Familia e Trabalho

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573 POLÍTICAS E PRÁTICAS DE CONCILIAÇÃO ENTRE FAMÍLIA E TRABALHO NO BRASIL BILA SORJ Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected] ADRIANA FONTES Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade [email protected] DANIELLE CARUSI MACHADO Diretoria de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [email protected] RESUMO O objetivo deste trabalho é situar a problemática da conciliação entre trabalho remunerado e responsabilidades familiares no recente processo de transformação da estrutura das famílias e do mercado de trabalho no Brasil. A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí- lios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é feita uma caracterização das mudanças nas estruturas das famílias brasileiras e da inserção das mulheres no mercado de trabalho de acordo com a estrutura da família. Particularmente, pretendemos mostrar que o baixo desenvol- vimento de serviços coletivos que permitem socializar os custos dos cuidados com a família pre- judica a quantidade e qualidade da inserção feminina, sobretudo das mães, no mercado de trabalho. FAMÍLIAS – TRABALHO – POLÍTICAS PÚBLICAS – MULHERES ABSTRACT RECONCILING WORK AND FAMILY: ISSUES AND POLICIES IN BRAZIL. The aim of this paper is to discuss the problems related to the reconciliation of work and family responsibilities in the recent process of family structure and labor market transformation in Brazil. Based on data from the National Sample Household Survey of the Brazilian Institute of Geography and Statistics, it outlines the changes in Brazilian family and participation of women in the labor market according to family composition. Our main purpose is to show that the poor development of public services, which would allow the socialization of family care costs, is harmful to the female participation, in the labor market, on a qualitative and quantitative basis. FAMILY – LABOUR – PUBLIC POLICIES – WOMEN Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, p. 573-594, set./dez. 2007

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Conciliação entre familia e trabalho no brasil

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    Polticas e prticas de conciliao...

    POLTICAS E PRTICAS DE CONCILIAOENTRE FAMLIA E TRABALHO NO BRASIL

    BILA SORJDepartamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    [email protected]

    ADRIANA FONTESInstituto de Estudos do Trabalho e Sociedade

    [email protected]

    DANIELLE CARUSI MACHADODiretoria de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    [email protected]

    RESUMO

    O objetivo deste trabalho situar a problemtica da conciliao entre trabalho remunerado eresponsabilidades familiares no recente processo de transformao da estrutura das famlias e domercado de trabalho no Brasil. A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic-lios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, feita uma caracterizao das mudanasnas estruturas das famlias brasileiras e da insero das mulheres no mercado de trabalho deacordo com a estrutura da famlia. Particularmente, pretendemos mostrar que o baixo desenvol-vimento de servios coletivos que permitem socializar os custos dos cuidados com a famlia pre-judica a quantidade e qualidade da insero feminina, sobretudo das mes, no mercado detrabalho.FAMLIAS TRABALHO POLTICAS PBLICAS MULHERES

    ABSTRACT

    RECONCILING WORK AND FAMILY: ISSUES AND POLICIES IN BRAZIL. The aim of this paperis to discuss the problems related to the reconciliation of work and family responsibilities in therecent process of family structure and labor market transformation in Brazil. Based on data fromthe National Sample Household Survey of the Brazilian Institute of Geography and Statistics, itoutlines the changes in Brazilian family and participation of women in the labor market accordingto family composition. Our main purpose is to show that the poor development of public services,which would allow the socialization of family care costs, is harmful to the female participation, inthe labor market, on a qualitative and quantitative basis.FAMILY LABOUR PUBLIC POLICIES WOMEN

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    Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Carusi Machado

    Nas ltimas dcadas podemos observar, em nvel global, uma amplatransformao na composio sexual do mercado de trabalho e nas prticas deconciliao entre trabalho e responsabilidades familiares. Em muitos pases, omodelo tradicional do homem provedor e da mulher dedicada aos cuidadosda famlia foi sendo substitudo por um modelo no qual mulheres e homens seinserem no mercado de trabalho, mas os cuidados com a famlia permanecem,em grande medida, uma tarefa realizada apenas pelas primeiras.

    O novo modelo criou novas oportunidades para as mulheres participa-rem da esfera pblica, mas no foi acompanhado por uma transferncia cor-respondente do tempo investido pelos homens no mercado de trabalho paraa esfera privada, mantendo deste modo uma diviso sexual do trabalho comum forte vis de gnero.

    Os conflitos que se instalaram, a partir das demandas competitivas en-tre trabalho remunerado e cuidados familiares, deram origem a diferentes so-lues que variam entre os pases. Em muitos pases industrializados, particu-larmente no norte da Europa, observa-se o desenvolvimento de polticaspblicas que apiam a conciliao de trabalho e famlia, atenuando os efeitosnegativos das transformaes sobre a igualdade de gnero. Em outros, comonos Estados Unidos, o governo desempenha um papel mnimo no suporte sfamlias, perpetuando a crena de que os cuidados com a famlia um assuntoprivado e sobretudo afeito s mulheres.

    O objetivo deste trabalho situar a problemtica da conciliao entretrabalho remunerado e responsabilidades familiares no recente processo detransformao da estrutura das famlias e do mercado de trabalho no Brasil.Particularmente, pretendemos mostrar que o baixo desenvolvimento de ser-vios coletivos que permitem socializar os custos dos cuidados com a famliapenaliza a quantidade e qualidade da insero feminina, sobretudo das mes,no mercado de trabalho.

    As normas sociais que regulam as relaes entre trabalho e famlia sosocialmente construdas e as polticas voltadas a esse objetivo sinalizam comoa sociedade percebe e valoriza a conciliao dessas duas dimenses. Gornicke Meyers (2003) destacam trs tipos de polticas pblicas mais comuns, sobre-tudo nos pases desenvolvidos, que favorecem a conciliao de trabalho e cui-dados familiares, embora haja significativas variaes no desenvolvimento e graude cobertura que oferecem aos cidados e na capacidade de neutralizar asdesigualdades de gnero:

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    licenas do trabalho para cuidar dos filhos, sem perda do emprego ecom a manuteno do salrio ou de outros tipos de benefcios mo-netrios equivalentes;

    regulao do tempo do trabalho que permite aos pais reduzir ourealocar as horas de trabalho quando as necessidades de cuidadoscom os filhos so mais prementes, sem custos econmicos e para odesenvolvimento da carreira profissional;

    acesso a creches, pr-escolas e escolas em tempo integral como umarranjo alternativo para o cuidados dos filhos quando os pais esto nolocal de trabalho.

    Tomando como referncia esses trs tipos de polticas pblicas, uma vi-so, mesmo que panormica, da situao brasileira revela que o reconhecimen-to da problemtica da conciliao entre trabalho e famlia obtm fraca legiti-mao social e poltica1. O desenvolvimento insuficiente de polticas pblicasque permitam redistribuir ou socializar os custos dos cuidados familiares e obaixo nvel de abrangncia das polticas existentes confirmam que a gesto dasdemandas conflitivas entre famlia e trabalho permanecem em grande medidaum assunto privado.

    No que diz respeito s licenas do trabalho para cuidar de assuntos fa-miliares, a legislao trabalhista brasileira prov um conjunto de medidas, comcobertura limitada2. Essas medidas s se aplicam aos trabalhadores registrados,que representam menos da metade da fora de trabalho ativa no pas. Essestrabalhadores encontram-se, em geral, ocupados nas grandes empresas priva-das e pblicas. O significativo crescimento do trabalho informal na ltima d-cada indica que um contingente cada vez maior de trabalhadores encontra-sedesprotegido de direitos trabalhista bsicos, notadamente, as cnjuges e che-fes de famlias monoparentais que esto proporcionalmente mais representa-das no segmento informal da economia.

    1. Para um detalhamento das polticas de conciliao entre trabalho e famlia no Brasil, ver Sorj(2004).

    2. Para uma viso da evoluo recente das clusulas trabalhistas relativas ao trabalho da mulher,negociadas em convenes coletivas de trabalho, ver Departamento Intersindical de Estats-ticas e Estudos Socioeconmicos Dieese, 2003.

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    Alm de regular apenas o segmento formalizado do mercado de traba-lho, a legislao trabalhista contm um claro vis de gnero. Os benefciosconcedidos por ela focalizam prioritariamente os direitos reprodutivos dasmulheres, garantindo, entre outros direitos, a estabilidade para a gestante, li-cena maternidade de 120 dias e creches nos primeiros meses de vida dos fi-lhos de mes trabalhadoras3. Ademais, a legislao trabalhista pouco efetivapara garantir a articulao entre trabalho e necessidades familiares ao longo detodas as etapas da vida familiar dos trabalhadores. Concentrando os benefciosapenas no momento inicial da procriao, a legislao no garante facilidadespara que o trabalhador possa tratar das demandas familiares como um eventonormal e regular da sua vida pessoal.

    Apesar da reduo da jornada de trabalho, consagrada na Constituiode 1988, de 48 para 44 horas semanais, as iniciativas governamentais para re-gulamentar regimes de trabalho flexveis nos anos 90 (trabalho temporrio,trabalho a tempo parcial, trabalho por tempo determinado etc.) no forambem-sucedidas. Desse modo, a flexibilizao da jornada de trabalho, que seacelerou nos anos 90, passou a assumir formas no protegidas pela lei traba-lhista ou, quando negociadas mediante convenes coletivas de trabalho,incidem apenas em categorias especficas de trabalhadores, as mais organiza-das. As modalidades de flexibilizao da jornada de trabalho que mais se de-senvolveram no mercado de trabalho desconsideram o vnculo empregatcioe portanto os direitos a ele associados e assumem diferentes regimes, comocontratao de autnomos para prestao de servios, remunerao por ta-refa e outros.

    Finalmente, o acesso creches e pr-escolas ainda bastante limitado,apesar do seu crescimento recente. Em 2001, apenas em 39% dos domiclioscom crianas at seis anos elas freqentavam creches e pr-escolas. Comomostramos em Sorj ( 2004), a eficcia desse mecanismo quanto a facilitar aconciliao entre demandas do trabalho e da famlia notvel, com repercus-ses importantes no aumento da participao das mulheres no mercado detrabalho, na renda e na ampliao da jornada de trabalho. Esse impacto positi-

    3. A Constituio de 1988 criou a licena-paternidade de cinco dias aps o nascimento ouadoo de filho, com nus para o empregador. A licena paternidade de cinco dias corridosaps o nascimento dos filhos.

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    vo ocorre, em geral, em todas as classes sociais. Mas so as famlias mais po-bres as que mais se beneficiam do mecanismo quando comparadas aos gru-pos de renda superior.

    importante ressaltar que as creches e pr-escolas, bem como as insti-tuies educacionais dos nveis subseqentes, funcionam predominantemen-te em tempo parcial. Isso significa que mesmo as famlias que tm acesso a esseservio continuam a depender de recursos privados para viabilizar a plena par-ticipao no mercado de trabalho dos seus membros adultos. Para os gruposprivilegiados, a contratao de empregadas domsticas preenche a lacuna dasmes no domiclio durante o perodo em que as crianas voltam para a casa eas mes esto ainda no trabalho. Nas camadas mais pobres, cuja insuficinciade renda no permite contratar esse servio, as crianas quando retornam daescola ficam sob os cuidados de parentes, vizinhos, irmos mais velhos oupermanecem sozinhas em casa (Sorj, 2001).

    A insuficincia de polticas pblicas que facilitem a gesto das demandasconflitivas entre trabalho e cuidados da famlia, aliada baixa participao mas-culina na diviso do trabalho no remunerado, repercute nas oportunidadeslaborais das mulheres, notadamente das mes com filhos dependentes, e re-fora as desigualdades de gnero no mercado de trabalho, como veremos aseguir.

    Para atingir os objetivos deste artigo, utilizamos os dados (de 1992 a2005) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios PNAD do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatstica IBGE. O texto se divide em trs partes,alm desta introduo e das consideraes finais. Primeiramente feita umaanlise das mudanas recentes da famlia brasileira. A segunda parte diz respeitos mudanas no mercado de trabalho e seus efeitos nas diferentes posies nafamlia. Em seguida, analisamos a insero das mulheres no mercado de traba-lho, de acordo com cada tipo de estrutura de famlia.

    MUDANAS RECENTES NA ESTRUTURA DA FAMLIA BRASILEIRA

    Algumas tendncias da estrutura das famlias e da composio sexual domercado de trabalho assemelham o Brasil aos pases desenvolvidos, enquantoa ausncia de uma nova concepo e prticas sociais, que atribuam uma dimen-so coletiva aos cuidados da famlia, reforam um modelo fortemente desigual

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    da diviso sexual do trabalho e limitam as oportunidades laborais das mulhe-res, principalmente das mes com filhos dependentes.

    No final da dcada de 60 comea um processo rpido e generalizadode queda da fecundidade, que alcana em 2000 taxas semelhantes s verificadasnos pases mais desenvolvidos (Camarano, Medeiros, 1999). Se nas primeirasdcadas, os efeitos da queda da fecundidade estavam limitados aos grupossociais mais privilegiados das regies mais desenvolvidas do pas, tal processose estendeu a todas as classes sociais e todas as regies, embora ainda persis-tam grandes diferenas regionais e socioeconmicas na populao. Alm datendncia diminuio na taxas de fecundidade para o nvel de reposio, 2,1filhos por mulher em 2002, o nmero mdio de filhos dependentes tambmapresentou retrao: passou de 1,2, em 1992, para menos de um, em 2005.

    Vrios fatores podem explicar a brusca reduo da fecundidade. A me-lhoria e popularizao dos mtodos contraceptivos, mudanas comportamen-tais relativas ao lugar da maternidade na identidade social das mulheres e, tam-bm, o fato de as mulheres estarem ingressando maciamente no mercado detrabalho, dando menos prioridade, inicialmente, formao de um ncleo fa-miliar com filhos. A deciso de ter filhos, muitas vezes, adiada por um casalde jovens, pois preferem se estabilizar financeiramente para posteriormente terfilhos. Altos gastos com a educao infantil podem tambm, de alguma forma,estar influenciando essa estratgia de formao das famlias.

    Em princpio, o declnio do nmero de filhos significa uma reduo dotrabalho reprodutivo e pode repercutir positivamente na capacidade das mu-lheres de aumentarem sua insero no mercado e das famlias de conciliaremtrabalho e responsabilidades familiares.

    Alm da reduo do tamanho das famlias, a prpria composio dasfamlias foi profundamente modificada nas duas ltimas dcadas, seguindo no-vamente o padro verificado para os pases desenvolvidos. Como mostra atabela 1, as estruturas familiares que esto em ascenso no Brasil so as estru-turas menores, monoparentais com ou sem a presena de outros parentes.4

    4. A definio de famlia utilizada a proposta pelo IBGE, pois analisaremos os dados das PNADs.Uma famlia no o grupo domstico e tampouco o conjunto de parentes sem limitaoespacial. O sistema classificatrio das PNADs capaz de identificar diferentes ncleos familia-res dentro de uma mesma residncia. O conceito de famlia na PNAD, quando aplicado a

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    parentes, aproxima-se muito da idia de famlia nuclear ou de famlia conjugal. Como a maio-ria dos arranjos domiciliares no Brasil constituda por uma nica famlia nuclear, as famliasnas PNADs coincidem no s com os domiclios, mas tambm com outras definies cor-rentes de famlia. De acordo com o ltimo censo demogrfico (IBGE), o Brasil compostopor cerca 170 milhes de pessoas, residentes em 44,7 milhes de domiclios. A grandemaioria da populao brasileira vive nas reas urbanas (81%) e 19% vivem em zonas rurais.Em 2005, segundo a PNAD, existiam aproximadamente 57 milhes de famlias no Brasil,formadas em mdia por 3,3 pessoas. O tamanho mdio da famlia brasileira, em 2005, foiinferior mdia do incio da dcada de 90 (3,2).

    TABELA 1EVOLUO DAS FAMLIAS BRASILEIRAS

    Fonte: PNAD/IBGE.

    Total

    Unipessoal

    Duas ou mais pessoas sem parentesco

    Casal sem filho

    Casal sem filho e com parente

    Casal com filho

    Casal com filho e com parente

    Mulher chefe sem cnjuge com filho

    Mulher chefe sem cnjuge com filho e com parente

    Homem chefe sem cnjuge com filho

    Homem chefe sem cnjuge com filho e com parente

    1981

    27.690.498

    100%

    1.640.088

    6%

    56.936

    0%

    3.323.938

    12%

    469.781

    2%

    17.996.023

    65%

    2.095.897

    8%

    3.228.417

    12%

    577.824

    2%

    509.474

    2%

    94.515

    0%

    1990

    38.002.450

    100%

    2.648.810

    7%

    60.591

    0%

    4.822.173

    13%

    599.213

    2%

    23.153.646

    61%

    2.411.749

    6%

    5.293.622

    14%

    892.115

    2%

    728.250

    2%

    131.228

    0%

    2001

    50.410.713

    100%

    4.620.602

    9%

    50.965

    0%

    6.962.106

    14%

    865.652

    2%

    26.877.887

    53%

    2.538.366

    5%

    8.977.637

    18%

    1.506.001

    3%

    1.040.111

    2%

    151.769

    0%

    2005

    57.396.967

    100%

    6.135.348

    11%

    56.327

    0%

    8.735.715

    15%

    1.016.255

    2%

    28.727.513

    50%

    2.464.557

    4%

    10.442.258

    18%

    1.765.664

    3%

    1.255.940

    2%

    191.614

    0%

    Var.

    (90-81)

    37%

    62%

    6%

    45%

    28%

    29%

    15%

    64%

    54%

    43%

    39%

    Var.

    (01-90)

    33%

    74%

    -16%

    44%

    44%

    16%

    5%

    70%

    69%

    43%

    16%

    Var.

    (05-01)

    14%

    33%

    11%

    25%

    17%

    7%

    -3%

    16%

    17%

    21%

    26%

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    Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Carusi Machado

    O ncleo tradicional, formado por um casal e filhos, no a nica for-ma estrutural da famlia na sociedade brasileira, apesar de ainda ser a principal.Embora a maior parte das famlias ainda seja composta por casais com filhos(50%), houve uma forte retrao no nmero de famlias com essa estrutura(em 1981, o percentual de famlias desse tipo era de 65%).

    Em compensao, cresceu expressivamente o nmero de famlias com-postas por chefes mulheres e filhos sem a presena do cnjuge, isto , as fa-mlias monoparentais femininas. Esse tipo de famlia o segundo mais comume passou de 12% nos anos 80 para 18% em 2006.

    Outra transformao que merece ser destacada que a proporo decasais com filhos e com parentes tambm registrou queda. Esta mudana podeindicar que as solues privadas para a conciliao entre trabalho e cuidadosfamiliares, que se assenta no apoio dos parentes, sobretudo das avs, pode estarhoje menos disponvel do que no passado. Todavia, embora de forma menosexpressiva, h um percentual crescente de famlias com chefe mulher semcnjuge com filhos e com parentes. De modo que a presena de parentes mais importante para as chefes de famlias monoparentais do que para as cn-

    GRFICO 1COMPOSIO DAS FAMLIAS BRASILEIRAS

    Fonte: PNAD/IBGE.

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    Polticas e prticas de conciliao...

    5. A pobreza foi definida como pessoas vivendo em famlias com renda per capita inferior linhada pobreza. A linha da pobreza o dobro da linha de indigncia, que definida pelos custosde uma cesta bsica alimentar que contemple as necessidades de consumo calrico mnimode um indivduo. A linha da pobreza foi estimada, em setembro de 2005, em 163 reais.

    juges. Outras transformaes menos significativas tambm so notadas no gr-fico 1, como o aumento da de pessoas que moram sozinhas, que passou de6% em 1981, para 11% em 2005, e o crescimento do percentual de casaissem filhos (de 12% para 15% no mesmo perodo).

    Esses dados mostram que, como acontece em outros pases ocidentais,as estruturas familiares que esto em ascenso so as estruturas menores,monoparentais com ou sem a presena de outros parentes.

    Do ponto de vista da conciliao entre trabalho e responsabilidades fami-liares, essas mudanas podem acentuar as dificuldades que as mulheres encon-tram para conciliar as demandas competitivas por trabalho remunerado e res-ponsabilidades familiares, uma vez que se observa uma reduo da presena deparentes que normalmente contribuem, quando no so eles mesmos depen-dentes de cuidados, nos afazeres domsticos e nos cuidados com as crianas.

    No que diz respeito s famlias monoparentais, alm do seu rpido cres-cimento nas ltimas dcadas, notvel o nvel de pobreza a que esto sub-metidas. Como pode ser observado na tabela 2, as famlias constitudas pormulheres com filhos e sem a presena do marido apresentam o maior percen-tual de pobres do pas. Cerca de 35,4% das pessoas que esto em famlias dessetipo no Brasil so pobres5.

    Contudo, quando essas famlias contam com a presena de outros pa-rentes, a pobreza da famlia sofre uma significativa reduo. Assim, nas famliaschefiadas por mulheres com a presena de outros parentes, o percentual depobres cai para 27,5%. Esse percentual mais baixo que o das famlias con-vencionais (casais com filhos). Podemos concluir que a ausncia do marido nasfamlias est sendo compensada, de alguma forma, pela presena de outrosparentes.

    O fato de existirem outros parentes na casa, seja para dividir as tarefasdomsticas ou para complementar a renda, tambm alivia a pobreza das fam-lias formadas por um casal e filhos. Os tipos de famlia com menor percentualde pobres so, alm das unipessoais (6,2%), as compostas por casais sem fi-lhos (9,2%).

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    Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Carusi Machado

    MUDANAS NO MERCADO DE TRABALHO: IMPLICAES PARAFAMLIAS E MULHERES

    A caracterizao das mudanas na estrutura familiar por si s no sufi-ciente para entendermos os desafios que as famlias enfrentam para conciliartrabalho e cuidados familiares. A tradicional diviso sexual do trabalho queconsiste na especializao dos homens no papel de provedores do lar e dasmulheres como cuidadoras da famlia tem sido alterada nas ltimas dcadas pelarpida incorporao das cnjuges ao mercado de trabalho.

    Sendo assim, cada vez mais, as famlias formadas por casais precisarolidar com as responsabilidades familiares, tendo como referncia a insero dechefes e cnjuges no mercado de trabalho.

    Como pode ser visto na tabela 3, a taxa de participao das mulherescnjuges passou de 27,4% para 37,7% entre 1981 e 1990. Nos anos 90, ataxa de participao das mulheres cnjuges continuou crescendo e alcanou58,5% em 2005, reduzindo drasticamente a diferena em relao aos homenschefes de famlia. A participao das mulheres chefes de famlia, que represen-tam, normalmente, um dos principais sustentculos das famlias monoparentais,tambm cresceu. A taxa de participao delas ficou um ponto percentual su-perior s das cnjuges.

    TABELA 2PERCENTUAL DE POBRES POR TIPO DE FAMLIA

    BRASIL 2005

    Tipo de famlia %

    Mulher chefe sem cnjuge com filho 35,4

    Casal com filhos e sem parente 30,5

    Mulher chefe sem cnjuge com filho e com parente 27,5

    Casal com filho e com parente 27,8

    Homem chefe sem cnjuge com filho e com parente 19,8

    Homem chefe sem cnjuge com filho 22,5

    Casal sem filho e com parente 15,5

    Duas ou mais pessoas sem parentesco 19,8

    Casal sem filho 9,4

    Unipessoal 6,2

    Fonte: PNAD/IBGE.

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    Polticas e prticas de conciliao...

    Ao que tudo indica, o fenmeno de entrada das mulheres no mercadode trabalho irreversvel. Independentemente de conjunturas recessivas ouexpansivas, a participao no mercado de trabalho cresce. Alm de responders dificuldades econmicas das famlias, que estariam forando as cnjuges aprocurar o mercado de trabalho, mudanas culturais relacionadas ao papel degnero que valorizam a independncia e autonomia das mulheres nopodem ser desconsideradas (Bruschini, Lombardi, 2003).

    Ademais, o aumento do nvel de escolaridade das cnjuges incrementouo seu potencial de insero no mercado de trabalho e os custos de oportuni-dade de permanecerem fora dele. Como pode ser visto na tabela 4a, o per-centual de cnjuges com o ensino fundamental incompleto passou de 72% para54,8% entre 1981 e 2005. Note-se que este percentual em 1992 era pareci-do com o dos chefes (72,8%), mas ao longo dos anos o percentual de cnju-ges com o fundamental incompleto ficou inferior ao dos chefes, isto , as cn-juges tm-se escolarizado mais do que os chefes.

    O influxo das cnjuges no mercado de trabalho, quando comparado aodos chefes homens, revela que elas esto ocupando postos de trabalho queoferecem salrios e condies de trabalho inferiores.

    Apesar de o crescimento dos empregos sem carteira assinada e sem aproteo da legislao trabalhista ter afetado todas as posies na famlia entre1992 e 2005 (embora tenha ocorrido uma queda do ltimo ano em relao a2001), o aumento desse tipo de ocupao foi mais significativo para as cnju-ges. O emprego com carteira de trabalho muito menos significativo para suainsero no mercado de trabalho (24,1% em 2005 contra 33,2% dos chefes).Cerca de 20,4% das cnjuges ainda trabalham sem remunerao ou para o

    TABELA 3TAXA DE PARTICIPAO NO BRASIL

    Fonte: PNAD/IBGE.

    Chefe

    Cnjuge

    Filho

    Outros

    Homem

    87,8

    76,3

    59,7

    66,8

    Mulher

    44,6

    27,4

    34,9

    26,3

    Homem

    87,4

    79,2

    60,3

    67,2

    Mulher

    49,1

    37,7

    37,9

    30,4

    Homem

    86,1

    75,3

    56,0

    61,0

    Mulher

    52,8

    47,0

    36,3

    30,8

    Homem

    82,4

    75,5

    48,5

    53,2

    Mulher

    51,1

    49,1

    33,2

    28,6

    Homem

    85,6

    83,5

    57,0

    59,1

    Mulher

    59,4

    58,5

    41,6

    34,7

    1981 1990 1992 2001 2005

  • 584 Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set./dez. 2007

    Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Carusi Machado

    autoconsumo, apesar da reduo significativa desse percentual nos ltimos anos.Como mostra a tabela 4b, esse percentual chegava a quase 30% em 1992.

    O trabalho domstico, com e sem carteira, e o emprego sem carteirade trabalho assinada apresentaram crescimento ao longo dos anos 90 e naprimeira metade da dcada atual. Destaca-se que o trabalho domstico semcarteira de trabalho assinada bem mais significativo que o com carteira (10,1%contra 3,7%, em 2005). Isso significa que o aumento da participao das cnju-ges no mercado de trabalho se deu, principalmente, em ocupaes que pelasua natureza informal no garantem os benefcios relativos famlia consagra-dos na legislao trabalhista.

    Destoando desse padro de alocao das cnjuges nas ocupaes maisprecrias em relao aos chefes de famlia, o emprego pblico mostra-se maisrelevante para as cnjuges (8,7%) que para os chefes de famlia (6,7%).

    TABELA 4APERFIL DA POPULAO BRASILEIRA SEGUNDO A POSIO NA FAMLIA BRASIL

    Fonte: PNAD/IBGE.

    Gnero

    Homem

    Mulher

    Faixa etria

    Entre 10 a 14 anos

    Entre 15 a 24 anos

    Entre 25 a 49 anos

    Mais de 50 anos

    Nvel educacional

    Ensino fundamental incompleto

    Ensino fundamental completo

    Ensino mdio incompleto

    Ensino mdio completo

    Ingressou no ensino superior

    Chefe de

    famlia

    78,1

    21,9

    0,0

    8,0

    58,3

    33,6

    72,8

    7,6

    2,9

    9,6

    7,2

    Filhos

    com 15

    anos ou

    mais

    57,6

    42,4

    0,0

    76,0

    23,0

    1,0

    61,9

    11,0

    9,9

    11,1

    6,1

    Cnjuge

    1,2

    98,8

    0,1

    14,5

    64,3

    21,1

    72,2

    8,1

    2,9

    10,7

    6,1

    Chefe de

    famlia

    72,7

    27,3

    0,0

    8,0

    56,4

    35,6

    63,6

    9,3

    4,0

    14,3

    8,8

    Cnjuge

    3,6

    96,4

    0,2

    13,4

    62,9

    23,5

    61,4

    10,3

    4,5

    15,9

    8,0

    Filhos

    com 15

    anos ou

    mais

    57,6

    42,4

    0,0

    73,7

    25,0

    1,4

    41,7

    13,0

    15,8

    20,1

    9,4

    Chefe de

    famlia

    69,4

    30,6

    0,0

    7,5

    54,7

    37,9

    58,1

    9,3

    4,4

    18,1

    10,2

    Cnjuge

    7,2

    92,8

    0,1

    12,0

    62,0

    25,9

    54,8

    10,3

    5,2

    20,1

    9,5

    Filhos

    com 15

    anos ou

    mais

    57,8

    42,2

    -

    70,9

    27,6

    1,5

    33,0

    12,7

    16,8

    25,3

    12,2

    1992 2001 2005

  • 585Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set./dez. 2007

    Polticas e prticas de conciliao...

    TABELA 4BPERFIL DA POPULAO BRASILEIRA SEGUNDO A POSIO NA FAMLIA - BRASIL

    Fonte: PNAD/IBGE.* Expressos em valores de setembro de 2005.

    Composio da atividade

    Desempregado

    Inativo

    Ocupado

    Local de trabalho

    Loja, oficina, fbrica, escritrio, escola, repartio pblica...

    Fazenda, stio, granja, chcara

    No domiclio em que morava

    Em domiclio do empregador,cliente ou fregus

    Em local designado pelo empregador, cliente ou fregus

    Em veculo automotor

    Em via ou rea pblica

    Outros (incluindo ocupao em autoconsumo)

    Posio na ocupao

    Empregado com carteira

    Trabalhador domstico com carteira

    Conta prpria

    Empregador

    Funcionrio pblico

    Empregado sem carteira

    Trablhador domstico sem carteira

    Sem remunerao ou autoconsumo

    Rendimento principal mdio*

    Rendimento horrio principal mdio*

    Nmero mdio de horas trabalhadas

    Chefe

    de

    famlia

    2,9

    18,1

    79,0

    56,3

    22,4

    3,7

    3,9

    6,3

    1,9

    2,3

    3,3

    34,9

    0,8

    31,0

    6,3

    6,2

    15,1

    2,5

    3,1

    861,3

    4,7

    45,3

    Filhos

    com 15

    anos ou

    mais

    8,5

    29,0

    62,5

    56,0

    24,8

    2,7

    6,8

    4,8

    0,6

    1,8

    2,5

    32,8

    0,8

    10,8

    1,1

    4,4

    25,5

    5,6

    18,9

    362,9

    2,1

    42,0

    Cnjuge

    2,8

    50,1

    47,1

    44,3

    15,4

    11,7

    11,4

    0,8

    0,1

    1,7

    14,5

    21,0

    1,8

    18,9

    2,1

    9,6

    8,4

    8,5

    29,8

    389,5

    2,7

    32,6

    Chefe

    de

    famlia

    4,3

    21,8

    73,9

    57,6

    17,2

    3,6

    5,4

    8,3

    2,3

    2,6

    2,9

    31,9

    1,4

    30,2

    6,4

    6,7

    16,9

    3,4

    3,1

    966,2

    5,6

    44,7

    Cnjuge

    5,0

    45,4

    49,6

    50,6

    11,3

    9,0

    15,3

    2,0

    0,3

    2,5

    9,0

    22,0

    3,8

    19,0

    3,2

    9,4

    11,1

    10,6

    20,9

    558,1

    4,0

    34,8

    Filhos

    com 15

    anos ou

    mais

    10,9

    34,9

    54,1

    63,4

    17,2

    2,5

    5,8

    5,6

    1,3

    1,8

    2,3

    34,5

    0,9

    11,2

    1,3

    4,2

    28,4

    4,4

    15,0

    459,2

    2,9

    40,0

    Chefe

    de

    famlia

    3,8

    22,5

    73,7

    57,9

    16,3

    3,8

    7,2

    6,7

    2,0

    2,8

    3,3

    33,2

    1,6

    29,0

    6,3

    6,7

    15,9

    3,8

    3,6

    894,9

    5,5

    43,0

    Cnjuge

    5,4

    39,7

    54,9

    50,8

    10,9

    8,4

    14,7

    2,6

    0,5

    2,6

    9,6

    24,1

    3,7

    18,6

    3,5

    8,7

    10,9

    10,1

    20,4

    536,0

    3,8

    34,3

    Filhos

    com 15

    anos ou

    mais

    12,0

    31,5

    56,6

    64,6

    16,0

    2,8

    6,0

    4,9

    1,0

    2,1

    2,6

    36,8

    0,7

    11,2

    1,4

    3,9

    28,0

    4,1

    13,9

    450,0

    2,9

    38,8

    1992 2001 2005

  • 586 Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set./dez. 2007

    Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Carusi Machado

    Algumas hipteses podem explicar a maior participao das cnjuges noemprego pblico. Primeiramente, o aumento da sua escolaridade abriu novasoportunidades de emprego, mais exigentes em termos de qualificao. Segun-do, sendo o ingresso nessa ocupao feito mediante concurso pblico, a dis-criminao sexual fica dificultada. Terceiro, o setor pblico envolve uma signi-ficativa gama de ocupaes que foram tipificadas como prprias para mulheres(servios educacionais, de sade etc.), afetando a oferta e a demanda por tra-balhadoras do sexo feminino. Quarto, no setor pblico h maior tolerncia, me-diante arranjos informais das chefias com os subordinados no cumprimento dajornada de trabalho, o que facilita a conciliao entre trabalho e necessidadesfamiliares.

    A anlise da durao da jornada de trabalho um bom indicador do pesoque as responsabilidades familiares tm para as cnjuges. De fato, a jornadamdia de trabalho das cnjuges inferior dos chefes: 34,3 horas semanaiscontra 43 horas dos chefes. Entretanto, entre 1992 e 2005, o nmero mdiode horas semanais trabalhadas pelas cnjuges aumentou cerca de duas horas,enquanto o dos chefes e dos filhos reduziu em torno de trs horas semanais.

    O nvel mdio de rendimentos no trabalho principal de 1992 a 2005cresceu 14%. Esse aumento foi sustentado principalmente pelo sucesso doPlano Real em 1994. No final dos anos 90, sobretudo a partir de 1997, houveuma queda consecutiva do nvel mdio de rendimentos do trabalho que s veioa ser revertida em 2004 e 2005. Praticamente todos os grupos se beneficia-ram dessa expanso da renda.

    Para as mulheres, por exemplo, o crescimento da renda foi de 34%,enquanto para os homens, foi de apenas 9%, fenmeno que contribui pararetrao do diferencial de rendimentos por sexo. Em 1992, os homens ganha-vam 1,9 vezes mais que as trabalhadoras. J em 2005, esse nmero foi dimi-nudo para 1,6.

    Em termos de posio na famlia, todos os grupos obtiveram variaopositiva do nvel de rendimentos, sendo esta mais intensa para as cnjuges(38%). Apesar desse aumento, os chefes de famlia so os que tm os rendi-mentos mais altos. Na maioria das vezes so os principais sustentculos finan-ceiros da famlia e trabalham mais horas do que os demais membros, pois noacumulam, normalmente, atividades domsticas. Os dados do rendimentomdio horrio ou seja, quando computamos no clculo da renda a jornadade trabalho de cada um mostram que as diferenas de rendimentos entre os

  • 587Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set./dez. 2007

    Polticas e prticas de conciliao...

    chefes de famlia e as cnjuges, apesar de ainda persistirem, tornaram-se me-nores. A evoluo dos rendimentos das cnjuges sugere que a sua insero nomercado de trabalho tem sido cada vez mais importante para manter o bem-estar das famlias.

    Com relao ocupao, observamos que as cnjuges na maior partedas vezes esto ocupadas em postos de trabalho informais, sem carteira detrabalho assinada, ou esto em empregos sem remunerao ou para autocon-sumo. Um grande nmero de mulheres cnjuges tambm se ocupa do traba-lho domstico. Ou seja, ao que tudo indica, s trabalhadoras so destinadas aspiores formas de insero. Os rendimentos so inferiores aos dos homens e aqualidade da ocupao, dada normalmente pela existncia do registro formal, menor.

    TRABALHO E RESPONSABILIDADES FAMILIARES

    Uma forma de identificar melhor o peso das responsabilidades familia-res sobre a insero na atividade econmica desagregar os principais indica-dores de mercado de trabalho, segundo os diferentes tipos de famlia e porsexo, conforme a tabela 5.

    O primeiro fato que chama a ateno que os indicadores das mulhe-res variam muito mais que os indicadores dos homens, sugerindo que a inser-o delas bem mais sensvel ao tipo de famlia em que esto includas. Inde-pendentemente da estrutura familiar, a taxa de participao dos homens nunca inferior a 86,5%. Para as mulheres, dependendo da estrutura familiar na qualse insere, a taxa de participao pode variar entre os extremos de 87,9% a62,7%.

    Como esperado, a taxa de participao dos chefes homens dos casaiscom pelo menos um filho dependente sem parentes bem alta (97%). A menortaxa de participao dos chefes de famlia no mercado de trabalho ocorre quan-do eles no podem contar com a presena de cnjuges e tm filhos depen-dentes e parentes vivendo no domiclio. Nesse caso, a taxa de participao,mesmo sendo inferior a outros tipos de estruturas familiares, ainda elevada,cerca de 90%.

    A presena de filhos no modifica de forma significativa a participao doshomens no mercado de trabalho. Por exemplo, para o homem chefe de fam-

  • 588 Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set./dez. 2007

    Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Carusi Machado

    TABELA 5CONDIES DE TRABALHO DE HOMENS E MULHERES

    COM IDADE DE 25 A 50 ANOS POR TIPO DE FAMLIA NO BRASIL

    HomensTaxa de Taxa de

    % de

    participao emprego

    empregados

    com carteira,

    funcionrios

    pblicos ou

    empregador

    Unipessoal 93,6 3,7 50,1

    Duas ou mais pessoas sem parentesco 86,5 6,0 45,8

    Chefe de casal sem filho 96,7 3,7 56,3

    Cnjuge de casal sem filho 94,7 6,7 55,0

    Chefe de casal sem filho e com parente 94,8 3,4 50,9

    Cnjuge de casal sem filho e com parente 94,7 12,0 45,4

    Chefe de casal com filho dependente sem parentes 97,4 3,0 53,8

    Cnjuge com filho dependente sem parentes 94,8 6,6 52,9

    Chefe de casal com filhos independentes sem parentes 95,5 2,7 51,8

    Cnjuge de casal com filhos independentes sem parente 93,1 6,9 51,4

    Chefe de casal com filho dependente com parentes 97,1 4,1 52,9

    Cnjuge com filho dependente com parentes 94,8 4,8 50,0

    Chefe de casal com filhos independentes com parente 95,0 3,7 49,3

    Cnjuge de casal com filhos independentes com parente 93,1 1,5 41,0

    Chefe sem cnjuge com pelo menos um filho dependente

    (at 14 anos) sem parentes 92,5 7,0 45,8

    Chefe sem cnjuge com todos os filhos com idade superior

    a 14 anos sem parentes 91,2 5,6 50,5

    Chefe sem cnjuge com pelo menos um filho dependente

    (at 14 anos) com parentes 89,9 12,1 48,2

    Chefe sem cnjuge com todos os filhos com idade superior

    a 14 anos com parentes 94,7 0,0 56,6

    (continua)

  • 589Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set./dez. 2007

    Polticas e prticas de conciliao...

    MulheresTaxa de Taxa de

    % de

    participao emprego

    empregados

    com carteira,

    funcionrios

    pblicos ou

    Unipessoal 87,9 5,0 61,0

    Duas ou mais pessoas sem parentesco 75,0 8,9 39,6

    Chefe de casal sem filho 82,6 8,6 61,1

    Cnjuge de casal sem filho 74,8 7,9 52,1

    Chefe de casal sem filho e com parente 79,5 10,4 65,7

    Cnjuge de casal sem filho e com parente 68,3 6,7 43,5

    Chefe de casal com filho dependente sem parentes 75,5 11,2 50,9

    Cnjuge com filho dependente sem parentes 65,9 9,2 40,6

    Chefe de casal com filhos independentes sem parentes 75,9 8,8 52,7

    Cnjuge de casal com filhos independentes sem parente 66,0 7,0 38,9

    Chefe de casal com filho dependente com parentes 78,0 5,9 55,7

    Cnjuge com filho dependente com parentes 66,6 8,7 37,3

    Chefe de casal com filhos independentes com parente 74,2 4,8 46,9

    Cnjuge de casal com filhos independentes com parente 62,7 6,3 34,9

    Chefe sem cnjuge com pelo menos um filho dependente

    (at 14 anos) sem parentes 82,1 12,1 45,4

    Chefe sem cnjuge com todos os filhos com idade superior

    a 14 anos sem parentes 78,9 7,0 52,8

    Chefe sem cnjuge com pelo menos um filho dependente

    (at 14 anos) com parentes 81,9 8,4 45,9

    Chefe sem cnjuge com todos os filhos com idade superior

    a 14 anos com parentes 72,4 7,0 52,3

    Fonte: PNAD de 2005.* Expressos em valores de setembro de 2005.

    (continuao)

  • 590 Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, set./dez. 2007

    Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Carusi Machado

    lia composta por um cnjuge e filhos com idade superior a 14 anos e sem pa-rentes, a taxa de participao registrada em 2005 foi de 93,1%, pouco infe-rior dos casais com filhos dependentes (97,4%) e dos casais sem filhos(96,7%).

    Quando focalizamos na situao das mulheres por posio na famlia,alguns pontos se modificam. Primeiro, nos diferentes tipos de estrutura fami-liar a participao da mulher no mercado de trabalho sempre inferior par-ticipao do homem. Segundo, as mulheres que mais ingressam no mercadode trabalho moram sozinhas e no formam famlias (a taxa de participao em2005 das mulheres pertencentes a famlias unipessoais foi de 87,9%, e doshomens foi de 93,6%), enquanto os homens que mais participam do merca-do de trabalho so aqueles que formam uma famlia.

    Esses dados sugerem que a ausncia de presses familiares facilita a par-ticipao das mulheres no mercado de trabalho. Todavia, preciso salientar aelevada participao das esposas com filhos dependentes e parentes no mer-cado de trabalho (66,6%). Terceiro, a posio de cnjuge, independentemen-te da presena de filhos, a menos favorvel para as mulheres no que diz res-peito insero no mercado de trabalho. Como de se esperar, a participaodas chefes sem cnjuges e independentemente da presena de filhos supe-rior das cnjuges.

    Vejamos se a presena de filhos condiciona as oportunidades laborais dascnjuges. Enquanto 74,8% das cnjuges de casal sem filhos participam domercado de trabalho, esse percentual se reduz em nove pontos para aquelasque tm filhos dependentes sem a presena de parente (65,9%).

    As mulheres chefes sem cnjuge, com pelo menos um filho dependen-te (famlias monoparentais), com e sem parentes, apresentam taxas de partici-pao no mercado de trabalho elevadssimas (cerca de 82%) e superiores das cnjuges com filhos, com ou sem parentes. Esse dado mostra que a pre-sena dos filhos, sobretudo de mulheres sozinhas, no reduz a sua insero nomercado de trabalho. Apesar de poder existir um srio problema de concilia-o entre o trabalho e o cuidado com as crianas, essas mulheres, por noterem com quem dividir despesas, so as nicas responsveis pelo sustento dafamlia.

    Vejamos agora as ocupaes que o mercado de trabalho reserva paraas diferentes famlias e por sexo. De acordo com os dados de posio na ocu-

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    pao, 35% das mulheres chefes sem cnjuge com pelo menos um filho de-pendente, sem parentes, tinham empregos sem carteira de trabalho assinada.Esses empregos so considerados os de menor qualidade que o mercado detrabalho oferece. Essas ocupaes no so reguladas pela legislao trabalhis-ta e benefcios sociais no so garantidos, mas em muitos casos os horrios,devido maior informalidade, podem ser mais flexveis, permitindo conciliar otrabalho com a vida domstica. Para a mesma estrutura familiar, mas com apresena de parentes, esse percentual cai para 32,5%, o que faz supor que apresena de parentes permite uma insero ocupacional de melhor nvel.

    J os homens, nota-se que grande parte est empregada com carteirade trabalho assinada e a segunda forma de insero no mercado de trabalhomais importante para eles o trabalho por conta prpria.

    O exame da jornada de trabalho fundamental para se identificar o pesoque as responsabilidades familiares tm para as mulheres. Para os homens asjornadas de trabalho so bem mais elevadas do que para as mulheres em to-dos os tipos de famlia. As mulheres, dependendo do tipo de famlia, trabalhamde 37,7 horas semanais (cnjuges com filho dependente sem parente) a 43horas, prximo da jornada oficial de 44 horas, no caso das que moram compessoas sem parentesco. Esse dado revela que os cuidados com as crianas,uma atribuio reservada s mulheres, reduzem sua disponibilidade de integra-o nos empregos com jornada integral de trabalho.

    As cnjuges com filhos dependentes e com parentes j podem trabalharmais uma hora por semana do que aquelas que no possuem outros parentesno domiclio. Aqui, novamente, podemos avaliar o efeito positivo da existn-cia de outros parentes no domiclio permitindo que as mulheres tenham jor-nadas de trabalho mais elevadas em praticamente todos os tipos de famlia.

    Com relao ao nvel de rendimentos, observa-se que os homens, empraticamente todas as posies na famlia e em qualquer estrutura familiar, ga-nham muito mais que as mulheres. Destaca-se entretanto que quando moramsozinhas (famlias unipessoais), as mulheres chegam a ganhar 8% a mais do queos homens.

    O salrio das mulheres chega a crescer, triplicar dependendo do tipo defamlia em que elas esto inseridas, enquanto o dos homens aumenta 51%.Enquanto as mulheres que moram sozinhas so as que obtm o nvel de ren-da do trabalho mais elevado (1.224 reais), dentre os homens, os que tm um

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    rendimento do trabalho maior so os que pertencem a estrutura familiar casalcom filhos no dependentes e com parentes (1.293 reais).

    Esses dados sugerem que as mulheres que se sobressaem no mercadode trabalho, ou seja, que conseguem obter um nvel de renda mais alto e seinserir em empregos melhores (mais de 60% delas so empregadas com car-teira de trabalho assinada, funcionrias pblicas ou empregadoras), esto sozi-nhas. No formaram ainda uma famlia, ou j formaram uma famlia e agoraesto sozinhas, separadas e com filhos j adultos que vivem em outros domi-clios, constituindo, possivelmente, uma outra famlia.

    A anlise empreendida mostra que, em termos gerais, as mulheres cn-juges ou chefes de famlias monoparentais com filhos integram-se no mercadode trabalho pela participao em ocupao de menor qualidade, quando com-paradas s condies de trabalho dos homens, em qualquer posio na famliae, tambm, s de mulheres que no tm filhos. Como vimos, uma porcenta-gem significativa delas est em ocupaes informais sem a proteo dos direi-tos trabalhistas, os rendimentos mensais so baixos e possuem jornadas par-ciais de trabalho. O trabalho em jornadas inferiores ao padro estabelecido pelalegislao trabalhista, certamente, permite conciliar a participao no merca-do de trabalho e as responsabilidades familiares. Entretanto, como vimos, tra-balhar jornadas parciais de trabalho implica salrios menores com conseqn-cias para o bem-estar das famlias. Vimos tambm que a presena de parentesainda , no Brasil, um mecanismo bastante eficaz para facilitar a participaodos cnjuges e chefes com filhos no mercado de trabalho.

    CONSIDERAES FINAIS

    Como vimos, as recentes mudanas nas famlias e no mercado de tra-balho agravaram a capacidade das famlias de lidarem com as exigncias confli-tantes do trabalho e da famlia. As solues para esse dilema tendem a ser pri-vadas e assumidas quase que exclusivamente pelas mulheres. O resultado oreforo das desigualdades de gnero no mercado de trabalho.

    Desse modo, enquanto a participao da mulher no mercado de traba-lho muito influenciada pelo tipo de famlia a que pertence, a participao doshomens mantm uma notvel constncia e lhes confere maiores vantagens.Independente da estrutura familiar, a taxa de participao dos homens nunca

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    inferior a 86,5%. Para as mulheres, dependendo da estrutura familiar na qualse inserem, a taxa de participao pode variar entre os extremos de 87,9% a62,7%. O fato de os chefes homens pertencerem famlias com filhos nomodifica de forma significativa a sua participao no mercado de trabalho. Parao caso das mulheres, a situao completamente diferente: as que mais in-gressam no mercado de trabalho moram sozinhas e no formam famlias.

    Os sistemas tradicionais que se apiam na ajuda de parentes ainda de-sempenham importante papel, notadamente para as famlias monoparentaisfemininas. Todavia, a disponibilidade de contar com esse recurso, especialmentecom o auxlio das avs (co-residentes ou no) nos cuidados da casa e das crian-as, tem-se alterado. As novas geraes de mulheres brasileiras que estoenvelhecendo so muito diferentes das suas mes e avs. So mulheres maiseducadas e que j se encontram mais conectadas ao mundo do trabalho. Tudoleva a crer que continuaro engajadas no mundo pblico mesmo nas etapasmais avanadas da vida.

    As transformaes da estrutura das famlias e da composio sexual domercado de trabalho no Brasil, analisadas neste artigo, mostram que em muitosaspectos o Brasil se aproxima dos pases desenvolvidos. No entanto, quandoobservamos as provises pblicas disponveis naqueles pases, particularmente naEuropa (Gornick, Meyers, 2003) que permitem socializar de maneira mais am-pliada os custos dos cuidados com a famlia, a distncia com o Brasil notvel.

    Sem dvida o pas est se modernizando. No entanto, as solues dastenses que decorrem desse processo foram quase que completamentealocadas na vida das mulheres, especialmente das mes que, por meio da pre-carizao laboral, das relaes com a famlia extensa e com a vizinhana, pro-curam responder a esses novos desafios.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BRUSCHINI, C.; LOMBARDI, M. R. Mulheres e homens no mercado de trabalho: umretrato dos anos 1990. In: MARUANI, M.; HIRATA, H. (orgs.) As Novas fronteiras da desi-gualdade: homens e mulheres no mercado de trabalho. So Paulo: Senac, 2003. Cap. supl.,p.323-356.

    CAMARANO, A. A.; MEDEIROS, M. Introduo. In: CAMARANO, A. A. (org.) Muito almdos 60: os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: Ipea, 1999. p.1-15.

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    Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Carusi Machado

    DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICAS E ESTUDOS SOCIOECON-MICOS. Equidade de gnero nas negociaes coletivas: clusulas relativas ao trabalho da mu-lher 1996-2000. So Paulo, 2003.

    GORNICK, J. C.; MEYERS, M. K. Families that work: policies for reconciling parenthood andemployment. New York: Russell Sage Foundation, 2003.

    SORJ, B. Child care as public policy in Brazil. In: DALY, M. (ed.) Care work: the quest forsecurity. Geneve: International Labour Office, 2001. p.105-124.

    .Reconciling work and family; issues and policies in Brazil. Geneva: InternationalLabour Office, 2004. (Condition of work and employment series, 8)

    Recebido em: maio 2007

    Aprovado para publicao em: junho 2007