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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
IGREJAS DE MISSÃO SEM MISSÃO.
ESTUDO DA PRESENÇA PÚBLICA DAS IGREJAS DE MISSÃO
ATRAVÉS DAS OBRAS DE SERVIÇO SOCIAL NA CIDADE DE
SÃO BERNARDO DO CAMPO
São Bernardo do Campo
Maio de 2012
JOÃO RAUL DE MOURA CAMPOS FILHO
IGREJAS DE MISSÃO SEM MISSÃO.
ESTUDO DA PRESENÇA PÚBLICA DAS IGREJAS DE MISSÃO
ATRAVÉS DAS OBRAS DE SERVIÇO SOCIAL NA CIDADE DE
SÃO BERNARDO DO CAMPO.
Dissertação apresentada à banca examinadora na
Universidade Metodista de São Paulo, em
cumprimento parcial às exigências do Programa
de Pós-Graduação em Ciências da Religião para
obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2012
A dissertação de mestrado sob o título “IGREJAS DE MISSÃO SEM MISSÃO. ESTUDO
DA PRESENÇA PÚBLICA DAS IGREJAS DE MISSÃO ATRAVÉS DAS OBRAS DE
SERVIÇO SOCIAL NA CIDADE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO”, elaborada por
JOÃO RAUL DE MOURA CAMPOS FILHO foi apresentada e aprovada em 29 de março
de 2012, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva
(Presidente/UMESP), Prof. Dr. Jung Mo Sung (Titular/UMESP) e Prof. Dr. Jorge Pinheiro
dos Santos (Titular/Faculdade Teológica Batista de São Paulo).
____________________________________________
Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
_____________________________________
Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Ciências da Religião
Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura
Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas sócio-culturais
CAMPOS FILHO, João Raul de Moura. Igrejas de missão sem missão. Estudo da presença
pública das igrejas de missão através das obras de serviço social na cidade de São
Bernardo do Campo. Dissertação. (Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião).
São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2012. 211 f.
SINOPSE
A pesquisa tem por finalidade estudar a presença pública das igrejas de missão – batistas,
metodistas e presbiterianas – através das obras de serviço social atuantes na cidade de São
Bernardo do Campo. O objetivo é estudar como as igrejas, em seus esforços de trabalho e
missão, estão cumprindo o seu papel pelo viés social, por meio de projetos realizados por
instituições juridicamente constituídas e atuantes. Para isto, o estudo começa caracterizando
histórica-sócio-economicamente a região, observando os antecedentes históricos das igrejas
na cidade. Num segundo momento, mediante pesquisa de campo, espera-se apresentar como
se deu a formação e desenvolvimento das igrejas de missão e suas obras sociais. Por último,
a pesquisa se ocupa em analisar as obras de serviço social e a sua contribuição para uma
práxis transformadora no cenário urbano. Uma das principais considerações obtidas ao fim
da pesquisa é a de que as igrejas de missão têm sofrido um tipo de esvaziamento de sua
ação social, motivado, sobretudo, pelas atuais transformações no campo religioso, pela
ausência de um agir significativo no contexto urbano e pela falta de diálogo e apropriação
do terceiro setor.
Palavras-chave: Igreja, missão, pastoral, práxis, público, ação social.
CAMPOS FILHO, João Raul de Moura. Mission Churches without a mission. Study of the
public presence of mission church through social service work in the city of São Bernardo
do Campo. (Program of Pos Graduation in Religion Science). São Bernardo do Campo,
Universidade Metodista de São Paulo, 2012. 211 f.
ABSTRACT
The research purpose is to study the public presence of the mission churches - Baptists,
Methodists and Presbyterians – through the social activities performed in the city of São
Bernardo do Campo. The objective is to study how the church in its work effort and mission
are accomplishing its social role through the projects performed by institutions legally
constituted and active operating. For that the research starts by characterizing historically-
socially-economically the region and observing the churches historical antecedents in the
city. In a second moment, through the research field, we hope to present how the churches
mission formation and development and its social work got started. For last, the research
engages in analyzing the social services work related to its contribution for a transforming
praxis in the urban scenario. The final considerations from the research is that mission
churches has suffered a type of emptiness of action motivated by the actual transformation
in the religious field, due to the lack of significative act in the urban context e due to the
lack of dialogue and appropriation of the third sector.
Key-words: Church, mission, pastoral, praxis, public, social action.
AGRADECIMENTOS
A Jesus de Nazaré, Mestre dos mestres.
Ao meu orientador, professor Dr. Geoval Jacinto da Silva, acolhedor, humano, simples,
exigente e amoroso. Se cheguei até aqui, devo muito ao meu orientador. Obrigado
professor.
Aos meus amores, Lise, Biel (em memória), Jujuba e Bebela.
Aos meus familiares, por me ensinarem o caminho da vida, meu pai João Raul (em
memória), minha mãe, Maria Salomé, a Sara e Beto, Soraia e Lúcio, Clé e Miriã e todos os
meus sobrinhos.
Aos demais professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião
da UMESP, pessoas com as quais pude aprender muito.
As minhas “irmãs” e “irmãos” da comunidade batista de fé em Rudge Ramos e
colaboradores Marcelo Lander, Raquel Ponce e Helen Oliveira.
A UMESP – Universidade Metodista de São Paulo, por ser um lugar onde se possa dialogar
sobre a religião. Obrigado pela conversa.
Ao GETEP – Grupo de Estudos em Teologia Prática no Contexto Brasileiro, com quem
tenho compartilhado meus estudos e pesquisas.
Finalmente, cabe um agradecimento especial ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - CNPq, pela bolsa de estudos que me permitiu se dedicar à
pesquisa.
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa a todos os moradores que sofrem as injustiças produzidas na cidade de
São Bernardo do Campo e que apesar disso, precisam de alguma maneira, “tocar” a vida.
Vida que poderia ser lembrada, compartilhada, celebrada, acolhida, valorizada, mas que
infelizmente está sendo deixada de lado, esquecida e algumas vezes, marginalizada. Essas
vidas não podem passar despercebidas pelas igrejas de missão.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO SURGIMENTO DAS
IGREJAS DE MISSÃO ....................................................................................................... 19
1.1 ORIGENS HISTÓRICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO ... 20
1.2 LOCALIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS ATUAIS DO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO.............................................................................................. 27
1.3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DAS IGREJAS DE MISSÃO ............................. 40
1.3.1 PRESBITERIANOS ............................................................................................... 47
1.3.2 BATISTAS ............................................................................................................. 49
1.3.3 METODISTAS ....................................................................................................... 51
CAPÍTULO 2 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS IGREJAS DE MISSÃO:
OBRAS DE SERVIÇO SOCIAL NO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO . 56
2.1 ORIGENS HISTÓRICAS DAS IGREJAS DE MISSÃO NO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO.............................................................................................. 57
2.1.1 FORMAÇÃO DAS IGREJAS METODISTAS NO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO.............................................................................................. 60
2.1.2 FORMAÇÃO DAS IGREJAS BATISTAS NO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO
DO CAMPO .................................................................................................................... 69
2.1.3 FORMAÇÃO DAS IGREJAS PRESBITERIANAS NO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO.............................................................................................. 87
2.2 OBRAS DE SERVIÇO SOCIAL DAS IGREJAS DE MISSÃO NO MUNICÍPIO DE
SÃO BERNARDO DO CAMPO ................................................................................... 102
2.2.1 OBRA SOCIAL DA 1ª IGREJA PRESBITERIANA DE SÃO BERNARDO DO
CAMPO ......................................................................................................................... 103
2.2.2 OBRA SOCIAL DA IGREJA METODISTA CENTRAL DE SÃO BERNARDO
DO CAMPO .................................................................................................................. 105
2.2.3 OBRA SOCIAL DA 6ª IGREJA PRESBITERIANA DE SÃO BERNARDO DO
CAMPO ......................................................................................................................... 107
2.2.4 OBRA SOCIAL DA IGREJA BATISTA MANANCIAL .................................... 108
CAPÍTULO 3 A PRESENÇA PÚBLICA DAS IGREJAS DE MISSÃO NO MUNICÍPIO
DE SÃO BERNARDO DO CAMPO: SOB À LUZ DE UMA PRÁXIS CRISTÃ
TRANSFORMADORA ..................................................................................................... 115
3.1 IGREJAS DE MISSÃO: CONCEITO ................................................................. 116
3.1.1 ORTODOXIA LUTERANA E PIETISMO .......................................................... 117
3.2 IGREJAS DE MISSÃO SEM MISSÃO: ESVAZIAMENTO .................................. 122
3.2.1 DIANTE DA COMPLEXIDADE DA RELIGIÃO ............................................... 122
3.2.2 DIANTE DA AUSÊNCIA DO AGIR ................................................................... 131
3.2.3 DIANTE DOS DESAFIOS E DO DIÁLOGO COM O TERCEIRO SETOR ....... 141
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 145
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 148
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Fábricas de Charutos, A Delícia de propriedade de Ítalo Setti. ................................ 21
Figura 2. Antiga Fábrica de Móveis de João Basso (Rua Marechal Deodoro. Década de 20). 22
Figura 3. Wallace Cockrane Simonsen. Prefeito no período de 01/01/1945 ............................ 23
Figura 4. População na Rua Marechal Deodoro a posse do prefeito Wallace, C. - janeiro de
1945. ......................................................................................................................................... 24
Figura 5. Via Anchieta – Década de 50 ou 60. ......................................................................... 25
Figura 6. Via Anchieta, Km. 18 - 1968. ................................................................................... 26
Figura 7. Mapa da Região Metropolitana de São Paulo. .......................................................... 27
Figura 8. Mapa da localização de São Bernardo do Campo na Grande São Paulo. ................. 28
Figura 9. Mapa – Divisão Geográfica – Bairros. ...................................................................... 29
Figura 10. Represa Billings. ..................................................................................................... 30
Figura 11. Foto da vista parcial do bairro Montanhão. ............................................................ 31
Figura 12. Mapa Político Grande ABC – 2008. ....................................................................... 32
Figura 13. Mapa Político Grande ABC – 2009. ....................................................................... 33
Figura 14. Pavilhão Vera Cruz - A Hollywood Brasileira ....................................................... 35
Figura 15. Parque Estoril. ......................................................................................................... 37
Figura 16. Estádio de Vila Euclides, São Bernardo do Campo, 1980. ..................................... 39
Figura 17. Primeira Igreja Metodista de São Paulo – foto sem data. ....................................... 54
Figura 18. Primeira igreja protestante organizada em São Bernardo do Campo (IPI). ............ 59
Figura 19. Templo atual da Igreja Presbiteriana de SBC. ........................................................ 59
Figura 20. Tempo da Igreja Metodista de Rudge Ramos - SBC. ............................................. 62
Figura 21. Garagem do Sr. Mancuso. ....................................................................................... 64
Figura 22. Lenildo de Freitas Magdalena ao centro, esposa Tirza do lado direito e à esquerda
Arno Kiehl, seminarista que apoiava o trabalho....................................................................... 65
Figura 23. Templo da Igreja Metodista Central – SBC. Metodista. ......................................... 66
Figura 24. Templo da Igreja Metodista do Jardim Ipê. ............................................................ 67
Figura 25. Templo da Igreja Metodista Vila Planalto. ............................................................. 68
Figura 26. Templo da 1ª Igreja Batista de S.B.C. ..................................................................... 70
Figura 27. Templo atual da 1ª Igreja Batista de S.B.C. ............................................................ 71
Figura 28. Templo da Igreja Batista Central de SBC (vista da entrada). ................................. 71
Figura 29. Templo da Igreja Batista Central (vista pelo fundo). .............................................. 72
Figura 30. Primeira Igreja Batista em Rudge Ramos. .............................................................. 72
Figura 31. Primeira Igreja Batista de Vila Baeta Neves. .......................................................... 74
Figura 32. Construção da Igreja Batista de Vila Euro. ............................................................. 75
Figura 33. Templo da Igreja Batista de Vila Euro (vista de frente). ........................................ 75
Figura 34. Igreja Batista de Vila Euro (vista de lado). ............................................................. 76
Figura 35. Primeira Igreja Batista do Bairro da Paulicéia 2010. .............................................. 76
Figura 36. Primeira Igreja Batista do Bairro da Paulicéia 2011. .............................................. 77
Figura 37. Primeira Igreja Batista do Bairro da Paulicéia 2011. ............................................. 77
Figura 38. Igreja Batista da Borda do Campo. ......................................................................... 78
Figura 39. Igreja Batista de Vila Marchi. ................................................................................. 79
Figura 40. Igreja Batista Parque Selecta. .................................................................................. 80
Figura 41. Igreja Batista Jardim do Lago. ................................................................................ 80
Figura 42. Primeira Igreja Batista em Parque São Bernardo. ................................................... 81
Figura 43. Igreja Batista Vila São Pedro. ................................................................................. 81
Figura 44. Templo da Igreja Batista Manancial – 2010. .......................................................... 83
Figura 45. Santuário da Igreja Batista Manancial – 2012. ....................................................... 83
Figura 46. Primeira Igreja Batista das Orquídeas - 2010. ........................................................ 84
Figura 47. Primeira Igreja Batista das Orquídeas - 2011. ........................................................ 84
Figura 48. Igreja Batista Jerusalém. ......................................................................................... 85
Figura 49. Igreja Batista do Areião - 2010. .............................................................................. 85
Figura 50. Igreja Batista Nova Jerusalém. ................................................................................ 86
Figura 51. Primeira Igreja Presbiteriana de S.B.C. .................................................................. 88
Figura 52. Igreja Presbiteriana de Rudge Ramos – Foto 1. ...................................................... 89
Figura 53. Igreja Presbiteriana de Rudge Ramos – Foto 2. ...................................................... 90
Figura 54. Igreja Presbiteriana de Vila Paulicéia (vista de frente). .......................................... 90
Figura 55. Igreja Presbiteriana de Vila Paulicéia (vista lateral). .............................................. 91
Figura 56. 4ª Igreja Presbiteriana de São Bernardo do Campo. ............................................... 92
Figura 57. 6ª Igreja Presbiteriana de São Bernardo do Campo. ............................................... 93
Figura 58. Igreja Presbiteriana do Jardim Ipê........................................................................... 93
Figura 59. Igreja Presbiteriana Parque Estoril. ......................................................................... 94
Figura 60. Igreja Presbiteriana Parque Terra Nova II. ............................................................. 95
Figura 61. ASPAS – Creche Betel (vista do nome). .............................................................. 104
Figura 62. ASPAS – Creche Betel (vista de frente). .............................................................. 104
Figura 63. AMAS – Creche “Mamãe Albininha” (vista do nome). ....................................... 105
Figura 64. AMAS – Creche “Mamãe Albininha” (vista de frente). ....................................... 106
Figura 65. Sede administrativa Projeto Semente. ................................................................... 107
Figura 66. Sede da creche “Hilda Vertematti”. ...................................................................... 109
Figura 67. Sede do Projeto Reviver. ....................................................................................... 110
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. População do Município de São Bernardo do Campo – 1950-2009 ........................ 34
Tabela 3. Data da organização das igrejas de missão na cidade de São Paulo ......................... 55
Tabela 4. Total das igrejas de missão por data de fundação no município de São Bernardo do
Campo. ...................................................................................................................................... 96
Tabela 5. Quadro resumido das igrejas de missão (por denominação e data de fundação). .... 99
Tabela 6. Obras sociais das organizações administradas pelas igrejas de missão. ................. 111
Tabela 8. Igrejas que possuem obra social em S.B.C. ............................................................ 113
LISTA DE SIGLAS
AMAS – Associação Metodista de Ação Social
ASPAS – Associação Presbiteriana de Assistência Social
CBB – Convenção Batista Brasileira
IBVE – Igreja Batista da Vila Euro
IME – Igreja Metodista Episcopal dos Estados Unidos (Norte)
IMES – Igreja Metodista Episcopal do Sul dos Estados Unidos
IPB – Igreja Presbiteriana do Brasil
IPI – Igreja Presbiteriana Independente
PCUS – Presbyterian Church in the United States
PMSBC – Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo
SBC – São Bernardo do Campo
15
INTRODUÇÃO
Entre os anos de 2009 e 2010 fui convidado pela gestão pública da cidade de São
Bernardo do Campo para dialogar a respeito das demandas sociais existente nesse contexto
urbano. Foram as inquietações nascidas neste ambiente de diálogo e cooperação que me
levaram à esta pesquisa.
Recém chegado à cidade, vindo da Zona Leste de São Paulo (Penha e Ermelino
Matarazzo) e com uma boa experiência acerca da relação entre igreja e trabalho social,
percebi uma lacuna no engajamento das igrejas. Desde o início das reuniões foi possível
verificar o vazio nas falas de alguns líderes, refletindo, entre outras coisas, um
conhecimento superficial das problemáticas sociais, uma visão paternalista e
assistencialista, com foco mais nos recursos públicos do que na missão, além do interesse
centralizado em suas comunidades de fé. Parecia que minha segunda formação em ciências
sociais começava a fazer sentido na prática do trabalho.
Desses encontros foram surgindo novos questionamentos, sobretudo, em relação ao
quê as igrejas de missão realizavam no contexto urbano. Em outros termos, vimos a
necessidade de se explicitar melhor as contribuições sociais das igrejas e, dessa forma, o
trabalho caminhou na direção de encontrar nos últimos 60 anos de presença física
protestante no município, a sua efetiva contribuição mediante as ações no campo social,
entendida nesta pesquisa como presença pública.
16
Fazendo uma pesquisa bibliográfica e de campo, reuniram-se nesse trabalho algumas
obras clássicas sobre a história do protestantismo. Com relação à pesquisa de campo,
mapeamos todas as igrejas de missão da cidade: igrejas batistas (da Convenção Batista
Brasileira – CBB1), igrejas metodistas (consideradas do Brasil, não inclui as igrejas
metodistas livres) e igrejas presbiterianas do Brasil – IPB (não inclui as igrejas
presbiterianas independentes - IPI).
O mapeamento inicial surgiu por intermédio dos contatos obtidos nas reuniões
realizadas na Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, sob a direção da Secretaria
de Governo, percorrendo a cidade e identificando as igrejas mediante um trabalho
fotográfico. Os primeiros contatos resultaram em uma segunda lista de igrejas mais
distantes e não pertencentes à região central.
O levantamento de informações também foi possível por meio das documentações
enviadas pelas instituições, assim como a visita presencial para leitura e digitação de atas de
fundação, boletins informativos e anuários. Além disso, outra parte das informações foram
retiradas de alguns sites e sistematizadas nesta pesquisa. As informações envidas pelas
igrejas e organizações sociais, bem como a abertura de seus líderes para o fornecimento de
material foram fundamentais para o cumprimento de nossa proposta de pesquisa.
Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizados os seguintes referenciais
teóricos: para reconstruir a história da cidade, foram utilizados Pessoti e os Sumários de
2009 e 2010, produzidos pela prefeitura na gestão PT, onde constam vários autores. Para o
tema da história do protestantismo, Reily (2003) História documental do protestantismo no
Brasil e, Mendonça (2008) Celeste porvir. Para analisar as obras sociais à luz da práxis,
foram utilizados Sánchez-Vásquez (1990) Filosofia da práxis, Floristan (1993) Teologia
Práctica e Bosch (2007) Missão transformadora. Para o tema das diversidades e
complexidades modernas da religião em movimento, o aporte teórico utilizado foi Daniele
Hervieu-Lèger (2008), O peregrino e o convertido.
Os resultados desta pesquisa se encontram distribuídos em três capítulos. No
primeiro capítulo, sobre a formação e desenvolvimento do município de São Bernardo do
1 Basicamente no Brasil, as igrejas da CBB – Convenção Batista Brasileira são as igrejas mais tradicionais que
chegaram via EUA e estão presentes a mais de 100 anos pertencentes e reconhecidas pela convenção. Desta,
depois de uma divisão na década de 1970 e 1980, surgiu a Convenção Batista Nacional, linha carismática dos
batistas. Existe no Brasil uma grande variedade de batistas, como a Igreja Batista Regular. Outros ainda fazem
parte da linha carismática como batistas pentecostais.
17
Campo e dos antecedentes históricos do surgimento das igrejas de missão, pretende-se
narrar os aspectos históricos e econômicos da formação da cidade de São Bernardo do
Campo por meio de diversos autores reunidos no Sumário de Dados 2009 e 2010. Para fins
desta pesquisa e com o objetivo de situar o leitor que desconhece a cidade, espera-se neste
capítulo introduzir alguns elementos acerca da formação, desenvolvimento e características
atuais do município. Material suficiente pode ser encontrado não apenas em bibliografias,
mas também nos espaços culturais da cidade. Num segundo momento, espera-se narrar de
maneira breve os antecedentes históricos da formação e desenvolvimento das igrejas de
missão. O trabalho das igrejas, quando chega ao Brasil pelo litoral sul, primeiro é
estabelecido no interior, depois chega à cidade de São Paulo e finalmente em São Bernardo.
No capítulo dois, formação e desenvolvimento das igrejas de missão e suas obras de
serviço social no município de São Bernardo do Campo, apresentam-se todas as igrejas de
missão existentes no município de São Bernardo, com data de organização e um breve
histórico, além de fotos antigas e recentes para melhor conhecimento no âmbito da cidade.
Essas denominações fixaram-se em um contexto histórico específico, como fruto não apenas
da expansão missionária, mas também, como consequência da migração rural/urbana
ocorrida no período de desenvolvimento da cidade; período este em que muitas igrejas
saíram do interior e vieram para o entorno das indústrias. A seguir são relacionadas todas as
obras de serviço social das igrejas organizadas juridicamente e atuantes na cidade. Não faz
parte da pesquisa trabalhar com as informações de caráter informal sobre outras obras de
serviço realizado. Nas visitas e nos contatos realizados percebemos que as igrejas possuem
uma variedade de trabalhos informais, fruto de ação voluntária dentro do contexto da igreja,
como exemplo, trabalhos artesanais, entrega de alimentos, visitas hospitalares, oficinas de
capacitação, oficinas com usuários de drogas, entrega de presentes em épocas festivas, ajuda
a outras organizações e assim por diante. Outras igrejas realizam obras sociais com vistas da
evangelização, ou seja, o serviço acontece como estratégia para evangelização.
E, por fim, no último capítulo, presença pública das igrejas de missão no município
de São Bernardo do Campo à luz da práxis cristã transformadora, pretende-se analisar o
conceito de igreja de missão, identificando suas características à luz dos movimentos
históricos que foram definindo o surgimento dessas igrejas, principalmente o movimento
18
pietista, que talvez seja o movimento que mais teve maior influência sobre as igrejas de
missão.
Posteriormente, espera-se abordar o tema “igreja de missão sem missão” a partir do
esvaziamento da ação em três sentidos. Primeiro, diante da diversidade, competitividade e
pluralidade do cenário religioso; segundo, na falta de um agir, mesmo diante de documentos
e conceitos bem elaborados sobre a missão; por fim, as igrejas não conseguem alavancar
obras de serviço social consistente porque não estão considerando o terceiro setor
organizado e em crescimento no Brasil. Obras de serviço social realizadas no contexto da
cidade precisam avançar como um trabalho organizado, profissional e contextualizado
dentro do terceiro setor e não mais no contexto das instituições religiosas apenas.
A cidade esconde muitos desafios e parece que as igrejas de missão estão
enfrentando dificuldades para realizar uma ação efetiva, geradora de transformação no
cenário urbano. Se o agir por meio das obras de serviço social tem sido um desafio, a
diversidade religiosa marcada por uma oferta grande de religiões tem se tornado outra
barreira. Questionadas em um tempo marcado pelas transformações modernas e seus efeitos
desafiadores, as denominações mais tradicionais e envolvidas no ideal de serem instituições
que trazem significativa contribuição no contexto urbano são convocadas a mostrarem no
campo social a sua atuação, pois há uma tradição em seu passado, haja vista a história de
alguns de seus fundadores e a gênese das suas igrejas.
19
CAPÍTULO 1
FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO MUNICÍPIO
DE SÃO BERNARDO DO CAMPO: ANTECEDENTES
HISTÓRICOS DO SURGIMENTO DAS IGREJAS DE
MISSÃO
Pretende-se nesse capítulo narrar os aspectos históricos, políticos e econômicos da
formação da cidade de São Bernardo do Campo mediante alguns autores reunidos no
Sumário de Dados 2009 e 2010, compilados pela gestão do PT (Partido dos Trabalhadores),
sob a gestão do Prefeito Luiz Alberto Marinho. Para fins desta pesquisa e com o objetivo de
situar o leitor que não conhece a cidade, espera-se nesse capítulo introduzir os temas sobre a
formação, o desenvolvimento e as características atuais do município. Material suficiente
pode ainda ser encontrado não apenas em bibliografias, mas também nos espaços culturais
da cidade e bibliotecas no município.
O passo consecutivo será o de construir um breve relato acerca dos antecedentes
históricos e do surgimento das igrejas de missão na cidade. Nesta parte, pretende-se oferecer
um panorama da formação inicial das igrejas protestantes e sua trajetória até à cidade de São
Paulo, momento que antecede o trabalho em São Bernardo do Campo. O material
relacionado à história de cada denominação é vasto, mas não está disponível em bibliografia
20
publicada. Nesta parte do trabalho, além da consulta de obras clássicas, foram pesquisados
arquivos, sites e boletins que fornecessem alguns elementos para a compreensão da chegada
das igrejas na cidade.
1.1 ORIGENS HISTÓRICAS DO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO
É possível encontrar nos documentos históricos da cidade o início da história da
chamada Vila de São Bernardo no ano de 1550, século XVI. Desde a sua origem, a Vila de
São Bernardo sempre passou por momentos críticos em sua consolidação como distrito.
Conforme o relato de Cardoso, “em 1812, Marquês de Alegrete elevou a localidade de São
Bernardo a Freguesia” (CARDOSO, 1981, p. 17). Em meados de 1817, com a afluência de
vários imigrantes, o Governo da Província criou dois núcleos de ação, um em São Bernardo
e outro em São Caetano.
Marcada em sua origem pela população rural, por grandes chácaras e fazendas, São
Bernardo do Campo era considerada uma área de passagem. Diz o relato do que o povoado
de:
São Bernardo prostrou-se no seu primeiro abandono político-jurídico,
apenas conservando-se como caminho, ora do campo, ora do mar. Na
metade do Século XVII ali se implantaram fazendas para o cultivo da
mandioca, do feijão, do arroz e da batata (símbolos imorredouros da
comida do brasileiro) (CARDOSO, 1981, p. 17).
Mesmo com a crescente vinda de imigrantes e com a formação de uma linha férrea,
Cardoso informa que a emancipação da cidade parecia ser uma disputa acirrada entre as
“cidades”, pois:
Em 1889, São Bernardo foi elevado a Município pelo Governo Provincial.
Quando da construção da Estrada de Ferro Santos-Junduaí (São Paulo
Railway) a uma distância de 8 km de São Bernardo, foram criados distritos.
Um deles, Santo André, cresceu e se desenvolveu à beira da linha férrea
(CARDOSO, 1981, p. 18).
21
Mesmo a Vila de São Bernardo sendo reconhecida como município em 1889, bastou a
nova construção da linha férrea Santos-Jundiaí2 para que Santo André assumisse o posto de
mais importante, pois a sua proximidade com essa construção traria maiores benefícios para
si, deixando a Vila de São Bernardo em segundo plano. A distância geográfica também parece
ter sido fundamental para essa mudança, uma vez que Santo André estava bem mais perto dos
benefícios trazidos pela nova construção. As disputas para manter a condição de município e
do mesmo não ser transferido irão perdurar por longo período.
As Primeiras Fábricas
Se, por um lado, Santo André caminhava rumo às novas possibilidades trazidas pela
linha férrea, por outro lado, na Vila de São Bernardo o desenvolvimento também estava
presente. Mesmo nesse “vai e vem” da emancipação da cidade, a presença e a
movimentação de trabalhadores na Vila de São Bernardo já podiam ser vistas no início do
século XIX. Em 1904, ocorre o surgimento da primeira fábrica de charutos Ítalo Setti na
Vila de São Bernardo.
Figura 1. Fábricas de Charutos, A Delícia de propriedade de Ítalo Setti.
Fonte: (PMSBC, Sumário de Dados, 2009, p. 89).
2 Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (EFSJ), que da sua inauguração em 1867 foi denominada São Paulo Railway
Company (SPR, foi uma ferrovia do estado de São Paulo. Ligava o município de Santos ao de Jundiaí, tendo
como principal ponto de passagem a cidade de São Paulo.
22
Em 1905, surge a primeira fábrica de móveis de João Basso, com a fabricação de
cadeiras. Outras fábricas de móveis surgirão no cenário da cidade, dando mais tarde o
reconhecimento ao município como Cidade da Indústria Moveleira e catalisando uma
população de mão de obra especializada. Além das fábricas de móveis, surgem no cenário
da cidade as fábricas de indústrias têxteis.
Figura 2. Antiga Fábrica de Móveis de João Basso (Rua Marechal Deodoro. Década de 20).
Fonte: PMSBC, Site, História da Cidade, 2011.
Além das indústrias de móveis, nas décadas de 1920 e 1930 iniciam-se os planos e
projetos para a construção de uma rodovia com a rota de São Paulo a Santos. No meio do
caminho se encontra o município de São Bernardo do Campo. Nos projetos, corta-se a cidade
de uma extensão à outra.
Planos e projetos acontecem simultaneamente nas duas “cidades”. Santo André,
aproveitando-se muito mais da linha férrea, terá um desenvolvimento econômico mais rápido.
As autoridades da época, percebendo este feito, observam que a “promessa” de maiores
possibilidades de crescimento e controle público acontecerá em Santo André. Tanto que
Cardoso afirma:
Quando o progresso bafejou a localidade, instalando nela sedes
administrativas, grandes indústrias, propiciadoras de aumento considerável
da população, o Decreto 9755 de novembro de 1938, inclemente, tira de São
23
Bernardo a condição de Município, transferindo-se para Santo André
(CARDOSO, 1981, p. 18).
Depois de aproximadamente 40 anos, como se não bastasse São Bernardo ser lugar
de passagem, com o maior desenvolvimento de Santo André as autoridades resolvem
transferir o título de município para lá. A visão que chega a nós é que nada aconteceu nesse
período na Vila de São Bernardo.
Nos anos de 1938 o país era governado por Getúlio Vargas, e nesta época o
presidente nomeava interventores. No Sumário de Dados de 2009 da Prefeitura Municipal
de São Bernardo, é possível encontrar a seguinte narrativa, típica de uma cidade sindicalista.
Diz o texto que:
Em 1938, o país vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas. O ditador
nomeava os interventores estaduais e lhes dava plenos poderes para
rebaixar municípios a distritos, elevar estes à condição de cidade e para
nomear prefeitos. Em 30 de novembro de 1938, depois de uma articulação
de políticos andreenses, o interventor estadual Adhemar de Barros, assinou
um decreto transferindo a sede do município de São Bernardo para Santo
André, sendo a antiga vila de São Bernardo rebaixada a mero distrito
(PMSBC - Sumário de Dados, 2009, p. 21).
Novas articulações entre comerciantes, funcionários públicos, empresários e outros
moradores da cidade começaram a ser estabelecidas. Buscando restabelecer a condição
perdida de município, a reunião desse grupo em torno dessa questão ganhou avanços com
forte apoio político conquistado por intermédio do banqueiro Wallace Simonsen,
“empresário de prestígio” e na época proprietário de uma fazenda em São Bernardo.
Figura 3. Wallace Cockrane Simonsen. Prefeito no período de 01/01/1945
Fonte: (PMSBC, Sumário de Dados, 2009, p. 29).
24
Segundo as informações do Sumário:
Em maio de 1943, sob a liderança de Wallace C. Simonsen, aconteceu a
fundação da Sociedade dos Amigos de São Bernardo. Criada com o
objetivo principal de coordenar a luta pela emancipação, a sociedade
contava com a participação de Pery Ronchetti, Nerino Colli, Ítalo Setti,
Gabriel Nicolau, Plínio Ghirardello, Bortolo Basso, entre outros.
Aproveitando-se de uma reforma administrativa que à época estava sendo
planejada pelo governo estadual, o grupo solicitou a emancipação do
município, alegando que o crescimento alcançado pela cidade – em termos
de contingente populacional, arrecadação de impostos etc. – era suficiente
para o pedido (PMSBC - Sumário de Dados, 2009, p. 21 e 22).
Feito o pedido insistente junto às autoridades competentes para resolver a questão,
cerca de um ano e meio depois, mais especificamente em “30/11/1944, sob o decreto de lei
14.334” (Id. Ibid.), São Bernardo ganha a condição de Município. Reconhecida pelas
autoridades, “no dia 1º de Janeiro de 1945, o novo município foi instalado, agora com o
denominativo ‘do campo’ agregado ao nome São Bernardo. Wallace C. Simonsen foi
nomeado prefeito e governou a cidade até 1947” (Id. Ibid.).
Figura 4. População na Rua Marechal Deodoro a posse do prefeito Wallace, C. - janeiro de 1945.
Foto: (PMSBC, Sumário de Dados, 2010, p. 32).
25
Via Anchieta
Se no ano de 1945 tomava posse no governo municipal o prefeito Simonsen, dois anos
mais tarde, em 1947, seria inaugurada a via Anchieta. Os planos da década de 20 e 30 para a
construção da rodovia estavam ganhando novos contornos bem concretos. Mas a construção
da via já havia trazido muito alarde antes mesmo de ser inaugurada.
Nas décadas anteriores à inauguração, Pessotti diz que no município, “todo o trânsito
era pela tradicional rua Marechal Deodoro, ainda sem calçamento, onde passava todo tráfego
que ia de São Paulo a Santos” (PESSOTTI, 2007, p.129). Conta-se a história de que certa vez:
Naquela calmaria, um dia os moradores ouviram golpes de foice dentro de
nossas matas. Ao verificar quem estava invadindo nossas propriedades,
depararam-se surpresos, com mateiros estranhos que abriam uma picada no
sentido São Paulo – Santos (Id. Ibid. p.130).
Autorizada no ano de 1929, a construção da rodovia foi parada por falta de
investimentos devido à crise de 1929, a captação de recursos para o empreendimento foi por
água abaixo. A construção será reiniciada apenas em 1939. Nesse período as obras da rodovia
estavam caminhando e, em 1947, seria inaugurada a primeira parte da rodovia, o trecho
ascendente, e em 1953, a segunda parte.
Figura 5. Via Anchieta – Década de 50 ou 60.
Fonte: (PMSBC. Cidade. História da cidade. Fotos da cidade. Disponível em: <www.saobernardo.sp.gov.br >.
Acesso em: jul. a dez. 2011).
26
Figura 6. Via Anchieta, Km. 18 - 1968.
Fonte: (PMSBC. Cidade. História da cidade. Fotos da cidade. Disponível em: <www.saobernardo.sp.gov.br >.
Acesso em: jul. a dez. 2011).
A via Anchieta passou a se constituir como um dos mais importantes corredores de
exportação
A inauguração da Via Anchieta, em 1947, marca o início de uma fase de
acelerado crescimento em São Bernardo. Incentivadas pelas facilidades
logísticas proporcionadas pela estrada, pela presença de mão de obra
razoavelmente qualificada na região e também por alguns incentivos fiscais
concedidos, um grande número de empresas estrangeiras se instalam na
cidade (contingente que aumentava exponencialmente com a chegada de
migrantes de várias regiões do país), possibilitaram que a arrecadação da
administração municipal aumentasse dezenas de vezes, transformando-a
numa das cidades mais ricas do país (PMSBC, Sumário de Dados, 2009, p.
33).
A partir de 1952, tem-se a chegada das indústrias automobilísticas no Brasil. A
primeira indústria do setor a se instalar na cidade de São Bernardo foi a Willys Overland do
Brasil, mais tarde outros gigantes do setor, atraídos pela estrutura e localização estratégica
do lugar, decidiram instalar em São Bernardo suas respectivas fábricas, tornando o
município a capital brasileira do automóvel.
Após, foram instaladas na cidade a fábrica matriz da Volkswagem, a fábrica de
caminhões da Ford e a outra gigante de caminhões Mercedes-Bens. Ao redor dessas grandes
empresas, várias outras empresas de peças, manutenção e serviços chegaram. Considerado um
27
dos maiores parques automobilísticos do Brasil, nesse período em franca expansão, o parque
chega para alavancar de uma vez por todas o desenvolvimento do município. Basicamente e
não de maneira simplória, é nas encostas da via Anchieta que a grande maioria das empresas
se estabeleceu.
1.2 LOCALIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS ATUAIS DO
MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
As informações de localização e características da região são mais recentes,
provindas dos Sumários de Dados dos anos de 2009 e 2010 da prefeitura Municipal de São
Bernardo do Campo. O município está localizado na RMSP Região Metropolitana de São
Paulo.
Figura 7. Mapa da Região Metropolitana de São Paulo.
Fonte: (IBGE, apud PMSBC, Sumário de Dados, 2009, p. 329).
28
Inserido no contexto do Grande ABC, região de grandes contrastes sociais e
geográficos, esta região atualmente abrange as cidades de Santo André, São Bernardo do
Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Algumas das cidades possuem sub-distritos, como Santo André, que tem os sub-
distritos de Utinga e de Paranapiacaba; em São Bernardo do Campo, há os sub-distritos de
Riacho Grande e Rudge Ramos; em Diadema, Piraporinha e em, Ribeirão Pires, há Ouro
Fino Paulista e Santa Luzia.
O território do município de São Bernardo do Campo é privilegiado em relação à sua
extensão territorial, pois, se juntos os municípios do Grande ABC somam cerca de 841 km²,
a área de São Bernardo corresponde “à quase metade de toda Região do Grande ABC,
ocupando uma área de 408,45 Km²” (PMSBC - Sumário de Dados, 2009, p. 67).
Conforme os mapas abaixo é possível verificar com precisão a localização do
município em relação ao Estado de São Paulo e a região da Grande São Paulo, e observar a
cidade dividida em bairros.
Figura 8. Mapa da localização de São Bernardo do Campo na Grande São Paulo.
Fonte: (PMSBC, Seção de Pesquisa e Banco de Dados apud Compêndio Estatístico, 2004, p. 4).
29
Figura 9. Mapa – Divisão Geográfica – Bairros.
Fonte: (PMSBC, Seção de Pesquisa e Banco de Dados apud Compêndio Estatístico,
2004, p. 6).
30
Da área total do município, além de possuir uma vasta área de manancial, cerca de
aproximadamente 19% é ocupada pela Represa Billings.
Figura 10. Represa Billings.
Fonte: (PMSBC - Sumário de Dados, 2009, p. 72).
A represa e sua área de proteção, embora não tenham impedido sua
ocupação, desacelerou o processo de urbanização em direção à Serra do
Mar, o que possibilitou que se mantivesse uma zona rural que ocupa outros
52,5% da área total do município e se preservasse parte do que restou da
Mata Atlântica brasileira. Assim, a zona efetivamente urbanizada de São
Bernardo do Campo equivale a pouco menos de 1/3 de sua área total,
acarretando uma alta densidade demográfica nesta área em específico
(PMSBC - Sumário de Dados, 2009, p. 67).
A partir de 1940, o município foi se configurando em torno do processo de
industrialização, localizado principalmente ao lado da rodovia Anchieta. Desse período,
início do desenvolvimento industrial, a cidade foi se expandindo em várias outras direções.
Como a maioria das cidades do Estado de São Paulo, o crescimento de São Bernardo não foi
diferente. A cidade, marcada pela aglomeração e o ajuntamento de pessoas de forma
desordenada, trouxe sérios problemas não apenas para os gestores da cidade, mas
principalmente para os seus moradores, pois vários acabaram fixando residência em lugares
de risco, sem a presença do aparato governamental. Temos bairros inteiros em territórios de
reserva ambiental, como os bairros Alvarenga e Batistini.
Segundo informações do Sumário de Dados de 2009:
Os dados mapeados na área habitacional permitem estimar que pelo menos
30% dos domicílios do Município estão em situação de déficit ou
inadequação habitacional, situando-se em loteamentos irregulares e
clandestinos, favelas e áreas de risco que constituem a solução habitacional
viabilizada por famílias de baixa renda, que não tiveram oportunidade de
31
acesso a soluções regulares. Segundo dados que estão em fase de
atualização e complementação, o Município tem cerca de 113
assentamentos precários do tipo favela, ocupando imóveis públicos e
particulares; cerca de 103 loteamentos irregulares e clandestinos; e 15
Conjuntos habitacionais públicos irregulares, os quais somam mais de
70.000 domicílios (PMSBC - Sumário de Dados, 2009, p.231).
Na cidade, grande densidade demográfica está localizada nas regiões periféricas. Um
número significativo de habitantes moram nessas regiões, que não é próxima ao centro,
local onde está a maioria dos equipamentos do Estado.
Figura 11. Foto da vista parcial do bairro Montanhão.
Fonte: (PMSBC - Sumário de Dados, 2009, p. 236).
Morar na região do centro de São Bernardo ou nos bairros mais próximos a ele é
algo extremamente caro. Podemos encontrar na cidade:
Forte segregação urbana e fragmentação do espaço, acelerando o processo
de periferização, gerando uma cidade paradoxal, detentora de grandes
empresas multinacionais produtoras de riqueza e áreas que apresentam
altíssimos índices de vulnerabilidade social (PMSBC – Sumário de Dados,
2009, p. 67).
Confirmando essa segregação e fragmentação, os dados do ano de 2005 publicados
pela Secretaria de Habitação e Meio Ambiente da Prefeitura de São Bernardo do Campo
32
afirmam que, “o número de assentamentos sub-normais nos bairros periféricos é muito
grande. Comparando por exemplo o bairro Montanhão e o bairro Rudge Ramos,
respectivamente temos 21.359 contra 33 assentamentos sub-normais nestes bairros” (Ib.
Ibid. p. 237).
Mapa Político da Região
A cidade será governada pelo Partido dos Trabalhadores até o ano de 2012, cujo
mandato termina neste mesmo ano, quando ocorrerão novas eleições. Através desses dois
mapas podemos verificar como está a situação política no ABC, e mais especificamente em
São Bernardo do Campo.
Figura 12. Mapa Político Grande ABC – 2008.
Fonte: MAUÁ NEWS – Publicado em Política. Tags. Eleições 2008, Grande ABC, Notícias em 28/10/2008.
Disponível em: www.mauanews.wordpress.com >. Acesso em: 22 set. 2011.
33
Figura 13. Mapa Político Grande ABC – 2009.
Fonte: MAUÁ NEWS – Publicado em Política. Tags. Eleições 2008, Grande ABC, Notícias em 28/10/2008.
Disponível em: www.mauanews.wordpress.com >. Acesso em: 22 set. 2011.
Crescimento Populacional
São muitas as complexidades de uma cidade caracteristicamente urbana como São
Bernardo, cujo crescimento demográfico foi vertiginoso nos últimos 60 anos. Em 1950, a
cidade possuía uma população de 29.295 habitantes, e segundo as informações mais recentes3,
chega em 2009 com 810.980.
3 Cf. Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo - Sumário de Dados – 2010 – São Bernardo do
Campo –– Dados conforme a TABELA 1 – Evolução da população, São Bernardo do Campo, Município da
região do Grande ABC, Município de São Paulo, região Metropolitana de São Paulo, Estado de São Paulo e
Brasil, 1960 a 2009. p. 119.
34
Tabela 1. População do Município de São Bernardo do Campo – 1950-2009
ANO 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2009
Hab. 29.295 82.411 201.662 425.602 566.893 703.177 810.980
Fonte: (PMSBC – Sumário de Dados, 2009, p. 119).
Conforme a tabela 1, da década de 1952 a 1980 a população praticamente mais que
dobrou a cada dez anos. O êxodo rural foi intenso e o município tornou-se já nesta época
um complexo ajuntamento populacional, em todos os lugares prováveis e improváveis para
habitação. De 1980 até 2009, a população dobrou novamente.
Após essa expansão demográfica, resultado do processo de industrialização, a cidade
passou a receber muitos migrantes, sobretudo, europeus: “com a instalação dos núcleos
coloniais no final do século XIX, a cidade recebeu grandes contingentes populacionais
advindos de migração externa, sobretudo italiana, polonesa e alemã” (PMSBC, Sumário de
Dados, 2010. p. 36).
Entre as décadas de 1950 e 1960 houve um período marcado por forte migração
interna. Paulistas, mineiros e nordestinos formarão o maior grupo migratório:
Os maiores centros exportadores de migrantes para a região haviam sido o
próprio Estado de São Paulo (51,9% do total da migração interna), Minas
Gerais (14,6%), Bahia (7,4%), Pernambuco (5,4%), Paraná (5,3%) e Ceará
(3,8%). Entre as regiões, o Sudeste respondia por 68% do total da migração
interna e, em seguida, vinham o Nordeste (24,1%), o Sul (6,1%), o Centro-
Oeste (0,8%) e o Norte (0,2%) (Ib., Ibid., p. 38).
A geografia da cidade será marcada pelo surgimento do comércio, da construção
civil para as novas moradias, das grandes avenidas e viadutos, dos sindicatos, dos bancos e
outros espaços culturais. Dentro desses novos lugares, talvez poucos saibam, mas no
município de São Bernardo foi instalada na década de 1940 a chamada “Hollywood
Brasileira”:
35
Figura 14. Pavilhão Vera Cruz - A Hollywood Brasileira
Foto: Marcos S. Tatiyama, 09/09/2009.
Fonte: (PMSBC, Sumário de Dados, 2009, p. 61).
Criada em 1949 por Franco Zampari e Ciccilo Matarazzo, em uma antiga granja no
Município de São Bernardo do Campo, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz foi a
terceira companhia cinematográfica a ser implantada em território brasileiro. Sua atuação
foi responsável pela elevação do nível técnico e profissional do cinema nacional e
internacional. Na Vera Cruz foram produzidos clássicos do cinema nacional, tais como:
Sinhá Moça (1953), Floradas da Serra (1954), Tico-tico no fubá (1952), Apassionata
(1952) e tantos outros trabalhos que se tornaram referências básicas da história do cinema
brasileiro. Durante os anos de existência da Companhia Vera Cruz várias produções de
sucesso foram criadas, porém o filme O Cangaceiro (1953), dirigido por Lima Barreto, foi o
que obteve maior sucesso internacional, sendo premiado no Festival de Cannes. Conforme
PMSBC - Sumário de Dados (2009, p. 61): “Depois de várias crises financeiras, tendo
passado para terceiros, encerrou definitivamente suas atividades em 1972. Foi tombado em
função de seu valor como espaço referencial da memória artístico-cultural da região do
ABC e do próprio Estado de São Paulo” (Id. Ibid. p. 61).
36
Parque Ecológico do Estoril
Ecologia ao lado da Billings. O parque ecológico Estoril Virgilio Simionato é uma
das principais atrações turísticas de São Bernardo do Campo. Construído no primeiro
mandato do prefeito Lauro Gomes de 1952 a 1955. Possui 371.000 m2 de área, das quais
153.000 m2 é de área de preservação, (Sumário de Dados. 2009, p. 75). Revitalizado no ano
de 2011 o parque está localizado no Km 29,5 da Via Anchieta, banhado em toda a sua
extensão pela represa Billings. Com uma vegetação nativa, integrante da mata atlântica,
conta com uma variada flora, com mais de cem espécies de árvores, plantas e flores, além
de uma rica fauna, com mais de 120 espécies de aves, répteis e insetos. Sua posição
geográfica é privilegiada para a prática de esportes náuticos e o parque recebe anualmente
128.000 visitantes. Contando com duas praias artificiais à beira da represa e uma grande
área destinada à pesca, o parque tornou-se a maior área de lazer da cidade (Id. Ibid. p. 137 e
140).
Rota dos restaurantes e Cidade da Criança
Boa comida e diversão agitam São Bernardo do Campo. Quem for à cidade e não
experimentar um frango com polenta não conhece a cidade em sua totalidade. Uma das
atrações mais conhecidas do município é a rota do frango com polenta, ao longo da Avenida
Maria Servidei Demarchi, são vários restaurantes tradicionais que servem a combinação,
que desde 1924 atrai uma multidão nos fins de semana, sobretudo aos domingos (Sumário
de Dados, 2009, p. 19).
Famílias tradicionais da cidade, como as Battistini, as Tolotti e as Demarchi que
oficializaram o primeiro restaurante da região, o famoso "São Judas Tadeu", ajudaram a
escrever uma das páginas mais bonitas da história de São Bernardo, caracterizada pela
tradição gastronômica e pela hospitalidade dos primeiros imigrantes italianos.
São Bernardo possuí opções de lazer para todas as idades, afinal, quem não conhece
a Cidade da Criança, uma área, que desde 1968 faz a alegria de crianças de vários pontos do
Brasil. Um grande número de turistas curiosos em ver os cenários do antigo folhetim da TV
Excelsior, a novela Redenção, começou a procurar a região, pois a novela era gravada nos
37
estúdios da Vera Cruz, isto incentivou a Prefeitura a incrementar a área com brinquedos. Foi
assim que nasceu, na administração de Hygino de Lima, o maior parque infantil da região,
(Sumário de Dados, 2009, p. 34).
Figura 15. Parque Estoril.
Foto: Celso Amaral, 05/2001.
Fonte: (PMSBC, Sumário de Dados, 2009, p. 52).
Berço do sindicalismo e das manifestações operárias
São Bernardo estava experimentou um crescimento industrial bastante rápido. Em
1933, quando o sindicato foi criado - congregando os metalúrgicos de toda a região do ABC
- as condições de trabalho eram péssimas, os salários baixos e os direitos trabalhistas
praticamente inexistentes. Para complicar ainda mais a situação, havia forte repressão ao
movimento sindical e total falta de infraestrutura para efetivar as suas ações. Para fazer um
piquete, era preciso alugar um caminhão para transportar os militantes; os sindicalistas
andavam a pé ou de ônibus e, muitas vezes, substituíram o carro de som e megafones
realizando assembléias com a força do "berro” (SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO
38
ABC. O sindicato. História. Disponível em: <www.smabc.org.br>. Acesso em: 15 set.
2011).
As dificuldades, no entanto, só reforçaram a determinação dos trabalhadores de
seguir em frente e até ampliar o raio de atuação ainda na primeira década de vida do
sindicato. Além do tradicional embate capital-trabalho por melhores salários e condições de
trabalho, o Sindicato começou a se preocupar com questões gerais, como por exemplo, a
solidariedade aos operários espanhóis durante a Guerra Civil de 1936-1939. Em 1943, o
Sindicato esteve à frente do movimento pela decretação da guerra contra o nazi-fascismo,
arrecadando fundos para as famílias dos expedicionários que foram combater na Europa (Id.
Ibid. s.n).
Na época da ditadura militar, de 1964 até 1985, os metalúrgicos do ABC reagiram
lutando pela recuperação da democracia no Brasil. Nesse período de lutas, particularmente a
partir de 1978, o presidente do sindicato era o então metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 12 de maio de 1978, em plena vigência do Ato Institucional Número 5 (AI-5),
considerado o mais duro do governo militar e que, entre outras coisas, acabou com as
garantias do habeas-corpus e aumentou a repressão militar e policial, os metalúrgicos de
várias fábricas do ABC entraram em greve, sendo que a maior paralisação ocorreu na
Scania (planta de São Bernardo do Campo da montadora sueca), dando início a um novo
ciclo histórico das lutas sindicais no país e que se irradiou para outras categorias e outros
Estados brasileiros em pouco tempo (Id. Ibid. s.n).
Paralelamente ao crescimento industrial, desenvolveu-se na cidade um
sindicalismo fortemente organizado e com grande poder reivindicatório, o
que levou São Bernardo, no final dos anos 70 e início dos anos 80, a ser o
palco de alguns dos mais expressivos movimentos grevistas já ocorridos na
história do país (PMSBC – Sumário de Dados, 2009, p. 22).
A partir da zero hora do dia 1º de Abril de 1980, após meses de discussão nas portas
de fábricas e nos sindicatos, começou em São Bernardo a mais longa e importante greve
operária do Brasil pós 1964. No lendário estádio de Vila Euclídes, o então presidente do
sindicado dos metalúrgicos, Luis Ignácio Lula da Silva e uma multidão de mais de 60.000
pessoas, impuseram ao regime militar a sua mais dura derrota. Os operários de São
Bernardo começaram ali a reescrever a história do Brasil.
39
Figura 16. Estádio de Vila Euclides, São Bernardo do Campo, 1980.
Fonte: (PMSBC. Cidade. História da cidade. Fotos da cidade. Disponível em: <www.saobernardo.sp.gov.br >.
Acesso em: jul. a dez. 2011).
Nesta época, 1980, ninguém poderia imaginar que o dirigente da reunião, se tornaria
o presidente da República em 2003. É na ação e reação da história, na tensão das forças
entre grandes empresas multinacionais e alguns trabalhadores, agora organizados por meio
dos sindicatos, que surge no cenário brasileiro o primeiro presidente da classe trabalhadora
e operária.
40
1.3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DAS IGREJAS DE
MISSÃO
De maneira introdutória, o tema da presença protestante pode ser explorada na visão
de Lestringant em sua obra “Le huguenot e le sauvage”. Os huguenotes4 como eram
conhecidos, buscavam um novo lugar para suas práticas religiosas.
Segundo LESTRINGANT, (1990, p. 31-39), no curto período de 1555 a 1560, os
franceses, liderados por Villegagnon, fundaram a França Antártica, uma colônia que serviria
de abrigo aos protestantes franceses. Numa pequena ilha da Baía de Guanabara, construíram
sua fortaleza, o Forte de Coligny, com a finalidade de se fundar “a melhor igreja possível”
(grifo nosso). Nesse período, é possível observar na visão de Lestringant o ideal da
construção de uma igreja mais fiel ao Cristo. No forte foram travadas intensas questões
teológicas entre Villegagnon e os ministros de Calvino, entre eles Paul Richer e Jean de
Léry, que discordavam fundamentalmente acerca da transubstanciação ou da
consubstanciação do pão e do vinho da Santa Ceia, da Presença Real do corpo de Cristo no
sacramento da Eucaristia. Apesar dessas divergências internas, que acabaram resultando no
exílio desses ministros, esta primeira tentativa francesa de colonização em território
brasileiro, teve seu fim quando o então governador geral Estácio de Sá, apoiado pelos índios
Teminós e pelos jesuítas, entre eles o próprio Anchieta, resolveu atacar e expulsar os
franceses do forte Coligny, libertando assim a Baía de Guanabara da heresia e da barbárie.
As práticas religiosas da expedição de Villegaignon eram mais próximas dos
católicos do que os protestantes saídos da Europa, e embora essa primeira experiência tenha
sido um fracasso, com o retorno de Villegaugnon à França, um grupo de huguenotes ainda
4 Huguenote é a denominação dada aos protestantes franceses (quase sempre calvinistas) pelos seus inimigos
nos séculos XVI e XVII. Tornaram-se poderosos e bem organizados que formaram um reino dentro de outro
reino. A compreensão desta situação pelo governo redundou na mudança da política governamental de
perseguição constante, feroz e sangrenta adotada entre 1538 e 1559 (CAIRNS, 1992, p. 257). O antagonismo
entre católicos e protestantes resultou nas guerras religiosas, que dilaceram a França do século XVI.
41
permaneceu no país. Embora o tempo tenha sido bem curto, mas intensidade da presença
pode ser notada5.
Desde 1555 até o século XVIII, o contexto europeu será marcado por uma série de
transformações pós-reforma. Segundo Léonard (1981. p. 39), não se trata apenas de uma
ruptura entre perspectivas eclesiásticas, mas de medidas políticas implantadas em vários
países: “A reforma cismática foi precedida de um reformismo de Estado, que tentou renovar
as igrejas nacionais por meio de medidas oficiais”. Por sua vez, no Brasil, a presença
hegemônica da igreja católica por intermédio do trabalho jesuíta junto aos povos indígenas
foi o que determinou a caracterização religiosa no país. Para Mendonça:
A intensificação das atividades do Santo Ofício e a legislação restritiva
quanto à imigração quase paralisaram a vida na Colônia nos seus mais
variados aspectos [...] Em 1720, uma lei proibiu que qualquer pessoa
entrasse no Brasil, a não ser a serviço da Coroa ou da Igreja. Estrangeiros
foram proibidos de visitar a colônia (MENDONÇA, 1995, p. 25).
O protestantismo no Brasil só se estabeleceu de fato, após a vinda de D. João VI ao
país e a fixação da família real no início do século XIX. Entrementes, há alguns pormenores
que determinam essa transformação político-religiosa. Segundo o relato de Mendonça:
Com a profunda modificação política ocorrida pela presença de D. João VI,
principalmente por causa da dependência portuguesa em relação à
Inglaterra e expressa no ato de abertura dos portos “às nações amigas”, é
que protestantes anglo-saxões começam a chegar e se estabelecer no Brasil,
com relativa liberdade para suas práticas religiosas (MENDONÇA, 1995,
p. 26).
Depois do retorno de D. João VI à Portugal, sob o comando do regente6 Feijó, surgiu
o primeiro convite para que protestantes se fixassem em terras brasileiras. Feijó pediu ao
Marquês de Barbacena, então em Londres, que providenciasse a vinda de duas corporações
de Irmãos Morávios e que estes se dedicassem a educar os indígenas. Apesar de não
5 Sobre o tema da presença dos huguenotes em solo brasileiro, recomenda-se o artigo publicado por
PINHEIRO, Jorge. Jean de Léry, meu irmão: notas antropofágicas sobre a questão Huguenote-Tupinambá.
Revista de Estudos de Religião, v. 25, n. 41, 153-165, jul./dez. 2011, a obra de LÉRY, Jean de. Viagem à
terra do Brasil. Sérgio Millet, conforme a edição de Paul Gafarel com o colóquio na língua brasílica e notas
tupinológicas de Plínio Ayrosa. 4. Ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1967, de LESTRINGANT, Frank.
Le huguenot et le sauvage, L’Amérique et la controverse coloniale em France au temps des guerres de
religion. Genebra: Droz, 2004, e de STADEN Hans. Viagem ao Brasil. Trad. Alberto Lofgren. Notas:
Teodoro Sampaio. São Paulo: Martin Claret, 2010. 6 Regente assumia o comando da nação na ausência do monarca.
42
realizado, a gênese de tornar a igreja brasileira independente de Roma, ao menos no campo
político, começou a alcançar adeptos (Léonard, 1981, p. 40-41).
Mas quais seriam os motivos para protestantes anglo-saxões fossem convidados para
se estabelecer no Brasil?
A resposta é complexa e ampla, no entanto, o motivo econômico é o impulso
primeiro de uma época que segundo o historiador Hobsbawm, é um “mundo de contínuo
progresso material e moral”. É um período onde a “revolução industrial (inglesa) havia
engolido a revolução política (francesa)”, e na visão desse historiador o “drama do
progresso” é algo inevitável. (HOBSBAWM, 2007, pp. 19-23).
Segundo Trigueiro: “naquele tempo a mania de imitar os ingleses assemelhava-se ao
mimetismo atual com relação a tudo que é norte americano” (Apud Léonard, 1981, p. 41).
Nas palavras de Hilsdorf:
O novo governo que se organiza tem, então, traços do liberalismo
moderado..., o quadro mental da geração que fez a Independência, ..., tem
também traços liberais e filantrópicos devidos à preponderância britânica
sobre toda a geração dos “libertadores” americanos. Falcon7 lembra que
tolerância, humanitarismo, filantropia e benemerência compunham tanto a
racionalidade iluminista quanto a sensibilidade religiosa do inicio do
século XIX (HILSDORF, 2007, p. 43. Grifo do autor).
A influência inglesa no Brasil era algo claramente visto por historiadores críticos, no
entanto, a pergunta ainda ressoa: quais seriam os motivos que levaram a abertura “às nações
amigas”? E por que outros povos deixariam a sua pátria para se fixar em uma nação
estrangeira? Para Azzi (1992), havia três motivos principais:
Branqueamento da população brasileira, procurando dessa forma deter o
avanço da negritude, decorrente do número contingente de escravos
trazidos da África; criação da pequena propriedade, num país marcado
desde a época colonial pelo latifúndio dos engenhos e das fazendas;
incremento do trabalho livre, num território até então objeto de atividade
quase exclusiva do braço escravo8 (AZZI, 1992, p. 13 apud COSTA, 2001,
p. 197).
7 Historiador, Francisco J. C. Falcon. O iluminismo. São Paulo: Ática, 1989, FALCON apud HILSDORF,
2007, p. 43. 8 Razões adicionais são indicadas por Joachim Fischer (1986, p. 12), que segue Martin N. Dreher.
43
Dessa forma, vemos que a força do protestantismo começou a se instalar no Brasil
não por meio de missionários, mas sim pela chegada de colonos. A partir de 1810, grande
contingente de trabalhadores europeus ávidos por recomeçar chegam ao país:
Contudo, não nos iludamos, isso não significa a vinda de missionários,
mas, sim, de colonos que eram protestantes, pelo menos de regiões
protestantes, que vinham tentar a vida em novo continente, com
imagináveis novas opções de vida (COSTA, 2011, p. 198).
Ainda segundo Costa, a chegada de missionários ocorre posteriormente, num
segundo momento da história e com o objetivo principal de dar suporte aos colonos já
instalados, portanto: “não tinha como objetivo imediato a pregação de sua fé e a conversão
dos nativos, mas sim a assistência pastoral aos seus fiéis protestantes” (COSTA, 2011, p.
198).
Os primeiros missionários a desembarcarem em solo brasileiro são anglicanos e
chegam a partir de 1810. A partir de então, outros representantes de denominações
protestantes começam a se espalhar pelo país. Seguindo a cronologia proposta por
Mendonça:
A partir de 1810 foram surgindo as igrejas anglicanas com seus capelães.
Os primeiros imigrantes alemães, entre 1824 e 1857 [...] Em 1835, chegou
o primeiro missionário metodista ao Rio de Janeiro, o rev. Fountain E. Pitts
[...] Em 1855, chega ao Rio de Janeiro o médico escocês Robert Reid
Kalley9 que fugindo de violenta perseguição religiosa na Ilha da Madeira,
reúne em torno de si correligionários também fugidos da perseguição e
começa em Petrópolis a Igreja Congregacional [...] o afã missionário norte-
americano, começado com os distribuidores de bíblias [...] continuou com
a chegada do missionário Ashbel Green Simonton, da Presbyterian Church
in the United States of America, em 12 de agosto de 1859, ao Rio de
Janeiro [...] Em 10 de setembro de 1871, em Santa Bárbara, foi fundada a
primeira igreja batista no Brasil. [...] a missão mais tardia, entre as
principais denominações protestantes, foi a Igreja Protestante Episcopal
dos Estados Unidos da América [...] a American Church Missionary
Society enviou dois jovens missionários para iniciarem suas atividades no
Brasil, os reverendos James Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving,
chegados aqui em 1889 (MENDONÇA, 1995, p. 28-32).
A mesma datação é corroborada por outros pesquisadores, no entanto é possível
ainda, percebermos, por exemplo, alguns elementos das expressões religiosas desses
9 Sobre a vida e obra de Kalley, recomenda-se a obra de CARDOSO, Douglas Nassif. Robert Reid Kalley –
médico, missionário e profeta. Edição do Autor, São Paulo, 2001.
44
missionários que ao longo do tempo ajudaram a caracterizar de uma forma geral, a cultura
brasileira. Segundo o relato de Silva, em ordem de chegada temos:
Primeiro os luteranos, que se organizaram entre si procurando viver sua
piedade, não se preocupando em ser o “sal da terra”, vivendo muito mais a
inspiração da velha ortodoxia com o uso de seus manuais de culto e
vivência cristãs; segundo, a dos de tradição calvinista, que procuraram
assumir outro papel de importância na sociedade em processo de formação;
[...]a terceira denominação é representada pelos batistas, que se organizam
em uma comunidade, contribuindo para a tradição congregacional. [...] a
quarta denominação é representada pelas igrejas congregacionalistas, [...] a
quinta denominação mestra do protestantismo americano foi o metodismo
(SILVA, 2010, p. 97).
É dentro desse panorama migratório que destacamos a chegada das igrejas de
missão10
. Basicamente, temos dois grupos considerados protestantes históricos no Brasil.
Primeiro os de imigração, sobretudo os alemães que chegam na primeira metade do século
XIX, mais especificamente em 1824, e as igrejas de confissão luterana. No segundo grupo,
caracterizado como “grupo de missão”, está presente as demais igrejas, tais como: a
congregacional, a igreja presbiteriana, a igreja metodista e a igreja batista. Silva destaca
que:
O protestantismo de missão faz parte da última etapa em que há certa
tolerância e liberdade religiosa, já no século XIX. Esse protestantismo de
missão, aproveitando-se da política liberal, do apoio da maçonaria e de
setores ligados à industrialização do País, propiciou a entrada de
anglicanos e luteranos no início do século, vindos dos EUA (SILVA, 2010,
p. 106).
Mendonça (1995) diz que o ajustamento da convivência religiosa não era tão fácil
assim. Algumas dificuldades, como por exemplo, em casos de morte de algum protestante,
evidenciava isso, pois a administração dos cemitérios era feita pela Igreja Católica. No
entanto, mesmo dentro desse clima, um tanto quanto hostil, “no final do século XIX, já
estavam praticamente implantadas no Brasil todas as denominações clássicas do
protestantismo” (MENDONÇA, 1995, p. 27). As denominações clássicas citadas por
10
MENDONÇA E VELASQUES FILHO (1990, pp. 11-60) apud SILVA (2010, p. 43) afirmam que “o termo
igrejas de missão, aplicado às denominações Metodista, Presbiteriana e Batista, é uma generalização
acadêmica que teve sua origem em trabalhos na área de sociologia.
45
Mendonça se referem às denominações Batista, Congregacional, Episcopal, Metodista,
Presbiteriana do Brasil e Presbiteriana Independente (MENDONÇA, 1995, p. 33).
Se por um lado a abertura da filantropia inglesa interessava ao Império com seus
valores estendidos aos ‘libertadores’ americanos, estes também chegaram ávidos por fazer
missão em terra estrangeira. A expressão “afã missionário norte-americano”, utilizada por
Mendonça, tem por trás, por exemplo, a inspiração e ideologia do Destino Manifesto11
. Esse
pensamento irá invadir a vida religiosa e a missão dos americanos protestantes no mundo.
Faz parte da cosmovisão do Destino Manifesto, construir uma civilização cristã segundo o
modelo protestante. Segundo Mendonça:
Os componentes da nova civilização cristã seriam, de um lado, a
desinstitucionalização eclesiástica (contra o stablishment12
) e, de outro, a
ordenação da vida segundo o tripé religião-moralidade-educação. A
desinstitucionalização garantia o princípio do voluntarismo segundo o qual
as igrejas se constituíam como associações e, ao mesmo tempo, prevenia a
corrupção eclesiástica. O tripé religião-moralidade-educação cumpria seu
papel normativo e civilizador. Em outras palavras, garantia a estabilidade e
o progresso social ao mesmo tempo (MENDONÇA, 1995, p. 59).
Os missionários enviados, em sua maioria jovens, recebem a ajuda de muitos outros
americanos que comovidos participam, inclusive com recursos financeiros altíssimos,
transformando o intento em verdadeiras empresas missionárias. Faz parte do alvo e da
missão protestante os católicos, os índios e todos os nativos, vistos como homens e
mulheres que precisam ser resgatados das trevas para o Reino de Deus.
No escopo dessa ideologia, religião e civilização se constituem como elementos
complementares e, dado que a ação divina ocorre por intermédio de povos escolhidos, “os
de língua inglesa, escolhidos mais do que quaisquer outros, são obrigados a propagar as
ideias cristãs e a civilização cristã” (MENDONÇA, 1995, p.91).
Mendonça ainda afirma que a propagação desse ideal justificará até mesmo as
guerras feitas em nome da paz, desde que assegure o triunfo da justiça de Deus. No final do
século XVIII e nos primeiros vinte anos do século XIX, surgiram nos Estados Unidos mais
11
Famosa frase criada por volta de 1840 pelo jornalista Jonh L. O’Sullivan quando exigia dos EUA a
anexação do território do Texas. O Destino Manifesto é o pensamento que expressa a crença de que o povo
dos Estados Unidos é eleito por Deus para comandar o mundo, e por isso o expansionismo americano é apenas
o cumprimento da vontade divina. Para aprofundamento do tema “Destino Manifesto”, indica-se: Míguez
Bonino (1995, p. 17-20); MENDONÇA (2008 ver pg., p. 54-57), REILY (2003, confirmar pg. p. 33-34). 12
Em sentido abstrato, refere-se à ordem ideológica, econômica e política que constitui uma sociedade ou um
Estado.
46
de vinte sociedades missionárias (empresas missionárias) com o objetivo de evangelizar os
índios e dar assistência missionária às frentes pioneiras (MENDONÇA, 1995, p. 63).
Nas conclusões de Hilsdorf e Mendonça, as marcas principais das igrejas de missão
que chegaram ao Brasil podem ser vistas por meio dos eixos da filantropia, do polêmico, do
educacional e do proselitismo. Resumidamente, pode-se dizer que faz parte da ação das
denominações históricas a proclamação, a obra social e a educação.
Quando aqui chegaram, essas denominações encontraram uma religião (católica)
confortavelmente instalada, antes mesmo de ser a religião do Estado. Conforme Mendonça
(1995. pp. 81-82), a visão protestante construída por meio desse contato com o povo
brasileiro-católico estruturará toda abordagem e estratégia missionária protestante
desenvolvida a partir de três eixos básicos: o polêmico, o educacional e o proselitista.
Há, portanto, um complexo desenvolvimento histórico e social que marca a ação
missionária dessas denominações. Podemos perceber essa tensão, por exemplo, através de
três importantes denominações, a saber, a igreja presbiteriana, a igreja batista e a igreja
metodista. As informações fornecidas pelo historiado Reily nos mostra que as três
denominações não desejaram se fixar por muito tempo no trabalho inicial em Santa Bárbara
junto aos americanos. Isso indica que os missionários procuraram expandir a sua ação,
desejando espalhar a sua fé e missão em outras localidades do Império.
Todas passaram logo para a propagação de sua confissão entre a população
brasileira, [...] Mas todas as denominações aqui tratadas continuaram por
uma considerável margem de tempo a depender grandemente de pessoal
missionário para serem seus ministros, de finanças do estrangeiro e mesmo
de direção das respectivas “igrejas-mães13
” (REILY, 2003, p. 165).
As denominações batista, metodista e presbiteriana, passaram a buscar autonomia em
suas estratégias para novas localizações, fixação, manutenção e ampliação. No início do
trabalho todas as denominações estavam naturalmente vinculadas às suas organizações de
origem e a autonomia dessas igrejas em solo brasileiro indicava se o trabalho estava
progredindo. Na visão de Reily, o processo de aquisição da autonomia é um aspecto
essencial à compreensão da história do protestantismo nacional, e nos mostra que, o
13
Expressão utilizada para identificar a igreja que organizava outra igreja, sendo a “igreja -mãe” responsável
em vários aspectos pelo desenvolvimento do trabalho inicial, inclusive com recursos financeiros.
47
crescimento e amadurecimento dessas igrejas de missão se deram debaixo de muita
discussão, reuniões, conferências e até mesmo divisões.
1.3.1 PRESBITERIANOS
Os presbiterianos surgem na Europa pós-reforma seguindo as tradições defendidas
por João Calvino. Segundo Cairns (1992. p. 230), os países que seguiram as reformas
propostas por Calvino, principalmente de rejeição a toda e qualquer prática hierárquica da
Igreja Romana foram: França, Holanda, Escócia, Suíça e Hungria. Em 1572, foi fundada a
primeira Igreja Presbiteriana nos moldes eclesiais dos puritanos.
Na primeira metade do século XVII, os presbiterianos escoceses emigraram para a
Irlanda do Norte. Muitos escoceses-irlandeses emigraram para as colônias americanas
depois de 1710, devido à discriminação econômica praticada contra a Irlanda pelas leis
comerciais da Inglaterra. Em 1750, perto de 100 mil foram para os Estados Unidos.
Conforme Cairns:
Francis Makemi (1658-1708), um irlandês que chegou às colônias em
1683, tornou-se o pai do presbiterianismo norte-americano. Em 1706, ele já
tinha organizado um presbitério em Philadélphia; em 1716 reuniu-se o
primeiro sínodo das colônias. Em 1729, o sínodo adotou a Confissão de
Westminster como padrão de fé (CAIRNS, 1992, p. 314).
Em 1830 os presbiterianos já se achavam divididos teologicamente. A linha mais
ortodoxa, escocesa-irlandesa dos puritanos da Nova Inglaterra era conhecida como “velha
escola” (Old School Presbyterians), e a linha de tendência avivalista, chamada de “Nova
Escola”. Mas, conforme Mendonça, será em torno da questão escravocrata discutida em
1857 que os presbiterianos se dividirão formando a Igreja do Sul e a Igreja do Norte.
Segundo as informações de Costa (2011)
O Rev. A. G. Simonton (1833-1867) desembarcou no Rio de Janeiro em 12
de agosto de 1859, sendo depois ajudado por outro missionário, Rev. A. L.
Blackford (1829-1890), que chegou em 25 de julho de 1860, e o Rev.
Francis J. C. Schneider (1832-1910), que aportou no Rio em 7 de
dezembro de 1861. Em 12 de janeiro de 1862, temos a organização da
48
Primeira Igreja Presbiteriana no Brasil, no Rio; a Segunda Igreja foi
organizada em São Paulo (5 mar. 1865) e a terceira, em Brotas (13 nov.
1865). Essas três Igrejas se constituem num triângulo eclesiástico
fundamental em nosso estudo, e mais, para o estudo da origem do
presbiterianismo no Brasil (COSTA, 2011, p. 199).
Essas igrejas enviaram missões ao redor de todo o mundo inclusive ao Brasil. Dentre
as principais igrejas que enviaram missionários ao Brasil estão: a Missão Presbiteriana
(considerada a igreja do Norte), instalada em 1867 e a Missão Presbiteriana dos Estados
Unidos do Sul, organizada em 1871, segundo Léonard, (1981, p. 74).
Segundo Reily (2003, p. 168), os presbiterianos são os primeiros a buscar autonomia
da interferência americana. Em 1887, o tema da autonomia aparece na revista14
da
denominação. Em 1903 ocorre o cisma na igreja presbiteriana do Brasil e dentre os temas
que causam a divisão está o da autonomia. De governo episcopal, havia sempre a
preocupação com a questão da educação, educação teológica, relação dos missionários e
igrejas nacional. Aos poucos a igreja foi ganhando autonomia e se estabelecendo no
Império.
No dia 05 (cinco) de março de 1865 foi organizada a Primeira Igreja Presbiteriana de
São Paulo15
pelo reverendo Alexander L. Blackford. Sua localização era na Rua Nova de São
João nº 1, atual Rua Líbero de Badaró.
No ano de 1870, na casa dos missionários presbiterianos Mary Annesley e reverendo
George Whitehill Chamberlain funcionava uma escola, tendo como foco a educação secular e
religiosa, considerada o Embrião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, segundo Lessa (1938.
pp. 450-455).
No ano de 1893, com as fusões das congregações da Luz e da Liberdade, é organizada
pelos reverendos Willian A. Wadell e F. J. Perkins, no dia 18 (dezoito) de outubro de 1893,
com localização na Rua Vinte e Quatro de Maio, a Segunda Igreja Presbiteriana de São Paulo
(Id. Ibid. pp. 440-444).
No ano de 1899, na Alameda dos Bambus, nº 4, é organizada no dia 22 (vinte e dois)
de outubro pelo reverendo Wadell, a Igreja Presbiteriana Filadélfia, conforme Lessa (1938.
14
Revista das Missões Nacionais, 31 de janeiro de 1887. Artigo publicado por Eduardo Carlos Pereira (1856 -
1923). Posteriormente foi líder da Igreja Presbiteriana Independente. 15
Para aprofundamento do tema indica-se a obra, LESSA, Vicente Themudo. Os annaes da 1ª Egreja
Presbyteriana de São Paulo, 1863-1903. 1ª Egreja Presbyteriana Independente de São Paulo, São Paulo, 1938,
pp. 30-36.
49
pp. 578-579). Em 1900, no dia 26 (vinte e seis) de agosto de 1900, fundem-se a Segunda
Igreja Presbiteriana de São Paulo e a Filadélfia, formando a Igreja Presbiteriana Unida (Idem.
pp. 610-615). Essa igreja existe até os dias atuais e é responsável por um grande número de
trabalhos de expansão do presbiterianismo na cidade de São Paulo e ABC.
1.3.2 BATISTAS
Sobre a origem dos batistas16
, a pesquisa optou por recapitular o cenário da Inglaterra
no século XVII. Na confusa situação religiosa da época do separatismo com a igreja
Anglicana, surgiram os primeiros batistas ingleses, tendo como líderes John Smyth e Thomas
Helwys. Estes, depois da perseguição religiosa de Jaime I, seguiram para a Holanda, fundando
ali, em 1609, a primeira igreja de doutrina batista. Segundo Pereira (1994, p. 67), depois de se
separarem, Smyth retornou a Inglaterra e fundou em 1612, a primeira igreja batista em solo
inglês. Na Inglaterra, os batistas receberam a forte influência do avivamento provocado pelos
irmãos John e Charles Wesley. A figura chave no seio batista inglês foi o sapateiro William
Carey, formando as Missões Protestantes Modernas.
Identificar o primeiro missionário batista a chegar nos Estados Unidos é um trabalho
árduo, podemos citar, por exemplo, a chegada de Roger Williams em 1631 em Boston; com
mais segurança, sabemos que a igreja fundada por John Clarke em 1631 era batista (Idem. pp.
73-75).
Os missionários batistas, conforme afirmação de Reily, estavam vinculados na sua
grande maioria à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos. Possuíam uma forma de
governo congregacional, tendo forte vínculo denominacional, lealdade doutrinária (o
calvinismo), um conceito peculiar de batismo por imersão e limitação da ceia aos da mesma
fé e ordem (2003, p. 178).
Definir a primeira batista em solo brasileiro seria um capítulo a parte.
16
Para aprofundamento do tema História dos Batistas no Brasil, recomenda-se, PEREIRA, José dos Reis (da
Silva). História dos batistas no Brasil (1892-1982). 2ª Ed. Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e
Publicações, 1985. SANTOS, Marcelo, O Marco Inicial Batista”, Campinas, Editora Convicção, 2007.
OLIVEIRA, Betty Antunes, Centelha em restolho seco de vida. São Paulo, Vida Nova, 2005.
50
Segundo Pereira (1985, p. 47), na capital paulista, em julho de 1899 foi formada a
primeira igreja batista em São Paulo. O site da Primeira Igreja Batista de São Paulo diz que
em princípios de maio de 1899, chegaram a São Paulo os primeiros missionários batistas
enviados pela Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista do Sul dos Estados
Unidos: J.J.Taylor e J.L. Downing e suas respectivas famílias, para darem início a uma obra
batista. Na mesma ocasião, e para o mesmo fim, chegaram a Belo Horizonte as missionárias
solteiras, Mary B. Wilcox e Berth R. Stenger, segundo informações da Primeira Igreja
Batista De São Paulo.17
Em junho, um mês depois, a despeito de muitas dificuldades e da oposição de
pessoas do Catolicismo Romano desejosos de impedir a todo custo que “protestantes”
fossem favorecidos com a obtenção de local onde se reunir e pregar o evangelho, foi
conseguida uma casa para reunião do pequeno grupo. Ficava numa loja da Rua Santa
Ifigênia, 90 A.
Em seis de julho de 1899, aconteceu a organização da Primeira Igreja Batista em São
Paulo com 18 (dezoito) membros, alguns vindos do Rio de Janeiro, outros de Belo
Horizonte, outros ainda, de Santa Bárbara d’Oeste, onde havia duas igrejas fundadas por
colonos americanos. À frente dos seus trabalhos estavam os missionários Dr. J. L. Downing,
que era médico e excelente pregador, e J.J. Taylor, cujos predicados de ótimo professor
eram por todos reconhecidos.
Atualmente este trabalho está localizado na Praça Princesa Isabel, 233, Campos
Elíseos, São Paulo. Dele se organizaram trinta e uma igrejas “filhas”, dentre elas: Igreja
Evangélica Batista da Liberdade – 11.04.1909 e a Primeira Igreja Batista de São Caetano do
Sul – 01.01.1941.
Em 1907 surge a Convenção das Igrejas Batistas do Brasil. Esta recebe recursos dos
Estados Unidos, oriundos da Junta Missionária de Richmond. Os recursos se tornaram tema
de várias reuniões, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, sobre a questão da participação
nas decisões, manutenção do trabalho batista no Brasil e autonomia das igrejas. Conforme
Pereira, em 1957, “cônscios da impossibilidade de uma verdadeira autonomia dos batistas
brasileiros sem sustento próprio, [...] foi criado o ‘Plano Cooperativo’” (1995, p. 188).
17
Cf. Nossa história. Disponível em: <www.pib.org.br>. Acesso em: 25 set. 2011.