FAM!LIA E FEMINISMO REFLEXOES SOBRE PAPEIS FEMININOS ...

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Maria Lygia Quartim de Moraes FAM!LIA E FEMINISMO ' ' ' REFLEXOES SOBRE PAPEIS FEMININOS NA IMPRENSA PARA MULHERES Tese de Doutoramento em Ciências Politicas, apresentada ao Depar tamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Slo Paulo, 1981

Transcript of FAM!LIA E FEMINISMO REFLEXOES SOBRE PAPEIS FEMININOS ...

  • Maria Lygia Quartim de Moraes

    FAM!LIA E FEMINISMO

    ' ' ~ '

    REFLEXOES SOBRE PAPEIS FEMININOS NA IMPRENSA PARA MULHERES

    Tese de Doutoramento em Cincias Politicas, apresentada ao Depar

    tamento de Cincias Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e

    Cincias Humanas da Universidade de So Paulo

    Slo Paulo, 1981

  • The course of true lave runs never smooth

    (Shakespeare)

    PARA A MARTA

  • 1.

    I N T R O D U ~ O

    O processo de produo desta tese e a realidade que ela pretende an~ lisar so, em grande medida, frutos de uma mesma circunstncia histrica: o ap~

    recimento em nosso pais, nos Ultimas anos, de grupos atuando na defesa dos direi tos da mulher, do homosexual, do negro e do ndio. O que no quer dizer que ora

    cismo, a represso sexual e a opresso da mulher sejam problemas novos, nem que esta seja a primeira grande tentativa das mulheres de se organizarem em torno de

    seus direitos. ~a primeira vez na histria contempornea, entretanto, que uma

    profunda transformao cultural est ocorrendo sem que para isto tenha sido nece~

    srio uma revoluo econmica ou, ainda, o emprego da violncia armada. O feminis mo est propondo no apenas a reviso do que foi dito e escrito sobre a mulher mas, fundamentalmente, a valorizao de novas atitudes, relaes e objetivos so-

    ciais. Algo que pode ser sintetizado na expresso 11 fr:'!lllinizar o mundo 11 e que

    supe mtodos e prticas sociais anti-autoritrias harmnicas com sua principal finalidade que e o fim das relaes baseadas na dominao.

    As mulheres se conhecem ; ganham conscincia atravs de 11 grupos de reflexo 11 , nos quais o conhecimento pessoal a base do relacionamento e apren-

    dem a conviver com tendncias diversificadas dentro do movimento feminista. Em diversos paises capitalistas, assim como no Brasil, as feministas recusam par-ticipar muito diretamente nos partidos e outros agrupamentos organizados em mol-des pollticos tradicionais, o que no impede que algumas bandeiras de luta das

    mulheres - como vem acontecendo no caso da legalizao do aborto - tenham marca-

    do a vida polltica dos pases em que foram reivindicadas. Estimulada pela en-

    trada na cena politica da questo feminina,vem se desenvolvendo uma produo

    terica a partir de temas que tratam do trabalho domstico, da familia, das re-

    laes pessoais. Novas perspectivas e mtodos de anlise passam a ser utiliza-

    dos. Ensaia-se uma nova linguagem. o discurso dominante sobre o 11 Ser mulher 11 co-

    mea a ser contestado de novas maneiras.

    Inmeras so as circunstncias histricas que podem ser apontadas c~

    mo importantes para a emergncia do feminismo, a comear pela prpria. di.n_mica __ do capitalismo e das relaes assalariadas de produo. Entretanto, do ponto de

    vista de suas origens po1lticas. a luta de libertao das mulheres. tanto nos Estados Unidos cama na Europa, legitima filha dos movimentos contestatrios

    de meados dos anos sessenta. J no Brasil a gerao maio de 68 .vivendo sob di-tadura militar desde o golpe de abril de 64, ocupava-se quase que exclusivamen-

    te da questo da tomada do poder, da derrubada da ditadura atravs da luta arma

  • 2.

    da.( por isto que a nova esquerda brasileira, diferentemente da europia ou da norte-ameri-cana, consumia prioritriamente os livros de Guevara e 11A Revoluo

    na Revoluo 11 do intelectual francs Rgis Debray. A questo sexual, mesmo qua.!:

    do analisada de um ponto de vista marxista, como no caso de Reich ou de Marcuse, era considerada secundria; todos os esforos devendo se concentrar na 11 luta

    principal 11 ,

    Nos cinco primeiro anos da dcada dos setenta, ~nquanto parte consi-dervel da nova esquerda brasileira vivia exilada, em Cuba, na Frana,no Chile,

    o pais conheceu anos de sombria represso poltica: o movimento sindical sob in terveno; os partidos politicos reduzidos -. situao e oposio aficiais;as ar ganizaes estudantis obrigadas clandestinidade e qualquer reunio com um cer-ta nmero de pessoaS causando suspeita de atividade subversiva. A sociedade e levada a se organizar a partir do cotidiano - os estudantes reunindo-se nas sa-las de aula; as mulheres em suas casas ou nas igrejas; as operrios aproveitan-do o local de trabalho- as discusses dando-se em torno de problemas ime

    diatos, cama a inflao, o desemprego,o custo dos transportes,etc. Enfim,discu-

    te-se em pequenos grupos onde a confiana pessoal importava muito, dado o medo

    de infiltraes e perseguies poltico-policiais.Foi,portanto,a partir da cria-o de novos canais de comunicao plitica- como bem exemplificam as comunida-

    des eclesiais de base; os clubes de mes; as associaes de moradores,etc- que as mulheres comearam a intervir na poltica nacional de maneira mais direta e

    permanente. A partir de 1975, com as comemoraes do Ano Internacional da Mulher,

    promovidas pela Organizao das Naes Unidas (ONU), ampliou-se o espao legal

    das feministas, que se reuniram no Rio de Janeiro e em So Paulo para comemorar a data. Muitas das mulheres dispostas a colaborar na criao de um amplo mQ vimento de protesto e de luta em torno da questo feminina vinham do exlio,bas-

    tante influenciadas pelo feminismo em ascenso, especialmente na Frana. As mil~

    tantes polticas brasileiras aprenderam, no exterior, a importncia da organiz~

    o das mulheres a partir de sua opresso especfica e da autonomia do movimen-to feminista. Ao mesmo tempo, assimilaram de suas origens polticas a prefern--cia pelos tE.nas econmicos ou considerados polticos propriamente ditos, como S_l! cedia com a luta pela anistia. Razo pela qual a pnimeira fase de reflexes fe-ministas_deu~se em torno do trabalho domstico; da dupla jornada de trabal_~~.~eminino e da autonomia do movimento de: .mulheres, mesmo quando ainda no existia

    clara conscincia de seu significado poltico.

    Neste ponto a histria da tese encontra-se com o feminismo. A prese~

    a visvel das mulheres e de suas reivindicaes comea a encontrar eco na aber-

  • 3,

    tura de novos campos de pesquisa. Em concurso iniciado em 1977 a Fundao Ford passa a financiar projetos de pesquisa sobre mulher, atravs de uma seleo a cargo da Fundao Carlos Chagas, em So Paulo. Cynthia Sarti e eu, que perten-

    camos ao mesmo grupo feminista, concorremos ao financiamento, como maneira de

    obter alguma ajuda de custo para as pesquisas que estavamos tentando levar a ca

    bo. Atravs do nosso jornal, o Ns Mulheres, mantnhamo& relaes com operrias, donas de casa de periferia, militantes politicas,etc .. Conheciamos de perto nos-

    sas leitoras e estvamos interessadas em analisar as razes pelas quais liam nos

    sa imprensa, ao mesmo tempo que pretendamos entender o que lhes atraia tanto

    nas revistas femininas tradicionais. Assim, a pesquisa,aprovada,- 11 A imprensa

    para mulheres no Brasil contemporneo 11 - tinha como objetivo principal fazer a

    critica do modelo tradicional de mulher veiculado pela ideologia dominante,alm

    de nos ajudar a entender melhor o sucesso deste tipo de literatura, quando a

    nossa prpria imprensa nos parecia cada vez mais maante e doutrinria.

    Quando, em junho de 80, apresentamos o resultado final de nossa pes-quisa, sintetizado no artigo 11 A a porca torce o rabo 11 , j: tinhamos ultrapassa-

    do a fase dos lugares comuns sobre a imprensa feminina, graas deciso de acompanharmos as diversas fases da produo das revistas,pensando estas Ultimas

    tambm como mercadorias cujo valor de uso realiza-se atravs de um consumo de

    carter ideolgico. As leitoras aprendem a 11Ser mulher 11 segundo os modelos dom.:!_

    nantes mas, concomitantemente, impem temas e novos valores: o conservadorismo

    imperante em Claudia (a mais antiga revista feminina brasileira da atualidade) convive com os artigos inovadores da psicloga Carmen da Silva, que ai escreve h mais de vinte anos.Alm disso, as produtoras das revistas so,em grande par-te, mulheres que vivem problemas similares aos de suas leitoras ; pode-se mes-

    mo dizer que elas so suas prprias leitoras.Neste sentido, enxergamos estas profissionais como mulheres iguais a ns, fazendo uma revista que tratava mui-

    tas vezes de maneira mistificada de seu prprio cotidiano de jornalistas,de mu-

    lheres discriminadas.

    Ao mesmo tempo,ns,feministas, vivamos as contradies polticas

    oriundas da rpida expanso de nosso movimento, especialmente agudas no inte-

    rior do Ns Mulheres que,no obstante suas limitaes,permanece a mais radical

    experincia feminista dos Ultimo C'1nco anos. Percebiamos que a passagem do fe-minismo dos pequenos grupos para o de movimento de massa introduzia, em nosso universo de atuao, questes para as quais no tnhamos nos preparado adequa-

    damente, principalmente a referente problemtica do poder. ~satisfao de ver nossas teses (defendidas atravs da imprensa feminista consttuida por dois jornais editados em So Paulo) transformadas em palavras de ordem repetidas por

  • 4.

    operrias, donas de casa da periferia e outras mulheres de classes soc1a1s dis

    tintas da nossa, sucedeu-se o medo e a insegurana frente a diposio das cor-

    rentes politicas organizadas de dominar o movimento das mulheres, impondo m~ delas monollticos de feminismo. Isto sem se falar do autoritarismo surgido no

    interior do movimento feminista. tornando urgente a transformao da prtica politica a partir de ns mesmas, de nossa forma de atuao. Pudemos,ento,fa-zer o balano de nossas prprias concepes economicistas que reduziam a probl!

    mtica da mulher aos problemas salariais ou de custo de vida, deixando de tocar

    nas espinhogas questes relacionadas ao cotidiano familiar de nossas leitoras.

    Ento nos demos conta que tlnhamos tentado falar da opresso da mulher sem rela

    cion-la ao seu espao de exerccio : o lar. A famlia.

    * * * ********

    O primeiro capitulo, "Familia e Opresso Feminina,~ introduz o tema sobre as origens da situao de inferioridade da mulher e suas justificativas.

    A articulao de um discurso coerente que rebatesse as diversas manifestaes

    da misoginia social tornou-se uma preocupao constante desde os primrdios do

    movimento feminista. Era preciso enfrentar os preconceitos cotidianos, que atrl buem ligaes m:gicas das mulheres s vassouras ou ao fogo. "Lugar de mulher e em casa 11 A idia de que a "casa 11 - esfera onde se desenvolve o essencial das relaes consideradas pessoais- e, por definio, o espao feminino; a idia de que nas diferenas existentes entre os gneros est: a explicao para as af

    tides e tarefas da mulher, entre outras, passaram a ser questionadas. A busca

    de uma identidade feminina distinta do modelo dominante - que valoriza, ao me~ mo tempo que define precisamente, os papis de me de familia, de dona-de-casa

    -colocou em questo a prpria idia da universalidade da famllia nuclear patrl

    areal e monogmica, em poucas palavras, da famlia tal como a conhecemos. As

    feministas relacionaram logo sua opresso aos papis que lhe so atribudos pe-

    la estrutura familiar e por sua subordinao aos homens. E na tentativa de ar-

    ticular a teoria de sua opresso, enquanto mulheres, as .ntelectuais feministas foram destacando alguns temas e autores como interlocutores privilegiados. Sem

    condies nem mesmo de se perguntarem sobre a necessidade de .provar teor.i.camen-te que a mulher no e inferior ao homem - em outras palavras, vtimas desta o-perao de prestidigitao ideolgica em que o oprimido sente-se obrigado a jus-tificar seu direito a ser sujeito do prprio destino - as feministas lanaram-

    se caa aos vestigios do passado que pudessem explicar o qu, afinal, aconte cera com o sexo feminino nestes milnios de vida humana.

  • 5.

    A produo de uma literatura especializada na questo das origens en controu material especialmente sugestivo na economia com Marx, na psicanlise

    com Freud e Reich, na antropologia com Engels e Lvi-Strauss, assim como politi-camente as propostas anarquistas - do antiautoritarismo autonomia dos indivi-duas livremente associados - foram as que maior influncia exerceram na organi zao do movimento de libertao da mulher, em vrias partes do mundo. A obra de Marx tornou possivel pensar cientificamente a questo da economia, ao desvendar as regras reais, mas invisiveis - 11 pois se toda a essncia se confundisse com a aparncia toda a cincia seria intil 11 - que determinam as relaes de coopera-o produtiva entre homens no sistema econmico capitalista.t na --~anlise do sis

    tema capitalista que Marx introduziu a distino entre valor do trabalho e valor

    da fora de trabalho, base da teoria da explorao da mais-valia. Foi al, principalmente, que o feminismo contemporneo descobriu importantes refern-cias a opresso da mulher, bem como transitoriedade da instituio familiar, alm das denUncias sobre as pssimas condies de trabalho e de vida das o-perrias contemporneas ao Capital. Na clssica obra de Engels, a Origem da Fa-milia, da Sociedade e do Estado, alm de uma explicao de ordem econ5mica para sua opresso - relacionada transmisso da propriedade privada atravs da hera~ a e as necessidades masculinas de ter bem definida a paternidade social - as f~ ministas encontraram tambm aluses uma espcie de eldorado mltico, o matriar-cado prevalescente no comunismo primitivo, primeiro modo de produo que a huma-nidade teria conhecido. Freud, com a descoberta da psicanlise, permitiu no so-mente a construo de uma teoria da sexualidade como fora vital determinante,r~ co 1 ocando a questo da 111 ou cura 11 e da infncia como idade da inocncia, temas de agrado especial da moral sexual repressiva. Com a descoberta de trs instncias

    psicolgicas distintas - o Ego, o Superego e o Id - e do carter polimrfico da sexualidade - Freud redefiniu o espao terico em que as diferenas entre os sexos e individuas do mesmo sexo costumam ser pensadas : o processo de socializao

    (ou de introduo do infans no universo simblico) passou a ser entendido como o principal condicionante das caracteristicas psiquicas de uma pessoa, diferente-mente do racismo gentico pregado pelo pensamento de direita. Alm disso, comba-teu vi1orosamente a moral sexual burguesa, denunciando seus efeitos repressivos, principalmente no tocante s mulheres.Lvi-Strauss, por sua vez, realizou a inte grao da psicanlise antropologia, situando a passagem da humanidade da natu-reza Para a cul-tufa na"este'ra -di sexualidade atravs da instaurao da lei univer-sal: a proibio do incesto. Incorporando as descobertas de Ferdinand Saussure no terreno da linguistica, Lvi-Strauss encontrou as estruturas inconscientes dos si~ temas de parentesco, reduzindo-os todos, em Ultima instncia, ao denominador co-mum de serem uma operao de troca de mulheres realizada por homens.

  • 6,

    As contribuies altamente positivas do marxismo, da psicanlise e da antropologia para a construo de uma teoria da opresso feminina no impediram, en-tretanto, que muitas das afirmaes de seus principais. expoentes pudessem tambm ser

    utilizadas para o discurso misgino: eis que Marx fala da diviso 11 natural 11 do traba-

    lho entre homens e mulheres no interior da familia. assim como Freud atribui a uma pretensa superioridade fisica masculina a razo da hegemonia dos homens sobre as mu-lheres, em seus estudos sobre as origens mitolgicas do complexo de rdipo. O argume~

    to biologizante termina por entrar pelas portas do fundo: a mulher volta a represen-tar o lado da 11 natureza 11 enquanto o homem seria o 11 heri civilizadoru. No por is-to de se estranhar que antroplogas da importancia de Evelyn Reed aceitassem os ter-mos do desafio tentando comprovar a maior capacidade civilizadora feminina. A anlise

    de Reed, desenvolvida no primeiro capitulo, permlte entender melhor a articulao des se contra-discurso feminista cuja concluso e muito prxima da defesa da superiorid~ de natural da mulher.

    O capi tu 1 o termina com a 1 gumas consideraes sobre a import'nci a de .. recu-perar o passado 11 ao mesmo tempo questionando a possibilidade de uma verdade nica, de um principio primeiro e sempre uniforme que daria conta do especfico feminino den-tro de uma histriaque tem sido escrita segundo a verso masculina. Os discursos que pretendem dar uma mesma forma histrica riqueza de situaes e prticas que a hum~ nidade tem vivido correm o risco de abafarem outras verses, produzidas por outros sujeitos, tornando-se discursos autoritrios, impositivos.

    O segundo captulo, 11 Fami1ia e Papis Femininos 11 , trata dos principais pa-pis que o capitalismo estabeleceu para as mulheres ao transformar a famlia conjugal moderna no modelo familiar dominante; ao tornar os assuntos domsticos de competncia

    exclusiva das mulheres-ao mistificar a realidade da produo domstica e, principal-'

    mente, ao confundir indevidamente experincias afetivas essenciais para o indivduo (ligadas satisfao de sua energia libidinal),como a relao entre um homem e uma mulher, ou a de uma criana e sua me,com posies rgidas na diviso social do tra-balho. A ideologia burguesa criou sua imagem ideal de famlia : a figura do pai, maior autoridade da famlia, severo porm justo; a me, carinhosa e desvelada; os fi-lhos obedientes, cumpridores dos deveres Casa ~rpria ,automvel,empregada domstica, colgios particulares,bal para as meninas,jud para os men.nos, frias na praia e caderneta de poupana: eis a imagem ideal veiculada pela televiso ,ao final dos anos 70.

    A diversidade das famlias, -quando avali-ada,emtennos-,da~ condies .. mate .. ,-r1a1s de existncia e posio de seus membros na estrutura produtiva, no impede, e!!. tretanto. uma similitude muito grande na situao da mulher na estrutura familiar. gr~ as tanto a diviso sexual do trabalho (ser dona-de-casa uma condio feminina unive~ sal, por exemp 1 o), quanto s tarefas de cu.nho mais afetivo, re 1 acionadas pri nci pa lmente maternidade. A sexualidade feminina fragmenta-se em dois comportamentos extremos -

  • 7.

    o ser 11me assexuada" e o ser uma 11 perdida 11 - na prpria medida em que a moral vige~

    te valoriza as capacidades reprodutivas femininas ao mesmo tempo em que estigmatiza as manifestaes do desejo feminino como desviantes, jogando-as para o campo das per-verses patolgicas. A Me;a Outra.A moral burguesa apesar de contemplar a sexualidade

    como instinto que deve ser satisfeito, desvinculando,assim, o sexo das funes repro-dutivas, continua sendo uma 11 dupla moral 11 em que tudo permitido ao homem ao passo que a no virgindade feminina constitui razo suficiente para pedido de anulao do casamento. Por outro lado, ao reduzir a sexualidade feminina aos objetivos da procria-o, sem que os homens estejam submetidos mesma lei~ cria-se a dupla moral sexual que, para Freud, era a prova prtica da arbitrariedade das nonnas sociais : 11 a dupla moral existente para o homem a melhor confisso de que a prpria sociedade que pr~ mu 1 gou os prece i tos restritivos no acredita na poss i bi 1 i da de de seu cumprimento,. (Freud, 1973,p.l962).A consequncia :diviso das mulheres em duas categorias funda-

    mentais; as 11mes 11 - mulheres com as quais o ato sexual "puro", voltado para a pro-criao (ou tendo-a como referncia importante)- e as 11 prostitutaS 11 - aquelas com as quais e permitido o sexo 11 SUjo". No se trata, pois, apenas das diferenas entre mu-lheres que se submetem ao ato sexual por imposies legais (o casamento assegura ao marido o uso do corpo da mulher, guardadas certas regras, evidentemente) ou, ento por imposies monetrias. As consequncias da existncia de relaes sexuais pagas, do exerccio violentador e deformador de submeter o corpo de uma mulher aos caprichos do pagante, so muito mais profundas e irreversveis do que a moral burguesa poderia su-por. De fato, a dicotomia me/prostituta se estabelece na cabea de cada mulher: o espao de expresso de sua libido encontra-se delimitado pela deserotizao do "ser me 11 {em tennos do modelo vigente) e pela violncia do 11 Ser prostituta 11 .Mais ainda, p~ ra fugir ao estigma - que s ameaa as mulheres, cujos rgas genitais passam a ser sacralizados pois o homem no se sente diminudo por colocar seu corpo em contto in-timo com uma mulher, enquanto o oposto no verdadeiro - a mulher camufla seu desejo na forma exclusiva do Amor romntico.{*).

    A p'rimeira opo ideo1gica foi, portanto, afirmar a diferena qualitativa entre 1 i bi do masculina e feminina: os homens tm "instinto sexua 111 que precisa ser S_! tisfeito. A soluo: prostituAs para satisfaz-los,pennitindo que as "outras .. possam pennanecer puras e intocadas, tal como lhes dita sua 11 nat.ureza". Dessexualizando a mulher/esposa a sociedade qualifica o desejo sexual feminino como aberrao. A segun-da operao .ideo_lgica, por sua vez,consiste em negar o espao da sexualidade mu-

    (*) Estas rejtexes aZimentaram-se das sucessivas discusses sobre a sexualidade fe-minina reaZizadas no grupo Ns_Mulheres a partir de l9?9, AZm disso~beneficia~

    se das discusses sobre a pesquisa sob~e prostituio de Cida Aidar e Ins CastiZho~

    com quem tenho aprendido muito.

  • 8.

    lher ou compromet-lo com o fantasma da prostituio. A expresso 11 perdida" signifi-cativa: s as mulheres se perdem ... E a terceira operao da ideologia sexual dominan-te a purificao do desejo feminino no altar do Amor: entrego-me por amor; pequei por amor;perdi-me por amor ...

    Desta maneira, o sexo, em se tratando das mulheres, s se justifica plena-mente quando voltado prara fins exclusivamente reprodutivos. A maternidade passa a ser extremamente valorizada, ao mesmo tempo em que se processa a ampliao e especializa-o das tarefas maternas, pois o capitalismo foi impondo modificaes na estrutura do

    parentesco e na organizao familiar. Os papis da mulher na unidade familiar deslocam se para a esfera da reproduo ideolgica dada a importncia da me na estruturao psi

    quica e na socializao primeira da nova gerao, sem que com isso as tarefas domsti-

    cas, da cozinha lavanderia, deixem de estar produzindo valores de uso, isto ,sem que a unidade familiar perca suas caracteristicas de unidade de produo e consumo.t

    por isto que repensar a posio da mulher na famil ia luz das contribuies da antro- pologia e da psicanlise no significa desconhecer os inmeros laos que a ligam es-fera econmica.

    J nos referimos anteriormente importncia concedida ao tema trabalho do-mstico pela literatura feminista.E atribumos este destaque prpria evidncia de seu peso no processo individual de vida em sociedade. Alm disso, outras duas razes

    poderiam ser incorporadas: a primeira delas, de ordem prtica,parte da experincia ma!

    cante que ser mulher dentro da estrutura familiar moderna (a dona-de-casa),assodada evidncia de que qualquer tentativa de organizao politica para as mulheres passa pela discusso de suas funes domsticas. A segunda diz respeito concepo economi-cista do marxismo que predominou na produo terica da esquerda, nas Ultimas dcadas, em vrios palses do mundo ocidental. Tentando manter-se dentro dos cnones do marxis-

    mo oficial, as primeiras tericas feministas contemporneas preocuparam-se em fundamen

    tar na esfera do econmico a opresso da mulher, igualando de alguma maneira sua situa-

    ao a do operrio.

    Falar do trabalho domstico, concretamente, falar das diferenas existen-

    tes entre as familias segundo suas condies materiais e espirituais de existncia. E falar da dupla jornada de trabalho que caracteriza a relao da mulher estrutura pro-dutiva,alm das outras discriminaes sofridas na esfera do trabalho remunerado. E es-

    tes so outros tpicos discutidos no segundo capitulo, de forma a situar melhor - pelo esclarecimento de minha compreenso acerca dos papis familiares da mulher em nossa re~ 1 i da de a tua 1 - a 1 e i tura do-s captulos v o 1 ta dos- - pesquisa- propriamente dUa .. s.obr_e fa-milia na imprensa para mulheres.

  • 9.

    O terceiro capitulo~ 11 ldeologia e Papis Femininos 11 , est centrado na que~

    to da entrada do 11 infans 11 no universo simblico, no universo humano, e no papel da

    mes como porta-voz do discurso dominante, na transmisso da ordem patriarcal e capit~ lista. Nesta medida, essa parte retoma temas e conceitos abordados no capi"tulo ante-

    rior sobre papis femininos, principalmente no tocante a sexualidade feminina. Sem o conhecimentos dos estudos da psicanalista francesa Piera Aulagnier e as inmeras dis-

    cusses travadas no grupo Ns Mulheres - em torno da problemtica do inconsciente -as reflexes que compem este capitulo no teriam sido possiveis.

    No quarto capltulo, 11 A Histria das Revistas Femininas 11 , encontra-se a maior

    parte do material colhido por ocasio do trabalho conjunto com Cynthia Sarti, quando d~

    senvolvlamos o projeto de pesquisa ''A imprensa para mulheres no Brasil contemporneo",

    no decorrer de 1978. Sua contribuio mais positiva est no relato das condies hist

    ricas do surgimento da imprensa especializada para mulheres, de modo a entender a emer-gncia de um discurso sobre a familia, deveres, direitos e demais "coisas de mulher",

    a partir das caractersticas apresentadas pela sociedade brasileira nestes ltimos trin ta anos de desenvolvimento capitalista.Partimos da histria do produto - a revista f~ mini na - e aprofundamos a anl i se de algumas revistas "modelo", segundo o critrio de maior vendagem.A presena dominante da Editora Abril no mercado editorial facilitou

    a definio da empresa atravs da qual acompanhariamos o processo de produo das pu-

    blicaes femininas.E, assim, liamos as colees das revistas escolhidas - Claudia ,

    a pioneira, (1961) cuja criao est intimamente ligada histria da Editora Abril e sua preponderncia no mercado editorial infantil e feminino na dcada dos anos sessenta: NOVA, iniciada como cpia fiel da Cosmopolitan norte-americana em incios

    dos anos setenta, a mais atualizada das revistas femininas ; C~ricia, a revista da adolescente,em pequeno formato e mais acessivel em tennos econmicos ; as colees

    de contos de amor de Sabrina, do final dos anos setenta - ao mesmo tempo em que acomp~

    nhavamos a rotina diria das mulheres que trabalham nas editarias das revistas, si-

    tuadas s margens da Marginal do Tiet, em So Paulo.Os resultados destes encontros compem este capitulo que complementado pelo depoimento de jornalistas representati-

    vas da imprensa feminina. A maneira pela qual cada uma delas relaciona-se com seu tex-

    to e seu pblico, dito de outra maneira, com seu prprio trabalho profissional, encon-

    tra-se ai registrada segundo suas pa 1 avras.

    No quinto capitulo, 11 Papis Femininos e Familia na Imprensa para Mulheres .. ,

    encontram-se os resultados de dois anos de pesquisa, financiadas pela Fundao de Am-paro Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), sobre a imprensa feminina, tendo como eixo a questo da familia, a partir do aprofundamento e atualizao do material coleta

    do anteriormente em colaborao com Cynthia Sarti. O captulo se inicia com uma reflexo

    sobre o sentido da imprensa especializada e as caracteristicas da especializao quando

  • 10.

    a produo dirigida ao sexo feminino. Realiza o balano de duas dcadas de imprensa para mulheres, tentando compreender a dialtica do velho e do novo nas pginas colori-das de ~a,Caricia e Claudia. Foi esta leitura das colees de revistas dos anos 79 e 80 que permitiu,em grande medida, avaliar o impacto das teses feministas sobre o con-

    tedo editorial.Outra fonte de informaes sobre as inflUncias do feminismo foi cons-titulda pelos sucessivos encontros que tivemos com jornalistas reponsveis pelas edi-es das citadas revistas: em algum deles tratou-se justamente da discusso das criticas realizadas pelas feministas imprensa tradicional.

    As pginas da tese fluiram com maior facilidade, tornando o escrever mais pr~ zeiroso, quando analisei, luz das reflexes da j citada Piera Aulagnier,o sucesso da frmula do prlncipe encantado,no tem 11 0 Mito Amoroso 11 que encerrra o quarto capitu-lo. Afinal, entender com quem sonham as mulheres e tambm explicar porque sonham tais sonhos e no outros; entender que o espao do sonho amoroso, dada a moral vigente, o de conhecer o homem certo e casar para formar uma famlia. Neste sentido, nada escla-rece melhor a dupla moral sexual que a leitura da imprensa dita masculina: as 11 coe1hi-nhasll e outras mulheres na funo de objetos sexuais constituem a verso masculina era tizada dos mais inocentes sonhos femininos com os prncipes encantados dos contos de amor. Este captulo deve muito s sugestes de Telmo Cunha Zanini, que me permitiram entender melhor a viso masculina sobre o conto de amor.

    No sexto capltulo, 11 0 Feminismo em Ascenso 11 , discuto o desenvolvimento da luta feminista no periodo 76/80, principalmente em So Paulo. O ano de 75 marca o po~

    to de partida da organizao das mulheres em torno da questo feminina, graas a opor-tunidade criada pelo Ano Internacional da Mulher, que permitiu uma srie de encontros pblicos no Rio de Janeiro, So Paulo e Minas Gerais. Este e o ano de formao de varias grupos de mulheres e do aparecimento do jornal Brasil Mulher . Meses depois surge o Ns Mulheres, declarando-se feminista e propondo a organizao poltica das mulheres a partir de sua opresso. A experincia da organizao em torno dos problemas do cot~ diano, em So Paulo, antecedeu cronolgicamente o feminismo, como j nos referimos a~ teriormente. E porque as mulheres j se encontravam agrupadas nos clubes de maes nas associaes de moradores,etc. que as feministas logo encontraram leitoras interes-sadas para seus jornais.Ao mesmo tempo, a disposio das feministas de procurar outras mulheres reunidas,onde quer que elas estivessem,possibi1itou a rpida expanso numri ca da organizao das mulheres. Neste sentido, a histria da imprensa feminista par-te indissocivel da histria do feminismo, corno logo entendi quando realizei a anlise de contedo dos jornais feministas, tendo em vista uma comparao com a imprensa femi-nina tradici-onal. A presena das metaliirgicas; as permanentes referncias ao custo de vida , associao das donas-de-casa,das empregadas domsticas ao problema das creches. em poucas palavras, os temas tratados e a forma de tratamento exigiam, a todo o momen-to, referncias s circunstncias concretas em que os jornais eram escritos. Por que

  • 11.

    tantas referncias aos clubes de mes ; ao custo de vida; s metalrgicas ? Por

    que as matrias do Ns Mulheres no enam assinadas? S as prprias participantes p~ deriam explicar as ausncias e presenas de sua imprensa. Foi assim que iniciei a

    reconstituio da histria do feminismo atravs dos arquivos particulares, dos depoi mentos, das noticias saidas em rgas da imprensa tradicional. E, tambm, atravs de

    minhas recordaes a anotaes. Talvez um pequeno fato do cotidiano seja mais eloque~ te do que pginas de erudito saber acerca da problemtica da opresso feminina. Ainda

    tenho na memria um fato de anos.atrs : abrindo a correspondncia que chegava para

    o Ns Mulheres, Ins Castilho e eu deparamos com um desenho obsceno, realizado com a

    ilustrao feminina da capa do nUmero 3. O que mais espantou foi a importncia que a

    agresso tinha para o agressor: horas de trabalho para deformar uma capa, transforman

    do-a no simbolo da humilhao feminina. O que assustou que mesmo antes de tennos ti-do a ousadia de colocar a questo da opresso ~exual propriamente dita ( da violn-

    cia existente em qualquer relao sexual consumada contra a vontade de um dos parcei- ros), apesar de estarmos tratando dos mesmos temas que preocupavam a imprensa alterna tiva de modo geral, enfim, simplesmente por se tratar de um jornal feminista,dirigido,

    redigido e distribuido por mulheres o agressor no considerou importante nos chamar de comunistas ou subversivas: chamou-nos de prostitutas.

    Apoiado na prpria dinmica dos movimentos de base e, entre eles, nos gr~ pos feministas, o movimento de mulheres desenvolveu-se especialmente em So Paulo, com

    a luta pela anistia, contra a carestia, por liberdades democrticas,pelas crecAes,a favor dos congressos das trabalhadoras,etc. Em 1979, as paulistas realizaram seu 19

    Congresso, cujas repercusses demonstraram a falcia do argumento que o feminismo sO interessava s burguesas. O sucesso do tema mulher trouxe seus inconvenientes, entre-

    tanto. atraindo a presena de correntes politicas antifeministas dispostas a aprE'.

    veitar o poder de mobilizao da questo feminina. Em 1980,a tenso politica cresceu

    dentro dos grupos feministas refletindo tanto as contradies existentes entre as di-versas correntes da esquerda brasileira quanto as dificuldades oriundas dos prprios

    trabalhos que as feministas vinham desenvolvendo. O 29Congresso, encerrado no meio de pancadarias, revelou que a coexistncia com correntes antifeministas exigiria uma re-

    formulao nos mtodos de trabalho das feministas. Reunidas, trs mses depois em um encontra de fim de semana em Valinhos,as feministas procederam ao debate sobre os ru-

    mos de seu movimento e as 1 i es do 29 Congresso, cone 1 ui ndo pe 1 a necess dade de se enfrentar a violncia contra mulher atravs de atendimento pUblico s vitimas. Assim, nasceu o SOS Mulher,cujas fichas de atendimento registram, atualmente~ outras realida-des da vida familiar: pais que espancam os filhos; pais que cometem abusos sexuais contra suas filhas; maridos que s aparecem em casa para pegar dinheiro e impor suas arbitrariedades s mulheres e crianas; enfim, o outro 1 ado da moeda doncalor domisti

    co e fami 1 i ar!

  • ''""

    12.

    Do momento em que as feministas submeteram sua prtica uma anlise cri tic~ nao puderam deixar de reconhecer o autoritarismo e o monolitismo imperante no mov1~ento de mulheres : outras hierarquias haviam sido criadas ao mesmo tempo em que um d1scurso feminista 110ficial 11 tentava calar as falas individuais e, principalmente, a_ diversidade de concepes de feminismo. Foi neste momento que as participantes do Nos Mulheres iniciaram seus estudos e reflexes sobre a sexualidade feminina, sobre o "no revelado .. de cada uma de ns. A reformulao de nossas concepes partiu do mais elementar, que era reconhecer-nos como oprimidas e, portanto, tambm interessa-das na transformao de nossa condio. Assumir-se como sujeito significou, ademais, perceber que nossa insistncia em tratar da situao da 11mai s oprimida 11 - a oper ria- tambm se explicava pela nsia de legitimao aos olhos de nossos interloc~ teres polticos. Voltamos, ento, nossos olhos para o 11feminino 11 ,nos perguntando: afinal, por que valorizar mais a fora do que a ternura quando reconhecTamos nossa carncia como a caracter1stica humana mais comum aos dois sexos. Deixamos de lado os preconceitos e fomos conhecer melhor as manifestaes femininas na literatura, na poesia : a descoberta da 11 feminizao"do mundo, proposta por intelectuais como Yo ko Ono e Ana~s Nin. E entendemos que uma primeira etapa de lutas tivera seu trmi no simblico no 8 de maro de 1980 :da por diante era preciso inovar sob pena de testemunharmos (tal como terminou sucedendo no 39 Congresso, de 198l)profundas ci soes dentro do movimento de mulheres.

    O stimo e Ultimo capitulo, 11A Imprensa Feminista dos Anos 1975/BOn, resume toda a problemtica anterior a partir da anlise critica das colees completas dos dois jornais feministas Brasil Mulher e Ns Mulheres. Fala de nossos temas privilegia-dos - trabalho e politica- ao mesmo tempo em que tenta explicar a ausncia ou .timidez no trato de d~as questes fundamentais para qualquer polltica de libertao da mulher: o sexo e a familia. Nele eu, tento explicar porque terminamos criando alguns 11 tipos i-deais11 - a leitora tipica - e a tenso permanente entre falar na primeira pessoa do singular e falar em nome de outras. Em poucas palavras: viviamos a fase do feminismo en vergonhado.E, neste sentido, a maior conquista que o movimento de mulheres realizou nes-tes Ultimas seis anos foi, exatamente, criar o espao para que pudessemos atuar identifi-cadas e dignificadas por nossa condio de sexo, para que as mulheres deixem de ser aquela 11 eepcie ainda envergonhada 11de que fala Adel ia Prado.

    * * * * * * * * * * * * * * *

    Vrias pesscas contriburam, de maneiras diferentes, para que a redao desta tese constitusse uma atividade enriquecedora aprendi mui to em todos os anos de Ns Mulheres, dai o primeiro agradecimento; Maria da Graa Camargo Vieira realizou a revi-so e padronizao bibliogrfica; Miriam Tanus deu a maior contribuio na datilografia; Betty Mindlin foi a primeira a ler a tese completa, sugerindo modifica8es ; Neddy Quartin de Moraes colaborou decisivamente na reviso dos originais; Lygia Kfouri de Moraes cuidou de mim, dando todo o ca]or .feminino ,(na .verdade,. am~os,pai e me)cuidaram de mim nes-tes dois ltimos meses de tese) e Maria do Carmo Campello de Souza, minha orientadora,fez

    tudo aquilo que se espera de uma excelente orientadora,merecendo minha etern gratido.

  • 13.

    I - FAMTLIA E OPRESSAO FEMININA

    "Nenhuma ie..J.. humana pode.Jr.-ia. apaga"- de. qua.fque.Jt 6oJtma. o

    d.Lte.J..;to natuna-t e p!L.imoJtdia.i de. -todo D homem ao c.a.amctn.to,

    ne.rn c.iJLeun.c.Jr.e.ve.}[ o 6im pninc.J..pai paJLa que. e.fe. 6oJ.. c.onc.e.bi do de..de. a oJLige.m: 'CJLe..c.e.i e multiplic.a.i-vo. 1 (Gn 1,28).

    Ei-6, poj_., a fiamZLta, .oc..ie.da.de. mu-

  • ---- - -- --- --------- --------

    l 4.

    1 -Introduo

    Impossivel pensar a problemtica dos papis femininos em nossa sociedade- entre eles o de socializadora e transmissora de ideologias- sem fazer referncia questo da familia. De fato, ao longo da histria da humanidade, assim como nos sucessivos e diferenciados discursos sobre o processo histrico, a mulher tem sido relacionada familia esfera do privado - enquanto que o homem parece pertencer esfera pblica, a sociedade. Desta ma-neira, Aristiteles em A Politica distingue o 11 polltico 11 como gove..c no da cidade, utilizando o termo ''econmico'' para caracterizar o

    governo da casa: a cidade e governada por homens livres, cidados por natureza livres e iguais, ao passo que a casa e o lugar em que o poder e exercido pelo homem sobre a mulher, os filhos (que sao livres mas desiguais por natureza) e os escravos que, por natureza,

    nao so livres nem iguais (Mercier-Josa, 1978, p.304). A ciso en-tre 11 econ5mic0 11 e 11 polTtic0 11 , neste caso, reflete a pr~pria ciso

    entre vida pblica e vida privada, entre direitos e deveres do ma-

    rido e da mulher. r interessante notar que a antropologia aristotlica im-

    pregna toda a teologia escolstica medieval que define as mulheres como 11 homens defeituosOS 11 (Reauther, 1977, p.88), identificando a diviso entre a carne e o espTrito com a feminil idade e a mascul i-

    nidade (Novinsky, 1979, p.lO). Para os contratualistas, como Rous-

    seau, a famTlia monogmica e patriarcal {ou seja, a mulher submeti da ao marido) constituTa o principio da sociedade humana e a cren-

    a na instituio familiar como uma entidade natural e permanente, prEvia a qualquer sociedade organizada, continua influenciando im-

    portantes segmentos da produo sociolgica, como bem o demonstram as anilises realizadas por Adorno e Horkheimer (1969, p.l30 a 148~

    A leitura de textos filosficos acerca da questo da fa-

    mllia, como dicotomia

    os de Kant e Hegel, rewete-nos constantemente a esta i desigualdade entre homens e mulheres no interior da

    familia e da sociedade- por mais que ideologicamente apresentada

    como constitutiva de uma comunidade de interesses e fundamentada

    no amor. Esta concepo idealista foi criticada por Marx (l968,p.45) ao comentar, referindo-se a Fuerbach e aos jovens hegelianos, que,

    no desenvolvimento histrico 3 os homens:

  • Jz..e.Mvam cada d.W.. -!lua p!!.ptU.a vida, poin-.6e. a c.!U..M

    oLLVr..o. home.JU, a Jr..e.p.~toduz.t-..e.: a Jr..elac;.o e.ntJut 0 ho-

    rnw e a mu.theJt, pa.{h e 6-il.lw", a 6amla.. EMa 6amla., que. no c.ome..o eJta a Wc.a. Jteta.o .6oc

  • 16.

    2. Cultura e Subordina~o da Mulher a proibio do incesto.

    A passagem da Natureza para a Cultura,segundo a grande maioria dos autores, processa-se simultaneamente subordinao da mulher ao homem (quando no ~ j um suposto ''natural'' que nem exige explicaaes ... ), o que equivale a dizer que a opresso da mulher funciona como uma espcie de princ~pio civilizador. Para

    Freud (1973, I!I,p.l,838) a origem da sociedade relaciona-se pa~ sagem da horda paterna associao fraterna e, em ambos os momen-tos a mulher j est subordinada ao homem; mais ainda, ela o pr prio objeto da disputa entre o violento e tirnico pai e a horda

    fraterna. Os irmos odiavam o pai que to violentamente se opunha s

    suas necessidades de poderio e s suas exigncias sexuais. A ne-cessidade de colaborao entre os homens, pondera Freud, surgiu quan-do o homem primitivo descobriu que poderia melhorar seu destino na

    Terra atravs do trabalho.Alis, em perodos ainda mais remotos -em

    sua pre histria de antropide - j havia adotado o hbito de constituir fam{lias,

    de modo que os membros destas foram provavelmente seus primeiros auxiliares. Alm disso, a familia primitiva constitui-se vinculada a uma certa evoluo sofrida

    pela necessidade de satisfao genital (grifo meu) :

    esta, ao invs de apresentar-se como um hspede ocasional,que se insta-

    la na casa de algum para no dar depois sinais de vida por muito tem-

    po, converteu-se, contrariamente, em um inquilino permanente do indivi-

    duo. Com isto, o macho encontrou motivos para conservar junto de si

    a fmea, ou, em termos mais gerais, os objetos sexuais; as fmeas, por

    sua vez, no querendo se separar de sua prole inerme, tambm se viram

    obrigadas a permanecer, no interesse desta ltima, junto ao macho mais

    forte (Freud,l973,III ,p.3.038).

  • 1 7 .

    O argumento~ portanto, ~ de ordem biol6gica : o macho na turalmente'' mais forte (fora esta, diga-se de passagem, contestada por muit~~ antropElogos para os quais nio faz sentido pensar as soei~ dades primitivas a partir de modelos de homem e de mulher das socieda des contemporneas) entra em contradio com outros machos - sua pr~ le - por causa da posse sexual da fmea/esposa/objeto sexual. Desta

    maneira, a passagem da ''famTlia primitiva para a ''famTlia cutural'', na expresso de Freud, diz respeito luta entre homens pela apropria-o das fmeas

    N

  • 18 .

    res, tal como a antropologia estruturalista veio a colocar poste-riormente, assumindo a mesma hiptese da universalidade da proibi o do incesto. Lvi-Strauss_, muito provavelmente, subscreveria a

    afirmao de Freud (1073, I!, p.l847) de oue podemM dedu.z.t oomo Jr.e .6u.U.a.do que. no c..omp.te.xo de. Edi.po c..o.i.Jtc.idem o!. c..ome..M da JtelJ.g,to, da moJta.t,

    da..wUe.d.a.de. e da aiU:e., c.olncJ..d.nW que.

  • 19.

    11 Lvi-S.tJtaU.6.6 .6upoe que. e..ta plr.oi..b-t..o do _{nc.e..:to, 'cuja lla.Zz

    e..&t na na.tuJte.za' - como e.xpfic.a.Jt de. outJta mane.iJta .6ua .6upo.6-:ta unive.Jt.6alida.de.? -, pode.nia, no ob.6:tan.te., .te.Jt uma c.au.6a .60-

    c.-iof.gic.a : a ne.c.e..6.61dade. da .tJtoc.a de mulhe.Jte.-6" Ve. 6o.tma que t'liio-fi ca claro se~ no -.6 pZJti:to do a.u.toJt, e.11.ta pJto1bi.o .6 e lle..taci .. o -

    na ao dine.i:to e. moJtat (plloduzido.6 pe.fa.6 c.ondi.e..6 ge.Jtai.6 da .6oc.ie.dade.) - e. ne..6.te. c.a.60 e.u e..6.ta.Jtia de. ac.oJtdo c.om ele. -ou .6e. -e. um dado na.tullaf que. e..6c.apa aa.6 home.n.6"(Mei11assoux,l975,p.26) A universalidade da proibio do incesto, ademais, permanece du-

    vidosa se o objetivo que ela sirva de elemento comum a toda a teo-ria do parentesco. Neste sentido, Meillassoux apoia-se no trabalho

    de R. Middleton ( 'A Deviant-Case: Brother and Sister and Father

    Daughter Marriage in Ancient Egypte'',in American Sociological Review, XXVII,5,0ct,l962)que demonstra a frequncia dos casamentos entre ir-mo e irm no Egito ocupado pelos romanos, para a preservao do pa-

    trimnio familiar, negando a universalidade da referida proibio. Tambm Raymond Firth, a partir de 1963, afirma a tese da relatividade

    da proibio do incesto. Assim, afirma- Meillassoux, " .. ~e .t.e. e.n-te.n

    de. pon '~nQe..to'a Qpu~a e.ntne ne.be.n.:to-6 do- me-mo-6 ge.n..i.tone.-6 e en.tne

    genitone.-6 e neben.to-6, 6em nem .equen e.-te.nde.n e.6ta no~o ao-6 pane..nte.-6 eta64i6ieatnio4, eon.tata-6e. que. 6e tnata de uma pntic.a muito c.onhe.-c...i.da. e me.

  • 20.

    produo mais harmnica dos grupos sociais, ex1g1u o estabelecimento

    de regras {entre elas a proibio do incesto) que controlassem a enor~ me margem de arbtrio deixada pela natureza. Voltaremos, mais adiante, a discutira a questo do porqu o sexo feminino aparece como elemento estratgico a ser regulado. Por ora, ficamos no registro das conside-

    raoes de Meillassoux, enquanto apresentamos a perspectiva da antropo-logica feminista de orientao marxista.

    3. Evelyn Reed e a reintroduo contempornea do tema do matriarcado

    A oposio clssica explicao da proibio do incesto co-mo regra de origem 11 natural 11 recebeu um forte impulso com a apresenta-o dos trabalhos e concluses de Evelyn Reed. Esta autora pensa o es-

    tabelecimento das regras sociais a partir da questo do tabu e das re~

    laes especificas entra a esfera da vida sexual (proibio do incesto e/ou de determinadas categorias de prticas sexuais) e a alimentao (tabu do canibalismo). Em outras palavras, apontando as necessidades b~

    sicas para a sobrevivncia da espcie (animal ou humana), a alimentao e sexo ,Reed pondera que a proibio de ingerir determinados alimentos, especialmente do reino animal, relaciona-se separao que os primiti-vos faziam do ''n5s'' e os''outros'', ou seja, diz respeito a aquilo que de-ve ser preservado e o que pode ser destruido. Uma determinada categoria

    do reino animal poderia ser considerada como ''ns'' e preservada da mesma

    maneira que os homens pertencentes a um mesmo grupo tribal .A possibilid~ de que - no momento da caada, por exemplo - algum utilizasse de sua a.!:_ ma para ferir um companheiro constitua motivo de profunda tenso grupal,

    de quebra de solidariedade.t por isto, argumenta Reed, que "nada alm

    de um absoluto e inviolavel tabu poderia impedir tal desastre e este foi

    o papel do totemismo, a mais antiga institu-io social 11 (1975,p.37). Es-ta prtica de preveno social, por assim dizer, estende-se s outras

    esferas da vida em comum, sempre com a mesma finalidade de socializar a

    interao grupal e a relao homem-natureza.

    Convencida de que o totemismo e o tabu representam a mais

    antiga forma de regular as necessidades humanas, a questo que se coloca para Reed saber quem o instituiu, porqu e como. Os homens se impuseram

    a proibio de comer certos animais e de ter relaes sexuais com certas mulheres ou, contrariamente, foram as mulheres que criaram tais institui-

  • 21.

    oes para protegerem-se e sua prole? J vimos como Lvi-Strauss e seus seguidores respondem a esta questo. Reed, entretanto, chega a uma resposta bem diversa: aprofundando a anlise de Engels relativa ao matriarcado primitivo, reintroduz o argumento naturista agora para corroborar a tese da superioridade inata do sexo feminino, sua "capa cidade civilizadora. Reed atribui esta capacidade i maior propenso desenvolvida pelas mulheres no que diz respeito prticas de coopera-ao mtua, dada sua ligao privilegiada -enquanto me biolgica -com a prole. Em outras palavras, a autora estabelece para o sexo femi-

    nino uma relao de causa e efeito entre funo biolgica (natural) -procriao e aleitamento - e funo social - cooperao. Neste aspecto sua anlise converge com a de Freud (que fala da ligao da mulher prole) mas as consequncias que tira deste fato so bem distintas ao

    afirmar que a sociedade (a cultura) comea tendo como unidade o cl materno e no a famlia paterna. Em outras palavras,as mulheres tm o predomnio na medida em que so socializadoras ;os instrumentos e as po~ ta-vozes da cultura. A partir de sua relao intima com a prole se esta-belece um determinado tipo de relao com o meio ambiente: o cultivo de alguns alimentos, a domesticao de pequenos animais e pssaros, os pr! meiros passos na tecelagem, na medicina e nas artes constituem, segundo o material apresentado por Reed, obras do sexo feminino. Alm disso, ex-plica a importncia do tabu relacionado menstruao como mais uma mani festao da preocupao social em proteger a mulher, pois, em sua origem, ele no estaria referido idia de impureza do sangue mentrual e sim ao fato de que o sangue era visto como sinal de ferimento. Assim,estar perto de uma mulher menstruada poderia significar o risco, para o homem,

    de ser confundido com um agressor.

    As primeiras regras sociais, portanto, visam a proteo do sexo feminino em funo do papel que ocupa na reproduo da esp-cie. No , pois, a proibio do incesto o passo para a cultura; a su-bordinao da mulher ao homem tampouco sua condio universal. O traba-lho social e a me social: eis as chaves para o rompimento com a esfe-ra natural. Desta maneira, a autora, que critica a projeo de institui

    es e valores contemporneos para as sociedades do passado (tal como e realizado por muitos estudos antropolgicos), termina por inverter a ordem das razes, propondo sempre determinaes femininas como expli-

    ' .. -'' ,,._~,

  • - '" .,, .'.,.;

    22 .

    cao de conhecidos tabus sexuais. Partindo da premissa de uma sexuali-dade diferenciada entre os dois sexos, ela afirma que os longos periodos

    de segregao da mulher- durante a menstruao, o ciclo maternal,as expedies de guerra e caa,etc. ela era impedida de manter relaes sexuais - se devem ao fato da mulher sentir menor desejo sexual e de precisar se proteger- da volpia masculina. Em tempos histricos posteriores

    as necessidades sexuais femininas teriam aumentado mas a razo desta mudana permanece obscura para Reed. Cumpre notar, alis, que a defa-

    sagem no apetite sexual de cada um dos dois sexos tambm u.m pressu-posto da anlise de Freud, que insiste nos laos preferenciais da me com a prole,Mas a utilizao que Reed faz deste argumento ~bem distin-ta da freudiana : para ela trata-se da impossibilidade do casamento e da figura do pai na poca da selvageria,Mulher e prole encontram-se unidos contra muitos perigos, entre os quais a presena masculina. Assim, os dois sexos estariam segregados nos primrdios da civiliza-o e as mulheres, atravs da organizao matriarcal da vida em socie-dade,foram capazes de desenvolver formas de solidariedade muito abran-gentes,no conhecendo a propriedade privada nem formas de explorao do trabalho alheio.

    Neste aspecto a anlise de Reed retoma as clssicas colocaes de Engels para quem a opresso da mulher s comea quando a propriedade privada introduzida.Para ela esta instituio surge, primeiramente, com a 11 propriedade mvel 11 , ou seja, objetos que podem passar de um pos-suidor a outro , e cm a acumulao tornada possvel por um incremento de produtividade na agricultura. A autora em questo supe que esta acumulao tenha se processado com os estoques de gros (Engels aponta o gado como primeira riqueza acumulada) e que a abundncia alimentar tenha permitido uma maior concentrao populacional e o aprofundamento da diviso do trabalho.Os passos seguintes so conhecidos: a acumula-

    o realizada traz o problema de sua utilizao. Primeiramente, supe Reed, os mais velhos receberam os benefcios do excedente alimentar mas, pouco a pouco~ alguns homens ''e.f.eva.Jtam-.6e. ca.tegoJtia de .6a.c.e.Jr.do.te.6, nobfLe.6,pfLopfLie.t.Jtio.6 de. -te.JtfLa,r.oloeando-.6e acima do povo comum, fLe.c.e.-be.ndo p!todu.to.6 alime.n.ta.Jte..6, gado e aJtte..6ana.to.6 c.omo .tfLibu.to.6 e., mai.6 ta.Jtde., como .taxa.6. A fLique.za pfLivada comeou a a.c.umula!t-.6e. na.6 mo.6 de. uma e.LLte., a c..ta..6.6e dominante" (Reed,l975,p.412).

  • 23.

    A passagem um pouco rpida, na verdade, Ao se referir acumu-lao na agricultura, Reed aponta para a redefinio da diviso social do trabalho, argumentando que os antigos caadores - os homens - pas-

    sam a realizar tarefas antes especificamente femininas sem que haja qual quer explicao para tal mudana. Eis que os homens elevam-se" -este

    o termo empregado - condio de classe dominante,permanecendo ~bsc~ ras as condies que propiciaram a explorao do trabalho alheio por esta ''classe dominante. Somos jogados sociedade de classes e a uma nova ordem social com um embrio de exercito permanente, escravos e a

    mulher destituida de sua antiga posio social.

    A indiscutvel importncia da obra de Evelyn Reed e o seu esforo p~

    ra analisar,do ponto de vista marxista~as origens da opresso da mulher,

    justificam o espao concedido na apresentao de suas teses. Vimos como

    ela reintroduz a problemtica da passagem da natureza cultura,lanan-do algumas hipteses interessantes mas sem conseguir escapar a uma argu-

    mentao de ordem bio1gica bastante discutivel. Sua anlise deixa ir-respondida alguns pontos nevrlgicos , entre os quais a questo do como

    as mulheres perderam a supremacia social que o matriarcado lhes garan-

    tia.Em poucas palavras, no chega a estabelecer uma teoria completa e

    coerente sobre a vida social nas sociedades iletradas do passado da hu-manidade.

    49 Assimetria sexual e monoplio da violncia: a questo do poder mascu-

    1 i no.

    A relao entre a vida familiar e a vida social, ou seja, a maior

    ou menor integrao das relaes de parentesco no conjunto das ativida

    des de determinada sociedade, apresenta profundas diferenas ao 1longo

    da histOria humana o A separao entre pbl i co e privado, tal como nossa

    sociedade conhece, constitui o resultado de profundas transformaes scio-econmicas, entre elas a passagem da unidade produtiva do lar para a fbrica. Nesta medida falar de papis sociais da mulher supoe o conhe

  • cimento da qualidade da participao feminina em dada formao scio-econmica. O que hoje uma tarefa sem aparente valor econ mico, como o trabalho domstico, por exemplo, pode ter sido, h poucos sculos, uma funo social (e no familiar) de mixima im-portncia para a reproduo das condies de sobrevivncia de uma determinada comunidade.

    Neste sentido, Lvi-Strauss aponta para um aspecto es-sencial da manuteno do equilibrio demogrfico entre os dois se-xos, que a cooperao laboral tendo em vista a produo econmi ca/de subsistncia, tal como podemos observar no trecho seguinte:

    e-; .tudo

    da.. Ju!.f..a..u ent!te o-6 .e.XM em no.&.a .&oUe.dade. no peJtm.i..

    .tem comp!tetndeJt o caJt..teJt vVtda.de..Utamen.te .ttt.g.i.co dute

    duequ.iM:b!o no 4o da.,, pVt-m~ aot adoluc.e..ntu MpelUVI. comodamente e.nc.ontk.M

    uma upo.a, .e. a &un.o du.ta .e .Li.mJ:tMbe ii6 gJr.a:ti..Gic.a-.u .t.exuaJ... Ma., c.omo .e.. ab.i.na.tou. vtt..ia. ve.zu, na maiota deu, .oc...Le.dadu p!Um.Lti..vM {_c.omo :tambm, ainda que em me.nott. gJutu., ruu ~.e...& Jt.Wt..a.i..6 de.. no.Ma .oc.ie.dade.l,

    o matJUm ro apJtu enta uma .impoJttnc.a tota.emen.te c.t,~ .ta., no eJL:ti..c.a e .-n e.c.onmi.c.a. A c6eJten.a.. en:t:Jte o ..ta:tu.6 e.c.onrnic.o do .oUe...i.Jr.o e do homem c.cuado, em no Ma t>oci.e.dade., .e Jr.eduz qua.e. que. e.xct.u.,.Lvame.nte. ao 6ato de.

    que. o 'p1i.J.meiJw deve. Jte.novaJt c.om ma.J..oJt 6JLe.q.nc.ia. .eu

    gWVLda-Jtoupa. A ,;.UW.o dieJLe compte.tamen.te na. g!tupa.

    no,; qwU.6 a ,;at

  • pende. du:ta veJulade.JJta. "c.oope.Jt.a;tJ..va. de. ph.odw;o" QUe.

    c.oru:,.ti.J:uJ._ wn pM. nQua.nto ma.L mul.heJtu, ma.J..6 ,se. -tem pa-

    JLa c.omell.", c..ze.m o.6 p.-i.gme.U-6 que. c.onideJLa..m "M mulheJLU

    e a.& uana.& como a paU< ma.,U plteoM do capilal do

    g1tu.po 6ami.alt" (Levi-Strauss, 1969, p.75/6).

    25.

    A problemtica da mulher enquanto 11 Capital familiar 11 9! nha, nesta anlise de Lvi-Strauss nova faceta, que completa de alguma maneira a proposta terica de Reed. Esta, como vimos, res-

    salta menos o aspecto da cooperao necessria entre os sexos e chega a propor, como maneira de contornar o problema da 11 Bbstin~~

    cia sexua1 11 das mulheres, uma modificao na sexualidade feminina que, nos primrdios, seria mais 11 Sexualizada 11 vindo a se modifi-car posteriormente. O ponto de vista de Lvi-Strauss, neste parti cular, bem mais flexlvel: ao invs de propor uma sempre duvido-sa mudana de ordem psico-fisiolgica, este autor coloca a possi-bilidade de uma sexualidade ''polim6rfica perversa'', nas palavras de Freud. Mas, por outro lado, insiste no aspecto da colaborao

    tendo em vista a reproduo cotidiana. O ''valor econ6mico'', por

    assim dizer, do sexo feminino passa a constituir, ento, a princ! pal razo para a politica de alianas que o sistema de parentesco estabelece.

    A integrao das funes econmicas (da esfera da econ~ mia e do modo de produzir) nas relaes de parentesco ( estas ex pressando normas de relao sexual/de filiao) constituir, por estas mesmas razes que Lvi-Strauss expe acerca da ''cooperao

    produtiva'', o especifico das sociedades primitivas. Mais ainda,

    e atravs do parentesco que as prprias relaes de poder - poli ticas e religiosa~ - so determinadas . Como assinala Gode -

    lier, 1970, p.l39), 11 ne.J.d:e. tlpo de. 1:>oc.le..da.de.. a-6 Jte..i'..a.e..-6 de. pane.ii-

    te.~co &unclonam c.omo Jte.ia~e.-6 de. pJtodu.o, Jte.la.e.-6 potZt~c.a~, e.~

    que..ma lde.olgico. O paJte..nte.co, ne..te.. c.a~a, ao me...mo te..mpo in&Jta e. -6upJtae.-6tJtutuJta."Alm disso, as prprias relaes de produo fU.!!, cionam no interior das relanes de parentesco, fazendo com que es-tas Ultimas determinem "o-6 d~Jte.~to. do ind,[vZduo -6obJte. o -6oio e.

    1:,e.u-6 pJtoduto.6, -6Ua obJt~ga.e.. de. Jte.c.e..be.Jt, daJt,c.oope.JtafL. Eia-6 de.-te..Jtminam igualmente. a autoJtidade. .obne. o~JLo~ e..m mdt~~a poiZt~ca

    e. ne..Ligio.a".

  • 26,

    As relaes de parentesco, ou mais especificamente, a posio ocupada por cada um dos sexos (na idade adulta/produtiva) na hierarquia familiar- e na vida social de modo amplo- reve

    la, sua maneira, as relaes de poder entre ambos os sexos. Ao falar da imperiosidade da ''cooperativa de produo'' Livi-Strauss,

    com o completo apoio de Godelier, est lanando alguma luz sobre

    a questo da opresso da mulher. E os trabalhos antropolgicos de Meillassoux acentuaram o valor econmico da mulher - sua capaci-dade de produo econmica aliada ao papel estratgico que dese-nha na procriao, ou seja, na reproduo da fora de trabalho.

    Desta maneira, as razes pelas quais os homens, nas sociedades primitivas, tinham interesse na subordinao do sexo feminino so apontadas como sendo as seguintes:

    1'A subordinao da mulher torna-a suscet-vel a duaq

    formas de explorao de seu trabalho: tanto porque

    seu produto - entregue ao marido que assume sua ges-

    to ou a transmisso ao filho mais velho - no lhe

    retorna integralmente como~ principalmente~ atrav~s

    da explorao de suas capacidades procriadoras pois

    a filiao, isto ~ os direitos sobre a progenitura,

    se estabelece entre os homens " {Meillassoux,1975,p. l 9 9) o

    Ao despojar a mulher de sua progenitura {garantindo o

    controle da futura gerao de produtores) o homem a deixa incapaz de criar relaes de filiao, ao mesmo tempo que no tem condi-

    es de adquirir um status a partir de sua contribuio produtiva.

    Assim, argumenta Meillassoux,apesar da mulher ocupar um lugar pre-dominante 11 tanto na agricultura como nos trabalhos dom~sticos ela no desfruta do status de produtora. Estando submetida relaes

    conjugais que superam suas relaes de filiao, o produto de seu

    trabalho s entra no circuito domstico atravs de um homem" C 1975, p.l20).

    A semente da contradio encontra-se,pois, lanada no

    pr~prio seio da sociedade primitiva, dada a assimetria sexual impe-r ante E, apesar da inexistncia de estudos mais precisos sobre os

    meios utilizados pelo sexo masulino para submeter o femini.no, ~.interessante observar como antroplogos da qualidade de Pierre Clastres fazem apologia da qualidade de vida nas sociedades primitivas (no exem

    plo a seguir trata-se das sociedades tribais brasileiras)sem maiores consideraes sobre a condio feminina. Ele comenta que 11 a vida eco-

  • 27.

    nm~ea de..te. 1ndio6 e 6undame.ntava pnincipalme.nte. ob~e. a agni-eultuna e, ac.e.~oniame.nte., t.ob~e a caa, a pe.t.c.a e a coleta. O gnot..o do tnabalho. e.6e.tuado pe.lo home.nt. c.ont.it.tia em limpan,

    com mac.hado. de. pe.dna e pelo 6ogo, a upe.n61c.ie. ne.c.e.nia. Eta

    tane.6a, ne.alizada ao 6inal da e.t.tae. de. chuva, mobilizava ot.

    home.n dunante. um ou doi4 me.e.. Quat.e. toda o ne.hto da pnoc.e.t.t.o

    agJtZ.c..o.ta - planta.Jt, c.apinaJt e c.olhe.!L - , c.on6oJtme.me.nte. : divi.6a do tnabalha, e.na a.&t.umido pe.la.6 mulhe.Jte.. VaZ Jte.t.uita e.t.ta 6eliz

    c.onc.lut.o: 0.6 home.n.6, i.6to , a metade. da populao, tnabalhava c.e.nc.a de. doi.6 me..6 e..t~ to dat. o. quatJto ano.6: O ne..&to do tempo e.Jta

    dedicado a oc.upa.e..6 c.on.6J..de.Jtada.6 no aJ_mo pe.n.a mat. c.omo p!r.aze.Jr.:

    c.a.a, pe..6c.a,6e-!>ta.6 e : .6at-L.66a.ze!r. .6eu. go.6to apa..-i..x.o11a.do pela gu.eJr.-JLa."(Clastres,l974,p.l65, grifo meu).

    A alegria com que Clastres sada a metade masculina bem signi ficativa da pouca importncia que concede ao restante da populao, isto , as mulheres~ Nem mesmo chega a calcular as horas de traba-lho feminino. para que pudessemos avaliar o tempo que dispe para

    o lazer" Sem entrar mais uma vez, na discusso sobre a anlise de sociedades diferentes partir de critrios muito europeus e c~ pitalistas - como e o caso da separao entre trabalho e lazer -cumpre ressaltar que a anlise de Clastres pode no ser o

    melhor retrato das socidades tribais mas extremamente sijgestiva da maneira pela qual a antropologia trata a questo feminina.Nes-te sentido. sua preocupao em definir as condies necessrias para que tais sociedades no conhecessem classes (nem o Estado)

    leva-o a inverter a proposio do materialismo histrico ( que

    aponta a determinao ,em Gltima instncia, do econ5mico} ~ ''a.nte.6 de ~e!r. e.eonm.-i..ea., a a.tieV!ao potlt-Lea, o poden ex.-L.6te ante.6 do t~r.a.ba..tho, o e.Qonm.-i..eo ~ um de.~r..-i..vado do po.tZtieo, a. eme~r.gnc.-i..a do Etada detettm.ina a apatt.io da.; cfae (Clastres,l974,p.l69).Para

    que as sociedades tribais continuem sem conhecer o Estado - e as

    classes - e necessrio. entretanto, o contrle do tamanho demogrfi co e ~ reproduo de um mesmo controle social que impea os desgar~

    ramentos do podero Assim, ele assinala que 11 a. p!r.op~r..-i..e.dade e.6.6enc_.-i..a..t (-L.6to , que toca 11a. e.6.6nc.-i..a.) da .6oc.iedade p!r.imitiva de exe~r.cen um pode/r. ab.6oluto e completo .6obne tudo que a compe; de pnoib.-i..n a autonomia de qu.alque.Jr. um do.6 .6ub c.onjunto.6 que. a. c.on..6:tLtue.n; de mante.Jr. todo.6 o.6 movimento.6 inte.Jr.no.6,eon.6c.ie.nte..6 e -Lncon.6c_-Le.nte.6, que a..t-Lme.nta.m a. vida .6oe-La..t, no.6 l-Lm-Lte..6 e na d-L~r.eo de.6e.ja.do.6 pela

    I>Oc.ecMde"(p,IEOI.

  • 28,

    J sabemos.portanto, que as sociedades primitivas nao poderiam dar origem s sociedades de classe (desde que sua especificidade justa-

    mente a de ser uma sociedade sem Estado); que os homens trabalhavam na agricultura dois mses cada qutro anos; que as mulheres ocupavam-se de praticamente todas as tarefas produtivas e que o controle demogrfico

    impedia situaes de rompimento do ~quilibrio homem-natureza. Apesar da relativa desvantagem da situao feminina o quadro traado indis-

    cutivelmente entusiasmador. Mas, quando Clastres nos descreve as rega-

    lias do chefe - no obstante garantir que a sociedade sempre dispunha

    de meios de impedir os excessos do poder- a questo da opresso femini-na mais uma vez se coloca pois o chefe o homem que, tem 11 0 ditr..e.ito

    hobtr..e um nrne.tr..o anotr..mal de. mulhe.tr..e.h do gtr..upo; e.hte, e.m ttr..oea, tem o

    ditr..eito de exigitr.. de heu ehe6e genetr..ohidade de benh e talento de otr..a-tJtia" (1974,p.32) Em outras palavras, as mulheres participam da vi-

    da social tambm como valores de uso, ao estarem includas no conjunto

    de prestaes e contra prestaes que os homens mantm com seu chefe.

    Elas so uma espeie de repouso do guerreiro e a poligamia e um premio

    para os caadores mais eficazes.

    A questo que se impe, mais uma vez, a de como as mulhe-

    res tornaram-se o objeto de troca em uma sociedade onde os su-jeitas ativos so os homens. As explicaes acerca das vantagens

    que o sexo masculino conquistou com a opresso da mulher so abu~

    dantes, como bem prova o recente exemplo das regalias dos chefes

    indlgenas sul-americanos. Mas o meio utilizado que permanece obscuro. E como toda teoria sobre a dominao supe, necessaria-mente, uma referncia violncia, no poderlamos deixar de pes-quis-la quando colocarmos a questo da como as mulheres foram sub

    metidas. Alm das constantes referncias de Clastres paixo p~

    la guerra demonstrada pelos homens destas sociedades primitivas-

    Godelier tambm assinala a presena masculina na guerra e na reli

    gio, nas atividades simblicas de modo geral - os estudos de Mei11assoux confirmam a hiptese de que, a partir de dotes guer-

    reiros especiais, um ind~vlduo pode alar-se a uma posio de pr~

    domlnio social. Cumpre notar, ademais, que existe uma relao di reta entre o que poderlamos chamar de uma 11 taxa de guerra 11 - o lndice guerreiro de dada sociedade - e a emergncia do autorita-

    rismo, baseado exatamente na violncia. Basta lembrar que a pro-pria manuteno dos guerreiros - nos perlodos b1icos se d

    is custas do trabalho dos no-guerreiros (as mulheres, em primei-

  • 29.

    ro lugar) r por isto que a guerra favorece "a e.me.Jtgn.c-{.4 .. de uma au..to Jtidade. vigoJto~a, bJtu..tal, muita.J.J vze.~ c..Jtu.et ma~ pe.Jthonalizada, a.Jtbi-

    :tnt1.--i.a e obtu..a. ( )Se. 11o e.x.L&.te. um pode.Jt pol1.-tJ...c.o ivt.&:ti.tu.c.iona.R.i-

    zado, um E.6.tado, a1. .&e. mani&e.-sta um pode.!!. pt.6.6oat, uma a.u..toJt1da.de._bLL6-

    c.ada, c.ob!_.ada. ,, obje.:to de. nivalldade.. E.-ta. a.u.:tonida.de. { ... ) apola.-.e.

    obh..e. a gu.e.Jc..Jr.a., -LJ.Jto , .6obne. a v-i-ol.nc.i_a., a 6oJt.a, a a.6tr~c.i.a., a e.x-plona..o e. muito 6Jte.qu.e.n:te.me.n:te. .obJte. a moJt:te., c.omo a ca.Jtac..:te.Jt1..6:ti-c.a. de. :todo. aJ.J pade.Jte.J.J de. e.J.dnc.ia. gu.vur.e.iJta ou. m1lita.n."(Meillassoux,

    l975,p.53).

    E pelo monoplio da violncia, afirma Meillassoux, que o sexo mas-

    culino. nestas sociedades, submeteri o feminino, explorando sua fora de trabalho e sua capacidade reprodutiva. Outras categorias sociais~

    os velhos e os jovens, tambm sero submetido posteriormente. logo,

    as contradies sociais internas so fruto, em grande medida, do ex-

    travasamento das artes blicas~ levando ao estabelecimento de um

    circulo vicioso na medida em que a guerra constitui um momento impor-

    tante da afirmao da pretensa superioridade masculina:

    "A 6onte maiJ.. apta a J..ac..taJt a J..e.de de pJteJ..:tX.gio de um gueJt-JteiJto a gueJtJta. Ao me.J..mo :tempo, um c.he...6e. c.ujo p!te..6t1.g1o eJ..t Jte.iac.ionado gue.JtJta no pode c.onJ..e.Jtv-to e Jte6oJt-lo a no .6e.Jt na gueJtJta. ( ). Enquanto J..e.u de.J..e.jo de gueJtJta c.oJtJte..6ponde

    vontade. ge.Jtal da :tJtibu, em r.aJt:tic.ulaJt doJ.. jove.nJ.. paJta OJ.. qua.tJ.. a gueJtJta tambm e-o pnincipal meio de. adquiJtiJt p!te.J..tlgio, enqua~ :to que a vontade do c.he6e no ui:tJtapaJ..J..a a da J..oc.ie.dade aJ.. Jtela-

    eb habi:tuaib e.n:tJte. a .6e.gunda e o pnimeiJto J..e mantm lnal:te.JtadaJ...

    MaJ.. o JtlJ..c.o de um .tJtanJ..boJtdame.nto do de.J..e.jo da J..oc.ledade pelo de

    J..eu c.he.Se, o n-tJ..c.o - paJta e.J..te. - de. iJt malJ.. longe. do que. deve.Jtia, de. J..aiJt dOJ.. fimi:te.J.. impob:tOJ.. ~Ua 6unao, e.J..te. Jt.if..C.O pe.Jtmanen-

    -te". {Clastres, 1974, p.l78).

    Tratar, pois, o gasto apaixonado pela guerra" como uma

    espcie de impulso natural, anlogo ao gosto pelo esporte, nao p~

    de ser o melhor caminho para discernir as conseq~ncias da violn cia institucionalizada. Qualquer sociedade que abrigue a guerra

    como uma de suas atividades favorecidas arrisca - a todo o momen to - no somente sucumbir pela fora do inimigo externo como,ta~ bm, ver voltadas para seus membros as armas que deveriam apontar

    somente para os de fora. E a propenso masculina i guerra- a menos de ser explicada como inerente i psicologia do homem - me-

  • . r.

    30.

    rece maiores reflexes do que sua simples constatao. Deixar,po! tanto, de lado a desigualdade aonde ela como Clastres se congratula pelo fato de necessitar dispender erergias em tarefas tade o faz - e tomar como dado natural

    qualquer que seja a forma sob a qual

    aparece - recordemo-nos metade da. sociedade nao penosas pois a

    o exercicio da outra me-violncia

    ela irrompe na vida social no parece ser o melhor caminho para a compreenso da dinmica das sociedades primitivas e, concomitantemente, das relaes so-ciais nelas imperantes.

    Cumpre relacionar a submisso da mulher ao valor econ-

    mico, por assim dizer, que sua funo maternal (a reprodutora da fora de trabalho) e os seus papis na diviso social do trabalho garantem. o desvendamento dos interesses que uma frao da sociedade possa ter na subordinao de outra frao no o bastante. Resta esclarecer como um certo tipo de dominao pode manter-se por to longo perodo histrico e de maneira to universal(pois a regra a opresso do sexo feminino na grande maioria das sociedades passa-das e contempor~ne~s). No podemos descartar a questo da viol~ncia - a parteira da histria - quando se trata de entender a posio so-cial da mulher. No nos propomos porm a defender a tese de uma con-tinuidade lgica (de um evolucionismo vulgar) da opresso/dominao do sexo feminino para a explorao/dominao de classe pois a quali-dade da dominao e distinta, em cada um destes casos. Mas a necessi-

    1 d d categorlas mais amplas - e mais cria dade de pensarmos a rea 1 a e com d - d t d a contradio social a uma oposio tivas -, do que a re uao e o a

    binria, e evidente.

    Dentro desta perspectiva, que coloca novas questes te~ ricas, destacam-se alguns trabalhos, como os de Mitchell (1971, p.lOl/6), que acentua o fato de que a pretensa menor capacidade feminina para certos tipos de trabalhos pesados, tem menos a ver com sua opresso, q~ com sua menor capacidade para a violncia.As

    mulheres, em sua perspectiva, so coagidas a fazer o trabalho do-mistico (o trabalho de mulher) mesmo quando poderiam desincum-

    bir-se das tarefas ao cuidado dos homens. A coero (que subenten de a violncia coatora) precisa, portanto, ser entendida em todas suas conseqUncias para que a situao da mulher - seus papis na familia e na sociedade- possa efetivamente ser transformada.

  • II - FAMTLIA E PAPriS FEMININOS

    Sob.Jte. o que. Jte.pou..a. a fJcunZt.i.a de. n.o..6o J:empo, a QamZ..a. bWLgu.ua? Sobne. o c.apilal, .6obhe.. a aqu. eonheuda pela bUJt-guu-

  • '-'

    32.

    1. Introduo

    O artigo 233 do Cdigo Civil Brasileiro estabelece que o marido o ch f d d d e e a soc~e a e conjugal~ funo que exerce com a colabovao da mulher~ no interesse comum do casal e dos [1.:Zhos. Tal princpio reflete a concepo dominante que a sociedade elabora acer ca dos papis femininos,notadamente 1 d -mulher ocupa na famlia.

    os re ac1ona os a posio que a

    Enquanto as funes decorrentes de uma insero di-reta na esfera pblica cabem ao marido (administrao dos bens,m~ nuteno material da familia, direito de fixar residncia, etc.) mulher se outorga a funo de ser a. c.ompanhe.JLa, c.onote e c.oia.botrA.-do~do chefe de fam1lia, oump~indo-!he ve!~~ pe!~ d~~eo m~tekia! e. mM~! de:ta. (Art. 240). A direo material de fato per-tence ao marido

    a esposa cabe de de interferncia

    pois seu dever sustentar a familia -a gesto (bastante limitada pela possibilid~ do marido) do oramento domestico (cujo mon-

    tante a mulher incompetente/impossibilitada de fixar). Desta m~ neira, a direo moral da familia, entendida como a tarefa de transmisso de valores (os j consagrados, conservadores), conju~ tamente com a procriao, a maternidade e as tarefas relacionadas esfera domstica constituem o equivalente que a mulher d em tro-ca do sustento material proporcionado pelo marido. Tambm aqui t~ mos o caso de uma subordinao diretamente relacionada depend~ cia financeira,pois a mulher - dedicando-se ao trabalho 11 invisl-vel" - est incapacitada de prover (em termos de recursos monet rios) seu prprio sustento. A dona-de-casa uma no-profissional que trabalha muito mas continua sendo considerada como pessoa ina tiva.

    Perante a lei, todas as familias So idnticas, da mesma maneira que iguais so as funes que a mu-lher deve desempenhar em seu interior. Mas, se nos detivermos mais cuidadosamente na anlise da relao entre estrutura fami-liar e esfera econmica, veremos como essa pretensa identidade e! conde diferenas substantivas quanto s funes econmicas das familit's ta.

    para Na

    as duas classes fundamentais da sociedade capitali! classe dominante

    familia concerne transmisso da a principal funo econmica da propriedade privada (dos meios

    de produo) atravs da herana, e a mulher - neste tipo de fam1lia - est desobrigada do trabalho domestico propriamente

  • 33.

    dito, cabendo-lhe mais a coordenao/direo das empregadas doms

    ticas. No caso das famlias no-proprietrias ( a grande maioria

    da populao que vende sua fora-de-trabalho para poder sobreviver}, a herana no tem nenhuma importncia, contrariamente ao peso fun-damental do trabalho domestico.

    Se a principal determinao econmica da famlia dada pela funo que ela exerce aos nive1 dos dominadores - a transmisso da herana, significando a reproduo/continuidade do poder econ6-mico para uma mesma famlia - , para a grande maioria das famlias

    do pais o trabalho domstico continua sendo a funo econmica mais importante.

    A abordagem histrica da instituio familiar e sua re-lao com o processo de produo da subsistncia material foi rea-lizada por Marx, ao assinalar que a diviso social do trabalho, pri mitivamente, no era outra coisa seno a diviso natural do trabalho na familia (l968,p.47}. O que equivale a dizer que aquelas contradi-es que configuraro a histria humana encontram-se j em germe na familia, pois a diviso do trabalho que prevalece em seu interior conduz ao mesmo tempo repartio do trabalho e de seus produtos -distribuio desigual~ na verdade~ tanto em quantidade como em qua-

    lidade -~ conduz portanto propriedade~ cujo o germe reside na fam{ lia onde a mulher e os filhos so escravos do homem (Marx,l968,p.47).

    As teses antropolgicas de Morgan influenciaram decisiva-mente a abordagem materialista, levando Engels, na Origem da Famlia, da Propriedade Privada e do Estado , a assentar as bases de uma teoria

    marxista da familia. Enquanto os socialistas utpicos, como Proudhon, definem o pacto conjugal como primeiro momento da jurisdio social, concebendo a relao entre os sexos de maneira idealista - pela afir mao de que o homem e a mulher formam~ tanto moral como fisicamente~ um todo orgnico do qual as partes so complementares ( ... )este or-

    ganismo tem por objetivo criar a Justia ( ... )~ isto ~ a civiliza-

    o e todas as suas maravilhas (Mitchell,l972,p.25) -Engels relaciona o aparecimento da familia nuclear monogmica ao advento da propriedade privada e de sua transmisso atravs da herana. E , pois, esta fun-o econmica que d a base material da estrutura familiar dominante,

    ou seja, a familia burguesa.

  • 34,

    A necessidade de pensar a especificidade da familia das classes dominadas (cuja funo econmica, por assim dizer, no p~ deria ser idntica a da familia dominante) fez com que, posteriormen te, os estudos de inspirao marxista se detivessem na questo do trabalho domstico e na sua importncia para a reproduo da fora-de-trabalho. Trataremos dessa questo mais adiante. Outra vertente

    analitica, dentro da corrente marxista, dedicou-se principalmente integrao da .teoria psicanalitica ao estudo da instituio familiar enquanto viveiro/instrumental da represso sexual e da educao auto ritria. Nesta medida, os papis desempenhados pela mulher tm sua

    nfase deslocada da esfera do trabalho domstico (da produo econ~ mica,tout court) para a esfera ideolgica da conservao/transmisso de valores conservadores, ou seja, da socia1izao da nova gerao.

    Estudos histricos mais recentes -cipalmente na Frana a partir do agora clissico

    desenvolvidos L'Enfant et

    pr i.!:!. la

    Vie Familiale sous l 1 Ancien Rgime, de Aries - enfatizam o cara-ter socialmente determinado da familia moderna (burguesa), assina lando a privatizao da instituio familiar ao longo da passagem do regime medieval para o sistema capitalista; o incremento das funes socializadoras para o imbito mais restrito do lar bur-gus; a ampliao das atribuies de ordem psicolgica decorren-tes da maternidade e, finalmente, a estruturao da relao tria~ gular - pai/me/filhos com nitida diviso de papis, como el!

    \ mentes constitutivos da familia monogmica, nuclear e patriarcal que conhecemos hoje e oue e o padro familiar socialmente dominan te.

    Desta maneira, apesar da permanncia de correntes que consideram a familia moderna como o prottipo de instituio fami liar- uma nica e mesma instituio atravs dos sculos a grande maioria dos estudiosos da questo est de acordo em afirmar

  • 35.

    que M &unu que a 6amleia exeJLoe l>c ub

  • O Veu.s do exo mMcu.Uno. Quanto ao ca;tochmo, Juu.s 6e.Uo wmem nunca po.;.;u.Lu uma muthe11.. "A a 6Jtct.tctna..t

    dct Jr.i!Li.giiJ dct ctlvao ut. em tenio pJr.o6undct com a maioll fioJr..a J.Jvr..aclana..t da v..i.da: o amoJt .e.xu.a.-t", expt{.ca

    Webe11. (Misse, 1979, p.l3/4).

    Se. .se p!Wc..wut lla.eJr.. poh.. que. Ve.w, c.Jou a mulheJL, .o .e. encontJr.ct uma Jr.azo ptau.sZvet: a pJr.ocJao do.; 6-Uho (Santo Agostinho, De Gen. ad. litt. XX, 3).

    As maneiras pelas quais as mulheres representam sua sexualidade como pensam seu corpo luz

    da funo natural da procriao e do instinto sexual (libido),so temas fundamentais para a compreenso dos papis femininos. E, en tre todos, e o papel de me o mais valorizado conscientemente; va lorizao esta que incorpora a ideologia dominante acerca da ma-

    ternidade, entendida como razo suprema da prpria existncia da mulher. Uma mulher sem filhos, por definio, uma frustada. Mas a paternidade, por sua vez, no inclui, entre suas caracteristi cas socialmente definidas, um juizo de valor sobre o destino mas-culino: i possivel no ser pai e ''realizar-se~ enquanto profissi~ nal, por exemplo.

    36.

    A dicotomia dos papiis femininos e masculinos no in terior da familia reflete, ademais, uma oposio em termos da po~ sibilidade de integrao dos diferentes papis que cada sexo deve desempenhar em nossa sociedade. Em outras palavras, enquanto o hQ mem desempenha o papel ativo,. do provedor da subsist~ncia, do lu-tador denfro da esfera p~blica - o ''li fora~ que se opoe ao "aqui dentro" do lar -; de ativo sexualmente (sinnimo de macho), de pai (encarnando a autoridade) e esposo (ao qual esti submetida a mulher) .A mulher divide-se em funes que so consideradas opostas, contraditrias: para ser a espos casta e a me ideal P! de-se que abdique de sua sexualidade, ou melhor, que reduza sua feminilidade i passividad~ do amor maternal. O corpo a ser utili-zado para fins reprodutivos: o sexo como atividade subordinada ao destino fisiolSgico, ''natural'' da mulher: ser me.

    Os trechos acima citados poderiam ser classificados sob a rubrica "mitos e representaes" acerca da maternidade/sexuali-dade. De fato; o primeiro deles resume as representaes, de alu-

  • 37'

    nas da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de So Jas do Rio Pardo, acerca dos papis da mulher casada. E o papel de me

    o eixo em torno do qual se art1cuJa a insero da mulher na so ciedade, como se, realmente, o ser mulher fosse sin6nimo de ser

    mie". Ou, nas palavras de Ercy Parreira Guimares (1978, p.l9l/2) do-U. panto. .e.. de...!:da.c.am nM c.onc.e.p_U ei.a.boJtadM: o p!U_me/.Jta e que. o papel.

    de. me. . c.e.nbrlpe..to, e pan.a. Ue. .tendem a co nveJr.g.

  • Qual a razo de se fragmentar a libido feminina? Por que as mulheres tm de viver com sentimentodeculpadesua sexuali dade, negando-a mesmo, para poderem ser dignas de usufruir os

    privilgios da maternidade? E por que o adulie!li .. o 6e.minino cJU.me gttave.. VM c.haga;, do ah.gal'!mo -oc.iat . a maM aviU.ante (Vasco n c e 1 os , 1 91 5, p.49). A resposta i necessidade de uma dupla moral sexual (pois a satisfao do ''macho supe uma parceria que seria indecente propor me/esposa casta) s poderia ser a prostituio. Esta Chaga social"; este 11 ma1 necessrio 11 , como consagra a hipocrisia

    oficial. E a no-possibilidade de mtua'satisfao sexual no cas~ menta est intimamente relacionada exigncia da filiao leglti ma/legitimada. Ou seja, somente garantindo a exclusividade sobre o corpo de uma mulher que o homem poder estar mais seguro da paternidade da criana. Por isto a lei, at hoje, garante ao marido a primazia, anulando o casamento se for constatado, em prazo hbil, o desvirginamento privio da esposa. E, com mais ra-zo, dentro da tica dominante, e por isto que se exige de fato a monogamia por parte da mulher, fechando-se os olhos cumpliceme~ te para as ''puladas de muro'' do homem.

    Espera-se que a mulher realize-se enquanto me; que vi-va ai seus momentos de triunfo: as delicias da amamentao, o pr~ zer de abdicar, de entregar-se com dedicao satisfao das ne-cessidades do rebento. E as mulheres respondem expectativa domi nante realizando-se na maternidade. Suas representaes acerca

    desta funo so de carter valorativo; sua auto-estima cresce do momento em que podem responder exigncia social de procriar um herdeiro, de dar ao homem o seu sucessor em nome e patrimnio. O interesse na represso sexual, portanto, est diretamente relacio nado ao controle da mulher e de sua prole ''legltima'' porque, como argumentava Reich (1972, p.141) aoJunadeempJ

  • dade ii que t:em brt:Vte.Me na ttep!l.uio

  • 40.

    procriao (o obstetra, o ginecologista} etc, ao estudo da teoria

    e da prtica que nossa sociedade vem desenvolvendo acerca do cor-

    po humano, em geral, e da sexualidade, em particular. Neste senti do, d continuidade ao estudo de Boltansky (1977) acerca do senti do histrico do aparecimento de algumas cincias - ou para-cin-cias - como, por exemplo, a "puericultura''. Por volta do fim do sculo passado, ressalta Boltansky, aparece este savoir-faire es-pec1fico, que termina por se organizar em torno de alguns princi-pias fundamentais - formando um corpo coerente de conhecimentos

    tericos e de regras prticas -; enfim, constituindo-se em um sa ber autnomo cuja presena, entretanto, responde principalmente a uma lgica de dominao de classe, a um novo campo atravs do qual o capital vai subordinar o trabalho.

    Normas higinicas e mdicas, disciplinamento do cor-

    po e da mente, regras prontas para as diversas situaes e fases

    da vida: transformao e passagem de um discurso normativo basea-do na moral, como, por exemplo, a catlica que culpabilizava oS! xo no-reprodutivo, para um discurso que se apoia no saber e na experincia de carter mdico/cientfica. A domesticao da classe

    operria - e da mulher no seu interior - constitui o objetivo, o projeto comum que est por trs da instituio escolar e da insti-

    tuio mdica, solidrias com 11 toda uma ideologia da ordem e da

    desordem~ da civilizao e da selvageria~ e por isto mesmo de uma

    representaao particular das classes populares e de seu destino"

    (Boltansky,l977,p.l5).

  • 41. .

    A reduo da familia ao tringulo pai/me/filhos, a pe! da da autonomia da produo domstica, a privatizao da vida fam~ liar, em uma palavra, constituem momentos da passagem familia bur guesa como modelo dominante. Estas modificaes espelham-se na pr~ pria arquitetura das cidades, com a 11 individualizao 11 do espao dentro das casas e com o levantamento de muros que isolem estas Ul timas do umundo externo 11 Ari~s (1973,p.XVI) comenta que ~ ao final do sculo XVII - segundo fontes francesas - que se situa 11a retirada

    da familia da rua, da praa, da vida coletiva e seu recolhimento no

    interior de uma casa melhor defendida contra os instrusos, melhor

    preparada para a intimidade. Esta nova organizao do espao priva-

    do foi obtida pela independncia das peas que se comunicavam entre

    si atraVes de um corredor (no lugar de abrir sobre a outra~ em fi-leira) e pela especializao funcional (sala de visita~ salq de ja~

    ta r>~ quar>to ... J"

    estrutura Ademais destas da fam11ia -

    transformaes da estrutura da casa que privatizam e domesticam a unidade fa-

    miliar (agora, cada vez mais seguindo o padro nuclear) outras processam-se em sentido d-iverso. Em outras. palavras, a separao que se processa entre o pb1ico e o privado - com a passagem das atividades produtivas para as grandes unidades manufatureiras, e~ propriando a casa de sua antiga funo de unidade de produo re-fere-se a penetrao do capital em todos os poros da sociedade: ele transforma a economia e a sociedade sua imagem e semelhana. Mas a privatizao, a individualizao, por assim dizer. da vida familiar (o paraiso do lar contrapondo-se ao inferno do mundo ex-terno ... ) no caminha no sentido de aumentar a margem de autono-mia individual. De fato, observa-se um processo bem distinto que diz respeito crescente influincia dos saberes" de ordem midica,

    psicol6gica,etc. e de novas instituies - aparelhos ideol5gicos do Estado, para utilizar a frmula de Gramsci, retomada por Althus ser- sobre um nUmero cada vez maior de esferas da vida cotidiana.A prpria amamentao- e temos ai um bom indice do grau de interven-cionis~o na vida privada - deixa de ser um ato natural. "o dar o pei to, para ser submetida a prescries,normas e discursos cada vez mais complexos.

  • 42.

    Privatizao da vida familiar e universalizao das nor mas de conduta domstica: eis dois processos simult-neos A sociedade burguesa no acirra a dicotomia pblico/pri vado visando preservar a autonomia do individuo, mas, sim, de dis ciplinar todo o corpo social i l5gica da acumulao capitalista, ao imprio da taxa de lucro. t isto que o estudo de Jurandir Frei reCosta, sobre a introduo da medicina soctal, revela:

    A pcvrLiJL do. teJtcWut dcado. do 4cui:o pctMado, a a.rnlU.a. pa.!IOU a t.e.JL rna..IA inc.i.-

  • modef.ou o c.onvZv-i..o fian...a.Jl, !LtpJt.oduzindo, no -tnte.::A.o!t da C.a.6a..6, o-!l c.on6J!.J...to.6 e an.ta.goJ1.,[.mo..:s de. c.i.a.6.6e. e.xi...te.,!!

    tu na. .oe.dade.. A6 JLeta._u, J..l'!-t.na.fiamil.i.cur.u .t.e. :to1Lna-

    Jtam uma Jtiipca d

  • A mau bWLguucu. de.vell.iam a.t;/..i.CVr, c.omo mode.io-6 mo.tut.L6 nu-

    :tlzu pa.!Ul .UM c.JU.an.cu e cama a.polo. e gi.a.. mo1ta.L6

    paiLa. o-6 ma!U..do-6, em lle.u JtetoJr.no do hno!Ut.t e c.ompe.titivo

    mundo do tltabaiho { ... I Atuaimen.te, MpVta-M que M mu-.fhV!.U de. :toda..& a..6 ci.cw.&e.. atuem corno nubzu e r:amo

    apo-Lo pM.a o-6 mcvdo., alm de. &oiLne.c..rVt-lhM a c.omi..da &eUa e a eMa Limpa.

    { ... I

    .. o -6VL "me." enni.no (.wome.n'.& mothVU:.ng) -!le. JLe.p.toduz

    cJ..cU.came.nte.. A. mul'.hVLu, e.nqu.a.nto mu, ptwdu.zem 6-i-.thcw com c..apaUdade. de. 11.6Vt me." {mo.theJng c.apac..:.i.e.6) e. o due.jo de. ,o.-fo (du.te. :to mo.theJL). E6.6a c.apadade. e.

    ne.c..ut,,{dade. llo c.on.st!tulda..6 e. due.nvol.veJ1h:\e. den.tJLo da

    f"'pll-I. Jte.f.aio me -&.Uha. Con.tJtalualmen.:te, M mu.t:heJtM,

    enquanto mu {e. o- home.n enquanto no-mu) piLoduzem

    fi.Uho,s eujM necMl-dade. e capac.i.dadt

  • 45,

    cal de trabalho.