FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 ·...

122
FACULDADE DE FÍSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA Cleise Helen Botelho Koeppe DESMISTIFICANDO PRECONCEITOS EM RELAÇÃO ÀS ETNIAS INDÍGENAS BRASILEIRAS CONTEMPORÂNEAS NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONTRIBUIÇÕES DAS ETNOCIÊNCIAS E DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO Porto Alegre 2013

Transcript of FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 ·...

Page 1: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

1

FACULDADE DE FÍSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA

Cleise Helen Botelho Koeppe

DESMISTIFICANDO PRECONCEITOS EM RELAÇÃO ÀS ETNIAS

INDÍGENAS BRASILEIRAS CONTEMPORÂNEAS NA EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONTRIBUIÇÕES DAS

ETNOCIÊNCIAS E DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E

COMUNICAÇÃO

Porto Alegre

2013

Page 2: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

2

CLEISE HELEN BOTELHO KOEPPE

DESMISTIFICANDO PRECONCEITOS EM RELAÇÃO ÀS ETNIAS

INDÍGENAS BRASILEIRAS CONTEMPORÂNEAS NA EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONTRIBUIÇÕES DAS

ETNOCIÊNCIAS E DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E

COMUNICAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Educação em Ciências e

Matemática, da Pontifícia Universidade Católica

do Rio Grande do Sul, como requisito para a

obtenção do grau de Mestre em Educação em

Ciências e Matemática.

Orientador: Dra. Regina Maria Rabello Borges

Co-orientador: Dr. Regis Alexandre Lahm

PORTO ALEGRE

2013

Page 3: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

K78d

Koeppe, Cleise Helen Botelho.

Desmistificando preconceitos em relação às etnias indígenas

brasileiras contemporâneas na educação em ciências do ensino

fundamental: contribuições das etnociências e das tecnologias de

informação e comunicação. / Cleise Helen Botelho Koeppe. – Porto

Alegre, 2013.

122 f.

Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul. Faculdade de Física. Programa de Pós-Graduação em

Educação em Ciências e Matemática, 2013.

Orientador: Profa. Dra. Regina Maria Rabello Borges

Co-orientador: Prof. Dr. Regis Alexandre Lahm

1. Etnias indígenas brasileiras contemporâneas 2. Alteridade 3.

Educação em Ciências 4. Etnociências 5. Sensoriamento remoto

I. Borges, Regina Maria Rabello. II. Regis Alexandre Lahm.

III.Título.

Catalogação elaborada por Alessandra V. de Oliveira CRB 10/1844

Page 4: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

4

Page 5: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

5

AGRADECIMENTOS

“Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só,

mas sonho que se sonha junto é realidade.”

(JOHN LENNON)

Realizar o sonho de conquistar o título de Mestre não seria possível se algumas

pessoas não tivessem me apoiado, auxiliado ou orientado os passos, a essas pessoas, que

agora identifico, meu muito obrigada e toda a minha admiração.

À minha família: Maria de Lourdes, Alexandre, Joanna e João Augusto - mãe,

marido e filhos – pois, seu amor, amizade e companheirismo fazem de mim a pessoa

que sou.

Aos meus alunos, sujeitos da pesquisa, que, com sua alegria, entusiasmo e

inconformismo me inspiraram a aprender mais e mais, transformando meu agir e pensar

pedagógicos.

Às minhas diretoras: Jacqueline Sampaio e Rosane Pretto, pelo incentivo e

compreensão.

Aos meus colegas professores que dividem comigo a difícil arte de educar, em

especial Dayse Pascoal, Damiana Mello, Ângela Reis e Aline Simeão pelas palavras e

ações de apoio, quando o desânimo tomava conta de mim.

Aos meus parentes, primos e tios, pela presença e carinhos constantes. Em

especial à prima Lisa Ypince, pelas correções do meu inglês em desuso.

Aos Professores e colegas do Programa de Pós Graduação em Educação em

Ciências e Matemática por compartilharem saberes, anseios, conhecimentos e

descobertas. Em especial ao Prof. Dr. Maurivan Guntzel Ramos por sua disponibilidade

e conselhos preciosos.

À Prof. Dra. Maria Lúcia C. Wortmann, referência para mim durante a

graduação e, que hoje, aceita participar de mais essa etapa profissional, participando da

Banca.

Ao meu co-orientador Prof. Dr. Regis Alexandre Lahm, pelo incentivo e

conselhos sempre pertinentes.

E principalmente, à minha querida Orientadora, Prof. Dra. Regina Maria Rabello

Borges, uma “mãe” com seu carinho, apoio e amizade. Um exemplo de mulher,

Page 6: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

6

educadora, pesquisadora e ser humano, a ser seguido em todos os meus passos futuros.

Pessoas que sonharam comigo nesses dois anos de caminhada e hoje, com elas,

divido a alegria de estar transformando em realidade esse sonho!

Page 7: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

7

RESUMO

Em um país multicultural como o Brasil, a educação para a diversidade é

responsabilidade de todos os sujeitos educacionais. A cultura indígena vem sendo

relegada a segundo plano nesse contexto educacional. Carregada de estereótipos e

preconceitos, sua abordagem na escola se resume a aspectos folclóricos e culinários. O

ensino de ciências pode colaborar para a reformulação desses preconceitos trazendo

para a sala de aula abordagens críticas que avaliem as relações ambientais dos povos

indígenas. Desse modo, o presente trabalho de pesquisa procura discutir como as

etnociências e as Tecnologias de Informação e Comunicação podem contribuir para

desmistificar preconceitos em relação às etnias indígenas brasileiras contemporâneas

no Ensino Fundamental Séries Finais. O trabalho de pesquisa, simultâneo às atividades

pedagógicas, analisa os aspectos epistemológicos da construção alteritária e da

construção do conhecimento empreendido pelos sujeitos de pesquisa a respeito dos

seres vivos, do meio ambiente e da educação ambiental crítica, utilizando, nesse

processo, as etnociências e o sensoriamento remoto como estratégias pedagógicas.

Produções gráficas, relatos e discursos dos indivíduos foram recolhidos e analisados

segundo a Semiótica e a Análise Textual Discursiva. Desse estudo, emergiram três

categorias amplas relacionadas às questões de pesquisa: ciência e tecnologia vencendo

preconceitos e reformulando representações sociais, etnociências superando desafios e

estereótipos e contextualização do ensino de ciências a partir de um tema polêmico

atual. Os resultados demonstram que a construção da alteridade é idiossincrática,

complexa e gradual, e que as estratégias de ensino podem contribuir de maneira

significativa nesse processo.

Palavras Chaves: Educação em ciências; Etnias indígenas brasileiras contemporâneas;

Alteridade; Preconceito; Etnociências; Sensoriamento remoto.

Page 8: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

8

ABSTRACT

Education for diversity, in a multicultural country as Brazil, is a responsability

of every single individual involved in the educational process.

Brazilian Indian culture has been, in this context, underestimated , full of

stereotypes and prejudice. At school, quite often, it is limited to a folkloric view or

reduced to native cookery singularities. Science teaching can refresh this overview by

minimizing the prejudice, bringing to classroom a more selective approach, wich will

consider brazilian natives and their environmental relationships.

This work intend to open up the discussion on how Ethnoscience and

Comunication and Information Technologies are able to help in cutting out the myths

and prejudice regarding to Brazilian Indians on the last series of elementary school.

The research along with pedagogical activities seeks the epistemological aspects

of the construction of alterity and knowledge made by individuals, regarding to live

beings, the environment and environmental education, using in this process, the

Ethnoscience and remote sensing as pedagogical strategies.

Writen and oral production of the individuals were gathered and studied

according to Semiotics and Text Analisys. From such studies emerge three

comprehensive categories wich are linked to the questions of this research. Science and

technology beating prejudice and building up new social representations; ethnoscience

overcoming challenges and stereotypes and placing the teaching of science in to a

context, from a contemporary and polemic subject.

The results show that the alterity construction is idiosyncratic, complex and

progressive process, where teaching strategies can be quite helpful.

Key Words: Science education; Contemporary Brazilian indigenous groups; Alterity;

Prejudice; Ethnosciences; Remote Sensing.

Page 9: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 - Conceito de índio de Cauã, desenho comparativo.......................................60

Figura 02 - Conceito de índio de Aisó, desenho comparativo.........................................61

Figura 03 - Aldeia Kayapó – Parque Xingu. Ilhas de recursos naturais e áreas de

lavoura.............................................................................................................................71

Figura 04 – Conceito de índio de Apuena, desenho comparativo..................................74

Figura 05 - Desenho “Óleos/bálsamos e sabões” de Hurassi, desenho sobre os estudos

de etnobotânica............................................................................................................... 78

Figura 06 - Conceito de índio de Acauã, desenho comparativo.....................................79

Figura 07 - Aldeia Kaingang – Lomba do Pinheiro – Viamão- RS – Print Screen da

imagem disponível no Google EarthTM.

........................................................................86

Figura 08 - Imagem impressa da aldeia Kaingang para análise individual....................87

Figura 09 - Aldeia Kaingang de Aisó..............................................................................89

Page 10: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

10

LISTA DE ANEXOS

Anexo A – Termo de consentimento livre esclarecido..................................................111

Anexo B – Lista de Pseudônimos indígenas e seus significados....................................114

Anexo C - Tabela – Etnozoologia e Taxonomia...........................................................115

Anexo D – Chave de classificação elaborada por Moema............................................118

Anexo E – Fotografias do trabalho com imagens orbitais.............................................119

Anexo F – Fotografias da confecção de cartazes...........................................................120

Anexo G – Fotografias da saída de campo à aldeia.......................................................121

Anexo H – Fotografias do júri simulado........................................................................122

Page 11: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

11

LISTA DE ABREVIATURAS

EJA – Educação de Jovens e adultos

EAC – Educação Ambiental Crítica

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

CDB – Convenção para Diversidade Biológica

CTSA – Ciência Tecnologia Sociedade e Ambiente

OE – Obstáculos Epistemológicos

FUNAI – Fundação Nacional de Amparo ao Índio

TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação

SR – Sensoriamento Remoto

Page 12: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

12

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................ 5

RESUMO ............................................................................................................................. 7

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ....................................................................................................... 8

LISTA DE ANEXOS ............................................................................................................... 9

LISTA DE ABREVIATURAS .................................................................................................. 10

1. JUSTIFICATIVA E CONTEXTUALIZAÇÃO ......................................................................... 13

PARTE I: ........................................................................................................................ 20

FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ............................................................. 20

2.DIVERSIDADE CULTURAL NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA .................................................. 22

3. EPISTEMOLOGIA BACHELARDIANA ............................................................................. 26

4. IDENTIDADES, REPRESENTAÇÕES E ALTERIDADE ......................................................... 29

5. BASES ETNOCIENTÍFICAS PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS .............................................. 34

6. TIC E A REALIDADE INDÍGENA CONTEMPORÂNEA ...................................................... 38

7. METODOLOGIA DA PESQUISA ..................................................................................... 42

7.1 Delineamento e abordagens da pesquisa ......................................................... 42

7.2. Estudo de Caso ................................................................................................. 43

7.3. Contexto e sujeitos da pesquisa .......................................................................44

7.4. Instrumentos e procedimentos de coleta de dados ........................................ 45

PARTE II: ....................................................................................................................... 55

RESULTADOS E DISCUSSÕES ......................................................................................... 55

8. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..................................................................................... 56

9. CIÊNCIA E TECNOLOGIA VENCENDO PRECONCEITOS E REFORMULANDO REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .............................................................................................. 58

9.1. O sensoriamento remoto e a diversificação de aldeias .................................... 62

9.2. Toda aldeia é circular e toda moradia indígena é oca? .................................... 64

9.3. Modificações representacionais e compreensão da realidade ........................ 66

10. ETNOCIÊNCIAS: SUPERANDO DESAFIOS E ESTEREÓTIPOS ....................................... 71

10.1. Conhecendo botânica pelas lentes indígenas ................................................ 74

10.2. Relações indígenas e o conhecimento da fauna ............................................. 81

10.3. Etnografia in loco ............................................................................................ 84

11. BELO MONTE E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ENSINO DE CIÊNCIAS ............................. 92

Page 13: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

13

11.1. Educação Ambiental Crítica – EAC: o discurso do sujeito ecológico .............. 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 99

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 102

ANEXOS ......................................................................................................................109

Page 14: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

14

1. JUSTIFICATIVA E CONTEXTUALIZAÇÃO

Esta pesquisa está profundamente vinculada à história de vida da autora, tendo

grande importância no seu processo de educação continuada como docente. Por isso,

inicia com uma apresentação pessoal, utilizando a primeira pessoa do singular e

compartilhando alguns sentimentos com o leitor.

Ainda em tenra idade escolhi ser Professora e, contrariando as expectativas de

meus pais, aos 17 anos habilitei-me em Magistério, atual curso Normal, iniciando minha

trajetória de Educadora. Os anos passaram e aquela admiração que sentia se perpetua a

despeito das vicissitudes que assombram a profissão.

Porém, a essa admiração somam-se interesses, que orientaram, e orientam meus

passos profissionais. Um deles é a simpatia pela vida, seus elementos e interações, o que

me levou à graduação em Ciências Biológicas. Outro aspecto a considerar nesse sentido

é a identificação das diferenças comportamentais dos alunos quando realmente

“aprendem” em sala de aula: seus olhos brilham e um sorriso genuíno surge em seus

rostos. Busco diariamente cativar meus alunos, identificar novas manifestações dessa

alegria e transformações comportamentais oriundas do processo de aprendizagem.

Como profissional pouco afeita à acomodação, conheci os Temas Transversais,

definidos pela Lei 9394/96. Vieram ao encontro de minhas convicções sobre a

inadequação de trabalhar temas compartimentalizados de ensino e a consequente

necessidade de contextualizar interdisciplinarmente os temas desenvolvidos em aula.

Assim, Meio Ambiente, Ética, Saúde, Educação para o Trânsito e Sexualidade

tornaram-se elementos obrigatórios em minha prática pedagógica.

Hoje trabalho em uma escola na periferia do município de Gravataí, leciono

Ciências para as turmas da manhã e para algumas turmas de EJA, à noite. Convicções e

anseios permanecem norteando meu fazer pedagógico e, quando o ano de 2011 se

iniciou, fui desafiada pela Equipe Diretiva a montar um grupo interdisciplinar que

trabalhasse o tema “Índio” para a Feira das Culturas que ocorreria em abril. Certa de

que as ciências podem contribuir ao estudo da temática indígena, pelas íntimas relações

que essas etnias empreendem com o meio ambiente, abracei a ideia e levei-a para meus

alunos. O tema despertou tamanho interesse no grupo do sétimo ano, que optamos por

Page 15: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

15

utilizá-lo como linha orientadora para o desenvolvimento dos conteúdos sobre seres

vivos ao longo do ano letivo.

Por que a abordagem pedagógica no Ensino Fundamental? O Ensino

Fundamental é uma etapa da educação que propicia ao aluno um cabedal intelectual e

crítico a respeito das diversas culturas que atuam na constituição das populações

mundiais. Nessa etapa, o estudante recebe a maior quantidade de informações sobre as

diferentes culturas e entra em contato com os referenciais básicos (GRUPIONI, 2001)

norteadores de seu fazer e agir futuros, que também estabelecem as bases para a

formação de seu caráter.

O contexto escolar atual prioriza o conhecimento e a visão europeia nas diversas

áreas de conhecimento. Na escola contemporânea, o universalismo do conhecimento

ocidental sobrepuja (TREZ, 2011) as demais formas de conhecimento desenvolvidas

secularmente pelas diversas civilizações que participaram e participam do mundo

moderno. É nessa prática educacional que se criam preconceitos, racismos, e obstáculos

ao desenvolvimento de um espírito solidário (BANIWA, 2006).

Desapropriadas de seus saberes, minorias étnicas que compõem a população

brasileira permanecem relegadas a segundo plano. Associadas a contribuições exóticas

ou folclóricas, recebem menor importância do que lhes é de direito. Entretanto, os

povos indígenas e seus saberes, usualmente objetos de estudo das ciências humanas,

podem enriquecer a construção do conhecimento nas mais diversas áreas, entre elas a de

ciências.

Berta Ribeiro (1987. p. 09) afirma:

O índio relaciona-se harmonicamente com seu nicho ecológico,

equilibrando a biomassa humana com a fitomassa e a zoomassa.

Desenvolve, conscientemente ou não, uma política agrícola e

demogenética que defende e preserva a natureza, condição de sua própria

sobrevivência.

O contato e análise dessas relações e conhecimentos podem levar, portanto, a

uma nova maneira de encarar o meio ambiente, as práticas agrícolas e o caráter

multicultural da população brasileira, em um trabalho pautado pelo diálogo, pela

aceitação das diferenças e pelo compartilhamento de conhecimentos mútuos (SILVA;

GRUPIONI, 1995), numa proposta educativa em que a alteridade é a força motriz.

Para Nilma Lino Gomes (BRASIL, 2007, p. 22), “reconhecer as diferenças

implica romper com preconceitos, superar as velhas opiniões formadas sem reflexão,

Page 16: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

16

sem o menor contato com a realidade do outro”, temas que devem receber especial

atenção dentro do contexto escolar.

É importante considerar também os pressupostos legais apresentados a seguir.

O estudo da diversidade cultural é uma obrigatoriedade nas escolas brasileiras

desde 2008, pois, a Lei 11.645 determina, em seu art.26-A, que: “Nos estabelecimentos

de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o

estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Entretanto, a normatização legal

não é suficiente, por si só, para superar obstáculos constituídos histórica e

culturalmente, os quais estabelecem a pseudossupremacia do eurocentrismo.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais -PCN – Pluralidade cultural (BRASIL,

1997) salientam a insuficiência da aplicação e aperfeiçoamento da legislação para a

construção de uma sociedade fraterna, justa e livre, reforçando a importância do

processo educacional no desenvolvimento de novos conceitos éticos, atitudinais e

comportamentais “em relação àqueles que historicamente foram alvos de injustiças (p.

123).”. O mesmo documento ainda propõe: “explorar a riqueza da relação dos povos

indígenas com o meio ambiente [...].” (p. 151), como um dos conteúdos transversais a

ser abordado nas salas de aulas.

Inserindo o tema no ensino de Ciências, os PCN - Ciências propõem como um

dos objetivos:

Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,

bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,

posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças

culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras

características individuais e sociais; (BRASIL, 1998, p. 07).

Esse objetivo busca o resgate de equívocos históricos e contundentes,

decorrentes da visão utilitarista e antropocêntrica da natureza, consolidando relações de

poder equivocadas nas quais, os seres humanos se dariam ao direito de explorar os

recursos naturais indevidamente até o completo desaparecimento da biodiversidade

selvagem.

A pluralidade cultural é considerada um dos temas transversais a serem

discutidos, segundo o MEC, no âmbito escolar.

A Convenção sobre diversidade biológica - CDB (1997) reconhece:

A estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas

Page 17: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

17

comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida

tradicionais, e que é desejável repartir equitativamente os benefícios

derivados da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de

práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e à utilização

sustentável de seus componentes.

Trata-se de mais um aporte legal para a abordagem dialógica dos conhecimentos

tradicionais indígenas para a aprendizagem de Ciências para assim, auxiliar os

educandos a desmistificarem essa imagem construída em relação à cultura indígena.

Partindo do questionamento e reflexão sobre as relações de poder ainda vigentes

no processo escolar, que determinam um padrão sociocultural preponderantemente

aceito nos meios acadêmicos (OLIVEIRA, 2001; KREUTZ, 1999), busca-se, com essa

pesquisa, discutir os estereótipos e sua origem, bem como propiciar debates

direcionados ao questionamento crítico do padrão discriminatório que se estabelece no

grupo, buscando, assim, uma educação para a cidadania a partir do respeito e

conhecimento dos hábitos e costumes indígenas, apoiando-se na pesquisa e reconstrução

de conhecimentos prévios.

Nesse contexto, cabe ainda considerar o índio na percepção popular.

Quando da proposição do trabalho, foi possível detectar, por parte dos alunos, a

visão estereotipada do indígena brasileiro, relacionada ao conceito do bom selvagem,

vestido de penas, portando arco, flecha e tacape, relacionando-se de forma

contemplativa com a natureza. “A imagem de um índio genérico, que vive nu na mata,

mora em ocas e tabas, cultua Tupã e Jaci e fala tupi, predominante no senso comum

[...].” (GRUPIONI, 2001. p. 11).

Os alunos tendem a construir a imagem do índio ao longo dos anos escolares,

baseados em observações de imagens românticas, reforçadas por literatura e arte

coloniais nas quais as etnias são retratadas segundo as relações de poder que regiam as

sociedades no período da colonização brasileira (OLIVEIRA, 2001).

De fato, em um primeiro momento, o discurso dos alunos – sujeitos de pesquisa

- caracterizava-se pela consolidação do preconceito construído a partir de gravuras

estereotipadas do índio. Por vezes, eles dramatizavam situações relacionadas ao

imaginário popular, tais como: sons guturais, manuseio de arco e flecha, ou interesse

acentuado em observar imagens de nus indígenas. Tais atitudes despertaram a

necessidade de reformular a visão caricata e preconceituosa que permeia o tema índio

na Educação atual.

As palavras encontram-se impregnadas de significações culturais e produzem

Page 18: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

18

simbologias e representações culturais arraigadas no imaginário das sociedades (HALL,

1997). A simples menção da palavra índio forma, na mente dos estudantes, uma imagem

característica: nu, abrigado pela floresta e ornamentado com elementos naturais.

Gersem Baniwa (2006) e Luiz Donizete Grupioni (2001) são alguns dos

pesquisadores questionadores da denominação índio, genérica e não contempladora das

diversidades culturais existentes entre as muitas etnias indígenas que constituem o povo

brasileiro.

Baniwa (op. cit.) relaciona-a ao erro de interpretação de Cristóvão Colombo,

quando chegou à América em busca de uma rota alternativa para a Índia. Nesse ínterim,

refuta o termo pela sua generalidade, mas, mesmo assim, descreve três diferentes

representações socioculturais para o termo. A representação romântica, na qual o nativo

é descrito como um ser inocente, puro, selvagem e elemento constituinte da floresta,

imagem que persiste nos dias atuais e fomenta políticas públicas paternalistas como, por

exemplo, a criação da FUNAI. A representação do índio cruel, agressivo, canibal,

preguiçoso e traiçoeiro, uma visão também constituinte do imaginário popular

contemporâneo e que fundamenta massacres, além de outras ações restritivas e

preconceituosas em relação aos povos nativos. A terceira representação, ao contrário

das duas anteriores, não tem sua origem no contexto colonial eurocêntrico brasileiro,

mas na Constituição de 1988, quando cidadãos indígenas foram reconhecidos, sendo

assegurado a eles o direito de cultivar seus hábitos, valores e o acesso à tecnologia e às

outras culturas.

Representações mistas, fortemente enraizadas nos ambientes escolares e sociais,

são difundidas por livros didáticos e pelos veículos de comunicação. Atendem aos

interesses de uma elite dominante e originam contradições, ambiguidades e preconceitos

sobre o mundo indígena, ignorados pelos indivíduos ditos civilizados (BANIWA, 2006).

Luiz Donizete Grupioni (2001) assegura papel de fundamental importância dos

manuais didáticos e da mídia para a perpetuação dessas representações equivocadas e

estereotipadas. Os textos educacionais descrevem os povos nativos segundo a visão

histórica ocidental, reforçando o menosprezo e o racismo. Tanto a mídia analógica como

a digital veiculam notícias de massacres, violência e conflito.

O índio genérico pertence ao imaginário popular, contrariando o discurso de uma

educação plural voltada ao “convívio na diferença” (RIBEIRO, 1995). Mas

representações sociais que podem vir a ser reformuladas, partindo da valorização dos

conhecimentos indígenas a respeito do meio ambiente e da aproximação por meio de

Page 19: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

19

tecnologias modernas de informação e comunicação.

A partir dessas considerações iniciais podem ser situados, em síntese, os

objetivos e as questões da pesquisa.

A presente pesquisa teve como objetivo geral compreender como as

Etnociências e as Tecnologias de Informação podem contribuir para desmistificar

preconceitos em relação às etnias indígenas brasileiras contemporâneas no Ensino

Fundamental Séries Finais. Esse objetivo compreende cinco objetivos específicos:

Identificar as concepções prévias dos educandos, sujeitos de pesquisa, em

relação às etnias brasileiras contemporâneas.

Analisar trabalhos desenvolvidos pelos sujeitos em relação aos conhecimentos

desenvolvidos a partir de um estudo fundamentado nas Etnociências.

Compreender contribuições do Sensoriamento Remoto para identificação,

análise e reconhecimento de biomas e etnias indígenas brasileiras atuais.

Compreender contribuições das Tecnologias de Informação para a construção de

representações a respeito das etnias indígenas brasileiras contemporâneas.

Identificar possíveis mudanças em concepções sobre a etnia indígena ao longo e

após as abordagens pedagógicas tecnológicas e etnocientíficas.

A questão central de pesquisa considera o objetivo geral exposto:

Como as Etnociências e as Tecnologias de Informação podem influenciar no

processo de desconstrução de preconceitos sobre as etnias brasileiras contemporâneas

nas Séries Finais do Ensino Fundamental?

Decorrem, desse questionamento principal, cinco outras questões:

Quais as concepções prévias dos educandos em relação às etnias brasileiras

contemporâneas?

Como os sujeitos de pesquisa expressam os conhecimentos construídos após

a abordagem etnocientífica?

Como o Sensoriamento Remoto pode contribuir para identificação, análise e

reconhecimento de biomas e etnias indígenas brasileiras atuais?

Como as Tecnologias de Informação influenciam a elaboração de

representações sobre as etnias indígenas brasileiras contemporâneas?

Quais as possíveis modificações representacionais das etnias indígenas

brasileiras atuais após as abordagens pedagógicas tecnológicas e

etnocientíficas?

Quanto à dissertação como um todo, este capítulo introdutório apresenta e justifica

Page 20: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

20

o tema, descrevendo a realidade vivenciada na escola e os desafios educacionais que lá

se propõem. Tais desafios norteiam e contextualizam a escolha do tema, salientando sua

importância para o trabalho desenvolvido com os educandos.

Os capítulos seguintes são agrupados em duas partes.

A primeira parte, apoiada nas leituras efetuadas, apresenta os pressupostos

teóricos que constituem alicerces intelectuais e pedagógicos da pesquisa desenvolvida.

Nessa parte, descreve-se ainda a metodologia que norteia a pesquisa: os sujeitos

envolvidos, os instrumentos utilizados para a coleta de dados e o embasamento teórico-

metodológico para a análise e discussão de dados. Os passos empreendidos na

elaboração do trabalho também são apresentados.

A segunda parte apresenta e discute o material coletado ao longo do trabalho de

pesquisa. Descreve a abordagem etnocientífica como estratégia pedagógica para o

desenvolvimento de conhecimentos acerca da pluralidade cultural indígena e dos seres

vivos nas séries finais do Ensino Fundamental, e posteriormente, analisa a aplicação de

Tecnologias da Informação e Comunicação -TIC - e do Sensoriamento Remoto – SR -

como recursos pedagógicos para o desenvolvimento das temáticas citadas nesse

contexto educacional.

Após os capítulos que compõem a Parte II da dissertação, as considerações finais

relatam algumas conclusões, desenvolvidas a partir da discussão do material analisado,

e sugestões para trabalhos complementares.

Ao final são listados os referenciais teóricos lidos para a elaboração da pesquisa

e anexados materiais relevantes para a compreensão do trabalho desenvolvido junto aos

educandos.

Page 21: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

21

PARTE I:

FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Page 22: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

22

Os fundamentos teórico-metodológicos desta dissertação têm como alicerce

leituras de livros e artigos científicos que abordam, nos próximos capítulos: a

diversidade cultural na educação básica brasileira; a aprendizagem e obstáculos

epistemológicos sob a perspectiva de Gaston Bachelard; as variadas dimensões das

representações; as etnociências, em especial a etnobiologia, e o conhecimento

tradicional indígena. As Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC -, a

influência da mídia e o sensoriamento remoto também são analisados, uma vez que

essas ferramentas foram utilizadas para enriquecer e aprimorar o processo de

aprendizagem dos educandos.

Em continuidade, focaliza-se a fundamentação metodológica. O capítulo a seguir

apresenta a diversidade cultural em termos educacionais, refletindo a questão da

identidade cultural indígena e a alteridade, temas centrais na presente proposta.

Page 23: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

23

2. DIVERSIDADE CULTURAL NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

O estudo da diversidade cultural é uma obrigatoriedade nas escolas brasileiras

desde 2008, quando a Lei 11.645 define, em seu art.26-A, que: “Nos estabelecimentos

de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o

estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.”

Partindo dessa orientação legal, foi proposto o trabalho referido no capítulo

introdutório, com alunos de uma turma do sétimo ano do Ensino Fundamental de uma

escola do município de Gravataí-RS, em que as relações ambientais dos povos

indígenas brasileiros modernos pudessem ser analisadas e servissem de base para o

estudo dos biomas brasileiros e seus componentes bióticos e abióticos.

Em Ciências, a abordagem desse tema possibilita o desenvolvimento de uma

nova noção sobre a identidade cultural indígena, objetivando a valorização desse grupo

social como parte integrante da atual sociedade brasileira, capaz de interagir com o meio

ambiente de forma sustentável. Permite também analisar impactos ambientais

decorrentes do processo de aculturação, por meio da observação de imagens orbitais

representativas de áreas indígenas.

Quando da proposição do trabalho, o grupo em questão reagiu utilizando-se de

gestos caricaturais e sons guturais em que transpareciam visões estereotipadas em

relação ao tema. Tal reação, apresentada pelo grupo, contradiz um dos objetivos para o

ensino de ciências previsto nos PCN:

Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural

brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,

posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças

culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras

características individuais e sociais; (BRASIL, 1998. p. 07).

Dessa forma, foi reconhecida a necessidade de auxiliar os educandos a

desmistificarem essa imagem equivocada em relação à cultura indígena. Isso

desencadeou a presente pesquisa, na qual se busca identificar os estereótipos e sua

origem, bem como, fornecer subsídios teóricos para o questionamento crítico do padrão

Page 24: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

24

discriminatório que se estabelece no grupo. Considerou-se a possibilidade de que um

trabalho de pesquisa aprofundado, buscando a explicitação e problematização dos

conhecimentos prévios sobre o tema, pudesse promover uma educação para a cidadania

a partir do respeito e conhecimento dos hábitos e costumes indígenas.

Os conceitos de etnia e diversidade constituem parte significativa no processo

educativo brasileiro. Kreutz (1999) delineia historicamente como esses conceitos são

abordados pela educação. Inicia com uma análise da “tradição Greco-cristã” e

estabelece como base histórica: “o silenciamento da diferença a partir de uma

determinada cultura, conduzindo à interiorização acrítica de seu respectivo código

cultural.” (p. 83-84). Constata a influência significativa dos movimentos sociais

históricos – nacionalismo, iluminismo e modernismo – sobre esses temas nos currículos

educacionais atuais, declarando que nas escolas, ainda hoje, predomina a “afirmação de

uma etnia, de uma perspectiva cultural, em detrimento das demais [...].” (p. 92).

Para Luis Donizete Grupioni (2001), a visão equivocada dos povos indígenas

pelos leigos deve-se a informações veiculadas pela mídia e livros didáticos que

solidificam o senso comum, descrevendo um índio genérico, situado no passado e

fadado ao extermínio. Os manuais educativos citam a importância das diversas etnias

para a formação da população genuinamente brasileira, entretanto, não as insere em um

contexto contemporâneo, dificultando a identificação dos educandos com esses grupos

étnicos.

Ângela Arruda (2002. p. 23) relaciona a elaboração da representação única dos

povos indígenas, que hoje persiste, ao estranhamento dos colonizadores europeus frente

à ambiguidade detectada junto à população nativa. Inocentes e habitantes de um local

idílico foram “demonizados” por seus costumes: “para os jesuítas os índios eram povo

do diabo: sem roupas, promíscuos, temiam o escuro e eram idólatras.”.

O mito do “Bom Selvagem”, inspirado em Rousseau, atribui aos índios um

estado de consciência selvagem que os torna incapazes de distinguir entre o bem e o

mal, devido ao distanciamento com o regramento civilizado europeu. Considera que

essa inocência quase infantil provoca ações regidas pelos instintos naturais (NOVAES,

1999).

Autores românticos e modernistas apropriaram-se dessa imagem que não

contemplava a diversidade étnica indígena, propagando-a em romances, contos, poesias

e obras de arte pictóricas (ARRUDA, 2002); surgiu, então, o índio brasileiro,

conhecedor dos mistérios naturais, capaz de extrair venenos e medicamentos da

Page 25: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

25

natureza e, com eles, auxiliar os colonizadores em suas aventuras mata adentro.

Esse olhar, oriundo de um embate cultural significativo, era carregado de

preconceitos e cuidadosamente elaborado para consolidar as relações de poder vigentes

na época. Permanece estabelecendo preconceitos discriminatórios perpetuados em livros

didáticos, em trabalhos artísticos, na mídia e no imaginário popular, levando os alunos a

construírem uma visão equivocada dessas etnias e suas relações com o ambiente

(OLIVEIRA, 2003).

A história brasileira foi construída sobre a neutralização, escravização ou

extermínio da cultura indígena. Atualmente, é comum nos depararmos com relatos de

conflitos e desrespeito em relação aos variados grupos indígenas que ainda habitam o

território nacional, e essas notícias negam a inclusão desses elementos na constituição

da identidade nacional.

Segundo Kreutz (1999. p. 86), um elemento significativo para a

perpetuação desse contexto de exclusão social aconteceu desde que, no Séc. XIX, as

ideias de Charles Darwin foram utilizadas como referenciais para fomentar o racismo, a

pretensa superioridade europeia e a eugenia, pois, “Na perspectiva do darwinismo

social, certas raças não teriam ainda conseguido o grau de evolução de outras, o que

permitiria estabelecer hierarquia entre elas.”.

No Brasil, existem atualmente 305 etnias indígenas (IBGE), possuidoras de

valores culturais diversos e vivendo em diferentes biomas. A despeito disso, continuam

sendo identificados como um grupo único, homogêneo, cultural e politicamente

denominado “índio” em oposição ao “branco” (GRUPIONI, 2001. p. 12). Claramente,

essa atitude reforça os preconceitos e estereótipos consolidados historicamente.

Esses equívocos históricos e contundentes são difíceis de ser superados, mas a

promoção de momentos de discussão e pesquisa pode auxiliar os educandos a pensarem

nas relações mútuas socioculturais determinadas pela cultura indígena.

Conviver, aceitar e respeitar a diversidade, apoiando-se em uma visão alteritária,

possibilita, além de promover o reconhecimento das etnias indígenas como elementos

constituintes da identidade social nacional, plantar sementes de cidadania nesse pequeno

grupo que, de certa forma, também é discriminado pelo local humilde onde vive.

Quando nos propomos a trabalhar considerando a alteridade como parte

fundamental do processo educacional, concordamos com Gusmão (1999. p. 45), que

afirma:

Page 26: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

26

As relações sociais ao serem vividas imprimem ao olhar e à percepção de

cada um de nós, esquemas de valores que norteiam as ações e atitudes de

uns sobre os outros. No entanto, entre a percepção e a ação, incorre a

mediação do contexto histórico e circunstante, de forma a estabelecer

significados consoantes à vida vivida e ao que se acredita fazer parte dela.

Portanto, a aprendizagem efetiva relaciona-se com a alteridade, pois, para que

ocorra, faz-se necessário um envolvimento pessoal, a empatia, o colocar-se no lugar do

outro se apropriando de seus valores.

O processo escolar tradicional, que origina e reforça concepções estereotipadas

fundamentadas no contexto histórico descrito, segue na contramão de uma educação

alteritária e resulta na elaboração de um conhecimento não reflexivo que, por vezes,

dificulta reformulações educacionais cujo objetivo seja o exame crítico das relações de

poder e subordinação (KREUTZ, 1999).

O conhecimento não questionado, destituído de racionalização e com forte carga

afetiva e mnemônica pode ser identificado como o que Bachelard (1996) denomina

obstáculo epistemológico.

Page 27: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

27

3. EPISTEMOLOGIA BACHELARDIANA

Saint’ Exupéry (2004) afirmava: “tu és eternamente responsável por aquele que

cativas”. Mas cativar implica cultivar uma empatia em que o outro se reconhece e se

apropria de tuas palavras, informações e sentimentos, em consonância com o que sente

e pensa, desenvolvendo confiança e respeito em momentos de interação e reciprocidade.

Lecionar é, em última instância, cativar estudantes, contar histórias convincentes e

aplicáveis ao cotidiano. Enfim, oferecer aos educandos subsídios que levem ao

reconhecimento da importância sobre o que se discute em aula para a sua evolução

pessoal e cognitiva.

O educador precisa acreditar no que ensina, demonstrar conhecimento e prazer

pelo tema. Despertando no aprendente a admiração por essa pessoa, a vontade de

também conhecer suas ideias e, principalmente, reconhecê-lo como autoridade por seu

saber e capacidade de cativar o outro (AQUINO, 1998).

O educando, por sua vez, necessita convencer-se da necessidade e importância

pessoal do objeto de estudo para aceitá-lo. A compreensão de uma razão pressupõe

significância, isto é, o sujeito reconhece, julga e apropria-se de uma razão à medida que

se torna capaz de posicionar-se de maneira positiva ou negativa em sua relação.

(HABERMAS, 1989).

Segundo Giordan e Vecchi (1996), existem duas visões da recepção dos

conhecimentos. A mais corriqueira estabelece que os alunos elaborem um sistema

cognitivo capaz de registrar e conservar informações em uma sequência linear. A outra

reconhece o aluno como um organismo que elabora estruturas conceituais, decorrentes

do ensino e de sua interação pessoal com o cotidiano, identificando-se como parte

integrante desse cotidiano. Essa relação propicia a reorganização dos conhecimentos

adquiridos e a elaboração de novas operações mentais, que propiciem sua adaptação e

inserção na sociedade. Assim, o aprendente, diante de um novo problema, lança mão de

objetos já conhecidos em busca de uma explicação lógica para a resolução do problema,

o que pode desenvolver ou manter equívocos, pois esses decorrem de uma atividade

elaborativa dependente de um sistema subjacente que lhe confere significação.

Page 28: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

28

O aprendente utiliza-se de sua realidade e dos conhecimentos nela assimilados,

para compor representações coerentes com sua vivência. Nem sempre ocorre

fidedignidade entre as representações e as concepções que as fundamentam, uma vez

que as concepções mobilizam o saber pré-existente para que ocorra adaptação a novos

problemas e situações vividas. Por vezes, tal ação sofre influência do conhecimento

anterior em detrimento da nova informação, permanecendo o saber já consolidado,

ainda que esteja ligeiramente modificado por necessidade de solucionar o novo

problema.

Conhecimentos habituais e consolidados podem impedir que se construa um

conhecimento novo. Todo conhecimento é uma reconstrução influenciada pela bagagem

cognitiva acumulada ao longo dos anos de vida, sob influência familiar, social ou

escolar.

Para Bachelard (1996) o saber se firma sobre dois acontecimentos decisivos de

uma experiência: delineamento dos fenômenos e ordenação dos acontecimentos em

série. É uma construção individual e afetiva, que passa por três estágios sucessivos entre

o concreto, o concreto-abstrato e a abstração. Durante sua gênese, sofre influência de

dúvidas, imperfeições e interesses indutivos. Objetividade e racionalismo são os

alicerces do processo de construção do conhecimento, ambos resultam da crítica e

desconfiança: “[…] tem de começar por criticar tudo: a sensação, o senso comum, até a

prática mais constante e a própria etimologia, pois o verbo, que é feito para cantar e

seduzir raramente vai ao encontro do pensamento.” (BACHELARD, 1971. p. 129).

Desilusão e não aceitação passiva de um conhecimento transmitido acionam a

curiosidade do aprendente, nesse momento, passa a questionar aquilo que para ele,

tornou-se sem sentido e uma dúvida.

O espírito científico estrutura-se sobre a lógica de um problema. A elaboração de

um novo conhecimento tem como alicerce a pergunta, o questionamento, a formulação

de problemas por quem não aceita passivamente opiniões. No processo de ensino e

aprendizagem, a ausência de questionamento propicia reforço e estabelecimento de

obstáculos epistemológicos derivados do instinto conservativo, alimentado pela

reificação decorrente da tendência humana a se acomodar, utilizando-se de meios

consolidados para resolver novos problemas.

Bachelard (1996) define obstáculos epistemológicos como fenômenos

educacionais de origens variadas, relacionados a cinco situações: a experiência

primeira, o senso comum, a matematização, o animismo, as analogias e metáforas.

Page 29: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

29

Esses obstáculos surgem a partir do momento em que o conhecimento não é discutido e

o aprendiz elabora representações com base na percepção e nos hábitos e conhecimentos

culturais, pois, segundo ele: “Frente ao real, o que se pensa saber, claramente ofusca o

que se deveria saber. Quando se apresenta ante a cultura científica, o espírito nunca é

jovem. Ao contrário é velhíssimo, pois tem a idade dos seus preconceitos.” (Bachelard,

1996. p. 16).

Dessa forma, segundo Bachelard (1996), a aprendizagem consistente resulta da

superação desses obstáculos internos que emperram o processo de construção do

conhecimento científico.

Nas séries iniciais do Ensino Fundamental, usualmente a temática indígena é

trabalhada de maneira simplista, descrevendo esse povo como um grupo único e

partindo da visão eurocêntrica colonial. Esse enfoque acaba por incentivar os educandos

a construírem uma interpretação generalista, pragmática e substancialista em relação ao

tema, elementos que, com base na teorização de Gaston Bachelard, constituem-se em

alicerces na construção dos obstáculos epistemológicos.

Por outro lado, as notícias veiculadas atualmente na mídia alimentam essas

representações, acrescentando elementos discriminatórios ou estereotipados às etnias

brasileiras, pois, frequentemente, divulgam informações que relatam os indígenas como

vítimas, desfavorecidos ou agressivos. As distorções resultantes do repasse de

informações factuais, fragmentadas e superficiais pela imprensa, em relação aos

diversos grupos étnicos, alimentam a desinformação, os preconceitos e a intolerância

(GRUPIONI, 2001).

Assim, o meio cultural auxilia na perpetuação de concepções equivocadas a

respeito dos grupos indígenas brasileiros atuais; que leva à elaboração de representações

consolidadas com o passar do tempo escolar.

Page 30: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

30

4. IDENTIDADES, REPRESENTAÇÕES E ALTERIDADE

A cultura escolar, influenciada pela mídia e pelos livros didáticos, fomenta a

elaboração de uma simbologia representacional indígena equivocada. O selvagem

inocente desperta em nossos estudantes compaixão, e o selvagem agressivo, rancor e

distanciamento. Tais simbologias dificultam a identificação dos sujeitos com os povos

indígenas e afastam-nos de uma relação social sadia com esses, que são diferentes por

partilhar de outras crenças e costumes nem tão diversos dos nossos (GRUPIONI, 2001).

A reelaboração de uma identidade cultural brasileira, que considere os indígenas

constituintes da população, detentores de direitos e deveres, prescinde de reformulações

identitárias, conceituais e representacionais. Reformulações fundamentadas no

conhecimento e na alteridade, capazes de construir uma nova percepção desses

elementos (ARRUDA, 2002).

Identidade, representação e alteridade possuem em comum o fato de apoiarem-se

no conceito de diferença. Constituem um sistema de significação que se apóia no “outro

diferente” para evoluírem.

Márcio D'olne Campos (1995. p. 11) argumenta que:

O conhecimento só poderá se estabelecer através do diálogo que pela

consciência da diferença, permitirá aos dois o re-conhecimento pela

diferença, não só entre cada um deles, mas também em outras leituras de

situações e contextos socioculturais (grifo no original).

É importante um diálogo que busque a relação simétrica com a alteridade, dentro

dos meios institucionais e acadêmicos e contribua para o descondicionamento em

relação aos sistemas classificatórios, na relação com o meio ambiente em diferentes

culturas, para a compreensão dos saberes e técnicas elaborados pelos humanos

(CAMPOS, 1995).

A alteridade resulta da negociação de diferenças (ARRUDA, 2002). Um outro

diferente surpreende e perturba, necessita de ancoragem em terrenos conhecidos, para

ser incorporado e compreendido. Esse sistema de (re) conhecimento provoca

desestabilização numa identidade construída histórica e culturalmente. Por ser mutável,

Page 31: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

31

essa identidade sofre reformulações permitindo modificações em sua essência, pois,

“(…) as identidades são construídas por meio da diferença e não fora dela. (HALL,

2000. p. 110)”.

As representações atuam como expressões de significados e leituras que fazemos

desse “outro diferente” (HALL, 1997), influenciadas pelas relações de poder

institucionalmente consolidadas. Constituem-se em falas, símbolos, objetos e

preconceitos que usualmente reproduzimos influenciados pela sociedade em que nos

encontramos inseridos.

Representações hegemônicas, em relação aos indígenas brasileiros, vêm sendo

construídas desde o período colonial (ARRUDA, 2002) e, para reposicionar essas etnias

no cenário da identidade cultural brasileira, se faz necessário discuti-las de forma

crítica, desconstruindo-as com base na valorização e identificação com esses grupos

étnicos.

Stuart Hall (2000. p. 106) apresenta como um dos conceitos de identificação:

Na linguagem do senso comum, a identificação é construída a partir do

reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são

partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo

ideal. É em cima dessa fundação que ocorre o natural fechamento que

forma a base da solidariedade e da fidelidade do grupo em questão.

O processo de identificação é mutável e articulado dentro de um contexto

multicultural e se sujeita ao jogo da diferença para que se constitua. A identificação

ocorre levando em consideração o outro e “uma vez assegurada, ela não anulará a

diferença” (HALL, 2000. p. 106). No caso específico da cultura indígena, constitui os

alicerces para a elaboração de renovadas significações capazes de superar o contexto

histórico e educacional, perpetuados ao longo da vida escolar. Questionar os

significados atribuídos ao índio genérico consiste em superar a abordagem corrente, que

situa as contribuições culturais indígenas em campos exóticos e folclóricos

(GRUPIONI, 2001), reconhecendo-os como detentores de valiosos saberes a respeito do

meio ambiente e dos seres vivos.

Kathryn Woodward (2000) ressalta a importância da identificação para a

reformulação de representações equivocadas. Novas representações, alteritárias e

solidárias, desenvolvem-se a partir de simbologias e significados originais, derivados de

uma identificação positiva e da crítica consciente das representações perpetuadas pelo

senso comum.

Page 32: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

32

Tomaz Tadeu da Silva (2000. p. 91) afirma:

É por meio da representação que, por assim dizer, a identidade e a

diferença passam a existir. (…) É também por meio da representação que

a identidade e a diferença se ligam a sistemas de poder. Quem tem o

poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade.

[...] Questionar a identidade e a diferença significa, nesse contexto,

questionar os sistemas de representação que lhe dão suporte e

sustentação.

O termo representação é polissêmico. Giordan e Vecchi (1996) relatam

diferentes significados de acordo com o campo de estudo que o utiliza, mas em didática,

pode ser definido como um modelo explicativo organizado, simples, lógico e utilizado,

na maioria das vezes, por analogia. Os mesmos autores sugerem a substituição do termo

por “concepção ou construto” quando resultante de uma estruturação progressiva e

integrada de conhecimentos familiares, sociais, escolares e culturais, construídos ao

longo de sua vida.

Representações relacionam-se à interpretação do ambiente, derivada da leitura

que o aprendente faz de seu entorno sociocultural e que parte da experiência e

simbologia particulares de cada um. O educando lança mão de sua realidade e dos

conhecimentos assimilados para compor representações coerentes com sua experiência

pessoal. Nem sempre ocorre fidedignidade entre as representações e as concepções que

lhes fundamentam, uma vez que as concepções mobilizam o saber pré-existente para

que ocorram adaptações a novos problemas e situações vivenciadas. Por vezes, tal ação

sofre influência do conhecimento anterior em detrimento da nova informação,

permanecendo o saber consolidado, ainda que esteja ligeiramente modificado por

necessidade de solucionar o novo problema.

Bachelard (1996. p. 16), já em 1947, alertava para esse processo de construção

de representações, ao criticar a prática educacional quando o foco é a elaboração de um

conhecimento científico:

Os professores de ciências imaginam que o espírito começa com uma

aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição

da lição, que se pode fazer entender uma demonstração repetindo-a ponto

a ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na aula de física

com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de

adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura

experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida

cotidiana...

Page 33: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

33

Superar obstáculos epistemológicos, provocando modificações significativas nas

representações deles derivadas, requer, por parte do professor, novas ações que

permitam: “[...] lidar com a descoberta e a interpretação de entendimentos dos sujeitos

sobre o ‘mundo real’, buscando aproximá-las (através de ‘práticas pedagógicas’, por

exemplo) de ‘modelos e padrões’ definidos na cultura. (WORTMANN, 2001. p. 156)”.

Maria Lúcia Wortmann (op. cit.) entende que representação, linguagem e

‘realidade’ são componentes fundamentais para a leitura e compreensão do mundo,

pois, participam da produção de significados culturais que poderão vir a se perpetuar

dentro da sociedade.

Significados expressos por uma linguagem socialmente constituída que, sob o

ponto de vista bachelardiano, apresenta pouca contribuição ao conhecimento científico,

pois,

[...] o objeto designado pelo termo isto, mesmo apontado a dedo, é quase

sempre designado pelo seu nome usual, nunca sei se é o nome ou a coisa

que ganham forma na minha mente, ou ainda essa mistura de coisa e de

nome, informe, monstruosa, na qual nem a experiência, nem a linguagem

são dadas na sua ação maior, no seu trabalho de interpsicologia efetiva

(BACHELARD, 1971. p. 134, grifo no original).

Representações e concepções derivam da compreensão e entendimento de signos

e fatos cotidianos. Elaboradas a partir de um contexto universal e, sofrendo influência

da realidade social, política e cultural vivenciada pelo aluno em seu cotidiano, podem

ser reconhecidas dentro do espaço escolar. Essa nova interpretação, fruto da interação

entre a experiência sociocultural e o “conhecimento científico” desenvolvido na escola,

é considerada por Bruno Pastoriza (2011) como uma representação escolar.

Dentro da escola, a ciência e seus conceitos recebem tratamento de destaque.

Busca-se a transmissão, a comunicação e a assimilação de um conhecimento científico

construído por outrem e que prevalece sobre o senso comum. A articulação desses dois

saberes permite a elaboração de um conhecimento genuinamente escolar. Contudo, esse

novo conhecimento possui, segundo Pastoriza (op. cit. p. 62), uma especificidade

limitada por seu local de origem. Para esse autor, as representações escolares são:

[...] tão específicas que em vários momentos não chegam a sair dele, não

se fazendo práticas, nem aplicadas, trazendo críticas a esse espaço e seus

conhecimentos e tendo como efeito a presença (cada vez mais acentuada)

de movimentos educacionais que visem à integração e maior aplicação

dos conhecimentos da sala de aula, como os movimentos CTSA e os

Page 34: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

34

PCNs.

Nessa pesquisa, são consideradas as diversas dimensões das representações.

Representações escritas, relatos e desenhos utilizados pelos educandos para expressar

suas ideias a respeito da temática indígena relacionam-se com a noção de concepção

(GIORDAN; VECCHI, 1996). A origem dessas concepções para a construção da

alteridade é analisada com base nos conceitos de representação social (MOSCOVICI,

2002; JODELET, 2002; ARRUDA, 2002) representação cultural (HALL, 2002) e

representação escolar (PASTORIZA, 2011).

A construção de uma identidade cultural brasileira genuína está subordinada ao

reconhecimento da influência cultural indígena na constituição da população brasileira

contemporânea. Esse reconhecimento depende da identificação com os hábitos e

costumes desses grupos étnicos. Poderá levar à elaboração de uma alteridade positiva

(JODELET, 2000), e a uma concepção de 'índio' renovada, solidária. Possibilitando,

assim, “atribuir aos índios um lugar efetivo e digno como cidadãos de um país, cuja

plena cidadania só pode ser definida e construída por um viés plural,” (GRUPIONI,

2001, p. 23).

Dentro do ensino de ciências, a construção da alteridade, a reformulação das

representações hegemônicas eurocêntricas e a identificação com práticas, hábitos e

atitudes indígenas podem ser desenvolvidas por meio da abordagem de temas

investigados pelas etnociências, em especial a etnobiologia.

Page 35: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

35

5. BASES ETNOCIENTÍFICAS PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS

A Biologia é uma ciência usualmente marcada pelo cientificismo ocidental. Os

currículos de ciências e biologia na Educação Básica, em geral, privilegiam o

conhecimento científico, estabelecendo relações de pseudossuperioridade das ciências

sobre os saberes tradicionais. Trez (2011) discute uma dicotomia dentro do ensino de

biologia, no qual conhecimentos tradicionais e científicos rivalizariam para constituir a

prática desse ensino. Para Cobern e Loving (2001), essa rivalidade pode ser superada

por meio da abordagem do conhecimento indígena, pois esse desempenha papel vital no

ensino de ciências por constituir-se em um conhecimento diferente, a ser valorizado por

seus próprios méritos, e questionar o enfoque cientificista eurocêntrico usual e

inquietante.

Márcio Campos (1995. p. 32) define a etnociência como um campo de diálogo,

no qual o conhecimento produzido pelo outro adquire status de ciência, ainda que seja

diferente dos conceitos acadêmicos. Pode ser assim definida, por resultar de uma

construção de saber e conhecimento – etimologicamente, scientia deriva de scio (sei)- e,

desafortunamente, “antes de entendermos a ‘scientia’ do outro nas relações

homem/natureza, nos contaminamos com critérios ‘científicos’ de classificação

hierárquica”. Segundo Cobern e Loving (2001), o acréscimo do prefixo etno à palavra

ciência não deve ser considerado como um indicador de desvalorização dos saberes

tradicionais, mas sim como uma maneira de diferenciar esses conhecimentos do

contexto eurocêntrico usualmente associado à ciência. Um contexto que, para Geilsa

Baptista (2010. p. 685), concebe “essa ciência como a única e legítima forma de se obter

e representar conhecimento verdadeiro da realidade.”

Dessa forma, a inserção das etnociências no currículo escolar pode se tornar uma

estratégia para que os estudantes percebam os diferentes caminhos epistemológicos do

conhecimento científico e a compreensão informada e crítica “da diversidade de formas

de conhecimento construídas pela humanidade (BAPTISTA, 2007. p. 06)”. Discussões

sobre a cientificidade das etnociências são frequentes. Mesmo reconhecendo a

importância desse tema, nessa pesquisa, o ponto fundamental de interesse relaciona-se

Page 36: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

36

com as possíveis contribuições do conhecimento tradicional indígena para o processo de

aprendizagem dos sujeitos, favorecendo o desenvolvimento do espírito científico.

O enfoque etnobiológico na educação em ciências pode ser uma alternativa para

reestruturá-la, desvinculando-a dessa classificação hierárquica usual, enquanto promove

o contato com diferentes hábitos e costumes capazes de desenvolver uma interface entre

diferentes culturas. De acordo com Geilsa Baptista (2010. p. 690), a abordagem

educacional etnocientífica promove uma ampliação do universo de conhecimentos que

pode levar à compreensão e legitimação dos variados modos de interpretação dos

fenômenos naturais, propiciando aos estudantes opções de escolha em relação “àquilo

que consideram importante, e aplicar os conhecimentos que têm ao seu dispor

(científicos e/ou tradicionais) nos contextos em que julgarem necessários e/ou

apropriados.”

El-Hani (2001. p. 106) descreve a etnobiologia como o conhecimento das

pessoas e da maneira como estabelecem relações afetivas, culturais e simbólicas, com o

meio ambiente, promovendo novas e possíveis interpretações para os conceitos de seres

vivos, biodiversidade, manejo e sustentabilidade dos biomas. Isabel Carvalho (2004)

aproxima esse conhecimento dos postulados da Educação Ambiental Crítica (EAC).

Segundo essa autora, a EAC é uma alternativa para alcançar uma identidade ambiental

vinculada à sustentabilidade e ao manejo ambiental, superando o enfoque

preservacionista da Educação Ambiental difundida nos meios educacionais

contemporâneos. Outras características positivas da EAC relacionam-se com o alcance

de diversos elementos sociais e com o aprimoramento da convivência com o outro e o

ambiente natural apoiando-se uma visão alteritária do conhecimento.

A proposta de Educação Ambiental Crítica pressupõe transformações nas

atitudes dos elementos que participam do processo, o que contribui para a formação de

um sujeito ecológico.

O sujeito ecológico possui uma consciência ecológica, seja ela individual ou

coletiva, que, segundo Burnham (1993), se origina nos movimentos em defesa do meio

ambiente, fruto do reconhecimento dos direitos cidadãos de uma sociedade informada,

organizada e capaz de exigir dos órgãos governamentais ações solidárias que impeçam

novos desastres ambientais ou injustiças com etnias minoritárias que compõem a

população, apoiando-se em uma tradição democrática ainda não alcançada. Pois,

segundo essa autora, “numa sociedade com pouca tradição democrática como a nossa, a

Page 37: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

37

educação ambiental deveria contribuir para o exercício da cidadania, o sentido de

transformação social (ibid. p. 35).”.

A EAC traz em seu cerne a preocupação solidária com o ambiente, a

natureza e o ser humano enquanto elementos ativos e constituintes dos ecossistemas.

Isso permite que os educandos elaborem novas percepções sobre a natureza, em seu

entorno ou a quilômetros de distância, para a construção de uma sociedade mais

solidária e alteritária.

Conscientes desse papel na reestruturação democrática do país, os sujeitos da

educação passam a preocupar-se com o futuro ambiental de um país livre das

desigualdades sociais e capaz de aprimorar a economia fundamentada na preservação e

manejo dos recursos naturais dos quais dispõe.

Comunidades estão impregnadas de valores e crenças, elementos que orientam

suas relações ambientais e estabelecem os rumos para desenvolver uma Educação

Ambiental (EA) capaz de promover discussões necessárias à compreensão e a uma

convivência efetivamente positiva em seu meio. É importante que os sujeitos

educacionais conheçam e discutam essas crenças e valores, assumindo-se como

integrantes de uma comunidade ambiental e política definindo suas prioridades e

anseios passíveis de melhorias nessa relação com o meio ambiente, em busca de uma

identidade ambiental característica de sua sociedade.

Optar pela EAC implica desmistificá-la. Partindo dessa nova visão, a educação

ambiental deixa de ser uma vertente puramente ecológica ou naturalista e permite que

esse novo sujeito procure:

[...] compreender as relações sociedade-natureza e intervir sobre os

problemas e conflitos ambientais. [...], ou seja, um tipo de subjetividade

orientada por sensibilidades solidárias com o meio social e ambiental,

modelo para a formação de indivíduos e grupos sociais capazes de

identificar, problematizar e agir em relação às questões socioambientais,

tendo como horizonte uma ética preocupada com a justiça ambiental.

(CARVALHO, 2004. p. 18-19).

Quando a justiça ambiental se torna a principal preocupação de um grupo social,

seus elementos podem assumir posicionamento de agentes questionadores, capazes de

transformar o ambiente social em que vivem, superando a acomodação vigente em que

se aguardam resoluções de um sistema despersonalizado e pretensamente responsável

por essas importantes modificações (CARVALHO, 2004). Em outros termos, os

elementos da comunidade assumem o papel de responsáveis pelas ações que levarão a

Page 38: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

38

transformações significativas em seu mundo, incluindo, nesse processo, o meio

ambiente.

Saberes e técnicas tradicionais podem auxiliar no desenvolvimento de novas

maneiras de pensar as relações homem/natureza, Dependentes também de fatores

culturais, essas relações precisam ser repensadas construindo assim, novas visões de um

mundo diversificado, no qual flora, fauna e ser humano são interdependentes,

constituindo um meio ambiente frágil cujos alicerces apóiam-se sobre a manutenção da

biodiversidade e sobre o antagonismo entre consumo e preservação.

Temas importantes do ensino de ciências, como sustentabilidade, biodiversidade,

manejo ecológico e preservação ambiental, podem ser desenvolvidos a partir da

perspectiva etnocientífica. Os conhecimentos apoiados em etnociência podem servir de

instrumentos para a construção da alteridade indígena ao promoverem o conhecimento e

a valorização dos saberes tradicionais dentro do espaço escolar levando à identificação,

ao respeito e à solidariedade.

E se isso pode ocorrer a partir dessa ferramenta, as Tecnologias de Informação e

Comunicação – TIC - também assumem papel de destaque no universo educacional,

atuando como ferramentas que podem auxiliar na reformulação das representações

culturais e sociais a respeito dos índios.

Page 39: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

39

6. TIC E A REALIDADE INDÍGENA CONTEMPORÂNEA

As concepções veiculadas na mídia e nos livros didáticos descrevem o índio

único, antagonista do europeu e estacionado no tempo e no espaço. O índio, importante

para a formação do povo brasileiro, quase sempre é descrito no passado pelos livros.

Ocorre uma supervalorização das contribuições europeias em detrimento das demais

etnias, influenciando negativamente os estudantes a respeito dos grupos indígenas.

Permanece, então, a impressão de que os índios pertencem ao passado ou, pior ainda,

são povos inferiores (GRUPIONI, 2001. p. 17).

Ao jogar os índios no passado, os livros didáticos não preparam os alunos

para entender a presença indígena no presente e no futuro, apesar de os

meios de comunicação divulgarem cotidianamente informações acerca

dos índios de hoje.

Os meios de comunicação de massa, os softwares e a Internet podem ser

descritos como TIC. Tecnologias que, segundo Pontes (2002. p. 02), possibilitam o

acesso, a transformação e a produção de informações, além de representarem “um

suporte do desenvolvimento humano em numerosas dimensões, nomeadamente de

ordem pessoal, social, cultural, lúdica, cívica e profissional.”. O mesmo autor ainda

salienta a versatilidade dessas ferramentas, necessidade de uma atitude crítica por parte

de seus utilizadores e a sua relevância dentro do ambiente educacional.

Ainda que tecnologia e saberes tradicionais possam parecer antagônicos, frente

às atuais concepções de ciência, parte-se da proposição da utilização dessas ferramentas

como alicerces para a desconstrução dos preconceitos históricos em relação às etnias

indígenas e para a construção de uma alteridade efetivamente positiva, propondo aos

alunos informações diversas a respeito das etnias estudadas e promovendo discussões

críticas sobre os conteúdos veiculados.

Os grupos indígenas contemporâneos não se encontram à margem dos avanços

tecnológicos. Gersem Baniwa (2006. p. 91) afirma que:

É inegável o papel dos sistemas de comunicação e de informação digital

Page 40: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

40

na luta pela defesa dos direitos dos povos indígenas. Com eles, os povos

indígenas cada vez mais estão superando a invisibilidade social, principal

causa da ignorância, do preconceito e da discriminação. O processo de

apropriação das tecnologias e de outros conhecimentos próprios da

modernidade está possibilitando que esses povos reorientem e planejem

seus futuros, reafirmando e fortalecendo os seus próprios conhecimentos.

As novas tecnologias, dessa forma, não só colaboram para a inserção das etnias

indígenas no contexto das sociedades atuais. Podem aproximá-las temporal e

geograficamente da realidade dos estudantes, promovendo fatores que facilitam a

identificação e a compreensão de suas práticas culturais.

Atualmente, as mídias fazem parte do cotidiano pedagógico. Recursos

digitais permitem acessar, em tempo real, informações sobre as diversas etnias

indígenas distribuídas pelo território brasileiro, possibilitando análises detalhadas de

ambientes naturais e transformados (FLORENZANO, 2011).

Parte considerável do conhecimento empírico, que se constitui obstáculo

epistemológico, advém do conhecimento tecnológico, de informações impressas ou

veiculadas pela mídia digital e que determinam a construção de um saber equivocado

em relação aos temas abordados em aula. Em contrapartida, a utilização de recursos de

alta tecnologia para reestruturação de saberes pré-organizados permite despertar maior

interesse nos educandos, levando-os a interpretar esses conhecimentos prévios por

outras vertentes que não a visão intencional do meio de comunicação que lhes forneceu

os conhecimentos iniciais.

José Adauto Junior, Cláudio Dantas e Francisco Nobre (2010. p. 23) salientam a

contribuição das “novas tecnologias de informação e comunicação” para a

aprendizagem significativa, relatando como pontos principais: seu caráter motivador,

sua presença na vida dos educandos e a possibilidade de contextualização dos conteúdos

abordados. Afirmam ainda que:

O enfoque CTS na prática de ensino [...]. poderá ser o fio condutor entre

o conhecimento científico presente nos livros didáticos e o resultado da

produção científica, tão presente no modo de viver dos alunos. Neste

ínterim os estudantes poderão se tornar ativos e responsáveis ao serem

instigados a participarem de assuntos que estejam relacionados com seu

dia-a-dia.

Planos de incentivo ao Ensino Fundamental permitiram a instalação de recursos

midiáticos nas escolas. Televisões, projetor digital e laboratório de informática existem

Page 41: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

41

na escola e enriquecem os processos de ensino e aprendizagem vencendo barreiras

geográficas.

Assim, além de seu caráter motivador, a utilização de técnicas de sensoriamento

remoto, por meio de imagens de satélite, permite aos alunos a visualização sinóptica,

com relativa fidelidade, de aspectos ambientais característicos das regiões e biomas

brasileiros distantes e que, por outras vias de conhecimento, dificilmente se mostrariam

tão enriquecedores.

Florenzano (2011. p. 09) define sensoriamento remoto como uma “tecnologia

que permite obter imagens – e outros tipos de dados – da superfície terrestre, por meio

da captação e do registro da energia refletida ou emitida pela superfície”.

Lahm (2000) descreve essa técnica como um mecanismo de obtenção de dados e

informações a respeito de características da superfície terrestre com as quais não temos

contato físico. Vânia Santos (2002) define o potencial educativo dessa tecnologia e seus

produtos quando afirma que “apresentam-se como recurso para o processo de

discussão/construção de conceitos pelos alunos (p. 12-6)”.

Os alunos acessaram imagens de alta definição disponíveis no software Google

EarthTM

e descrito por Rosa, Santos Junior e Lahm (2007. p. 29) como:

[...] um software que utiliza imagens orbitais de diferentes sensores com

diferentes resoluções espaciais. [...] Dentre os sensores usados pelo

Google Earth™, pode-se citar, como principais, o Digital Globe e o Terra Metrics que, por sua vez, podem proporcionar uma resolução que varia

entre 2,4 metros, 70 e 60 centímetros, conferindo desse modo, uma

imagem com grande nível de detalhes.

“Saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para

adquirir e construir conhecimentos” (BRASIL, 1998. p. 8) é um dos objetivos propostos

para o ensino Fundamental pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, no ensino de

ciências. E a utilização do sensoriamento remoto como prática pedagógica é uma das

alternativas que possibilitam atingi-lo.

O funcionamento do sensoriamento remoto é caracterizado por reflexão

e emissão de energia pela superfície terrestre, energia esta captada por

sensores eletrônicos instalados em satélites artificiais. Ela é então

transformada em sinais elétricos que são transmitidos para as estações

de recepção na Terra e, posteriormente, usadas para a geração de

gráficos e imagens. (PETRY, LIMA E LAHM, 2012. p. 434).

Page 42: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

42

Tais imagens permitem o contato com paisagens desconhecidas, atualizadas e,

muitas vezes, ausentes nos livros didáticos. O sensoriamento remoto, assim, torna-se

uma ferramenta didática diversificada e dinâmica capaz de incentivar discussões

impensadas se a única fonte de informação fosse o livro didático.

Petry et. al. (2012) citam o caráter inovador, estimulante e mediador dessa

técnica como relevantes para ampliar os horizontes dos elementos que participam do

processo ensino-aprendizagem e para contribuir na formação de cidadãos conscientes e

responsáveis pelo ambiente.

Se considerarmos o trabalho desenvolvido na presente pesquisa, o sensoriamento

remoto assume muita importância, pois permite a visualização de locais onde vivem as

atuais etnias indígenas brasileiras, a análise do espaço geográfico de aldeias indígenas e

o impacto ambiental que possam ter sofrido nos últimos anos. Permite, ainda, o contato

com imagens históricas para comparação com esses aspectos detectados durante a

visualização.

Um dos aspectos mais importantes referentes às pesquisas científicas é a

metodologia que se aplica para seu desenvolvimento. O próximo capítulo situa a

presente investigação em um contexto metodológico, fundamentando as abordagens e

metodologias de análise das informações obtidas no contexto do desenvolvimento deste

trabalho.

Page 43: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

43

7. METODOLOGIA DA PESQUISA

A metodologia é fator de suma importância dentro de uma pesquisa científica, é

ela que define os caminhos a serem percorridos ao longo da investigação e rege as ações

do pesquisador.

Nesse capítulo, são descritos o delineamento e abordagens dessa pesquisa;

caracteriza-se o contexto e os sujeitos da investigação e, por fim, descrevem-se os

instrumentos e procedimentos de coleta dos dados coletados durante o trabalho

pedagógico.

7.1 Delineamento e abordagens da pesquisa

Pesquisas científicas podem ter abordagens qualitativas ou quantitativas. A

grosso modo, as abordagens hard, que se apóiam em dados numéricos, quantificáveis e

estatísticos, são definidas como quantitativas, enquanto as abordagens soft, derivadas de

um enfoque mais hermenêutico, textual, subjetivo e interpessoal, são classificadas como

qualitativas.

Buscando definir a abordagem da presente pesquisa, é possível apoiar-se no

paradigma que melhor represente as ações de pesquisa. A busca pelo estabelecimento de

uma relação mútua, integrada e de confiança entre pesquisador e sujeitos de pesquisa, a

consideração dos valores como “constituintes intrínsecos de todo o processo de

pesquisa, superando-se a ideia de neutralidade” e a busca pela localização ecológica do

sujeito em seu contexto social (MORAES, 2006) definem, claramente, esse trabalho

como apoiado no paradigma pós-positivista. Consequentemente são destacados os

aspectos qualitativos nessa investigação, quais sejam: imersão do pesquisador no

contexto de pesquisa, o ambiente natural como fonte direta dos dados, interesse maior

no processo e não nos resultados, análise indutiva dos dados, investigação descritiva e,

por fim, busca de compreensão do significado que os sujeitos de pesquisa atribuem às

Page 44: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

44

atividades propostas para reconstruir suas concepções em relação ao tema (BOGDAN;

BIKLEN, 2006).

Moraes (2006) descreve as possíveis abordagens de pesquisa segundo a filosofia,

as concepções de realidade e os paradigmas nos quais se apóiam. Dentre elas, cita a

abordagem naturalístico-construtiva como uma abordagem que “pretende chegar à

compreensão dos fenômenos que investiga examinando-os no próprio contexto em que

ocorrem”, “assume uma realidade construída pelos sujeitos” e “valoriza os

conhecimentos tácitos dos envolvidos, sejam participantes, seja o próprio pesquisador

[...]”, características que norteiam a investigação desse trabalho de pesquisa e, portanto,

permitem classificá-lo como uma abordagem predominantemente qualitativa.

Ao longo do trabalho desenvolvido e da análise das informações obtidas, foram

detectadas algumas importantes características de ordem quantitativa nas representações

gráficas dos alunos. Assim, optou-se por apresentar também, na discussão dos

resultados, uma abordagem quantitativa que descrevesse essas variações mais

sinteticamente.

7.2. Estudo de Caso

Marli André (1984) define o Estudo de Caso como uma forma particular de

estudo em uma instância específica, que pretende “retratar o idiossincrático e o

particular como legítimos em si mesmos” (p. 51-52). A partir dessa definição, torna-se

possível identificar alguns aspectos desta proposta de pesquisa como pertinentes a um

estudo de caso, pois o desenvolvimento da mesma ocorrerá em uma turma específica de

uma escola, analisando as concepções dos sujeitos sobre um tema de relevância social e

como esses sujeitos se apropriam de novas informações para reconstruir um

conhecimento elaborado ao longo de suas vidas escolares.

Segundo Yin (2005), um Estudo de Caso aplica-se à investigação “[...] de

fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real” (p. 19),

definição que reforça a escolha dessa estratégia, pois, a pesquisa foi desenvolvida por

meio da proposição de atividades que levassem a discussões sobre aspectos

socioculturais contemporâneos da população indígena no território brasileiro;

intimamente relacionadas com temáticas cotidianas dos sujeitos de pesquisa.

Page 45: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

45

Como se buscou retratar a realidade de forma profunda, complexa e

contextualizada enfatizando a análise da evolução do processo de construção do

conhecimento empreendido pelos educandos na reformulação de preconceitos

elaborados em sua trajetória escolar. Esse enfoque de pesquisa ajusta-se às

características apontadas por Fiorentini e Lorenzato (2006) para descrever a

metodologia de Estudo de Caso.

O Estudo de Caso é uma Metodologia de pesquisa inserida em um contexto

específico, nos capítulos seguintes, são descritos os aspectos determinantes do grupo de

sujeitos e suas produções.

7.3. Contexto e sujeitos da pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida ao longo do ano letivo de 2011, como parte

constituinte do planejamento curricular da turma de sétimo ano do Ensino Fundamental

em uma escola da rede municipal de ensino de Gravataí, no estado do Rio Grande do

Sul. O currículo, elaborado quando o ano letivo teve início, previa o estudo dos seres

vivos, de suas relações ecológicas, de práticas sustentáveis e manejo ambiental,

aplicados aos biomas brasileiros.

Os sujeitos de pesquisa constituíam uma turma heterogênea, na faixa

etária de 11-15 anos, formada por vinte e um indivíduos do sexo feminino e quinze

indivíduos do sexo masculino. Caracterizavam-se pela agitação, afetividade e alegria

constantes. Eram abertos a inovações e participativos, preferindo atividades pouco

tradicionais e diferenciadas. Essas características provocavam, em alguns componentes

curriculares, baixo rendimento escolar e, por isso, influenciaram na escolha do grupo

para o desenvolvimento dessa pesquisa.

A identidade dos sujeitos de pesquisa foi preservada, pois cada elemento

escolheu para si um nome de origem indígena – Anexo B - a partir de uma lista com

quarenta nomes e seus respectivos significados, selecionados pelo grupo na Internet

(FOCALIZA ISSO!), cada sujeito optou pelo pseudônimo com o qual se identificava.

Com o intuito de preservar a autenticidade de suas produções textuais,

foram feitas algumas correções de ordem ortográficas e gramaticais em respeito aos

sujeitos.

Page 46: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

46

7.4. Instrumentos e procedimentos de coleta de dados

A Comunicação é um fator relevante para a metodologia de pesquisa

qualitativa. Considerando o meio em que ela é desenvolvida e a característica interativa

que a estabelece, é importante fazer uma distinção sobre a qualidade dos dados que se

pretende coletar (BAUER; GASKELL, 2004).

Os dados sociais podem ser definidos como formais ou informais (op. cit.,

2004). Para a presente investigação deu-se prioridade à comunicação informal que, na

descrição de Bauer e Gaskell (2004. p. 21)

“[...] possui poucas regras explícitas: as pessoas podem falar, desenhar ou

cantar do modo que queiram. O fato de haver poucas regras explícitas não

significa que não existam regras, e pode acontecer que o foco central da

pesquisa social seja desvelar a ordem oculta do mundo informal da vida

cotidiana.”.

Essa descrição incorre num aspecto fundamental do desenvolvimento da

investigação, o fato de que se pretendia, desde o início, avaliar as produções textuais e

imagens dos educandos considerando a motivação que possuíam para descrever seu

processo de aprendizagem e a reconstrução de conhecimentos, sem a imposição de

regras de competência acadêmicas. Acreditava-se que ao longo do trabalho os sujeitos

permaneceriam em uma zona de conforto que lhes possibilitaria representar seus

verdadeiros sentimentos em relação ao tema pesquisado. Foram priorizados, então, os

dados informais de comunicação: desenhos, registro de falas e ações, textos e outras

representações espontâneas capazes de explicitar fidedignamente a reelaboração de

concepções construídas em suas vivências escolares.

Marli André (2006. p. 22) identifica o incremento na associação de diferentes

métodos de coleta de dados a partir de 2002, quando:

[...] muitos pesquisadores passaram a combinar técnicas de coleta, como,

por exemplo, a entrevista e a análise documental, a entrevista e o

questionário, entrevista, questionário e documento, indicando que uma

única fonte de dados não dá conta da análise das complexas

problemáticas educacionais.

Page 47: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

47

Houve constatação dessa realidade ao iniciar-se a presente pesquisa, em que

ações e falas dos educandos não conferiam com suas produções escritas, que algumas

vezes eram, inclusive, antagônicas. Isso desencadeou a necessidade de utilização dos

métodos combinados de coleta e análise. Assim, foram utilizados como instrumentos de

coleta de dados: diário de campo da autora, questionários, produções textuais, desenhos,

cartazes e maquetes elaborados pelos alunos no desenvolvimento do projeto, que

permitissem o acompanhamento dos processos mentais elaborados para reconstruir suas

concepções sobre cultura indígena e educação ambiental, à medida que as atividades

iam sendo propostas.

Zabalza (2004. p. 18), ao afirmar que “[...] o diário cumpre um papel importante

como elemento de expressão de vivências e emoções”, dimensiona a importância desse

instrumento para a pesquisa qualitativa, em que as impressões e vivências, tanto do

pesquisador quanto dos pesquisados, são relatados à medida que ocorrem ao longo do

processo investigativo.

Bogdan e Biklen (2006. p. 150) definem o diário de notas como: “[...] o relato

escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e

refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”, salientando a necessidade de

reflexão posterior e criteriosa a respeito do que foi registrado em campo, pois, durante o

desenvolvimento das atividades pedagógicas, falas e ações podem ser mais expressivas

que os relatos descritos em instrumentos de coleta de dados tradicionais, como, por

exemplo, questionários e produções textuais.

Para Marconi e Lakatos (2003. p. 184), “o questionário é um instrumento de

coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser

respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador.” A ausência de proximidade

do entrevistador propicia um menor risco de distorção no conteúdo de respostas.

Günther (2003. p. 02), ao afirmar que “o questionário pode ser administrado em

interação pessoal - em forma de entrevista pessoal ou por telefone.”, estabelece a

possibilidade de manutenção da proximidade do pesquisador, sem que essa interfira na

credibilidade do instrumento. Independente da proximidade do pesquisador, o

questionário é “uma técnica de investigação composta por um número mais ou menos

elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo a

verificação de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações

vivenciadas.” (GIL, 1999. p. 128).

Page 48: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

48

A preparação de um questionário deve considerar o tipo de perguntas a serem

empreendidas, formulando as mais adequadas aos objetivos de pesquisa. Assim, na

elaboração do questionário investigativo, houve a preocupação em formular questões

abertas, que incentivassem os alunos a responderem de forma livre, usando linguagem

própria, para descreverem suas opiniões a respeito dos conteúdos e atividades propostas

em aula. Algumas questões também tinham como objetivo estimular os alunos a

construírem pequenos textos descrevendo a realidade e as concepções que estavam

sendo reconstruídas ao longo da investigação.

No contexto escolar, perguntas e respostas permitem a investigação diagnóstica

do processo de ensino e aprendizagem e, por isso, são consideradas como de suma

importância para a aferição dos dados investigados. Ainda considerando o contexto

escolar do trabalho, questionários foram elaborados de modo que as perguntas

pudessem ser distribuídas e modificadas conforme o andamento da pesquisa, buscando

diagnosticar os conhecimentos, as concepções dos alunos e as variações que

apresentavam no decorrer das atividades pedagógicas.

“Entendeu ou quer que desenhe?” A pergunta, corriqueira e utilizada no

cotidiano das pessoas para representar um contexto no qual o espectador não

compreendeu a explicação do interlocutor, aplica-se às ideias que levaram a autora a

utilizar desenhos dos alunos como um dos dados de pesquisa.

Desde os primórdios da civilização humana, desenhos – pinturas ruprestes,

hieróglifos egípcios, glifos incas e astecas, e outros - são um importante recurso de

comunicação.

Luciane Goldberg et. al. (2005. p. 102) ressaltam a relevância das representações

gráficas para a criança ao afirmarem que:

O desenho é um importante meio de comunicação e representação da

criança e apresenta-se como uma atividade fundamental, pois a partir dele

a criança expressa e reflete suas ideias, sentimentos, percepções e

descobertas. Para a criança o desenho é muito importante, é seu mundo, é

sua forma de transformá-lo, é seu meio de comunicação mais precioso.

Nele estão muitos de seus medos, de suas vontades, de suas carências e de

suas realizações.

Em relação ao meio ambiente essa forma de comunicação se estabelece mais

intrinsecamente, pois, ao representá-lo, a criança demonstra seus anseios, expectativas e

compreensão do que aprendeu. A criança, em seu desenho, representa não só o que vê,

mas também o que conhece (RAMIRES; GUIMARÃES, 2004).

Page 49: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

49

Para Gan (2007), as crianças têm a capacidade de utilizar desenhos para

representar suas ideias, percepções e compreensões de conceitos científicos, contudo,

esse recurso de avaliação é pouco utilizado pelos educadores em detrimento da

linguagem escrita.

È possível situar os sujeitos de pesquisa em duas etapas do desenvolvimento

gráfico de Luquet (SCHWARZ et. al., 2007. p. 371): “realismo intelectual” e “realismo

visual”. Em ambas a criança ou pré-adolescente representa em seus desenhos o que

sabe, e não somente o que vê. Na primeira etapa ocorre uma mistura de perspectivas e

pontos de vista que ainda o distanciam de um desenho adulto. Na segunda etapa, a

perspectiva aproxima a representação de um olhar mais adulto, o que pode levar ao

empobrecimento do desenho e a uma aproximação à pseudo-criteriosidade das palavras.

Ressalta-se que tais etapas são referenciais, pois, podem sobrepor-se em função do

desenvolvimento gráfico e/ou cognitivo do aluno.

Giordan e Vecchi (1996) descrevem as representações gráficas como mais

fidedignas aos pensamentos que as representações escritas ou faladas, pois essas, muitas

vezes, encontram-se mascaradas pela resposta que os alunos consideram como

adequada ao que o professor quer ouvir; enquanto aquelas não sofrem esse tipo de

censura inconsciente do entrevistado.

Entretanto, ilustrações podem ser consideradas expressões de uma linguagem

universal cuja compreensão é independente dos saberes acadêmicos e formais de seus

autores ou leitores. Figuras, usualmente são utilizadas para explicar de outra forma um

tema que não foi bem compreendido pelos espectadores. A mídia escrita apresenta

textos multimodais para melhor explicarem uma reportagem e, assim, atraem mais

leitores por sua facilidade de interpretação.

Apropriando-se dessa concepção dos autores, optou-se por solicitar desenhos,

maquetes e cartazes aos alunos para que, por meio de um estudo semiótico, se torne

possível desvendar o significado subliminar presente numa representação por imagens,

ditada pelos conceitos internos dos sujeitos de pesquisa e capazes de representar

concepções elaboradas que sofrem censura pessoal em outras formas de coletas de

dados.

Os desenhos foram solicitados ao final de cada atividade desenvolvida,

produzindo um total de noventa e sete exemplares representativos da evolução das

concepções dos sujeitos ao longo do projeto investigativo. Dessa totalidade, foram

selecionadas, para anexar nesse trabalho, as imagens que resumiam concepções

Page 50: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

50

apresentadas pela maioria dos sujeitos, as mais significativas de reformulações dos

estereótipos e as mais relevantes em relação aos temas propostos ao longo da pesquisa.

A análise de dados visuais em pesquisa qualitativa tem sido pouco utilizada nos

meios científicos. Geralmente, restringe-se ao estudo de imagens publicitárias,

midiáticas ou didáticas, elaboradas por profissionais, buscando identificar conceitos

culturais a serem reforçados ou estabelecidos na sociedade, em relação às ciências.

Entretanto, nessa pesquisa, se optou por essa prática, procurando identificar

representações dos alunos que descreviam e traziam à tona suas concepções, muitas

vezes não expressadas verbalmente ou por escrito, veladas pela autocrítica desses

sujeitos da pesquisa.

A análise meticulosa, associada às falas registradas no diário da autora e aos

relatos escritos dos educandos, permitiu a identificação das concepções mais arraigadas

e das modificações conceituais que ocorreram ao longo do processo de aquisição e

construção do conhecimento sobre o tema.

O longo período de investigação e o fato da mesma ocorrer em concomitância

com o ano letivo, produzindo, assim, avaliações e trabalhos pedagógicos que também

foram utilizados como dados, acarretou uma profusão de elementos a analisar. Para que

a análise ocorresse de modo adequado, a metodologia precisou constar de uma criteriosa

organização do material, classificando-o segundo sua forma e conteúdo e permitindo,

assim, a seleção para análise das informações e resultados nelas expostos.

Registros dos momentos de observação participativa, respostas escritas aos

questionários propostos e produções textuais dos sujeitos de pesquisa foram analisados

mediante a “Análise Textual Discursiva”, proposta por Moraes e Galiazzi (2007), na

qual, segundo Roque Moraes (2006), a construção do processo interpretativo de dados

escritos pode ser concebida como:

Construção de um quebra-cabeça em que o objeto do jogo e suas peças

são criadas e ajustadas à proporção que a pesquisa avança. Numa

perspectiva mais radicalmente qualitativa, talvez uma metáfora melhor

seja a criação de um mosaico, entendendo-se que o mesmo conjunto de

unidades de sentido pode dar origem a uma diversidade de modos de

organização do produto final.

Esse “quebra-cabeça” resulta do desmonte de textos escritos elaborados durante

a investigação. O conjunto desses elementos constitui-se no corpus de pesquisa a ser

analisado, segundo as orientações de Moraes e Galiazzi (2007). Os autores descrevem

uma metodologia de análise de dados que parte da desmontagem de textos individuais,

Page 51: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

51

selecionando unidades de significado específicas, que representam as ideias

fundamentais do texto original.

A leitura de um texto está impregnada pelas concepções do leitor, mesmo

apresentando duas possíveis formas de interpretações: a denotativa – explícita e

facilmente compreendida pela maioria dos leitores – ou a conotativa – implícita e

compartilhada por alguns leitores. Assim, os textos podem ser considerados

significantes de pensamentos individuais que, ao serem analisados, sofrem variações

provocadas pelos conhecimentos e fundamentações teóricas do leitor. O pesquisador, ao

fragmentar o texto, foca sua atenção em detalhes que considere importantes e

pertinentes aos propósitos da pesquisa.

Na segunda etapa desse processo, denominada pelos autores como

categorização, reagrupa-se as unidades de significado em categorias mais amplas após

estabelecer relações de semelhanças quanto ao seu significado para o autor e a

investigação. Mais do que apenas classificar, nessa etapa o analista aprimora sua

interpretação nomeando as categorias e tornando-as mais abrangentes, construindo,

dessa forma, um novo texto, criativo e inédito, com significação diversa dos textos que

formavam o corpus de análise.

As categorias podem ser definidas como: a priori, elaboradas pelo método

dedutivo, quando são estabelecidas antes do exame textual e fundamentam-se na teoria

da pesquisa; ou consideradas emergentes por surgirem a partir do trabalho com os

textos, e nesse caso o método utilizado é o indutivo. É possível, também, definir-se uma

metodologia mista, na qual categorias que emergem ao longo da análise são

acrescentadas às escolhidas previamente com base nos pressupostos teóricos que regem

o estudo. Descreve-se, ainda, o método intuitivo, resultante da auto-organização do

pesquisador e de seu envolvimento íntimo com os fenômenos examinados. Esse método

pretende romper com a racionalidade linear dos outros dois e possibilita as criações

mais originais, ligadas aos fenômenos de pesquisa.

A terceira e derradeira etapa desse processo de análise constitui-se na

identificação do novo significado que emerge dessa construção classificativa. Nesse

momento, o pesquisador encontra-se imerso nas concepções dos sujeitos de pesquisa e

dialoga com as categorias, argumenta, interpreta, valoriza e critica os aspectos

selecionados, elaborando um texto pessoal que mescla seus conhecimentos aos do grupo

de pesquisa. Completamente diversa do corpus original, essa criação, derivada da

característica auto-organizadora desse processo, transforma-se em um metatexto que

Page 52: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

52

proporciona uma nova compreensão válida segundo os pressupostos teóricos que

fundamentam a pesquisa.

Após exaustiva busca por uma metodologia de análise de dados visuais optou-se

pela análise semiótica proposta por Barthes (1971), pela similaridade de procedimentos

que apresenta com a “Análise textual discursiva”.

Santaella (2007. p. 13) define a semiótica como:

[...] a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens

possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de

constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção

de significação e de sentido.

Barthes (1971) explica que a semiologia é o estudo linguístico das “grandes

unidades de significação” representadas por signos que estabelecem relações entre os

diversos elementos que constituem uma informação. Analisar uma imagem

considerando apenas os signos – elementos - representados reduziria o potencial dessa

análise, associando sua interpretação, obrigatoriamente, à língua escrita ou falada. Uma

característica da imagem é sua ambiguidade, derivada do contexto idiossincrático em

que foi elaborada. O texto explicativo estabelece uma relação entre ambas as

representações que contribuem para a compreensão do sentido completo a ser

estabelecido pela imagem, relação recíproca que Barthes chama de revezamento.

A semiologia também considera um importante fator para a análise de imagens:

enquanto os signos da linguagem falada ou escrita são sequenciais, os da imagem estão

presentes de forma simultânea, representando relações espaciais entre si, e não

temporais (BAUER; GASKELL, 2004).

Os signos não existem por si só, são compostos de significantes e significados

(BARTHES, 1971. p. 43) que constituem reciprocamente os planos de expressão e

conteúdo, interpretados pelo sujeito que analisa de acordo com suas experiências

pessoais e o contexto em que se insere. A análise semiótica proposta por Barthes

consiste em estabelecer relações de primeira e segunda ordem entre os elementos que

constituem uma representação visual. A imagem que, em primeira ordem, expressa uma

imagem ou elemento real, de interesse do autor, em segunda ordem passa a representar

conceitos com os quais se relaciona convencional ou culturalmente.

A análise de primeira ordem – denotativa - relaciona significante e significado

diretamente ao aspecto real do signo. Não é superficial, pois interpreta o signo

considerando suas características e representatividade para o autor. Uma análise de

Page 53: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

53

sistema de segunda ordem – conotativa - acrescenta, num plano mais complexo,

interpretações nas dimensões culturais e convencionais, dependentes dos léxicos: “uma

porção do plano simbólico (da linguagem) que corresponde a um conjunto de práticas e

técnicas [...], pode ser prático, racional, cultural ou estético, e pode ser classificado”

(BARTHES citado por BAUER; GASKELL, 2004. p. 324). A interpretação de uma

imagem relaciona-se intimamente com os léxicos particulares do leitor, o sentido que se

dará aos componentes representados depende de seus conhecimentos socioculturais.

Um cuidado especial deve ser tomado quando da análise de figuras em que

aparecem mitos, pois esse é um mecanismo que permite a uma cultura naturalizar suas

normas e ideologias, legitimando as estruturas de poder ou seus valores particulares.

Cabe ao pesquisador a tarefa de desmistificar o processo de naturalização elaborado

pelo mito e que se encontra subsumido numa imagem cuja interpretação conotativa dos

elementos representados pode levar à observância dos aspectos culturais que a

envolvem (BAUER; GASKELL, 2004). Uma imagem repetida inúmeras vezes, como,

por exemplo, a do índio “bom selvagem”, legitima a interpretação cultural e equivocada

do índio ingênuo desprovido de conhecimentos e práticas relacionadas ao homem

branco – cultura europeia ou urbana – e, portanto, transforma-o em um elemento cuja

inserção no contexto sociocultural moderno torna-se impraticável, perpetuando as

relações de poder construídas durante o período colonial brasileiro.

Bauer e Gaskell (2004. p. 325) alertam: “O processo de análise pode ser descrito

como uma dissecação seguida pela articulação ou a reconstrução semantizada [...]. O

objetivo é tornar explícitos os conhecimentos culturais necessários para que o leitor

compreenda a imagem”.

Como ocorre na “Análise Textual Discursiva”, as etapas para empreender uma

análise semiótica iniciam com a construção do corpus de pesquisa, selecionando-se os

desenhos a serem analisados, segundo os objetivos de estudo.

Na etapa seguinte, se faz um inventário denotativo, isolando-se os signos

representados na imagem e anotando-se cuidadosamente todos os detalhes visíveis

relacionados aos elementos, inclusive o fundo deve ser descrito e avaliado.

Na terceira etapa busca-se interpretar os significados mais complexos - segunda

ordem e mitos – construindo-os a partir do inventário denotativo. Utilizando-se de

perguntas que desvendem o sentido conotativo de cada elemento, o investigador registra

e descreve significados socioculturais passíveis de serem relacionados a cada signo,

identificados na segunda etapa. Paradigmas e sintagmas se complementam, permitindo

Page 54: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

54

que novas interpretações sejam feitas, acrescentando-se conhecimentos culturais que

permitam o desenvolvimento de uma teoria interpretativa capaz de explicar as

concepções do autor quando da elaboração da imagem.

O próximo estágio consiste na elaboração de um esquema em que todas as

relações entre os signos encontrem-se representadas, conferindo se todas as

reciprocidades foram consideradas. Nesse momento ocorre a identificação de conceitos

estabelecidos em relação à etnia: preconceitos, representações pessoais e mitos que se

encontram latentes, não sendo explicitados diretamente pelos educandos.

A última etapa caracteriza-se pela apresentação dos resultados da análise.

Alguns se utilizam de tabelas, outros, de narrativas. Em ambos os casos, a referência de

cada nível – denotação/conotação/mito – precisa estar identificada, bem como o

conhecimento cultural exigido para a produção da leitura interpretativa. No relatório

também é importante que estejam descritas as relações existentes entre os signos, os

significantes e as relações sintagmáticas.

Um relatório de análise semiótico pode ser bastante prolixo. Em geral, consta de

um parágrafo longo ou até várias páginas que descrevam criteriosamente todos os

significados identificados ao longo de um processo que se retroalimenta. Cada novo

leitor pode acrescentar novos significados aos elementos que compõem uma ilustração,

pois esse processo é essencialmente subjetivo e alicerçado em conhecimentos culturais

particulares.

A interpretação das representações gráficas torna-se mais rica e esclarecedora

quando associada à análise textual discursiva dos textos elaborados pelos educandos e

ao contexto descrito no diário de campo.

Os desenhos apresentam de modo sintético os resultados da pesquisa

bibliográfica desenvolvida pelos educandos, notícias veiculadas nos meios de

informação de massa, momentos e fatos observados pelos sujeitos nas imagens orbitais

e visitações.

Para Bauer e Gaskell (2004) entrevistas e a análise de conteúdo podem ser

definidas como sistemas complementares do estudo semiótico. Poderão auxiliar na

compreensão dos signos representados e dos significados que o educando inseriu no

desenho de forma inconsciente e influenciado por seus conhecimentos socioculturais.

Perguntas gerais, abertas e que levem o autor da imagem a dissertar sobre o

conteúdo representado podem ser melhores recursos que perguntas excludentes

passíveis de induzir a uma interpretação repetitiva.

Page 55: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

55

A análise textual discursiva, por suas características intrínsecas já citadas,

assume papel importante quando da elaboração do inventário denotativo.

Assim, segundo Bauer e Gaskell (2004), falas, ações, relatos e desenhos se

complementam provocando a emergência de categorias para análise que melhor

explicitam o caminho a ser seguido na discussão dos dados. Detectam conceitos

reformulados, presentes no discurso e caracterizam a construção de novos

conhecimentos. Ou podem ser afetados pelos obstáculos epistemológicos construídos na

escola, provocando a permanência dos conceitos consolidados em detrimento das

informações coletadas e discutidas ao longo do trabalho (GIORDAN; VECCHI, 1996).

Page 56: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

56

PARTE II:

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Page 57: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

57

8. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As atividades desenvolvidas em sala de aula propiciaram momentos de reflexão

dos alunos e da pesquisadora, a respeito das concepções vigentes sobre as etnias

indígenas modernas brasileiras na sociedade. Propostas em sequência ao longo do ano

letivo resultaram de uma solicitação dos sujeitos para que se continuasse com o tema,

mesmo após o término do projeto interdisciplinar original.

Os capítulos reunidos nesta parte da dissertação discutem os resultados obtidos

ao longo da pesquisa. Esses capítulos correspondem às categorias que emergiram

durante a análise textual discursiva dos registros no diário de campo e do material

produzido pelos educandos.

A primeira atividade pertencia ao projeto interdisciplinar sobre o Dia do Índio,

relacionava-se com a seleção das diversas etnias a serem trabalhadas por grupos e tinha

como objetivos conhecer o bioma habitado e a cultura específica, bem como coletar,

comparar e discutir informações sobre a diversidade cultural de cada uma delas,

questionando a representação de índio genérico. Descrita no primeiro capítulo, promove

a discussão das concepções prévias do grupo em relação às etnias indígenas

pesquisadas, a influência da mídia para a manutenção e/ou reformulação do conceito de

índio genérico e algumas contribuições do sensoriamento remoto para a desconstrução

desses conceitos.

A atividade seguinte consistia na leitura de textos, referentes à etnobotânica,

extraídos do livro Suma etnológica brasileira (RIBEIRO, 1986). Tal atividade teve

como objetivos a crítica da visão utilitarista e antropocêntrica dos recursos florísticos,

além da compreensão das relações míticas empreendidas pelos indígenas com os

elementos da natureza.

A proposição posterior, apoiada em dados etnozoográficos, complementava os

objetivos da segunda atividade e introduzia os conhecimentos pertinentes às

classificações taxonômicas lineenses, comparando-os com a etnotaxonomia. Ambas as

propostas de trabalho investigativo buscavam a compreensão da biodiversidade de fauna

e flora brasileiras.

Page 58: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

58

A quarta atividade, uma saída de campo, visava à inserção dos sujeitos da

pesquisa no contexto de uma aldeia indígena moderna, proporcionando momentos de

interação e diálogo com representantes da etnia Kaingang e conhecimento in loco das

práticas indígenas desse grupo étnico.

Os resultados das três atividades citadas acima são discutidos no capítulo

seguinte.

A atividade conclusiva tinha por objetivo a análise dos conceitos ecológicos de

manejo, sustentabilidade e utilização de recursos energéticos. Abordava a polêmica da

construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, um tema que invadiu redes sociais,

mídias e imprensa na época do desenvolvimento da pesquisa, e os possíveis impactos

ambientais e sociais provocados pelo empreendimento.

O último capítulo discute as contribuições dessa atividade para a identificação,

análise e reconhecimento de biomas nacionais e reformulações representativas das etnias

indígenas brasileiras contemporâneas, fato utilizado como ferramenta de avaliação geral

do processo desenvolvido ao longo do ano letivo.

Cada um dos capítulos apresenta a análise semiótica dos desenhos coletados e as

contribuições do ensino de ciências para o desenvolvimento da alteridade em relação às

etnias indígenas brasileiras modernas.

A descrição e interpretação das representações escolares/culturais apresentadas

pelos sujeitos de pesquisa também permite identificar a construção do processo de

aprendizagem mediado pelos conhecimentos tradicionais dos povos nativos.

Os capítulos seguintes constituem-se de algumas considerações importantes,

derivadas da análise das discussões aqui empreendidas e da listagem de referenciais

bibliográficos que fundamentaram o desenvolvimento desse trabalho.

Page 59: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

59

9. CIÊNCIA E TECNOLOGIA VENCENDO PRECONCEITOS E

REFORMULANDO REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A proposição da temática indígena para o desenvolvimento das aulas de ciências

enfrentou, inicialmente, resistência do grupo de alunos. Cauã, Abati, Iaramaia e Yara

uniram-se para indagar: O que índio tem a ver com ciências? Uma dúvida que não se

mostra exclusiva desse pequeno grupo, mas compartilhada por muitos colegas, pais e

professores, fundamenta-se basicamente em dois pontos: a ciência é europeia e futurista,

o índio é história e passado.

Perspectivas dicotômicas que traçam caminhos opostos para a educação na

diversidade. Aracy Lopes da Silva, já em 1995, propunha a abordagem da temática

indígena nas escolas como a “afirmação da possibilidade e a análise das condições

necessárias para o convívio construtivo entre segmentos diferenciados da população

brasileira, visto como processo marcado pelo conhecimento mútuo, pela aceitação das

diferenças, pelo diálogo.” (p. 15). Entretanto, a aceitação das diferenças pressupõe o

conhecimento profundo, a identificação e o reconhecimento dessas, como fatores de

evolução pessoal e sociocultural (SILVA, 2000).

A Ciência é eurocêntrica e hegemônica, apóia em conhecimentos ditos modernos

e refuta qualquer tentativa de aproximação com saberes e técnicas que divergem desse

paradigma (CAMPOS, 2005). Associada a experiências futuristas, é comumente

relacionada à ficção científica e a previsões de um futuro catastrófico próximo ou

distante. Um contexto cultural e institucional perpetuado pelo ensino de ciências desde

os primeiros anos escolares, que não abre espaço para o conhecimento de outras

civilizações.

Para Gaston Bachelard (1996), a aprendizagem só é construída a partir da

ruptura com o saber consolidado pelo senso comum. O mesmo senso comum que sofre

influência de representações hegemônicas históricas (ARRUDA, 2002) e distorce a

compreensão das relações entre homem/natureza empreendidas por sociedades não

ocidentais (CAMPOS, 1995) enquanto encara tais relações através das lentes do

romantismo e do preconceito (GIANINNI, 1994; BANIWA, 2006).

Page 60: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

60

Dessa forma, se um dos objetivos maiores das ciências é o desenvolvimento de

um conhecimento plural, cabe ao seu ensino na escola, rebelar-se com o enfoque

cientificista vigente e propor situações de questionamento que rompam com a falsa

supremacia do conhecimento científico (CAMPOS, 1995).

Nessa caminhada, a tecnologia pode ter papel de destaque. Seja através da mídia,

seja através dos instrumentos digitais, possibilita o acesso a informações que levam ao

questionamento de práticas discriminatórias e estereotipadas.

Ao longo da primeira etapa do trabalho pedagógico os alunos tiveram acesso a

informações veiculadas na mídia digital, informações que, a princípio, levaram à

consolidação ou à elaboração de novos estereótipos. Como pode ser exemplificado

pelos desenhos de Cauã e Aisó.

Fig. 01 – Conceito de índio de Cauã

Características identificadas pela análise semiótica:

1. O índio era selvagem – concepção primária – vivia em harmonia com a

natureza, de onde tirava seu sustento por meio da pesca. Coloração rósea.

2. O contato com o homem branco – concepção secundária –, evidenciado pela

vestimenta, faz com que o índio adquira maus hábitos – bebida e fumo – e abandone o

sustento pelo ambiente. Coloração branca.

É possível inferir que, para esse aluno, o índio aculturado assimila os maus

hábitos do homem branco à medida que se distancia da floresta, marginalizando-se na

sociedade urbana. Morant e Rose (2002. p. 141) argumentam que durante o processo de

Page 61: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

61

reconhecimento do outro, é comum esses grupos sociais diferentes serem

marginalizados evocando “poderosas combinações de medo e fascínio.”.

É possível se considerar a marginalização como uma das etapas do processo de

construção da alteridade. Ainda que, nesse ponto do trabalho, não tenha sido construída

uma alteridade positiva (JODELET, 2002), essa representação elaborada demonstra as

contribuições do acesso à informação para o reconhecimento do outro. Como existe

resistência em situar esse outro imediatamente dentro de seu próprio contexto cultural,

Cauã busca na marginalização uma estratégia de inserção do outro diferente, em seu

contexto.

A influência negativa da mídia para a inserção do índio na sociedade

contemporânea é discutida por Luiz Donizete Grupioni (2001. p. 14) ao afirmar que

“em noticiários de televisão, jornais e revistas, a presença dos índios com frequência é

mencionada em situações de violência e conflito.”. O autor também alerta para a

cobertura fragmentada e superficial que reforça a perspectiva do índio bárbaro e cruel.

Visão expressa pelas palavras de Acauã, após a busca de dados digitais: esses índios

são perigosos, matam engenheiros e estupram as mulheres.

Cabe ressaltar que essa representação do índio belicoso, agressivo e cruel surgiu,

com mais frequência, nos desenhos dos sujeitos pertencentes ao gênero masculino.

Aisó exemplifica, em sua produção gráfica, outra vertente de representação

detectada pela pesquisadora ao longo do trabalho: a perspectiva do Bom Selvagem,

identificando os indígenas como inocentes, complacentes e dignos de compaixão. Essa

perspectiva foi detectada com mais intensidade nos indivíduos pertencentes ao sexo

feminino.

Fig. 02 - Conceito de índio de Aisó:

Page 62: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

62

Signos perceptíveis durante a análise semiótica:

1. Pele avermelhada, olhos azuis, vestimenta de couro, cocar de penas, arco-

flecha e uma árvore no horizonte.

2. Pele escura, sem quaisquer ornamentos, veste bermuda e ausência de

vegetação.

Alguns significados podem ser extraídos dessa representação gráfica

comparativa, amparados pelo discurso do sujeito. A concepção inicial de índio

confundia-se com representações do índio norte-americano – pele vermelha, colete e

calças de couro, arco e flecha nas mãos – pronto para o embate com o homem branco. O

cocar de penas coloridas e a árvore ao fundo situam o personagem na floresta brasileira.

Após a investigação dos dados fornecidos pela Internet, ocorreram modificações nessa

representação: o índio abandonou a floresta – ausência de vegetação e ornamentos

plumários – e adquiriu hábitos semelhantes ao próprio sujeito, como pode ser inferido

pelo uso de bermudas no personagem. Quando questionada sobre os sentimentos

derivados da investigação, Aisó respondeu: Eu tenho pena por que os índios da minha

tribo saíram da floresta e vieram morar em baixo de plásticos pretos na beira da

estrada e ficar pedindo esmola na praça.

Uma importante característica representada em ambos os desenhos refere-se à

variação de coloração da pele. No primeiro desenho, de Cauã, o índio moderno perdeu

a coloração rosada, usualmente associada à saúde, passando a ser branco, numa

referência clara à identificação com as sociedades urbanas. O desenho de Aisó é mais

intrigante, o personagem inicialmente configura-se como um legítimo pele vermelha –

denominação corriqueira para os índios em filmes norte-americanos – e, posteriormente,

assumiu coloração escura, que pode ser interpretada tanto como um sinal de

nacionalidade como de marginalidade, inserindo-o dentro dos grupos étnicos alvos de

discriminação e preconceito.

Nessa etapa do processo de pesquisa, a representação social do índio genérico

ainda estava muito presente. Porém, as etnias contemporâneas constituem uma imensa

variedade, diversa e rica em conhecimentos como alerta Grupioni (2001. p. 12): “O

índio genérico não existe: existem povos distintos, com identidades próprias. Existem os

bororó, os pataxó, os saterê-mawé e muitos outros grupos, cada um com seu próprio

modo de ser e com sua maneira de ver o mundo.”, e Baniwa (2006. p. 41):

De fato não existe um índio genérico, […]. Talvez exista no imaginário

popular, fruto do preconceito de que índio é tudo igual, servindo para

Page 63: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

63

diminuir o valor e a riqueza da diversidade cultural dos povos nativos e

originários da América continental. Os povos indígenas são grupos

étnicos diversos e diferenciados, da mesma forma que os povos europeus

[…] são diferentes entre si. Seria ofensa dizer que o alemão é igual ao

português, da mesma maneira que é ofensa dizer que o povo Yanomani é

igual ao Guarani.

Buscando questionar, também, essa representação equivocada, foi

proposto um trabalho de análise de imagens orbitais de aldeias indígenas modernas

brasileiras.

9.1. O sensoriamento remoto e a diversificação de aldeias

As concepções a respeito das etnias indígenas remontam ao período colonial,

quando o indígena passou a ser considerado como um indivíduo uno, ao mesmo tempo

ingênuo e agressivo, conhecedor dos segredos naturais de um ambiente ora idílico, ora

ameaçador. A perplexidade do europeu ao deparar com essa nova e exótica cultura

produziu a representação de uma nação selvagem, inocente e, por isso, passível de ser

dominada, explorada e destruída (ARRUDA, 2002).

Essa representação, que associa o índio à natureza, encontra-se incrustada em

nosso imaginário a ponto de desconstituir o indígena como tal se o mesmo não estiver

adornado de penas, vestindo tanga, cultuando Jaci, comendo mandioca e navegando em

canoas rústicas. Grupioni (2001. p. 13) cita essa ideia equivocada como derivada da

descrição apresentada pelos livros didáticos e do hábito de situar os indígenas no

passado histórico, e alerta:

À medida que a realidade se transforma, o homem busca novos símbolos

que possam traduzir o significado das novas realidades. O fato de

consumir produtos industrializados, de dominar novas técnicas e novos

conhecimentos, não faz com que uma sociedade deixe de ser indígena.

Essa interpretação resulta em consolidação de estereótipos, caricaturas e

marginalização do indígena brasileiro. Antonella Tassinari (1995. p. 445) propõe que a

abordagem da temática indígena na escola forneça “informações mais corretas e menos

preconceituosas”, promovendo assim, o conhecimento da realidade político-social do

Page 64: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

64

país, a crítica aos preconceitos e estereótipos, a aceitação das diferenças étnicas e

culturais e a “reflexão sobre a nação que almejam no futuro”.

Uma das formas de se atingir esses enfoques pedagógicos pode ser a proposição

de atividades que comparem os hábitos socioculturais dos povos indígenas e do homem

urbano. Entretanto, as etnias indígenas costumam habitar locais protegidos e distantes, o

que praticamente inviabiliza um trabalho presencial para o desenvolvimento dessas

atividades.

Com o intuito de promover essa comparação e, simultaneamente, vencer as

barreiras geográficas, os grupos selecionaram treze fotografias aéreas das aldeias nos

sites ISA e FUNAI. Disponibilizadas pelo software Google ImagemTM.

, tornaram-se a

opção, pois, nessa etapa do trabalho os conhecimentos necessários para a manipulação

do Google EarthTM

se mostraram complexos para encontrar a localização exata das

diversas aldeias. Depois de impressas, foram expostas na sala de aula num cordel para

que os sujeitos as comparassem quanto à forma geométrica, à proximidade de recursos

naturais, presença de áreas de lavoura ou extração, tipo de acesso, tipo de construção e

quantidade das habitações, atributos que ressaltam a diversidade de hábitos e cultura das

tribos estudadas.

A opção pelo trabalho com imagens apóia-se no discurso de Santos, Lahm e

Borges (2009. p. 97) ao afirmarem que: “Talvez as imagens supram lacunas que antes a

linguagem escrita não havia preenchido. A imagem propõe uma visão alternativa e

provoca reflexão, novas impressões, ao invocar outros sentidos.”.

Considera-se imagem orbital toda aquela imagem obtida por satélite, aeronave

ou fotografia aérea. Produto da interação da radiação solar com o objeto – alvo, as

imagens orbitais se formam a partir da capacidade de absorção, reflexão ou transmissão

inerentes ao alvo. O resultado dessa interação entre o alvo e o espectro eletromagnético

permite a formação de uma imagem captada por sensores remotos, a ser traduzida

segundo suas características espectrais, espaciais e temporais que lhe conferem cores,

resoluções e localizações espaço-temporais passíveis de análise pelo observador

(STEFEN, 2011). Permitindo uma interpretação rica em detalhes referentes ao

ambiente, capazes de proporcionar diferentes construções de aprendizagem em relação

aos aspectos culturais e ecológicos.

Segundo Bernardo Rudorff (2011), “Sensoriamento remoto é um termo utilizado

na área das ciências aplicadas que se refere à obtenção de imagens à distância, sobre a

Page 65: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

65

superfície terrestre”. Contudo, a despeito do interesse despertado pela profusão de cores

e formas de uma imagem orbital, a mera observação das características visuais pode

levar à simplificação de um contexto bem mais complexo em relação à cultura indígena.

O conteúdo exposto nas imagens, associado aos conhecimentos adquiridos por meio da

investigação das etnias, pode levar a reformulações significativas nas representações

constituídas a respeito do indígena e dos biomas em que esses grupos se estabelecem

desde que sejam interpretados adequadamente a partir da compreensão do mecanismo

de formação dessa imagem e constante supervisão do educador. Sem isso, é possível

que o educando interprete equivocadamente alguns símbolos presentes na imagem,

baseando-se em suas experiências pessoais.

9.2. Toda aldeia é circular e toda moradia indígena é oca?

Convencionou-se representar as aldeias por meio de uma figura circular, em cujo

centro geralmente, existe uma edificação maior e uma fogueira. As ocas, construídas

com palha, ocupam os limites do círculo. Uma representação que demonstra clara

influência midiática. uma vez que remonta às ideias cinematográficas apresentadas em

filmes de cowboy e reforça a noção de que todos os índios são iguais e possuem os

mesmos hábitos.

Dez imagens selecionadas pelo grupo consistiam em vistas aéreas. Dessas.

apenas quatro possuíam o formato circular. As outras seis eram retangulares, às margens

de um curso d'água, de ferrovias ou de estradas asfaltadas.

Um exemplo da percepção apresentada pelo grupo, decorrente da observação das

imagens disponibilizadas, pode ser encontrado no relato de Yara: A aldeia da minha

tribo Ye'kuana tem a forma geométrica redonda, as ocas são redondas feitas de palha,

ao contrário da aldeia da minha colega a tribo dela é a Juruna e mora em aldeia

quadrada com casas feitas de madeira.

Os resultados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE, 2012), referentes ao Censo de 2010, descrevem como: “ocas ou

malocas”: “casas usadas por várias famílias, podem ou não ter paredes, variam de

tamanho e geralmente são cobertas por folhas, palhas ou outras matérias vegetais” e

Page 66: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

66

relatam que apenas 12,6% da população indígena pesquisada habitam esse tipo de

moradia.

A perplexidade apresentada pelo grupo em relação à forma geral das disposições

das moradias em uma taba e as variações detectadas por meio da visualização das

imagens contribuiu para que os sujeitos iniciassem o processo de reestruturação do

conceito a respeito da cultura indígena.

Em suas falas o tema surgia sempre que eram discutidos aspectos relacionados

aos direitos indígenas, ainda que de maneira ligeiramente preconceituosa, como nas

falas de Iacina: Não entendo mais nada, que índio é esse: vestido de roupa normal,

morando em casas super boas, que não tem nada a ver com a aldeia que eu achava.

Ou, como se detecta nas falas de Piatã: Os índios estão cheio de moleza... As casas

deles são melhores que a minha e eles tem uns carrão!

Ainda que tais discursos não representem uma construção alteritária positiva

(JODELET, 2002) denotam a capacidade de interpretar criticamente as imagens,

apropriando-se de informações nelas presentes e comparando esses dados à sua

realidade pessoal e refletindo sobre eles. Rosa, Santos Jr e Lahm (2007. p. 26) destacam

que esse resultado é possível quando se utiliza a tecnologia como recurso pedagógico:

[...] ao fazer uso das TIC o professor passa a ter uma garantia a mais

quanto à pertinência de suas aulas, pois, todo avanço promovido por

esses recursos, possibilita e contribui para que os alunos tornem-se mais

críticos, reflexivos e inseridos num mundo cada vez mais digital, ou, se

preferir, hipermoderno.

Tais discursos apresentam o conflito enfrentado pelo grupo e descrito por

Oliveira (1995. p. 62-63) como resultante do embate entre a representação racista do

índio distante e a predominância de uma cultura de preconceito mascarada pelo

pseudorracismo presente nas ações da maioria dos indivíduos urbanos brasileiros. Tal

prática acaba por desenvolver o pensamento de que o índio que foge aos padrões

estereotipados “assumem uma identidade falsa (de vez que já não seriam mais índios).”.

A íntima relação dos povos indígenas com a floresta e o meio ambiente,

(GIANINNI, 1994) concorre para a consolidação desse estereótipo que rejeita a

identidade indígena se o indivíduo se afasta do ambiente natural. A visualização das

imagens reforçou esse estereótipo ao retratar aldeias com edificações e pessoas muito

semelhantes aos indivíduos urbanos.

Page 67: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

67

Em contrapartida, a visualização das imagens permitiu romper com a

representação homogeneizada das etnias indígenas. A estratégia foi determinante para a

identificação de variáveis culturais entre as etnias investigadas. O relato de Maiara,

Moema e Jandira exemplifica os discursos que passaram a ser proferidos pelos

diversos grupos:

O meu grupo pensava que todos os índios usavam pena na cabeça,

cantavam músicas de índios […]. Depois que vimos a figura nós

mudamos de ideia porque vimos que eles não ficam pelados e cantando músicas. Eles se vestem de roupa normal [...]. Todos os índios não comem

peixes por que há tribo que nem tem rio perto […] Mas o índio moderno

vai até o mercado agora. As nossas ideias mudaram totalmente. Por que vimos que as tribos não são parecidas com a nossa, por que os nossos

índios não desmatam.·.

Outro fator a ser salientado é o uso da expressão… minha tribo..., em muitos

relatos e falas, o que acusa o embrião de uma sensação de pertencimento a essas etnias,

derivada da convivência proporcionada pela investigação nos meios digitais, e que pode

ser interpretada como a gênese de um mecanismo de identificação pessoal com os

hábitos culturais desses povos.

Santos, Lahm e Borges (2009. p. 103) afirmam que “[...] o processo de ensino,

priorizando o diálogo, o debate e a análise crítica da realidade, favorece a formação da

autonomia e da identidade do cidadão responsável, político e ético [...].”. Por isso, os

debates e discussões sobre as etnias indígenas foram constantemente alimentados na

busca de um pensamento autônomo e alteritário que permitisse reformulações no

conceito predominante de índio genérico.

9.3. Modificações representacionais e compreensão da realidade

João Pacheco Oliveira (1995. p. 78) alerta para as acepções correntes nas

representações sociais do indivíduo culturalmente identificado como “índio”:

[...] constitui um indicativo de um estado cultural, claramente manifestado

pelos termos que em diferentes contextos podem vir a subsistir – silvícola,

íncola, aborígene, selvagem, primitivo, entre outros. Todos carregados

com um claro denotativo de morador das matas, de vinculação com a

natureza, de ausência dos benefícios da civilização. A imagem típica […],

é sempre de um indivíduo nu, que apenas lê no grande livro da natureza,

que se desloca livremente pela floresta [...].

Page 68: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

68

Essa representação surgiu nas primeiras etapas do trabalho investigativo e

começou a ser revista pelos sujeitos no momento em que tiveram acesso às imagens.

Dentre as dez etnias investigadas, as que apresentam maior proximidade com as

zonas urbanas são: Guarani e Kaingang. Situadas na região sul do país, suas aldeias

localizam-se próximas a grandes centros urbanos e muitos de seus habitantes

sobrevivem de venda de artesanato e etnoturismo.

As demais imagens representavam aldeias na região amazônica ou do cerrado

brasileiro. As observações dos sujeitos permitem identificar que a maioria ainda não

reconhece as características de campo do cerrado, confundindo as regiões de vegetação

rasteira com áreas desmatadas. Essa confusão determinou uma interpretação equivocada

descrita por alguns e associada a um misto de desilusão: As ideias que as imagens dão

não são iguais as que eu tinha antes de trabalhar com elas. A minha ideia antes era que

os índios cortavam as árvores e depois eles plantavam outras no lugar (ITAJI).

Iacina traz, em seu relato, o conhecimento da realidade das tribos Guarani do

RS, as quais possuem alguns representantes que vivem à beira da estrada, em barracas

de lona, e retiram seu sustento de esmolas ou venda de produtos artesanais:

A ideia que eu tinha antes do trabalho, era sobre o índio comum que vivia

na floresta com as roupas que os outros usavam e deram para ele e eles

moravam no chão puro, ou seja, na terra e em volta lona para eles morarem. E eu achava que o índio não desmatava mais ele desmata sua

floresta.

Todavia, Iacina associa esse indivíduo vitimizado à condição de destruidor de

uma floresta própria, como se a mesma fosse propriedade exclusiva das etnias. Essa

atitude demonstra que o processo de reconhecimento alteritário do indígena substituiu o

“índio selvagem” pelo “índio vitimizado” e, posteriormente, deu lugar ao “índio

destruidor do meio ambiente”.

Luis Donizete Grupioni (1994. p. 23) afirma ser evidente a estreita relação dos

índios com a natureza, pois sua sobrevivência depende do equilíbrio dessa relação,

entretanto, aconselha “uma revisão dessa concepção idílica quando as notícias de

comércio em terras indígenas se tornam recorrentes.”.

Resultantes do estudo aprofundado das imagens, buscando revisar a

representação indígena do grupo de sujeitos, as palavras de Iacina exemplificam

alteridades elaboradas pelo grupo de sujeitos, a maioria dos elementos demonstrou, por

Page 69: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

69

meio de palavras ou atitudes, a construção de um reconhecimento do indígena oscilante

entre a compaixão e a indignação, reproduzindo o senso comum descrito por Vidal

(1994. p. 193) e que, segundo esse autor relaciona-se com a “incapacidade em distinguir

entre o direito à diferença sociocultural e a posse exclusiva e comunitária da terra por

um lado e o direito à cidadania plena por outro.” decorrente da interpretação acrítica de

informações a respeito do índio contemporâneo que faz com que percam as

características exóticas habituais.

È possível relacionar essa nova construção elaborada pelos sujeitos, ao

racionalismo ativo proposto por Bacherlad (1971), a imagem do índio imposta pela

sociedade colonizadora é tão presente nos dias atuais que precisa ser substituída por

uma imagem intermediária, duelando com o instinto conservativo, antes de se

transformar em uma reformulação consistente, fruto do espírito formativo. Todo esse

processo tem como alicerce a reflexão, os fatos encadeiam-se em uma imbricada rede de

razões, é necessário compreendê-los para apreendê-los. O conhecimento nunca supera

o obstáculo epistemológico completamente e as informações advindas do sensoriamento

remoto e da mídia digital provocam conflitos com a concepção anterior, e a desilusão se

traduz em uma representação do indígena marginal.

Acauã, ao afirmar: Eu pensava que todos os índios viviam em florestas

fechadas, mas agora eu vi que tem índios que tem florestas abertas e que alguns nem

floresta tem, diferencia-se da maioria do grupo, identificando áreas de variadas

densidades vegetais, sem, contudo, associá-las a biomas específicos.

O estudo de biomas brasileiros pode ser favorecido a partir de análises de

imagens orbitais. Isso permite novas percepções a respeito dos impactos ambientais que

sofrem e a discussão crítica de técnicas de manejo e sustentabilidade (SANTOS;

LAHM; BORGES, 2009). Portanto, nesse ponto da pesquisa, as imagens orbitais

possibilitaram uma discussão sobre as características principais dos biomas Amazônia,

Cerrado, Mata Atlântica e Pampa, presentes nas imagens analisadas pelos alunos e que

haviam sido alvo de interpretações equivocadas pela maioria dos educandos.

Essa estratégia pedagógica tornou perceptível, compreensível, quase palpável

uma realidade distante, desconhecida e por isso, não interessante. Inicialmente, as falas

de Iramaia e Abati: O que temos a ver com esses índios, eles estão lá longe! e Não me

diz que nessa escola ciências de sexta série não fala daquelas coisas de animais,

invertebrados, vertebrados... eram verbalizações do sentimento de muitos que, delicada

e subliminarmente concordavam com elas durante os debates. Quando passamos a

Page 70: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

70

concentrar as investigações nos recursos tecnológicos o comportamento de todos sofreu

sensíveis transformações: deixaram de faltar, prestavam mais atenção no

desenvolvimento da aula e permaneciam além do período de aula na sala de informática

buscando mais e novas informações.

Quando o sinal anunciava o término do período, exclamações como: O quê, já

passaram os dois períodos? Ah sora, pede pro outro professor deixar a gente ficar

aqui! Fica aí, sora, fica aí que o outro professor não pode entrar! Essas atitudes podem

ser relacionadas ao caráter dinâmico e inovador das atividades no laboratório de

informática. Moraes e Florenzano (2004) afirmam que o trabalho pedagógico com as

tecnologias digitais estimula o aprendizado do aluno e auxilia o desenvolvimento de

habilidades docentes, permitindo maior segurança ao lidar com essas ferramentas de

ensino.

Ao compartilhar estratégias de interpretação das imagens orbitais, os sujeitos

conseguiram compreender alguns conceitos adquiridos durante a leitura de práticas

agrícolas indígenas, especificamente da etnia Kayapó, a mais difundida pelo trabalho

desenvolvido por Darrel Posey (1986). Com o auxílio da análise das imagens,

identificaram: a presença de cursos d'água, margeados pela mata ciliar, e áreas de

cobertura vegetal em diferentes estágios de crescimento.

O debate sobre esses temas evoluiu para a interpretação de quais seriam áreas de

lavoura e quais poderiam ser identificadas como áreas de desenvolvimento de vegetação

nativa, pois, as regiões que sofrem ação antrópica apresentam claros contornos

geométricos.

Aimberê iniciou o debate perguntando se os pontos marcados em vermelho

seriam “ilhas de recursos naturais” (POSEY, 1986) pela variação de estágio de

crescimento e proximidade da aldeia. Piatã e Abeguar relacionaram esses mesmos

pontos a regiões de queimadas, produzidas pela prática de coivara (RIBEIRO, 1987).

Ambas as práticas constituem-se de técnicas agrícolas indígenas descritas nos

textos referência. As “ilhas de recursos naturais” são pontos de depressão do terreno,

próximos à aldeia, preparados para o plantio de espécies importantes para a

sobrevivência da etnia Kayapó e que também atraem caça após a extração dos produtos

vegetais (POSEY, 1986). A coivara é uma queima direcionada de galhos e restos

vegetais já recolhidos, e queimados uma primeira vez, do terreno destinado ao plantio,

as cinzas, posteriormente são misturadas ao solo, aumentando o teor de sais minerais, o

Page 71: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

71

carvão produzido permanece no subsolo tornando-se “uma reserva de nutrientes para a

absorção mais lenta e gradual da planta em crescimento (RIBEIRO, 1987. p. 22)”.

Após a discussão, os sujeitos concluíram que os pontos em vermelho poderiam

ser “ilhas de recursos naturais”, pois, a imagem representava uma aldeia Kayapó, etnia

que pratica essa forma de agricultura.

Os contornos geométricos, cortados por caminhos, salientados na imagem por

meio de círculos azuis, foram identificados pelos sujeitos como possíveis áreas de

lavoura devido a essas características observadas.

‘Fig. 03 – Aldeia Kayapó – Parque Xingu. Ilhas de recursos naturais e áreas de lavoura.

Posteriormente às discussões sobre as ações antrópicas indígenas, o grupo

identificou pontos de contato entre o conhecimento etnográfico e o ensino de Ciências,

demonstrando interesse em aprofundar o conhecimento sobre a convivência harmônica

dessas etnias com a natureza. Interesse que passou a orientar os passos didáticos para o

restante do ano letivo.

Page 72: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

72

10. ETNOCIÊNCIAS: SUPERANDO DESAFIOS E ESTEREÓTIPOS

Bachelard (1972. p. 137) afirma que o espírito científico deve apresentar-se

como o próprio esqueleto de uma “cultura geral moderna”. Segundo ele, a História das

Ciências é, desde os últimos dois séculos, “a um tempo uma história de especializações

do saber e uma história da integração, numa cultura geral, das culturas especializadas.

Este poder de integração é tão grande que o temor das especializações constitui um belo

exemplo de temor vão.”.

Na História brasileira, a especificidade e a distinção culturais e sociais dos povos

indígenas causaram também estranhamento aos colonizadores. provocando ações

discriminatórias, etnocídio cultural ou genocídios decorrentes do não reconhecimento de

direitos territoriais e culturais (BANIWA, 2006).

As florestas tropicais abrigam muitos povos indígenas e, simultaneamente, são

os locais onde ocorrem os registros de maior biodiversidade (DIEGUES, 1999;

CAMPOS, 1995; GRAY, 1995). O tênue equilíbrio entre conservação de espécies,

manejo e sustentabilidade dos ecossistemas que ainda resistem a uma cultura predatória

(CAMPOS, 1995) precisa ocorrer aliado ao conhecimento e respeito pelos saberes

tradicionais e culturais desses povos, que há anos sobrevivem em um ambiente

identificado como hostil pela maioria dos indivíduos urbanos, e são guardiães de grande

potencial biogenético (DIEGUES, 1999). Além disso, Posey (1986. p. 23) afirma que “o

modo como os índios interagem com seu habitat oferece informações preciosas sobre as

inter-relações ecológicas, todas elas cruciais para o funcionamento dos

microecossistemas”.

Se o objetivo for proporcionar a aprendizagem de conhecimentos científicos

sobre seres vivos, partindo de saberes tradicionais desenvolvidos pelos povos indígenas

brasileiros modernos, urge que seja feita, também, uma reestruturação no conceito de

natureza do mundo civilizado e a compreensão das visões e relações que as diversas

etnias possuem sobre e com o meio ambiente.

Eduardo Viveiros de Castro (1995. p. 117) explicita tal conceito muito bem ao

descrever as diferenças entre a maneira dos “brancos” e dos “índios” conceituarem a

Page 73: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

73

natureza. Enquanto para o “homem branco” a natureza é fonte de recursos a serem

explorados e não passa de um “lugar”, para os povos da floresta:

A natureza não é, aqui, absolutamente natural, ou seja, passiva, objetiva,

neutra e muda – os humanos não têm o monopólio da posição de agente e

sujeito, não são o único foco de voz ativa no discurso cosmológico […].

Para as sociedades amazônicas, a categoria paradigmática nesse contexto

é a de reciprocidade, [...]. A reprodução das sociedades indígenas é assim

concebida e vivida sob o signo de uma troca de propriedades simbólicas

entre os humanos e os demais habitantes do cosmos […], não de uma

produção de bens sociais a partir de uma matéria informe.

As relações simbólicas entre seres humanos e elementos da natureza,

características da perspectiva cosmológica indígena, são reafirmadas por muitos

pesquisadores da cultura indígena (CAMPOS, 1995; GIANINNI, 1992; POSEY, 1986;

DESCOLA, 1998; SILVA, 1992). Segundo eles, os indígenas não dissociam homem e

natureza. O potencial mítico e ritualístico da fauna e flora são indicadores de que, para

esses povos, homem e natureza são indissociáveis e participam igualmente da

construção do cosmos.

Essa outra interpretação dos elementos naturais, antagônica à representação

antropocêntrica, utilitarista e mercantilista da natureza, recorrente nas sociedades

urbanas, pode auxiliar na elaboração de novos conceitos a respeito de temas polêmicos

como biodiversidade, sociodiversidade, biopirataria e propriedade intelectual. Uma

discussão oriunda da análise dos aspectos cosmológicos propostos pelas etnias

indígenas pode auxiliar os sujeitos a desenvolverem o pensamento crítico,

reinterpretando o meio ambiente e compreendendo que prejuízos decorrentes da

monopolização e expropriação do conhecimento tradicional afetam a população

brasileira em geral, e não se restringem aos povos do ecossistema (GRAY, 1995).

Para reduzir o ritmo desenfreado e destruidor dos ecossistemas, o ser humano

precisa reconhecer-se parte integrante do ambiente, apoiar-se no exemplo dos povos

indígenas, e desenvolver uma visão “comunitária” da natureza (BANIWA, 2006),

segundo a qual os pensamentos egoístas e capitalistas decorrentes da sociedade

antropocêntrica passam a ser substituídos por uma mentalidade ecológico-cultural, que

valoriza a cultura tradicional e ecossistemas naturais.

Conhecer e analisar as relações que os povos indígenas estabelecem com o

ambiente pode levar a novas interpretações dos conceitos biológicos supracitados e ao

reconhecimento alteritário das diversas etnias, como salienta Trez (2011. p. 132): “se a

Page 74: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

74

sociedade tecnológica passa a dominar esses conhecimentos, há a garantia de

propriedade destes povos nativos em uma sociedade multi-étnica.”.

As relações entre indígenas e os elementos naturais, incluindo o manejo dos

ecossistemas, vem despertando, recentemente, o interesse dos pesquisadores, originando

um novo campo de pesquisa, que alia a etnologia e a biologia, denominado

etnobiologia. Darrel Posey (1986) conceitua etnobiologia como: “o estudo do papel da

natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes (p.

15)”, e alerta para o fato desse novo campo de pesquisa ser alvo de preconceito nos

meios acadêmicos, para os quais o “etnocentrismo da ciência ocidental” predomina.

Opinião compartilhada por Gersem Baniwa (2006), Luiz Donizete Grupioni (2001),

Geilsa Baptista (2010) e Márcio D'Olne Campos (1995), entre outros.

Essa resistência em considerar os conhecimentos tradicionais como válidos para

a ciência contemporânea foi detectada no grupo de pesquisa, associada ao pensamento

dominante que considera o índio um ser primitivo, inocente e desmerecedor de

credibilidade. Alguns sujeitos reagiram imediatamente, quando da proposição da

pesquisa, relacionando a temática indígena a “coisas de criança”, que gostam de se

fantasiar, cantar e dançar. Yara e Abati afirmaram categoricamente que a temática não

“tem nada a ver com ciências”. Irani, Cauã, Itaji e Iramaia começaram a cantar

músicas infantis. Iramaia complementou a ação afirmando: a última vez que estudei

sobre índio, eu estava no jardim e a prof. fez uns riscos na minha cara pra gente dançar

a música da Xuxa e da Mara Maravilha.

Intimamente associada ao mito do Bom Selvagem, a representação

escolar do índio criança apóia-se, segundo Aracy Lopes da Silva (1995. p. 318), na

concepção herdada do período colonial quando os índios, considerados seres inferiores,

representavam “o estágio da infância primitiva da humanidade.”. É importante salientar

que essa concepção de índio predominou em elementos pertencentes ao gênero

feminino e pode ser exemplificada pela análise semiótica do desenho de Apuena:

Fig.04 - Desenho comparativo de Apuena

Page 75: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

75

Signos identificados ao longo da análise:

1. Concepção de índio anterior ao estudo – personagem vestido com tanga e

portando cocar de penas coloridas; emite sons guturais; ausência de

caracteres sexuais secundários.

2. Concepção posterior ao estudo – personagem vestido com camiseta e

bermuda; cabelos lisos e em corte “cogumelo”; não emite sons nem

apresenta características sexuais secundárias.

Ambos os desenhos representam, confirmados pelas explicações do sujeito, um

menino índio. Depois que a gente fez a pesquisa, descobri que o índio é igual a gente,

que não tem maldade e os brancos ficam querendo roubar o habitat deles.

Essa visão, bastante frequente durante a fase inicial da pesquisa, transformou-se

em um dos empecilhos mais consistentes para a reformulação da representação social

indígena, originando sentimentos de compaixão, indignação e identificação com as

etnias investigadas, em aproximadamente 53% dos sujeitos, dos quais apenas 16%

pertenciam ao gênero masculino.

A concepção do índio-criança não foi o único empecilho ao desenvolvimento

de um trabalho de ciências tendo como fundamentação teórica a etnobiologia. A

dificuldade de compreensão do vocabulário específico e a pouca disponibilidade de

material atualizado para consulta apresentaram-se como fatores dificultantes no

desenvolvimento do trabalho de investigação dos sujeitos.

10.1. Conhecendo botânica pelas lentes indígenas

Para viabilizar o trabalho de investigação sobre espécies da flora, os sujeitos de

pesquisa dividiram-se em pequenos grupos e receberam cópias de capítulos, referentes

ao aproveitamento indígena de espécies vegetais: alimentos, fibras, brinquedos,

remédios/venenos, sabões/bálsamos, óleos/gomas/resinas e palmeiras, extraídos do

livro Suma Etnológica Brasileira (RIBEIRO, 1986) Os resultados da compilação

bibliográfica, identificando as espécies utilizadas para os diversos fins, suas

características e classificações taxonômicas, foram divulgadas por meio de cartazes

ilustrados. A linguagem utilizada no texto e a ausência do hábito de leitura e

Page 76: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

76

interpretação textual de muitos sujeitos dificultaram a compreensão do material

disponibilizado. As palavras de Irani demonstram as dificuldades encontradas pelo

grupo: Sora, você pediu um trabalho muito difícil, a gente não entende o que está

escrito e tem um monte de palavras estranhas, além disso, os textos são enormes e têm

a letra pequena.

Buscando superar esses obstáculos apontados pelos estudantes: linguagem pouco

conhecida, ora utilizando nomenclatura científica, ora desatualizada; solicitou-se que

selecionassem os nomes científicos apresentados nos textos, propondo uma atividade

lúdica competitiva no quadro negro. O jogo consistia na busca de cinco nomes

científicos – apresentados nos textos em itálico – e em registrar, no quadro negro: seus

nomes populares, suas utilidades indígenas e as partes utilizadas dos espécimes.

“Ganharia” o jogo o grupo que terminasse primeiro os cinco registros.

A tática funcionou. Desenvolveram intimidade com as nomenclaturas científicas

e a resistência do grupo para leitura foi suplantada pelo instinto competitivo.

Após o jogo, identificaram que a parte escrita dos cartazes estava pronta,

faltando apenas buscar as imagens. Entretanto, nem todos os grupos encontraram as

gravuras pelos nomes populares que possuíam, pois, muitos eram regionais.

Solicitaram, então, que pudessem buscar na Internet. Nesse ponto foi detectado outro

problema: o hábito de buscas digitais a partir de palavras-chave direcionou os sujeitos

para imagens inadequadas ao tema proposto. Com auxílio, passaram a digitar os nomes

científicos na caixa de busca e, dessa forma, começaram a identificar plantas que fazem

parte de seu cotidiano.

Foi muito gratificante observar o interesse dos sujeitos em digitarem os

nomes científicos e observarem o surgimento da imagem de uma planta

conhecida. Apuã comentou a respeito da espécie Bromelia festuosa

(gravatá): um nome tão difícil pra chamar esse mato que tem aos montes

perto da minha casa. Rudá demonstrou seu espanto com o tamanho das

raízes do Philodendron, relatando que os índios as utilizam na confecção

de cordas, e acrescentou que uma vez subiu num tronco de uma árvore

apoiando-se nas raízes da costela-de-adão. Apuena resumiu a impressão

geral ao falar: os índios do Mato Grosso usam as mesmas plantas que

temos aqui! (Registro no diário de Campo da autora – 24 de mai. 2011).

As atividades desenvolvidas atingiram os objetivos propostos para o estudo da

flora e contribuíram para que os alunos percebessem a importância de uma

nomenclatura científica que facilitasse a identificação das diversas espécies de seres

vivos.

Page 77: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

77

As representações gráficas dessa etapa da pesquisa trouxeram alguns

componentes instigantes:

* 95% dos desenhos produzidos nessa etapa mostravam um indivíduo isolado

em contato com o meio ambiente, descartando uma das características mais marcantes

das etnias indígenas: a convivência em grupos.

* 56,5% dos sujeitos representaram o índio vestido de tanga na floresta, a

despeito das construções representacionais elaboradas anteriormente, nas quais a

totalidade do grupo desenhou personagens vestidos de bermudas e camisetas, como se,

ao se utilizar dos recursos naturais, o índio voltasse ao estereótipo aparentemente

superado na primeira etapa do trabalho.

Há produções que alertam para a dificuldade em abandonar definitivamente as

representações sociais indígenas arraigadas. Gaston Bachelard (1971. p. 125) descreve

essa situação, como característica do processo etimológico de construção do

conhecimento científico:

O espírito tem uma estrutura variável, a partir do momento em que o

conhecimento tem uma história. Com efeito, a história humana, nas suas

paixões, nos seus preconceitos, em tudo que depende das impulsões

imediatas, pode bem ser um eterno recomeço; mas há pensamentos que

não recomeçam: são os pensamentos que foram rectificados, alargados,

completados. [...] Ora, o espírito científico é essencialmente uma

rectificação do saber, um alargamento dos quadros do conhecimento.

Julga o seu passado histórico, condenando-o. [...] Cientificamente

considera-se o verdadeiro como retificação histórica de um longo erro,

[…].

Os desenhos produzidos nessa etapa apresentavam riqueza de detalhes. Os

trabalhos possuíam muitas legendas explicativas sobre uso variado das partes vegetais,

evidenciando a necessidade dos educandos em traduzir grande parte das informações

que apreenderam (GIORDAN; VECCHI, 1996). Acusam a construção de sólidos

conhecimentos a respeito de possíveis usos diversificados das plantas, desvinculando-as

do reducionista uso culinário, como exemplifica o relato escrito de Moema:

Os índios não compram remédios, fazem os medicamentos que precisam

usando cascas, raízes e outras partes das plantas que a gente costuma

botar fora. Eu gostei de saber que os índios estão usando folhas pra fazer tetos de casas e que fazem seus próprios brinquedos e flautas com frutas.

Page 78: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

78

A produção de Hurassi pode ser considerada um exemplo de como o trabalho

sobre seres vivos pode ser enriquecido quando aliado ao estudo da etnobiologia:

Fig. 05- Desenho “Óleos/bálsamos e sabões” de Hurassi

Identificação dos signos representados: casa de tijolos; cestos diferenciados

segundo o produto: óleos, bálsamos e sabões, índio nu preparando os produtos; rio com

peixes; mudas e serpente na árvore.

Interpretação dos signos: A casa de material denota a influência do homem

branco, os cestos diversificados representam organização e cuidado com os produtos da

natureza, o índio nu retorna, aparentemente, ao estado selvagem quando utiliza matéria-

prima retirada da natureza.

A proximidade com o meio ambiente fica evidente pela presença do riacho com

peixes e as mudas, de onde o indivíduo provavelmente retira seu alimento. A árvore

próxima às mudas demonstra a apreensão do conceito de manejo discutido em aula após

a leitura do texto de Lévi-Strauss (1986. p. 29):

[…] As tribos do rio Pimenta Bueno, ao derrubarem a mata parra formar

roçados, deixam algumas espécies de palmeira em pé com o objetivo de

que em sua epiderme se desenvolvam lagartas comestíveis. A esse

propósito, descreve W. E. Roth (1994:214): ' é preciso ter em mente o fato de que, ao abrir clareiras na floresta, o índio geralmente preserva da

destruição todo tipo palmeira útil à árvore de frutos comestíveis. Dance

Page 79: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

79

observa que as formigas kushi não montam seus formigueiros perto de um

pé de cunaparu (Phyllanthus sp) porque sua seiva, ácida e leitosa, é

extremamente irritante. Para espantar as formigas, muitos campos de

cultivo exibem dois ou três pés desta planta.

O estudo dos mecanismos de cultivo indígenas permitiu aos sujeitos conhecerem

novas maneiras de encarar o manejo dos recursos ambientais, suplantando a visão

antropocêntrica e utilitarista corrente nas sociedades urbanas. Enquanto investigavam

as diferentes técnicas de cultivo das etnias selecionadas, aprenderam alternativas para

controle de pragas e manejo de lavoura que, nas palavras de Piatã e Ibiajara, poderão

ser implantadas nas suas hortas e jardins de suas casas.

Relações entre o tipo de alimento e os hábitos indígenas influenciam para a

construção da representação indígena dos alunos que em geral, associam a

complacência e a aculturação ao consumo de alimentos de origem vegetal e a

agressividade e selvageria ao consumo de carne, como pode ser exemplificado pelo

desenho de Acauã.

Fig. 06 - Desenho comparativo de Acauã.

Signos observados no desenho:

1. Concepção primária: índio nu, caça abatida com uma flecha, emite sons

incompreensíveis, nas mãos, exibe o coração retirado da presa.

Concepção secundária: índio vestido, proximidade de uma árvore de uma árvore

frutífera, fala: “Aí galera, beleza, haaaaaa”. Nas mãos, exibe frutos coletados da árvore.

A interpretação da figura leva à conclusão de que, inicialmente, o aprendente

relacionava o caráter bárbaro dos índios ao hábito de alimentar-se de carne da caça,

Page 80: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

80

Feroz e canibal, o índio seria uma ameaça ao homem branco. A aculturação,

representada pela vestimenta e uso de gírias como forma de expressão verbal,

demonstra a identificação com a etnia. Após a investigação, o índio torna-se semelhante

ao educando e dócil. Passando a se alimentar de vegetais, não mais é uma ameaça, pois,

adquire hábitos semelhantes aos seus – Acauã faz parte de uma família de hábitos

vegetarianos.

O reconhecimento da contribuição indígena para os hábitos alimentares

brasileiros auxiliou para a reconstrução dessas representações e desenvolveu-se após o

estudo da etnobotânica. Técnicas de domesticação das espécies vegetais nativas,

relatadas nos textos, contribuíram para superar preconceitos e fomentar reavaliações nos

hábitos alimentares de muitos dos sujeitos. A princípio havia um consenso no grupo de

que os índios sobreviviam apenas da coleta de frutos e da pesca, hábito responsável pela

desnutrição e “preguiça” dos indígenas, a seu ver. Itaji, antes da investigação afirmava:

Os índios moram na floresta porque não gostam de trabalhar, lá eles podem caçar e

pegar os frutos das árvores e viver em paz com a sua cultura.

Segundo Joana Fernandes da Silva (1995), a visão de um índio indolente nasce

em contextos coloniais e educacionais, nos quais os índios são descritos como grupos

pouco afeitos ao trabalho. Entretanto, uma análise cuidadosa de seus hábitos pode levar

à conclusão de que, oriundos de uma cultura que não valoriza o excedente, nem a

exploração exagerada dos recursos naturais, os indivíduos conseguem estabelecer

relações ambientais vantajosas para as quais são necessárias poucas horas de trabalho

diárias.

A observação do cartaz confeccionado pelo grupo que pesquisou alimentos, e a

leitura da descrição de técnicas de cultivo indígenas, transformou essa visão caricata do

índio elaborada nos primórdios da civilização brasileira e influenciada pelas relações de

poder do período. Acauã relata em resposta ao questionamento: “o que você aprendeu

sobre o uso das plantas pelos índios?”.

Eu aprendi que os índios interagem muito bem com a natureza, eles não são preguiçosos, eles conseguem retirar o máximo da natureza gastando

pouco tempo de trabalho. Eles plantam batata e aipim e são muito espertos. Não vão atrás da caça, a caça que vai até eles nas ilhas de

recursos que eles fazem perto da aldeia (ACAUÂ).

O potencial alimentício dos cultivares indígenas é inegável: mandioca, milho,

batata, tomate e erva-mate são apenas algumas das espécies domesticadas por eles e que

Page 81: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

81

hoje integram cardápios e dietas do homem urbano (GRUPIONI, 1994. p. 23). Fruto de

manipulação genética e técnicas exploratórias refinadas, as espécies silvestres dos

diversos biomas aportam à nossa mesa por mediação das etnias indígenas (LÉVI-

STRAUSS, 1986. p. 29-30). O estudo desse tema no Ensino Fundamental permite que

os aprendentes elaborem conhecimentos importantes capazes de reformular a concepção

do índio primitivo, pois manipulação genética e técnicas agrícolas habitualmente estão

relacionadas à alta tecnologia e, consequentemente, à representação de

contemporaneidade. Como pode ser exemplificado pelos relatos de Ayira e Eirapuã:

As tribos plantam coisas da sua origem que são mamão, inhame, banana

vermelha, milho híbrido, cará. E que não são da sua origem que são:

arroz, feijão, e cana de açúcar (AYIRA). Para a gente eles – os índios- eram preguiçosos, desmatavam a natureza

e tudo mais. Mas agora esse trabalho me mostrou que não é bem assim por que eles tem a intenção de ajudar o ecossistema. Eles ajudam de

várias formas: produzem sombras, lenhas, água, caça frutas, sementes e

caça. Eles tem um pensamento bom como: juntar formigas com cupins para elas não estragarem as plantações. Índio é um grande ajudante do

ecossistema. (EIRAPUÃ).

As falas e relatos produzidos nessa etapa do trabalho denotam consciência e

apreensão de novos conceitos que podem vir a fundamentar uma reformulação na

representação escolar indígena, denotam superação dos obstáculos epistemológicos

construídos a partir de ideias pré-concebidas e hábitos educacionais, fatores que

impediam a reconstrução do saber (BACHELARD, 1996) sobre a cultura indígena.

O contato com a economia de subsistência indígena, ao problematizar a

economia consumista do indivíduo urbano, apresentou aos educandos uma perspectiva

educacional inovadora, relacionada à Educação Ambiental Crítica - EAC, para a qual o

minucioso conhecimento dos ecossistemas e de sua biodiversidade permite o convívio

ambiental harmônico, sem degradá-lo pela exploração desmedida dos recursos naturais

que levam ao desenvolvimento de ações impactantes e catástrofes ecológicas (SILVA,

1995).

Para a EAC, os seres vivos constituem o meio ambiente e precisam ser

acolhidos, compreendidos e preservados na dignidade que lhes é própria, “sem reluzi-

los à condição de objetos, cujo único valor está em como podem ser utilizados

(CARVALHO, 2008. p. 139)”.

A contribuição ameríndia no campo da botânica é rica e diversificada. Todavia,

a etnozoologia também foi alvo de estudo durante o período de pesquisa. Buscando

Page 82: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

82

desconstruir, ainda, o conceito utilitarista das relações homem/natureza, foram

propostos trabalhos que também contemplassem o reino Animalia.

10.2. Relações indígenas e o conhecimento da fauna

Etnozoologia é a vertente da etnociências responsável pela coleta de

informações junto à população nativa sobre a nomenclatura dos animais na língua

desses grupos, faz levantamentos de fauna em ambientes tradicionais e analisa suas

relações com as sociedades tribais (DESCOLA, 1998).

Os animais ocupam lugar de destaque nas relações homem/natureza, tanto nas

sociedades urbanas quanto nas sociedades tradicionais indígenas. Para o homem urbano

os animais podem ser companheiros, ameaçadores ou alimentos. Para os indígenas, os

animais participam da cosmologia, são constituintes do ambiente e influenciam a

manutenção dos ecossistemas e a sobrevivência de todos os elementos do habitat

(GIANINNI, 1992).

A representação antropocêntrica da natureza é fator marcante ao longo do estudo

da fauna nos bancos escolares. Ainda que as classificações como úteis e nocivos não

mais sejam utilizadas pelos professores, permanecem subliminarmente no agir e falar

dos alunos quando comentam sobre os animais, relacionando-os à alimentação, ao

temor de ser mordido ou picado ou ao carinho que sentem por seus animais de

estimação.

Impregnada pelo mercantilismo e consumismo exacerbados, as relações dos

estudantes com a fauna vêm sendo modificadas pela afetividade e simpatia, influenciada

pelos movimentos ecológicos. Descola (1998. p. 23) situa essa simpatia em:

Uma escala de valor […] cujo ápice é ocupado pelas espécies percebidas

como as mais próximas do homem em função de seu comportamento,

fisiologia, faculdades cognitivas ou da capacidade que lhes é atribuída de

sentir emoções. Naturalmente, os mamíferos são os mais bem

aquinhoados nessa hierarquia de interesse [...].

Buscando superar o antropocentrismo, propôs-se o estudo aprofundado das

relações indígenas com os animais silvestres, a partir da leitura de textos (GILMORE,

Page 83: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

83

1986; GIANINNI, 1992; DESCOLA 1998) que as descrevem e procuram explicar o

significado cosmológico das espécies nativas para as etnias indígenas.·.

Compreender as representações cosmológicas indígenas requer o conhecimento

das práticas tradicionais. Não se trata de incorporar suas crenças, mas tomá-las como

um referencial (GRUPIONI, 1992). Mais do que aceitar o conhecimento indígena como

se fosse o modelo correto de relacionamento para com a natureza, o estudo visa

proporcionar problematizações nos hábitos e atitudes dos educandos e trazê-los para o

campo da discussão educacional, transformando-os em objetos a conhecer

(BACHELARD, 1971) que permitam reconstruir um conhecimento ambiental livre de

preconceitos ou ações fundamentalistas.

Isabelle Gianinni (1992. p. 152) afirma: “[…] nas sociedades indígenas, as

diferentes partes que compõem o universo se interpenetram. Não existe uma dicotomia

natureza/sociedade, mas uma continuidade entre os domínios.”. Melhor explicitando

essa afirmação, Gersem Baniwa (2006. p. 102) descreve o relacionamento dos índios

com seu entorno como produto de “uma integração profunda na qual, seres humanos e

outros seres vivos convivem e se relacionam [...]. Tudo é vivo e tudo vem carregado de

valor, de espírito e de mensagens sobre os segredos da vida que os homens precisam

decifrar para viver, [...].”.

Os educandos demonstraram muita dificuldade em compreender a visão

cosmológica indígena. Em geral, ao interpretarem os textos, reforçavam a simpatia em

relação aos mamíferos, já detectada no grupo, e pautavam seus relatos pela comparação

consigo mesmos: Os índios são legais e tem macacos como animais de estimação, e a

gente, só pode ter cachorro e gato (ARACI).

O texto de Descola (1998) dirimiu algumas dúvidas e auxiliou na compreensão

das complexidades cosmológicas indígenas, ao discutir os hábitos de caça indígena,

associando-os aos mitos e rituais. Após a leitura do texto de Descola (op. cit.), Coaraci

e Cunhataí estabeleceram conexões entre os rituais que aparecem na mídia e a

cosmologia: Eu vi na Net uma dança dos índios depois de caçar... então, eles estavam

pedindo desculpa pros bichos que mataram.... (COARACI). Agora eu entendi porque

nas lendas as índias casam com o sol e com os bichos (CUNHATAÍ).

Nesse ponto da pesquisa, visando proporcionar atividades que auxiliassem os

educandos a relacionarem a concepção cosmológica e a aprendizagem das

características morfológicas dos animais, passamos a trabalhar com uma tabela (anexo

C), na qual as características morfológicas e o uso indígena das espécies animais foram

Page 84: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

84

registrados pelos alunos, originando uma chave de classificação exclusiva dos sujeitos

(anexo D).

Para Isabelle Gianinni (1992. p. 147), “a capacidade de classificar ou de pensar

taxonomicamente é compartilhada pelas sociedades indígenas e pelos membros de nossa

sociedade.”. Darrel Posey (1996) alerta para o fato do conhecimento indígena não se

enquadrar em categorias e subdivisões previamente definidas como as organizadas

artificialmente pela biologia.

Lévi-Strauss (1962) coloca que o conhecimento do mundo da natureza

repousa no desejo universal que têm todos os povos de conhecer e

classificar seu meio ambiente, seja simplesmente pelo saber em si, seja

pela satisfação de impor um padrão ou de ordenar o 'caos' (GIANINNI,

1992. p. 145).

No contexto educacional em que se encontravam inseridos, 72% dos sujeitos da

pesquisa conseguiu formular uma chave classificatória para o Reino Animalia e a partir

dessa atividade, compreender os mecanismos que levam à classificação taxonômica dos

seres vivos. O texto de Janaína, transcrito a seguir, resume as conclusões apresentadas

pelo grupo:

Quando a gente olhou as figuras no Power point a gente marcou as partes dos animais na tabela e deu pra perceber que os índios dão mais

importância para os animais, até para os insetos. Eles usam os animais

como bichos de estimação e remédios e pra pegar outros animais. Primeiro foi difícil fazer a chave que a sora pediu, mas depois que meus

colegas me ajudaram consegui fazer e aí foi fácil descobrir os animais no quadro. Foi fácil descobrir porque a gente tem que classificar os bichos,

senão fica tudo bagunçado e a gente não entende nada.

A abordagem meramente taxonômica para o estudo dos seres vivos, usual no

Ensino Fundamental, consiste em uma listagem de características diversas e

desvinculadas da realidade do aluno. Passíveis de serem memorizadas e repetidas ao

longo do ano são descartadas antes mesmo que o ano letivo encerre. André Giordan e

Gérard de Vecchi (1996) afirmam que a transmissão de um tema de maneira atrativa ou

partindo da exigência de memorização resulta em um saber temporário coerente, porém,

passados alguns dias, esse saber dá lugar a reformulações adaptadas pela visão simplista

anterior, ligeiramente modificadas e moldadas, para acolher os novos conceitos.

A apresentação das etnociências mostrou-se atrativa para os educandos, mas, em

seus relatos, a visão utilitarista dos seres vivos permanecia, ainda que amplificada para a

diversidade de uso indígena. Essa atitude opõe-se ao conceito de sujeito ecológico

Page 85: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

85

proposto pela EAC (CARVALHO, 2008): um sujeito capaz de analisar, criticar e opor-

se ao ideário capitalista exploratório da natureza, desenvolvendo uma visão ética que

reconheça o mundo natural como um bem em si, independente de sua utilidade imediata

para os humanos.

A despeito das atividades desenvolvidas, a concepção utilitarista do meio

ambiente permanecia fortemente presente nas falas e ações dos indivíduos, um

obstáculo epistemológico reforçado pelo “discurso moderno ocidental” que, nas

palavras de Isabelle Gianinni (1992. p. 152), “se sustenta na relação de 'posse',

'conquista' e 'domínio', isto é, numa relação onde a concepção de natureza passa a ser

mero objeto para o homem”. Ligeiramente esmaecido pela análise das relações

cosmológicas, a complexidade do tema não atingiu o nível racional.

Buscando superar esse obstáculo epistemológico, tão presente nos dias

modernos e alimentado pelo consumismo desenfreado, propôs-se a visita a uma aldeia

indígena, onde a integração e o diálogo com os indivíduos poderiam proporcionar

reflexões sobre os hábitos consumistas.

10.3. Etnografia in loco

As etnias indígenas interagem com os elementos naturais por meio do uso, da

convivência, da cosmologia e dos saberes culturais adquiridos ao longo dessa relação. A

compreensão dessa interação é um processo complexo e de difícil entendimento para os

educandos, habituados com a concepção eurocêntrica padrão, existente nas sociedades

urbanas. A visita à aldeia Kaingang e a análise de sua imagem orbital foram estratégias

pedagógicas válidas para auxiliar os educandos a compreenderem os aspectos

cosmológicos da cultura indígena.

Santos e Compiani (2005) sugerem que a associação de estratégias pedagógicas,

como trabalho a campo e sensoriamento remoto, “podem contribuir para espacializar e

contextualizar problemas sócio ambientais subsidiando a compreensão de suas

interações e consequências a partir da leitura integrada de diferentes escalas de

observação (p. 02)”, além de possibilitar “a visão ampla e integrada da problemática

sócio ambiental em análise (p. 09)”.

Page 86: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

86

Nessa etapa da pesquisa, os educandos buscaram o endereço da aldeia no

Google EarthTM

e após localizarem-na, utilizaram as diversas ferramentas disponíveis:

marcaram áreas a serem exploradas quando lá chegassem, utilizaram a visualização ao

nível da superfície para tentar “ver a aldeia de dentro antes de chegar lá”, calcularam o

caminho mais rápido e perto para chegar ao ponto, calcularam a distância entre a aldeia

e escola.

Fig. 07 – Aldeia Kaingang – Lomba do Pinheiro – Viamão- RS – Print Screen da imagem

disponível no Google Earth TM

.

Posteriormente, imprimiram fotografias analógicas que foram

detalhadamente analisadas, buscando interpretar os espaços da imagem a partir de suas

expectativas: buscaram locais de vegetação densa, lavoura, fontes de água e tipos de

Page 87: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

87

acesso e legendaram as edificações marcadas com números segundo suas experiências

individuais.

Fig. 08 – Imagem impressa da aldeia Kaingang para análise individual

A análise da imagem apresentou alguns pontos recorrentes:

A edificação n° 1 é um centro de reuniões da aldeia, um grande salão onde os

habitantes se reúnem uma vez por semana para ritos sociais. 100% dos educandos, em

sua interpretação prévia, identificaram o local como a própria aldeia, associando seu

formato circular e sua coloração às ocas já visualizadas nas imagens anteriores. No

local, a identificação do espaço, onde nos reunimos para conversar com o ancião da

aldeia, o cacique e o capitão, despertou muito interesse do grupo principalmente por

representar importantes características da cultura dessa etnia – Cambé e Cairu1 - em sua

estrutura física.

A edificação n° 2 é a escola indígena. Apenas 40% dos sujeitos a identificaram

como tal, os demais acreditavam se tratar de uma casa não pertencente à aldeia. Quando

questionados sobre como achavam que seria a escola do local, as ideias foram

1Cambé e Cairu são, segundo o ancião, duas “famílias” às quais pertencem todos os indivíduos

da aldeia. Um Kaingang dessa aldeia “ou é Cambé, ou é Cairu”. A imagem representativa do Cairu é o

círculo e a representativa do Cambé é a reta, elementos figurativos presentes em todas as expressões dessa

comunidade, seja nas construções, seja nos grafismos.

Page 88: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

88

contraditórias. Abeguar escreveu: Eu acho que é de madeira e as cadeiras de ferro, só

uma sala. Iacina foi mais categórica, citando fontes midiáticas: Eu vi na televisão, a

escola é toda quebrada, as janelas não têm vidros e os alunos sentam no chão. E

Iaciara esperava encontrar uma escola não tão igual às nossas, mas bem estruturadas.

O item n° 3 é a pracinha de lazer. Também 40% dos aprendizes a classificaram

como tal, entretanto assumiram ter “chutado”, pois, na imagem, a resolução não

permitia discriminar aparelhos típicos dessa área, como: escorregadores, balanços e

gangorras. Durante a saída de campo, Ubirajara descreveu seu espanto: Puxa, nunca

pensei que aqui tinha uma pracinha...

O ponto identificado com o n° 4 é o campo de futebol. Nesse caso 100% dos

registros relacionaram esse grande espaço a uma área de preparo para o cultivo de

lavoura, demonstrando a apreensão do conhecimento discutido anteriormente sobre

interpretações de imagens que sofrem ação antrópica. Yara foi mais específica em seu

relato: é uma área de secagem de sementes, conhecimento adquirido quando analisou a

foto da aldeia Ye'kuana em que uma área retangular grande, para secagem de café,

ocupava espaço privilegiado. Durante a ida à aldeia, esse local foi um dos que mais

despertou a atenção do grupo, por sua extensão e por estranharem a importância

despendida com os momentos de lazer pelos indígenas.

Outro aspecto analisado sob supervisão foi a área de vegetação densa

preservada. Para essa característica, todos os educandos sinalizaram que a área à direita

da aldeia parece ser bem preservada, adicionando como argumentos o fato de ocupar

quase toda a extensão à direita do caminho de acesso do local e a “massa verde” visível

próximo ao campo. Durante a atividade de campo, suas ideias sofreram reformulações,

pois, segundo eles: parecia que não tinha desmatamento, mas a aldeia é suja e a

vegetação ao lado do campo de futebol é só um espinheiro (EIRAPUÃ), a área da

aldeia foi toda desmatada para construir as casas (RUDÁ).

Santos e Compiani (2005) salientam que o trabalho de campo é importante para

que haja um reconhecimento do local de estudo, ainda que o mesmo tenha sido

analisado via imagens orbitais, o que leva ao contato direto dos aprendizes com o

ambiente anteriormente visualizado, como de fato foi constatado e descrito na narrativa

acima. Esse reconhecimento in loco permitiu que os educandos reavaliassem seus

conceitos a respeito de desmatamento e poluição.

Entretanto, a imersão no contexto etnográfico não correspondeu a todas as

expectativas. Devido aos hábitos culturais dessa etnia, as mulheres não se mostraram ao

Page 89: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

89

grupo e poucos indivíduos interagiram com os visitantes. O diálogo com o ancião

resumiu-se ao esclarecimento de aspectos curiosos referentes aos aspectos cotidianos da

aldeia e o local apresentava poucos espaços de manejo ambiental, por situar-se no

perímetro urbano.

Luis Donizete Grupioni (2001. p. 11) afirma: “[…], a curiosidade mais comum

faz com que a maioria das pessoas indague de que maneira eles – os índios – vivem, o

que comem, como namoram, como são suas festas etc. - como se todos fossem iguais.”,

creditando essa curiosidade à representação do índio genérico. Entretanto, a curiosidade

dos educandos caracterizou-se pela busca de informações de similaridades entre si

mesmos e os adolescentes indígenas.

As similaridades encontradas durante a visita despertaram muito interesse dos

sujeitos, em seus desenhos: o campo de futebol, a casa de convivência e as antenas de

TV a cabo foram signos frequentemente repetidos. Selecionou-se o desenho de Aisó por

apresentar, simultaneamente, os três elementos.

Fig. 09 – Aldeia Kaingang de Aisó:

1. Signos presentes: campo de futebol; indivíduo vestido com roupas

semelhantes às do autor do desenho e pele branca; edificação grande e

circular com antena de TV digital no telhado.

2. Interpretação dos significados: um dos pontos mais intrigantes dessa

representação é a coloração da pele do indivíduo. O desenho comparativo de

Page 90: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

90

Aisó, já analisado anteriormente (p. 55), apresentava variações de cor da pele

do índio entre vermelho e negro. Nesse último desenho, sua pele branca

representa a total identificação de Aisó com as etnias, bem como a superação

de preconceitos midiáticos ou marginalizantes.

A grande edificação descreve a casa de convivência, onde fomos recebidos e

dialogamos com os índios que nos recepcionaram. A antena de TV digital está presente

em 81,5% dos desenhos elaborados pelos sujeitos. Esse destaque, presente também em

seus relatos, pode representar o reconhecimento do direito ao acesso tecnológico pelos

indígenas contemporâneos.

Baniwa (2006. p. 60) defende o acesso às tecnologias modernas como indicadores

de cidadania e modernidade indígenas:

O modelo de organização indígena formal - um modelo branco – foi

sendo apropriado pelos povos indígenas ao longo do tempo, da mesma

forma que eles foram se apoderando de outros instrumentos e novas

tecnologias dos brancos para defenderem seus direitos, fortalecerem seus

próprios modos de vida e melhorarem suas condições de vida, o que é

desejo de qualquer sociedade humana. Isso não significa tornar-se branco

ou deixar de ser índio. Ao contrário, quer dizer capacidade de resistência,

de sobrevivência e de apropriação de conhecimentos, tecnologias e

valores de outras culturas, com o fim de enriquecer, fortalecer e garantir a

continuidade de suas identidades, de seus valores e de suas tradições

culturais.

Indicadores reconhecidos pelos sujeitos e expresso por suas palavras em uma

conversa com a diretora da escola (registro no diário de campo), quando chegaram:

Diretora: E aí, o que vocês viram na aldeia?

Araci: Eles tem sky no telhado, Tvs de tela plana em suas casas e na escola, computadores...

Ubirajara: Ah, e não pode esquecer que eles têm vídeo-game em suas casas.

Ayira: E vocês jogaram bola com os garotos índios e perderam de lavada.

Diretora: Então não tem graça, eu pensei que vocês iam ver os índios nas ocas, igual nos livros.

Araci: Ai sora, isso não existe mais, eles não são bichos pra ficar no zoológico pra gente ir olhar, eles são gente que nem a gente.

Em resposta à pergunta: “O que você achou da ida à aldeia?”, Ibirajara

escreveu: Eu achei muito legal, por que conheci as tradições deles, a casa deles, a

escola. E vi que lá as coisas são iguais as nossas. Bom por que nós aprendemos a

história da tribo. Deixando transparecer identificação com os elementos da aldeia e

admiração pelas tradições e lendas descritas pelo ancião. Janaína, em seu texto, critica

a pretensa futilidade das questões levantadas por alguns sujeitos: […] fizeram muitas

Page 91: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

91

perguntas para os índios algumas sem importância, mas a maioria delas teve sentido,

mas esqueceram de perguntar “o que eles comem”, e outras coisas.

Iaciara, durante uma conversa com a pesquisadora na volta, demonstrou

indignação com o que, segundo ela foi um desperdício de oportunidade:

Sora, que chato as perguntas que aquelas meninas fizeram, elas poderiam

ter perguntado um monte de coisa que a gente aprendeu na aula e

ficaram fazendo pergunta sobre como os índios transam, e aí, quando a gente ia perguntar não dava mais tempo. (Registro no diário de campo da

autora – 29 de Nov. 2011).

Uma grande distância separa a lógica docente e discente. Enquanto o professor

prepara atividades visando um objetivo, os alunos interpretam essas estratégias a partir

de seu próprio sistema de referências, que, em grande parte das vezes, destoa dos

objetivos propostos pelo educador (Giordan e Vecchi, 1996). A visita, encarada pelos

sujeitos como um passeio de lazer tinha como objetivos docentes propiciar o contato

dos estudantes com as práticas agrícolas e cosmologia indígena Kaingang, o que não

aconteceu devido à curiosidade demonstrada pelo grupo em conhecer o cotidiano dos

adolescentes da aldeia, comparando com o seu próprio.

Gaston Bachelard (1996. p. 10) afirma: “ninguém pode arrogar-se o espírito

científico enquanto não estiver seguro, em qualquer momento da vida, do pensamento,

de reconstruir todo o próprio saber.” e a visita à aldeia indígena despertou esse interesse

dos alunos, abrindo caminho para a reformulação de representações sociais históricas e

reformulações no saber sobre a cultura indígena brasileira contemporânea,

A saída de campo foi válida em relação ao desenvolvimento da alteridade

positiva, pois, as similaridades com os próprios hábitos auxiliaram os educandos a

superarem a representação do indígena selvagem e isolado do contexto urbano. Após

essa atividade, 70,5% dos sujeitos passou a preocupar-se em identificar as etnias em

suas produções e a referir-se aos índios no plural. Marilena Chauí (1992. p. 12)

relaciona a designação no plural ao contexto diversificado indígena em oposição à

representação do índio genérico - inexistente.

Segundo Grupioni (1992. p. 23) os pesquisadores das etnociências se empenham

em registrar os conhecimentos indígenas relativos ao meio ambiente, divulgando novas

espécies animais, vegetais e minerais e seu potencial de uso ainda desconhecido pela

maioria das sociedades urbanas. Todavia, “o potencial energético da floresta amazônica

Page 92: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

92

– que sustenta populações nativas há séculos – reclama o reconhecer dos saberes

indígenas e seu legado para o restante da humanidade.”.

Page 93: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

93

11. BELO MONTE E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ENSINO DE CIÊNCIAS

Desenvolveu-se um trabalho de pesquisa extenso com os sujeitos e, ao longo de

um ano letivo, a abordagem da temática indígena foi constante. Já no final do primeiro

semestre era possível perceber uma redução no ânimo da turma quando novas propostas

de trabalho relacionadas à pesquisa eram apresentadas. A saturação do tema tornava-se

quase palpável, como descrito no texto extraído do diário de campo da pesquisadora:

Estamos no meio do ano letivo e na metade da pesquisa proposta. Por

vezes me sinto exausta e saturada e, como os alunos “não aguento mais

falar em índio”. O grupo, de maneira geral, reluta em levar adiante as

atividades propostas, alegando que “pesquisar é difícil.” – 23 de ago.

2011.

Para vencer a barreira do cansaço e encerrar a pesquisa, averiguando as

variações no processo de aprendizagem do grupo, era perceptível a necessidade de

reanimá-los, (re) despertar o interesse pelo tema. Veio então, a lembrança de que, no

período inicial do trabalho de busca sobre as etnias indígenas na Internet, os educandos

entraram em contato com notícias a respeito de ações reivindicatórias relacionadas à

construção da Usina de Belo Monte. Citaram, discutiram com veemência e

demonstraram curiosidade pelas publicações2 que citavam a construção da usina como

motivação para a manutenção de homens brancos como reféns. O acesso a essas notícias

influenciou a concepção dos alunos a respeito da etnia indígena Kayapó como pode ser

descrito pelo diálogo transcrito do diário de campo da pesquisadora:

Ubirajara - Eles agridem os engenheiros, fazem os brancos de reféns,

são uns bandidos.

Ibiajara – Mas estão querendo acabar com o habitat deles... Cauã – Isso não é desculpa para agirem com violência.

Acauã (encerrando a discussão): Violência não é legal!

2 http://mais.uol.com.br/view/99at89ajv6h1/funcionarios-da-funai-mantidos-

refens-por-indios-04023770E4B94366?types=A ; http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2012/02/servidor-da-funai-e-mantido-

refem-por-indios-em-aldeia-no-norte-de-mt.html;

http://www.cliquef5.com.br/TNX/conteudo.php?cid=7081&sid=179;

Page 94: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

94

Com a intenção de novamente cativá-los para a temática indígena, (re)

despertando seu interesse, propôs-se como atividade de encerramento um júri simulado,

dessa forma, se tornaria possível analisar e avaliar todas as hipóteses previstas para a

pesquisa enquanto o grupo, desafiado a defender ideias antagônicas, reencontraria sua

motivação para o tema da pesquisa.

Ao propor a atividade do júri simulado, que segundo Ferry e Nagem (2009) é

uma atividade educacional lúdica, motivacional e capaz de proporcionar interação entre

os sujeitos educacionais, foi possível reacender o interesse dos educandos pelas

temáticas discutidas na presente pesquisa por meio de um tema recorrente em seu

cotidiano.

Também chamada de Grupos de oposição por Rosana Gessinger (2008) essa

estratégia de trabalho educacional possibilita o desenvolvimento da capacidade de

argumentação e diálogo à medida que resulta do confronto de ideias e pontos de vista

divergentes levando a ampliação da visão sobre determinado tema.

O envolvimento do grupo com essa atividade não só reacendeu o interesse pelo

tema nesse grupo como também exigiu por parte dos sujeitos uma revisão em suas

concepções indígenas construídas ao longo da pesquisa. A necessidade de analisarem

detalhadamente os posicionamentos antagônicos apresentados nos vídeos e nas notícias

contribuiu para que repensassem concepções maniqueístas tais como: ou o índio é bom,

ou o índio é mau; ou o índio é inocente, ou o índio é selvagem; ou o índio vive isolado

na floresta, ou tem direito às inovações tecnológicas.

A formação de uma opinião crítica e bem fundamentada requer a busca de outras

fontes informativas, capazes de problematizar aspectos diversos dos apresentados em

uma simples discussão pragmática como a proposta pelos dois vídeos em questão.

Nessa construção, o grupo contra o empreendimento se mostrou mais motivado ao

buscar outros vídeos para reforçar seu ponto de vista. Trouxeram para a apresentação do

júri simulado dois outros vídeos3 sobre a polêmica, o que resultou em informações

importantes para o convencimento dos jurados.

Cabe esclarecer que os jurados da atividade de culminância eram alunos de

outras turmas, indivíduos que ainda não haviam discutido a polêmica a respeito da

3 http://www.youtube.com/watch?v=xnitmB22JtQ e http://www.youtube.com/watch?v=E8-

ARMhdJwM

Page 95: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

95

Usina, na escola. Essa característica permitiu que os grupos envolvidos na apresentação

empreendessem maiores esforços para convencê-los de seu ponto de vista.

O grupo a favor da construção focalizou o debate em ações agressivas de etnias

indígenas, divulgadas na Internet4. Essa abordagem reforçou a representação do índio

cruel citada por Baniwa (2006). Buscaram, ainda, convencer os jurados da necessidade

de ampliar os recursos energéticos, repetindo o discurso político que fundamenta a

construção da usina. Enfatizaram, também, durante a argumentação, a importância em

se buscar outras fontes energéticas renováveis e respeitar as etnias indígenas que

habitam o local, trazendo notícias a respeito dos impactos ambientais provocados pela

construção de Itaipu como mecanismo de comparação dos efeitos prejudiciais da

construção de uma usina hidrelétrica de grande porte.

Buscando incentivas a integração entre turmas e conferir o desenvolvimento da

capacidade de argumentação dos sujeitos, convidou-se para atuarem como jurados

alunos de outras turmas, os quais não haviam participado das demais atividades do

projeto de pesquisa. Dessa forma, o tema foi discutido acaloradamente por outros

educandos os quais verbalizaram a vontade de trabalhar também, a temática indígena

em futuras aulas de ciências.

A construção da Usina vem ocupando espaço progressivo na mídia e fazendo

parte da experiência diária dos envolvidos na pesquisa. ONGs, engenheiros, grupos de

apoio às populações diretamente afetadas e grupos de apoio à construção da Usina

assumem posturas públicas e alimentam discussões que transcendem os limites

geográficos do empreendimento, adquirindo notoriedade nos meios de comunicação e

redes sociais.

Uma das estratégias educativas propostas pelo PCN Ciências é a

contextualização da ciência, aproximando o conhecimento científico da realidade do

educando. A opção por esse tema polêmico para o encerramento do estudo considera

que, se a Usina de Belo Monte é tema recorrente nos diálogos dos alunos, torna-se

possível retomar o interesse do grupo encerrando a pesquisa com uma abordagem

presente no seu cotidiano.

Alice Lopes (2002), ao analisar o PCNEM, afirma que o conceito de

contextualização, nesse documento, apóia-se na teoria da aprendizagem situada de

4 http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3399,

http://www.pontaldoaraguaianews.com/products/a22-11-2011-armados-indios-

invadem-a-dardanelos-e-fazem-refens-/ e

http://www.youtube.com/watch?v=TES2u_F7brE

Page 96: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

96

David Stein, cuja definição relaciona a aprendizagem com as experiências diárias,

partindo do interesse dos alunos, o que permite a elaboração de significados

consistentes para a aprendizagem. Por outro lado, Wildson Santos (2007. p. 05) alerta

que a “simples inclusão de questões do cotidiano pode não implicar a discussão de

aspectos relevantes para a formação do aluno enquanto cidadão ou não motivar

suficientemente os alunos para se interessar por ciências.”.

Mais do que uma imposição legal, a contextualização é um recurso que pode

levar à aprendizagem significativa. Se considerarmos seus objetivos e sua influência na

construção da aprendizagem significativa, intimamente associada ao ensino

construtivista, essa abordagem educacional (MOREIRA, 2010) conflitua diretamente

com o hábito tradicional de ensino, cujo enfoque principal é a transmissão de conteúdos

estanques e dogmáticos.

A despeito de toda a teoria educacional moderna com que tem contato, seja na

formação inicial, seja na formação continuada, o professor traz em sua prática contornos

de sua experiência enquanto estudante, constituindo crenças educacionais presentes em

sua ação pedagógica, Berjano e Carvalho (2003. p. 02) salientam essa característica ao

afirmar que:

Crenças educacionais se originam, de uma maneira mais intensa, durante

o período em que o futuro professor se encontra na situação de aluno da

educação básica. É nesse período que ele constrói, numa aprendizagem

por observação, formas peculiares de entender: os processos de

ensino/aprendizagem; o papel da escola, além de criar um modelo de

professor, entre outros aspectos de crenças educacionais.

Tais crenças educacionais alimentam uma cultura escolar tradicional na qual o

aluno se posiciona como espectador de uma aprendizagem sem significado, que impõe a

passividade e o tédio a um indivíduo que, “longe de encontrar uma motivação, apressa-

se em esquecer rapidamente tudo, logo após ter sido aprovado no exame.” (GIORDAN;

VECCHI, 1996. p. 13).

O hábito descrito acima cria um círculo vicioso que se retroalimenta a cada

desgaste educacional: os alunos solicitam o conhecimento fechado e o professor,

acomodando-se à situação, fornece-lhes esse conhecimento. Esse conflito foi registrado

no diário de campo da autora quando ocorreu a constatação da resistência dos

educandos a novas propostas de pesquisas referenciais sobre etnobotânica:

Convencer os alunos a pesquisarem em livros é difícil, pois o grupo

adaptou-se a uma cultura escolar em que recebem “tudo pronto” e, por

Page 97: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

97

isso, a busca por informações a partir da pesquisa pessoal torna-se

bastante incômoda para eles.

Farei um recuo tático e, sobre animais, elaborarei atividades e esquemas

que orientarão a pesquisa individual.

Lopes (2002. p. 391), citando o PCNEM, define a aprendizagem contextualizada

como um recurso efetivo, que procura “retirar o aluno da condição de espectador

passivo” enquanto produz “uma aprendizagem significativa” e desenvolve “o

conhecimento espontâneo em direção ao conhecimento abstrato.”. Apoiando-se nessa

proposta, e buscando romper esse círculo vicioso que se instituiu na sala de aula, a

discussão sobre a construção de Belo Monte apresentou-se como uma alternativa viável

para a continuidade do trabalho de pesquisa.

Burnham (1993) alerta que o conhecimento e a discussão de temáticas atuais na

escola, como os debates a respeito de Belo Monte, podem auxiliar os educandos a

assumirem um posicionamento cidadão, crítico e produtivo à frente de polêmicas

ambientais, transformando-se em um sujeito ecológico, como descrito por Isabel

Carvalho (2008), capaz de experimentar em seu cotidiano atitudes e comportamentos

ecologicamente orientados por decisões e escolhas de vida com as quais se identifica,

mediando conflitos e planejando ações que levem a uma convivência não prejudicial

com o ambiente, um dos princípios da EAC.

11.1. Educação Ambiental Crítica – EAC: o discurso do sujeito ecológico

Segundo Burnham (1993), o conceito de meio ambiente é amplo e o

desenvolvimento de uma visão sustentável depende da ação efetiva das escolas no

âmbito da EA para que essa não se restrinja a uma construção de conhecimentos vazios,

unilaterais e antropocêntricos. O crescimento de ONGs e de movimentos ecológicos é

uma realidade, contudo, não são suficientes para superar omissões, desserviços e

irresponsabilidades dos órgãos oficiais em relação ao meio ambiente. Assim, as escolas

têm se encarregado de esclarecer a população em larga escala quando se trata de meio

ambiente, acreditando que a EA poderá ter consequências significativas na

responsabilidade coletiva pelo meio ambiente:

Page 98: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

98

Educação ambiental [...] pautar-se-ia nos valores de solidariedade, da

cooperação, do respeito, do compromisso com o coletivo, da participação

da responsabilidade social. Se a escola estimula a participação, os alunos

vão desenvolvendo a sua capacidade de fundamentar a sua crítica, de

escolher e assumir a responsabilidade de suas escolhas [...] de conquistar

mais autonomia e de se comprometer cada vez mais com a sociedade

global, de se perceber como parte de uma totalidade natural e social, cuja

preservação depende de todos e de cada um (BURNHAM, 1993. p. 36-

37)

O comprometimento e a preocupação com o meio ambiente fundamentado pela

análise crítica do impacto ambiental provocado pela construção da Usina ficam

evidentes no discurso dos sujeitos, quando relatam seu descontentamento em relação

aos impactos a serem provocados por inundações:

Com a Usina naquele local vão ocorrer várias inundações, que vão acabar com a floresta e com a parte rural do alto Xingu (ITAJI), o Brasil

tem a maior floresta do mundo e boa parte dessa floresta será alagada (destruída) (JANAÍNA), vai alagar parte do Amazonas (CAUÊ); ou pela

extinção de seres vivos que pertencem ao ecossistema: vai morrer

animais, vão entrar em extinção (AISÓ), eu sou contra por que eles vão desmatar milhões de árvores (PIATÃ) e muitos animais não vão ter seu

habitat, Mas os peixes do rio a maioria vai morrer por causa das explosões para construir a usina o que vai espantar todos os animais que

vivem ali. (APUÃ).

Nesses discursos, é possível identificar que alguns dos elementos

fundamentaram sua argumentação em uma visão crítica. Ainda que a preocupação

solidária com outros seres humanos tenha se concentrado nos povos indígenas,

acusando outro princípio da EAC: o reconhecimento de seres humanos, ambiente e

natureza como constituintes dos ecossistemas e cuja sobrevivência depende da interação

harmônica e da manutenção de todos esses componentes (BURNHAM, 1993). A

apropriação desse princípio permite que os educandos elaborem novas percepções sobre

a natureza em seu entorno ou a quilômetros de distância para a construção de uma

sociedade mais solidária e alteritária, como pode ser exemplificado pela transcrição do

relato de Irani:

Para mim o empreendimento não é vantajoso para o país já que destrói o

meio ambiente elimina recursos naturais dos quais não se sabe o

potencial bioquímico e dizimam os povos da floresta, mas infelizmente as pessoas não têm consciência do impacto que a obra causará. Os

indígenas não terão onde morar por conta da construção, além disso,

duas terras indígenas pesquisadas: Ca rajá e caiapó ficam no trecho do rio Xingu e eles não vão ter onde morar.

Page 99: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

99

A proposta de Educação Ambiental Crítica reconhece o mundo natural como um

bem em si, independente da interpretação antropocêntrica vigente, e essa atitude permite

a formação de um sujeito ético, que reconheça todas as formas de vida como detentoras

do direito de existir, independente de sua utilidade para os seres humanos.

O consumismo desmedido é fruto dos valores culturais difundidos pela

publicidade, pela mídia e dentro dos grupos sociais. Os indivíduos são mensurados

segundo suas posses, vestes e hábitos, uma prática que leva ao desgaste ambiental de

recursos naturais. Conhecer detalhes, analisar, discutir e refletir sobre as ações

impactantes permitem desenvolver e modificar a forma de encarar o ambiente

(FRANCO, 1993). Por outro lado, nessa perspectiva crítica da educação ambiental, a

natureza não é um relicário sagrado e o ambiente, vítima da ação nefasta dos seres

humanos. O meio ambiente é “[...] um campo de interações entre a cultura, a sociedade

e a base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os termos dessa relação se

modificam dinâmica e mutualmente.” (CARVALHO, 2008. p. 37). Tais interpretações

do meio ambiente, difundidas pela EAC, constituem-se em alicerces para o

desenvolvimento da consciência ecológica.

A gênese de uma consciência ecológica, como descrita pelos autores (MINC

1993; LAYARGUES, 2004; BURNHAM, 1993), foi demonstrada pela maioria do

grupo, que, ao elaborar o relatório final do júri simulado, reconheceu a necessidade de

incrementos energéticos para a sociedade atual, mesmo discordando da construção da

Usina:

A gente acha que tem que ter mais energia, é importante porque vão

nascer e crescer mais crianças então vamos precisar de mais energia,

mas o governo precisa achar outras formas de resolver isso. Não pode ser desmatando a floresta amazônica e acabando com os índios. A gente

é contra Belo Monte porque vai matar muita vida natural.

“No bojo da vaga ecológica que varre o mundo, muitos passaram a nutrir

simpatia pelos índios a partir da visão de que estes não só defendem a natureza, mas

fazem parte dela [...].” (GRUPIONI, 2001. p. 23), simpatia reafirmada pelos estudos

etnobiológicos empreendidos ao longo dessa pesquisa. Entretanto, a associação desse

tema à EAC permitiu que os sujeitos iniciassem um processo de compreensão e

valorização da cidadania indígena, modificando mentalidades, discursos e (pré)

conceitos.

Page 100: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dessa pesquisa, trilhamos os caminhos da tradição e da tecnologia,

buscamos a origem de preconceitos para chegar à alteridade, desvendamos diversas

representações tentando chegar à identificação e à solidariedade, discutimos política

ambiental para desenvolver sujeitos ecológicos...

A promulgação de uma lei não é suficiente para reavaliar as práticas sociais, é

importante que as instituições e a Escola, por seu papel fundamental na formação da

cidadania, interfiram nos hábitos sociais promovendo uma educação pautada no respeito

à pluralidade cultural, associada à problematização e à não aceitação pacífica dos

estereótipos perpetuados pela sociedade contemporânea, os quais promovem OEs que

precisam ser vencidos.

Superar OEs é um processo lento e contínuo, demanda identificação e

questionamento, processos pouco habituais na cultura escolar. Requerendo do educador,

uma atitude alerta e dinâmica que leve às discussões em sala de aula para vencer

conflitos internos pessoais e de seus aprendizes capazes de vencer as concepções

consolidadas na sociedade.

As contribuições do Ensino de Ciências podem ser variadas, relacionam-se com

os conteúdos desenvolvidos em aula e com as estratégias utilizadas na prática docente.

Mas, independente de como se apresentem, precisam levar à construção de um

conhecimento científico capaz de buscar respostas aos questionamentos pertinentes a

todas as áreas de conhecimento. Atuando, se necessário, como a mola mestra em uma

proposta interdisciplinar.

O educador, como mediador nesse processo de crescimento cognitivo, é um

elemento fundamental, orienta e auxilia os debates, trazendo à tona mais e mais

questionamentos. Afetividade e humildade são qualidades imprescindíveis para esse

profissional, no exercício de sua profissão descobre novos percursos que enriquecem

também, sua aprendizagem.

Estereótipos derivados de representações sociais históricas constituem-se

obstáculos epistemológicos ao processo de reconhecimento à diversidade cultural

Page 101: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

101

indígena e para superá-los faz-se necessária uma imersão racional e objetiva nesse

contexto etnográfico. Esse processo gradual, dinâmico e instigante auxilia os educandos

a desenvolverem novos hábitos e atitudes expressos por um discurso solidário.

As reformulações representacionais, bem como a construção de uma alteridade

positiva, são idiossincráticas, obedecem ao tempo e ao interesse de cada sujeito. A

temática trabalhada influenciou o agir e o pensar dos indivíduos, produziu novas

representações escolares que se tornaram objeto de discussão com outros elementos da

comunidade.

O caráter contextual e dinâmico das TIC e do sensoriamento remoto, para esse

trabalho, foi fator predominante na construção da consciência ecológica do grupo. A

escola disponibiliza recursos que contribuíram para o acesso às mais variadas fontes de

informação divulgadas nos meios digitais e, dessa forma, permitiu que desenvolvessem

competências e habilidades importantes para a lide com os instrumentos digitais, em seu

cotidiano.

Pesquisa e trabalhos em grupos se mostraram propostas coerentes para o

desenvolvimento dos trabalhos, permitindo que os sujeitos da pesquisa conhecessem

novos aspectos da cultura indígena. Provocaram também seu entrosamento, levando-os

a aprimorar seu pensamento pessoal, partindo das discussões e apropriando-se das

novas concepções já elaboradas por alguns componentes da turma.

A imagem heróica do índio, de certa forma construída pelo movimento

modernista, impede que essas etnias sejam encaradas como objeto de estudo quando o

tema abordado recorre à pluralidade cultural. Nesse caso, a maioria dos trabalhos

envolvendo esse tema refere-se aos negros. Os povos indígenas brasileiros

contemporâneos raramente são considerados e, quando o são, um véu de ingenuidade e

vitimização os encobre. Alguns sujeitos, mesmo após o trabalho de pesquisa

desenvolvido, substituíram o preconceito relacionado ao índio selvagem pelo

preconceito do índio marginal. Os povos indígenas eram marginalizados porque viviam

na floresta. Hoje, para esses educandos, permanecem marginalizados, nas cidades e

pelas disputas territoriais.

Reconhecer, respeitar e valorizar uma cultura que parece estar distante temporal

e geograficamente do cotidiano não é fácil. Pressupõe conhecimento cuidadoso,

identificação e apropriação dos elementos que a constituem. Assim, o trabalho aqui

apresentado não pode ser considerado como concluído. Muitos são os degraus que

devem ainda ser galgados em direção ao processo de cidadania elaborada a partir do

Page 102: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

102

conhecimento da cultura indígena, com vistas à formação de uma sociedade ética,

equitativa e solidária.

A desconstrução de preconceitos demanda novos estudos e pesquisas, como o

enfoque trans e interdisciplinar do tema, os aspectos mitológicos da cosmologia

indígena e o aprofundamento sobre a educação ambiental.

Evoluir como sujeito ecológico é um processo lento, particular e instigante, e as

aulas de ciências, como elementos desencadeadores desse processo, podem subsidiar e

promover discussões que ampliem os horizontes dos alunos, impulsionando o

desenvolvimento da consciência, a consolidação da justiça ecológica e a busca por

transformações democráticas significativas.

Em síntese, o trabalho auxiliou esse grupo de alunos a desenvolver perspectivas

críticas de análise em relação às etnias indígenas, produzindo novas concepções

individuais sobre como esses grupos étnicos influenciaram e influenciam na formação

do povo brasileiro. Embora tenham elaborado visões diversas da esperada quando a

pesquisa foi proposta, esses alunos passaram a encarar os índios como cidadãos

constituintes de nossa sociedade, capazes de interagirem com respeito aos seus valores

culturais, adquirindo conhecimentos que podem levá-los a auxiliar na construção de

uma sociedade mais justa.

Page 103: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

103

REFERÊNCIAS

ALVES, A. J. O planejamento de pesquisas qualitativas em educação. Cadernos de

Pesquisa. n.77, p. 53-61. 1991.

ANDRADE Jr, J. A.; DANTAS, C. R. S.; NOBRE, F. A. S. O estudo de energia: uma

experiência de ensino na perspectiva CTS e o uso de mídias. Experiências em Ensino

de Ciências. 5(1). 2010. p. 21-29.

ANDRÉ, M. Estudo de caso: seu potencial na educação. Cadernos de Pesquisa. n. 49,

p. 51-54. mai. 1984.

______. Etnografia na prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.

______. A jovem pesquisa educacional brasileira. Diálogo Educacional, v.6, n.19, p.

11-24, set./dez.2006.

AQUINO, J.G. A violência escolar e a crise da autoridade docente. Cadernos

Cedes. vol.19. n. 47. Campinas Dec. 1998.

ARRUDA, A. O ambiente natural e seus habitantes no imaginário Brasileiro:

Negociando a diferença. In: ARRUDA, A. (org.), Representando a alteridade. 2. ed.

Petrópolis: Vozes, 2002.

BACHELARD. G.A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto.

1996.

______. Epistemologia. Textos organizados por Dominique Lecourt. Lisboa: Setenta.

1971.

BANIWA, G. O índio brasileiro; o que você precisa saber sobre os povos indígenas

no Brasil de hoje. Brasília: MEC/UNESCO. 2006.

BAPTISTA, G. C. S. A contribuição da etnobiologia para o ensino e a

aprendizagem de ciências: estudo de caso em uma escola pública do estado da

Bahia.2007. 188f. Dissertação de Mestrado em Ensino, Filosofia e História das

Ciências. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.

______. Importância da demarcação de saberes no ensino de ciências para sociedades

tradicionais.Ciência & Educação, v. 16, n. 3, p. 679-694, 2010.

BAUER, M.W; GASKELL, G. (Orgs.) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e

som: um manual prático. (P. A. Guareschi, Trad.). Petrópolis: Vozes, 2004.

BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo, Cultrix, 1971.

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à

teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora. 2006.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997.

Page 104: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

104

______. Secretaria de Educação Média e Tecnologia. Parâmetros Curriculares

Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental – ciências naturais.

Brasília. MEC/SEMTEC. 1998.

______.Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Convenção sobre Diversidade

Biológica. Brasília: MMA. 2000.

______. Programa de Desenvolvimento Continuado: construindo valores na escola e

na sociedade: relações étnico-raciais e de gênero- Módulos: 1, 2, 3 e 4. Brasília:

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

______. Lei 11.645/ 08. Diário Oficial da República Federativa do Brasil.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-

2010/2008/Lei/L11645.html. Aceso em: 02 de junho de 2011.

BRUSIUS, F. S.; CASTRO, R. M. S. A caracterização dos catadores de materiais

recicláveis de Santa Maria no espaço midiático. In: Pereira, A.C., Moraes, F. P.,

Fernandes, M. & Knüppel, M. A. C. (Orgs.) Retratos midiáticos do meio ambiente:

gestos de interpretação. Guarapuava, PR: Unicentro. 2008.

BURNHAM, T. F. Educação ambiental e reconstrução do currículo escolar. In:

GARCIA, R. L. Cadernos CEDES – Educação ambiental. Vol.29. Campinas:

Papirus. 1993.

CAMPOS, M. D. Sociedade e natureza: da etnociência à etnografia de saberes.

Disponível em: http://www.sulear.com.br/texto04.pdf . Acesso em: 11 de Nov. de 2012.

1995.

CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental crítica: nomes e endereçamentos da

educação. In: MMA/ Secretaria Executiva/ Diretoria de Educação Ambiental

(Org.). Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília: MMA, 2004.

______. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 4 ed. São Paulo:

Cortez. 2008.

CASTRO, E. V. Sociedades indígenas e natureza na Amazônia. In: SILVA, A. L;

GRUPIONI, L.D.B. (Orgs.) A temática indígena na escola: novos subsídios para

professores de 1° e 2° graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO. 1995. p. 116-117.

CHAUÍ, M. S. 500 Anos - Caminhos da Memória, Trilhas do Futuro. In: GRUPIONI,

L. D. B. Índios no Brasil. Brasília: Ministério da Educação e Cultura. p. 11-12. 1994.

COBERN, W; LOVING, C. Defining science in a multicultural world: implications for

science education. Science Education, New York, v. 85, n. 1, p. 50-67, 2001.

DESCOLA, P. Estrutura ou Sentimento: A Relação com o Animal na Amazônia. Mana.

4(1): 23-45. 1998.

DIEGUES, A. C. Os saberes tradicionais e a biodiversidade no Brasil. São Paulo:

USP. 2000.

EL-HANI, C. Porque a entnobiologia e a etnoecologia são importantes? Uma resposta

do ponto de vista da educação. In: Encontro Baiano De Etnobiologia E Etnoecologia,

I, 2001, Feira de Santana. Anais... Feira de Santana: UEFS, 2001. p. 91-108.

FERRY, A. S..NAGEM, R. L. Analogias & contra-analogias: uma proposta para o

ensino de ciências numa perspectiva bachelardiana. Revista experiências em Ensino

de Ciências. 1(3), p. 7-21. 2008.

Page 105: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

105

FLORENZANO, T. G. Imagens de satélite para estudos ambientais. São Paulo:

Oficina de Textos, 2002.

FLORENZANO, T. G.; SANTOS, V. M. N. O Uso do Sensoriamento Remoto na

Educação Ambiental. Anais X, SBSR, Foz do Iguaçu, 2001. p. 191-193.

FRANCO, M. C. Educação Ambiental: uma questão crítica. In.Garcia, R. L. (Org.).

Cadernos CEDES – educação ambiental. Campinas: Papirus. 1993.

FOCALIZA ISSO! Dicionário de significado de nomes. Disponível em:

http://focalizaisso.com.br/component/option,com_name_meaning/Itemid,77/task,search/

origin,12/ . Acesso em 10 de março de 2011.

FUNAI. Fundação Nacional do índio. Povos indígenas. Disponível em:

<http://www.funai.gov.br/> Acesso em 23 de março de 2011.

GAN, Y. Drawing out ideas: Student-generated drawings' roles in supporting

understanding of “light”. Disponível em:

http://ikit.org/SummerInstitute2007/Highlights/SI2007_papers/32_Gan.pdf . Acesso em

17 de jul. 2012.

GESSINGER, R. M. (2008). Atividades em Grupo. In: Lima, V. M. R. (Org.) A gestão

da aula universitária da PUCRS. Porto Alegre: EDIPUCRS.

GIANINNI, I. V. Os índios e suas Relações com a Natureza. In: GRUPIONI, L.D.B.

Ìndios no Brasil. Brasília: Ministério da Educação e Cultura. p. 145-152. 1994.

GILMORE, R. M. Fauna e etnozoologia da América do Sul tropical. In: RIBEIRO, B.

(Org.) Suma etnológica brasileira. 1 Etnobiologia. Petrópolis: Vozes. 1986. p. 189-

233.

GIORDAN. A.;VECCHI.G. As origens do saber: das concepções dos aprendentes

aos conceitos científicos. 2 ed. Porto Alegre:Artes Médicas. 1996.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GOLDBERG, L.G.; YUNES, M.A.M.; FREITAS, J.V.de. O desenho infantil na ótica

da ecologia do desenvolvimento humano. Psicologia em Estudo, Maringá. 10 (1), p.

97-106. 2005.

GOMES,N. L. Educação e diversidade étinico-cultural. In: BRASIL, Programa de

Desenvolvimento Continuado: construindo valores na escola e na sociedade:

relações étnico-raciais e de gênero- 1 Ética,. Brasília: Ministério da Educação,

Secretaria de Educação Básica. 2007.

GRAY, A. O impacto da conservação da biodiversidade sobre os povos indígenas. In:

SILVA, A. L; GRUPIONI, L.D.B. (Orgs.) A temática indígena na escola: novos

subsídios para professores de 1° e 2° graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO. 1995.p.

109-128.

GRUPIONI, L.D.B. As Sociedades Indígenas no Brasil Através de uma Exposição

Integrada. In: GRUPIONI, L.D.B. Ìndios no Brasil. Brasília: Ministério da Educação e

Cultura. p. 13-28. 1994.

Page 106: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

106

GRUPIONI, L.D.B. Índios: passado, presente e futuro. In: BRASIL. Índios no

Brasil.v.1.Cadernos da TV Escola. p. 07-36. 2001.

GÜNTHER, H. Como elaborar um questionário. In L. Pasquali (Org.), Instrumentos

psicológicos: manual prático de elaboração (p. 231-258). Brasília: LabPAM;

IBAPP.1999. Disponível em: http://beco-do-bosque.net/XTextos/01Questionario.pdf

Acesso em 02 de out. de 2011.

GUSMÃO, N. M. M. de. Linguagem, cultura e alteridade: imagens do outro. Cadernos

de Pesquisa, n. 107, p. 41-78, jul. 1999.

HABERMAS, J. Consciência moral e agira comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro 1989.

HALL, S. The work of representation. In: HALL, Stuart. Representation: cultural

representations and signifying practices. London/Thousand Oaks/New Delhi:

Sage/The Open University. 1997.

______. Quem precisa de identidade? In: SILVA, T.T.da. Identidade e diferença: a

perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes. 2000.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. População indígena. Disponível

em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.

php?id_noticia=2119&id_pagina=1. Acesso em: 17 de agosto de 2012.

ISA. Instituto Socioambiental. Disponível em: http://www.socioambiental.org/.

Acesso em 23 de março de 2011.

JODELET, D. A alteridade como produto e processo psicossocial. In: ARRUDA, A.

Representando a alteridade. Petrópolis: Vozes. 2002.

KREUTZ, L. Identidade étnica e processo escolar. Cadernos de Pesquisa. n.107, p.79-

96, jul.1999.

LAHM, R. A. Técnicas de Sensoriamento remoto e geoprocessamento aplicados a

cartografia. In: Castrogiovanni, A. C. (Org.). Inquietações Geográficas. Porto Alegre:

Dos Autores. 2000.

LAYARGUES, P. P. Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília:

DEA/MMA, 2004.

LÉVI-STRAUSS, C. O uso das plantas silvestres da América do Sul tropical. In:

RIBEIRO, B. (Org.) Suma etnológica brasileira. 1 Etnobiologia. Petrópolis: Vozes.

1986. p. 29-46.

LOPES, A.C. Os parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio e a submissão

ao mundo produtivo: o caso do conceito de contextualização. Educação e Sociedade.

Campinas, vol.23 (80). set./2002. p. 386-400.

LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO R. S. Educação ambiental:

repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2002.

MARCONI, M.A. LAKATOS, E.M. Fundamentos de metodologia científica. 5 ed.

São Paulo: Atlas, 2003.

MINC. C. A consciência ecológica no Brasil. In. Garcia, R. L. (Org.). Cadernos

CEDES – educação ambiental. Campinas: Papirus.1993.

Page 107: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

107

MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual

discursiva. Ciência & Educação, v.9 n.2, 2003. p. 191-211.

______. Da noite ao dia: tomada de consciência de pressupostos assumidos dentro

das pesquisas sociais. 2006. Texto digitado.

MORAES, R.; GALIAZZI, M.C. Análise textual discursiva: processo construído de

múltiplas faces. Ciência & Educação, v.12, n.1, p. 117-128, 2006.

______. Análise Textual Discursiva. Ijuí: UNIJUÍ. 2007.

MORAES, E.C.; FLORENZANO, Y.T.G. Capacitação de professores de ensino

fundamental e médio no uso da tecnologia espacial aplicado ao meio ambiente. In:

Jornada de Educação em Sensoriamento Remoto no âmbito do MERCOSUL, 4.,

2004, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: 2004. 1 CD-ROM.

MORANT, N.; ROSE, D. Loucura, multiplicidade e alteridade. In: ARRUDA, A.

Representando a alteridade. Petrópolis: Vozes. 2002.

MOSCOVICI, S. Apresentação. In: ARRUDA, A. Representando a alteridade.

Petrópolis: Vozes. 2002.

NOVAES, A. (org). A outra margem do ocidente. São Paulo: Companhia das letras.

1999.

OLIVEIRA, J.P. Muita terra para pouco índio? Uma introdução (crítica) ao indigenismo

e à atualização do preconceito. In: SILVA, A. L.; GRUPIONI, l. D. B. (Orgs.) A

temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1 e 2 graus. Brasília: MEC/Mari/UNESCO, 1995, p. 61-81.

OLIVEIRA, T. S. de. Olhares poderosos: o índio em livros didáticos e revistas.

2001. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto

Alegre, 2001.

______. Olhares que fazem a “diferença”: o índio em livros didáticos e outros artefatos

culturais. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 22, (jan./abr.). 2003.

PASTORIZA, B. Representações escolares: produção e constituição de formas de

conhecimento em educação em ciências. 2011. 167 f. Dissertação (Mestrado em

educação em Ciências: Química da vida e saúde) – Instituto de Ciências Básicas da

Saúde, Universidade Federal do Rio grande do Sul, Porto Alegre. 2011.

PETRY, L.S.; LIMA, V. M. R; LAHM, R.A. Estudo de ecossistemas utilizando como

recurso didático o sensoriamento remoto: um estudo de caso. Revista Electrônica de

Enseñanza de las Ciencias. Vol.11 (02). p. 431-454. 2012.

POSEY,D. Introdução – Etnobiologia: teoría e prática. In: RIBEIRO, B. (Org.) Suma

etnológica brasileira. 1 Etnobiologia. Petrópolis: Vozes.1986. p. 15- 25.

RAMIRES, J. C. L.; GUIMARAES, J.M.C. Um olhar de criança sobre o espaço

hospitalar através de percepções figurativas. Disponível em:

http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/15338/8637 .

Acesso em: 01 de jul. 2012.

RIBEIRO, B. A contribuição dos povos indígenas à cultura brasileira. In: SILVA, A. L.;

GRUPIONI, l. D. B. (Orgs.) A temática indígena na escola: novos subsídios para

professores de 1 e 2 graus. Brasília: MEC/Mari/UNESCO, 1995. p. 197 -219.

RIBEIRO, B. O índio na cultura brasileira. Rio de Janeiro: UNIBRADE/UNESCO.

1987.

Page 108: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

108

ROSA, R. U.; SANTOS Jr., D. N.; LAHM, R. A. O recurso das imagens de satélite para

estudo do lugar do educando: uma experiência na área da Matemática e da Geografia.

Experiências em Ensino de Ciências, 2(2), p. 23-36. 2007.

RUDORFF, B.F.T. Produtos de sensoriamento remoto. Disponível em:

http://www.inpe.br/unidades/cep/atividadescep/educasere/apostila.htm#bernardo.

Acesso em: 07 de maio de 2011.

SAINT-EXUPÉRY, A. O pequeno Príncipe. 48º ed. Rio de Janeiro: Agir, 2004.

SANTAELLA, L.O que é semiótica. 13 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.

SANTOS, J. M.; LAHM, R. A., BORGES, R. M.R. O sensoriamento remoto como

recurso para a Educação Cientifica e Tecnológica. In: Borges, R. M. R; Basso, N. R.;

Rocha Filho, J. B. Propostas Interativas na Educação Científica e Tecnológica.

Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

SANTOS, V. M. N. O uso escolar de dados de sensoriamento remoto como recurso

didático pedagógico. Acesso em 13 de dezembro de 2011 de: http://mtc-

m12.sid.inpe.br/col/sid. inpe.br/sergio/2005/06.14.13.24/doc/CAP12_VMNSantos.pdf.

2002.

SANTOS, V.; COMPIANI, M. Formação de Professores: Desenvolvimento de Projetos

Escolares De Educação Ambiental Com O Uso Integrado De Recursos De

Sensoriamento Remoto e Trabalhos de Campo para o Estudo do Meio Ambiente e

Exercício da Cidadania. Associação Brasileira De Pesquisa Em Educação Em

Ciências. Anais do V ENPEC - Nº 5. 2005.

SANTOS, W. L. P. Contextualização no ensino de ciências por meio de temas CTS em

uma perspectiva crítica. Ciência e Ensino. v. 1 ( Número Especial - Eucação em

ciência, tecnologia, sociedade e ambiente). 2007.

SCHWARTZ, M.L.; SEVEGNANI, L.; ANDRÉ, P. Representações da mata atlântica e

de sua biodiversidade por meio dos desenhos infantis. Ciência e Educação, Bauru, v.13

(3). p. 369-388, set./dez. 2007.

STEFEN, C.A. Introdução ao sensoriamento remoto. Disponível em:

http://www.inpe.br/unidades/cep/atividadescep/educasere/apostila.htm. Acesso em: 07

de maio de 2011.

SILVA, A.L. Introdução: educação e diversidade. In: SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D.

B. (Orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1 e 2

graus. Brasília: MEC/Mari/UNESCO, 1995. p. 317-335.

SILVA, J.F. Economia de subsistência e projetos de desenvolvimento econômico em

áreas indígenas. In: SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D. B. (Orgs.). A temática indígena

na escola: novos subsídios para professores de 1 e 2 graus. Brasília:

MEC/Mari/UNESCO, 1995. p. 341-367.

SILVA, T. T. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T.T.da.

Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes. 2000.

TASSINARI, A. M. I. Sociedades indígenas: introdução ao tema da diversidade

cultural. In: SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D. B. (Orgs.). A temática indígena na

escola: novos subsídios para professores de 1 e 2 graus. Brasília:

MEC/Mari/UNESCO, 1995, p. 445-479.

TREZ, T.A. Feyerabend, interculturalismo e etnobiologia: algumas possíveis

articulações no ensino de Biologia.Biotemas, 24 (3). p. 129-140. 2011.

Page 109: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

109

VIDAL, L. B.As Terras Indígenas no Brasil.In: GRUPIONI, L.D.B. Ìndios no Brasil.

Brasília: Ministério da Educação e Cultura. p. 193-204. 1994.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:

SILVA, T.T.da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.

Petrópolis: Vozes. 2000.

WORTMANN,M.L.C. O uso do termo representação na Educação em Ciências e nos

Estudos Culturais. Pro-Posições. vol. 12. N. 1 (34) – mar./200l. p. 151-161.

YIN, R.K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 3 ed. Porto Alegre: Bookman,

2005.

ZABALZA, M. A. Diários de aula: contribuindo para o estudo dos dilemas práticos

dos professores. Porto Alegre: Artmed, 2004.

Page 110: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

110

ANEXOS

Page 111: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

111

Anexo A – Termo de consentimento livre esclarecido.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da Pesquisa: “DESMISTIFICANDO PRECONCEITOS SOBRE ETNIAS

INDÍGENASBRASILEIRAS CONTEMPORÂNEAS NA EDUCAÇÃO EM

CIÊNCIAS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONTRIBUIÇÕES DAS

ETNOCIÊNCIAS E DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO”

Nome da Pesquisadora: Cleise Helen Botelho Koeppe

Nome da Orientadora: Regina Maria Rabello Borges

Natureza da pesquisa:

Os senhores, como pais dos alunos de uma turma de 7º ano dessa escola, estão

sendo convidados a contribuir a esta pesquisa, que busca compreender como a

Educação Ambiental e a alfabetização científica podem contribuir para desmistificar

preconceitos em relação à etnia indígena brasileira. A mestranda que está realizando a

pesquisa é professora de Ciências dos alunos e solicita autorização para utilizar, em sua

dissertação de Mestrado, informações e trabalhos realizados em suas aulas sobre esse

tema, sem qualquer identificação dos alunos e da escola.

Participantes da pesquisa:

Alunos de uma turma de 7º ano de uma escola do Rio Grande do Sul.

Envolvimento na pesquisa:

Ao autorizar a divulgação deste estudo, os senhores permitirão que a mestranda

pesquisadora divulgue resultados do seu trabalho em sala de aula, sem qualquer

envolvimento da vida pessoal dos alunos, tratando apenas do desempenho que tiveram

ao trabalhar a etnia indígena brasileira em aulas de Ciências, com foco na educação

ambiental. O trabalhou realizado não necessitou de autorização prévia por ser inerente

ao trabalho da professora Cleise na disciplina Ciências.

É importante que os bons resultados obtidos sejam divulgados. Entretanto, os

senhores têm liberdade de recusar a autorização e ainda se recusar a continuar

participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para si próprios ou

Page 112: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

112

seus filhos. Sempre que quiserem poderão pedir mais informações sobre a pesquisa

através do telefone da pesquisadora ou de sua orientadora e, se necessário, por meio do

telefone do Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS.

Sobre as entrevistas:

Os instrumentos de coleta de dados empregados nesta pesquisa são: questionários,

desenhos e trabalhos escritos pelos alunos, bem como registros anotados pela professora

sobre as aulas.

5. Riscos e desconforto:

A participação nesta pesquisa não infringe as normas legais e éticas. Os

procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa

com Seres Humanos conforme Resolução no. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Além disso, nada será divulgado que possa permitir a identificação dos alunos ou da sua

vida pessoal.

6. Confidencialidade:

Como este estudo envolve informações obtidas em trabalhos realizados em sala de

aula, em conteúdo abordado nas aulas de Ciências, consideramos que essas informações

não sejam confidenciais. Ao mesmo tempo nos comprometemos com total sigilo em

relação à identificação dos alunos e da escola, ao publicar os resultados da pesquisa.

7. Benefícios ao participar desta pesquisa:

Os senhores não terão nenhum benefício direto. Entretanto, esperamos que este

estudo possa vir a trazer informações importantes sobre a educação ambiental no Rio

Grande do Sul, de modo que o conhecimento a ser construído a partir da pesquisa

permita maior clareza sobre a alfabetização científica, valorizando as contribuições da

cultura indígena para a formação do povo brasileiro.

8, Pagamento:

Os senhores não terão nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa ao

autorizar divulgação dos trabalhos dos alunos realizados em aula, bem como nada será

pago por sua participação.

Page 113: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

113

Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para

participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem:

(Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.)

Consentimento Livre e Esclarecido

Confirmo que recebi cópia deste termo de consentimento e, tendo em vista os

itens acima apresentados, autorizo de forma livre e esclarecida a execução do

trabalho de pesquisa e dos dados obtidos neste estudo.

___________________________

Pai ou responsável por aluno(a) da turma envolvida

__________________________________

Assinatura do Pesquisador

___________________________________

Assinatura do Orientador

Pesquisador: Cleise Helen Botelho Koeppe – Fone: (51) XXXX.XXXX

Orientador: Regina Maria Rabello Borges – Fone: (51) XXXX.XXX.XXXX

Page 114: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

114

Anexo B – Lista de nomes indígenas e seus respectivos significados, escolhidos

pelos sujeitos.

NOME SIGNIFICADO

ABATI CABELOS DOURADOS

ABEGUAR COMANDANTE DE VÔO

ACAUÃ AVE QUE ATACA SERPENTES

AIMBERÊ INFLEXÍVEL

AISÓ FORMOSA

ANDIRÁ MORCEGO

APUÃ MONTANHA

APUENA AQUELE QUE CORRE

ARACI ESTRELA DALVA

AYIRA FILHA

CAUÃ GAVIÃO

CAUÊ HOMEM BONDOSO

CAPOTI FLOR DO MATO

CENDI LUMINOSA

COARACI SOL

CUNHATAÍ MENINA

EIRAPUÃ ESTRELA

HURASSI NUVEM

IACIARA ESPELHO DA LUA

IACINA BORBOLETA DOURADA

IBIAJARA CAVALEIRO

IRAJÁ COLMEIA

IRANI ABELHINHA

IRAMAIA MÃE DO MEL

ITAJI MACHADO DE PEDRA

JACI LUA

JANDIRA NOSSO MEL

MAIARA SÁBIA

MOEMA AURORA

PIATÃ FORTE

POTIRA FLOR

RUDÁ DEUS DO AMOR

UNAÍ PRETINHA

UBIRAJARA SENHOR DA LANÇA

YARA SEREIA

Page 115: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

Anexo C– Tabela de etnozoologia e taxonomia – utilizada em aula

No

me Popular

Nome

Científico

Características

Filo/

Classe

Importância

indígena

Tem vértebras

não Sim

corpo mole corpo duro

Cobertura

do corpo?

b

Bota

ovos?

Alimentação

do filhote? Locomoção? Sem

concha?

Com

concha?

Sem

espinhos

Com

espinhos

N°patas radiais

1. lhama Lhama glama transporte de

carga

2.Alpaca Lhama pacos lã

3.Lontra Luntra sp. pescaria

4.Pato do

mato

Cairina moschata

e outros alimentação

5.Ema Rhea americana penas

1.Jacamim Psophia vigia

2.Besouro Euchroma

goliatha ornamentos

3.Aracuãs Penélope sp alimento

4..Papagaio Amazona sp. penas

5.Rêmora Echeneis

naucrates

captura

1.Aranhas alimento

2.Mexilhão Mytilus utensílios

3.Macaco Cebidae estimação

4.Tatu Dasypus

novemcinctus

alimento

5.Cutia Dasyprocta alimento

1.Capivara Hydrochoerus

hydrochaeris

couro

2.Ouriços Proechimys alimento

Page 116: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

No

me Popular

Nome

Científico

Características

Filo/

Classe

Importância

indígena

Tem vértebras

não Sim

corpo mole corpo duro

Cobertura do

corpo?

b

Bota

ovos?

Alimentação

do filhote? Locomoção? Sem

concha?

Com

concha?

Sem

espinhos

Com

espinhos

N°patas radiais

3.Onça Panthera onca Pele,

cerimonial

4.Boto Sotalia pallida Pele,

cerimonial e

mitologia

5.Peixe-boi Trichechus

manatus Gordura e pele

1.Anta Tapir Pele e alimento

2.Veados Vários gêneros Tendões

3.Macucos Tinamidae alimento

4.Tucanos Vários gêneros penas

5.Pirarucu Arapaima gigas Alimento e

utensílios

1.Dourado Salminus alimento

2.Lagosta Panulirus alimento

3.Camarão Macrobrachium alimento

4.Formiga

de fogo

Paraponera

clavata

cerimonial

5.Vespa Polybia lilicea cerimonial

1.Teiú Tupinambis alimento

2.Mutuca Tabanus captura

3.Abelha Vários gêneros alimento

4.Jibóia Boa constrictor pele

5.Rã Dendrobates captura

Page 117: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

No

me Popular

Nome

Científico

Características

Filo/Classe Importância

indígena

Tem vértebras

não Sim

corpo mole corpo duro

Cobertura

do corpo?

b

Bota

ovos?

Alimentação

do filhote? Locomoção? Sem

concha?

Com

concha?

Sem

espinhos

Com

espinhos

N°patas radiais

1.Cupim Remédios

2.Quati Nasua estimação

3.Besouros

(larvas) Scarabaeidea alimento

4.Tartaruga Podocnemis sp alimento

5.Búzio Strombus utensílios

Page 118: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

118

Anexo D – Chave de classificação elaborada por Moema

Page 119: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

119

Anexo E – Fotografias do trabalho com imagens orbitais das aldeias

Page 120: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

120

Anexo F – Fotografias da confecção de cartazes sobre as etnias

Page 121: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

121

Anexo G – Fotografias da saída de campo à Aldeia Kaingang

Page 122: FACULDADE DE FÍSICA - Pucrstede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/3455/1/449155.pdf · 2015-04-17 · 1 faculdade de fÍsica programa de pÓs-graduaÇÃo em educaÇÃo de ciÊncias

122

Anexo H – Fotografias do Júri simulado