentes,

desmatamentos, aumento da prostituição (principalmente infantil), poluição

sonora e aumento de doenças (ORGANIZAÇÕES, 2010). Tudo isso para

vender minério de ferro e transportar o ferro gusa produzido por 8 gusarias

situadas no municípios de Marabá, além de 8 usinas localizadas nos

municípios Açailândia, Santa Inês e Rosário, no Estado do Maranhão

(ORGANIZAÇÕES, 2010).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM RELATO DA NATUREZA DESTRUÍDA E

TRABALHADORES EXPLORADOS

A sustentabilidade é o grande desafio do século XXI. Para onde quer

que olhemos e nos debrucemos, a temática ambiental está e deve estar

sempre posta. O desafio ambiental com o qual nos deparamos hoje é,

indubitavelmente, fruto da crise do capitalismo, que o leva a procurar meios

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cada vez mais espinhosos de reproduzir as suas condições e relações de

produção.

A Vale busca, com o seu relatório de sustentabilidade, apresentar para

sociedade o seu perfil de empresa socioambientalmente responsável. E, para

isso, o documento é a fonte de validade, pois ele visa tornar legítimas as ações

de modernização que a Companhia desenvolve nos territórios onde atua. E,

por ela ser “descobridora110”, traz a luz todos os produtos e serviços

necessários para um nível de vida “satisfatório”. Só que em contrapartida, ela

demite de maneira eficiente seus trabalhadores e impacta gravemente os que

estão em torno de sua área de atuação.

O seu “operador sustentável” transforma-se paulatinamente em um

operador insustentável (pelo menos do ponto de vista ambiental). É

explorando a natureza e seus trabalhadores que a Vale consegue ampliar o

seu valor de mercado a cifras astronômicas. Mas, para anestesiar as situações

de conflitos, ela lança mão de estratégias de responsabilidade social, como é o

caso da Estação Conhecimento em Arari que, como vimos, não atende às mais

básicas necessidades da população, geradas pela própria Vale, que são o

ruído, a poluição, as rachaduras nas habitações e os atropelamentos.

Claro está que a sustentabilidade da Vale é questionável. Logo também

é a sua “atuação enzimática”. Ao “catalisar o desenvolvimento local” a Vale fez

entrar em choque as formas como se pensam o espaço. Uma empresa que

visa o lucro pensa o espaço de uma maneira; enquanto os pescadores do

boqueirão (São Luís - MA) pensam o espaço de outra maneira. E esse outro é

extremamente importante em nossa análise posto que a Vale constrói para si

uma auto-imagem de empresa responsável que traz o desenvolvimento e o

progresso para os territórios nos quais atua, mas, em compensação,

desqualifica pescadores e as relações sociais que possuem com seu território.

Simultaneamente a globalidade da Vale, tem-se a sua impactabilidade.

Todavia, como o escopo do trabalho limitou-se a ação da Vale no território

maranhense, coube destacar que a “agente global de sustentabilidade”, em

verdade, desenvolve uma cadeia produtiva de disputas territoriais que, aí

sim, pouco se restringem ao Maranhão, pois atravessa os Oceanos Atlântico,

110

É como a Vale se apresenta em peça publicitária difundida em praticamente todos os canais de

televisão aberta no Brasil.

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Pacífico e Índico, se reproduzindo no Canadá, Austrália, Moçambique,

Indonésia, Nova Caledônia e em quaisquer países nos quais ela se instala. A

sua globalidade econômica é reflexo do seu processo de internacionalização,

no qual suas “boas práticas de sustentabilidade” apenas pretendem sustentar

as condições de reprodução do mesmo.

Pelo que foi exposto, faz-se necessário reavaliar a “sustentabilidade

valiana”, uma vez que, tal sustentabilidade, assim como toda e qualquer

sustentabilidade de matriz capitalista, visa em primeira instância reproduzir as

relações de produção. No Maranhão, assim como no Brasil, muitos conflitos

ambientais pululam e, apesar da existência de leis que buscam impor limites e

normatizar a sociedade, são pouco eficientes quando se trata de gigantes

econômicas, como é o caso da Vale.

REFERÊNCIAS

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PANTOJA, Igor. Planejamento Privado social: Práticas da Vale em municípios do Maranhão. In: PPLA 2010: SEMINÁRIO POLÍTICA E PLANEJAMENTO, 2, 2010. Curitiba. Anais... Curitiba: Ambiens, 2010. [CD]. RIBEIRO JUNIOR, J. A. S; SANT‟ANA JÚNIOR, H. A. A política de desenvolvimento sustentável da Vale. Anais do XVI Encontro Nacional de Geógrafos - ENG, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 25 a 31 de julho de 2010. VALE. Política de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em www.vale.com. Conteúdo Institucional acessado em 17 de dezembro de 2009a. VALE. Relatório de Sustentabilidade 2009. Disponível em www.vale.com. Conteúdo Institucional acessado em 14 de julho de 2010a. ZAGALLO, J.G.C. A “privatização” da Vale. Não Vale. São Luís: Justiça nos trilhos, 2010. pp. 07-15.