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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Curso de Pós-Graduação - Mestrado Stricto Sensu em Direito Empresarial NÚBIA ELIZABETTE DE JESUS PAULA ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DA SUCESSÃO EMPRESARIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: Uma Proposta de Hermenêutica para o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05 Nova Lima 2008

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Curso de Pós-Graduação - Mestrado Stricto Sensu em Direito Empresarial

NÚBIA ELIZABETTE DE JESUS PAULA

ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DA SUCESSÃO EMPRESARIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL:

Uma Proposta de Hermenêutica para o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05

Nova Lima 2008

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NÚBIA ELIZABETTE DE JESUS PAULA

ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DA SUCESSÃO EMPRESARIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL:

Uma Proposta de Hermenêutica para o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito Milton Campos, Curso de Pós-Graduação - Mestrado Stricto Sensu em Direito Empresarial, como requisito à obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial. Área de concentração: Direito empresarial Orientador. Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo

Nova Lima 2008

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P324a Paula, Núbia Elizabette de Jesus 2008

Aspectos tributários da sucessão empresarial no processo de recuperação judicial: uma proposta de hermenêutica para o parágrafo único do art. 60 da lei 11.101/05 / Núbia Elizabette de Jesus Paula. – 2008.

161f. Orientador: Professor Dr. Vinicius José Marques Gontijo Dissertação (Mestrado em Direito empresarial) – Faculdade de Direito

Milton Campos. 1.Direito empresarial. 2. Empresas - Recuperação judicial – Aspectos

tributários. 3.Direito falimentar. 4.Lei de falências – Sucessão empresarial - Crédito tributário. 5. Trespasse empresarial. I.Gontijo, Vinicius José Marques. II. Faculdade de Direito Milton Campos. III. Título.

CDU: 347.736 CDD: 346.078

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NÚBIA ELIZABETTE DE JESUS PAULA

ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DA SUCESSÃO EMPRESARIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL:

Uma Proposta de Hermenêutica para o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito Milton Campos, Curso de Pós-Graduação - Mestrado Stricto Sensu em Direito Empresarial, como requisito à obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial e aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

Orientador. Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo

Prof. Dr. Arthur A. Diniz

Prof. Dr. César Augusto de Castro Fiúza

Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann Coordenador Didático do Curso de Pós-graduação

Nova Lima, 04 de dezembro de 2008.

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A quem dedicar este trabalho, fruto de tanta dedicação, fonte de preocupações e

inquietações, senão, primeiramente e principalmente, aquele, fonte de toda minha força,

inspiração e sabedoria: Ao Senhor Meu Deus, meu refúgio e minha fortaleza; a vós, toda

honra, toda glória e todo louvor, pois sem vós nada é possível. Que seja este trabalho

agradável aos teus olhos e objeto de suas bênçãos. Obrigada Senhor!

Dedico também à minha família, apoio fiel e constante de todas as horas. À minha

mãe, pelo exemplo de vida; às minhas “Tias–mães” Ilda e Irene, pelo cuidado, amor, atenção

incondicionais, silenciosos e sempre presentes. Amo muito vocês, mulheres da minha vida,

exemplos para a eternidade.

A você, Eder Vinícius, querido irmão, pelas confissões repetidas, por compartilhar

de meus sentimentos e do meu silêncio.

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AGRADECIMENTOS

Há tantos a quem agradecer...

Primeiramente ao meu Ilustre e admirado orientador, Doutor Vinícius José

Marques Gontijo, sempre tolerante, paciente e disposto a compartilhar seus vastos

conhecimentos. Obrigada pela atenção, pelo profissionalismo, e principalmente pela brilhante

e admirável capacidade de ensinar.

Às professoras, Doutora Nanci de Melo e Silva, sinônimo de compreensão,

irreverência e competência; e a Viviane Tompe Mayrink, por primeiro me inspirar e hoje

tanto me apoiar.

À grande amiga, Dinorá Carla Fernandes, por todos os momentos compartilhados,

pela credibilidade, por apostar em mim. Obrigada por exercer um papel importante e sempre a

ser lembrado na minha vida.

Ao ilustre professor Dr. Jean Carlos Fernandes, paradigma de profissional, a quem

muito admiro. Obrigada por acreditar e me abrir as portas profissionais.

Ao grande e sempre lembrado amigo, Eduardo Tadeu Farah. Dessa vitória você

tem uma contribuição mais que especial; essencial! Obrigada pelo incentivo.

Aos professores, colegas de magistério no Centro Universitário de Sete Lagoas,

Doutor Adriano Stanley, Doutor Paulo César Ferreira da Silva, pelas palavras de carinho e

apoio. E ao colega do Centro Universitário Newton Paiva, Doutor Leandro Raphael Alves do

Nascimento, pelas contribuições imprescindíveis à finalização adequada deste trabalho.

A todos aqueles que à sua maneira contribuíram para que este trabalho pudesse se

realizar: Ao Álvaro, pelo amor e paciência; ao Doutor José Antônio de Figueiredo, parceiro

profissional confiável e diligente.

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RESUMO

Os aspectos tributários da alienação de estabelecimento empresarial, seguida pela

sucessão empresarial, é questão de extrema importância para o empresário e para a empresa, e

traz inúmeras conseqüências, principalmente aos credores da sociedade empresária. Dentre

eles, o Estado “interna corporis”, enquanto ente arrecadador de tributos e garantidor dos

interesses sociais. Abordar a citada questão, dentro do processo de recuperação judicial de

empresas, trazido pela Lei 11.101/05 é demonstrar as conseqüências positivas e negativas

desse ato jurídico enquanto norma cogente e como forma de integração social, essencial ao o

direito empresarial e tributário modernos, na medida em que, sem delimitar o poder de

atuação do Estado, sobre o verdadeiro responsável tributário, redireciona de forma funcional

sua possibilidade de atuação direta e indireta no processo de recuperação judicial e eventual

falência do empresário, coibindo possíveis fraudes fiscais e evitando, como também o

processo de quebra, já que viabiliza a função social empresarial e promovendo a integração

entre o privado e o coletivo. Um assunto atual, controverso e de suma importante ao operador

do direito empresarial e tributário.

Palavras-Chave: Alienação. Sucessão empresarial. Sucessão Tributária.

Responsabilidade tributária. Sujeito Passivo. Fisco. Contribuinte. Recuperação Judicial.

Falência. Tributos. Poder fiscal.

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ABSTRACT

The tributaries aspects of the alienation of business establishment, followed by

business succession, are question of extreme importance for the entrepreneur and the

company, and mainly brings countless consequences to the company’s creditors business.

Among them, the State “interna corporis”, while in between collecting taxes and guarantor of

social interests. Approaching the cited question inside of the process of judicial recovery of

companies brought by Law n. 11.101/05 is to demonstrate the positives and negatives

consequences of this legal act while logical rule and as a means of social integration, essential

to the modern the Business and Tributary Law, in the measure that, without delimiting the

power of performance of the State, on true the responsible tributary, it redirects of functional

form its possibility of direct and indirect performance in the process of judicial recovery and

eventual bankruptcy of the entrepreneur, curbing possible taxes frauds and avoiding, as well

as the process of breaking, because the function that enables business and promoting social

integration between private and the collective one. A current issue, controversial and of great

importance to the operator’s Business and Tributary Law.

Keywords: Alienation. Business succession. Tributary succession. Tributary

liability. Passive subject. Treasury department. Taxpayer. Judicial recovery. Bankruptcy.

Tributes. Power fiscal.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................9

2 O INSITUTO FALIMENTAR BRASILEIRO.................................................................13

2.1 A Evolução no Brasil ........................................................................................................13

2.2 O Conceito de Falência.....................................................................................................15

2.3 O Conceito de Insolvência................................................................................................17

2.4 O Decreto-lei 7.661/1945 ..................................................................................................19

2.4.1 Mudança de paradigma empresarial: Código Civil de 1916 x Código Civil de 2002.........................................................................................................................................24

2.5 A Lei nº 11.101/2005 .........................................................................................................27

2.5.1 Da recuperação de empresas no direito brasileiro .....................................................33

2.5.2 A recuperação extrajudicial .........................................................................................34

2.5.3 A recuperação judicial face à concordata ...................................................................35

2.5.4 Requisitos para se ter acesso à recuperação judicial..................................................38

2.5.5 Créditos sujeitos à recuperação judicial......................................................................39

2.5.6 Do pedido e do processamento da recuperação judicial ............................................40

2.5.7 Meios de recuperação....................................................................................................47

3 DO NOVO PARADGMA DO DIREITO PRIVADO: O DIREITO DE EMPRESA SOCIAL ..............................................................................................................................50

4 DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL.................................................................53

4.1 Dos Elementos Componentes do Estabelecimento Empresarial ..................................56

4.2 Da Alienação do Estabelecimento Empresarial.............................................................57

4.3 Do Contrato de Trespasse do Estabelecimento Empresarial .......................................59

4.4 Dos Contratos, das Dívidas e dos Créditos como Integrantes do Estabelecimento....61

4.5 Da Transferência das Dívidas do Estabelecimento .......................................................63

4.6 Dos Débitos Excetuados da Incidência do art. 1146 do Código Civil ..........................65

5 EFEITOS OBRIGACIONAIS DA AQUISIÇÃO DO ESTABELECIMENTO E A CHAMADA SUCESSÃO DE EMPRESAS.....................................................................66

5.1 Trespasse e Sucessão ........................................................................................................68

5.2 Da Reorganização Estrutural-Societária: da Incorporação, da Fusão, da Transformação, ou da Cisão como Forma de Sucessão Empresarial ........................69

5.2.1 Da incorporação.............................................................................................................70

5.2.2 Da fusão ..........................................................................................................................71

5.2.3 Da transformação ..........................................................................................................72

5.2.4 Cisão................................................................................................................................73 5.2.4.1 Trespasse do estabelecimento e negócios afins: trespasse e cisão parcial..................75

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6 DAS DÍVIDAS FISCAIS ....................................................................................................80

6.1 Da Competência Tributária.............................................................................................80

6.1.1 Limites constitucionais à competência tributária.......................................................82

6.2 Da Obrigação Tributária .................................................................................................85

6.2.1 Dos elementos da obrigação tributária........................................................................87

6.2.2 Das espécies de obrigações tributárias ........................................................................90 6.2.2.1 Obrigação tributária principal.....................................................................................91 6.2.2.2 Obrigação tributária acessória....................................................................................92

6.3 Do Crédito Tributário ......................................................................................................93

6.3.1 Garantias e privilégios do crédito tributário ..............................................................96

6.3.2 O Crédito tributário e o decreto-lei nº 7.661/45........................................................102

6.3.3 Preferência do crédito tributário na lei complementar 118/05 e na lei 11.101/05 .103

7 DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA...................................................................107

7.1 Responsabilidade Tributária por Sucessão..................................................................109

7.2 Responsabilidade Tributária por Sucessão Empresarial ...........................................110

7.3 Responsabilidade Tributária na Reorganização Societária .......................................113

8 DA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL ........................................................................................................................115

8.1 Da Sucessão Tributária no Decreto Lei 7.661/45.........................................................115

8.2 Da Sucessão Tributária na Lei 11.101/05 .....................................................................116

8.2.1 Da exclusão da sucessão tributária por sucessão empresarial na recuperação judicial de empresas....................................................................................................116

8.2.2 Da sucessão tributária e reorganização societária....................................................121

8.2.3 Da sucessão tributária na recuperação extrajudicial...............................................123

9 DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA..........................................................................127

9.1 Origem da Função Social ...............................................................................................127

9.2 Da função Social da Empresa como Forma de Viabilização do Princípio da Preservação da Empresa ..............................................................................................128

9.3 Parecer da PGFN no Caso Varig ..................................................................................133

10 CONCLUSÃO..................................................................................................................136

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................145

ANEXO A - Parecer PGA/PGFN........................................................................................152

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1 INTRODUÇÃO

Frente economia globalizada têm-se assistido a uma tendência mundial de

desenvolvimento de grandes atividades empresariais, a levar uma chamada concentração

empresarial, reafirmando-se como forma de organização empresarial.

Esta tendência explica-se, fundamentalmente, pela concorrência cada vez mais

acirrada existente entre as empresas, bem como, imposição de uma otimização na produção e

no funcionamento destes entes econômicos com objetivo de reduzir custos de produção. Neste

sentido, a minimização dos custos e maximização dos lucros possibilita a introdução no

mercado de produtos mais competitivos e que possam unitariamente agregar o máximo

possível de valor.

Nesta seara, o Direito Empresarial vem passando por inúmeras alterações em sua

estrutura normativa, em face ao modelo haurido na modernidade, buscando atender de forma

mais efetiva os anseios sociais, tentando consolidar os interesses particulares e públicos à

efetividade empresarial, rompendo então com antigos paradigmas que não conseguiam

acompanhar os avanços tecnológicos e principalmente não efetivavam a preservação da

empresa.

Surge, portanto, a necessidade de se repensar a empresa, precisando esta ser

empreendida funcionalmente, e não mais numa visão particular do empresário ou de seus

credores. Neste sentido, afirma Rachel Sztajn (2004, p.7-9), que é necessário que se repense a

empresa além dos moldes impostos por Asquini, visto todos os avanços a ela até aqui

impostos. Visto a aprovação da Lei 10.406/2002, o Código Civil, que, sob argumento de

unificar o direito obrigacional, revoga parcialmente o Código Comercial, e também da

proposta constitucional ao Direito Civil. Desta forma, a empresa, até então relegada a um

papel internalizado, ganha status de cidadania.

O Direito de Empresa passa por um processo de externalização de modo a tentar

resolver os problemas da empresa, do empresário e principalmente os reflexos desses

problemas no meio social. Neste sentido conclui Rachel Sztajin (2004, p.7):

[...] se o Código Civil moderniza a relação entre particulares, abandona o individualismo que caracteriza o ordenamento jurídico de 1916 para abraçar a solidariedade entre as pessoas, é de se esperar que se favorecerá modelos tendentes à harmonização das relações sociais que atendam aos interesses dos agentes econômicos e facilitem o processo da engenharia negocial [...].

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Nestes termos, é que afirma Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.21), que o que importa

é analisar a empresa sob a ótica social, visto que o direito encontra-se em estado de fluidez, e

interage de maneira contínua com os demais sistemas, deixando de ser um sistema fechado,

como propõe Luhmann (apud LOPES, 2008, p.21)1, ao afirmar que o direito é um sistema

operacionalmente fechado, onde suas operações não se confundem com as operações do

ambiente, formando um sistema autopoiético, visto que o direito deve estar aberto aos anseios

sociais e adequar-se à evolução destes.

E, indubitavelmente, num mundo globalizado, a atividade econômica está

representada predominantemente por relações jurídicas entre empresas, as grandes

responsáveis pela circulação de bens e de serviços, sendo muito importante que haja um

implemento de um sistema jurídico e econômico coeso e eficiente, que permita o

desenvolvimento das atividades empresariais, de modo a solucionar eventuais crises

econômicas dessas organizações sociais.

E é neste cenário que é publicada a Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005 – A

Nova Lei de Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial de Empresas. Surgindo também

na mesma data a LC 118/05, que introduziu inúmeras alterações ao Código Tributário

Nacional.

Inegável, portanto, é o fato de que a recuperação judicial surge sob a égide de se

preservar a função social da empresa, estimulando a atividade econômica, viabilizando os

interesses privados nos limites dos interesses coletivos, de modo a se garantir a ordem e evitar

a anomia econômica ou social. Vez que, para funcionar e cumprir determinados fins sociais, o

Estado necessita dos recursos para manutenção da máquina administrativa, através de

mecanismos sistemáticos de planejamento orçamentário, conforme ensina Borba (2006, p.1).

Neste momento é importante ressaltar que o direito tributário exerce uma

relevante influência sobre a questão de implementação de um sistema jurídico e econômico

coeso e eficiente, a permitir o desenvolvimento das atividades empresariais, visto que

funciona como um sistema de limitação a preceitos como os de que o Estado, enquanto agente

arrecadador, não pode esperar, na tentativa “insaciável” de obtenção de recurso a todo e

qualquer custo.

Assim, tal como o direito de empresa, hoje, o direito tributário também busca a

adequação social, coordenando um dever de equilíbrio natural, um sistema de cooperação

entre o público e o privado para própria sobrevivência estatal, já que o cumprimento do dever

1 LUHMANN, Niklas. La validez del derecho: teoría de los sistemas sociales: artículos. Trad. Héctor Fix Fierro. México: Universidade Iberoamericana, 1998.

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tributário em meio a uma legislação desproporcional e meramente arrecadatório impossibilita

o efetivo desenvolvimento da empresa, sendo muitas vezes o fator principal que ocasiona a

sua falência.

De modo que, indesejável é o fato de que uma “empresa morra”, mas lastimável é

que a morte ocorra por razão principal do “afã” arrecadatório do Estado, que prega tanto a

função social, mas quando da sua efetivação, ele próprio a desvirtua.

A lei tributária deve ser aplicada de modo a atender os interesses coletivos e não

apenas os interesses dos agentes arrecadadores estatais, pautando-se pela lei, lógica e

adequação.

Desse modo, faz-se necessário um estudo sobre as conseqüências tributárias que

envolvem a sucessão empresarial de estabelecimentos empresariais, estando as empresas em

processo de recuperação judicial de empresas. Um estudo acerca da Lei Complementar

118/05, que no seu art. 133 II, que determina a não sucessão tributária em caso de alienação

de Unidade Produtiva Isolada de estabelecimento empresarial de empresa em processo de

recuperação judicial, e ainda, no mesmo sentido, os artigos 141, II e art. 60 da Lei 11.101/05,

a fim de operacionalizar a realização do ativo da empresa em dificuldade econômica.

O fenômeno da sucessão empresarial, no que se refere à alienação de unidades

produtivas isoladas, esta última, trazida pela Lei 11.101/05, é de grande relevância no campo

do Direito Tributário e das Finanças Públicas, na medida em que por trás da sucessão de

empresas, pode estar a intenção do empresário, moralmente e legalmente social, em fazer uma

espécie de planejamento fiscal, seja ela lícita ou verdadeira (elisão fiscal) ou ilícita ou falsa

(evasão fiscal)2, ocorrendo uma desvirtuação do objetivo expresso da lei, que é facilitar o

processo de recuperação judicial da empresa, em vias de ser decretada sua falência, na medida

em que facilita a manutenção da atividade empresária.

No intuito de analisar os aspectos funcionais da não da sucessão tributária nos

casos de sucessão empresarial, será abordado caso concreto na tentativa de materialização da

discussão. Sucessão esta, em todas as suas espécies, dentre elas a gerada pela conseqüência do

trespasse de estabelecimento empresarial e também a incorporação, fusão e a cisão total e

parcial.

2 A diferença entre elisão fiscal e evasão fiscal consiste em que a elisão fiscal expressa ato formal e

substancialmente legítimo e lícito, praticado antes do surgimento do fato gerador, como o fim de evitar a incidência tributária plena e diminuir o tributo, e a evasão é o ato de omissão praticado após a ocorrência do fato gerador, como fim de evitar, reduzir ou retardar o pagamento do título. (YAMASHITA, 2005, p. 28).

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Sendo certo que, o embate entre a resistência dos contribuintes em adimplir com

suas obrigações e o direito arrecadatório do Fisco, como a própria essência do Direito

Tributário, explicita-se claramente neste tema objeto do presente estudo, tornando relevante

uma análise mais detida sobre a questão.

O Estado como um dos principais credores do devedor em recuperação judicial

deve facilitar de forma objetiva o acesso deve devedor aos meios de recuperação, visto que ao

favorecer a recuperação da empresa e sua conseqüente preservação social, esta poderá ser

fonte geradora de riquezas e consequentemente de tributos.

Neste sentido, deve-se analisar o fenômeno da não sucessão tributária dentro do

processo de recuperação judicial de forma agregada – desde as formas de sucessão

empresariais, quais seja o contrato de trespasse, a cisão, fusão, incorporação, até os efeitos da

sucessão tributária incidentes sobre cada medida dentro de um contexto de função social da

atividade empresarial, até chegar não sucessão, como forma de viabilização dos objetivos da

nova lei de falência de recuperação – e não de forma isolada, a fim de evitar falsas conclusões

de que o Estado estaria sendo prejudicado frente a tal medida, em prol à empresa em

recuperação ou então de que a não sucessão tributária seria uma facilitação legislativa no que

se refere á prática de fraudes.

Neste sentido, justifica-se o estudo realizado.

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2 O INSITUTO FALIMENTAR BRASILEIRO

2.1 A Evolução no Brasil

O Direito Concursal encontra suas raízes históricas no Direito romano que já

determinava as conseqüências legais advindas do inadimplemento. “A lei das Doze Tábuas

estabelecia o domínio do credor sobre a pessoa do devedor, o qual constituía a própria

garantia do crédito” (REQUIÃO, 1998, p.8). Esse nexo foi modificado pela Lex Poetelia

Papiria, que transferiu a execução das dívidas para o patrimônio do devedor e a

obrigatoriedade de uma sentença prévia à execução, que, após grande aprimoramento, foram

contemplados pela doutrina do Direito Falimentar (REQUIÃO, 1998, p.8).

No Brasil, durante o período colonial, não houve uma legislação falimentar

específica, vigorando as Ordenações do Reino, base da legislação de Portugal, sendo que o

termo “quebra” era empregado para a situação de insolvência do devedor faltoso, punido com

sanções bárbaras. (REQUIÃO, 1998, p.9).

Vigorou durante o Período Colonial brasileiro, em virtude de sua submissão

administrativa e jurídica à metrópole, a mesma legislação vigente em Portugal, a saber, as

Ordenações do Reino. Essas podem ser dividas e nomeadas de acordo com o monarca que

governava à época e as editava, sendo fato histórico relevante para o presente estudo que tais

normas pouco ou quase nada cuidavam acerca do instituto falimentar, muito menos se falava

da reabilitação empresarial. Classificam-se as Ordenações do Reino em três: as Ordenações

Afonsinas, as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas (REQUIÃO, 1998, p.15).

As Ordenações Afonsinas pouca aplicabilidade tiveram no Brasil, pois à época de

sua vigência, esse ainda não era povoado (REQUIÃO, 1998, p.15). As Ordenações

Manuelinas, denominação dada à Lei promulgada pelo Rei Dom Manuel em 1521 revendo a

legislação anterior, tratavam apenas do concurso de credores, primando, ainda, pelo princípio

da prioridade do direito do primeiro exeqüente, que concedia àquele que iniciasse a execução

prioridade no recebimento de seus créditos (REQUIÃO, 1998, p.15). Nas Ordenações

Filipinas, datadas de 1595, foram traçadas as primeiras diretrizes acerca da falência à época,

conforme se verifica nos ensinamentos de Almeida (2008, p.7):

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[...] as Ordenações Filipinas [...] consagravam, pela primeira vez entre nós, a quebra dos comerciantes, fazendo nítida distinção entre mercadores ‘que se levantam com fazenda alhea’ e os que caíssem ‘em pobreza sem culpa sua’, equiparando os primeiros aos ladrões públicos, inabilitando-os para o comércio e impondo-lhes penas que variavam do degredo à pena de morte, não incorrendo em punição os segundos, que podiam compor-se com os credores [...].

Não obstante os preceitos trazidos por aquela norma, ela não contemplava, de

maneira estrutural, o procedimento falimentar. Somente em 1756, com a edição do Alvará de

13 de novembro, promulgado pelo Marquês de Pombal foi devidamente criado um processo

de falência, de cunho marcantemente mercantil, delineando, “não só a punição penal do crime

falimentar, mas também a falência culposa e a inocente”(ALMEIDA, 2008, p.8).

Preceituava essa norma, que uma vez realizada a arrecadação e alienação dos bens

daquele comerciante que viesse a falir não por culpa sua, 10% (dez por cento) do valor

apurado ser-lhe-ia destinado para socorrer sua família da indigência (ALMEIDA, 2008, p.8).

Preconizava ainda que com o pagamento, fosse ele total ou parcial, dos débitos do

comerciante falido, “havia a morte e ressurreição civil deste, extinguindo-se as obrigações e

direito dos credores em relação àquele devedor” (REQUIÃO, 1998, p.21).

Após longo período de “pouca ou quase inexistente atividade legislativa”

(REQUIÃO, 1998, p.25), foi promulgado o Código Comercial Brasileiro de 25 de junho de

1850, que cuidava da Falência, ou mais precisamente “Das Quebras”, em seus artigos 797 a

913, tendo sua parte processual regulada pelo Decreto 738 de 25 de novembro de 1850. Em

virtude de sua inadequação à realidade comercial brasileira, e a constante necessidade de

reformulação do instituto falimentar e visando à evolução desse, foi o Código Comercial de

1850 alterado e revogado, no tocante à matéria em análise, pelos Decretos 3.308 e 3.309 de

1864, pelo Decreto 3.516 de 30 de setembro de 1865. Em decorrência da Proclamação da

República, o Decreto 917 de 24 de outubro de 1890 revogou seus antecessores, sendo

substituído esse pela Lei n.º 859 de 16 de agosto de 1902, que foi alterada pela Lei n.º 2.024

de 17 de dezembro de 1908, sendo reformulada essa última pelo Decreto 5.746 de 09 de

dezembro de 1929. Por último, em 21 de junho de 1945, foi promulgado por Getúlio Vargas,

no fim de seu governo, o Decreto-Lei 7.661, que vigorou quase por sessenta anos, ocorrendo,

em 09 de fevereiro de 2005, sua substituição pela Lei n. º 11.101/2005 (BEZERRA FILHO,

2001, p.33-34), onde se insere o objeto desse estudo.

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2.2 O Conceito de Falência

Delineada a evolução histórica do Direito Falimentar, importante demonstra-se

inserir noções básicas, a fim de auxiliar o estudo dessa matéria. Em virtude disso, passa-se à

análise dos conceitos de falência e insolvência.

A palavra falência surgiu, etimologicamente, do verbo latim fallere e significa

faltar, enganar, falsear, desfalecer (ALMEIDA, 2008, p.16). Desde sua origem, esse vocábulo

possui um sentido pejorativo, muito utilizado para caracterizar o estado de crise ou

decadência de sujeitos e instituições (ALMEIDA, 2008, p.16). Incorporada à linguagem

técnica do Direito, passou a denominar, nas palavras de Rubens Requião, “a impossibilidade

de o devedor pagar suas dívidas, em conseqüência da falta de meios decorrentes de escasso e

insuficiente patrimônio” (REQUIÃO, 1998, p.3).

Vale salientar que a palavra falência não foi sempre utilizada pelo Direito

Empresarial, sendo que, em alguns momentos, essa foi substituída pelo termo quebra,

empregado em decorrência de um antigo costume mercantil da Idade Média, no qual os

credores, nas feiras medievais, se juntavam para quebrar a banca onde ficavam expostas as

mercadorias do devedor que não cumpria suas obrigações (CARRAZZA, 1997, p.84). Daí

surgiu também, o termo bancarrota (ALMEIDA, 2008, p.16). Aulete Caldas, citada por

Amador Paes de Almeida (2008, p.16), demonstra a sinonímia entre aqueles vocábulos,

afirmando que “Os portugueses empregavam a quebra para definir a falência, daí surgindo a

expressão quebrado, que significa pobre, arruinado, sem dinheiro, pronto”.

Importante frisar que, por tempos, não existiu qualquer diferença entre os termos

falência e quebra, sendo que a primeira predominou no vocábulo jurídico em virtude de sua

natureza mais técnica (REQUIÃO, 1998, p.4).

Acerca desse assunto, ensina Rubens Requião (1998, p. 4):

[...] podemos repetir com o clássico Ferreira Borges, em seu Dicionário Jurídico Comercial, que “quebra importa com frase comercial precisamente o mesmo que falência: tanto se diz quebra de boa fé, como quebra de má fé”: é a tradução literal do termo rota em bancarrota, que tanto vale como banca quebrada. Quebra é o termo que usa a Ord., Liv. 5, Tít. 66. A palavra falência foi admitida muito tempo depois. Hoje é sinônima, e de igual uso.

Se não há maiores problemas quanto ao seu significado no âmbito da linguagem,

enquanto definição de um instituto particular do direito deixa de haver consenso. Rubens

Requião (1998, p.5) explica o motivo de tal divergência de idéias:

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16

[...] como o instituto da falência pode ser focalizado por um duplo aspecto jurídico, seja o de direito substancial o material e de direito formal ou processual [...], dois estilos de definição surgem, é natural que os autores que seguem uma ou outra orientação definam o instituto sob o aspecto peculiar a que aderem. Os falencistas que consideram a falência um instituto de direito processual civil naturalmente são inclinados a defini-la com um processo. Não definem o instituto da falência, mas apenas o processo de falência, focalizando enfaticamente seu procedimento. Outra corrente a define como instituto de direito substancial, relegando o procedimento para segundo plano.

O instituto falimentar, assim como vários outros, uniu em sua regulamentação

normativa diretrizes de cunho processual e não-processual, como explicitado acima. Em

virtude dessa previsão, é costumeiro que em sua definição esteja presente o caráter substancial

ou formal, dependendo daquele que a faz. Alinhando-se à corrente processual da falência,

assim como a grande maioria da doutrina, Amador Paes de Almeida (2008, p.17) assim a

define:

[...] do ponto de vista jurídico, falência é um processo de execução coletiva contra o devedor insolvente. Processo de execução coletiva por congregar todos os credores, por força da vis attractiva do juízo falimentar. Verdadeiro litisconsórcio ativo necessário, ou seja, elo que reúne diversos litigantes em um só processo, ligados por comunhão de interesses. [...]

Não obstante os ensinamentos desse doutrinador, mais acertada parece a definição

apresentada por Rubens Requião (1998, p.6), qual seja, “A falência é, em nosso entender, a

solução judicial da situação jurídica do devedor-comerciante que não paga no vencimento sua

obrigação líquida”, por reunir tanto o cunho processual do instituto sob estudo, demonstrando

a necessidade de um processo judicial para sua efetiva aplicação, quanto o cunho substancial

daquele, por eleger como pressuposto fundamental para sua utilização a ocorrência de um fato

delineado pelo direito material, a saber, o não pagamento em tempo hábil de valor

determinado estabelecido em uma relação jurídica.

Sabe-se que a garantia do credor é o patrimônio do devedor. Nesse sentido, em

havendo inadimplemento deste, o credor pode executá-lo (por exemplo: ação de cobrança)

individualmente. Entretanto, se o devedor não possuir bens suficientes para satisfazer o seu

passivo, a execução individual de um credor pode se tornar injusta com os demais credores,

que, embora da mesma categoria daquele, podem não ter à disposição o patrimônio suficiente

para satisfazer seus créditos.

A expressão par condicio creditorum “exprime a condição de equivalência em

que se encontram os credores admitidos em um processo de falência, relacionada esta à real

probabilidade de cumprimento obrigacional pelo devedor. Os iguais, assim considerados com

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17

as qualidades de seus créditos, terão tratamento paritário” (RAMOS, 2008, p.71). Assim, a

falência visa segurar a igualdade entre os credores da mesma classe pela par condicio

creditorum, visto que num universo de credores habilitados de uma falência, poder-se-á

encontrar alguns respaldados em indenizações por acidente de trabalho, enquanto que outros

demandam dívidas de natureza tributária. Há também os que possuem créditos lastreados em

uma garantia real (hipoteca, penhor) ou, ainda, aqueles que nenhuma garantia têm

(quirografários).

Todos serão agrupados na conformidade da qualidade de seus direitos, não se

permitindo, por exemplo, a um crédito quirografário, ser classificado de forma equivalente a

um tributário. Deste modo, se o falido se dispuser de um ativo capaz de satisfazer todo seu

passivo, o efeito prático dessa medida será apenas o momento do pagamento, já que a

totalidade de seus débitos será executada.

Assim, diante a dificuldade de implementação da regra da execução individual

quanto ao devedor insolvente, e em obediência ao princípio da par condicio creditorum, o

ordenamento jurídico estabelece um processo de execução concursal contra ele.

Mas é preciso destacar que o regime jurídico aplicável à execução concursal do

devedor insolvente varia de acordo com a qualidade do devedor, quer dizer, varia conforme o

devedor seja ou não qualificado como empresário.

2.3 O Conceito de Insolvência

A insolvência é uma figura central para o instituto falimentar, pois o fato, por si

só, de o devedor não pagar no vencimento obrigação líquida não enseja o pedido de falência;

é necessário que exista uma motivação para que ele deixe de fazê-lo, sendo esse o conceito

que se passa a analisar.

Diferentemente do que ocorre quando se busca uma definição de falência, a

doutrina aponta para a mesma direção quando se procura um conceito de insolvência.

Neste sentido, segundo as lições de Fábio Ulhoa Coelho (2005, p.25), esta pode

assim ser delineada:

[...] a crise patrimonial é a insolvência, isto é, a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo. Trata-se de crise estática, quer dizer, se a sociedade empresária tem menos bens em seu patrimônio que o total de suas dívidas, ela parece apresentar uma condição temerária, indicativa de risco para os credores.

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18

Amador Paes de Almeida (2008, p.23) manifesta-se no mesmo sentido:

É a condição de quem não pode saldar suas dívidas. Diz-se do devedor que possui um passivo sensivelmente maior que o ativo. Por outras palavras, significa que a pessoa (física ou jurídica) deve em proporção maior do que pode pagar, isto é, tem compromissos superiores aos seus rendimentos ou ao seu patrimônio.

Importante registrar, também, os ensinamentos de Rubens Requião (1998, p.40)

acerca desse assunto, quais sejam:

“A insolvência – importante é compreender – constitui um fato. Pertence ao

domínio dos fatos econômicos no âmbito da empresa. O Direito Falimentar dele não conhece,

a não ser quando, transpondo-se do campo fático, ingressa no terreno jurídico”.

Diante do exposto, percebe-se pela leitura do art. 748 do Código de Processo

Civil3, que a insolvência pode ser definida como o excesso de dívidas contraídas – o que se

denomina passivo – e que são incapazes de serem pagas pelo patrimônio – o chamado ativo –

do devedor. No entanto, aquela se constitui de um fato que, segundo as palavras de Rubens

Requião, não são relevantes para o Direito, muito embora a insolvência seja condição

primordial para o pedido de falência desde os tempos antigos. Encontra-se, portanto, diante de

um pequeno problema: como dimensionar a insolvência?

A fim de dirimir esse impasse, faz-se necessária a leitura de Vinícius José

Marques Gontijo (2005, p.7-8), que ensina:

[...] o legislador brasileiro abdica da exigência da insolvência de fato, caminhando para a chamada insolvência jurídica, que se assenta no chamado sistema misto falimentar brasileiro. A lei abdica da insolvência de fato, porque esta é extremamente ruinosa para o empresário. Ainda que a insolvência de fato, num processo de falência, corresse em sigilo na Justiça, inúmeros seriam os concorrentes que, reciprocamente, pediriam falência só para devassar a intimidade contábil de seu concorrente. Daí se optar pelo sistema de insolvência jurídica, que se assenta no sistema de presunção legal. Ao invés de se exigir a prova contábil da insolvência, exigem-se presunções [...].

Infere-se, então, que a insolvência, enquanto fato, demonstra-se relevante sim para

o Direito Falimentar, não sendo necessária, no entanto, a prova contábil e inconteste de sua

ocorrência para caracterizá-la. A presença de determinados indícios, como a impontualidade

do devedor no cumprimento de suas obrigações e a prática de atos que levem à extinção da

atividade empresarial, tais como: liquidação ruinosa da sociedade, negócio simulado,

transferência de estabelecimento sem reserva de bens para solver seu passivo, dentre outros,

que são os denominados atos ruinosos, já demonstram a sua existência.

3 “Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”.

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19

Importante frisar que, contrariamente ao que ocorre no instituto falimentar, a

insolvência de fato constitui condição essencial para a execução contra devedor insolvente

(WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2001, p.356), pois faz-se necessária a prova

inconteste da incapacidade do patrimônio desse pagar as dívidas contraídas, uma vez que não

há outro meio, como ocorre no instituto falimentar, para caracterizar-se o estado de

insolvência da pessoa natural. Corroborando com esse entendimento e explicando o

procedimento da execução contra devedor insolvente, ensina Wambier; Almeida; Talamini

(2001, p.357):

[...] será precedida de sentença judicial, que reconhecerá o estado fático de insolvência e submeterá o devedor a novo regime jurídico (declaração judicial de insolvência). Assim, antes do processo executivo propriamente dito, ocorre processo de cognição, destinado a verificar a situação patrimonial do devedor. [...].

Insta salientar que, no processo falimentar, também há a necessidade de

pronunciamento judicial declarando o estado de insolvência do devedor. No entanto, nesse

caso, a sentença declaratória da falência inicia uma fase nova dentro do mesmo processo, a

saber, a execução coletiva; (ALMEIDA, 2008, p. 106-108) enquanto que, no caso da

insolvência civil, a sentença que reconhece esse estado põe fim ao procedimento de cognição,

trazendo, com isso, a necessidade de um novo processo para satisfação dos credores, a

execução contra o devedor insolvente (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2001, p.357).

Em suma, pode-se afirmar que a insolvência, ou seja, a impossibilidade de

pagamento pelo patrimônio do devedor, empresário ou não, das dívidas por ele adquiridas, é

condição basilar para a instalação da execução concursal. Vale salientar, ainda, que há duas

modalidades de insolvência, a saber, a de fato, que se caracteriza por ser uma prova

inconteste, real, contábil dessa; e a de direito, que se constitui de indícios que demonstram a

ocorrência daquela. Por fim, constata-se que há diferenciações entre os procedimentos

aplicáveis ao devedor empresário e o não empresário, pois estão aqueles, fundamentados nos

dois diferentes tipos de insolvência anteriormente delineados: o primeiro na essencialidade da

insolvência de direito e o segundo, na insolvência de fato.

2.4 O Decreto-lei 7.661/1945

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20

Em virtude da alteração legislativa ocorrida em nosso país acerca do instituto

falimentar, faz-se necessário um estudo comparativo entre a antiga e a atual norma

delineadora da falência no Brasil, a fim de verificar as evoluções do instituto no caso em

estudo.

Findada a II Guerra Mundial, surge a necessidade de reconstrução dos países nela

envolvidos e, em conseqüência, de reestruturação das bases econômicas para o

desenvolvimento da atividade empresarial (TROVÃO, 2005). A abundância de crédito

externo e interno disponível no mercado para tal finalidade ocasionou uma completa revisão

do instituto falimentar em todo o mundo, a fim de que esse protegesse o sistema econômico,

em reerguimento dos efeitos danosos oriundos do desenvolvimento irresponsável e irregular

da atividade mercantil. Antônio de Jesus Trovão (2005) assim relata sobre esse período

histórico:

[...] veja-se aqui, apenas como pano de fundo, o caráter histórico da medida, posto que o país encontrava-se em pleno processo de desenvolvimento, razão pela qual, exigia uma legislação que assegurasse que tal desenvolvimento não incorreria em efeitos danosos e indesejáveis ao meio social e econômico. Época de pós-guerra mundial, reconstrução de países e de economias desvalidas por anos seguidos de perdas e sofrimentos, situava-se o país em condição exigível pelas demais nações de desenvolver-se para acompanhar a reconstrução e dela obter frutos que lhe dispusessem um novo enquadramento no cenário internacional, inclusive quanto à política do progresso para todos (sic) que tornou-se o verdadeiro mote que iria alimentar as expectativas dos anos seguintes. O empreendimento profissionalizado exercido por indivíduos aptos e capazes, unido ao capital externo e interno facilmente capitalizáveis para toda a sorte de investimentos promissores (sic) e com a necessária capacitação do meio econômico, eram os instrumentos mais que necessários e suficientes para gerar a predisposição esperada pelas autoridades governamentais, a fim de funcionar como motor de partida para o crescimento econômico que estaria se delineando no horizonte futuro da humanidade.

Nesse contexto, surge, em 21 de julho de 1945, o Decreto-Lei n.º 7.661, que

substituiu o Decreto 5.746 de 09 de dezembro de 1929, trazendo nova regulamentação para o

instituto falimentar brasileiro, cujo intento era o de regular e estabelecer critérios para, em

sendo inevitável, organizar o processo falimentar do empresário, com o intuito de evitar que

estes danos atingissem uma amplitude maior.

O Decreto-Lei nº 7.661/1945 contemplava em seu texto dois institutos, a saber: a

falência propriamente dita, regulada pelos artigos 1º a 138; e a concordata, nos artigos 139 a

185. O primeiro instituto, pilar central da norma sob estudo, tratava a questão falimentar com

demasiado rigor, estabelecendo condições específicas para caracterização do estado de

insolvência do devedor, tal como a necessidade de um protesto especial do título que

consubstanciava o pedido de falência, conforme disposto no art. 10, § 1º do Decreto-Lei n.º

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7.661/1945, dificultando a utilização do instituto falimentar, em alguns casos (GONTIJO,

2005, p.8); e destinava ao falido severo tratamento, principalmente no âmbito penal

falimentar.

No tocante à concordata, havia no Decreto-Lei 7.661/1945 a previsão de duas

modalidades distintas dessa, quais sejam: a Concordata preventiva, regulada pelos artigos 156

a 176; e a Concordata Suspensiva, previstas nos artigos 177 a 185. Em resumo, ambas

possuíam finalidades diversas, pois a primeira visava ao pagamento a determinados credores

dentro de um prazo legalmente fixado, qual seja, dois anos, a fim de evitar o ajuizamento do

pedido de falência; enquanto a segunda objetivava suspender o procedimento falimentar

mediante pagamento parcial a alguns credores e negociação quanto ao restante, dentro do

referido prazo (COSTA, 2005, p.57-88). Sobre as modalidades de concordata, vale registrar

os ensinamentos de Rubens Requião (1998, p.7):

A concordata judicial, também denominada contenciosa, é proposta perante o magistrado, e à qual se podem opor os credores. Assume a forma de concordata preventiva ou de concordata suspensiva. A concordata preventiva, como a própria palavra indica, visa prevenir a falência do devedor. Toma ele, antes de declarada a falência, a iniciativa de requerê-la ao juiz, que, concedendo-a, previne a falência; mas, se negá-la, declara ex officio a falência do peticionário. A concordata suspensiva tem por fim suspender a falência, restabelecendo no devedor falido a plenitude de sua atividade empresarial. Surge, portanto, posteriormente à falência já declarada, evitando a liquidação da empresa. É chamada também, porém impropriamente, de extintiva da falência. Na verdade, como tivemos oportunidade de acentuar, ela não extingue a falência, mas apenas a suspende: se, a qualquer momento, o concordatário não cumpre suas obrigações ou infringe a lei, reabre-se a falência. Daí porque a denominação mais adequada é a de concordata suspensiva da falência.

No que concerne aos efeitos da concordata, ainda leciona Rubens Requião (1998,

p.7):

Tanto a concordata preventiva como a concordata suspensiva podem assumir diferentes modalidades, segundo a nossa lei: concordata moratória ou dilatória, concordata remissória e concordata mista, ou seja, concordata dilatória-remissória. A concordata simplesmente moratória ou dilatória visa à prorrogação de prazo do pagamento os credores; a concordata remissória visa à remissão parcial do quantum dos créditos, isto é, pretende um abatimento no valor das dívidas do empresário comercial com pagamento à vista; e a concordata mista ou dilatória-remissória, que conjuga aqueles dois efeitos, isto é, a dilação do prazo e o abatimento do valor das dívidas. [...]

Vê-se, portanto, que a concordata caracterizava-se como uma forma de

composição com os credores do devedor insolvente, buscando meios para possibilitar a

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22

continuação da atividade empresarial. Vale salientar, no entanto, que não ocorria a

participação direta e efetiva dos credores na elaboração dessa composição, o que levou aquele

instituto a ser considerado como um favor legal, um benefício concedido pelo Juiz ao devedor

honesto que não cumprisse suas obrigações em tempo hábil, como bem demonstra Rubens

Requião (1998, p.16), “[...] Passa a concordata a ser não mais uma concessão dos credores,

mas do juiz. Um favor concedido pelo Estado, por sentença do juiz, ao comerciante honesto,

porém infeliz em seus negócios”.

Tal instituto deixava a desejar na medida em que inexigia a participação efetiva

dos credores que ficavam sujeitos a uma decisão judicial de mão única, sem direito a

interferência, mesmo que de natureza meramente declaratória de vontade e, ainda, revestida

de fim em si mesmo, sob a qual todos ficariam sujeitos de forma inderrogável ou mesmo

impessoal ao decisório prolatado em sede judicial, espraiando efeitos e jungindo-se de caráter

constitutivo de direitos e obrigações.

Corroborando com tal entendimento, insta registrar o pronunciamento do Superior

Tribunal de Justiça acerca do tema:

Processo REsp 82452 / SP RECURSO ESPECIAL 1995/0066312-0 Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110) Órgão Julgador T4 – QUARTA TURMA Data do Julgamento 28/06/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 29.08.2005 p. 345. Ementa: COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. CONCORDATA PREVENTIVA. QUITAÇÃO DA TOTALIDADE DAS PARCELAS. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO RETARDATÁRIA. PRETENSÃO ENTÃO AINDA NÃO APRECIADA. PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA CONCORDATA HOMOLOGADO. IMPUGNAÇÃO DO CREDOR RETARDATÁRIO. FRAUDE NÃO DETECTADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DECRETO-LEI N. 7.661/1945, ARTS. 98, § 4º, E 173, § 3º. I. Não padece de nulidade o acórdão estadual que enfrenta as questões essenciais ao embasamento da decisão que tomou, apenas com conclusão contrária ao interesse da parte. II. Possível a homologação de pedido de desistência de concordata preventiva, se já quitadas as parcelas devidas aos credores habilitados, não constituindo óbice a tanto a existência de pedido de habilitação retardatária pendente de complementação documental, portanto ainda não apreciado, patenteada a inexistência de fraude na espécie, segundo a conclusão das instâncias ordinárias. III. Pretensão de credor que apresenta habilitação retardatária sequer suficientemente instruída, de obstar a homologação até o processamento do requerimento e pagamento de seu crédito, representando, em verdade, pleito de verdadeira convolação da concordata em execução privada a seu favor, o que não se coaduna com o propósito daquele favor legal que visa, em essência, a recuperação da saúde econômica da empresa, para que possa permanecer em atividade, cumprindo seus objetivos sociais. IV. Ressalva ao credor da cobrança pela via executiva. V. Recurso especial não conhecido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2005).

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Vale salientar, ainda, os ensinamentos de Sebastião José Roque (2005, p.21)

acerca desse assunto, quais sejam:

A concordata fora também desvirtuada, pois deveria ser acordo com os credores e seria esse o significado do termo “concordata”. Entretanto, não era mais um acordo, mas um ‘favor legis’, em que o juiz estabelecia o acordo com o devedor em nome dos credores. A justiça concedia, pois, um favor, vale dizer, fazia cortesia com chapéu alheio [...].

Nos quase sessenta nos de vigência do Decreto-Lei nº 7.661/1945, importantes

mudanças ocorreram no Brasil e no mundo, propiciando um expressivo aumento no nível de

complexidade do meio social, como está registrado na nossa história. Tais fatos, aos poucos,

foram ocasionando a inadequação do instituto falimentar à realidade socioeconômica

brasileira (ROQUE, 2005, p.87).

Vê-se, portanto, que servir como instrumento de reestruturação da atividade

mercantil e protetor do meio econômico já não era o bastante para o instituto falimentar

(TROVÃO, 2005), pois a evolução das relações sociais gerou uma série de outros anseios que

deveriam ser amparados, em especial, pelo Direito Empresarial.

Nestes termos, o Decreto-Lei nº 7.661/1945, após anos de vigência, tornou-se

obsoleto, incapaz de resolver as questões a ele submetidas. Contudo, há que se ressaltar que

na visão de alguns doutrinadores, o instituto não era tão ruim como se fala, mas foi nossa

antiga Lei falimentar deturpada e utilizada em benefício de um bando de espertalhões, com

sensíveis prejuízos causados à sociedade brasileira (ROQUE, 2005, p.88).

Ao longo dos anos, o processo judicial de falência e de concordata, em qualquer

de suas modalidades, tornou-se um meio para que empresários sem escrúpulos se furtassem

de suas obrigações (REQUIÃO, 1998, p.5), - conforme corroborado por jurisprudência à

época -, 4 como também sinônimo de prejuízo para credores, que viam frustrados seus anseios

para recebimento de seus créditos, de modo a provocar também encerramento prematuro da

atividade empresária.

Assim, no antigo direito concursal, passou a falência a ser um processo de

cobrança mais violento do que a execução individual, cercado de escândalo, desvirtuando

assim o instituto. De modo que, ao ser decretada a falência, inicia-se um processo de

execução coletiva de vários credores contra um só devedor (ROQUE, 2005, p.34).

4 Acerca do tema, vide o Recurso Especial (REsp) n.º 370.068, Conflito de Competência (CC) n.º 32.988,

Recurso Especial (REsp) n.º 51.688 e o Recurso Especial (REsp) n.º 9.647. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia>.

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Nestes termos, é válido ressaltar que, em que pese o processo falimentar

representar modalidade de execução coletiva, por diversas razões que ultrapassam o objeto

desse trabalho, há obrigações e créditos que não podem ser reclamados na falência, sendo

postos fora do chamado juízo universal (GONTIJO, 2007, p.201).

Por fatos como os narrados, surge, então, a necessidade de substituição do

Decreto-Lei n.º 7.661/1945, ante a complexidade de uma sociedade e a conseqüente ineficácia

da função a lei de falência, enquanto meio de garantir a sobrevivência da empresa.

Neste sentido, importante, por fim, registrar os ensinamentos de Manoel Justino

Bezerra Filho (2005, p.34) acerca do assunto, qual seja a ineficácia do Decreto Lei 7.661/45:

A falência e também a concordata, na forma como se encontravam estruturadas no Dec.-lei 7.661/45, não ofereciam possibilidade de solução no sentido de propiciarem ao então comerciante, hoje empresário ou sociedade empresária, em situação de crise, a possibilidade de se recuperarem. O falido nunca foi bem visto pelos demais circunstantes, seja pelos credores, seja pelo próprio Judiciário [...] Urgia assim procurar o que seria um “pronto-socorro” para empresas em situação pré-falimentar, para que se lhes oferecesse possibilidade de recuperação. A manutenção da atividade empresarial guarda interesse social acentuado, com pólo produtivo da economia. [...].

O Decreto Lei 7.661/45 mostrava uma visão extremamente liquidatária, não

observa a função social e foi interpretado de forma individualista e anti-social, sem que se

adequasse aos princípios legais, como o expresso no art. 5º da LICC – o juiz ao aplicar a lei

tem que atender à função social).

Neste cenário de incertezas, foi promulgada em 09 de fevereiro de 2005 a Lei nº

11.101, a denominada Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e a Falência do empresário

e da sociedade empresária, que em seu art. 47 da Lei nº 11.101/05 estabelece que a lei observa

à função social, o que será analisando pormenorizadamente adiante.

Contudo, antes de adentramos na referida lei, necessário se fazer um apanhado

geral, sem o intuito de esgotar, ou esmiuçar, sobre as alterações ocorridas com a revogação do

Código Civil de 1916, com profundas mudanças no direito empresarial, objeto dos institutos

cernes da Recuperação Judicial e Extrajudicial e a Falência do empresário e da sociedade

empresária.

2.4.1 Mudança de paradigma empresarial: Código Civil de 1916 x Código Civil de 2002

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25

O Decreto-Lei nº 7.661/1945, conforme já exposto, ao longo de seus quase

sessenta anos de vigência, se mostrou incapaz de resolver as questões surgidas num meio,

tanto social quanto econômico, cada vez mais complexos, e, em virtude disso, foi elaborada a

Lei nº 11.101/2005. Entretanto, apenas a realidade fática não foi responsável por evidenciar

tal necessidade, as alterações procedidas no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente

após o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988

(CRFB/1988), contribuíram para a total reformulação do instituto falimentar.

O texto constitucional, promulgado no ano de 1988, trouxe em seu bojo uma clara

delineação de quais eram os rumos que a população ansiava em ver realizado - tanto a curto

como médio e longo prazo - estabilidade social, equilíbrio empresarial, aliados à um

desenvolvimento econômico sustentável capaz de suprir suas próprias necessidades de

recursos, em especial aqueles de ordem financeira (capital).

Esta visão encontrava expressa no corpo do texto constitucional conforme se

vislumbra na leitura do inciso II do artigo 3° da Constituição Federal, pois desenvolvimento

nacional revela-se com o desenvolvimento econômico sustentável e a empresa exerce um

papel importantíssimo neste avanço.

Todavia, cabe evidenciar que o inscrito acima não é o único a consagrar tais

anseios, pois o legislador constituinte almejou muito mais do que uma manifestação genérica,

reservando ao título VII da Constituição Federal, em especial no seu artigo 170, a

consagração da livre-iniciativa, livre-concorrência e pleno emprego, pressupostos basilares da

economia de mercado, associado com o caráter assecuratório de que tais pressupostos

deveriam ser observados tantos nas relações internas quanto nas externas.

Acompanhando todos esses avanços, também adveio a proposta de unificação do

Direito Privado, sendo Cesare Vivante considerado como o grande arauto de tal ideologia

(OLIVEIRA, C., 2004, p.59).

A discussão quanto à unificação do direito empresarial não é nova. De fato, ela

acentuou-se no final do século XIX, com professor italiano Cesare Vivante.

Vivante escandalizou os meios jurídicos da Europa à época com um frontal ataque

à divisão do direito privado, condenando a autonomia do direito comercial. Contudo, tempos

depois ele retratou-se, reconhecendo a dicotomia entre direito civil e direito comercial, em

virtude das características diversas de ambos, que impediriam a unificação, em sede do

argumento de que a ética civil seria totalmente diferente da ética comercial, visando a

primeira, o coletivo e a segunda visando o individual – lucro. Desta forma, apesar da junção

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em um único texto jurídico normativo – Código Civil de 2002 -, o direito empresarial, sem

dúvida manteve a sua autonomia (OLIVEIRA, 2004, p.89-94).

À guisa dessa doutrina, orientaram-se os trabalhos da comissão nomeada para

elaboração do anteprojeto de reformulação do Código Civil brasileiro de 1916, presidida por

Reale (1999, p.19).

A principal característica do anteprojeto apresentado por aquela comissão, e que

posteriormente tornou-se a Lei nº 10.406/2002, demonstrava ser a preocupação com o aspecto

social da norma, contrariamente ao seu antecessor, o Código Civil de 1916 que, como citado

anteriormente, prioriza o interesse individualista (REALE, 1999, p.55-56).

O Decreto-Lei nº 7.661/1945, que regulava o instituto falimentar brasileiro, foi

elaborado sob a égide daquele texto jurídico civil e, em virtude disso, comungava dos ideais

nele contemplados, ou seja, observa com maior ênfase o caráter individual, concedendo maior

relevância aos interesses privados dele decorrentes.

A partir da entrada em vigor do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), evidenciou-se

a divergência filosófica entre essa norma e o antigo instituto falimentar, conforme salientado,

ocasionando, então, a necessidade de reformulação do último, a fim de que o direito privado

pátrio e o instituo falimentar seguisse uma mesma orientação, avançando-se no processo de

constitucionalização desse.

Não obstante a existência de uma diferenciação no âmbito filosófico entre as

normas supracitadas, que por si só justificaria uma adequação delas, diversas outras alterações

trazidas pela Lei nº 10.406/2002, no que concerne à matéria mercantil, levaram a

incompatibilidade entre essa e o Decreto-Lei n.º 7.661/1945. No mais, o próprio instituto

falimentar, conforme relatado, já se mostrava defasado.

Inovação importante também trazida pela Lei nº 10.406/2002 consiste na nova

tipologia societária. Enquanto o Código Civil de 1916 deixava à margem a questão societária,

cabendo ao Código Comercial de 1850 (Lei nº 556/1850) e à legislação especial regulá-la; o

Código Civil brasileiro extinguiu a dicotomia existente entre as sociedades civis e as de cunho

mercantil, reservando a essas a denominação “sociedade empresária” e às demais,

“associação” dirimindo, assim, qualquer conflito que pudesse surgir no que tange a essa

matéria, e ainda instituindo as sociedades simples.

Por fim, outra inovação trazida pela nova codificação civilista brasileira, foi a

desconsideração da personalidade jurídica. Embora não se situe no Livro II da Lei nº

10.406/2002, pois está previsto no art. 50 da referida norma, esse instituto possui grande

ligação com o meio mercantil. Desde sua origem na Inglaterra em 1897, a disregard of legal

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27

entity, denominação original daquele instrumento jurídico (GAGLIANO, 2004, p.237),

objetiva afastar a pessoa jurídica, procurando responsabilizar as pessoas que delas se

utilizarem para praticar atos ilícitos (VENOSA, 2004, p.308).

Acerca do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, leciona Pablo

Stolze Gagliano (2004, p.237):

Em linhas gerais, a doutrina da desconsideração pretende o superamento episódico da personalidade jurídica da sociedade, em caso de fraude, abuso, ou simples desvio de função, objetivando a satisfação do terceiro lesado junto ao patrimônio dos próprios sócios, que passam a ter responsabilidade pessoal pelo ilícito causado.

Diante de todo o exposto, vê-se que o já antigo e sexagenário Decreto-Lei nº

7.661/1945 não possuía mais condições de responder aos anseios de uma sociedade cujo nível

de complexidade demonstra-se cada vez maior; e não estava em consonância, no âmbito

filosófico, com o arcabouço jurídico pátrio. Necessária, portanto, a sua substituição.

Nesta esteira, acompanhando todas as alterações constitucionais e legislativas,

sobreveio a lei 11.101/2005, com a proposta de reorganizar e modernizar a relação entre

empresários, investidores, consumidores e fornecedores e permitindo que surja no cenário

nacional uma nova figura: a figura da recuperação empresarial por via judicial ou

extrajudicial, e com ela a emanação plena do princípio da função social e da preservação da

empresa, através da participação efetiva dos credores através da realização dos ativos da

empresa.

2.5 A Lei nº 11.101/2005

A Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, denominada Lei de Recuperação de

Empresa que substituiu o Decreto-Lei 7.661/1945, passando a regulamentar o instituto

falimentar brasileiro, Sendo que a sua proposição e tramitação foram um tanto quanto

conturbadas, em virtude das questões por ela reguladas (ROQUE, 2005, p.19-22).

Durante o governo Collor foi apresentado o projeto da referida lei, sendo que sua

redação foi influenciada, predominantemente, pelos institutos falimentares norte-americano,

francês e português, inserindo-se no projeto grande parte da legislação falimentar brasileira

vigente à época (ROQUE, 2005, p.87-88). Após sua proposição e antes de sua análise na

Câmara dos Deputados, surgiram milhares de manifestações no sentido contrário à aprovação

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do projeto, alegando-se, em suma, que essa não se prestava aos fins que se pretendia

(ROQUE, 2005, p.87-88). Em virtude da reação social, foi o projeto retirado pelo governo

para reformulação.

Devido ao “impeachment” daquele governante, sendo esse fato histórico

importante e de amplo conhecimento, a comissão por ele nomeada não pôde re-examinar o

projeto e apresentá-lo novamente ao Congresso Nacional. Tal tarefa foi destina ao advogado

Alfredo Bumachar Filho, nomeado pelo governo seguinte, que apresentou o Projeto de Lei nº

4.376/1993, conservando a essência do projeto anterior e simplificando-o (ROQUE, 2005,

p.87-88). Decorridos doze longos anos de tramitação e recebidas várias emendas realizadas

por senadores e deputados, aquele tornou-se norma jurídica. Vale salientar que a lei aprovada

difere em muitos pontos do projeto originalmente apresentado (SANTOS, 2006).

Demonstra-se ponto importante e merecedor de destaque neste estudo, o relatório

final apresentado pelo Senador Ramez Tebet, relator do Projeto de Lei da Câmara dos

Deputados (PLC) nº 071/2003, denominação dada ao Projeto de Lei nº 4.376/1993 no Senado

Federal, à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Naquele documento, elegeu o

parlamentar as bases sobre as quais deveriam ser erguidas as normas do novo instituto

falimentar brasileiro, a futura Lei nº 11.101/2005, a fim de adequá-lo à realidade

socioeconômica e necessidades de uma sociedade complexa e plural, sendo aquelas a sequir

transcritas:

1) Preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado pelos chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros. 2) Separação dos conceitos de empresa e de empresário: a empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços. Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja a falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases eficientes. 3) Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis: sempre que for possível a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial. 4) Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis: caso haja problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa, de modo a inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover de forma rápida e eficiente sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e o agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedades com dificuldades insanáveis na condução do negócio. 5) Proteção aos trabalhadores: os trabalhadores, por terem como único ou principal bem sua força de trabalho, devem ser protegidos, não só com precedência

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no recebimento de seus créditos na falência e na recuperação judicial, mas com instrumentos que, por preservarem a empresa, preservem também seus empregos e criem novas oportunidades para a grande massa de desempregados. 6) Redução do custo do crédito no Brasil: é necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação de recursos financeiros a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico. 7) Celeridade e eficiência dos processos judiciais: é preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca seu curso. 8) Segurança jurídica: deve-se conferir às normas relativas à falência, à recuperação judicial e à recuperação extrajudicial tanta clareza e precisão quanto possível, para evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento das atividades das empresas e de suas contrapartes. 9) Participação ativa dos credores: é desejável que os credores participem ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que, diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de seu crédito, otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou malversação dos recursos da empresa ou da massa falida. 10) Maximização do valor dos ativos do falido: a lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não só se protegem os interesses dos credores de sociedades e empresários insolventes, que têm por isso sua garantia aumentada, mas também diminui-se o risco das transações econômicas, o que gera eficiência e aumento da riqueza geral. 11) Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte: a recuperação das micro e pequenas empresas não pode ser inviabilizada pela excessiva onerosidade do procedimento. Portanto, a lei deve prever, em paralelo às regras gerais, mecanismos mais simples e menos onerosos para ampliar o acesso dessas empresas à recuperação. 12) Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial: É preciso punir com severidade os crimes falimentares, com o objetivo de coibir as falências fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que causam. No que tange à recuperação judicial, a maior liberdade conferida ao devedor para apresentar proposta a seus credores precisa necessariamente ser contrabalançada com punição rigorosa aos atos fraudulentos praticados para induzir os credores ou o juízo a erro. (RELATÓRIO DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS – CAE – do Senado Federal apud ALMEIDA, 2008, p. 9).

Vale registrar, ainda, a manifestação do mencionado parlamentar acerca da

repercussão do instituto falimentar no meio social, justificando, portanto, a observância das

diretrizes supramencionadas, qual seja:

[...] as regras estabelecidas não afetam somente as empresas em dificuldades, mas também repercutem sobre o planejamento das empresas em regular funcionamento e das pessoas que com elas negociam, pois têm influência sobre a avaliação de riscos e sobre o conjunto das transações que regem o processo econômico. Trata-se, portanto, de matéria com impacto na segurança jurídica de muitos agentes, aí incluídos os trabalhadores, os fornecedores, os financiadores, os investidores e os clientes das empresas . (RELATÓRIO DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS – CAE – do Senado Federal apud ALMEIDA, 2008, p. 9).

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Uma das maiores e mais visíveis inovações trazidas pela nova sistemática

falimentar brasileira foi uma completa reformulação do pensamento filosófico acerca desse

instituto, adequando-o ao ideal de preservação da fonte produtiva, em virtude do impacto

sócio-econômico que o encerramento prematuro desta pode acarretar à sociedade como um

todo.

Neste sentido, com a nova legislação falimentar surge uma nova natureza jurídica,

com fulcro na preservação da empresa, para que, preservando-a possam ser reduzidos ou

excluídos os prejuízos dos credores.

Sebastião José Roque (2005, p.87-88), aponta, ao realizar uma análise sobre a Lei

nº 11.101/2005, como sendo as principais inovações trazidas por essa norma as seguintes:

1-Substituição da Concordata preventiva e suspensiva pela Recuperação Judicial e Extrajudicial, com conseqüente alteração da denominação síndico para administrador judicial; 2-Competência do Juízo Criminal para julgar os crimes falimentares; 3-Limitação a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos para privilégio do crédito trabalhista por credor; 4-Agilização do procedimento falimentar através de aplicação de algumas normas do procedimento sumário previsto no Código de Processo Civil. 5-Estabelecimento da necessidade de crédito na importância de 40 (quarenta) salários mínimos para ajuizamento do pedido de falência; 6-Não fixação de prazo para pagamento das obrigações, dependendo esse do plano de recuperação aprovado; 7-Maior participação dos credores no processo de falência e de recuperação; 8-Inexistência de sucessão do passivo tributário e trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, no caso de arrematação; 9-Ampliação das formas de realização do ativo, com a seguinte ordem de preferência: I) alienação da empresa, com venda de seus estabelecimentos em bloco; II) alienação da empresa com a venda de suas filiais em unidades produtivas isoladamente; III) alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV) alienação dos bens, individualmente considerados; 10-Extensão da falência para o empresário civil e mercantil, salvo exceções expressas em lei.

A Lei nº 11.101/2005, assim como seu antecessor, o Decreto-Lei nº 7.661/1945 -

que regulava a falência dos artigos 1º ao 138 e a concordata nos artigos 139 a 185 -, regula no

seu texto também dois institutos, a saber: a falência, preconizada nos artigos 75 a 157; e a

recuperação de empresa, presente do artigo 47 ao 74; e do artigo 161 a 167 (BEZERRA

FILHO, 2005, p.23).

No que tange à recuperação de empresa, divide-se essa, de acordo com o texto

legal, em duas categorias: a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial. Por sua vez,

subdividem-se aquelas em cinco outras modalidades, a saber: a recuperação judicial ou

ordinária, prevista nos artigos 47 a 69; a especial, destinada às microempresas e empresas de

pequeno porte, regulada nos art. 70 a 72; a extrajudicial individualizada, presente no art. 162;

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a extrajudicial por classe de credores, preconizada no art. 163; e a transação aberta, oriunda

do art. 167 (COSTA, 2005, p.58).

Vale salientar que todas as modalidades de recuperação de empresas comungam

dos mesmos ideais previstos no caput do art. 47 da lei em estudo, quais sejam:

[...] viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (2007).

Importante registrar, também, a maior relevância dada ao credor na Lei nº

11.101/2005, pois ele é, como ensina Amador Paes de Almeida (2008, p.60), “por excelência,

o titular da relação jurídica falimentar”. Sobre este assunto, preconiza Sebastião José Roque

(2005, p.368-369):

É marcante a presença dos credores nos procedimentos concursais; nos três: recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência. Quem irá requerer a falência do devedor inadimplente será o credor; só ele é o sujeito ativo do pedido de falência. Aberto o procedimento concursal, a ele podem recorrer todos os credores. São eles, portanto os autores do processo, pois serão as vítimas, os principais prejudicados. [...] Se o administrador judicial é o órgão da administração, os credores são os órgãos de fiscalização.

Nestes termos, no que refere à figura do administrador judicial, tem como função

precípua acompanhar o desenrolar da recuperação judicial e da falência, transcendendo suas

funções à esfera judiciária. Suas atribuições estão pormenorizadamente descritas do artigo 21

ao 25 da norma sob estudo, abarcando todos os procedimentos previstos no novo instituto

falimentar brasileiro (BEZERRA FILHO, 2005, p.84-100). Acerca de suas atribuições e da

extensão delas, ensina ainda Sebastião José Roque (2005, p.138):

O termo administrador judicial substitui os de síndico e de comissário, que ficam eliminados na linguagem concursal. Em outras palavras, o AJ atua nos três institutos concursais: recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência. Para cada uma delas, suas funções adquirem matizes especiais [...].

No mesmo sentido que o Decreto-Lei nº 7.661/1945, a atual sistemática falimentar

brasileira contempla, em seu texto legal, a matéria penal atinente aos delitos praticados no

âmbito daquela matéria. Justifica-se a existência dessas disposições em virtude da relevância

socioeconômica presente nos procedimentos regulados pela Lei nº 11.101/2005 (ALMEIDA,

2008, p.359).

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Importante inovação trazida por aquela norma jurídica, no que concerne às

disposições criminais, é a ampliação do lapso temporal caracterizador do ilícito penal,

conforme demonstra Manoel Justino Bezerra Filho (2005, p.387):

[...] anotando-se apenas que a Lei optou por caracterizar crimes não só após o decreto de falência, como também após a concessão do plano da recuperação judicial ou a homologação do plano de recuperação. Na lei anterior, durante o processamento da concordata preventiva, não havia crime falimentar; a lei resolveu ampliar o lapso temporal dentro do qual os atos podem ser caracterizados como crime, abrangendo, como visto, período anterior ao decreto de falência.

Por fim, insta registrar o papel do Ministério Público na atual sistematização

falimentar brasileira. O artigo 210 do Decreto-Lei nº 7.661/1945 preconizava a

obrigatoriedade da participação do Ministério Público em todos os feitos nos quais fosse parte

a massa falida (COSTA, 2005, p.247), no entanto, o dispositivo legal corresponde na Lei nº

11.101/2005 foi vetado pelo Presidente da República, ao fundamento de que já havia no texto

legal hipóteses razoáveis para a intervenção daquele órgão. A exemplo disso, o art. 142, § 7º

da referida lei, que prevê que o Ministério Público seja intimado pessoalmente, nas

modalidades de alienações, sob pena de nulidade.

Em virtude disso, foi reduzida a atuação do Ministério Público ao mínimo

legalmente previsto, visto que os direitos referidos no Direito Empresarial são disponíveis e

transacionáveis, por vigorar no Direito Empresarial o regime de liberdade e livre iniciativa.

“O dinamismo da atividade empresarial exige liberdade e improvisação, não se fazendo,

portanto, participação intensa daquela instituição nos procedimentos concursais como um

todo” (COELHO, F., 2005, p.29-33).

No que concerne a essa questão, vale registrar, por fim, os ensinamentos de

Sebastião José Roque (2005, p.355-356):

O antigo regime falimentar brasileiro, instituído pelo Decreto-lei 7.661/45, seguia o critério tradicional, vindo da Idade Média, conservando a conotação publicista e penal, justificando a intensa participação do Ministério Público nos procedimentos falimentares. Este atua em defesa do Estado e de pessoas mais fracas, impedindo a prevalência do mais forte. Não é, porém, o que ocorre no Direito de Recuperação de Empresas, em que as relações jurídicas foram estabelecidas entre partes com o mesmo poder de barganha, cada um podendo defender seus interesses sem a proteção do Estado. Que necessidade haverá pois da presença do Ministério Público se o Estado não participa dos procedimentos concursais? A favor de quem interfere o Ministério Público? Da empresa devedora? Dos credores?

Os credores, sem dúvida, são os grandes interessados na recuperação da empresa,

e com a Lei 11.101/05 ganham mais liberdade, autonomia e poder, sem, contudo ganharem as

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“rédeas” da recuperação, podendo agir de forma direta, vez que as normas tornam-se mais

claras e eficientes, ante a uma maior fiscalização.

Vê-se, portanto, que a Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, denominada Lei

de Recuperação de Empresa, alterou, substancial, quantitativa e qualitativamente, o instituto

falimentar brasileiro em diversos aspectos, adequando-a ao ideal de preservação da fonte

produtiva, presente no direito francês e norte-americano, como dito diversas vezes ao longo

deste estudo. Importante frisar, por fim, que os aspectos aqui apresentados com relação àquela

norma, serão objeto de análise mais detalhada em momento oportuno.

Neste ínterim, este estudo, atear-se-á ao estudo das formas de Recuperação de

Empresas dentro da Lei 11.101/05, principalmente a Recuperação Judicial, visto ser objeto

desse estudo a sucessão tributária em sede da decretação da recuperação judicial da empresa e

da sociedade empresária, sendo imprescindível conhecer as hipóteses de sua decretação em

prol do empresário devedor, haja vista a função de preservação da empresa, da sociedade

empresária, e por via de regra os credores, dentre eles, o próprio Estado.

2.5.1 Da recuperação de empresas no direito brasileiro

O instituto da recuperação de empresas ingressou no direito pátrio, via Lei nº.

11.101/2005, visto que, como já analisado, o Decreto-lei nº 7.661/1945 - antiga Lei de

Falências - não fazia qualquer menção à recuperação de empresas, apesar de disciplinar o

instituto da concordata, que também se prestava a possibilitar ao empresário o retorno à

normalidade via intervenção judicial em seu empreendimento (GUERRA, 2008a, p.25).

Nestes termos, tinha-se a concordata preventiva que era decretada (quando cabível) antes da

falência, propiciando ao empresário evitar a quebra; e a concordata suspensiva, que era

decretada (também se cabível) quando já em curso o processo falimentar, e que visava sustá-

lo, fazendo o empresário retornar ao comando de sua atividade econômica.

Todavia há que se ressaltar que as semelhanças entre concordata e recuperação de

empresas são muito pequenas, visto que se fosse diferente não haveria necessidade de se

revogar o Decreto Lei 7.661/45 e promulgar uma nova Lei.

A recuperação de empresas, nos moldes instituídos pela Lei nº 11.101/2005, pode

ser judicial ou extrajudicial. A judicial é decretada pelo Judiciário, mediante a aprovação de

um plano de recuperação judicial. Já na extrajudicial, o Judiciário funciona apenas como

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órgão homologador de um acordo extrajudicial já entabulado entre o devedor empresário e

seus credores.

Nestes termos, a recuperação de empresas vem para realizar de fato o papel de

preservação da empresa, papel este não desempenhado com efetividade pela antiga lei de

falências, que, como já analisado, fundava-se em aspectos liquidatórios. Ora por seu texto, ora

pela interpretação equivocada e viciada de seus operadores, ou ainda pela desvirtuação

praticada pelo próprio devedor empresário, credores e até pelo Estado, enquanto arrecadador

de tributos.

2.5.2 A recuperação extrajudicial

No tocante à recuperação extrajudicial, pode-se adiantar nesse momento

preliminar que esta é uma inovação sem precedentes no direito empresarial nacional, pois na

legislação anterior não era possível tal medida. Aliás, o devedor que convocasse seus credores

para propor renegociação coletiva de dívidas estava sujeito que fosse pedida e decretada sua

falência por atos de falência, visto que o artigo 2º, III, do Decreto Lei 7.661/1945, previa que:

"art. 2º. Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante: [...] III – convoca credores e

lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens; [...]".

Nestes termos, a nova lei criou outro mecanismo jurídico para a realização dos

ativos empresariais: a recuperação extrajudicial, em seus artigos 161 e 167, criando-se um

espaço até então inexistente, para a negociação entre as partes, demonstrando assim o intuito

de possibilitar a efetivação do reerguimento da empresa e do empresário devedor.

Em primeiro momento, pode-se manifestar que a vantagem da recuperação

extrajudicial está resumidamente na possibilidade de os credores aprovarem uma forma de

reestruturação do passivo da empresa insolvente pelos votos dos credores que representem

mais de três quintos e todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos, com sujeição da

solução ao poder judiciário apenas para a homologação.

Quanto aos requisitos para o requerimento da recuperação extrajudicial são os

mesmos para o requerimento da recuperação judicial, quais sejam, os expressos no art. 48 da

Lei 11.101/05.

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Contudo, no que se refere à recuperação extrajudicial, algumas limitações quanto

aos requisitos para a sua concessão, encontram-se expressas no art. 161 da Lei 11.101/05,

quais sejam:

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial. § 1o Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3o, e 86, inciso II do caput, desta Lei. § 2o O plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos. § 3o O devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos. § 4o O pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarretará suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial. § 5o Após a distribuição do pedido de homologação, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais signatários. § 6o A sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III do caput, da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Não se aprofundará na modalidade de recuperação extrajudicial, visto o tema em

estudo focar-se-á na matéria da sucessão tributária por sucessão empresarial no processo de

recuperação judicial. Tomar-se-á por base a recuperação extrajudicial, meramente para efeito

de parâmetros, quanto aos efeitos, o que se fará em capítulo próprio.

2.5.3 A recuperação judicial face à concordata

Como já analisado ao longo desse trabalho, o instituto da falência, nos primórdios,

tinha manifesto caráter punitivo, sem, contudo, cercar o falido e seus credores do verdadeiro

aparato e sentido da lei, qual seja, o resguardo e preservação da atividade empresária

concomitante ao menor ou nenhum prejuízo dos credores, expondo-os, ao contrário, à

degradação pública.

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Neste sentido, cabia muito bem o velho refrão – falliti sunt fraudatores (os falidos

são fraudadores) (ALMEIDA, 2008, p.299). O propósito da antiga lei “seria o de punir o

devedor que iludira a confiança dos outros. A falência era tão temerosa quanto um crime. E o

devedor ficava marcado com a infâmia” (ALMEIDA, 2008, p.299).

Surge então, a concordata, constituindo-se em inegável humanização do processo

de execução dos bens do devedor, evitando-lhe a falência, com as suas danosas

conseqüências. Tendo a função de salvaguardar o devedor desventurado e honesto, que se

encontrasse temporariamente endividado, da falência. A questão era a correta caracterização

de ocorrência de conduta desonesta.

A primeira concordata a ser introduzida no Brasil fora a concordata suspensiva,

quando era restituída ao falido a livre administração de seus bens (ALMEIDA, 2008, p.301).

Neste sentido, quando ainda em vigor o Decreto Lei 7.661/45, fosse a concordata,

suspensiva ou preventiva, somente afetava os créditos quirografários, assumindo a concordata

feição de um favor judicial concedido pelo juiz. De modo que, independentemente da vontade

dos credores, desde que atendidas exigências legais, poderia o devedor comerciante obter a

sua concordata e, como o seu integral cumprimento, restabelecer seus negócios, recuperando

o indispensável equilíbrio econômico-financeiro para a continuidade de sua atividade

empresarial.

A concordata, malgrado constituir-se no instrumento jurídico indispensável à

recuperação econômico-financeira dos empresários, logo, revelou-se como uma solução

inviável para possibilitar ao empresário a recuperação de sua atividade econômica, entre

outras coisas, por não assegurar ao devedor recursos financeiros fundamentais para a

preservação da empresa.

Além disso, o Decreto-Lei nº. 7.661/45 mostrava-se extremamente tímido nas

opções negociais destinadas à efetiva recuperação de empresas, pois a lei não lhe dava

nenhuma solução quanto aos débitos com garantias reais e trabalhistas; que são geralmente os

grandes causadores da derrocada das empresas. Além do mais, as únicas alternativas que a lei

disponibilizava para recuperação da empresa em dificuldades era o desconto e a dilatação nos

prazos de vencimento, limitando a criatividade do devedor e seus credores no sentido de

encontrarem soluções alternativas para salvar o empreendimento.

Por exemplo, se o devedor resolvesse vender um estabelecimento para recuperar-

se, mas não saldasse suas dívidas trabalhistas e tributárias, o adquirente de referido

estabelecimento, por mais que estivesse de boa-fé, responderia por débitos trabalhistas e

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tributários do alienante, o que, de maneira inconteste, impossibilitava a venda deste

estabelecimento, visto não ocorrer a maximização dos ativos.

Assim, com a recuperação judicial instituída pela Lei 11.101/05, além de se

propiciar uma maior participação dos credores nas discussões no sentido de encontrar

alternativas de recuperação da empresa em crise, através da assembléia de credores, a Lei

também propicia várias formas de recuperação (art. 50 da Lei de Falências e Recuperação de

Empresas - LFR) que podem ser adotadas, isoladamente, ou de forma conjunta.

A recuperação judicial tem, a rigor, o mesmo objetivo da concordata, ou seja,

recuperar economicamente o devedor, assegurando-lhe, outrossim, os meios indispensáveis à

manutenção da empresa, considerando a função social desta. Tem por objetivo viabilizar a

superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a

manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,

promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade

econômica. A diferença mais marcante estaria na efetiva e direta participação dos credores e

nos mecanismos de implementação para viabilização desses objetivos.

Assim, em conformidade com o disposto no art. 47 da Lei 11.101/05, a

recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do

devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos

interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o

estímulo à atividade econômica.

Não se busca aqui a facilitação da vida do empresário, mas sim propiciar a

preservação da empresa como unidade produtiva, visando os interesses da sociedade no

tocante à preservação de empregos, produção de riquezas e arrecadação de tributos.

Neste sentido, a recuperação judicial é uma das mais importantes inovações da

nova lei, visto que não é de interesse da sociedade, governo, credores, empregados a falência

da entidade empresarial.

Na recuperação judicial há a sujeição - com exceção dos créditos fiscais e

obedecidas algumas outras restrições - de todos os créditos existentes na data do pedido (art.

49). Portanto, enquanto na concordata havia a sujeição somente dos créditos quirografários,

na recuperação judicial, através da ampliação dos credores sujeitos à medida, o devedor tem

maiores possibilidades de conseguir restabelecer-se economicamente, e os credores, por sua

via, obterem a satisfação de seus créditos.

Outro ponto que conta bastante para que possamos ser otimistas no sentido de que

a recuperação judicial será um instituto utilizado com sucesso pelas empresas com

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dificuldades econômico-financeiras é o fato de que, havendo alienação judicial de

estabelecimento como forma de recuperação, o adquirente não poderá ser responsabilizado

pelas obrigações tributárias do alienante. Nesse sentido dispõe o art. 60 da LFR:

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no parágrafo 1º do art. 141 desta Lei.

Neste aspecto encontra-se o cerne deste estudo, de modo a ser tratado em capítulo

próprio, após a análise de todas as nuances que cercam o crédito tributário.

2.5.4 Requisitos para se ter acesso à recuperação judicial

“Só tem legitimidade ativa para o processo de recuperação judicial quem é

legitimado passivo para a falência. Isto é, somente quem está exposto ao risco de ter a falência

decretada pode pleitear o benefício da recuperação judicial” (COELHO, F., 2008, p.407).

Isto, evidentemente, nos termos do art. 1º da Lei 11.101/05, a recuperação judicial

e da mesma forma, a extrajudicial aplicam-se ao empresário e à sociedade empresária.

Nestes termos, as sociedades em comum, a empresa pública, de economia mista,

cooperativas ou sociedades simples não podem pleitear a recuperação judicial exatamente

porque nunca podem ter a falência decretada (ALMEIDA, 2008, p.309).

Ficando também proibidas: “a) as sociedades seguradoras, submetidas ao regime

de liquidação extrajudicial (Decreto Lei 73/96); b) instituições financeiras, igualmente sujeitas

à liquidação extrajudicial (Lei n. 6.024/74); c) as companhias securitizadoras (Lei n.

9.514/97)” (ALMEIDA, 2008, p.308).

As empresas de serviços aéreos, ao revés, tiveram tratamento diverso, tendo sido

estendido a elas o benefício da recuperação (art. 199. Lei n. 11.196/2005).

Contudo, as restrições, não param por aí. Mesmo sendo empresário o interessado

ainda tem que atender a certos requisitos impostos pela Lei 11.101/05. Nessa linha, poderá

requerer recuperação judicial o devedor empresário que atenda aos requisitos expressos no art.

48 da lei referida.

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a-no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos; b-não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; c-não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; d-não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte; e-não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na LFR; salvo se referidas pessoas já foram reabilitadas na forma da lei. Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.

Atente-se que a regra enunciada na letra "a" exige que o empresário exerça

regularmente suas atividades. Logo, o empresário de fato, posto que este não exerce

regularmente sua atividade, daí não tem direito de acesso à recuperação judicial.

E também em seu Parágrafo Único, o artigo 48 institui mais uma inovação,

quando permite a requisição da recuperação judicial pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do

devedor, inventariante ou sócio remanescente, casos que não eram possíveis na antiga lei de

falências.

2.5.5 Créditos sujeitos à recuperação judicial

Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos que se tenha contra o

devedor recuperando na data do pedido de recuperação, ainda que não vencidos. Esta é a regra

geral, inserta no artigo 49 da referida LFR.

Cabe ressaltar, entretanto, que esta regra possui exceções, visto não estarem

sujeitos à recuperação judicial os seguintes créditos:

a-no qual o credor tenha a posição de credor fiduciário de bens móveis ou imóveis5. b-relativos a arrendamento mercantil (leasing); c-no qual o credor seja proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; d-cujo credor seja proprietário de bem objeto de venda com reserva de domínio; e-decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio para exportação onde o recuperando seja devedor; f-os créditos fiscais6 .

5 É o caso, por exemplo, da alienação fiduciária em garantia, forma contratual muito utilizada em nossos dias;

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É válido esclarecer, outrossim, que, no tocante aos credores elencados nas letras

"a", "b", "c" e "d", considerando que estes são proprietários de bens que estão na posse do

recuperando, e que são vinculados em garantia de seu crédito, traz a LFR restrição no direito

desses ditos credores reaverem os bens junto o devedor, o que se poderia classificar como

uma relativa restrição ao exercício dos direitos de tais credores em caso de recuperação

judicial. Nesse particular, o parágrafo 3º do artigo 49 diz que não se permite, durante o prazo

de 180 (cento e oitenta dias) em que se processa o pedido de recuperação judicial, a venda ou

retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade

empresarial. Portanto, quando o devedor pede sua recuperação judicial, caso o juiz determine

o processamento da mesma, no prazo de 180 (cento e oitenta dias) serão entabulados os atos

necessários ao deferimento ou não da recuperação judicial, e nesse prazo, ocorrerá a restrição

ora evidenciada.

No que se refere aos créditos fiscais (BERTOLDI; RIBEIRO, 2008, p.552), dentre

eles os tributários, não estarão sujeitos à recuperação judicial, ou seja, independentemente do

que ficar estabelecido no plano de recuperação, os tributos devidos pelo empresário em crise

sempre deverão ser quitados, segundo as normas de natureza tributária, cabendo ao devedor

apresentar certidões de débitos tributários, condição esta que será objeto de análise posterior.

2.5.6 Do pedido e do processamento da recuperação judicial

Podem requerer a recuperação judicial: a) o próprio devedor; b) o cônjuge

sobrevivente, herdeiros do devedor ou inventariante, em caso de falecimento do devedor; c)

sócio remanescente.

“O direito brasileiro, no entanto, não viabiliza pedido por parte do credor, por

mais privilegiado ou amplo que seja o seu crédito” (NEGRÃO, 2008, p.133).

No que se refere ao requerimento pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor

ou inventariante, entende-se aplicar somente ao empresário individual falecido; já a letra "c"

aplica-se somente à sociedade empresária, pois somente nela teremos a figura do sócio

remanescente.

6 Vide artigo 191-A do CTN, acrescentado pela LC 118/2005: extinção das obrigações do falido requer prova de

quitação de todos os tributos. Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

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Entretanto, manifesta Fábio Ulhoa Coelho (2005, p.126) no sentido de que:

Parece, entretanto, e à primeira vista, imprecisa a referência feita pelo parágrafo único do artigo 48 ao sócio remanescente, como legitimado para pedir a recuperação judicial, pois quem pode pedir a recuperação judicial da sociedade empresária é justamente o seu representante legal (estando devidamente autorizado para tanto nas condições da lei que rege a espécie societária representada e dos atos constitutivos de referido ente empresarial). Ora, se um sócio faleceu ou retirou-se da sociedade, e não é ele o representante legal da mesma, pode perfeitamente, independentemente de previsão na LFR, o sócio remanescente que seja representante legal (estando devidamente autorizado), pedir a recuperação judicial da empresa. Talvez, porém, a disposição em epígrafe seja útil no caso do (sic) sócio remanescente não ser representante legal da sociedade e/ou não estar autorizado para realizar tal pleito, aí sim teria relevância o disposto na LFR, garantindo a este, mesmo não sendo legitimado ordinariamente para tanto, requerer a recuperação judicial da pessoa jurídica de que faz parte unicamente como sócio prestador de capital e/ou minoritário.

No que tange o momento oportuno para o ingresso com o pedido de recuperação

judicial, não há oportunidade para o devedor conseguir este benefício legal se já tiver sido

decretada a sua falência. Dessa forma, cabe-se postular a recuperação judicial somente antes

da falência.

Como toda petição inicial que se sujeite ao processamento no juízo cível em

sentido lato, a exordial da recuperação judicial deve, a princípio, atender aos requisitos do

artigo 282 do CPC, devendo, ainda, especialmente ser instruída conforme exigências do artigo

51 da Lei 11.101/05.

Recebida a petição inicial da recuperação, o juiz deferirá ou não o processamento.

Se negado, o autor poderá renová-lo. Deferido o processamento, tem-se a aplicação imediata

de todos os efeitos decorrentes do deferimento, dentre outros: a) as ações e execuções se

suspendem pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, salvo as exceções previstas na LRF; b)

suspende-se o curso da prescrição das obrigações do devedor; c) nenhuma ação, em princípio,

merecerá processamento; d) ocorrerá a nomeação de administrador judicial; e) constituição de

Comitê de Credores, se for o caso; f) apresentação de plano de recuperação, com os meios

indicados para o soerguimento da empresa.

Após o deferimento do processamento de seu pedido de recuperação judicial, o

devedor, salvo aquiescência da assembléia-geral de credores, não poderá mais desistir do

pleito de recuperação, tendo que aguardar a apreciação do mérito do pedido, que redundará

com o deferimento do benefício legal ou seu indeferimento; neste último caso, acarretando a

decretação da falência do devedor.

Deferido o processamento em questão, já podem os credores (que representem, no

mínimo, 25% do valor total dos créditos de uma determinada classe) solicitarem ao juiz a

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convocação da assembléia de credores para deliberarem sobre a constituição do comitê de

credores.

Apresentado o plano, o juiz abrirá vista aos credores, que poderão: a) oferecer

objeção; b) silenciar-se. No silêncio, o plano restará aprovado. Em havendo objeção - que

equivale a impugnação, através de petição simples, sem formalidades, qualquer credor poderá

impugnar o plano. Se houver objeção ao plano, o juiz imediatamente convocará assembléia

geral de credores.

A assembléia geral, cuja decisão é soberana, é formada por credores de todas as

três classes: a) créditos derivados da legislação do trabalho e acidente do trabalho; b) créditos

com garantias reais e privilégios especiais; c) créditos quirografários e privilégios gerais.

Instalar-se-á em dia, local e hora previamente definidos para deliberar sobre: a) aprovação do

plano; b) modificação do plano; c) rejeição do plano.

A rejeição do plano implica convolação da recuperação em falência, devendo,

neste caso, o juiz da recuperação prolatar decisão de decretação de quebra, com a imediata

incidência dos efeitos decorrentes da falência, dentre eles: a) o encerramento da atividade

econômica; b) a nomeação do administrador judicial, podendo ser o mesmo já nomeado no

processo da recuperação; c) o afastamento dos administradores e sócios da sociedade falida;

d) a arrecadação de bens do falido e dos sócios com responsabilidade ilimitada; e) a formação

das massas falidas da sociedade e dos sócios com responsabilidade ilimitada; f) a intimação

do Ministério Público para as providências próprias, podendo ser instaurado inquérito

policial, ou oferecida, de logo, a denúncia por prática de crime definido na LRF, se houver

elementos suficientes de autoria e materialidade; g) suspensão das ações e execuções, salvo as

exceções contempladas na lei; h) suspensão do curso da prescrição das obrigações do falido

até o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência.

Diferentemente, se não houver objeção ao plano, ou, ainda, se aprovado por

credores, em assembléia geral, o juiz determinará ao devedor que apresente as certidões

negativas de quitação de débitos tributários e previdenciários ou a comprovação do seu

parcelamento, na forma do art. 57 da Lei n° 11.101/05, e nos termos dos arts. 1517, 2058, 2069

da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

7Artigo 151 do Código Tributário Nacional: "Art° 151 - Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I -

moratória; II - o depósito do seu montante integral; III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001); VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001).

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Apresentadas as certidões ou a comprovação do parcelamento, o juiz concederá a

recuperação judicial.

Claro o teor da lei, no sentido de impedir qualquer tentativa de processamento de

recuperação judicial sem a quitação ou, ao menos, a demonstração de que o devedor está em

dia com o Fisco (parcelamento ou qualquer outra situação que autorize a emissão de certidão

negativa de débito ou certidão positiva, com efeito, de negativa), o ordenamento jurídico

brasileiro parece ser receptivo às hipóteses em que o devedor não apresenta tal condição. No

mesmo sentido, o art. 191-A do CTN, na redação da LC 118/2005.

Sem dúvidas, a previsão dificulta sobremaneira a adoção da recuperação judicial

em comparação com a antiga concordata, em que, nas raras vezes em que se exigia a

apresentação de certidão negativa de débitos fiscais, tal se dava apenas ao final do processo.

Sem dúvida, um elemento dificultador, senão impeditivo da recuperação judicial,

prejudicial de sobremaneira os objetivos expressos pela mesma lei no seu art. 47.

Não se pode deixar de considerar que, além de constitucionais, os preceitos

normativos devem ser dotados de racionalidade, de forma que seus objetivos coadunem-se

não só com a Constituição, mas também com o sistema legislativo como um todo. Ao criar a

lei, o legislador deve estar atento para que ela esteja em sintonia com o tratamento dado à

questão pelas demais normas vigentes, evitando, desta maneira, que a norma, venha ao mundo

jurídico desprovida de racionalidade e, portanto, proporcionalidade, gerando antinomias que

necessitarão ser submetidas ao órgão jurisdicional para que sejam solucionadas.

Levando-se em consideração que o texto do at. 47 da Lei 11.101/05 tem por

objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de

permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos

credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, não há como se conceber, pois, a

possibilidade de uma recuperação judicial tomando-se como um de seus requisitos a

apresentação de certidões negativas de débitos tributários.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações acessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes".

8 Artigo 205 do Código Tributário Nacional: "Art° 205 - A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido. Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição".

9 Artigo 206 do Código Tributário Nacional: "Art° 206 - Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa".

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Deve-se considerar que, por óbvio, qualquer empresa que pretenda se socorrer da

recuperação judicial certamente terá expressivo passivo fiscal. Ainda se for levado em

consideração que, normalmente as empresas primeiramente deixam de pagar os tributos para

não deixarem de honrar compromissos com os fornecedores, o que inviabilizaria, de imediato,

a continuidade das atividades da empresa, a exigência de certidão de quitação fiscal é

desarazoada, senão “anti-social”, apresentando-se esta exigência antagônica aos objetivos da

própria lei que a impõe.

Neste sentido, o posicionamento de Luiz Antônio Guerra (2008b, grifos nossos):

[...] Defendemos a concessão da recuperação judicial, em qualquer hipótese, tenha ou não o devedor apresentado certidão negativa de débitos tributários e previdenciários, tenha ou não realizado o pagamento mediante parcelamento. Reside na LRF manifesta antinomia entre os arts. 47 (reconhecimento da função social da empresa, com a mantença de empregos, recolhimento de tributos, geração de renda e riquezas) com a obrigatoriedade indevida prevista no art. 57, 58 e 68 da lei. Ademais, o legislador tributário, de forma vergonhosa, aproveitando-se para adaptar o Código Tributário Nacional à nova realidade do Direito Concursal, acabou inserindo dispositivo que obriga o prévio pagamento do crédito tributário, sob pena de não concessão da recuperação. Trata-se de verdadeira heresia jurídica que merece pronto afastamento por parte do Poder Judiciário, como já vem, felizmente, ocorrendo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O credor fazendário continua com triplo privilégio: a) seu crédito não se submete aos efeitos da recuperação; b) exige prévio pagamento do débito ou o seu parcelamento para a concessão da recuperação; c) seu crédito pode ser cobrado, via execução fiscal, nos termos da Lei n. 6.830/1980, sem que haja suspensão da demanda enquanto processada a recuperação. BASTA DE PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS EM FAVOR DA FAZENDA! Posicionamo-nos absolutamente a favor da concessão da recuperação independentemente da quitação do débito tributário e previdenciário ou mesmo do seu parcelamento até que venha legislação específica cuidar da matéria. E mais: é bom que se diga que inexiste previsão legal, no art. 73 da LRF, contemplando a hipótese de convolação da recuperação em falência, no caso de não apresentação de certidão negativa de débitos, tampouco por não parcelamento, com base na lei atual, não específica para os débitos em processos de recuperação e falência.

A Constituição da República de 1988 assegura a liberdade de exercício da

atividade econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, assegurando a

todos o exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de Órgãos

Públicos – salvo nos casos expressos em lei – conforme se observa o preceito contido no art.

170, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988. A garantia instituída no referido

dispositivo não está condicionada ao pagamento de tributo, pois não existe na Constituição

norma que imponha tal condição.

Neste Contexto, Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.216), vem afirmar:

[...] Admitir que o pagamento do tributo seja condição para o exercício da atividade econômica é “afirmar absoluta desnecessidade de instrumento jurídico para a cobrança do crédito tributário, o que não se compadece com a existência em nossa

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orem jurídica da ação de execução fiscal, como instrumento jurídico processual específico para este fim”.

Entre os credores do devedor em recuperação judicial, o Estado, detentor do

crédito tributário, é quem tem maior interesse em viabilizar a recuperação da empresa,

preservando a sua unidade produtiva, de maneira que possa alcançar a sua função social.

Neste contexto, a inserção no ordenamento jurídico pátrio de norma condicionando o

processamento de recuperação judicial de empresa à prova de quitação de tributos, feita com a

obtenção de certidão negativa de débitos, ou positiva, com efeito, de negativa, é medida

desprovida de racionalidade, tendente a produzir efeitos contrários aos objetivos da

recuperação de empresas.

Um caminho existente para a correção da antinomia seria a interpretação do art.

191–A do Código Tributário Nacional em conformidade legal e racional como disposto na

Constituição Federal e na Lei 11.101/05, de maneira a não constituir um óbice ao exercício da

recuperação judicial.

No entanto, ainda na visão de Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.218), a declaração

da inconstitucionalidade do art. 191-A do Código Tributário Nacional, seria um caminho

ainda mais fácil para se corrigir a antinomia; desaparecendo assim a necessidade de prova de

quitação de tributos para que se obtenha a concessão da recuperação judicial.

A verdade é que, entre as duas possibilidades existentes para solucionar o

problema - declarando a inconstitucionalidade da norma ou dando a mesma outra

interpretação em conformidade com a Constituição e os objetivos da recuperação judicial -, a

segunda sem dúvida, é a mais vantajosa à Administração Tributária, pois permitirá que o

crédito tributário seja parcelado e também que o cumprimento das obrigações seja fiscalizado

pelo juízo da falência.

A melhor forma de viabilizar os objetivos da recuperação judicial do devedor em

dívida com a Fazenda Pública será o deferimento de parcelamento dos créditos tributários,

mesmo sem a edição de lei específica a que se refere a legislação. Referido parcelamento não

poderá ser recusado pelo ente estatal, por se tratar de um verdadeiro direito subjetivo do

devedor, conforme pode-se extrair da correta hermenêutica do comando normativo dos

dispositivos atinentes ao tema. (LOPES, 2008, p.220).

Nesta seara, devido à importância da correta regulamentação do instituto da

recuperação judicial de empresas, membros do Legislativo Federal movimentam-se no sentido

de regulamentar o parcelamento dos créditos tributários no processo de recuperação judicial.

Há o Projeto de Lei nº. 5.250/2005, que dispõe sobre a concessão do parcelamento de débitos

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perante a Secretaria da Receita Federal, a Secretaria da Receita Previdenciária e a

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Referido projeto de lei visa regulamentar o art. 155-

A, § 3º, do Código Tributário Nacional.

Nestes termos, poderão ser objeto de parcelamento todos os débitos perante a

Secretaria da Receita Federal ou Previdenciária, inscritos ou não em dívida ativa. Os pedidos

de parcelamento abrangerão todos os débitos existentes à época, em nome do devedor,

independentemente dele se encontrar na situação de contribuinte ou responsável. (LOPES.

2008, p. 222).

O fato é que o devedor não está obrigado ao pagamento dos créditos que entender

indevidos, podendo valer-se da medida liminar de ação cautelar, no curso do processo de

recuperação judicial, para afastar a exigibilidade de apresentação de comprovante de

pagamento dos referidos tributos, permitindo ao devedor que efetue o parcelamento apenas

dos tributos que entender devidos, caso tenha provimento favorável em eventual ação cautelar

manejada no curso da recuperação judicial.

O pedido de parcelamento, nos termos do art. 5º, constitui confissão irretratável de

dívida. O prazo de parcelamento está fixado pelo art. 7º do projeto, sendo 84 meses para o

devedor que no ano-calendário anterior ao pedido de parcelamento tenha auferido receita

bruta igual ou inferior ao limite máximo a que se refere o inciso II, combinado com o § 3º, ao

artigo 2º da Lei 9.841, de 05 de outubro de 199910. Quanto aos demais credores, o prazo será

de 72 meses. O valor das parcelas será acrescido de juros de mora equivalentes à taxa do

Sistema Especial de Liquidação de Custódia (Selic) para títulos federais.

O projeto altera, ainda, a redação do art. 57 da Lei nº. 11.101/05, concedendo ao

devedor o prazo de 30 dias para efetuar a juntada aos autos da comprovação de quitação ou

suspensão da exigibilidade dos débitos tributários. Ponto polêmico, no entanto, ao ver de

Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.224), é a inserção do inciso V ao artigo 73 da Lei 11.101/05,

permitindo a decretação da falência caso as certidões de que trata o art. 57 não sejam

apresentadas tempestivamente.

Neste sentido, é que se tem o Projeto de Lei n º 6.028/2005, de autoria do

Deputado Federal Jorge Boeira, (LOPES, 2008, p. 220) prevê a revogação do citado artigo 57,

sob justificação de que este dispositivo tornou-se prática inviável o pedido de recuperação

judicial para as empresas que possuem passivo tributário e precisam recorrer à recuperação

judicial para pleitear o parcelamento de suas dívidas junto à Autoridade Tributária.

10 A lei mencionada foi revogada pela Lei Complementar 123/2006, que instituiu o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte.

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No mesmo sentido é o Projeto de Lei nº. 7.636/2006, de autoria do Deputado

Federal Luiz Piauhylino, que prevê a revogação do mesmo artigo.

Contudo, é importante frisar que, apesar do esforço do Legislativo Federal em

apresentar os projetos supracitados, entende-se que não será suficiente, visto que o art. 191-A

do Código Tributário Nacional, contém disposição semelhante.

Quanto à decisão concessiva da recuperação judicial, apresenta-se como título

executivo judicial. O legislador indicou o agravo como sendo o recurso próprio para ser

manejado contra tal título, podendo recorrer da decisão qualquer credor e o Ministério

Público.

Há que se distinguir as decisões judiciais no processo da recuperação judicial. A

primeira decisão é aquela que defere o processamento da recuperação; esta decisão determina

o processamento do pedido. Já a segunda, ela concede ou não a recuperação. Não se confunde

o processamento com a concessão. Os efeitos são diversos.

Concedida a recuperação, o devedor ficará em recuperação até o prazo de dois

anos, contados da decisão concessiva. Ao final, verificado o pagamento das obrigações

previstas no plano e que venceram durante o prazo de 02 (dois) anos, o juiz proferirá sentença

de encerramento.

O descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano, com prazo de

vencimento durante o prazo de 02 (dois) anos, o juiz convolará a recuperação em falência,

embora defendamos que não se trata de convolação direta, devendo oportunizar ao devedor a

purga da mora, evitando-se, assim, sempre que possível, a decretação da falência – que nada

resolverá.

No entanto, se a obrigação prevista no plano for inadimplida depois de decorrido

o prazo de 02 (dois) anos, o credor poderá promover a execução do seu crédito perante o juízo

comum ou pedir a falência do devedor, em pedido autônomo, com fundamento na

impontualidade de obrigação constante do plano de recuperação, podendo o devedor, no prazo

legal, oferecer defesa ou realizar depósito elisivo em dinheiro e no valor integral do crédito

reclamado.

2.5.7 Meios de recuperação

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48

Enquanto na concordata o devedor, a princípio, poderia conseguir mediante

pronunciamento judicial, benefícios que variavam em um desconto em suas dívidas ou uma

dilatação no prazo de vencimento das mesmas, ou a aplicação das duas medidas de forma

concomitante, na recuperação judicial, o leque de opções dos benefícios legais que podem ser

conseguidos com o objetivo de recuperar a empresa amplia-se sobremaneira.

Como já dito acima, o devedor deverá apresentar o plano de recuperação, no prazo

de até 60 (sessenta) dias, contados da intimação da decisão que deferiu o processamento da

recuperação, embora defenda-se tratar-se de prazo dilatório, natureza que permitirá, quando

oportunamente justificado, a ampliação do referido prazo, para que o devedor possa

apresentar plano de recuperação com condições materiais necessárias à recuperação.

O plano deverá indicar os meios de/para a recuperação.

Assim sendo, a Lei de Falências e Recuperação de empresas, através de seu artigo

50, traz um rol exemplificativo dos meios de recuperação pelos quais a empresa pode optar de

forma isolada ou conjunta. Dentre os meios expressamente mencionados na Lei de Falências e

Recuperação de empresas, destacam-se os dos incisos II e VII, quais sejam: cisão,

incorporação, fusão ou transformação de sociedade; e trespasse ou arrendamento do

estabelecimento, que serão tratados detidamente neste trabalho.

O rol de medidas que podem ser adotadas na recuperação da empresa, apesar de

bem extenso, é apenas exemplificativo, podendo ser adotadas outras espécies de medidas não

enunciadas expressamente na Lei de Falências e Recuperação de empresas.

Os meios de recuperação poderão ser utilizados de forma isolada ou combinada,

devendo o devedor, para implantá-los, se for o caso, previamente realizar as devidas

alterações societárias. Assim, o processo de recuperação judicial não fica engessado por

alternativas limitadas, podendo o devedor e os credores utilizarem-se de sua criatividade com

vistas a encontrar os melhores meios de recuperar a empresa em dificuldades.

A finalidade de indicação dos meios não é outra senão demonstrar aos credores as

reais condições de soerguimento da atividade. Sem meios de recuperação, o plano, no mundo

prático, não tem razão de ser, dado a inviabilidade de recuperação econômica da atividade.

Nestes termos, interessante ressaltar o posicionamento de Fábio Ulhoa Coelho

(2008, p.382) acerca das modalidades de recuperação empresarial ante a viabilidade da

empresa:

Nem toda empresa merece ou deve ser recuperada. A reorganização das atividades econômicas é custosa. Alguém há que pagar pela recuperação, seja na forma de investimento no negócio em crise, seja nas perdas parciais ou totais do crédito. [...] Mas se é sociedade brasileira como um todo que arca, em última instância, com os

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49

custos da recuperação das empresas, é necessário que o judiciário seja criterioso ao definir quais merecem ser recuperadas. Não se pode erigir a recuperação de empresas a um fato absoluto. Não é qualquer empresa que deve ser salva a qualquer custo. Em muitos casos, [...] o melhor para todos é a falência. Em resumo, somente as empresas viáveis devem ser objeto da recuperação judicial e extrajudicial.

Nestes termos, ouça-se discordar, em parte, do posicionamento do ilustre

doutrinador, na medida em que não é o judiciário que determina a viabilidade ou não da

recuperação, como ocorria nos casos da concordata preventiva (Decreto. 7.661/45). Na

recuperação judicial e extrajudicial, quem constrói a viabilidade da empresa é o empresário e

os seus credores, que ganham função ativa dentro do processo de recuperação judicial.

Obviamente caberá como já analisado, ao judiciário a aprovação e concessão da recuperação,

uma vez apresentado um plano viável de recuperação.

Ademais, como se falar em função social como elemento de preservação da

atividade, se subjetivamente houver a consideração da viabilidade empresarial – enquanto

complexo de atributos, econômicos, sociais - antes da aplicação dos institutos de recuperação?

Nestes termos, a viabilidade da empresa deve ser sim analisada, de forma

objetiva, pelos credores e pela lei, no momento em que a empresa a ser recuperada se

enquadra nos requisitos para a recuperação judicial e extrajudicial, mostrando-se desta

maneira, economicamente viável. Ao judiciário cabe, sim, a conferência dessas adequações e

não a valoração liquidatória no sentido de estender o rol de impedimentos à recuperação,

ainda mais lastreado em questões complexas como a viabilidade empresarial, que será -

segundo convicção particular - uma conseqüência da recuperação judicial e extrajudicial e não

um requisito para a sua aprovação.

Nesta seara, dentre os meios de recuperação previstos na Lei de Falências e

Recuperação de empresas, no art. 50, vai-se, neste trabalho, tratar especificamente daquele

indicado no inciso VII – celebração de contrato de trespasse do estabelecimento empresarial,

no que tange a sucessão empresarial, restringindo-se ainda mais à seara dos aspectos

tributários, o que se fará, como já exposto, em capítulo próprio.

Faz-se, entretanto, necessário tratarmos precedentemente e detidamente dos

conceitos de empresário, empresa, sociedade empresária e estabelecimento dentro da nova

estruturação do direito empresarial, haja vista, o novo paradigma do direito privado como

reflexo na seara empresarial.

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50

3 DO NOVO PARADGMA DO DIREITO PRIVADO: O DIREITO DE EMPRESA SOCIAL

Com a promulgação do Código Civil (Lei 10.406/02) foram revogadas as

disposições relativas a sociedades mercantis dispostas na primeira parte do Código

Comercial11, marcando o abandono do sistema tradicional assentado na teoria dos atos de

comércio12, sendo substituindo pela adoção da teoria da empresa e da atividade empresarial.

A exemplo do que ocorreu na Itália com a edição do Códice Civile Italiano de

1942, o atual Código Civil brasileiro procurou adotar uma teoria que açambarcasse todo o

setor produtivo, deixando transparecer em suas disposições "uma disciplina jurídica para a

empresariedade sob um título denominado justamente de Direito de Empresa" (BUGARELLI,

1999, p.15).

Com a adoção da teoria da empresa, todo o empreendimento organizado

economicamente, voltado à produção ou circulação de bens e serviços, está submetido à

disciplina jurídico-empresarial, configurado a presença dos elementos de empresa.

O Código Civil brasileiro, influenciado pela legislação italiana, foi responsável

pela mudança de definições, substituindo o regime da comercialidade para o regime da

empresariedade. Assim, não apenas as atividades especificamente comerciais (intermediação

de mercadorias no atacado e varejo), mas também as industriais, bancárias, securitárias, de

prestação de serviços e outras, estão sujeitas aos parâmetros (doutrinários, jurisprudenciais e

legais), conforme leciona Fábio Ulhoa Coelho. (2008, p.27).

Assim como o Código Civil italiano de 1942, o Código Civil brasileiro de 2002

contemplou a teoria da empresa em substituição à dos atos de comércio (OLIVEIRA, C.,

2004, p.313-315), marcando o retorno do foco do Direito Empresarial para campo objetivo,

ou seja, centrando-se no sujeito de direito, o empresário, e não na prática objetiva de alguns

atos (GONTIJO, 2004, p.17-36).

11 Por força do disposto no artigo 2045, da Lei 10.406, de 2002, foi revogada a primeira parte da Lei 556, de 25

de junho de 1850 (Código Comercial), correspondente aos artigos 1 a 456. 12 A teoria dos atos de comércio, por não apresentar um conceito científico ou mesmo um critério lógico para

definir o "ato de comércio" criou dificuldades para sua compreensão, gerando situações insustentáveis para a economia moderna, mormente considerando que determinadas atividades, como é o caso da prestação de serviços, atividades agrícolas, pecuárias e imobiliárias, foram excluídas do regime jurídico comercial. Atualmente, negar o caráter empresarial a essas atividades, quando desenvolvidas de forma a evidenciar os elementos de empresa, colocando-as à margem das prerrogativas extensíveis aos empresários (ex: falência, concordata) implicar de certa forma distorcer a realidade, visto a extensão da abrangência empresarial.

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Neste sentido, desaparece a figura do comerciante, conceituado como aquele que

exerce atos de comércio, surgindo a figura do empresário, descrito no art. 966 do Código

Civil de 2002: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica

organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”.

O conceito de empresário passa a ser mais amplo do que lhe dava o direito

comercial, sob a égide de comerciante, porque eliminava a distinção entre empresário civil e

comercial (ALMEIDA, 2008, p.306).

Neste sentido, objetivamente, conclui o professor Vinícius José Marques Gontijo

(2004, p.35):

[...] que empresário, pode ser pessoa natural ou jurídica, é aquele que exerce profissionalmente, em nome próprio, atividade organizada que vise lucro, decorrente da produção ou circulação de bens e de serviços destinados ao mercado. Mesmo que a pessoa explore uma atividade com todos os atributos de empresário mencionados, ela não será considerada empresária se a atividade for intelectual, de natureza artística, literária ou científica, desde que essa atividade não esteja inserida na produção da pessoa como elemento de empresa.

E ainda, citando Rocha Filho13, Vinícius José Marques Gontijo (2004, p.22), vem

diferenciar empresário e sociedade empresária:

Também, se empresa é o objeto, e como tal, pode ser exercida por uma pessoa física ou jurídica, não há como: a) confundir empresa com sociedade, porque a primeira é o objeto da segunda – pessoa jurídica - sujeito de direitos; b) dizer que empresa pressupõe uma sociedade, porque a pessoa física, natural (o comerciante em nome individual), também pode ser empresária, pode exercer uma atividade mercantil.

No que concerne aos chamados elementos de empresa, Amador Paes de Almeida

(2008, p. 307), citando Carvalhosa14, vem descrever:

Superada a teoria do ato de comércio, adota o Código Civil de 2002 a teoria da empresa, criando uma categoria comum de empresário ou sociedades empresárias, na qual se inserem todas as pessoas que (art. 966): (I) desenvolvam uma atividade econômica; (II) realizem esta atividade de forma organizada, ou seja, reunindo e coordenando os fatores de produção, quais sejam, trabalho, capital e natureza, e, por fim; (III) realizem esta atividade em caráter profissional, ou seja, pratiquem-na habitualmente, em nome próprio e com o intuito lucrativo.

Essa mudança de paradigma, identificado como constitucionalização no dizer de

Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.28), acarretou uma verdadeira transformação nos métodos

interpretativos tanto da legislação cível quanto comercial, demonstrando assim a necessidade

13 ROCHA FILHO, José Maria. Curso de direito comercial. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. v.1, p.63. p. 22. 14 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 307.

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latente de intervenção do Estado no domínio econômico, deixando de regular apenas as

normas e passando também a prever uma finalidade e adequação social e econômica a elas.

Outra ótica não poderia ser a de que transmutou-se (Direito Comercial) de mero

regulador dos comerciantes e dos atos de comércio, passando a atender à atividade, sob forma

de empresa, assimilando dessa forma “ o fenômeno das empresas, cuja importância para a

economia é inequívoca, criando a necessidade de se estabelecer um tratamento jurídico

específico para a empresa, através de legislações especiais ” (MAMEDE, 2007, p.23), que

instituem verdadeiros microssitemas no ordenamento jurídico, que se preocupam com o

adequado tratamento da propriedade privada, que deve ser cumpridora de sua função social

para que possa receber a proteção pelo ordenamento jurídico. Exemplo típico desses

microssitemas é a Lei 11.101/05 que trata o regime jurídico da falência e da recuperação de

empresas, citado por Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.30).

Nesta seara não é diferente a opinião de Miguel Reale (1999, p.17): "o tormentoso

e jamais claramente determinado conceito de ato de comércio é substituído pelos atos de

empresa e atividade empresarial, assim como a categoria de fundo de comércio cede lugar à

de estabelecimento".

Estabelecimento este, ponto crucial deste trabalho, sendo este objeto do trespasse

empresarial sobre o qual incidirá os efeitos da sucessão tributária, o que então, passa-se a

analisar com mais detalhes.

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4 DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Entre tantas inovações trazidas pelo legislador no Código Civil, merecem especial

destaque as disposições que tutelam o estabelecimento empresarial a partir dos artigos 1.142 a

1.149 do Código Civil de 2002.

Com efeito, a partir de uma retrospectiva da legislação brasileira raras são as

situações onde o estabelecimento comercial, como universalidade de fato, mereceu alguma

atenção de parte do legislador15.

Estabelecimento é senão o conjunto de meios que são utilizados para o exercício

da atividade empresarial. Na definição do art. 1142 do Código Civil Brasileiro (BRASIL,

2008, p.371), “considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizados para o

exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.

Nessa definição acham-se compreendidos elementos materiais ou corpóreos, entre

aos quais se incluem as mercadorias do estoque, mobiliário, veículos, maquinarias,

equipamentos em geral, enfim, todos os bens corpóreos que o empresário utiliza para a

exploração da sua atividade econômica; bem como os elementos imateriais ou incorpóreos,

destacando-se, a título exemplificativo, o know how, a marca, patente de invenção, o ponto,

nome empresarial, título do estabelecimento, etc., não abrangendo, entretanto, como regra, a

totalidade de patrimônio do empresário, visto que é tão somente aquela parcela de bens por

ele utilizados para o exercício da atividade empresária.

Juridicamente, estabelecimento empresarial é o conjunto de bens heterogêneos.

Imprescindível a análise do estabelecimento empresarial frente ao conceito de

empresa e empresário, vez que, apesar de não se confundirem, guardam estreita e necessária

ligação.

Como já citado Vinícius José Marques Gontijo (2004, p.17-36) conceitua

empresário como uma pessoa natural ou jurídica, que exerce profissionalmente, em nome

próprio, atividade organizada que vise lucro, decorrente da produção ou circulação de bens ou

serviços destinados ao mercado.

A empresa, por sua vez, é a atividade organizada que vise lucro, decorrente da

produção ou circulação de bens ou serviços destinados ao mercado, em resumo, a atividade

15 A título exemplificativo temos a Lei 8.245, de 1991, que dispõe a proteção do "ponto" regulando o direito a

renovação do contrato de locação comercial e o Decreto-lei 7.661, de 1945, que trata do processo falimentar, dispondo sobre a venda do estabelecimento comercial.

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desenvolvida pelo empresário, este sujeito de direito. Neste sentido afirma Maria Helena

Diniz (2008, p.15):

[...] A atividade é a produção (fabricação) de produtos, circulação (comercialização ou intermediação) de bens ou prestação de serviços (bancários, hospitalares, securitários, etc.) e, em si mesma, é a própria empresa ou o empreendimento, que não se confunde com o empresário individual ou coletivo, nem o local em que se desenvolve (ponto de negócio), ou com os bens materiais ou imateriais (estabelecimento) utilizados para o seu exercício [...].

Assim, o caráter profissional do empresário é elemento natural da empresa, já que

esta é exercida por aquele.

Na visão de Giorgio Ferrari16, apud Marcelo Andrade Feres (2007, p.11)

destacam-se dois elementos como predominantes no conceito de estabelecimento: o complexo

de bens e a organização. Com efeito, os bens de que se fala no art.1142 do Código Civil não

compreendem as relações obrigacionais. Contratos, dívidas e créditos não se contêm na

azienda, cuidando na seqüência dos efeitos obrigacionais de sua negociação unitária, fazendo

o Código uma substancial diferença entre bens e obrigações, a fim de regular o

estabelecimento empresarial. Já a organização se manifestaria pelo modo de formação

articulado do estabelecimento.

Em resumo, ex vi do art. 1.142, do Código Civil, estabelecimento, por

conseguinte, sem sombra de dúvida, "filial" e "unidade produtiva", é "todo complexo de bens

organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária".

No que se refere à natureza jurídica do estabelecimento, pode-se verificar o

estabelecimento como uma universalidade de fato e não de direito, ou seja, um conjunto de

coisas autônomas, simples ou compostas, materiais ou imateriais, formado pela vontade do

sujeito e para uma destinação unitária.

Uma universalidade de fato, como bem observa Fazzio Júnior (2008, p.64):

[...] se a unidade complexa de coisa destina-se a um fim conforme a vontade do legislador, estamos diante de uma universalidade de direito (universitas juris). No entanto, se a destinação é determinada pela vontade de seu dono, trata-se de uma universalidade de fato (universitas rerum ou universitas facti).

Em outras palavras, o estabelecimento comercial está associado à idéia de

universitas facti17, porquanto sua formação é resultado da conjugação intencional de bens

16FERRARI Giorgio. Azienda (direito privado). In: ENCICLOPÉDIA del diritto, 1959.v.4, p.686. 17 Não se pode deixar de observar a presença de corrente doutrinária que vê o estabelecimento comercial como

UNIVERSALIDADE DE DIREITO, isto é, um complexo orgânico criado por lei, de relações ativas e

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tangíveis e intangíveis, empregados pelo empresário para o exercício da atividade mercantil.

Assim, semelhantemente ao que ocorre com outras universalidades de fato (biblioteca,

rebanho etc.), no estabelecimento comercial as unidades que o compõem são reunidas por

força da vontade do seu proprietário, seja este pessoa física (empresário) ou jurídica

(sociedade empresária), franqueando o desenvolvimento da atividade conforme os desígnios

do titular da empresa.

Na doutrina estrangeira o estabelecimento encontra correspondência ao negotium

dos romanos; fonds de commerce na França e Bélgica; azienda na Itália; geschaft dos

Alemães; o goodwill of a trade dos ingleses e americanos18.

Para maioria dos doutrinadores nacionais, dentre eles, Gusmão (2007, p.167),

Fazzio Júnior (2008, p.64), Bertoldi e Ribeiro (2008, p.59), e ainda Gonçalves Neto (2007,

p.559), as palavras “estabelecimento comercial” e “fundo de comércio” são sinônimas, visto

que, na proposta unificadora do Código Civil de 2002, o estabelecimento perdeu o qualitativo

“comercial”, ganhando o qualitativo empresarial, mas continuou vinculado à figura do

empresário sem que algum dos seus dispositivos procurasse dar-lhe amplitude, mais

abrangente.

As sobreditas definições deixam transparecer que o estabelecimento empresarial

consubstancia-se em verdadeira ferramenta necessária ao desempenho da atividade

empresarial.

Em suma, Marcelo Andrade Feres (2007, p.23) propõem as seguintes

características para o estabelecimento empresarial: a) não é pessoa jurídica; b) é uma

universalidade de fato; c) nele não se compreendem relações obrigacionais; d) identifica-se a

partir da aptidão funcional; e) integra o patrimônio do empresário, seja individual ou coletivo;

e f) está efetivamente em construção.

passivas, como por exemplo, a herança, a massa falida, o patrimônio. No entanto, ousa-se divergir desse entendimento, porquanto além da possibilidade dos elementos que integram o estabelecimento ser considerados separadamente (marcas, patentes, serviços etc.), preservando sua individualidade, não apresenta o estabelecimento uma estrutura legal tal qual a massa falida ou o espólio.

18 O estabelecimento comercial teve sua importância reconhecida, pelos menos legislativamente, no ano de 1872, na França, onde o fisco francês fixou a exigência de um imposto de 2% sobre a operação de venda ou transferência de estabelecimento comercial. Posteriormente, já no ano de 1909, outra lei francesa tratou de dispor sobre a existência de um fundo de comércio, reconhecendo o direito do comerciante sobre todos os elementos do fundo, notadamente quanto a locação, clientela, à freguesia, permitindo, inclusive, que se dispusesse desse direito, vendendo-o ou utilizando-se como instrumento de crédito, oferecendo-o em penhor (MIGUEL, 2000, p.09).

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4.1 Dos Elementos Componentes do Estabelecimento Empresarial

Como já dito, no estabelecimento empresarial englobam-se tanto bens corpóreos

quanto incorpóreos. Quanto aos primeiros não resta muitas dúvidas, visto se tratar da parte

material, composta pelo estoque, utensílios, maquinário, mercadorias e todos os demais bens

corpóreos adquiridos pelo empresário e vinculados à empresa por ele desenvolvida

(GOULART, 2004, p.109).

A propósito de todos os bens corpóreos afetados à empresa, é imperioso lembrar

que, individualmente considerados, não dispõem de qualquer amparo jurídico especial, ao

contrário do que se observa quando realizado em conjunto (COELHO, F., 2008, p101).

Dentre os limites do presente trabalho, limitar-se-á enumerar alguns elementos

incorpóreos mais comuns na organização empresarial, sem qualquer intuito taxionômico,

visto que não significa que outros aqui não enumerados não sejam importantes.

Assim, encontram-se como componentes do estabelecimento:

1) o Nome Empresarial, que serve para a indicação da figura do sujeito, e não da

empresa ou do estabelecimento, direito este assegurado pela Constituição Federal no artigo 5º,

inciso XXIX;

2) A Propriedade Industrial, atualmente regida pela lei 9.279/96, que disciplina,

basicamente, quatro categorias, a saber: a) a invenção; b) modelo de utilidade; c) desenho

industrial; e d) marca. É utilizada pelo empresário no exercício de sua atividade, já que

depende dela para garantir a exclusividade do uso de sua tecnologia, seus produtos e serviços

(FERES, 2007, p.28);

3) O Ponto de Negócio, visto que é local onde o empresário encontra-se com sua

clientela, que, a propósito, é atraída pela sua localização, podendo este ponto ser próprio ou

locado19;

4) Aviamento é, na verdade, a potencialidade de lucratividade, assim considerado

como sobrevalor decorrente da atividade de organização do empresário, constituindo atributo

do estabelecimento e não da empresa, já que incide sobre os bens utilizados ou produzidos por

aquela, e por fim;

19 Se o ponto empresarial for locado, poderá o locatário inquilino favorecer-se da chamada Renovação Compulsória da locação prevista na Lei 8.245/91, desde que preenchidos alguns requisitos dispostos no art. 5° da referida lei.

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5) A Clientela, que nada mais é a freguesia, um atributo subjetivo do

estabelecimento.

Imperioso anotar que o aviamento e a clientela não se constituem como elementos

da azienda, mas sim um atributo desta. A Clientela interfere diretamente no preço do

trespasse, pois é um dos fatores determinantes do aviamento. Quanto maior a clientela,

maiores são as possibilidades de o estabelecimento produzir lucros.

6) Os Contratos, créditos e Débitos firmados e contraídos pelo empresário no

exercício da atividade empresarial, ressalvado o caráter pessoal dos mesmos, visto que o

atributo de caráter pessoal do contrato, dos créditos e débitos impede a transferência dos

mesmos no caso de trespasse (GOULART, 2004, p.112).

4.2 Da Alienação do Estabelecimento Empresarial

A alienação de um estabelecimento empresarial pode ter lugar pelo contrato de

trespasse, quando o empresário procede à alienação onerosa de seu estabelecimento, através

de venda ou cessão, seja por enfrentar alguma dificuldade, seja por especulação financeira.

Importante salientar que, para abordagem da negociação da alienação do

estabelecimento através de um contrato de trespasse, imprescindível analisar acerca da

titularidade do estabelecimento.Visto que, muitas vezes o empresário não é o proprietário dos

bens que compõem a azienda, como se poderia imaginar, a título ilustrativo, um empresário

que firme um contrato de franquia, comissão ou distribuição.

Nesta seara, Marcelo Andrade Feres (2007, p.42) trata a questão, citando Barreto

Filho20:

É preciso distinguir a titularidade do estabelecimento e sua exploração, pois esta última que qualifica o empresário como tal; [...] podem titular do estabelecimento e quem explore ser sujeitos diferentes. Empresário comercial ou comerciante é quem exerce profissionalmente a atividade econômica utilizando como instrumento da exploração o estabelecimento, não quem apenas detém a titularidade de bens.

Ultrapassada a questão da titularidade, pode-se afirmar que a aquisição da

titularidade de um direito pode ser classificada como de modo originário ou derivado. Em

resumo, pode-se dizer que, ocorrendo esse direito pela primeira vez, diz-se originária a sua

20 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial: fundo de comércio ou fazenda mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1969. p.227.

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aquisição; de outro modo, se já existia direito anterior sobre o objeto, considera-se, pois,

derivado.

Essa diferenciação entre modo de aquisição originário e derivado é relevante para

o correto entendimento acerca do trespasse do estabelecimento empresarial, visto que para o

empresário que pretender lançar-se no mercado, estabelecendo-se em determinado ramo terá

duas opções: adquiri-lo de forma originária, adquirindo separadamente os bens materiais e

imateriais necessários e suficientes para iniciar a atividade pretendida, ou adquirir o

estabelecimento pronto, já devidamente estruturado, como forma de aquisição derivada.

Na primeira hipótese, o empresário tendo em vista a atividade específica que

pretenderá realizar deverá selecionar os bens para a composição da azienda, encontrar um

ponto negocial para o exercício de sua atividade, selecionar fornecedores, contratar

empregados, e assim gerar um potencial de clientela. Providências que demandam tempo e

risco, visto que qualquer providência equivocada poderá afetar todo o negócio.

Na segunda hipótese revela-se o trespasse empresarial, onde certamente, irá o

empresário despender um valor superior, porquanto ao optar por um estabelecimento

comercial já constituído, em funcionamento, o adquirente pagará não apenas o valor dos bens

integrantes, mas também por uma estrutura preconcebida que recebe valorização no mercado.

O adquirente aproveitará as experiências e os direitos decorrentes da atividade do alienante,

adquirindo, assim, um verdadeiro complexo organizado de bens.

Obviamente que a linha de raciocínio acima exposta pressupõe, invariavelmente, a

presença de um estabelecimento empresarial em funcionamento, que revele perspectivas de

lucratividade.

Desta forma, para se falar em trespasse do estabelecimento, é necessário que haja

a transferência de elementos suficientes à preservação de sua funcionalidade original, ou seja,

enquanto universalidade de fato à disposição do empresário, ainda que aquele tenha sido

decotado de alguns de seus elementos originais. Assim, “se não se transmite a atividade, não

há que se falar em trespasse, exceto se este estabelecimento nunca esteve em funcionamento”

(FERES, 2007, p.52).

Todavia, poderá ocorrer a alienação parcial dos elementos da azienda, caso em

que, por motivos claros, não pode se exigir a cessação da atividade do alienante. Casos, por

exemplo, do empresário que detenha diversas marcas e decide alienar alguma delas, podendo

este caso ser considerado como trespasse, o que gera a incidência especial do trespasse sobre

o objeto repassado e havendo uma funcionalidade empresarial dos objetos transferidos,

autoriza-se a aplicação da disciplina do trespasse.

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Desta maneira, cuida o Código Civil de tratar e regular os aspectos do contrato de

trespasse, regulando expressamente os efeitos patrimoniais dele decorrentes.

4.3 Do Contrato de Trespasse do Estabelecimento Empresarial

O trespasse é um contrato de compra e venda, civil, que para ser mercantil,

comprador e vendedor devem ser empresários, a coisa objeto do contrato deve ser um objeto

inserido no seu estabelecimento empresarial.

Nos termos do artigo 1143 do Código Civil diz que "pode o estabelecimento ser

objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam

compatíveis com sua natureza". Assim, o estabelecimento pode ser objeto, entre outros

negócios, de arrendamento, doação, desapropriação, transmissão causa mortis e, como no

caso específico desse estudo, ser objeto de contrato de trespasse.

No momento em que organiza o seu estabelecimento, o empresário agrega ao

conjunto dos elementos materiais e imateriais que o compõe um sobrevalor. Significa afirmar

que os elementos materiais e imateriais integrantes do estabelecimento comercial, enquanto

permanecerem agregados em torno do desenvolvimento do objeto social, alcançam um valor

superior a simples soma de cada um deles em separado.

Para Marcelo Andrade Feres (2007, p.XXIX), no trespasse, há diversos interesses

em causa: o do empresário, titular da azienda, que poderá aliená-lo, tendo direito a uma

contraprestação, consistente principalmente, no pagamento do sobrevalor conhecido como

aviamento. Existe também o interesse do adquirente do estabelecimento: ele pretende receber

o estabelecimento de modo que possa continuar exercendo a empresa desenvolvida pelo seu

antecessor.

Essa sobreposição de interesses, conclui Marcelo Andrade Féres (2007, p.XXIX),

que pode ou não se demonstrar conflituosa, orienta o legislador no momento da elaboração da

norma, para que toda e qualquer sistemática jurídica sobre o trespasse do estabelecimento

edifique-se sob dois pilares, quais sejam, o da preservação da empresa e o da proteção dos

credores.

Embora o Código Civil preveja a alienação unitária do estabelecimento,

preocupando-se em tratar seus efeitos obrigacionais dela decorrentes, a legislação não fala

expressamente no contrato de trespasse, portanto, não há que se falar em tipicidade (legal) do

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60

contrato de trespasse, configurando-se dessa maneira como uma avença atípica. Tampouco

preocupa-se em regular direitos e obrigações decorrentes dessa avença.

O contrato de trespasse traduz como dito, a alienação onerosa do estabelecimento

empresarial e de forma definitiva, tanto da titularidade do estabelecimento – enquanto

complexo de bens - quanto da sua exploração, que são transferidas ao trespassário.

No que tange a natureza jurídica, o contrato de trespasse pode ser classificado

como bilateral – firmado entre trespassante e trespassário - e comutativo, visto que as partes

reciprocamente se obrigam à realização de prestações economicamente equivalente,

conhecendo o adquirente, no momento da contratação, do limite de suas obrigações frente ao

alienante. Constitui-se dessa forma como meio de constituição derivada do estabelecimento

empresarial. É classificado por este motivo como um contrato misto, pois coaduna elementos

das mais variadas espécies, reunindo elementos de variados tratos.

Conforme leciona Feres (2007, p.46), apesar do contrato de trespasse não possuir

uma forma solene - o que se justifica pela sua atipicidade - existindo bens imóveis integrantes

do complexo em transmissão, o contrato será veiculado por instrumento público, para que

possa ser levado ao registro imobiliário.

A partir da entrada em vigor do Código Civil que regula a figura da venda do

estabelecimento empresarial21, representando uma mudança de paradigmas, porquanto a

responsabilidade do adquirente não encontra mais limitada às obrigações de natureza

trabalhista ou tributária, como ocorria na vigência do Código Civil de 1916. A partir do novo

tratamento dispensado pelo legislador, o adquirente assume a responsabilidade das obrigações

do alienante, desde que contabilizadas.

Desde então o adquirente do estabelecimento empresarial, antes de proceder a sua

aquisição deverá acautelar-se antes de proceder à aquisição do estabelecimento comercial,

devendo exigir do alienante que contabilize integralmente seu passivo. Procedida a

contabilização, faz-se necessário à notificação de todos os credores a respeito da operação.

Em não havendo manifestação em contrário, a venda poderá operacionalizar-se.

Assim, a escrituração do empresário é o principal instrumento para que as reais

condições econômicas do estabelecimento possam ser verificadas, visto que a assunção das

dívidas como se verá em capítulo oportuno, estará adstrita aos termos da escrituração. A

questão torna-se relevante quando diante da infringência de normas trabalhistas e fiscais, uma

21 Artigo 1142 a 1149 do Código Civil.

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61

vez que, nesses casos, independentemente da contabilização, o adquirente do estabelecimento

poderá ser responsabilizado.

Assim, o adquirente deve informar-se de todas as condições do trespasse, tais

como fatores agravantes ou até mesmo invalidadores da negociação, exercendo o dever-

direito exaustivo de informação, auferindo, através desta e da análise minuciosa de

documentação, a real conveniência da aquisição do estabelecimento.

4.4 Dos Contratos, das Dívidas e dos Créditos como Integrantes do Estabelecimento

Muito já se discutiu se os contratos firmados pelo empresário, no exercício de sua

empresa, compõem ou não o estabelecimento.

Antes, porém de adentrarmos em explanações faz-se necessário conceituar

obrigação, visto ser conseqüência lógica dos contratos, no caso específico do de trespasse, vez

que gera créditos e débitos.

Neste sentido, embora a doutrina não entre num consenso em torno do conceito de

obrigação, para este estudo adotar-se-á a idéia de que:

[...] o termo obrigação tem aplicação comum com o lado passivo de toda relação jurídica, apresentando-se como equivalente à idéia de dever jurídico (observância de determinada norma jurídica), estado de sujeição (os chamados direitos potestativos, como direitos de resolução contratual) e ônus jurídico (adoção de determinada conduta para obtenção de vantagem própria) (PODESTÁ, 2008, p.1).

Em resumo, obrigação é o vínculo que une dois sujeitos, credor e devedor, de

sorte que aquele possa exigir deste o cumprimento de uma obrigação, que tem caráter

transitório, objetivando-se desta forma a extinção, como o efetivo cumprimento.

Assim, a obrigação é vista sobre dois aspectos principais: o crédito e o débito.

Nestes termos, é bom que se frise que: as obrigações não constituem elementos do

estabelecimento, mas apenas mantêm a inerência econômica com este, visto que vários são os

efeitos obrigacionais advindos das obrigações, dentre eles, os efeitos de circulação e trespasse

das obrigações tributárias, elemento-chave deste presente estudo.

No que ser refere aos efeitos em relação dos contratos, há, por exemplo, o

argumento de que por serem os contratos relações jurídicas e não bens estariam eles excluídos

da universalidade patrimonial do empresário. É, por exemplo, o que afirmou Rubens Requião:

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62

“Os contratos e as relações jurídicas não são bens, e a rigor, escapam do âmbito do

estabelecimento comercial” (1998, p.372).

Porém, tal posicionamento contrasta-se com a verificação de que tais vínculos são

firmados pelo empresário no interesse do exercício de sua atividade empresarial, sendo estas

obrigações, forma de materialização dos contratos, como instrumento de viabilização da

empresa.

O Código Civil trata a matéria no art. 1148:

Salvo disposição em contrário, a transferência importa em sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para a exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo o terceiro rescindir o contrato em 90 (noventa) dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.

Parece claro que, face ao dispositivo supra, posiciona-se no sentido de admitir que

os contratos firmados pelo empresário – no exercício da atividade profissional – integram ao

seu estabelecimento, posto transferir-se ao trespassário no caso de trespasse.

De um modo geral, hoje são admitidas as cessões de crédito, de débitos e de

contratos, visto que são estes instrumento legítimos à circulação de obrigações entre os

sujeitos, no caso em estudo, da esfera empresarial.

Aparentemente, a transmissão de contratos, orientada, como citado pelo artigo

1148 do Código Civil, tem por finalidade assegurar a continuação da empresa sob os cuidados

do seu novo titular. Afinal, como visto, os contratos encontram razão de ser na azienda, sendo

que a inerência destes está mais voltada ao estabelecimento do que à empresa - atividade,

visto que, figura-se como mera abstração, e, portanto, não é repassada no trespasse.

De fato, não há como assegurar a continuidade da empresa se os contratos

firmados pelos seus representantes no seu exercício, pelo trespasse não forem transferidos ao

adquirente.

A sub-rogação prevista na norma, em verdade, revela a cessão de alguns contratos

para o trespassário. Ao dispor “a transferência importa sub-rogação ao adquirente nos

contratos”, a lei determina a substituição do alienante pelo adquirente em avenças que reúnam

os requisitos necessários, nela estipulados, dos quais pode-se extrair a saber:

a) que se trate de contratos bilaterais que impliquem pendências obrigacionais

para ambas as partes;

b) que os contratos sejam pactuados para exploração do estabelecimento

empresarial – 1148 do CC;

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63

c) que os contratos não sejam pessoais;

d) que inexista disposição em contrário ou óbice legal;

e) que não haja justa causa para que o terceiro possa rescindir o contrato.

Trata-se de cessão imprópria, visto que é determinada pela lei, independentemente

de previsão contratual, ou anuência do contratante cedido, salvo a hipótese de “justa causa”,

ressalvado pelo referido na parte final do artigo 1148 do Código Civil.

Portanto, conclui Marcelo Andrade Feres (2007, p.69): “A transmissão do

contrato opere nele uma sucessão”.

Resta igual sorte aos créditos, visto se relacionados ao estabelecimento. Assim, se

nasceram em detrimento do estabelecimento, também devem ser pagos em razão deste, no

caso do trespasse, ao seu novo titular.

Assim, o ordenamento, ponderando valores como a preservação da empresa e sua

função social, com tutela de credores, firma balizas ao negócio jurídico sobre o

estabelecimento empresarial, disciplinando os seus efeitos obrigacionais, fonte de tantas

celeumas passadas e ainda presentes.

Quanto às dívidas, não resta outro raciocínio senão o de que os débitos nasceram

da exploração da empresa. Assim, além dos bens ”aziendais” (FERES, 2007, p.61), figuram

como garantia, e é somente pela continuação da empresa que podem então as dívidas serem

pagas.

Nestes termos, concentraremos no estudo da transferência das dívidas do

estabelecimento, visto ser onde concentra o cerne desse trabalho.

4.5 Da Transferência das Dívidas do Estabelecimento

O sujeito de direito exercente da empresa, seja ele empresário individual ou

coletivo, orienta-se pelo lucro, desejando uma maior eficácia possível de sua atividade,

através do uso de estratégias que visem otimizar sua atividade.

Evidente que esta atividade implica riscos, podendo o empresário experimentar o

sucesso ou o insucesso de sua atividade. Assim, quando um novo sujeito ingressa no cenário

empresarial, iniciando a sua atividade a partir da aquisição – derivada - de estabelecimento de

um terceiro, ele substitui o seu sucessor. Por esta razão, interessa-nos o contrato de trespasse.

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Assim, o estabelecimento, em regra, reflete a garantia dos credores. Os elementos

que compõem a azienda representam bens passíveis de possível execução por parte dos

credores.

No direito brasileiro anterior à codificação de 2002, não havia nenhuma previsão

da sistemática do trespasse. Não havia qualquer norma em relação à responsabilidades entre

as partes, à exceção das dívidas trabalhistas e tributárias. Assim, os credores em geral do

alienante do estabelecimento não poderiam cobrar do respectivo adquirente os seus créditos.

Havia apenas algumas referências da antiga lei de falências (Decreto-Lei n.7.661/45, art. 2º,

V, e 52, VIII), que resguardavam a possibilidade de os credores tornarem sem efeito o

trespasse, mas somente no caso de declaração de quebra, o que, de maneira efetiva, não

resguardava diretamente os interesses dos credores.

Neste sentido Fábio Ulhoa Coelho (2008, p.118) escreve:

O Brasil, até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, considerava-se que o passivo não integrava o estabelecimento empresarial (Barreto Filho, 1969:228/229); em conseqüência, a regra de que o adquirente não se tornava sucessor do alienante. (sic) Isto é, os credores de um empresário não podiam, em princípio, pretender o recebimento dos seus créditos de outros empresários, em razão de este haver adquirido o estabelecimento do primeiro. Admitiam-se, três hipóteses de sucessão: a assunção de passivo expressa no contrato, as dívidas trabalhistas e fiscais. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 altera-se por completo o tratamento da matéria: o adquirente do estabelecimento empresário responde por todas as obrigações relacionadas ao negócio explorado naquele local, desde que regularmente contabilizadas, e cessa a responsabilidade do alienante por estas obrigações no prazo de 01 ano (art. 1146). Claro está que somente nos trespasses realizados após a vigência do Código Civil de 2002, opera-se a sucessão e liberação nestes termos; nos anteriores, vigora o princípio da não-sub-rogação de passivo em decorrência do trespasse.

Diante o silêncio normativo anterior, o art. 1146 do CC, trata sobre a sorte das

dívidas do trespassante, ao prescrever que:

O adquirente do estabelecimento reponde pelos pagamentos dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de 1 (um) ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

Cria-se assim um regime de distribuição de responsabilidades entre os envolvidos

no trespasse. A legislação criou assim uma responsabilidade solidária efêmera. Ela acabou

qualificando o adquirente do estabelecimento como responsável pelas dívidas pretéritas, a

título solidário, ao lado do devedor original, que continua obrigado pelo prazo de um ano

contado de acordo com a regra supracitada.

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Assim, o entendimento é de que o passivo não integra o estabelecimento, a regra é

a de que o adquirente não se torna sucessor (responsável) do alienante, se estas não estiverem

contabilizadas, com efeito, o próprio ordenamento assegura outros meios para que o credor,

de obrigação de natureza privada, satisfaça seu crédito, em se sentindo lesado com a alienação

do estabelecimento empresarial de seu devedor.

Ao estabelecer determinadas condições, pretendeu o Código Civil viabilizar a

transferência do estabelecimento sem ferir o direito dos credores, e consequentemente, sem

que a empresa fique vulnerável ao instituto da falência (PRANDINI JUNIOR, 2005, p.369).

4.6 Dos Débitos Excetuados da Incidência do art. 1146 do Código Civil

Tal como no direito anterior ao Código Civil de 2002, as dívidas fiscais e

trabalhistas continuam a ser exceção à regra geral. Visto que as duas são tratadas em

ordenamentos próprios, e por força de suas características, não sujeitam ao sistema da

ordenação civil citado.

Assim a verificação de responsabilidade do trespassário pelas dívidas fiscais e

trabalhistas independe da verificação da escrituração. Nestes termos, tratar-se-à somente a

responsabilidade quanto às dívidas fiscais, visto ser objeto deste estudo, o que será feito logo

à frente.

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5 EFEITOS OBRIGACIONAIS DA AQUISIÇÃO DO ESTABELECIMENTO E A CHAMADA SUCESSÃO DE EMPRESAS

Quando as posições obrigacionais são transferidas, ganha-se relevância o tema da

sucessão. Nestes termos, terá lugar a sucessão quando um sujeito ocupa a posição jurídica de

outro, assumindo as prerrogativas originais. Entretanto, o tema merece uma análise

minuciosa.

O termo sucessão pode assumir diversos significados na língua portuguesa.

Dentre outros, pode-se apontar, como ato ou efeito de suceder, sucedimento, substituição,

colocar algo ou alguém no lugar de outro, herança. Assim, como há diversos significados da

palavra sucessão na língua portuguesa, não poderia ser diferente na linguagem jurídica, onde

se verifica também, de acordo com o contexto, uma grande variabilidade semântica da

expressão.

Em relação ao fato que a origina, a sucessão poderá ser causa mortis ou inter

vivos.

A sucessão causa mortis ocorre quando determinada pessoa, chamada de autora

da herança, morre, deixando herdeiros supérstites, ou seja, é a razão por morte de alguém.

Chamada de sucessão hereditária, podendo ser legítima, também chamada ab intestato ou

testamentária.

A segunda hipótese – sucessão inter vivos – tem lugar por fato distinto da morte.

Ela ocorre, como já elencado, quando dois sujeitos fundando-se na autonomia privada da

vontade, circulam as suas obrigações jurídicas, através – normalmente – de um ato negocial, o

contrato.

No que tange a quantidade de relações jurídicas que são transferidas, a sucessão

poderá ser universal ou singular. Transmitindo-se todo o patrimônio de um sujeito a outro,

tem-se a chamada sucessão universal. Por outro lado, transferindo-se apenas parcela desse

complexo, dá-se a sucessão singular.

Já numa acepção jurídica, tem-se que sucessão não se reveste de unicidade

(FERES, 2007, p.165), visto que há divergência quanto a extensão da sucessão entre diversas

disciplinas jurídica. Estas diferenças não induzem incompatibilidades nem divisão da

unicidade do ordenamento jurídico, tão só estabelecem efeitos específicos para um mesmo

fato jurídico. Daí a dificuldade de um conceito prévio, assumindo diferentes características e

efeitos conforme o contexto em que esteja inserida.

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Juridicamente pode-se falar que sucessão é o fenômeno de substituição de um dos

sujeitos da relação jurídica por outro, permanecendo viva a relação, para operar seus efeitos

diante o novo sujeito.

Assim, Moraes Filho22, citado por Marcelo Andrade Feres (2007, p.165), conclui

que:

[...] para que exista sucessão, em sentido técnico, é essencial que a relação jurídica permaneça a mesma, com o mesmo conteúdo, com o mesmo objeto; e que o sujeito (ou sujeitos) seja substituído por outro, tomando, o seu lugar nos direitos, nas obrigações ou em ambos. Não é necessário, pois, que esteja sempre presente o vínculo subjetivo entre os dois titulares. E estiver, ainda melhor, mas não é característica essencial.

É válido observar que a sucessão empresarial pode ou não existir no contrato de

trespasse, mas não existe na transferência de participação societária. Assim, não existe regra

de sub-rogação em decorrência do trespasse.

Necessário, todavia, precisar que a alienação de estabelecimento ou empresa

somente suscita sucessão universal se a alienação é de patrimônio, prevista, assim, a

universalidade de sucessão. Assim, a venda do imóvel ou do maquinário, em separado, não

implica em sucessão empresarial.

Sucessão de posse, por sua vez, sem alteração na propriedade, nenhuma

repercussão produz no campo das obrigações passivas (civis e comerciais) relativamente ao

sucessor ou sucedido.

Nestes termos, deve haver alteração da propriedade do estabelecimento

empresarial, seja de modo total ou parcial. No fenômeno da sucessão, “geralmente tem-se a

obrigação como referencial” (FERES, 2007, p.166), sendo imprescindível para a sua

configuração, pelos ao menos dois sujeitos, pois somente desta maneira há que se falar em

circulação subjetiva da relação jurídica.

Verifica-se assim que sucessão seria sinônimo de aquisição derivada (ABLA,

2005, p.103). Na sucessão empresarial, o direito anterior, já existia na pessoa do sucedido, e

este se transfere para o sucessor.

Ademais, “a sucessão não pressupõe nenhum defeito jurídico na liquidação dos

créditos, muito pelo contrário, decorre da continuidade das obrigações e dos direitos que

compõem o patrimônio transferido para o sucessor” (ABLA, 2005, p.107).

22 MORAES FILHO, Evaristo. Sucessão nas obrigações e a teoria da empresa. Rio de Janeiro: Forense, 1960.

v.1, p.52. .

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5.1 Trespasse e Sucessão

Após o conhecimento sobre o conteúdo jurídico da sucessão, vale lembrar os

efeitos obrigacionais do trespasse do estabelecimento, para a seguir, chegar-se à conclusão, se

há ou não sucessão na espécie, ou seja, se a sucessão é uma das conseqüências do trespasse.

Relembrando a disposição do art. 1148 do Código Civil, temos que:

Salvo disposição em contrário, a transferência importa em sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para a exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo o terceiro rescindir o contrato em 90 (noventa) dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.

Desta forma, o adquirente do estabelecimento se sub-roga nos contratos

estipulados par a sua exploração (avenças exploracionais empresariais), desde que não tenham

caráter pessoal. Portanto, nesse particular, pode-se dizer que o trespassário sucede ao

trespassante; ele assume a posição de do titular original do estabelecimento empresarial.

No que tange a sucessão das dívidas, o ordenamento pontua de forma clara que,

haverá a responsabilidade pelas dívidas, desde que devidamente contabilizadas, subsistindo,

entretanto, a obrigação do alienante pelo prazo de um ano, a contar do vencimento para

créditos não vencidos, e para créditos vencidos, a contar da publicação. Configurada neste

caso a transferência como forma de sucessão.

Assim, para efeito de reflexão, incorreta a expressão “sucessão de empresas”,

visto que na verdade, não há sucessão da atividade. A atividade continua a mesma. A tomar

este fato a expressão correta é, sem dúvida, sucessão de estabelecimento empresarial e

conseqüentemente, sucessão de empresários, visto que este, enquanto sujeito de direitos, é que

exerce a empresa, qualificada pelo estabelecimento. Substitui-se assim, o empresário (sujeito).

Em suma, o trespassário não assume todos os contratos do trespassante, mas

somente aqueles exploracionais e, portanto, impessoais; não assume todas as dívidas, porém

apenas as regularmente contabilizadas; não assume todos os créditos, mas somente os

referentes ao negócio. Não se pode, desta forma, sob fundamento de sucessão universal,

imputar todas as obrigações (contratos, créditos e dívidas) do trespassante ao trespassário,

sucedendo o trespassante naquilo que a lei determinar, ou naquilo estipulado pelo contrato,

quando não em conflito com aquela (FERES, 2007, p.169).

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5.2 Da Reorganização Estrutural-Societária: da Incorporação, da Fusão, da Transformação, ou da Cisão como Forma de Sucessão Empresarial

Para Maria Helena Diniz (2008, p.547), vários são os motivos que poderão

conduzir a uma reorganização da estrutura societária, tais como: concorrência empresarial no

mesmo ramo de atividade; busca de monopólio; dentre outros.

Com o incremento das qualidades dos agentes no cenário econômico,

incrementou-se paulatinamente, a diversidade de mecanismos de articulação empresarial.

Assim, a personificação das sociedades comerciais e conseqüentemente o crescimento do seu

número, as operações societárias roubaram a cena, nasceram assim a transformação,

incorporação, fusão e cisão. Na visão de Marcelo Andrade Feres (2007, p.170), elas

constituem-se daí como o instrumento preferido para os arranjos, principalmente no que se

refere à concentração de empresas.

Neste contexto, obviamente o trespasse empresarial não se apaga. Ao contrário,

constitui mais um mecanismo de eficiente negociação de bens empresariais, podendo ser

considerado uma opção mais conveniente que um dos modos de reorganização societária, de

acordo com a situação vivida pela empresa.

Nestes termos, há que se estabelecer, que toda sociedade tem o direito de alterar

sua estrutura fundamental, reorganizando-se, do modo como a lei prevê validade ao ato.

Pelos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis de Trabalho – CLT - os direitos

adquiridos e os contratos de trabalho dos empregados das sociedades, que efetuaram a

reorganização estrutural societária, não serão prejudicados.

E, pelo art. 132 do Código Tributário Nacional – CTN - haverá responsabilidade

da sociedade, resultante a fusão, transformação e incorporação, pelos tributos devidos até a

data do ato pelas pessoas jurídicas fusionadas, transformadas ou incorporadas. Assunto este

que será mais bem tratado em capítulo próprio, quando dos efeitos tributários na sucessão.

E, ainda pelo art. 50 da Lei Falimentar (11.101/05), a cisão a incorporação, a

fusão ou a transformação da sociedade poderão ser utilizadas como meio de recuperação

judicial. O que também será mais bem tratado em momento oportuno.

Neste sentido, o Código Civil, em seus artigos 1.116 e 1.119, determina

claramente que, tanto na incorporação como também na fusão, a sociedade incorporadora ou a

nova sociedade decorrente da fusão sucede a sociedade incorporadora ou a sociedade extinta,

respectivamente, em todos os seus direitos e obrigações.

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Também a Lei das Sociedades Anônimas, em seus artigos 227 e 228, contem as

mesmas diposições contidas no Código Civil, no que se refere às incorporações e fusões.

Assim, passa-se a analisar as formas de reorganização societária e conseqüentes

efeitos obrigacionais, para a posteriori analisar as formas de reorganização societária frente ao

trespasse empresarial.

5.2.1 Da incorporação

A incorporação possui definição legal no artigo 227 da Lei 6.404, que define a

incorporação como "a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra,

que lhes sucede em todos os direitos e obrigações".

Desta forma, pelo processo da incorporação uma ou mais sociedades são

absorvidas pela incorporadora, permanecendo inalterada a identidade desta, que, por via de

conseqüência, assume todas as obrigações das sociedades incorporadas.

Na hipótese de incorporação, desaparecem as sociedades incorporadas, em

contraposição à sociedade incorporadora que permanece inalterada em termos de

personalidade jurídica, ocorrendo, apenas, modificação em seu estatuto ou contrato social,

onde há indicação do aumento do capital social e do seu patrimônio.

É uma forma de reorganização societária em que os patrimônios das sociedades

incorporadas somam-se ao da incorporadora. É uma união de ativos das sociedades

participantes da operação com a conseqüente assunção do passivo da incorporada, que deixará

de existir.

Portanto, como se verá, ao contrário da fusão, a incorporação de sociedades

comerciais importa, necessariamente, apenas na reforma do estatuto ou contrato da sociedade

que incorpora, desaparecendo-se a empresa incorporada. A fusão, por outro lado, impõe a

extinção das sociedades fusionadas, surgindo, assim, uma nova sociedade.

Neste ínterim, Maria Helena Diniz (2008, p.552), vem abordar aspectos

importantes acerca da incorporação:

[...] poderá ocorrer mudança no tipo societário; a sociedade anterior (incorporada) extinguir-se-á e seu tipo societário passará a ser a incorporadora. A incorporadora assumirá as responsabilidades, os débitos da incorporada; se assim, é os credores da incorporada terão seus créditos garantidos pela incorporadora. Os sócios da incorporada tornar-se-ão sócios da incorporadora [...].

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Há, dessa forma, uma sucessão universal ope legis, a sociedade incorporadora,

assumirá todos os direitos e obrigações sócias das sociedades incorporadas. Não há, dessa

forma, a criação de uma nova sociedade, apenas a absorção de uma pela outra.

A autora mencionada (DINIZ, 2008, p.553), ainda conclui:

[...] Modesto Carvalhosa, com muita propriedade, na incorporação vislumbra a presença concomitante de um ato constitutivo pela agregação de patrimônios de duas sociedades numa só e de um ato desconstitutivo pela extinção da sociedade que foi incorporada, e pela absorção de todo o seu patrimônio (ativo e passivo) pela incorporadora.

Percebe-se então que no que se refere ao aspecto dos efeitos obrigacionais, não se

confunde incorporação com alienação do estabelecimento empresarial, através de contrato de

trespasse, visto que, neste último, como já demonstrado em sede do artigo 1.116 do Código

Civil, a sucessão no que tange contratos, créditos e débitos será singular e não universal como

verificado na incorporação. Ademais, percebe-se que a alienação pode se dar de forma

parcial, sendo mantida dessa forma a atividade empresarial, pelo qual não há que se falar e

alienação da empresa. Ao passo que na incorporação, desaparecem as sociedades

incorporadas, em contraposição à sociedade incorporadora que permanece inalterada em

termos de personalidade jurídica.

5.2.2 Da fusão

A fusão, conforme definição do próprio direito positivo brasileiro (Lei 6.404,

artigo 228), "fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma

sociedade nova que lhes sucederá em direitos e obrigações".

Assim, duas ou mais sociedades se unem e constituirão uma nova com seus

patrimônios líquidos. Efetivar-se-á a soma de capitais para se formar uma terceira sociedade.

Ter-se-á extinção das sociedades, cujos patrimônios líquidos comporão o capital social da

nova sociedade, sem que haja pévia liquidação.

A fusão caracteriza-se pelo fato de desaparecem as sociedades que se fundem,

para, em seu lugar, surgir uma nova sociedade. A fusão, entretanto, não importa na dissolução

das sociedades fundidas, mas na extinção formal das sociedades que passaram pelo processo

de fusão. Não havendo dissolução, não há que se falar em liquidação do patrimônio social,

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posto que a nova sociedade surgida da operação em questão assumirá toda e qualquer

obrigação, ativa e passiva, das sociedades fusionadas.

Assim, como considera Maria Helena Diniz, (2008, p.554), a fusão é um negócio

jurídico sui generis de constituição de sociedade, processando-se em duas fases: a passagem

dos sócios das sociedades fusionadas para a nova sociedade e a extinção ex facto das

sociedades transmitentes de seus patrimônios.

No que tange os aspectos de responsabilidade, a nova sociedade sucederá a ou as

sociedades extinguidas ex lege e ex facto, a título universal, em todos os direitos e obrigações

sociais, operando-se a subscrição pelos sócios de ambas as sociedades, e os sócios da nova

sociedade então terão responsabilidades fusionadas, portanto, não terão qualquer prejuízo,

pois a nova sociedade, advinda da fusão, reponsabilizar-se-á pelos débitos daquelas.

Em linhas gerais, tanto a incorporação como a fusão, são fenômenos do

capitalismo, espécies de seleção natural, em sentido figurado, nas quais grandes grupos

econômicos absorvem empresas menores.

Neste aspecto, pelos mesmos motivos elencados quanto à incorporação, não há

como confundir a fusão, uma forma de sucessão universal, com o trespasse, forma de

sucessão singular.

5.2.3 Da transformação

A transformação é a operação pela qual a sociedade, independentemente de

dissolução e liquidação, passa de um tipo social para outro, mediante alteração do seu estatuto

social (CC, art. 1.113).

Há, portanto, uma mudança no tipo de sociedade. A sociedade prosseguirá com

um novo revestimento social, uma conversão de sociedade.

A transformação é muito comum na dinâmica das sociedades comerciais, vez que,

em determinados momentos é mais interessante que determinada empresa seja constituída sob

a forma de Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, em outro momento,

diferentemente, pode ser mais conveniente que seja uma Sociedade Anônima.

Para que uma empresa passe de uma forma para outra, desnecessária a sua

extinção ou liquidação, para constituição de outra, basta a sua transformação, mediante

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alteração em seus elementos constitutivos (contrato social, para as sociedades de pessoas e

por quotas de responsabilidade limitada ou estatuto social, para as sociedades por ações).

Com a transformação, não ocorre alteração da pessoa jurídica, razão pela qual não

ocorre sucessão nem de sociedade, nem de estabelecimento empresarial, o que muda apenas é

o regime jurídico societário da empresa.

Assim, ocorrida a transformação societária, os direitos dos credores adquiridos

antes da transformação, ficarão inalterados até o pagamento integral dos créditos, tendo as

mesmas garantias que o tipo societário anterior lhes dava.

Aqui, não resta qualquer dúvida em relação às diferenças deste instituto com o

instituto da alienação do estabelecimento pelo trespasse, visto que neste há o repasse do

estabelecimento, naquele, não há repasse algum, apenas altera-se o tipo societário.

5.2.4 Cisão

A cisão é regulada nos artigos 229 a 244 da Lei nº 6.404/76. Sendo assim, sua

definição está no artigo 229, nos seguintes termos:

A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

Também a IN n. 88/2001 do DNRC, preleciona que:

[...] a cisão é o processo pelo qual a sociedade, por deliberação tomada na forma prevista para alteração do estatuto ou do contrato social, transfere todo ou parcela de seu patrimônio para a sociedades existentes ou constituídas para este fim, com extinção da sociedade cindida, se a versão for total, ou redução de capital de parcial (DINIZ, 208 p.556).

A freqüente utilização da cisão como instrumento de reestruturação societária tem

gerado dúvidas com relação à interpretação da disciplina jurídica aplicável, especialmente no

que se refere aos direitos dos credores da sociedade a ser cindida.

A cisão, portanto, pode ser total ou parcial. Ocorrerá cisão total quando houver

completa transferência de patrimônio, caso em que a sociedade cindida se extinguirá; a cisão

parcial, por sua vez, importa versão parcial do ativo e do passivo para outra sociedade,

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remanescendo a sociedade originária com uma parcela do patrimônio em seu poder e

reduzindo-se seu capital social na proporção do patrimônio líquido transmitido.

Há, portanto, corte total ou parcial, no capital social. Muito diferente do que

ocorre na alienação do estabelecimento empresarial através do trespasse, onde o que é cedido

não é a sociedade ou o capital social, em todo ou em parte, mas o estabelecimento

empresarial.

No que se refere à sucessão de obrigações da sociedade cindida, a matéria é

tratada pelo parágrafo 1º do artigo 229 da Lei nº. 6.404/76.

Na hipótese de cisão total, onde há a transferência da totalidade do patrimônio da

sociedade cindida, que se extinguirá para as outras, e os sócios da cindida passarão a integrar

as sociedades beneficiadas com a cisão, que sucederão a cindida nos direitos e obrigações (Lei

n. 6.404/76, art. 229, § 5º), respondendo solidariamente pelas obrigações da sociedade extinta.

Já na cisão parcial (art.227), onde apenas parte do patrimônio de uma sociedade

for transferida a outra, ficando então, a outra parcela em poder da cindida que não se

extinguirá, e continuará exercendo suas atividades com a mesma denominação social, apenas

com o capital reduzido, a sucessão de direitos e obrigações, logicamente, só se dará quanto à

parcela de patrimônio que foi transferida à outra sociedade (art. 229, § 1º).

Haverá responsabilidade solidária entre a sociedade cindida e a que absorveu parte

de seu patrimônio, apenas pelas obrigações anteriores à cisão, que lhes foram transferidas.

Assim, com extinção da sociedade, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da

sociedade cindida sucederão a esta na proporção do patrimônio transferido, ou seja, sucederá

a sociedade cindida nos direitos e obrigações referentes àquela determinada porção de

patrimônio que foi transferida.

É interessante ressaltar, ainda, que havendo cisão com versão de parcela do

patrimônio em sociedade nova, a operação será deliberada pela assembléia geral (no caso de

sociedade anônima); se já existe a sociedade que vai absorver parcela do patrimônio da

sociedade cindida, deve-se obedecer às regras serão da incorporação.

Contudo, o ordenamento brasileiro não é expresso quanto à qualidade da parcela

patrimonial para uma ou mais sociedades. Na hipótese, note-se, o ordenamento admite a

transmissão de proporção patrimonial, ou seja, podem ser transferidos, além de bens, créditos,

dívidas e contratos.

Ainda, pelo art. 223, parágrafo único, da Lei 6.404/76, o ato da cisão parcial

poderá estipular que a sociedade que absorver parte do patrimônio da cindida não seja

responsável apenas pelas obrigações que lhe foram transferidas, sem solidariedade com a

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cindida, caso em que o credor anterior à cisão poderá se opor à estipulação, em relação ao seu

crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de noventa dias contados da publicação dos

atos da cisão.

Em que pese os entendimentos em sentido contrário, a tese de que o artigo 233

Lei nº. 6.404/76 não confere ao credor o direito de opor-se ao negócio de cisão, parece ser a

mais acertada. O único direito do credor é opor-se à estipulação de ausência de solidariedade.

Não tem o credor, pois, sequer legitimidade processual para pleitear a suspensão ou anulação

da cisão, que, pelo regime da Lei nº. 6.404/76, é matéria interna das companhias envolvidas, a

ser deliberada em assembléia geral dos acionistas.

O efeito de eventual oposição à estipulação de não solidariedade pelo credor é,

unicamente, a elisão de tal estipulação no tocante àquele crédito específico.

A mera notificação do credor manifestando sua oposição à estipulação de ausência

de solidariedade já é suficiente para que se opere a elisão para seu crédito, uma vez que tal

efeito decorre de lei. A produção dos efeitos da oposição não depende de qualquer ato da

sociedade, como o envio de resposta à notificação do credor ou a indicação no ato de cisão da

existência de solidariedade passiva quanto àquele crédito, sendo descabidas quaisquer

exigências nesse sentido.

5.2.4.1 Trespasse do estabelecimento e negócios afins: trespasse e cisão parcial

Para a correta identificação do trespasse, é imprescindível aclarar as fronteiras que

o separam dos meios de reorganização societária, categorias vizinhas, pois inexiste

fungibilidade entre eles. Cada qual tem suas características próprias e a sua importância, de

acordo com a ocorrência e necessidade fática da empresa.

Nestes termos, ao diferenciar o trespasse do estabelecimento da cessão de cotas

sociais na sociedade limitada ou a alienação de controle da sociedade anônima, Fábio Ulhoa

Coelho (2008, p.116), preleciona:

No trespasse, o estabelecimento empresarial deixa de integrar o patrimônio empresarial de um empresário (o alienante) e passa para o de outro (o adquirente). O objeto da venda é complexo de bens corpóreos e incorpóreos, envolvidos com a exploração de uma atividade empresarial. Já a cessão de cotas das sociedades limitadas ou da alienação do controle societário da sociedade anônima, o estabelecimento empresarial não muda de titular, tanto antes, como após a transação, ele pertencia e continua a pertencer à sociedade empresária. Essa, contudo, tem a sua composição de sócio alterada. Na cessão de cotas, ou alienação de controle, o objeto

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da venda é a participação societária. As repercussões da distinção jurídica são significativas, em especial no que diz respeito à sucessão empresarial, que pode ou não existir no trespasse, mas não existe na transferência da participação societária.

Contudo, como prevê Marcelo Andrade Feres (2007, p.173), a cessão total de

participantes de uma sociedade, embora claramente distintas do contrato de trespasse, em

alguns episódios23, conforme recomendem a própria funcionalização condicionante – função

social – do contato e da boa-fé, podem e devem ser equiparadas.

No que se refere à cisão parcial, haja vista a sua proximidade com o trespasse,

alguns pontos merecem destaque, visto existir alguns pontos de contato entre os dois

institutos.

A circulação de riquezas, no plano societário, dá-se na razão de necessidade de

reacomodação dos ativos que as compõem, podendo decorrer das mais variadas razões no

meio das vicissitudes do mundo dos negócios (PRANDINI JUNIOR, 2005, p.378). Nesse

contexto, tanto o trespasse, quando a cisão parcial, atendem a este propósito.

Assim, a função do trespasse, enquanto desfazimento de parte do patrimônio

social, mediante a venda de um estabelecimento, presta-se, em tese, à otimização da cadeia

produtiva, por permitir a cessão de ativos, àquele melhor dotado para a exploração da cadeia

produtiva, de modo a viabilizar a preservação da atividade, que desencadeará na preservação

de seu ativo.

Pode-se afirmar que enquanto a venda de estabelecimento propõe-se ao fim da

substituição de ativos (PRANDINI JUNIOR, 2005, p.379) – bens por dinheiro – por

intermédio da celebração do contrato de trespasse, como já visto, o objeto fim da cisão parcial

é, similarmente, o de permitir a relocação de riquezas, por meio da organização societária.

A cisão parcial viabiliza a continuação da atividade empresarial, preservando a

empresa, pois ganha vida como um instrumento de composição, e novamente, reacomodação

dos interesses societários e conseqüentemente, econômicos dos integrantes, visto que, com a

bipartição, entre sociedade cindida e a resultante da cisão - ou também chamada sociedade

pré-existente - salva-se a cindida - muitas vezes, da dissolução societária- ainda que também

pela cisão parcial, ocasionada, na visão de Alex Prandini Junior (2005, p.379), pela dissensão.

Nestes termos, já é possível identificar o primeiro ponto de interseção entre os

dois institutos, visto que ambos os contratos – trespasse e cisão parcial - são meios e não fim

23 Féres cita o célebre caso decidido pelo Supremo Tribunal Federal, da Companhia Nacional de Tecidos de Juta contra o Conde Álvares Penteado e a Companhia Paulista de Aniagem, em que se tratou hipótese de interdição da concorrência por parte de alienante da totalidade de ações da companhia.

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em si mesmos. Meios pelos quais, acolhe-se a transferências de riquezas, como forma de

preservação e, portanto, continuidade da atividade empresarial.

De outra forma não poderia ser o raciocínio de que a modificação patrimonial,

sofrida pela cisão parcial, quanto da destinação de parcela de seu acervo a outrem, é um

fenômeno muito próximo ao trespasse, caracterizado pela alienação dos elementos

constitutivos do estabelecimento empresarial. Ademais, em ambas as figuras haverá a

necessidade de realocação desses bens na continuação de atividade econômica e ou

empresária, visto o atendimento do prisma operacional.

É neste sentido que Alex Prandini Júnior, (2005, p.380) citando Lopes 24, diz que:

[...] num e noutros casos promove-se a desconcentração da atividade produtiva, embora tais operações possam ser vistas do ponto de vista da aglutinação, quando os ativos migram para pólos magnéticos de concentração de capital. Em tese, o trespasse ou cisão parcial podem classificar-se como movimentos concentradores, sempre que o cessionário, para quem a parcela do patrimônio deságua, seja um ente de polarização econômica25. A nosso ver, o trespasse ou venda de estabelecimento pode, igualmente, pelos mesmíssimos fundamentos acima colacionados, servir de mister da concentração e ao movimento de desaglutinação, dependendo das circunstâncias econômicas que conduzirem à sua celebração.

Assim, tanto a cisão quanto o trespasse servem para o mesmo fim, que não a

geração de lucro, mas a transferência, realocação, substituição de riquezas.

Contudo, algumas diferenças, no que tange aos sujeitos da operação, devem e

merecem ser pontuadas. Assim, na Cisão parcial, os sujeitos, ou aqueles a que o produto

aproveita, são os sócios ou acionistas da sociedade cindida, que conforme visto, recebem

cotas ou ações da nova sociedade, a pré-existente, constituindo-se desta forma um contrato de

permuta, onde trocam-se as cotas ou ações antigas, por cotas ou ações novas – da nova

sociedade. Assim, a conclusão é de que os sujeitos não são os mesmos. Ademais, a sociedade

cindida nada recebe pela versão de parte do seu patrimônio, são os seus sócios ou acionistas

que recebem – por isto dizer-se reorganização societária. Já no trespasse, a sociedade

alienante é o sujeito ativo da transação. Seus sócios ou acionistas dela não participam. De

modo que a sociedade é quem recebe pela alienação do estabelecimento, que se dá inconteste

de modo oneroso.

24 LOPES, Mauro Brandão. A cisão no direito societário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 14. 25 Lopes (1980) esclarece que a “cisão pode ser instrumento de concentração porque permite a incorporação, de

parcela de patrimônio à sociedade pré-existente e porque permite a fusão de várias parcelas do patrimônio para a formação de um patrimônio maior, vindas cada uma delas do patrimônio de diferentes sociedades; e pode ser instrumento de desconcentração porque permite a fragmentação do patrimônio com a transferência de cada parcela à diferente sociedade nova”.

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Ainda sob o ponto de vista finalista e funcional, coloca Alex Prandini Junior,

(2005, p.380) que o paralelismo existente entre trespasse e cisão fica ainda mais claro quando

o objeto da cisão é constituído por ativos dotados de certa autonomia, e que, em tese,

poderiam compor unidade empresarial de vida própria. Visto que a essência, tanto da cisão

parcial quanto do trespasse está no destaque do patrimônio que tenha significância econômica,

empresarial, para a efetiva realização de ativos da atividade. Daí porque muito comumente, as

cisões parciais produzem verdadeiras unidades autônomas de geração de riquezas.

Contudo, faz-se imprescindível frisar que, no Brasil, em regra, podem ser

transferidos, via cisão, também bens isolados.

Assim, o traço distintivo entre cisão de parcela patrimonial representativa de

unidade econômica e o trespasse do estabelecimento acaba-se reduzindo-se a aspectos

meramente formais. Na operação da cisão, a parcela de patrimônio vertida da sociedade

cindida integra, na outra, sob a rubrica de capital social, o que não acontece em princípio, no

caso do trespasse, como já analisado.

Quanto aos efeitos obrigacionais, propriamente ditos – repercussão sobre os

contratos, créditos e dívidas - no entanto, pode-se afirmar que o trespasse, a fusão, a

incorporação, a transformação e a cisão total, como já analisando, não se confundem. No que

se refere à cisão parcial, também as formalidades de procedimentos são bem distintas, visto

que, no trespasse, a sociedade trespassária assume apenas as dívidas regularmente

contabilizadas, enquanto na cisão isto é diferente, valendo o disposto no art. 233 da Lei

6.404/76.

Nestes termos, como a cisão se reveste de rigor formal, muitas vezes, o negócio

realizado entre as partes trilha o caminho que se convencionou chamar compra e venda de

ativos, ou negociação de ativos, ou, ainda, cessão de ativos. Em verdade, esse negócio

jurídico não tem forma prescrita. É utilizado quando as sociedades pretendem negociar

elementos integrantes de seu patrimônio, sem, contudo, se submeterem aos tramites legais da

cisão. Esse negócio pode ter por objeto um ou alguns bens do ativo da sociedade; pode recair

sobre um complexo de ativos, que representem, em outras palavras, um estabelecimento

empresarial.

E conclui Marcelo Andrade Feres (2007, p.176):

Definitivamente, a diferença específica entre negociação de ativos e trespasse de estabelecimento tem lugar na aptidão funcional. A transferência da azienda, para ser configurada, reclama a transmissão de uma universalidade funcionalmente apta a suportar o exercício da atividade empresarial; deve-se ensejar a transmissão do campo de atividade para falar em trespasse. Os credores não podem restar

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desprotegidos. Transferindo-se, mediante o negócio, sobre os ativos, uma universalidade marcada pelo característico da aptidão funcional, pode ser aplicada à espécie a sistemática do trespasse, com o intuito principal de proteção dos credores.

Assim, a desarticulação do estabelecimento, sem que seja atribuída a ele uma

aptidão funcional, seria uma mera negociação de ativos. Visto que, como trata-se de uma

universalidade de fato, não pode haver a desarticulação como valores unitários, vez que só

tem valor empresarial enquanto bens agregados, para o fim da prática empresarial, seguindo-

se por conseqüência, os contratos, as dívidas e os créditos.

Enfim, somente o tempo dirá da aplicação sistemática atual do contrato de

trespasse, e da cisão parcial, visto a existência de uma essência em comum: possibilitar a

preservação da sociedade empresária.

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80

6 DAS DÍVIDAS FISCAIS

6.1 Da Competência Tributária

A figura do tributo é um dos pontos chaves a fim de se compreender questões

como competência, obrigação e responsabilidade tributária, em torno do qual gira a

responsabilidade tributária por sucessão, assunto chave deste estudo.

É conhecível de que o tributo é a principal espécie de receita originária obtida

pelo órgão tributante e tem como melhor conceito o descrito no próprio CTN, em seu artigo

3º, qual seja: “Toda espécie de prestação pecuniária compulsória ou em cujo valor nela se

possa exprimir que não constitua sanção de ato ilícito instituída por lei cobrada mediante

atividade administrativa plenamente vinculada”.

A Constituição Federal de 1988 no art. 145 e o CTN no art. 5º relacionam como

tributos, impostos, taxas e contribuições de melhoria; ademais, ambos em dispositivos

subseqüentes referem aos empréstimos compulsórios e às contribuições parafiscais ou

especiais, incluindo-os, pois, no sistema tributário e sujeitando-os às regras de tributação.

Não se pode olvidar que, em razão do princípio Federativo adotado pelo Brasil, o

que denota uma carga de autonomia aos entes políticos, exige uma distribuição, repartição ou

mesmo discriminação de competências tributárias. Assim, o que interessa por hora, é saber

que no Brasil o poder tributário é partilhado por União, Estados, O Distrito Federal e

Municípios. E a este poder tributário juridicamente delimitado, dá-se o nome de competência

tributária.

Ainda cabe consignar que a competência tributária não se confunde com poder

tributário, ainda que haja conexidade entre ambos. Primeiro, porque competência tributária é

"a manifestação da autonomia da pessoa política que a detém" (SABBAG, 1996, p.682), com

suporte no princípio da Federação, consubstanciado no art. 1º da Carta Política de 1988, em

que cada uma das pessoas políticas internas possui autonomia. Segundo, porque o poder

tributário "se opera tão-somente no âmbito dos Estados unitários, nos quais existe uma única

pessoa política central, imbuída do poder absoluto de tributar, sem quaisquer restrições"

(SABBAG, 1996, p.682).

Nesta seara, a competência tributária é exercida somente através de Lei,

estabelecida na Constituição Federal, pelo já citado art. 145, que, para ser exercida deve

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obedecer a três níveis: a Constituição Federal, que cria a competência para que a União,

Estados, Distrito Federal e Municípios instituam seus tributos; a Lei Complementar, que

estabelece normas gerais para instituir tributos; e a Lei Ordinária da União, Estados, Distrito

Federal ou Municípios, que institui o tributo obedecendo às normas gerais da Lei

Complementar. Ressalvado os tributos que serão instituídos por Lei Complementar.

A competência tributária pode ser conceituada como “a aptidão para criar tributos

em abstrato, por meio de lei, com todos os elementos essenciais - hipótese de incidência,

sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo, alíquota - abrangendo também a aptidão para

aumentar, parcelar, diminuir, isentar, modificar, perdoar tributos e etc.” (CARRAZZA, 1997,

p.288).

“Exercitar a competência tributária é exercitar o limite do poder fiscal para

legislar e cobrar tributos, assim é o mesmo que dar nascimento no plano abstrato ao tributo”

(ICHIHARA, 1994, p.89).

Normalmente, quem tem competência é o sujeito ativo da relação jurídica

tributária, pois também têm capacidade tributária ativa (aptidão para cobrá-lo). Mas nada

impede que a pessoa política, por meio de lei, delegue a capacidade tributária ativa a terceiros,

figurando este terceiro como sujeito ativo do tributo.

Importante dizer que, independentemente, do tipo de competência tributária26, esta

é formada pelas capacidades de legislar, fiscalizar e arrecadar tributos, sendo como um todo

indelegável. Sendo delegável, no entanto, a capacidade de arrecadar e fiscalizar, para outra

pessoa de direito público. Sendo assim, só para exemplificar, um crédito relativo a um tributo

federal, no caso de decretada a falência de uma empresa, tem preferência sobre um municipal

(art. 187, parágrafo único do CTN), ainda que arrecadado ou fiscalizado por um determinado

município.

Deve ser a legislação tributária compreendida, conforme preceitua o art. 96 do

CTN: “[...] compreende as leis, os tratados e Convenções internacionais, os decretos e as

26 Tem-se segundo a Constituição Federal cinco tipos de competência tributária: A Privativa: Que se refere à

competência para instituir impostos e como o próprio nome diz é privativa de cada unidade da Federação. Eis os dispositivos constitucionais que atribuem estas competências: Art. 153, 155 e 156 da CF/88. A Comum: Esta é a competência para a instituição de taxas e contribuições de melhoria. Recebe esse nome uma vez que as quatro pessoas de direito público poderão instituí-las, dentro as respectivas atribuições, conforme art. 145, II e III da CF/88. A Especial: É a competência para instituir os empréstimos compulsórios e contribuições parafiscais. A CF/88 autoriza a instituição nos arts. 148 e 149. A Residual: O constituinte quis deixar a possibilidade que novos impostos fossem criados, além daqueles já prevista na competência privativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Contudo, para a criação desses novos impostos existem exigências que estão previstas no art. 154, I, da CF. A Extraordinária: Autoriza a União nos casos de guerra externa ou sua eminência instituir os chamados impostos extraordinários de guerra, mesmo que tenham fato gerador ou base de cálculo idênticos aos impostos já discriminados na Constituição Federal no art. 154, II.

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normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a

ele pertinentes” (ROSA JUNIOR, 2005, p.441).

A respeito de Lei, temos que dar uma atenção especial ao art. 97, I, do CTN que

determina que somente a lei pode estabelecer a instituição de tributos e ou sua extinção.

Com efeito, a regra geral ser pela liberdade de interpretação da legislação

tributária, o mesmo código exige no art. 111, I do CTN, que a interpretação seja feita de modo

literal, a legislação tributária que disponha sobre a suspensão ou exclusão do crédito

tributário, outorga de isenção ou dispensa de cumprimento de obrigações tributárias

acessórias. Desta forma, neste aspecto, a interpretação da lei não pode ser ampliativa.

Em suma, o mencionado dispositivo visa impedir o recurso à analogia ou à

eqüidade, como formas de integração.

Nesta seara, importante tratar os aspectos de limites constitucionais à competência

tributária. A Súmula 100 do STJ é exemplo marcante da aplicação do art. 111 do CTN.

6.1.1 Limites constitucionais à competência tributária

As limitações à competência tributária, previstas nos artigos 9º a 11 do CTN, são

na verdade, princípios27 e normas jurídicas, consubstanciadas em vedações constitucionais,

que têm por objetivo a garantia do cidadão contra o abuso do poder de tributar do Estado.

São exemplos de princípios albergados pelo ordenamento jurídico pátrio, a saber:

o republicano, o federativo, da legalidade, da anterioridade, da ampla defesa, dentre outros.

Sem o intuito de esgotar, mas simplesmente para efeito de ilustração para este estudo, é

consentâneo tecer algumas considerações acerca de princípios tributários expressos que

constituem limites de índole constitucional à competência tributária.

A) Da Legalidade

Este princípio também é denominado de princípio da reserva legal (arts. 5º, II e

150, I, da Constituição Federal, e o art. 97, do CTN), preceitua que não há tributo sem lei que

o institua ou o majore. Como dito, este princípio reflete diretamente no art. 111 do CTN, ora

27 Cumpre registrar que princípios constitucionais são "aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem

jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico" (BASTOS, 1990, p. 143).

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tratado, visto que limita o poder real, impedindo-o de instituir tributo de forma arbitrária, sem

o consentimento dos cidadãos (parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal).

Sua importância é inquestionável ao ponto que se encontra sob a égide do título

"Dos direitos e garantias fundamentais", firmando-se, assim, como cláusula pétrea (art. 60, §

4º, da Constituição Federal).

Assim, válido repetir que, está implícita como princípio de direito tributário, a

exigência da lei como fundamento da tributação, de modo que não há falar em criar, majorar

ou extinguir tributo senão por intermédio de lei.

Não é demais lembrar que Medida Provisória não é lei em sentido estrito-formal,

entendendo-se por esta a regularmente aprovada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo

Executivo, o que afasta, em tese, a sua utilização no âmbito tributário.

B) Da isonomia

Pelo princípio da isonomia, fica vedado o tratamento desigual entre contribuintes

que se encontrem em situações equivalentes. Esse princípio é corolário do princípio geral de

que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção, conforme disposto no art. 5º da

Carta Política. Esses são na verdade, os termos do art. 150, inciso II, da Constituição da

República.

Também denominado princípio da igualdade tributária, uma vez que "em matéria

tributária, mais do que em qualquer outra, tem relevo a idéia de igualdade no sentido de

proporcionalidade. Seria verdadeiro absurdo pretender-se que todos pagassem o mesmo

tributo. Assim, no campo da tributação, o princípio da isonomia às vezes parece confundir-se

com o princípio da capacidade contributiva" (MACHADO, H., 1993, p.185).

C) Da irretroatividade e da anterioridade

Os citados princípios da irretroatividade e da anterioridade encontram-se

previstos, respectivamente, no art. 150, III, alíneas ‘a’ e ‘b’, da Constituição Federal.

O princípio da irretroatividade, como cediço, é basilar no sistema jurídico, e

decorre dos princípios gerais que estatuem que "a lei não retroage, exceto para beneficiar" e

que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” 28 .

28 art. 5º, XXXVI, CF/88.

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Notadamente, na seara do Direito Tributário, o aludido princípio veda a cobrança

de tributos relativos a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei. Em conseqüência, a

legislação tributária aplica-se, imediatamente, aos fatos geradores futuros e aos pendentes,

"com o fim de garantir a estabilidade jurídica e a segurança nos negócios e fatos jurídicos”

(PIRES, 2000, p.11), nos termos do art. 105 do CTN.

Já no que se refere ao princípio da anterioridade, previsto no art. 150, III, ‘b’, da

CF, e no o art. 9º, II, do CTN, tem este a finalidade de assegurar a previsibilidade das normas

tributárias, evitando-se surpresas ao contribuinte, de sorte que "para ser validamente incidente

sobre os fatos jurídicos ocorridos num determinado período - geralmente no período fiscal -

que coincide com o ano civil deve ser publicada no exercício financeiro anterior" (SABBAG,

1996, p.688).

Todavia, algumas exceções a este princípio - os impostos de importação, de

exportação, sobre produtos industrializados, sobre operações financeiras, extraordinário por

motivo de guerra, contribuições para o financiamento da seguridade social etc., encontram-se

elencadas nos artigos 148, 149 150 e 195, todos da Constituição Federal.

D) Da vedação do efeito confiscatório, da imunidade e isenção tributária

A vedação do efeito confiscatório, previsto no art. 150, IV, da Constituição da

República, retira do ordenamento jurídico a possibilidade de ocorrer uma tributação extorsiva

correspondente à absorção, total ou parcial, da propriedade pelo Estado, sem que haja a

devida indenização ao contribuinte.

Já com relação aos princípios da imunidade e da isenção tributária, faz-se

necessário uma distinção entre ambos, ainda que perfunctória, no sentido de que “as primeiras

vêm expressas no texto constitucional, e por isso denominam-se imunidades; se, por outro

lado, for objeto de disposição legal, tratar-se-á de isenção" (SABBAG, 1996, p.688).

De acordo com o art. 175 do CTN a isenção é modalidade de exclusão do crédito

tributário e pode ser concedida a qualquer tributo (imposto, taxa, contribuição de melhoria

etc.), ao contrário da imunidade que está adstrita aos impostos.

Pode-se dizer que a isenção é a dispensa do pagamento do tributo a partir do

nascimento da obrigação respectiva (PIRES, 2000, p.16), assim sendo, certo é que somente

quem pode tributar poderá isentar, não prescindindo a isenção tributária de previsão legal (art.

150, § 6º, da CF).

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6.2 Da Obrigação Tributária

Como já foi analisando em capítulo anterior, a obrigação é o poder jurídico pelo

qual uma pessoa (sujeito ativo), com base na lei ou no contrato (causa), pode exigir de outra,

ou de um grupo de pessoas (sujeito passivo), o cumprimento de uma prestação possível, lícita,

determinável e possuindo expressão econômica (objeto). Essas pessoas são denominadas

sujeitos da obrigação.

Segundo a definição de Washington de Barros Monteiro (1971, p.8), tem-se que:

"é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecido entre devedor e credor e cujo objeto

consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devido pelo primeiro ao

segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio".

Partindo desse conceito genérico de obrigação, pode-se dizer que a obrigação

tributária é o vínculo jurídico pelo qual o Estado, com base exclusivamente na legislação

tributária, pode exigir do particular uma prestação tributária positiva ou negativa. Assim

sendo, no Direito Tributário, a obrigação tributária pode ser conceituada como sendo a relação

jurídica que tem por objetivo uma contraprestação, positiva ou negativa, prevista na legislação

tributária, a cargo do particular e a favor do Estado, traduzida em pagar tributo ou penalidade

ou em fazer alguma coisa no interesse do fisco (BORBA, 2006, p.280).

Nestes termos, coloca Wagner Balera (2005, p.281): “Se quisesse responder, de

pronto à pergunta: “por que tenho que pagar tributo?”, quase que intuitivamente daria dois

argumentos: porque tenho capacidade contributiva e porque a legislação assim o determina”.

A relação jurídica obrigacional tributária é objeto essencial do direito tributário,

seguindo, em princípio, as mesmas regras que regulam as relações obrigacionais entre as

pessoas, com sujeito ativo e passivo, causa, objeto e, envolvendo tudo isso, o próprio vínculo

jurídico.

Desta forma, a obrigação tributária, originariamente integrada pelos mesmos

elementos de uma obrigação privada, é um vínculo jurídico ligado ao campo das relações do

Direito Público, mediante o qual uma entidade estatal, (o fisco federal, estadual ou

municipal), na condição de sujeito ativo, e a partir de uma ocorrência de uma situação prevista

em lei ou na legislação tributária (fato gerador), pode exigir de uma pessoa física ou jurídica

(sujeito passivo), um determinado objeto, que tanto pode ser um pagamento do tributo ou

penalidade pecuniária, como uma prestação positiva ou negativa (obrigação de fazer ou não

fazer) que não constitua pagamento (ROSA JUNIOR, 2005, p.487).

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Nesta seara a natureza do Direito Tributário é obrigacional, pois sendo este de

natureza obrigacional, constitui sempre uma obrigação do sujeito passivo para com o sujeito

ativo tributante, que apresentam como objetivo final a aquisição de receitas para o erário.

Neste sentido, manifesta-se Arnold Wald (1992, p.18) ao dizer que:

A palavra obrigação é utilizada tanto para englobar toda a relação jurídica obrigacional, como para indicar o seu aspecto ativo, ou crédito (obrigação ativa) ou ao passivo, ou débito (obrigação passiva), sendo mais generalizada a identificação da obrigação com o aspecto passivo.

E também Paulo de Barros Carvalho (1999, p.145) vem manifestar que:

É preciso reconhecer que a relação jurídica se instaura por virtude de um enunciado fáctico, posto pelo conseqüente de uma norma individual e concreta, uma vez que, na regra geral e abstrata, aquilo que encontramos são classes de predicados que um acontecimento deve reunir para tornar-se fato concreto, na plenitude de sua determinação empírica.

A relação tributária surge a partir da ocorrência de um fato previsto em uma

norma como capaz de produzir efeitos. Assim, o vínculo existente entre o Estado e os

contribuintes não é uma relação de poder, mas sim uma relação jurídica de natureza

obrigacional, no qual se constitui no objeto fundamental do Direito Tributário. Este vínculo

nasce da ocorrência de um fato típico e jurídico previsto em lei, o fato gerador. Surge,

portanto, uma obrigação.

Neste sentido, manifestam-se diversos doutrinadores, dentre eles, Hugo de Brito

Machado (2003, p.110) define a obrigação tributária, como se segue:

A relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular em crédito. [...]. A obrigação tributária é uma obrigação legal por excelência. Decorre diretamente da lei, sem que a vontade interfira com o seu nascimento. A lei cria o tributo e descreve a hipótese em que o mesmo é devido.

Eduardo Marcial Ferreira Jardim (2000, p.152), abreviando, manifesta-se sobre o

assunto:

A obrigação tributária é um vínculo abstrato pelo qual a Fazenda Pública, ou quem lhe faça às vezes, na condição de sujeito ativo, fica investida do direito subjetivo de exigir uma prestação de índole tributária do sujeito passivo, comumente designado contribuinte, sobre o qual recai o dever jurídico de efetivar o cumprimento da obrigação (art. 113 e parágrafos do CTN).

Todavia, outros doutrinadores, como Rubens Gomes de Sousa (1973, p.83),

entende ser a obrigação tributária um poder jurídico: “[...] a obrigação tributária é o poder

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jurídico por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um particular (sujeito

passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) nas condições definidas

pela lei tributária (causa da obrigação)".

Em virtude do principio da legalidade, essa norma há de ser uma lei em sentido

estrito, salvo em se tratando de obrigação acessória, como se verá adiante. Assim sendo, a lei

descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado.

Como fontes da obrigação tributária têm-se, então, a lei (fonte formal) e o fato

gerador (fonte material). Este último, conforme preceito ao art. 114 do Código Tributário

Nacional é definido como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua

ocorrência. Neste sentido, para Torres29 apud Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.103), “o fato

gerador pode ser considerado como circunstância da vida – representada por um fato, ato ou

situação jurídica - que, definida em lei, dá nascimento à obrigação tributária”.

Assim, ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou

fato imponível, nasce as relações tributárias, que compreende o dever de alguém (sujeito

passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O

dever e o direito (no sentido de direito subjetivo) são efeitos da incidência da norma.

A exigibilidade de um tributo é um qualificativo essencial à obrigação, não

podendo existir uma sem a outra. Por isso, só se pode falar em obrigação tributária após o

lançamento, um dos elementos da obrigação tributária, como se verá a seguir.

6.2.1 Dos elementos da obrigação tributária

Podem ser classificados como elementos da obrigação tributária: a) os sujeitos

(ativo e passivo); b) causa, a lei, em razão do princípio da legalidade tributária, pelo que a

vontade jurídica dos indivíduos é inapta para criá-la; d) objeto, o cumprimento de uma

prestação positiva ou negativa determinada por lei.

No que se refere aos sujeitos, necessário se faz um tratamento mais detalhado,

sem o cunho de aprofundamento, visto não ser este o objeto desse estudo.

29 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 11. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004,

p.239.

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A) Sujeito Ativo

Conforme preceitua o artigo 119 do CTN, “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa

jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”, é aquele

que tem o direito de exigir a obrigação tributária imposta ao sujeito passivo, é o credor, ou

seja, o que integra o pólo ativo da relação jurídica tributária.

A interpretação deste dispositivo ocupa duas correntes doutrinárias divergentes

onde, de um lado, alguns autores alegam que somente as pessoas jurídicas de direito público

dotadas de poder legislativo podem ser sujeito ativo de uma obrigação tributária, como Hugo

de Brito Machado (2003, p.122-123), quando diz que:

Não há de se confundir a condição de sujeito ativo com a de destinatário do produto da arrecadação ou fiscalização de tributos, ou da execução de leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária. Essas atribuições podem ser conferidas por uma pessoa jurídica de direito público a outra, mas isto não implica transferência de condição de sujeito ativo. [...] Às pessoas jurídicas de direito privado apenas podem ser atribuídas as funções ou encargos de arrecadar, o que não constitui delegação de competência (CTN, art. 7°).

Do outro lado, outros autores alegam que para ser sujeito ativo da relação

tributária, independe do sujeito titularizar o exercício da competência tributária ou não. É o

que entende Eduardo Marcial Ferreira Jardim (2000, p.188), quando diz que o sujeito ativo “é

a pessoa incumbida do direito subjetivo de promover a cobrança do tributo. Embora no mais

das vezes o sujeito ativo seja a própria pessoa constitucional titular da competência tributária,

nem sempre esta ocupa o pólo ativo da obrigação”.

Paulo de Barros Carvalho (1999, p.149) reforça dizendo que “O sujeito ativo é o

titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária e, no direito brasileiro, pode ser

uma pessoa jurídica, pública ou privada, se bem que não vejamos empecilho técnico de que

seja uma pessoa física”.

Ainda, no tocante à literalidade do disposto no artigo 119 do CTN, o referido

autor é contundente ao combater a chamada “interpretação literal” na qual alguns autores se

sustentam. Assim, o ingresso no sistema de que é tratado, tem relação a mandamentos

constitucionais que permitem a transferência da capacidade ativa dos que detém a capacidade

legislativa para outro ente público ou privado, físico ou jurídico, resolvendo-se assim, a

celeuma.

Eurico Marcos Diniz de Santi (2001, p.170), simplifica a questão quando diz que:

O pólo ativo da relação jurídica intranormativa tributária - de regra - é singular. Nada impede, no entanto, que a lei determine que seja plural. Desde que satisfeitas

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às condições da lei, poderá figurar a pessoa política detentora da competência impositiva, ladeada de, por exemplo, uma autarquia a qual recebeu capacidade jurídica para esse fim. Ambas, assim, concomitantemente titulares do direito subjetivo de exigir a respectiva prestação.

A capacidade tributária ativa diferencia-se da competência tributária, pois esta,

nas palavras de Roque Antônio Carrazza (2003, p.329), estaria ligada à capacidade de criar

tributos. Veja.

É a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas”, enquanto aquela é decorrente de prévia autorização legal disposta a outrem de exigir do sujeito passivo o cumprimento de um dever jurídico tributário principal ou acessório.

O sujeito ativo, em suma pode ser tido como a pessoa jurídica de direito público

ou agente público. Ou seja, todo aquele que possui capacidade tributária ativa, porém, nem

todo que exerce a capacidade tributária possui competência tributária, visto esta ser o poder de

institui os tributos.

B) Sujeito Passivo

O Código Tributário Nacional em dois dispositivos - artigos 121 e 122 - prevê a

existência de dois sujeitos passivos, o da obrigação acessória e o da obrigação principal que se

divide em direto e indireto, ou seja, o contribuinte e o responsável.

Assim sendo, sujeito passivo é a pessoa física ou jurídica obrigada por lei ao

cumprimento da prestação tributária, denominada contribuinte ou responsável (CTN, art. 121,

parágrafo único) (BALEEIRO, 1999, p.711).

A obrigação tributária principal e/ou acessória é dever do sujeito passivo assim

como o crédito tributário é direito do sujeito ativo, nascendo assim a relação jurídica tributária

entre estes dois sujeitos, passivo e ativo.

Neste sentido, Souto Maior Borges (1981, p.14) vem concluir afirmando que “o

direito de crédito tributário é [...] o reflexo de uma obrigação de determinado sujeito passivo

com relação ao Fisco”.

No tocante à capacidade civil do sujeito passivo de uma relação tributária, Eurico

Marcos Diniz de Santi (2001, p.170), vem esclarecer:

A sujeição passiva independe da capacidade civil ou da formal constituição do sujeito passivo no direito comercial. Para o pólo passivo, conforme prescreve o Código Tributário Nacional em seu art. 126, requer-se apenas a personalidade

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jurídica para ocupar ‘o topos’ de sujeito passivo. É desta disposição do Código Tributário Nacional que decorre a necessidade da técnica da responsabilidade tributária como sistematizada pela Lei 5.172/66, para consecução das medidas judiciais conferidas ao fisco.

A validade da vontade pela pessoa é o ponto essencial na apuração do sujeito

passivo da relação jurídica tributária. Se a vontade é imprescindível para que se forme a

obrigação tributária, então não se poderá exigir capacidade civil para figurar como sujeito

passivo, porém, apenas no tipo de obrigação gerada por um fato jurídico tributário.

Por isso, ser capaz de realizar o fato jurídico tributário pode não representar ser

capaz de ser sujeito passivo tributário, ou seja, pode haver aptidão para realizar o fato jurídico

tributário e não haver aptidão (capacidade civil) para figurar no pólo passivo de um

contencioso tributário.

Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho (1999, p.149-150): “O sujeito capaz de

realizar o fato jurídico tributário, ou dele participar, pode, perfeitamente, não ter

personalidade jurídica de direito privado, contudo, o sujeito passivo da obrigação tributária

haverá de tê-lo, impreterivelmente”.

Desta forma, a doutrina nacional classifica o sujeito passivo em direto e indireto.

O sujeito passivo direto (contribuinte) é “aquele que tem relação de fato com o fato tributável,

que na verdade é uma forma de manifestação de sua capacidade contributiva” (MACHADO,

H., 2007, p.170). Já o sujeito passivo indireto é aquele que, “sem ter relação direta de fato

com o fato tributável, está, por força da lei, obrigado ao pagamento do tributo” (MACHADO,

H., 2007, p.170).

6.2.2 Das espécies de obrigações tributárias

A obrigação tributária pode ser principal ou acessória e sua definição encontra-se

no Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, artigo 113

(TORRES30 apud ROSA JUNIOR, 2005, p.494).

30 Torres leciona que o art. 113, assim como o art. 114, ambos do CTN, têm presente “o tributo como figura

abstrata (a definição legal) e como fato concreto”, pois embora o tributo consista na prestação abstratamente prevista em lei, o surgimento da obrigação concreta e individual depende de que ocorra na realidade social “fato que possa subsumir na definição abstrata da lei. (TORRES, Ricardo Lobo. Sistemas constitucionais tributários: tratado de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1986, v.2, p. 195).

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6.2.2.1 Obrigação tributária principal

A Obrigação tributária principal é aquela que surge com a ocorrência do fato

gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se

juntamente com o crédito dela decorrente (CTN, art. 113, § 1º). Esse dispositivo merece

algumas considerações (ROSA JUNIOR, 2005, p.494).

Ao ser dito que a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador, não

se está negando a natureza legal da obrigação tributária porque somente a lei, em sentido

estrito, pode definir uma dada situação como hipótese de incidência do tributo (CTN, art. 97,

III), bem como somente a lei gerará uma obrigação tributária principal. Assim, a obrigação de

pagar ao Estado necessariamente deve ser instituída por lei, concretizando-se com a

ocorrência do fato gerador.

Em resumo, pode-se falar que a obrigação tributária principal é a entrega de

dinheiro ao Estado, proveniente do pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária, tendo

sempre conteúdo patrimonial. É a obrigação de dar (pagar) ao sujeito ativo.

Em relação ao objeto da obrigação tributária, vem complementar, Ricardo Lobo

Torres (1993, p.306-307), dizendo que, “o tributo é o dever fundamental, consistente em

prestação pecuniária, que é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei".

A verdade é que a obrigação tributária prevista abstratamente na lei e concretizada

com a ocorrência do fato gerador tem a natureza de obrigação ilíquida, porque somente o

lançamento fará com que evolva para obrigação líquida.

Neste sentido, o § 1º do art. 113 do CTN, ao fazer essa mesma afirmação de que a

obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador, consagra a natureza declaratória

do lançamento, que visa a declarar uma situação preexistente, qual seja aquela existente no

momento da ocorrência do fato gerador.

Importante observar que o dispositivo em tela, reza ainda, que a obrigação

tributária principal tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. O

legislador incluiu o pagamento de penalidade pecuniária como objeto da obrigação tributária

principal pela simples razão de consistir, tal qual o pagamento de tributo, em uma obrigação

de dar, tendo igualmente natureza patrimonial.

Contudo, há de se ressaltar a equivocidade legislativa quanto à disposição de que

a obrigação tributária teria também por objeto o pagamento de penalidade pecuniária,

contraditando o disposto no artigo 3° do CTN, que diz que o tributo não poderá decorrer de

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sanção de ato ilícito. Assim, claro está que o pagamento decorrente de multa (penalidade

pecuniária) não poderia figurar como objeto da obrigação tributária principal (ROSA

JUNIOR, 2005, p.495).

Neste sentido, se a obrigação tributária tem diversas fases, como já dito: a lei, o

fato gerador e o lançamento, este último apresenta-se como um conjunto de medidas adotadas

pela autoridade administrativa para verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a

matéria tributável, calcular o montante de tributo devido e identificar o sujeito passivo.

Assim, o lançamento formaliza e individualiza a obrigação tributária,

transformando-a em uma obrigação líquida, constituindo o crédito tributário. Todavia, o

crédito tributário só se tornará exigível depois que o sujeito passivo for regularmente

notificado para a ciência do lançamento e deixar transcorrer o prazo legal sem impugná-lo.

Em resumo, a obrigação tributária surge de forma abstrata com a lei, concretiza-se com o fato

gerador e individualiza-se com o lançamento (ROSA JUNIOR, 2005, p.496).

6.2.2.2 Obrigação tributária acessória

A obrigação tributária acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto o

cumprimento de prestações, positivas ou negativas, nelas previstas no interesse da

arrecadação ou da fiscalização dos tributos (CTN, art. 113, § 2º).

Enquanto a obrigação tributária principal só pode decorrer de lei, a obrigação

tributária acessória pode ser estabelecida por qualquer das normas que integram a legislação

tributária (CTN, art. 96).

As obrigações tributárias acessórias são os deveres instrumentais exigidos pelo

sujeito ativo com o intuito de assegurar o interesse da arrecadação dos tributos e também para

facilitar a atividade de fiscalização no sujeito passivo.

Estas obrigações não estão relacionadas, no sentido de dependência, com uma

determinada obrigação principal, podendo existir independentemente desta. Servem para

viabilizar o cumprimento de possíveis obrigações principais de outros tributos, como por

exemplo, na emissão de uma nota fiscal de uma operação isenta de ICMS, é exigida a emissão

porque se presta para controlar contabilmente sua receita para repercussão em outros tributos,

como as contribuições ao PIS e a COFINS e para o Imposto de Renda e a CSLL.

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Esta independência e a questão terminológica de obrigação geram conflitos

doutrinários dos civilistas em face do Código Tributário Nacional, pois em Direito Tributário

esta obrigação nem sempre é acessória seguindo caminho diverso da obrigação principal,

contrariando a regra civilista "accessorium sequitur suum principale".

Neste sentido, a lição de Kiyoshi Harada (1997, p.260), sobre a autonomia entre a

obrigação tributária e a obrigação civil diz que:

[...] a obrigação tributária tem suas peculiaridades que lhe asseguram a autonomia. Tem como causa, invariavelmente, a lei e não a convergência de vontades, essencial na obrigação de natureza civil. A obrigação tributária é sempre 'ex lege". Vale acrescentar que a obrigação acessória decorre da legislação tributária, abrangendo assim normas infralegais, como os decretos, com o intuito de regulamentar as leis instituidoras dos tributos pelos entes federados.

Nestes termos, a obrigação tributária acessória visa a atender aos interesses do

fisco no tocante as fiscalização e arrecadação dos tributos e corresponde a qualquer exigência

feita pela legislação tributária que não seja o pagamento do tributo. Assim, a mencionada

obrigação pode consubstanciar uma obrigação de fazer (declaração de bens, exibição de

livros, prestação de informações, etc.) ou obrigação de não-fazer (não destruir documentos e

livros obrigatórios pelo prazo exigido por lei, tolerar exame em livros e documentos, não

impedir a fiscalização, etc.) (ROSA JUNIOR, 2005, p.497).

Reza o § 3º do art. 113 do CTN que a não observância da obrigação acessória faz

com que a mesma se converta em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Assim, a regra que a obrigação tributária acessória, que originariamente não tem essência

econômica, ao ser descumprida pelo contribuinte, fazendo incidir a penalidade pecuniária,

passa a ter valor econômico, e nesse sentido se deve entender a sua conversão em obrigação

principal.

6.3 Do Crédito Tributário

A expressão “crédito tributário” é empregada no Código Tributário Nacional com

uma pluralidade de sentidos, em função das várias situações em que pode se apresentar o

direito do Estado ao recebimento do tributo.

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O crédito tributário nasce da obrigação tributária principal após ser formalmente

conhecida e registrada pelo sujeito ativo, notificando-se regularmente o sujeito passivo da

obrigação, espantando a ameaça de decadência e estabelecendo mecanismos para a cobrança.

Vale assim dizer que crédito tributário resulta da obrigação de pagar o tributo, ou

penalidade pecuniária como prescreve o artigo 139 do CTN, sendo formalizado pelo ato

administrativo denominado lançamento31.

Em relação às espécies de lançamento, são feitas através de três modalidades32.

Trata-se de procedimento administrativo pelo qual se formaliza a obrigação tributária nascida

abstrativamente na lei e concretizada com a ocorrência do fato gerador. Conceito este

expresso no art. 142 do CTN ao atribuir a competência privativa para a autoridade

administrativa constituir os créditos tributários.

Quando o código Tributário, no artigo 139, diz que "o crédito tributário decorre da

obrigação principal e tem a mesma natureza desta", isto significa que somente pode existir

crédito a partir de uma obrigação tributária principal que o anteceda e justifique, sendo o

crédito o seu retrato perfeito, exato.

Nestes termos, Aliomar Baleeiro (2003, p.543) traz que a obrigação principal é a

de pagar tributos em princípio. Antes do lançamento a obrigação tributária tem natureza

ilíquida, porque o fisco não tem ciência da ocorrência e das características do fato gerador, o

sujeito passivo não é identificado, não sabe a lei que deverá ser aplicada, qual o tributo

devido, suas alíquotas e base de cálculo, e, portanto, o valor devido.

Daí dizer que o crédito tributário converte essa obrigação ilíquida em certa,

exigível na data ou no prazo da lei.

Nestes termos, não existe crédito tributário sem que haja obrigação tributária

anterior, e por isso o art. 139 do CTN diz que o crédito tributário decorre da obrigação

principal. Todavia, como citado por Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (2005, p. 580), “pode

existir obrigação tributária sem que haja o crédito tributário, como nos casos em que a lei

31 Segundo Coelho, S. (1999, p.649), não é o lançamento que cria ou institui o crédito tributário, uma vez que se

trata apenas de um ato administrativo e o princípio da legalidade informa que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lê. O lançamento, então, aplica a lei, mas não é a lei, não podendo criar crédito a ser pago pelos sujeitos passivos. Seu entendimento é de que o lançamento tem natureza declaratória do crédito e não criadora dele.

32 Lançamento direto, de ofício ou ainda ex officio; lançamento por declaração ou misto e lançamento por homologação ou atutolançamento.

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impede a sua constituição (CTN, art. 175 do CTN) ou quando o fisco decai do direito de

constituir o crédito tributário (CTN, art. 173)” 33.

Assim, o CTN emprega a expressão crédito tributário e não crédito fiscal, porque

esta última é expressão genérica que comporta duas espécies: crédito tributário e crédito não-

tributário. Contudo, ressalte-se que, não há crédito tributário sem que haja obrigação

tributária.

No que se refere às modalidades, as de suspensão, estão previstas nos arts. 151 a

155, as modalidades de extinção nos arts. 156 a 174 e as da exclusão do crédito tributário nos

arts. 175 a 182 todos do CTN.

Neste sentido, não é forçoso repetir que o art. 141 do CTN coloca de forma clara

que o crédito tributário regulamente constituído só pode ser modificado, suspenso (CTN, arts.

151 a 155-A), excluído ou extinto através daquelas hipóteses previstas em lei,

responsabilizando o responsável que não acatar o dispositivo legal. Isto por força - como já

analisando anteriormente - do art. 111, I, em que se exige a interpretação literal para as

hipóteses de exclusão e suspensão do crédito tributário.

No que se refere à extinção do crédito tributário, não se discutirá suas formas,

passando apenas a enumerá-las, mostrando-se o bastante para o tema de estudo proposto.

São assim descritas nos termos do art. 156 do CTN: a) pagamento; b)

compensação; c) transação; d) remissão; e) prescrição e decadência; f) conversão do depósito

em renda; g) pagamento antecipado e homologação do lançamento nos termos do disposto no

art. 150 e seus §§ 1º e 4º; h) consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do

art. 164; i) decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita

administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; j) decisão judicial passada

em julgado; l) a dação em pagamento de bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em

lei, estando essa causa de extinção de crédito tributário, prevista o inciso XI do art. 156,

acrescentado pela LC 104 de 2001.

Todavia, existem formas de extinção de obrigação adotadas pelo Direito Privado

que não foram excluídas no art. 156 do CTN, e que, na ausência de lei tributária, serão

adotados, tais como a novação (arts. 360 a 367, CC), a confusão (arts. 381 e 384 do CC) e a

dação em pagamento (arts. 356 a 359, CC).

33 Ricardo Lobo Torres entende que “obrigação e crédito não se distinguem em sua essência, como declara o

próprio CTN no art. 139” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 3. ed.,Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 201. apud ROSA JUNIOR, 2005, p. 581.

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Interessante ressaltar apenas os aspectos relevantes da prescrição e decadência do

crédito tributário, no intuito de diferenciar os dois institutos, que se assemelham no ponto de

surgirem da inércia do titular do direito do crédito tributário.

Todavia, ainda que unidas pela inércia do seu titular, não há como confundir os

dois institutos, na medida em que o lançamento é o marco que distingue os dois. Assim, se a

causa externa ocorreu antes do lançamento, é caso de decadência, também chamada de

caducidade; se depois, é caso de prescrição (ROSA JUNIOR, 2005, p.582).

Consoante a isso, o art. 174 do CTN reza que a ação para cobrança do crédito

tributário ocorrerá em cinco anos, contada da data de sua constituição definitiva – lançamento.

Assim, a prescrição é a perda da possibilidade de a Fazenda Pública aviar processo de

execução contra o sujeito passivo.

Assim sendo, o ente competente, qual seja a Fazenda Pública, deverá tomar mão

de todos os meios necessários, a fim de que possa resguardar o seu direito de recebimento.

Sendo certo que a correta aplicação da Lei Tributária, por si só lhe assegura este direito, que

não poderá ser suprimido, ou retardado, de modo a estar praticando um atentado aos

dispositivos constitucionais e tributários.

De modo que a prescrição “atinge não só o direito de ação da Fazenda Pública,

mas também o próprio crédito tributário, porque é causa de sua extinção” (ROSA JUNIOR,

2005, p.664).

6.3.1 Garantias e privilégios do crédito tributário

Os créditos de qualquer natureza são, genericamente, garantidos pelo patrimônio

do devedor. Garantias reais ou pessoais melhoram a qualidade do crédito, no sentido que, na

hipótese de inadimplemento, dão ao credor maiores condições de satisfazer seu direito.

Mesmo diante de situações em que inexistam garantias reais ou pessoais, o

legislador busca proteger o interesse do credor, ao vedar certas operações do devedor que

possam desfalcar o seu patrimônio. Por outro lado, o direito prestigia, com certos institutos

(impenhorabilidade, bem da família), determinadas situações jurídicas em que o interesse do

credor cede o passo, de tal sorte que a satisfação do seu direito não se pode dar por meio da

constrição judicial sobre determinados bens do devedor.

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Contudo, quando se trata de diversos credores e, conseqüentemente, o patrimônio

do devedor mostra-se insuficiente para responder por todas as dívidas, aplica-se a regra do

concurso de credores, com conseqüente rateio, no limite dos créditos a receber.

Porém, alguns créditos são legalmente prestigiados, e, portanto, não se sujeitam

ao rateio, sendo pagos preferencialmente, após o que se busca satisfazer os demais credores,

tido como, “não prestigiados”.

No que concerne o crédito tributário, que é como já visto, decorre de imposição

legal, o CTN o guarneceu de normas protetoras que permitam na eventualidade de o Fisco ter

de recorrer à execução, evitar certos obstáculos que poderiam frustrar a realização do seu

direito, outorgando, nestes termos, vantagens ao credor fiscal, na medida em que ele não se

subordina às regras que comandam a realização de créditos de outra natureza.

Nesta seara, o Código Tributário Nacional abre o capítulo VI, do título III, do seu

livro segundo com a nomenclatura “Garantias e privilégios do crédito tributário”, elencando-

as dos artigos 183 a 193.

O CTN refere-se às garantias do crédito tributário como gênero, que se divide em

duas espécies: privilégios e preferência.

Depreende-se da vocação do art. 183 do Código Tributário Nacional que a

seqüência das garantias atribuídas naquele capítulo ao crédito tributário não exclui outras que

sejam expressamente previstas em lei, em função da natureza ou das características do tributo

a que se refiram, pois estas prerrogativas do crédito tributário não estão previstas apenas no

CTN, mas também em outros dispositivos legais que assinalam essa primazia, numa

demonstração inequívoca da sua distinção e especialidade face aos demais créditos.

Cumpre, em primeiro lugar, definir e diferenciar o que sejam garantias,

preferências e privilégios, esclarecimento de grande importância para a compreensão do tema

abordado.

O termo garantia, tem sentido amplo: o credor para exigir o cumprimento de

determinada obrigação, tem como segurança o patrimônio do devedor. Essa regra serve tanto

para interesses públicos, quanto privados.

Assim, garantias, no sentido do direito comum, são os meios jurídicos que

protegem o direito subjetivo do Estado de receber a prestação do tributo, assegurando ou

acautelando este direito contra lesão que resulte da inexecução da obrigação pelo sujeito

passivo.

Assim, a garantia do crédito tributário poderá ser comum a todos os créditos

tributários ou específica àquele. No entendimento de Celso Cordeiro Machado (1984, p.22),

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“qualquer exigência ou medida, prevista na legislação, visando a reduzir a possibilidade de

perda do direito ao recebimento do crédito tributário é uma garantia deste”.

Dispõe De Plácido e Silva (2000, p.378):

Garantia. Deriva-se de garante. E possui o sentido amplo de significar a segurança ou o poder de usar. Fruir ou de se obter tudo que é de nosso direito, segundo os princípios formulados em lei ou consoante afirmativas asseguradas por outrem. Especializando-se, então, a garantia mostra-se como direito ou convencional, a primeira das quais também se diz natural e a segunda, contratual ou obrigacional. A primeira decorre de princípio jurídico ou regra constituída em lei, não necessitando de declaração de vontade da pessoa. A segunda é a que decorre de obrigação de garante, que assumiu ônus de garantia. No primeiro caso, a garantia evidencia-se um direito, uma prerrogativa ou uma segurança firmada legalmente. No segundo caso a garantia é a fiança, o aval, o endosso, o abono, a caução, a hipoteca, dizendo-se pessoal ou real, segundo as circunstâncias em que se manifesta, as quais, por sua vez, demonstram os traços dominantes e distintivos de cada espécie.

A garantia, então, será o gênero, como dito, o conjunto de prerrogativas que o

credor terá para assegurar de que o devedor cumprirá com a sua obrigação. Nesse contexto,

garantias são medidas de resguardo que preservam o direito em disputa, impedindo perdas ou

alienações em detrimento do crédito tributário.

Concomitante à definição, coaduna Bernardo Ribeiro Moraes (1995, P.419-420):

[...] a garantia tem um sentido amplo. Segundo Celso Cordeiro Machado, ‘tudo que confere segurança e estabilidade ao crédito tributário, ou regularidade e comodidade ao recebimento do tributo, é uma garantia’. Assim, as obrigações tributárias acessórias, a caução, a fiança, etc., constituem garantias. O fato da divida ativa da Fazenda Pública, depois de inscrita, gozar da presunção de liquidez e certeza, podendo ser exigida através de processo de execução, constitui um ‘específico elemento de garantia das obrigações fiscais’.

As garantias, desta forma, se efetivam através de privilégios e preferências que o

credor terá sobre o patrimônio do devedor. Assim, vem conceituar Nelson Rosenvald (2004,

p.5): “Preferência – Presente predominantemente nos direitos reais de garantia, consiste no

privilégio do titular do direito real em obter pagamento de um débito com o valor do bem

aplicado exclusivamente à sua satisfação [...]”.

As garantias podem ser pessoais ou reais, quanto à sua natureza. Constituem o

reforço que o credor tem, juridicamente, de fazer-se valer, de forma acessória, para o

cumprimento, pelo devedor, do negócio principal.

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Nestes termos, sobre o conceito de garantia, resume Celso Cordeiro Machado

apud Cláudio Borba (2006, p.395): “Tudo que confere segurança e estabilidade ao crédito

tributário ou regularidade ou comodidade ao recebimento do tributo, é uma garantia”.

O fato de ser atribuída ao crédito tributário uma garantia qualquer, real ou

fidejussória, não lhe altera a natureza. Não deixa de ser tributário para ser hipotecário, ou

cambiário, em função da garantia que lhe tenha sido atribuída - CTN, art. 183, parágrafo

único - (MACHADO, H., 2004, p.225).

Já no que se refere ao privilégio, este, por sua vez, é um benefício legal atribuído a

determinadas pessoas em determinados casos. Nada mais é que a ordem de preferência que

usufrui o crédito tributário na concorrência com os demais credores, permitindo-se a

preferência dos créditos federais sobre os estaduais e destes sobre os municipais, sem que isto

importe em quebra da autonomia dos entes políticos.

Nestes termos, De Plácido e Silva (2000, p.641):

Privilégio. Do latim privulegium, palavra que se forma de privus (particular, individual) e lex (lei), exprime, em sentido originário, a lei excepcional ou a medida de exceção disposta, em caráter particular, privativo ou exclusivo, em favor de uma pessoa. Assim, o privilégio designa prerrogativa, a regalia, o direito exclusivo ou qualquer medida de exceção, prescrita em lei em favor ou benefício de alguém.

O art. 184 do CTN prescreve que, “sem prejuízo dos privilégios especiais sobre

determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário,

a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, se

espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de

inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da

cláusula, excetuados unicamente, os bens e rendas a que a lei declare absolutamente

impenhoráveis” (ROSA JUNIOR, 2005, p.698).

Os privilégios dos credores são, então, por sua vez, as prerrogativas de que o

credor dispõe para poder facilitar o recebimento de seu crédito em detrimento de outros.

Trata-se na verdade, de uma faculdade especial que se concerne a uma ou mais pessoas para que esta ou estas possam se beneficiar com a exclusão de outras, fazendo exceção à regra geral. Trata-se de um direito dado pela lei ao credor, através da colocação deste em preeminência com relação aos demais créditos (ZOCRATO, 2003, p.21).

Assim, privilégio é a posição de superioridade de que desfruta o crédito tributário

com relação aos demais, excetuando-se os decorrentes da legislação do trabalho, visto que

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sobre as Garantias e Privilégios do Crédito Fazendário, estabelece o CTN em seu art. 186 que

“O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo de

constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho”.

Conseqüentemente, o crédito tributário não se sujeita a concurso de credores ou habilitação

em falência, concordata, inventário ou arrolamento.

Já a preferência ocorre somente em comparação ou em concurso de credores de

uma coisa ou pessoa com outra. Refere-se à preferência de uma pessoa jurídica de direito

público com crédito a receber sobre outra.

Corroborando este entendimento, preleciona De Plácido e Silva (2000, p.630):

Preferência. Do latim preferens, de praeferre (por em primeiro lugar, preferir), entende-se originariamente, a vantagem ou primazia que vem colocar a pessoa ou coisa em primeiro lugar, ou antes, que outra, para favorecê-la ou diferenciá-la. A preferência, quanto em créditos, é discutida em concurso. Diz-se concurso de credores. E nelas, pelas forças dos títulos apresentados, em que cada um funda ou mostra os direitos creditórios, gradua-se o mais protegido ou que deve ser satisfeito em primeiro lugar, antes que os outros. Quando eles são iguais, não há preferência, há rateio, pois que nenhum dos credores se mostra privilegiado.

Como preleciona Bernardo Ribeiro Moraes (1995, p.420), “Preferência do Crédito

tributário sobre qualquer outro, seja qual for a natureza ou tempo de constituição deste,

ressalvados os créditos decorrentes de legislação trabalhista – art. 186 CTN”.

O artigo 187, parágrafo único do CTN, ao descrever sobre o concurso de

preferência, que estabelece a seguinte ordem para o recebimento de créditos tributários:

[...] Parágrafo único: O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: I) União; II) Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pro rata (rateio na proporção dos créditos); e III) Municípios, conjuntamente e pro rata. (também na proporção de seus créditos, depois de satisfeitos os dois primeiros).

Mizabel Abreu Machado Derzi, em nota de atualização de obra de Aliomar

Baleeiro (2003, p.960), diferencia as três espécies:

As garantias são expressões amplíssimas e genéricas. Privilégios e Preferências são garantias. Entretanto, nem toda garantia é um privilégio ou uma preferência. Configura garantia tudo que conferir maior segurança, estabilidade ou facilidade, ou comodidade ao crédito, podendo estar ou não referida no Capítulo VI do CTN, razão pela qual o art. 183 estabelece não ser exaustivo o rol das garantias. Elas são em sentido lato, fiança, responsabilidade e caução. Já o privilégio é sempre prerrogativa, prevalência ou preeminência de um crédito sobre o outro. Se tal

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prevalência se dá em fase executiva, na ordem dos pagamentos, em concurso de credores, denomina-se preferência. Mas o CTN não guarda esta distinção de forma rígida, denominando preferência o que é singela garantia (arts. 11, a 193).

Da comparação das três definições apresentadas, conclui-se que a preferência

decorre do privilégio, é uma manifestação de um privilégio que em, por exemplo, um crédito

em relação a outro. Por sua vez, o privilégio, é a forma de garantia do exercício de um direito.

Feitas as devidas considerações acerca das garantias e privilégios, cumpre

ressaltar que todos os bens e rendas de qualquer origem ou natureza do sujeito passivo, seu

espólio ou sua massa falida respondem pelo crédito tributário. Mesmo os bens hipotecados,

ou penhorados, ou de qualquer forma gravados por ônus real, ou cláusula de inalienabilidade

ou impenhorabilidade, respondem pelo crédito tributário. É irrelevante a data da constituição

do ônus ou da cláusula.

Assim, mesmo que o ônus real ou a cláusula de inalienabilidade, ou

impenhorabilidade, seja anterior a data de constituição do crédito tributário, o bem onerado

responderá pelo crédito tributário. Somente prevalece contra o crédito tributário a

impenhorabilidade absoluta decorrente de lei.

Com relação ao conceito de Impenhorabilidade, “é a qualidade daquilo que não

pode ser penhorado” (MACHADO, H., 2004, p.225). Pode resultar da Lei ou da Vontade.A

decorrente da vontade é inoperante em face do credor tributário, prevalecendo, porém, se

resulta da lei.

Pode-se destacar, para efeito de exemplo:

Quem realiza uma doação, ou um testamento, pode determinar, no instrumento respectivo, que os bens doados, ou a serem herdados, não podem ser alienados pelo donatário, ou herdeiro, ou legatário. Pode também determinar que ditos bens não possam ser objeto de penhora em execução. Essas estipulações não produzem nenhum efeito perante o credor tributário, prevalecem apenas entre os particulares, não contra o fisco (GOMEZ; MEDEIROS, 2006).

Nesta seara, não podem ser penhorados, em face o que estipula o art. 649 do

Código de Processo Civil34. A impenhorabilidade destes bens é absoluta. Eles não podem ser

penhorados mesmo quando o executado não disponha de outros bens disponíveis.

34 Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não

sujeitos à execução; II - as provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante 1 (um) mês; III - o anel nupcial e os retratos de família; IV - os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia; V - os equipamentos dos militares; VI - os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VII - as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de

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Note-se, porém, que a referência, no inciso I a bens declarados, por ato

voluntário, não sujeitos a execução há de ser entendida em harmonia com o disposto no art.

184 do CTN. Como dito, a impenhorabilidade decorrente de ato de vontade não opera efeitos

contra o fisco. A regra do art. 649 do CPC é geral, enquanto a do art. 184 do CTN é

específica. A primeira cuida da impenhorabilidade contra os credores de um modo geral,

enquanto a última estabelece uma exceção, admitindo a penhora, quando se trate de crédito

tributário, de bens gravados com cláusula de impenhorabilidade.

A sujeição do patrimônio do devedor à satisfação do crédito tributário – a título de

exemplo, se dá, em regra, com quaisquer créditos, conforme disposto no art. 184. Esse

dispositivo amplia essa proteção, ao vincular à satisfação de dividas tributárias mesmo os

bens gravados com ônus real.

Ressaltamos que qualquer Lei Federal pode declarar absolutamente

impenhoráveis determinados bens, que ficam, assim, fora do alcance das execuções fiscais.

Contudo, a impenhorabilidade de que trata a lei nº 8.009/90 é oponível em processo de

execução de qualquer natureza, salvo as exceções que a referida lei estabelece. No que diz

respeito à matéria tributária, pode-se dizer que a impenhorabilidade não é oponível à

execução para cobrança: a) Das contribuições previdenciárias relativas à remuneração devida

aos que trabalham na própria residência; b) Dos impostos, taxas e contribuições devidas em

função do imóvel familiar.

Evidentemente que também não se beneficiará da referida impenhorabilidade

aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a

residência familiar, desfazendo-se ou não da morada antiga.

6.3.2 O Crédito tributário e o decreto-lei nº 7.661/45

O Decreto-Lei nº. 7.661/45, como já visto, revogado pela Lei 11.101 de junho de

2005, ao estabelecer sobre a classificação dos créditos e pagamento dos credores da massa,

ressalvava sobre a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações

trabalhistas, e, depois deles, a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa,

liberalidade de terceiro, quando destinados ao sustento do devedor ou da sua família; VIII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se estas forem penhoradas; IX - o seguro de vida; X - o imóvel rural, até um módulo, desde que este seja o único de que disponha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de financiamento agropecuário. (Inciso acrescentado pela Lei n. 7.513, de 9.7.1986).

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incluindo-se nesse título os impostos e contribuições públicas a cargo da massa e exigíveis

durante a falência. Havendo, assim, uma perfeita harmonia entre o instituto próprio de

natureza comercial e a norma codificada no artigo 186 do CTN.

6.3.3 Preferência do crédito tributário na lei complementar 118/05 e na lei 11.101/05

A Lei Complementar nº. 118, de 09 de fevereiro de 2005, acrescentou dispositivos

ao Código Tributário Nacional e alterou outros já existentes.

Algumas dessas inovações foram introduzidas com o propósito de adaptar o CTN

à nova disciplina dada à falência e ao novo instituto da recuperação judicial, que veio para

substituir a concordata.

A lei complementar nº. 118/2005 acresceu ao Código Tributário Nacional o art.

185-A, tratando-se de mais uma garantia para o crédito tributário.

Assim, se alguém é devedor de tributo e vende ou por qualquer outra forma aliena

algum bem depois de inscrito o seu débito tributário como divida ativa, essa alienação se

considera fraudulenta. Presume-se que o ato de alienação teve por objetivo frustrar a execução

do crédito tributário.

Não haverá, todavia, a presunção de fraude se o devedor reservar bens ou rendas

suficientes ao total pagamento da divida fiscal em fase de execução (CTN, art. 185, parágrafo

único). Essa referência do art. 185, no que diz respeito à oneração de bens, é inteiramente

supérflua. Não sendo, como não é, segundo o art. 184, oponível ao fisco, nada importa que se

presuma fraudulenta:

O art. 186 do CTN também foi alterado pela Lei Complementar 118, de

09/02/2005, que no caput desse artigo, acrescentou a expressão, ou do acidente de trabalho, e

com isso colocou na mesma posição dos créditos decorrentes da legislação do trabalho os

créditos decorrentes da lei de acidentes de trabalho. Também inseriu um parágrafo único no

art. 186 do CTN, estabelecendo regras especiais quanto à preferência do crédito tributário no

caso de falência do contribuinte (MACHADO, H., 2005, p.687).

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. Parágrafo único. Na falência:

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I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.

Assim, a norma do caput do art. 186 permanece, mas em face a norma do

parágrafo único, que trata a situação específica da falência, aplica-se para a solução de

eventuais disputas entre credores fora da falência.

Neste sentido, considera Hugo de Brito Machado (2005, p.688), que nessas

eventuais disputas entre credores, sem que tenha sido decretada a falência do devedor, a

preferência absoluta é para créditos decorrentes da legislação do trabalho ou de acidente de

trabalho. Em seguida, colocam-se os créditos tributários, que preferem a qualquer outro, seja

qual for a sua natureza ou o tempo de constituição.

Assim, há duas modalidades de preferências estabelecidas no CTN, uma

estabelecida nos casos de falência do devedor, estando no parágrafo único do art. 186, e a

outra, de âmbito não específico, estabelecida para quaisquer outras situações.

Como um dos aspectos mais importantes no âmbito do processo de falências e da

recuperação de empresas, tem-se o preceito contido no art. 187 do CTN:

Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: I - União; II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pro rata; III - Municípios, conjuntamente e pro rata.

Trata-se de uma preferência, instituída em prol da fazenda pública.

Nestes termos, Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.116), não se pode confundir a

expressão concurso de credores com a expressão concurso de preferências, senão vejamos:

[...] a expressão concurso de credores tem significado amplo, abrangendo a situação fática em que dois credores serão satisfeitos com o patrimônio único do devedor, que é insuficiente para o pagamento integral desses créditos. Não se confunde com a expressão concurso de preferências, sendo esta a representação fática da situação em que, além do concurso de credores, haverá a preferência de um credor sobre o outro, conforme ordem estabelecida na legislação.

Outra novidade importante consiste no deslocamento das multas tributárias, que

ficaram, para fins de preferência, excluídos dos créditos tributários. Aliás, já era assim. O STF

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– Súmula 365 - já pacificara o entendimento segundo qual as multas, mesmo as de natureza

simplesmente moratórias, constituem pena administrativa, não se incluindo no crédito

habilitado na falência.

Ressalta-se que a razão pela qual o STF entendeu não deverem as multas

participar dos créditos tributários habilitados na falência foi: “As penas não podem alcançar

terceiros que não são responsáveis pelas infrações que as motivaram”.

Considerando as disposições do § 3º do art. 133 do CTN, introduzido pela Lei

Complementar nº. 118, de 09 de fevereiro de 2005 (que tratam do depósito à disposição do

Juízo e falência do produto da alienação judicial de empresa, unidade produtiva isolada, pelo

prazo de 1 (um) ano, somente podendo ser utilizado para pagamento de créditos

extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário), revela-se importante, para deslinde

do presente estudo, atentar para ordem de preferência dos créditos tributários, no processo da

falência.

Assim, sobre a preferência dos créditos tributários e sua classificação frente aos

demais créditos, houve por bem o artigo 83 da lei nº. 11.101/05 dispor, in verbis:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV – créditos com privilégio especial, a saber, [...]. VI – créditos quirografários, a saber, [...]. VIII – créditos subordinados, a saber, [...].

Assim, o legislador ordinário no intuito de salvaguardar os créditos bancários,

estabelecendo garantias às instituições financeiras na recuperação de empréstimos

concedidos, terminou colocando o crédito tributário no processo de falência, numa posição

mais distante, pois as empresas em declive financeiro só deverão pagar alguma dívida ao

fisco, depois de quitar as obrigações com empregados e saldar suas contas com os bancos,

ficando os débitos fiscais em terceiro plano.

Não se ignora que a nova lei estabelece um tratamento favorecido na recuperação

dos créditos com garantia real, precedendo até mesmo o crédito tributário, “o que no juízo do

legislativo significa o incentivo à injeção de recursos junto às empresas por parte das

instituições bancárias, e a possibilidade de redução dos riscos de quebra” (ALMEIDA, 2008,

p.183).

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De qualquer modo, como a Lei 11.101/2005 é de natureza ordinária e trás

modificações que implicam em alteração do CTN, que tem eficácia complementar, tal

circunstância vem despertando questionamentos sobre a necessidade de alteração no Capítulo

VI, que trata das Garantias e Privilégios do Crédito Tributário, face ocorrência de mudanças

na Lei Comercial, pois não obstante as disposições do Código Tributário Nacional quando

versem sobre institutos próprios de outro Diploma, devam ser interpretados e analisados à luz

daqueles, tem-se que, além da dissonância literal no estudo e delimitação de novos conceitos

observados entre as normas, a nova ordem de preferência do crédito tributário deve ser

estabelecida por uma lei da mesma natureza, a ser interpretada em harmonia com as novas

disposições da atual Lei de Falências.

Nesse sentido, a Constituição Federal estabelece que, cabe a lei complementar

dispor sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. Logo, diante

da vigência da lei 11.101/2005 que altera o sistema de preferência do crédito tributário nas

situações previstas no art. 183 e segs. do CTN, torna-se indispensável à criação de norma

especial visando à regulamentação dessas novas alterações, posto se tratar de matéria

reservada a uma lei que atende um quorum qualificado, nos expressos termos do seu art.146,

inciso III, da referida Lei Maior.

Assim, se na essência da legislação fiscal atual, o crédito tributário prefere a

qualquer outro, ressalvados apenas os créditos decorrentes da legislação do trabalho, e, diante

das novidades introduzidas pela lei 11.101/2005, a qual estabelece uma nova ordem de

preferência no processo falimentar, é forçoso convir pela elaboração de um moderno regime

alterando o Capitulo VI, do Código Tributário Nacional, sob pena de total afronta a clara

dicção do artigo 59 e 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição de 1988, ante a ausência de

disposição regulamentar adequada.

Neste sentido, note-se que a abordagem dos créditos tributários na falência não

tem o escopo de esgotar o tema, que, a propósito, se restringe exatamente em fase anterior, na

Recuperação Judicial da Empresa. Nestes termos, trata-se o assunto meramente para efeito de

complementação.

Assim, passaremos ao estudo da obrigação tributária, principalmente nos aspectos

da responsabilidade dos Sucessores Tributários na alienação de ativos de empresas em

recuperação judicial.

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7 DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

A responsabilidade tributária encontra-se disciplinada pelo Código Tributário

Nacional no seu capítulo V, Título II (obrigação tributária). O CTN consagra a

responsabilidade por sucessão nos art. 129 a 133, a responsabilidade de terceiros nos art. 134

a 138 e a responsabilidade por infrações os art. 136 a 138, estando todas essas regras sob o

comando geral do art. 128.

Assim, dispõe o art. 128 do CTN:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Nestes termos, a responsabilidade tributária é o fenômeno segundo o qual um

“terceiro que não seja contribuinte, ou seja, não tenha relação direta e pessoal com o fato

imponível gerador da obrigação principal, está obrigado, em caráter supletivo ou não, em sua

totalidade ou parcialmente, ao pagamento ou cumprimento da obrigação” (MACHADO,

2003, p.145).

Apropriados os ensinamentos de Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.163), sobre a

responsabilidade tributária: “[...] O instituto da responsabilidade tributária tem a finalidade de

assegurar o recebimento do crédito tributário, possibilitando a excussão do patrimônio de uma

terceira pessoa para a satisfação da obrigação tributária”.

Note-se, todavia, que a despeito de não ter relação íntima com a conduta descrita

na norma tributária impositiva da obrigação principal, para ser responsável, é necessária a

existência de algum liame entre o sujeito responsável e o fato oponível, ou seja, a lei não pode

eleger qualquer pessoa como responsável tributário, mas somente pessoa que, não tendo

relação direta e pessoal, possua algum tipo de vínculo com a pessoa do contribuinte ou a

situação descrita como fato gerador da obrigação35. Somente assim justifica-se a

responsabilidade.

35 Acentua-se aqui que fato gerador, é para caracterizar a situação de fato ou situação jurídica, que ocorrendo,

determina a incidência do tributo. A vantagem de qualificação reside no fato de deixar claro que o momento em que ocorre o fato gerador é aquele mesmo em que se caracteriza a obrigação tributária. O CTN, por definir em separado a obrigação tributária principal (art. 113, § 1º) e a obrigação tributária acessória (art. 113, § 2º), adota a mesma técnica, definindo o fato gerador da obrigação principal no art. 114 e o fato gerador da obrigação acessória no art. 115. Para o objeto desse estudo, não se adentrará nas classificações do fato gerador: instantâneo ou complexivo, visto não ser assunto relevante para este estudo.

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Neste sentido, o art. 128 trata de regra que complementa e aclara o inciso II do art.

121 do CTN, que se refere ao responsável como uma das espécies do sujeito passivo da

obrigação tributária, e, ao mesmo tempo, preside a ajuda a atender as normas constantes do

capítulo V. Há necessidade de lei para que possa atribuir responsabilidade tributária a terceiro,

não bastando, nestes termos, a regra geral do dispositivo citado.

Assim, esclarece Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (2005, p.534):

[...] não se confundindo, assim, o responsável com a pessoa do contribuinte, este terceiro tem responsabilidade (haftung), sem ter o débito (schuld). [...] A lei pode atribuir a responsabilidade a terceiro de forma exclusiva, liberando o contribuinte, que, nestes casos, não fica liberado.

A responsabilidade tributária pode ser atribuída a terceiro de modos diversos.

Souza, 36 citado por Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (2005, p.535), identificava a

responsabilidade tributária com a "sujeição passiva indireta" e dividia-a em transferência e

substituição. Na responsabilidade por transferência, segundo seu entender, a obrigação

tributária nasceria com o contribuinte e, em decorrência de fato posterior, seria transmitida ao

responsável. Na responsabilidade por substituição, opostamente, desde o nascimento da

obrigação tributária, esta já seria imposta ao responsável substituto.

Próximo dessa classificação, Bernardo Ribeiro Moraes37 apud Luiz Emygdio F. da

Rosa Junior (2005, p.534) subdividia a responsabilidade tributária em originária (equivalente

à por substituição) e derivada (equivalente à por transferência).

Assim, a responsabilidade tributária por substituição é autorizada pelo art. 128 do

CTN, e ocorre quando a obrigação tributária já nasce tendo como forçado ao pagamento o

responsável e não o contribuinte, nos casos expressos da legislação tributária.

O substituto legal só poderá ser determinado por lei, porque se trata de situação

excepcional por corresponder a uma terceira pessoa, estranha à relação econômica de natureza

pessoal e direta com o fato gerador. “Assim, o substituto responde por um débito próprio,

enquanto o responsável tributário responde por um débito alheio” (ROSA JUNIOR, 2005,

p.534).

Nestes termos, cabe transcrever as lições de Ricardo Lobo Torres (1993, p.212)

sobre a diferença entre contribuinte e substituto: “a distinção principal entre as duas figuras da

36 SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 92-

93. 37 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 661.

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109

sujeição passiva é que o contribuinte realiza o fato gerador da obrigação tributária, enquanto o

substituto realiza o fato gerador da substituição prevista em lei”.

Já na modalidade de responsabilidade tributária por transferência, previstas nos

arts. 129 a 138, CTN, a obrigação nasce tendo como sujeito passivo o contribuinte e é

transferida por motivos diversos para o responsável.

A responsabilidade tributária por transferência teria três sub-espécies: (a)

responsabilidade solidária; (b) responsabilidade por sucessão; e (c) responsabilidade

subsidiária.

A responsabilidade por sucessão dá-se quando um sujeito sucede ao outro em

universalidade de bens, créditos e débitos. Assim, entre as causas de transferência da

responsabilidade tributária por sucessão está a alienação de empresa ou estabelecimento. É a

esta que passamos a nos ater.

7.1 Responsabilidade Tributária por Sucessão

Como já analisado, a grande novidade da nova Lei de Falências está na

possibilidade de recuperação de empresas que, embora devedoras, sejam economicamente

viáveis.

A responsabilidade dos sucessores, como já dito è forma de sujeição passiva

indireta por transferência porque a obrigação tributária nasce em relação à pessoa do

contribuinte, mas em razão dos eventos previstos nos arts. 130 a 133 do CTN, ocorridos após

o fato gerador, transfere-se para as pessoas dos terceiros referidos nos mesmos dispositivos

(ROSA JUNIOR, 2005, p.540).

O comando legal genérico atinentes à sucessão tributária está contido no art. 129

do CTN.

O art. 129, na visão de Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (2005, p.540), reafirma a

natureza declaratória do lançamento no que toca a obrigação tributária, porque o que interessa

é o momento em que ocorreu o fato gerador, e não a data do lançamento (art.144).

Assim, na visão do referido autor, o sucessor responde pelos tributos devidos ao

antecessor, desde que esteja o crédito tributário devidamente constituído, em curso de

constituição, ou ainda que sejam constituídos somente depois da sucessão. Neste sentido,

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110

manifesta-se Bernardo Ribeiro Moraes(1995, p.511), sobre a abrangência da responsabilidade

por sucessão:

a) os créditos tributários definitivamente constituídos, isto é, as dívidas fiscais anteriores à sucessão; b) os créditos tributários em curso de constituição, ou melhor, as dívidas fiscais que estavam sendo apuradas ou lançadas no momento da sucessão; c) os créditos tributários constituídos após a sucessão, isto é, as dívidas constituídas posteriormente à data da sucessão, embora originárias, até a sucessão. Tais créditos tributários são decorrentes de fatos geradores ocorridos anteriormente à data da sucessão.

Lembrando que o sucessor tributário somente responde pelo pagamento das

multas moratórias, excluindo-se as punitivas, conforme já foi visto em capítulo anterior, pelo

princípio da personalização da pena, salvo nos casos em que o transmitente aliena o seu

negócio para eximir-se do pagamento da multa. 38

São as seguintes modalidades de sucessão: a) sucessão imobiliária (CTN, art.

130); b) sucessão inter vivos de bens adquiridos ou remidos (CTN, art. 131, I); sucessão causa

mortis (CTN, art. 131, II e III); d) sucessão empresarial (CTN, art. 132); e) sucessão

comercial (CTN, art. 133); f) sucessão falimentar (CTN, art. 184).

Para atender ao tema proposto para este estudo, será abordada em detalhes a

sucessão empresarial prevista no art. 132 e 133 do CTN.

7.2 Responsabilidade Tributária por Sucessão Empresarial

O art. 132 do CTN dispõe sobre a sucessão tributária de pessoas jurídicas de

direito privado e de empresas da seguinte forma:

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

38 Cf. RTJ 93/862 e STF,RDA 129/98. apud ROSA JUNIOR (2005, p. 542).

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111

Observe que o dispositivo legal não se refere à operação social cisão, pela simples

razão de só ter sido disciplinada posteriormente ao advento do CTN, através da Lei 6.404/76,

em seus artigos 229 e 233. As regras da mencionada lei se aplicam às operações de fusão,

incorporação e cisão de sociedades anôminas e sociedades em comandita por ações, vez que

aos demais tipos societários aplicar-se-ão as normas dos arts. 1.113 a 1.122 do Código Civil

de 2002. Sendo indubitável que as regras do art. 132 também se aplicam à cisão, como meio

de recuperação de empresa, através da reorganização societária, o que discutirá a fundo à

diante.

Ainda o art. 133 do CTN dispõe sobre a sucessão comercial por aquisição de

fundos de comércio ou estabelecimento:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Nestes termos, o caput do artigo trata a “responsabilidade por extensão” (LOPES,

2008, p.163), visto que estendida para o adquirente que se torna o responsável tributário.

Na hipótese do inciso I, trata-se a priori de responsabilidade por transferência,

pois a obrigação tributária nasce para o contribuinte, mas, em decorrência de um fato

superveniente, sendo integralmente transferida para o responsável tributário.

Assim, em primeira leitura do art. 133, inciso I, do CTN, tem-se a impressão de

que o “legislador isentou de responsabilidade o alienante que se retira da atividade que

exercia, mesmo possuindo patrimônio para saldar eventual débito tributário”, como afirma

Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.173), sendo este, inclusive o entendimento de Flávio Couto

Bernardes (2005, p.449):

Todavia, discordando de tal posicionamento, Aliomar Baleeiro (2003, p.487), diz

que esta não pode ser a melhor interpretação da norma:

Cremos que este não é o propósito do CTN. Se o adquirente vier a perder por uma causa física ou econômica o acervo que lhe transferiu o alienante, este poderá ser chamado administrativamente ou judicialmente a satisfazer quanto devia ao erário, ainda que nenhuma atividade esteja exercendo. Não poderia estar na cogitação do

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legislador desonerar o homem de negócios que deste se retirasse para viver das rendas, ou mesmo consumir seu patrimônio.

Neste sentido, autores como Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.175), Hugo de Brito

Machado (2005, p.567), entendem que, em caso de dívidas tributárias, a Fazenda Pública tem

mecanismos para responsabilizar o alienante em caso de insolvência do adquirente.

Entendem, desta forma, os autores que a palavra “integralmente”, utilizada na redação do art.

133, inciso I, do Código Tributário Nacional quer dizer “solidariamente, podendo ser exigido

de qualquer um dos credores, não se aplicando o benefício de ordem” (MACHADO, H., 2007,

p.137). Assim, a expressão “integralmente” não significa exclusivamente.

No inciso II do mesmo dispositivo, trata-se de responsabilidade subsidiária, onde

o adquirente tem responsabilidade supletiva.

Não desnecessária a repetição de que, a citada sucessão de responsabilidade seja

ela integral ou subsidiária, somente ocorrerá se houver uma relação jurídica entre sucessor e

sucedido. Se inexistente uma relação, não há que se falar em responsabilidade tributária,

instruída pelo art. 133 do CTN.

Entretanto, para melhor compreensão do citado dispositivo, deve-se pautar pela

compreensão de saber se o legislador tributário quis referir-se a fundo de comércio e

estabelecimento empresarial como expressões sinônimas - como ocorre no direito

empresarial, após as alterações da teoria da empresa - ou se quis significar figuras distintas.

Neste sentido, ressalta Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (2005, p.553), para quem:

A lei tributária não está presa aos institutos, conceitos e formas de direito privado porque pode alterar-lhes a definição, o conteúdo, o alcance, dede que não sejam utilizados, expressa e implicitamente, pela Constituição Federa, pelas Constuições do Estado, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios para definir ou limitar as competências tributárias.

Assim, estabelecimento e fundo de comércio podem ter para o direito tributário

significados próprios, neste sentido, abre-se a discussão. Visto que, ao que parece o legislador

quis fixar a responsabilidade do sucessor, empregando as expressões como distintas, pois,

caso contrário, não haveria razão para referir-se separadamente a fundo de comércio e a

estabelecimento.

Até porque, para o direito empresarial o estabelecimento empresarial figura-se

como universalidade de fato, sendo que para o direito tributário figura-se como uma

universalidade de direito.

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113

Corroborando com este entendimento, Aliomar Baleeiro (2003, p.486), o

legislador empregou as duas expressões com significados distintos. Segundo o autor:

A empresa pode ter uma ou mais unidades de operação, cada uma das quais é um estabelecimento (a fábrica, o depósito, o escritório da matriz, as filiais, etc.). O conjunto de bens ou do profissional constitui o seu fundo de comércio, [...] constituindo-se um bem composto, uma universalidade e coisas – universitatis rerum.

Também Bernardo Ribeiro Moraes, citado por Bráulio Lisboa Lopes (2008,

p.168), estabelece a diferenciação entre as duas expressões, afirmando que a

A regra consagra a responsabilidade do adquirente (sucessor) não somente do estabelecimento atuante, (o certo seria ‘empresa’, que abrange o estabelecimento atuante, sob a ação do empresário) mas também de fundo de comércio, que abrange a soma dos elementos corpóreos (máquinas, móveis, mercadorias, etc.) e incorpóreos (nome comercial, clientela, marca, ativo e passivo da empresa, etc.).

Segundo Luiz Emygdio F da Rosa Junior (2005, p.555), o legislador quis fixar a

responsabilidade do sucessor na aquisição do fundo de comércio ou do estabelecimento,

fazendo assim, a diferenciação das duas figuras, de modo a dar maiores garantias à Fazenda

na satisfação do crédito tributário, atribuindo a responsabilidade tributária mesmo quando a

aquisição é apenas uma parcela de bens e de direitos que integram o patrimônio do

comerciante.

Todavia, deve-se lembrar que, para que haja sucessão tributária “é necessária a

aquisição da totalidade do estabelecimento comercial, ou fundo de comércio, não sendo

suficiente à compra de um ou outro bem” (TORRES, 2000, p.216).

7.3 Responsabilidade Tributária na Reorganização Societária

Como já analisado, a Lei 11.101/05 no seu art. 50, inciso II, prevê uma forma

recuperação judicial através da reorganização societária, consistente nas operações de cisão,

incorporação, fusão ou transformação da sociedade.

Nestes termos, não há dúvidas que “a recuperação judicial visa sanar tanto os

problemas de iliquidez temporária (insolvência), quanto às situações de desequilíbrio

patrimonial adverso (insolvabilidade). Assim, visa o instituto permitir que diante os meios de

recuperação, dentre eles a reorganização societária e a sucessão empresarial – como já

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114

analisado - a empresa ou a sociedade empresária consiga equacionar as suas dificuldades”

(LOPES, 2008, p.185).

Ultrapassada a conceituação das formas de reorganização societária, - o que já foi

feito em capítulos anteriores - passemos à análise da regulação da reorganização na esfera

tributária e o tratamento da sucessão tributária nestas figuras.

Assim, repita-se, observe, antes de mais nada, que o art. 132, como já

mencionado, não se refere à operação social cisão, pela simples razão de só ter sido

disciplinada posteriormente ao advento do CTN, através da Lei 6.404/76. Assim, como muito

bem observa Luiz Emygdio F da Rosa Junior (2005, p.550), “de indubitável que o artigo 132

do CTN aplica-se também à cisão”. No mesmo sentido Sacha Calmon Navarro Coelho (2006,

p.716), segundo o qual: “a doutrina vem admitindo, até para evitar a elisão de tributos pela via

do planejamento fiscal, que os casos de cisão parcial e total estão abrangidos pelo dispositivo

legal sob comento, ao argumento de que o CTN é anterior à Lei 6.404/76”.

Ao entender de Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.187), “o parágrafo único do citado

dispositivo reforça a tese de se estender a aplicação do dispositivo aos casos de extinção de

pessoa jurídica de direito privado, quando a exploração da atividade seja continuada por sócio

remanescente, sob a forma de outra razão social”.

Nestes termos, tem-se configurada, portanto, a figura da sucessão negocial,

implicando a transferência da responsabilidade pelo pagamento dos tributos cujo fato gerador

tenha ocorrido até o momento da sucessão.

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8 DA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

8.1 Da Sucessão Tributária no Decreto Lei 7.661/45

A legislação falimentar anterior previa sucessão tributária e também trabalhista.

Havia, desse modo, responsabilidade por sucessão na aquisição de bens do adquirente,

inclusive no processo de falência e de concordata.

Neste sentido, observe que naquele regime não havia a figura da recuperação

judicial nas espécies judicial e extrajudicial, como já analisado anteriormente.

Nestes termos vejam-se as regras do CTN, antes das alterações sofridas pela Lei

Complementar nº. 118/05, a respeito da sucessão tributária pela sucessão empresarial ou

chamada aquisição de estabelecimento empresarial:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial, ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato: I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Nestes termos, a responsabilidade tributária por sucessão empresarial não evitava

que a existência de passivos embaraçasse a realização do ativo e a conseqüente satisfação dos

interesses dos credores e da própria sociedade empresária, enquanto a manutenção de suas

atividades, para fins da preservação da empresa.

No regime anterior, a existência de passivos, sobretudo tributários e trabalhistas,

muitas vezes impedia que fosse conduzido a bom termo o processo falimentar, levando ao

sucateamento dos bens arrecadados ou à inutilização de intangíveis relevantes, muitas vezes

de marcas notórias, com a conseqüente extinção da empresa.

Considerando que, por óbvio, a empresa que entrasse em processo de quebra,

considerando-se aí concordata preventiva ou até mesmo a falência, certamente teria

expressivo passivo fiscal, o que inviabilizaria de sobremaneira a sua alienação, visto que o

adquirente estaria comprando “uma empresa podre”, não sendo possível a maximização de

seus ativos.

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116

Até mesmo porque, como já dito, normalmente as empresas primeiramente

deixam de pagar os tributos para não deixarem de honrar compromissos com os fornecedores,

o que inviabilizaria, de imediato, a continuidade das atividades da empresa.

Bons negócios eram inviabilizados, levando-se ao inaproveitamento econômico

de importantes ativos empresariais, com prejuízo para a economia, para os empregados, como

também para os próprios credores da massa falida.

Em contraponto, no regime atual, estimula-se a aquisição de estabelecimentos

empresariais por outro empresário que se encontre mais bem habilitado para tanto, para que

seja dada continuidade à exploração da empresa. Dessa forma, evita-se tanto a extinção de

postos de trabalho, quanto o comprometimento de interesses dos consumidores, como

também, virtual falência de outros empresários economicamente dependentes da empresa

extinta, dentre diversos outros pontos relevantemente positivos.

Nestes termos, levando-se em consideração o texto do at. 47 da Lei 11.101/05,

tem a lei por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do

devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e

dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, de modo a

efetivar a realização dos ativos empresariais. Sendo uma dessas formas de maximização - para

realização dos ativos e conseqüente preservação da empresa - a exclusão da sucessão

tributária por sucessão empresarial no processo de Recuperação judicial, o que se passa a

analisar.

8.2 Da Sucessão Tributária na Lei 11.101/05

8.2.1 Da exclusão da sucessão tributária por sucessão empresarial na recuperação judicial de empresas

A Lei 11.101/05, excetuadas as disposições comuns, cuida separadamente da

recuperação judicial (Capítulo III, art. 47 a 74). Em capítulo próprio estabelece os meios de

recuperação judicial, prevê situações que, inequivocamente, “alteram de maneira substancial

a estrutura jurídica da empresa” (ALMEIDA, 2008, p.324), merecendo destaque, entre outros,

o trespasse do estabelecimento empresarial, alienação judicial de filiais e unidades produtivas

isoladas.

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Neste sentido, para possibilitar a aplicação e efetividade da referida Lei 11.101/05

foi editada em 09 de fevereiro de 2005, a Lei Complementar nº. 118, que alterou o Código

Tributário Nacional e dentre tantas alterações já relacionadas, trouxe importante alteração, no

que refere à exclusão da sucessão tributária, nos casos de sucessão empresarial de empresas

em processo de recuperação judicial.

As novas diretrizes do processo falimentar e da recuperação de empresas,

estabelecidas pela lei ordinária 11.101/05 e pela Lei Complementar nº. 118/05 objetivam

maximizar a eficiência dos referidos processos, promovendo o efetivo soerguimento das

empresas em dificuldades econômicas e possibilitando a continuação da atividade empresarial

através da preservação da empresa.

Todavia, como coloca Bráulio Lisboa Lopes (2008, p. 176),

Deve-se optar por um processo eficiente de liquidação do ativo e pagamento de passivo da sociedade empresária falida, a ser efetuado de forma célere, visando maximizar o valor obtido com a alienação dos ativos, diminuindo os riscos do mercado e trazendo maiores benefícios aos credores e à própria sociedade.

Neste sentido, conforme pode se desprender da leitura do art. 14039 da Lei

11.101/05, a alienação dos ativos da empresa se efetivará, preferencialmente, com a venda de

seus estabelecimentos em bloco ou de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente, com o

intuito de maximizar os valores obtidos com a referida alienação.

Essa maximização, segundo Bráulio Lisboa Lopes (2008, p. 177), “ocorre porque,

com a alienação em bloco das filiais ou unidades produtivas, os bens intangíveis da empresa,

como o nome empresarial, o ponto negocial, entre outros, são levados em consideração na

fixação do preço a ser ofertado no mercado”.

Além dessa vantagem, a venda em bloco da unidade operacionaliza e contribui

para a preservação da empresa.

39 Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de

preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens individualmente considerados. § 1o Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadas mais de uma forma de

alienação. § 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores. § 3o A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável da

unidade de produção, que poderá compreender a transferência de contratos específicos. § 4o Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de registro público, a este servirá

como título aquisitivo suficiente o mandado judicial respectivo.

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118

Nestes termos, a própria lei 11.101/05 preza pela preservação da empresa,

preferindo a sua continuidade em sua totalidade ou em blocos.

No passado, verificou-se no processo de falência uma verdadeira distorção na

interpretação da legislação tributária, de modo a prejudicar a preservação da empresa. Como

já foi analisado, na vigência do Decreto-Lei nº. 7.661/45 e com a redação do art. 133 anterior

à Lei Complementar 118/05, aplicava-se a regra de sucessão tributária aos ativos da empresa

alienados em leilão judicial. Nestes termos, fica fácil verificar que esse procedimento afetava

negativamente o mercado, visto que os ônus do adquirente de se tornar responsável pela

dívida tributária do estabelecimento eram - como não podia ser diferente - levados em

consideração, impedindo, desta forma, a realização dos ativos.

Neste aspecto, considera Bráulio Lisboa Lopes (2008, p. 178):

Questionava-se dessa forma, até que ponto a garantia instituída pelo art. 133 do Código Tributário Nacional era benéfica aos interesses da Fazenda Pública, visto que seu beneficiamento enquanto credora seria tanto maior quanto mais elevado fosse o preço da venda dos ativos da empresa falida. Sendo objetivo da norma em comento a proteção do crédito tributário, ela acaba por gerar, na prática, uma inversão de valores, acarretando prejuízo ao poder público. Não haveria prejuízo para a Fazenda Pública, caso houvesse a exclusão da responsabilidade tributária do adquirente aos ativos alienados em leilão judicial no processo de falência, aplicando-se por analogia, a exceção contida no parágrafo único ao art. 13040 do Código Tributário Nacional.

Pondo fim, aos debates supracitados, a Lei Complementar 118/05 alterou a

redação do art. 133 do CTN. Referida alteração teve sua finalidade de compatibilizar o art.

133 do CTN com as disposições da Lei 11.101/05, em especial com os preceitos do art. 60,

parágrafo único, e 141, inciso II, os quais mencionam que a alienação de filiais ou unidades

produtivas isoladas na falência e na recuperação de empresas estará livre de qualquer ônus,

não havendo a sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive de natureza

tributária.

Neste sentido, o art.133 do CTN, que trata da responsabilidade do adquirente de

um fundo de comércio pelos tributos devidos ao alienante, passou a ter três parágrafos, que

tinha, até então, a seguinte redação:

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: I - em processo de falência; II - de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.

40 Segundo o autor, a alienação de estabelecimento empresarial em processo de falência, através da intervenção

do Poder Judiciário, deveria ter tratamento análogo ao dispensado á venda de imóvel em hasta pública, de forma a se permitir a interpretação restritiva do art. 133 do CTN em face do art.130, parágrafo único do mesmo diploma.

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119

§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo quando o adquirente for: I - sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; II - parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou III - identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária. § 3º Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário (grifos nossos).

O legislador atento para possível desvirtuamento do instituto, inseriu algumas

regras vedando a utilização da exclusão da sucessão tributária quando verificada a

interposição de terceira pessoa para concretizar o negócio jurídico, agente como agente do

falido, aproveitando-se do instituto da negativa de sucessão tributária. Além dessas hipóteses,

o legislador deixou claro que não se beneficiarão da regra os sócios da sociedade falida ou

sociedade controlada pelo falido, bem como nos casos em que o adquirente for parente em

linha reta ou colateral do sócio da sociedade falida.

Tal medida – de exceção à não sucessão tributária - sem dúvida, é de extrema

importância para coibir a utilização indiscriminada do instituto, impedindo que o falido seja

beneficiado por uma regra instituída em prol da preservação da empresa e não dos sócios

falidos. De modo que a não sucessão atinja seu verdadeiro fim, conforme propósitos da lei.

Objetivando facilitar os meios de recuperação judicial, buscou o legislador afastar

o bem de ônus ou sucessão, dispondo neste sentido no parágrafo único do art. 60 da Lei

11.101/05.

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.

Ao revés do que ocorre com a falência, o dispositivo legal transcrito não fala em

crédito trabalhista. Veja-se, a respeito, o art. 141, que cuida especificamente da falência:

Art. 141, II, da Lei 11.051/05. “Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: [...] II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

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120

Com isso, o CTN concederá maiores condições para recuperação das empresas

que estiverem em sérias dificuldades financeiras, uma vez que é sabido que a grande parcela

de débitos de uma empresa em dificuldades é a de natureza fiscal. Então, afastada a

responsabilidade por sucessão, aumentam as possibilidades de aquisição de bens do devedor

falido ou em processo de recuperação judicial, justamente pelo fato do adquirente

(comprador) não se tornar responsável por tais débitos fiscais.

No que se refere às alegações de possibilidade de uso fraudulento do instituto da

exceção à regra da sucessão tributária - as chamadas alienações simuladas - deve-se

reconhecer que o instituto da negativa da sucessão é de essencial importância para a tutela dos

interesses dos credores, de modo que, a mera probabilidade de ocorrência de um ato

fraudulento não poderá coibir a operacionalização de um instituto vital às empresas em

dificuldades.

Além de todas as providências materializadas pelas medidas previstas nos três

parágrafos do artigo 133 do Código Tributário Nacional, inseridos pela Lei Complementar

118/05, deve-se também considerar que, a exclusão da sucessão tributária nos casos de

sucessão de empresas não é de forma alguma um criadouro para a prática de fraudes, muito

pelo contrário, como pode ser verificado, no art. 142, § 7º prevê, dentro da Lei 11.101/05, o

único caso em que o MP será citado pessoalmente para o acompanhamento, do o processo sob

pena de nulidade, justamente para a fiscalização da legalidade do processo de recuperação

judicial a coibir as fraudes.

Ademais, como já mencionado, a alienação dos bens não será realizada de forma

indiscriminada, muito pelo contrário, será realizada de uma das formas, observada no art. 140

da Lei 11.10/05, observada a ordem de preferência.

Em resumo, a exclusão da sucessão tributária nas situações apontadas, também

traz segurança maior para o próprio Fisco, visto que na realização de ativos, quanto maior for

o valor de venda, maior será a garantia de pagamento dos créditos tributários, ressaltando-se

ainda que o crédito tributário não está sujeito à recuperação judicial, tanto por sua natureza e

privilégio, como por ausência de previsão na Lei 11.101/05.

A exclusão, sem dúvidas, atende à operacionalização das finalidades da

recuperação, expressas no art. 47 da Lei 11.101/05, visto que a preservação da atividade se faz

através da realização do ativo, nas modalidades previstas no art.140 desta lei.

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121

8.2.2 Da sucessão tributária e reorganização societária

Como já analisado, a Lei 11.101/05 no seu art. 50, inciso II, prevê uma forma

recuperação judicial através da reorganização societária, consistente nas já conceituadas

operações de cisão, incorporação, fusão ou transformação da sociedade.

Passemos então à análise da regulação da reorganização na esfera tributária e o

tratamento da sucessão tributária nestas figuras.

Como já mencionado o art. 132, não se refere à operação social cisão, pela

simples razão de só ter sido disciplinada posteriormente ao advento do CTN, através da Lei

6.404/76. Assim, como muito bem observa Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (2005, p.550),

“de indubitável que o artigo 132 do CTN aplica-se também à cisão”.

Resta configurada a figura da sucessão negocial, implicando a transferência da

responsabilidade pelo pagamento dos tributos cujo fato gerador tenha ocorrido até o momento

da sucessão.

Nestes termos, em sede de recuperação judicial, o art. 60, parágrafo único, da Lei

11.101/05 preceitua que a alienação de filial ou unidade produtiva isolada aprovada em plano

de recuperação judicial está isenta de ônus tributário.

Neste sentido, a alienação de filial ou unidade produtiva isolada referida no artigo

60 deve ser entendida por quaisquer meios de realização de ativos que implique a sucessão

empresarial, seja ele o trespasse – oneroso - ou cisão, incorporação ou fusão. “Não havendo

na lei disposição que exclua a sucessão caso o ativo seja realizado de modo diverso, à exceção

da constituição de sociedade de credores ou de empregados do devedor”, (LOPES, 2008,

p.188) conforme preceito do art. 145, § 1º, in verbis:

Art. 145. O juiz homologará qualquer outra modalidade de realização do ativo, desde que aprovada pela assembléia-geral de credores, inclusive com a constituição de sociedade de credores ou dos empregados do próprio devedor, com a participação, se necessária, dos atuais sócios ou de terceiros. (grifos nossos) § 1o Aplica-se à sociedade mencionada neste artigo o disposto no art. 141 desta Lei. Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: [...] omissis II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.(grifos nossos).

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122

Nestes termos, excluída a constituição de sociedades por credores ou empregados

– cisão própria - nas demais modalidades de recuperação judicial, a exemplo da cisão

imprópria, incorporação, fusão e transformação haverá, a priori, a incidência da sucessão

tributária. A sucessão, sem dúvida, constitui um desestímulo à adoção da reorganização

societária como meio de viabilização da recuperação judicial das empresas. A menos,

entretanto, que haja diversa interpretação à regra da exclusão da sucessão tributária por

sucessão empresarial, como sustenta Fábio Ulhoa Coelho (2005, p.78) para quem a norma da

sucessão deve ser aplicada de forma ampla, contemplando as demais modalidades de

alienação de ativos do empresário e da sociedade empresária, dentro da recuperação judicial,

como gênero da viabilização da empresa.

Pautado neste entendimento, Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.189) indaga se seria

possível aplicar a norma de exclusão da sucessão tributária em casos de cisão parcial das

sociedades em recuperação judicial, aplicando-se a analogia com o art. 133, parágrafo 1º,

inciso II, do CTN, estendendo os seus efeitos no caso de recuperação judicial, sobre as

hipóteses do art. 132, especificamente, no que tange à cisão.

Neste sentido, antes de qualquer coisa, deve ser ressaltado que para a

possibilidade de aplicação da analogia é imprescindível a demonstração de uma lacuna na lei.

Devendo o termo lacuna ser interpretado como uma insuficiência na previsão. Na hipótese do

art. 133, § 1º, inciso II do CTN, combinado com o art. 145 da lei 11.101/05, verifica-se que

qualquer forma viável de realização dos ativos será validamente considerada à preservação da

empresa.

Assim, a constituição de sociedades de credores ou empregados do devedor, com

a respectiva aquisição do patrimônio da sociedade em recuperação judicial, configura-se uma

forma de reorganização societária denominada fusão própria, em que há a constituição de uma

sociedade específica para adquirir parte dos ativos da sociedade cindida. Essa sociedade,

constituída para receber parcela dos ativos da sociedade em recuperação judicial, ficará livre

dos ônus tributários que recaem sobre o patrimônio a ela transferido até a data da realização

da operação.

Nestes termos, com respaldo na finalidade da recuperação judicial, expressa no

art. 47 da Lei 11.101/05, qual seja, a de viabilizar a superação da situação de crise econômico-

financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos

trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa,

sua função social e o estímulo à atividade econômica; concomitante aos objetivos expressos

no art. 75, quando da falência em, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades,

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123

visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos,

inclusive os intangíveis, da empresa, verifica-se a possibilidade de se aplicar a exclusão da

sucessão tributária também às hipóteses de reorganização societária efetivadas pela cisão

imprópria, onde a sociedade que adquire os ativos do devedor em recuperação judicial estava

previamente constituída.

Deve-se levar em consideração os “objetivos macroeconômicos” (LOPES, 2008,

p.190) da recuperação de empresas que devem promover as superação da crise econômica,

possibilitando a maior eficiência na recolocação de seus ativos.

Neste aspecto, impera-se a aplicação da analogia júris, (LOPES, 2008, p.190)

tomando por base a similitude da matéria, efetuando a extensão do tratamento jurídico, visto

ainda que tratam de formas de sucessão empresarial, e, portanto, inseridas dentre as formas de

recuperação judicial.

Nestes termos, os objetivos da recuperação judicial serão mais facilmente

alcançados - ao menos no que tange as quatro formas de reorganização societária previstas

como meios de recuperação das empresas - em se aplicando a regra da exclusão da sucessão

tributária.

Conclusão acertada deve ser a de aplicar a exclusão prevista no art. 60 da Lei

11.101/05, também para as formas de reorganização societária, visto que a transferência que

envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, poderá se

dar por quaisquer meios dentro da recuperação judicial, não cabendo ao intérprete diferenciar

ou limitar, quando o legislador, tendo podido fazê-lo, não o fez. Ademais, a limitação retira a

otimização de aplicabilidade do art. 47, da Lei 11.101/05.

A nova legislação deve, sem dúvida, ser interpretada levando-se em consideração

o binômio eficiência econômica e função social, no objetivo de superação da crise.

8.2.3 Da sucessão tributária na recuperação extrajudicial

A nova lei, como já referido, criou outro mecanismo jurídico para a realização dos

ativos empresariais: a recuperação extrajudicial, em seus artigos 161 e 167. Criando-se um

espaço até então inexistente, par a negociação entre as partes.

Como já colocado, pode-se manifestar que a vantagem da recuperação

extrajudicial está resumidamente na possibilidade de os credores aprovarem uma forma de

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124

reestruturação do passivo da empresa insolvente pelos votos dos credores que representem

mais de três quintos e todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos, com sujeição da

solução ao poder judiciário apenas para a homologação.

Desta feita, a alienação de ativos e de estabelecimentos é permitida no processo de

recuperação extrajudicial, como inclusive destaca o artigo 166 da Lei 11.101/2005, que dispõe

expressamente o seguinte:

“Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei”.

Contudo, no caso dessas alienações de filiais ou unidades produtivas isoladas do

devedor no âmbito da recuperação extrajudicial, a responsabilidade tributária por sucessão

empresarial continua a existir.

De fato, a Lei Complementar 118/2005, que alterou o Código Tributário Nacional

para adequá-lo às novas disposições da Lei 11.101/2005, estabelece no art. 133, que não há

responsabilidade tributária por sucessão empresarial apenas nas hipóteses de alienação

judicial ocorrida em processos de falência, ou de alienação judicial de filial ou unidade

produtiva isolada em processo de recuperação judicial. Nada diz a respeito da recuperação

extrajudicial.

Nestes termos, tal dispositivo vem sendo objeto de críticas, visto a opção do

legislador em manter a responsabilidade tributária por sucessão empresarial nas hipóteses de

alienação de filial ou unidade produtiva isolada do devedor em processo de recuperação

extrajudicial.

Neste sentido, manifesta-se Jean Carlos Fernandes (2007, p.214):

Não obstante, contudo, o inciso II, § 1º, do art. 133 do CTN, com a nova redação estabelecer a ausência de sucessão tributária nas alienações de filial ou unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial, cremos que tal situação deve a ser a mesma atribuída aos negócios jurídicos dessa natureza realizados em sede e plano de recuperação extrajudicial homologado em juízo, mesmo porque a alienação da filial ou unidade produtiva isolada também será processada judicialmente, por expressa determinação do art. 166 da Lei 11.101/05.

Assim, os argumentos dos defensores da extensão da não sucessão tributária por

sucessão empresarial, também à recuperação extrajudicial, seria, em primeiro lugar, de que a

alienação de filiais ou unidades produtivas isoladas do devedor está sujeita ao controle

judicial, por expressa disposição do artigo 166 da lei 11.101/2005, que impõe ao magistrado o

dever de ordenar a realização da alienação, observando-se o disposto no artigo 142, no que

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125

tange o processamento da recuperação extrajudicial, evitando assim, a prática de fraudes e o

desvirtuamento do instituto.

Ademais, o procedimento para a alienação judicial de filiais ou unidades

produtivas isoladas do devedor é exatamente o mesmo, seja no âmbito da recuperação

judicial, seja no âmbito da recuperação extrajudicial. A alienação do ativo ocorrerá através de

leilão (por lances orais), ou por propostas fechadas ou, ainda, por pregão, e obedecerá, no que

cabível, as demais disposições do mencionado artigo 142 da lei de falências.

Assim, surge a alegação do fato natural, de que o afastamento da responsabilidade

tributária por sucessão empresarial aumenta consideravelmente o interesse de terceiros pela

aquisição do estabelecimento do devedor falido ou em processo de recuperação, justamente

porque o adquirente não se caracteriza como responsável tributário.

Nesse contexto, arremata, Jean Carlos Fernandes (2007, p.217):

Resultam a partir disso as seguintes indagações: o fato da alienação do estabelecimento empresarial ter sido contemplada em plano de recuperação extrajudicial homologado por sentença, também está protegida pela blindagem jurídica prevista no art. 13141 da Lei de Recuperação de Empresa e Falência? Não haverá a sucessão tributária prevista no art. 133 do Código Tributário Nacional? As respostas devem ser positivas. [...] Devemos acreditar que a intenção do legislador não foi dificultar as possibilidades de recuperação [...].

Após a argumentação da exclusão da sucessão tributária por sucessão empresarial

também às empresas em processo de recuperação extrajudicial, ouça-se discordar

profundamente do posicionamento adotado pelo renomado autor, na medida em que o art. 166

e o art. 60 da Lei 11.101/05, não estão de forma alguma interligados, somente se estivessem

seria possível se falar em exclusão da sucessão tributária por sucessão empresarial também às

empresas em processo de recuperação extrajudicial.

Nestes termos, vez que já se encontra transcrito o art. 166, vejamos o teor do art.

60 da Lei 11.101/05:

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei.

41 Art. 131. Nenhum dos atos referidos nos incisos I a III e VI do art. 129 desta Lei que tenham sido previstos e

realizados na forma definida no plano de recuperação judicial será declarado ineficaz ou revogado.

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Interpretação não poderia ser outra, senão a de que, ao artigo transcrito fazer

referência ao artigo 142, o faz no sentido de que o procedimento será o deste dispositivo, não

significando que, porque os dois institutos – recuperação judicial e extrajudicial - têm o

mesmo procedimento, terão, portanto, as mesmas normas e requisitos. Muito forçoso entender

que haveria uma interligação entre o art. 166 e o art. 60, feita pelo artigo 142, que tão somente

se refere aos procedimentos dos dois institutos.

Ademais, o legislador foi expresso, e limitativo, restringiu exclusão da sucessão

tributária por sucessão empresarial somente às empresas em processo de recuperação judicial.

Sem dúvida, se quisesse ter incluído a modalidade de recuperação extrajudicial, o faria

generalizando – recuperação em sentido amplo - ou o especificando, tal como fez com a

recuperação judicial.

Não cabe aqui apelar para a analogia como forma de realização da função social e,

portanto, operacionalização do art. 47 da Lei 11.101/05, visto que, se o legislador quisesse

incluir a recuperação extrajudicial na exclusão da sucessão tributária por sucessão

empresarial, o teria feito expressamente.

Desta forma, não cabe ao intérprete majorar hipóteses de incidência dos

dispositivos, quando o legislador, tendo podido fazê-lo, não o fez. Ademais, a conduta não é

omissiva do legislador, apenas restritiva.

A hipótese de se estender à recuperação extrajudicial a regra da exclusão da

sucessão tributária por sucessão empresarial de empresas em processo de recuperação

judicial, em muito se difere da analogia juris praticada quando da extensão às formas de

reorganização societária, da citada exclusão – o que já foi alisado em tópico anterior - visto

que, neste caso, há uma lacuna na lei e tomando por base a similitude da matéria, efetuando a

extensão do tratamento jurídico, visto ainda que tratam de formas de sucessão empresarial, e,

portanto, inseridas dentre as formas de recuperação judicial, há que falar em extensão, vez que

o legislador podendo restringir o rol, não o fez.

Desta feita, destino igual não assiste à extensão à recuperação extrajudicial da

regra da exclusão tributária no caso de sucessão empresarial, visto que, neste caso, o

legislador restringiu a regra da exclusão tributária à recuperação judicial. Não há neste caso

qualquer lacuna a ser interpretada, o legislador foi ao contrário, restritivo, não abarcando a

hipótese de recuperação extrajudicial.

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9 DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

9.1 Origem da Função Social

O ideal de função social pode-se considerar relativamente novo se comparado a

história mundial, pois surgiu há aproximados sessenta anos. A evolução desse conceito

perpassa pelo próprio desenvolvimento do Estado Moderno, (CARVALHO, K., 2004, p.41)

motivo pelo qual não há como se falar daquele sem abordar esse.

A Revolução Francesa trouxe consigo uma nova organização social, qual seja, o

Estado Liberal, também denominado Estado de Direito (CARVALHO, K., 2004, p.41). O

absenteísmo do Estado no domínio econômico é um dos traços mais marcantes desse modelo

estatal, pois é concedida ao particular total autonomia na exploração da atividade mercantil,

cabendo ao poder político ser apenas, nas palavras de Kildare Carvalho (2004, p.42), “[...]

árbitro do livre jogo econômico, onde se garante a propriedade privada e se valoriza a

liberdade, que se torna absoluta [...]”.

Paulo Bonavides (2007, p. 563-564), abordando como eram vistos os direitos

nesse modelo estatal, ensina:

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. Entram na categoria do status negativus da classificação de Jellinek e fazem também ressaltar na ordem dos valores políticos a nítida separação entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter antiestatal dos direitos da liberdade, conforme tem sido professado com tanto desvelo teórico pelas correntes do pensamento liberal de teor clássico.

Influenciado pela ideologia marxista (CARVALHO, K., 2004, p.41), a

organização estatal adota um modelo mais atuante, mais presente na vida dos cidadãos, o

chamado Estado Social. Se no Estado Liberal predominava a liberdade e, em conseqüência, a

individualidade, tanto que os direitos fundamentais individuais, os denominados direitos de

primeira geração (BONAVIDES, 2007, p.562-563), datam desta época, o seu sucessor prima

por atender aos anseios de uma coletividade. (CARVALHO, K., 2004, p.41).

Acerca do assunto, vale registrar os ensinamentos de Paulo Bonavides: (2007,

p.564):

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128

Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividade, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. [...].

Não obstante à evolução ocorrida no âmbito social em decorrência desse modelo

estatal, a complexidade natural da sociedade humana demandou a superação do Estado Social

e a adoção de outro modelo de organizacional do poder político, em virtude de uma série de

questões políticas, ideológicas e financeiras que surgiram ao longo do século XX, nos países

que utilizaram essa estrutura política (CARVALHO, K., 2004, p.42).

Diante disso, surge o Estado Neoliberal, também conhecido por Estado

Democrático de Direito, no qual as ideologias do Estado Liberal e do Estado Social estão

fundidas num modelo político que, nas palavras de Alexandre de Moraes (2005, p.17):

[...] significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamados no caput do artigo, adotou, igualmente, no seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

O ideal de função social surge, como se pode imaginar, durante o Estado Social.

Iniciando a análise da expressão função social, temos que para José Diniz de

Moraes (1999, p.89), “função é a satisfação de uma necessidade”, que pressupõe sempre uma

relação com um bem apto a satisfazê-la (interesse), na esfera jurídica de um sujeito.

Desta forma, a função social deve ser vista como um meio complexo de normas,

entre elas as normas empresariais, vinculadas aos princípios constitucionais.

9.2 Da função Social da Empresa como Forma de Viabilização do Princípio da Preservação da Empresa

Sem dúvida que a função social da empresa deve ser entendida como o respeito

aos direitos e interesses dos que se situam em torno da empresa.

Todavia, para se entender a função social de empresa mister se faz, antes,

considerações sobre a função social da propriedade.

Neste sentido, manifesta Felipe Alberto Verza Ferreira (2005):

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129

Juridicamente, podemos entender a função como um conjunto de incumbências, direito e deveres, que gravam a atividade a que estão atrelados, como por exemplo, o exercício da propriedade, de cargo público, o contrato, a empresa, entre outros, e impõem um poder-dever ao exercente da referida atividade, o proprietário ou possuidor, o servidor público, os contratantes e o empresário. [...] É nesse contexto que se insere o instituto da Função Social, caracterizando-se como o poder-dever do titular da atividade, de exercê-la de acordo com os interesses e necessidades da sociedade, visando a uma sociedade livre, justa e solidária.

A função social da propriedade está inserida no artigo 5º, XXII, da Constituição

Federal de 1988, e, ainda, no artigo 182, § 2º e 186 também da Constituição Federal.

O tratamento da propriedade deve ser interpretado levando com consideração de

que a propriedade deve exercer sempre a função social. Neste sentido, o art. 170 da

Constituição Federal de 1988, que preceitua que o exercício da atividade econômica deve ser

feito com observância ao princípio da função social da propriedade.

Como leciona José Afonso da Silva (1999, p.274), embora “prevista entre os

direitos individuais, ela (a propriedade) não mais poderá ser considerada puro direito

individual, relativizando-se o seu conceito e o seu significado” em atenção aos princípios da

ordem econômica.

A Constituição Federal deu nova dimensão ao Direito Civil, como na propriedade

privada, que hoje ganha novo conteúdo, afirmado pela função social como motor de impulsão

que além de limitar o direito de propriedade, exige uma nova compreensão conceitual da

propriedade.

A sociedade civil contemporânea, a do Direito Civil-Constitucional – nas

vinculações jurídicosociais, cujo triunfar se dá pela interpenetração do direito público e do

direito privado - inaugura uma nova forma de pensar e dialogar tais relações, ampliando e

modificando o espectro exegético do operador jurídico. Este repensar registra a alteração

substancial dos pilares do Direito Privado – a família, a propriedade, o contrato e a empresa –

de forma a concebê-los, na contemporaneidade, funcionalizados e voltados ao atendimento da

nova ordem ideológica constitucional.

Com essa nova compreensão constitucionalizada do Direito Civil, almeja-se que

todos os princípios dessa matéria estejam antenados para a legalidade Constitucional.

A empresa até então fora concebida como um ente jurídico dotado de

potencialidade para a produção e transformação de bens. Caracterizava-se pela busca de

mercados e incessante lucratividade, já que está inserida num modelo de exploração

capitalista, sem qualquer entendimento e ou comprometimento com a realidade social. A

empresa era, portanto, uma atividade eminentemente econômica.

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130

A atividade empresarial, igualmente, deve redefinir todos os seus conceitos e

modificar a interpretação dos elementos que a compõem. Essa redefinição, sem dúvida se

apresenta na nova sistemática de recuperação de empresas.

Quer dizer, ao invés de ser entendida como meio de acúmulo de valores para o

capitalista, a empresa deve ser observada como um sistema pelo qual se expressa a atividade

humana no campo econômico, com objetivos múltiplos de realização pessoal do empresário e

de todos que com ela colabora, assim, e notadamente, a sociedade civil na qual está inserida.

Nesse contexto, a empresa – concebida antes de tudo como um poder – deve

ampliar suas responsabilidades sociais, redefinir seu papel e missão na sociedade, ou seja,

deve o empreendimento possuir uma função social. A empresa, para sua própria subsistência,

precisa realizar atividades distintas daquelas que até pouco tempo eram consideradas

suficientes para sua manutenção, ou seja, as diretamente ligadas à produção de riquezas e

obtenção do lucro.

A função social de empresa é abraçada ampliando-se o conceito constitucional da

propriedade, na forma explicada por Fábio konder Comparato (1990, p.3).

O art. 170 da Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a função social da

propriedade como um dos princípios de ordem econômica, refere-se também a propriedade

dos bens de produção imputados à empresa. Assim, importante colacionar o posicionamento

do Ministro Eros Grau42 (apud LOPES, 2008, p.52), acerca da função social da propriedade:

ganha substancialidade precisamente quando aplicado á propriedade de bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre o qual em maior intensidade refletem os efeitos do princípio, é justamente a propriedade, dinâmica dos bens de produção. Na verdade, ao nos referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir a função social da empresa.

A consagração normativa da função social dos institutos jurídicos como a empresa

são sintomáticos no processo de evolução social. É, portanto, fundamental uma evolução da

sociedade. Neste sentido, o posicionamento de Modesto Carvalhosa (1977, p.237) ensina que:

Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais. Considerando-se (sic) principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados [...] a segunda volta-se ao interesse dos consumidores [...] a terceira volta-se ao interesse dos concorrentes [...]. E ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação ecológica urbano e ambiental da comunidade em que a empresa atua.

42 GRAU, Eros Roberto. Elementos do direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p.128.

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131

A tendência constitucional é, sem dúvida, pela função social dos institutos

jurídicos, do que se precisa incluir a empresa como operadora de um mercado socialmente

socializado (COMPARATO, 1986, p.76). A atividade empresarial passa a ser vista como o

sustentáculo de uma função, a social.

A função social da empresa assegura a função social dos bens de produção, o

poder-dever do proprietário de dar uma destinação compatível com o interesse da

coletividade. Entretanto, a função social não significa uma condição limitativa para o

exercício da atividade empresarial; visa proteger a empresa contra a verocidade

patrimonialista do mercado.

Nesse contexto, a função social da empresa deve ser entendida como o respeito

aos direitos e interesses dos que se situam em torno das empresas. Conclama-se, pois, a

inevitável atribuição à empresa de uma função social sob o aspecto funcional, buscando a

proteção da empresa contra a voracidade patrimonialista do mercado.

No entanto, a função social não pode ser encarada como algo exterior à

propriedade, mas sim, como elemento integrante de sua própria estrutura. Fala-se não mais

em atividade limitativa, mas sim conformativa do legislador. Abrange todos os bens de

natureza patrimonial, inclusive os de consumo e pessoais.

Nesse sentido, não se pode, hoje, deixar de impor limites à empresa, conforme

valores sociais e interesses que ultrapassam os interesses de lucros dos empresários.

O poder de controle empresarial e o poder de controle do Estado devem ser

dosados na abrangência do conceito constitucional de propriedade empresarial.

Na verdade, a função social da empresa dará maior ênfase à sua própria

sobrevivência, mas não se esquecerá do lucro, porque uma posição não exclui a outra. O lucro

é importante, mas a sobrevivência do social da empresa é mais importante.

Falar de função social da empresa é falar de reservas. O interesse social não

significa o interesse da maioria, mas da própria empresa, órgão estabilizador de emprego e de

circulação de bens e serviços. Ademais, uma empresa geradora de riqueza e de emprego deve

atende à sua função social, acima de distribuir dividendo para os acionistas.

O princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário, ou quem

detenha o controle da empresa, o dever de exercê-lo em benefício de outrem, e não apenas de

não o exercer em prejuízo deste. A função social da empresa impõe um comportamento

positivo, dos interesses privados frente aos interesses coletivos.

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132

Em suma, à propriedade produtiva, como a empresa, tem sido reconhecida uma

função social, o capital e o trabalho têm que se completar e não gerar conflito, além do mais, a

propriedade dotada de função social é justificada pelos seus fins, seus serviços, sua função.

Observando a evolução do direito empresarial, mais especificamente no tocante ao

direito concursal, verifica-se que a atual legislação falimentar coloca em primeiro plano o

interesse que a coletividade tem na continuação da exploração empresarial de forma eficiente,

visto que, assim poderá ser efetivado o objetivo direto de todos: credores, empresário e os

interesses do próprio Estado, enquanto arrecadador de tributos, que com a preservação da

empresa continuarão sendo gerados, evitando-se assim perda dos tributos pretéritos, que com

o fechamento da empresa não poderiam ser liquidados.

Há, portanto, um nítido interesse coletivo na preservação da empresa, que, se

exercida de forma eficiente, cumpre sua função social, vista que voltada à efetiva consecução

dos fundamentos, fins e valores da ordem econômica consagrados na constituição.

Neste sentido Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.53), ressalta que

O desenvolvimento econômico de uma nação tem estreita relação com o exercício da atividade empresarial, visto que as organizações são responsáveis não somente pela promoção da circulação de bens e serviços no mercado, mas também exercem uma função preponderante na alocação de recursos humanos para consecução de suas finalidades.

A grande empresa, como organização econômica, transcende a própria pessoa do

empresário, de modo a impor-se a ordenação de suas relações com a sociedade e das relações

que no seu interior, entre investidores, empresários e trabalhadores são travadas. O poder de

controle sobre os bens de produção não pertence ao capitalismo e sim ao empresário.

Desta feita, na visão de Bráulio Lisboa Lopes (2008, p.55), a preservação da

empresa não se confunde com a preservação do empresário, conforme ensinamentos de Élcio

Perin Júnior (2006, p.56), para quem na sistemática atual a empresa “é mais social do que

privada”. Assim, impõe-se a preservação da unidade produtiva e dos ativos da empresa,

objetivando a preservação dos interesses sociais em benefício da coletividade. Impondo-se

dessa forma dissociar o empresário da empresa, afastando-se a figura do mau empresário, que

não soube gerir os fatores de produção de forma eficiente, para entregar os ativos da empresa

a um terceiro que possa fazê-lo. Neste sentido Rachel Sztajin (2004, p.22), ensina que

somente a empresa economicamente eficiente pode cumprir com a sua função social.

Neste sentido, a Lei 11.101/05 - com todos os aspectos da recuperação

extrajudicial e judicial - através de todos os meios de recuperação de empresas, encontra-se

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133

em consonância com o objetivo da função social proposta no art. 47, de modo a preservar a

empresa economicamente viável através da realização de seus ativos, com todos os aspectos

estudados.

Estado e empresa devem trabalhar juntos para a concretização dos interesses

sociais, para que assim possa ser viabilizada a função social da empresa.

A idéia de preservação da empresa e o reconhecimento da importância de sua

função social estão presentes de forma expressa na nova legislação, substituindo o objetivo

único de satisfação dos credores, tema central da norma revogada.

Sem dúvida, houve um avanço no que se refere aos meios de alienação dos ativos,

de forma expressa, a materializar-se o processo de recuperação de empresas e a conseqüente

viabilização da preservação da empresa.

Nossos tribunais superiores reafirmaram por diversas vezes, firmando

jurisprudência, no sentido da preservação da empresa nas demandas fiscais e tributárias,

consubstanciada no STF pelas Súmulas 70, 323 e 547. Cabe, portanto, aos operadores do

direito tributário, aprofundarem a concretização material deste princípio que possui força

normativa vinculante e imediata em nosso direito, na defesa das empresas contribuintes,

mesmo na esfera administrativa, inclusive através de medidas judiciais preventivas.

9.3 Parecer da PGFN no Caso Varig

Para visualização dos efeitos e da aplicação da exclusão da sucessão tributária na

alienação de filiais ou unidades produtivas isoladas através de sucessão empresarial dentro do

processo de recuperação de empresas, tem-se o clássico e conflituoso caso Varig, ao qual não

se adentrará a detalhes, figurando apenas como efeito exemplificativo do tema ora tratado.

Demonstra forma clara de viabilização de empresa através da alienação dos

ativos, de modo a operacionalizar a função social enquanto princípio de preservação da

empresa.

A Varig estava em recuperação judicial desde junho do ano de 2005. Ela foi a

primeira grande empresa do país a se beneficiar do processo de recuperação judicial de

empresas, já que a Nova Lei de Falências – 11.101/05 - foi aprovada no dia 9 de junho de

2005.

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134

A avaliação de especialistas é que a Varig não serviu como parâmetro de eficácia

da nova Lei de Falências. "A complexidade do caso, o tamanho da empresa, o tempo que se

levou para buscar uma alternativa e o número de envolvidos fazem com que ela seja um caso

de exceção em qualquer lei". (ASTRAUSKAS 43 apud LAGE, 2006).

O plano apresentado permitiu a possibilidade da participação ativa dos credores

no procedimento de recuperação da empresa, permitindo a venda parcial do estabelecimento

comercial: Sendo a Varig dividida em Varig doméstica e Varig internacional. Assim, a

empresa aérea poderia ser vendida integralmente - operação nacional e internacional,

denominada Varig Operações - ou separada - somente operações domésticas, chamada de

Varig Regional.

O destino da companhia ficou nas mãos do judiciário, que dentre os inúmeros

processos existentes, os 2005.001.072887-7, de recuperação judicial da companhia aérea que

ainda tramita na 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, sendo o Juiz responsável, Luiz

Roberto Ayoub. O qual não será objeto desse estudo.

Nestes termos, em data de 07 de junho de 2006, a Procuradoria Geral da Fazenda

Nacional, (PGFN), a poucas horas do leilão da Varig, emitiu um parecer a respeito da

sucessão das dívidas fiscais, descartando a sucessão tributária para a empresa que vencesse a

disputa, ou seja, quem ganhasse não teria que assumir as dívidas acumuladas pela Varig,

principalmente com o INSS e com a Receita Federal, não apresentando uma conclusão sobre a

herança do passivo trabalhista, que não é alçada da PGFN.

E, neste sentido, e para surpresa de muitos, em seu parecer, o Procurador - Geral

da Fazenda Nacional, Luis Inácio Lucena Adams disse que: "o objeto da alienação estará livre

de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive

as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes

de trabalho” (RITTNER, 2006).

Vejamos alguns trechos do referido documento (ANEXO A):

DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. VARIG. ALIENAÇÃO JUDICIAL DE UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA. INOCORRÊNCIA. 1. A teor do artigo 60 da LRJ e do artigo 133, §1º, II, do CTN, a alienação de unidade produtiva isolada não enseja sucessão tributária, observados os requisitos e proscrições legais. 2. Trespasse parcial de estabelecimento empresarial e alienação de Unidade Produtiva Isolada. Sinomínia. 3. Alienação de Unidade Produtiva Isolada e Cisão. Universalidade de fato e de direito. Distinção Conseqüências.

43 Fábio Bartolozzi Astrauskas, sócio da consultoria Siegen, especializada em recuperação judicial.

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135

[...] No que concerne o objeto do presente, cai a lanço o art.40 do PRJ: 40. O arrematante da unidade operacional não será sucessor em nenhum passivo da Varig, com exceção dos transportes a executar [...]. (grifos nossos)

A não sucessão foi, sem dúvida, providência dada em consonância com a lei, afim

de operacionalização dos ativos da empresa em dificuldade, a fim de atender os objetivos

expressos no já citado art.47 e 75 da Lei 11.101/05.

O referido documento encontra-se na íntegra anexado, para melhor verificação

dos fins que o justificaram.

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136

10 CONCLUSÃO

Na sociedade contemporânea, o Estado exerce relevante importância no âmbito

social, econômico e jurídico, tendo como uma de suas principais tarefas a coordenação desses

fenômenos, de forma a permitir o correto funcionamento dos mercados, livrando-se de falhas

e proporcionado segurança jurídica aos investidores, bem como o desenvolvimento

econômico e social.

Surge, então, a necessidade de se repensar a empresa de modo a empreendê-la

socialmente. De modo que a empresa deixa de ser vista somente sob a ótica do direito

privado, internalizado, mas do direito privado – constitucionalizado, externalizado

efetivamente dentro dos anseios sociais.

O Direito de Empresa passa por um processo de externalização de modo a tentar

resolver os problemas da empresa, do empresário e principalmente os reflexos desses

problemas no meio social.

Com este fito, surge a Lei 11.101/05 que contém normas que objetivam a proteção

dos credores e propiciam a recuperação da empresa economicamente viável. Os credores têm

sua participação ampliada em relação à legislação revogada, o que possibilita que eles

determinem, ou, ao menos, tenham a fiscalização sobre os rumos que o processo de falência

ou recuperação de empresas deverá tomar.

Revela-se neste ínterim a importância do estudo interdisciplinar entre ciência

econômica e ciência jurídica, para a demonstração da eficiência de um sistema concursal, haja

vista o avanço da sociedade e dos mercados, possibilitando uma

A atual lei de falências e recuperação judicial e extrajudicial vem proceder a

substituição da Concordata preventiva e suspensiva pela Recuperação Judicial e Extrajudicial,

com conseqüente alteração da denominação síndico para administrador judicial; contudo, as

alterações não são apenas nominativas. A concordata revelou-se a como ineficiente44 como

solução viável para possibilitar ao empresário a recuperação de sua atividade econômica,

entre outras coisas, por não assegurar ao devedor recursos financeiros fundamentais para a

preservação da empresa, ao passo que a Lei atual, tendo como ideal de viabilizar a superação

da situação de crise econômico-financeira do devedor, vem permitir a manutenção da fonte

44 Neste sentido, os processos da Justiça Federal de Minas Gerais: 94.00.04059-8; 96.00.03025-1; 96.00.01924-

0; 96.00.11721-7; que versam sobre a decretação de falência sob a égide da antiga lei, envolvendo tributos federais. Disponível em: <http://www.trf1.gov.br/Processos/Jurisprudenciaoracle/default.htm>. Acesso em: 18 out. 2008.

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137

produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a

preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Contudo, insta salientar que a proteção dos credores não é o único objetivo da

nova lei, vez que, a sua principal função é viabilização da recuperação da empresa, enquanto

fonte produtiva, preservando-a, através da realização de seu ativo.

Nestes termos, indubitavelmente o Estado auferirá inúmeros ganhos com a

vigência da nova sistemática concursal, visto que, ao assegurar a recuperação de empresas,

através dos trâmites da nova sistemática legal, estará fomentando a circulação de riquezas e

concomitantemente a arrecadação de tributos.

Assim, diferentemente da concordata, a recuperação judicial visa a otimização dos

resultados, realizando um papel importante para a preservação da empresa, sendo que a

melhor decisão para a coletividade necessitará da cooperação de todos os envolvidos no

processo, evitando assim que os interesses pessoais de uma minoria sobreponham-se aos

interesses coletivos.

Importante assunto trazido à análise fora a questão que cerca os requisitos

necessários à recuperação judicial, dentre elas a necessidade de certidão de quitação de

tributos, prevista no art. 191-A do Código Tributário Nacional, na redação da Lei

Complementar 118/05, que veio agregar funcionalidade aos dispositivos do Código Tributário

Nacional.

Sem dúvidas a previsão e conseqüente exigência de certidão de quitação de

tributos dificultam de sobremaneira a adoção da recuperação judicial, mostrando-se tal

dispositivo completamente antagônico, e, portanto, contrário aos objetivos da atual lei de

falência e recuperação de empresas, qual seja, a viabilização da superação da crise

econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do

emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo assim, a preservação

Nestes termos, a previsão e conseqüente exigência de certidão de quitação de

tributos, fere princípio da racionalidade da norma, vez que, não se pode deixar de considerar

que, além de constitucionais, os preceitos normativos devem ser dotados de racionalidade, de

forma que seus objetivos coadunem-se não só com a Constituição, mas também com o

sistema legislativo como um todo. Não há dúvida que preceito elencado no art. 191-A do

Código Tributário Nacional veio ao mundo jurídico desprovido de racionalidade e, portanto,

proporcionalidade.E porque não dizer inconstitucionalidade, quando a Constituição Federal

assegura a liberdade de exercício da atividade econômica, assegurando a todos o exercício de

qualquer atividade econômica, independente de autorização de Órgãos Públicos conforme se

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138

observa o preceito contido em seu art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988

? Repita-se: a garantia instituída no referido dispositivo não está condicionada ao pagamento

de tributo, pois não existe na Constituição norma que imponha tal condição.

Interessante a constatação de que, entre os credores do devedor em recuperação

judicial, o Estado, detentor do crédito tributário, é quem tem maior interesse em viabilizar a

recuperação da empresa, preservando a sua unidade produtiva, de maneira que possa alcançar

a sua função social. Neste contexto, insere norma no ordenamento jurídico que, sem dúvida

alguma dificulta esta recuperação, dificultando em cadeia, o recebimento dos tributos, haja

vista a ausência de circulação de riquezas.

O art. 191–A do Código Tributário Nacional deve ser interpretado de maneira a

não constituir um óbice ao exercício da recuperação judicial, sendo a melhor forma de

viabilização dos objetivos da recuperação judicial do devedor em dívida com a Fazenda

Pública, o deferimento de parcelamento dos créditos tributários, que poderá ser efetuado em

84 meses para o devedor microempresário ou empresário de pequeno porte, e quanto aos

demais credores, o prazo será de 72 meses.

Também dentro dessa nova seara constitucionalizada do direito privado, e da nova

estruturação do direito empresarial, revela-se de grande relevância as questões referentes ao

estabelecimento empresarial, dentre tantas, o trespasse, marco sobre o qual desenvolveu-se o

presente estudo, e de caráter importantíssimo no atual cenário de recuperação de empresas, o

que resta demonstrado pelo interesse constante do empresário em negociar o estabelecimento

cada vez mais (FERNANDES, 2007, p.98).

O estabelecimento é definido como uma universalidade de fato, compreendida

pelo complexo de bens organizados para o exercício da empresa, por empresário ou sociedade

empresária; e com estes guarda estreita e necessária ligação.

Com efeito, os bens de que se fala no art.1142 do Código Civil não compreendem

as relações obrigacionais desconexos da atividade empresarial, visto que, o atributo de caráter

pessoal dos contratos, créditos e débitos firmados e contraídos pelo empresário no exercício

da atividade empresarial, impede a transferência dos mesmos no caso de trespasse.

Na alienação desse estabelecimento que tem lugar o contrato de trespasse,

caracterizado como forma derivada de aquisição de estabelecimento empresarial pelo

adquirente. Este figura-se forma onerosa de aquisição de estabelecimento empresarial.

Pelo contrato de trespasse, o adquirente do estabelecimento reponde pelos

pagamentos dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados,

Page 141: FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Curso de Pós ...

139

continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de 1 (um) ano, a partir,

quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

O entendimento é de que o passivo não integra o estabelecimento, a regra é a de

que o adquirente não se torna sucessor (responsável) do alienante, se estas não estiverem

contabilizadas. Contudo, as dívidas fiscais e trabalhistas continuam a ser exceção à regra

geral. Assim a verificação de responsabilidade do trespassário pelas dívidas fiscais e

trabalhistas independe da verificação da escrituração.

Neste aspecto de repasse ou transferência de responsabilidades é que ganha

contorno de interesse a sucessão empresarial, que pode ou não existir no contrato de trespasse,

dependendo de seu objeto e amplitude. Vez que o trespasse figura-se como modo de sucessão

singular; espécie do gênero sucessão que poderá de apresentar de modo universal ou singular.

Também apresenta-se como forma de sucessão empresarial, as modalidades de

Reorganização Estrutural-Societária, contudo, não há como confundi-las como o contrato de

trespasse , visto que no que se refere à incorporação e a fusão, percebe-se quanto aos efeitos

obrigacionais, neste último, a sucessão - no que tange contratos, créditos e débitos - será

singular e não universal como verificado na incorporação e na fusão. Quanto à transformação

apenas altera-se o tipo societário, enquanto que no trespasse há o repasse do estabelecimento.

Já no que se refere à cisão, como analisando, é possível identificar alguns pontos

de interseção entre ela e o trespasse do estabelecimento empresarial, visto que ambos os

contratos são meios pelos quais, acolhe-se a transferências de riquezas, como forma de

preservação e, portanto, continuidade da atividade empresarial.

Contudo, não guardam relação de sinonímia ou até mesmo fungibilidade. Na cisão

há corte total ou parcial, no capital social. Muito diferente do que ocorre na alienação do

estabelecimento empresarial através do trespasse, onde o que cedido não é a sociedade ou o

capital social, em todo ou em parte, mas o estabelecimento empresarial. Apresenta-se a cisão

como um contrato formal, diferentemente do trespasse empresarial. De outro giro, no

trespasse, a sociedade trespassária assume apenas as dívidas regularmente contabilizadas,

enquanto na cisão isto é diferente, valendo o disposto no art. 233 da Lei 6.404/76.

Ademais, no que tange aos sujeitos da operação, na cisão parcial, os sujeitos, ou

aqueles a que o produto aproveita, são os sócios ou acionistas da sociedade cindida, que

conforme visto, recebem cotas ou ações da nova sociedade, a pré-existente, constituindo-se

desta forma um contrato de permuta, onde trocam-se as cotas ou ações antigas, por cotas ou

ações novas – da nova sociedade. Os sujeitos não são os mesmos. Ademais, a sociedade

cindida nada recebe pela versão de parte do seu patrimônio, são os seus sócios ou acionistas

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140

que recebem – por isto dizer-se reorganização societária. Já no trespasse, a sociedade

alienante é o sujeito ativo da transação. Seus sócios ou acionistas dela não participam. De

modo que a sociedade é quem recebe pela alienação do estabelecimento, que se dá inconteste

de modo oneroso.

Analisadas as formas de sucessão empresariais, dentre elas evidenciadas a cisão,

fusão e o trespasse empresarial, imprescindíveis à análise conclusiva sobre os aspectos

tributários incidentes sobre estas formas, levando-se em consideração a manutenção ou

transferência das obrigações tributárias para as empresas sucedidas e sucessoras que estejam

em processo de recuperação judicial.

A relação tributária surge a partir da ocorrência de um fato previsto em uma

norma como capaz de produzir efeitos. Antes do lançamento a obrigação tributária tem

natureza ilíquida, daí dizer que o crédito tributário converte essa obrigação ilíquida em certa,

exigível na data ou no prazo da lei.

Nestes termos, não existe crédito tributário sem que haja obrigação tributária

anterior. O crédito tributário é munido de privilégio, uma modalidade clara de garantia. A

cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita ao concurso de credores ou habilitação em

falência, recuperação judicial. No mais, todos os bens e rendas de qualquer origem ou

natureza do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida respondem pelo crédito tributário.

Somente prevalece contra o crédito tributário a impenhorabilidade absoluta decorrente de lei.

No que se refere à responsabilidade tributária por sucessão, tem-se que a

responsabilidade dos sucessores, è forma de sujeição passiva indireta por transferência

porque a obrigação tributária nasce em relação à pessoa do contribuinte, mas em razão dos

eventos previstos nos arts. 130 a 133 do CTN, ocorridos após o fato gerador, transfere-se para

as pessoas dos terceiros referidos nos mesmos dispositivos.

O art. 132 do CTN dispõe sobre a sucessão tributária de pessoas jurídicas de

direito privado e de empresas. O dispositivo não se refere à operação social cisão, pela

simples razão de só ter sido disciplinada posteriormente ao advento do CTN, através da Lei

6.404/76, em seus artigos 229 e 233. Todavia, as regras por ele mencionadas

indubitavelmente também de aplicarão às modalidades de reorganização societária, fusão,

incorporação e cisão de sociedades anôminas e sociedades em comandita por ações.

A legislação falimentar anterior previa sucessão tributária e havia a

responsabilidade por sucessão na aquisição de bens do adquirente, inclusive no processo de

falência e de concordata. A responsabilidade tributária por sucessão empresarial não evitava

que a existência de passivos embaraçasse a realização do ativo e a conseqüente satisfação dos

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141

interesses dos credores e da própria sociedade empresária, enquanto a manutenção de suas o

atividades, para fins da preservação da empresa, o que sem dúvidas impedia que fosse

conduzido a bom termo o processo falimentar, ante o desinteresse dos empresários na

aquisição da empresa em dificuldade, visto a superação do passivo em relação ao ativo.

Em contraponto, no regime atual, estimula-se a aquisição de estabelecimentos

empresariais por outro empresário que se encontre melhor habilitado para tanto, para que seja

dada continuidade à exploração da empresa, a fim de propiciar a preservação da empresa, de

modo a efetivar a realização dos ativos empresariais. Sendo uma dessas formas de

maximização, a exclusão da sucessão tributária por sucessão empresarial no processo de

Recuperação judicial.

Nestes termos, num primeiro momento, poderiam considerar alguns que a

exclusão da sucessão tributária, representa a supressão - da nova legislação falimentar e de

recuperação de empresas - de algumas garantias da Fazenda Pública. Contudo, tal inovação

não pode ser analisada de forma isolada.

As alterações, principalmente no que se refere à não sucessão tributária nos casos

de sucessão empresarial de empresas em processo de recuperação judicial têm o objetivo de

fomentar a concessão do crédito, fator primordial para o exercício de qualquer atividade

econômica (LOPES, 2008, p. 230), o que possibilitará, sem dúvida, melhor reestruturação das

empresas.

As inovações contribuem para a arrecadação fiscal, que será tanto maior quanto

mais produtivas e eficientes forem as empresas. Portanto, a referida alteração traz benesses ao

Estado, ao contrário do que uma análise isolada e superficial da questão possa sugerir. A

exclusão da sucessão tributária traz segurança maior para o próprio Fisco, visto que na

realização de ativos, quanto maior for o valor de venda, maior será a garantia de pagamento

dos créditos tributários, ressaltando-se ainda que o crédito tributário não está sujeito à

recuperação judicial, tanto por sua natureza e privilégio, como por ausência de previsão na

Lei 11.101/05.

Os aspectos da sucessão tributária tratados neste trabalho revelam que a eficiência

de um sistema concursal tem uma relação de intimidade com os objetivos econômicos a serem

alcançados pela norma jurídica, devendo a lei que tutela a falência e a recuperação judicial e

extrajudicial de empresas influenciarem de forma positiva a sua ampliação.

Buscando-se a socialização e conseqüente adequação social dos institutos que

circundam a revitalização empresarial, é que a lei tributária deve ser aplicada de modo a

atender os interesses coletivos e não apenas os interesses dos agentes arrecadadores estatais,

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142

se pautando pela lei, lógica e adequação. Evidenciando-se que atendendo aos interesses dos

particulares, o Estado, no caso da não sucessão tributária oriunda da aquisição de ativos de

empresas em processo de recuperação judicial, estará protegendo e atendendo aos seus

próprios interesses.

A alteração do Código Tributário Nacional, efetuada pela Lei Complementar nº.

118/05, merece alguns aplausos por possibilitar a implementação de mecanismos mais

eficazes no intuito de preservar e maximizar os ativos da empresa em crise, aumentando o

interesse dos agentes econômicos pelos ativos que se encontram livres dos ônus tributários.

O instituto da negativa da sucessão tributária é de essencial importância para

tutela dos interesses dos credores e para eficiente desenvolvimento do processo de insolvência

empresarial, vez que, representa vantagens para todas as partes envolvidas, dentre elas o

próprio Estado, enquanto ente arrecadador de tributos e a empresa, ante a sua preservação no

mercado.

A exclusão, sem dúvidas, atende à operacionalização das finalidades da

recuperação, expressas no art. 47 da Lei 11.101/05, visto que a preservação da atividade se faz

através da realização do ativo, nas modalidades previstas no art.140 desta lei.

Em sede de recuperação judicial, o art. 60, parágrafo único, da Lei 11.101/05

preceitua que a alienação de filial ou unidade produtiva isolada aprovada em plano de

recuperação judicial está isenta de ônus tributário.

Neste sentido, a alienação de filial ou unidade produtiva isolada referida no artigo

60 deve ser entendida por quaisquer meios de realização de ativos que implique a sucessão

empresarial, seja ele o trespasse – oneroso - ou cisão, incorporação ou fusão, visto que não há

na lei disposição que exclua a sucessão caso o ativo seja realizado de modo diverso, à exceção

da constituição de sociedade de credores ou de empregados do devedor.

A sucessão, sem dúvida, constitui um desestímulo à adoção da reorganização

societária como meio de viabilização da recuperação judicial das empresas. Neste aspecto,

impera-se a aplicação da analogia júris, (LOPES, 2008, p.190) tomando por base a similitude

da matéria, efetuando a extensão do tratamento jurídico, visto ainda que tratam de formas de

sucessão empresarial, não cabendo ao intérprete diferenciar ou limitar, quando o legislador,

tendo podido fazê-lo, não o fez. Ademais, a limitação retira a otimização de aplicabilidade do

art. 47 da Lei falimentar e de recuperação judicial e extrajudicial de empresas.

Contudo, ressalte-se que a exclusão da sucessão tributária não se aplica à

recuperação extrajudicial, na medida em que o art. 166 e o art. 60 da Lei 11.101/05, não estão

de forma alguma interligados, somente se estivessem seria possível se falar em exclusão da

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143

sucessão tributária por sucessão empresarial também às empresas em processo de recuperação

extrajudicial.

E ainda, deve-se considerar que o legislador foi expresso, e limitativo, restringiu

exclusão da sucessão tributária por sucessão empresarial somente às empresas em processo de

recuperação judicial. Sem dúvida, se quisesse ter incluído a modalidade de recuperação

extrajudicial, o faria generalizando – recuperação em sentido amplo - ou o especificando, tal

como fez com a recuperação judicial.

No que se refere às alegações de possibilidade de uso fraudulento do instituto da

exceção à regra da sucessão tributária, as chamadas alienações simuladas, deve-se reconhecer

que o instituto da negativa da sucessão é de essencial importância para a tutela dos interesses

dos credores, de modo que, a mera probabilidade de ocorrência de um ato fraudulento não

poderá coibir a operacionalização de um instituto vital às empresas em dificuldades.

Atento para possível desvirtuamento do instituto, o legislador inseriu algumas

regras vedando a utilização da exclusão da sucessão tributária quando verificada a

interposição de terceira pessoa para concretizar o negócio jurídico, agente como agente do

falido, aproveitando-se do instituto da negativa de sucessão tributária. Além dessas hipóteses,

o legislador deixou claro que não se beneficiarão da regra os sócios da sociedade falida ou

sociedade controlada pelo falido, bem como nos casos em que o adquirente for parente em

linha reta ou colateral do sócio da sociedade falida. Tal medida, sem dúvida, é de extrema

importância para coibir a utilização indiscriminada do instituto, impedindo que o falido seja

beneficiado por uma regra instituída em prol da preservação da empresa e não dos sócios

falidos.

Ademais, deve-se considerar que, a exclusão da sucessão tributária nos casos de

sucessão de empresas não é de forma alguma um criadouro para a prática de fraudes, muito

pelo contrário, como pode ser verificado, o art. 142, § 7º prevê, dentro da Lei 11.101/05, o

único caso em que o MP será citado pessoalmente para o acompanhamento, do o processo sob

pena de nulidade, justamente para a fiscalização da legalidade do processo de recuperação

judicial a coibir as fraudes.

Por fim, cabe destacar que a Lei 11.101/05, com todos os aspectos da recuperação

extrajudicial e judicial, através de todos os meios de recuperação de empresas, encontram-se

em consonância com o fim da função social proposta no art. 47 da referida lei, de modo a

preservar a empresa economicamente viável através da realização de seus ativos, com todos

os aspectos estudados.

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144

Estado e empresa devem trabalhar juntos para a concretização dos interesses

sociais, para que assim possa ser viabilizada a função social da empresa.

Sem dúvida, houve um avanço no que se refere aos meios de alienação dos ativos,

de forma expressa, a materializar-se o processo de recuperação de empresas e a conseqüente

viabilização da preservação da empresa, sendo uma delas a exclusão da sucessão tributária na

alienação de ativos de empresas em processo de recuperação judicial.

Nossos tribunais superiores reafirmaram por diversas vezes, firmando

jurisprudência, no sentido da preservação da empresa nas demandas fiscais e tributárias,

consubstanciada no STF pelas Súmulas 70, 323 e 547.

Desta feita, reafirme-se que a preservação da empresa não se confunde com a

preservação do empresário, conforme ensinamentos de Élcio Perin Júnior (2006, p.56), para

quem na sistemática atual a empresa “é mais social do que privada”. Assim, impõe-se a

preservação da unidade produtiva e dos ativos da empresa, objetivando a preservação dos

interesses sociais em benefício da coletividade.

Por fim, impõem-se dissociar o empresário da empresa, afastando-se a figura do

mau empresário, que não soube gerir os fatores de produção de forma eficiente, para entregar

os ativos da empresa a um terceiro que possa fazê-lo. Neste sentido Rachel Sztajin (2004,

p.22), ensina que somente a empresa economicamente eficiente pode cumprir com a sua

função social, devendo o operador do direito atentar para os aspectos econômicos e tributários

que norteiam sua aplicação, pois, caso assim não proceda, os objetivos no novo instituto não

poderão ser alcançados.

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REFERÊNCIAS

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ANEXO A - Parecer PGA/PGFN

MINISTÉRIO DA FAZENDA

PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

PARECER PGA/PGFN N°. /2006

DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. VARIG. ALIENAÇÃO JUDICIAL DE UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA. INOCORRÊNCIA. 1. A teor do artigo 60 da LRJ e do artigo 133, § 1°, II, do CTN, a alienação de unidade produtiva isolada não enseja sucessão tributária, observados os requisitos e as proscrições legais. 2. Trespasse parcial de estabelecimento empresarial e alienação de Unidade Produtiva Isolada. Sinonímia 3. Alienação de Unidade Produtiva Isolada e Cisão. Universalidade de fato e de direito. Distinção. Conseqüências.

1. Introdução

Honra-nos o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da Fazenda Nacional com consulta a respeito das conseqüências jurídico-tributárias da alienação judicial a ser efetivada no bojo dos autos n° 2005.001.072887-7, em trâmites perante o Juízo da 8a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, correspondentes ao procedimento de recuperação judicial das sociedades empresárias VARIG S/A - Viação Aérea Riograndense (VARIG); Rio Sul Linha Aéreas S/A (Rio Sul) e Nordeste Linhas Aéreas S/A (Nordeste), doravante referidas simplesmente como VARIG.

O presente Parecer cingir-se-á à análise da sucessão tributária no âmbito da operação constante do Plano de Recuperação Consolidado (PRJ), conforme consolidação efetivada aos 08 de maio de 2006, cujo inteiro teor passa a fazer parte integrante do presente.

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MINISTÉRIO DA FAZENDA

PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

A alienação judicial a ser levada a efeito vem causando encapeladas dúvidas a respeito de sua legalidade, sobretudo à luz de sua modelagem vis a vis a tessitura normativa tributária, mais especificamente no que concerne a eventual sucessão dos débitos tributários da VARIG pela adquirente, o que se procurará aclarar no presente.

Conforme estipula o indigitado PRJ, o grupo VARIG alienará o que chama de "Unidade Operacional" (complexo de bens e direitos integrado por um conjunto de operações da malha da VARIG, aí incluídas as rotas, HOTRANS, arrendamentos e todos os direitos inerentes a tais operações), sob duas diferentes roupagens, quais sejam:

a) unidade que compreenda toda a malha de serviços VARIG (doméstica e internacional), a marca VARIG, o "Programa Smiles", sua marca e suas receitas, todas as receitas de serviços relacionadas às operações de transporte aéreo, propriedade ou direitos sobre as instalações, equipamentos de ferramental de manutenção, treinamento, instalações e (ou) direitos de uso sobre instalações operacionais (balcões de atendimento, escritórios, hangares, salas de aula, edifícios e outros, excluídos aqueles expressamente destinados à dação em pagamento prevista no item "12 b) ii" do PRJ) e todos os equipamentos, programas, manuais, documentos, sistemas de reserva, bases de dados, sistemas diversos, arquivos e demais itens pertinentes à operação, inclusive Certificado de Homologação de Empresa de Transporte Aéreo e HOTRANS ("UNIDADE OPERACIONAL INTEGRAL");

b) conjunto de bens e direitos que compõe a malha doméstica da VARIG, ("UNIDADE OPERACIONAL DOMÉSTICA")

Para os fins da alínea "b" (alienação da Unidade Operacional Doméstica), previu o PRJ a segregação das operações da VARIG em duas empresas, quais sejam a VARIG INTERNACIONAL e a VARIG DOMÉSTICA, a esta incumbindo a operação da malha doméstica e a propriedade de parte da frota de "Narrow Bodies" existente na frota atual da VARIG, mediante a necessária e prévia assinatura de Acordo Operacional.

Em qualquer hipótese, determinou o PRJ que serão obrigatoriamente mantidos na VARIG ativos e meios operacionais suficientes para, em conjunto com o valor mínimo em moeda corrente nacional estipulado para a alienação

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MINISTÉRIO DA FAZENDA

PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

judicial, proporcionar meios para o integral pagamento dos credores, de acordo com os vencimentos pactuados.

No que concerne ao objeto do presente, cai a lanço o item 40 do PRJ, ipsissima verba:

"40. O arrematante da UNIDADE OPERACIONAL não será sucessor em nenhum passivo da VARIG, com exceção dos transportes a executar. No caso da UNIDADE OPERACIONAL DOMÉSTICA, a VARIG reembolsará o arrematante, de acordo com critérios definidos no ACORDO OPERACIONAL, o passivo referente aos transportes a executar da operação doméstica, na medida em que se realizar. "

À luz de tais informações é que deve ser aferida a imunidade das operações acima aludidas à sucessão tributária.

2. Fundamentação.

O artigo 47 da Lei nº 11.10 1, de 9 de fevereiro de 2005 traz verdadeiro vetor exegético das normas contidas no Estatuto da Recuperação, ao dispor que a "recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do

emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a

preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. "

Ergo, os dispositivos legais que disciplinam a recuperação empresarial devem ser lidos e entendidos sob essa ótica, interpretando-se sob o seu influxo normativo os instrumentos postos à disposição dos órgãos de recuperação.

A Lei n° 11.101/2005 dispõe sobre a chamada alienação de unidades produtivas isoladas nos artigos 60, 141 e 142, verbis:

"Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 10 do art. 141 desta Lei."

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Art. 141 .................................................

I - ................................................... ;

II - o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

§ 10 O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:

I-sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;

II - parente, em linha reta ou colatera1 até o 40 (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou

III - identificado corno agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.

§ 2º ..............................................."

"Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em urna das seguintes modalidades:

I -leilão, por lances orais;

II - propostas fechadas;

III - pregão.

§ 1º A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata este artigo será antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação, com 15 (quinze) dias de antecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresa ou de bens imóveis, facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amplo conhecimento da venda.

§ 2º A alienação dar-se-á pelo maior valor oferecido, ainda que seja inferior ao valor de avaliação.

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MINISTÉRIO DA FAZENDA

PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

§ 3º No leilão por lances orais, aplicam-se, no que couber, as regras da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil.

§ 4º A alienação por propostas fechadas ocorrerá mediante a entrega, em cartório e sob recibo, de envelopes lacrados, a serem abertos pelo juiz, no dia, hora e local designados no edital, lavrando o escrivão o auto respectivo, assinado pelos presentes, e juntando as propostas aos autos da falência.

§ 5º A venda por pregão constitui modalidade híbrida das anteriores, comportando 2 (duas) fases:

I - recebimento de propostas, na forma do § 30 deste artigo;

II - leilão por lances orais, de que participarão somente aqueles que apresentarem propostas não inferiores a 90% (noventa por cento) da maior proposta ofertada, na forma do § 20 deste artigo.

§ 6º A venda por pregão respeitará as seguintes regras:

I - recebidas e abertas as propostas na forma do § 50 deste artigo, o juiz ordenará a notificação dos ofertantes, cujas propostas atendam ao requisito de seu inciso II, para comparecer ao leilão;

II - o valor de abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertante presente, considerando-se esse valor como lance, ao qual ele fica obrigado;

III - caso não compareça ao leilão o ofertante da maior proposta e não seja dado lance igualou superior ao valor por ele ofertado, fica obrigado a prestar a diferença verificada, constituindo a respectiva certidão do juízo título executivo para a cobrança dos valores pelo administrador judicial.

§ 7º Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público será intimado pessoalmente, sob pena de nulidade.

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MINISTÉRIO DA FAZENDA

PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

Também é de 9 de fevereiro de 2005 a Lei Complementar n° 118, que introduziu importantes alterações no Código Tributário Nacional, notadamente no artigo 133, litteris:

"Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I-integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:

I - em processo de falência;

II - de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.

§ 2º Não se aplica o disposto no § 10 deste artigo quando o adquirente for:

I-sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;

II - parente, em linha reta ou colateral até o 40 (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios;

III - identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

§ 3º ......................................"

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Do arcabouço legislativo acima transcrito é possível inferir os requisitos para que a alienação de estabelecimento empresarial, ou de parcela deste, não dê azo à sucessão tributária:

a) que se trate de alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas;

b) que tal forma de alienação tenha sido aprovada no Plano de Recuperação Judicial;

c) que a alienação se dê em sede de procedimento licitatório, sob a presidência da autoridade judicial;

d) que não seja o adquirente sócio da sociedade em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor em recuperação judicial; parente, em linha reta ou colateral até o 4° (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou identificado como agente do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

Presentes os requisitos, e ausentes as causas proibitivas (só passíveis de serem aferi das ex post), a alienação judicial não ensejará sucessão tributária.

Repontando-se para a espécie em tablado, é de ver que a VARIG, em seu PRJ, pretende alienar o que epitetou de "Unidade Operacional", sob a modalidade "Integral" ou sob a modalidade "Doméstica", reservando-se, em qualquer hipótese, ativos e meios operacionais suficientes para, em conjunto com o valor mínimo em moeda corrente nacional estipulado para a alienação judicial, proporcionar meios para o integral pagamento dos créditos de acordo com os vencimentos pactuados.

O ínclito prof. paulista EDUARDO DOMIGOS BOTT ALLO, em precioso escólio1, procurou gizar o que se deve entender por "Unidade Produtiva Isolada", conceito que o legislador, em má hora, optou por não consignar na LRF:

"Quer-nos parecer que a expressão "unidade produtiva isolada"

(§1 ~ 11) associa-se, em seu significado, ao conceito de estabelecimento de que tratam os

artigos 1.142 e 1.143, do Código Civil, ou seja "complexo de bens organizado para o exercício

da empresa ", capaz de "ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou

constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.

Portanto, a consideração sistemática dos preceitos do Código

Civil e da NLF autoriza-nos a entender por "unidade produtiva isolada" o estabelecimento apto

a possibilitar, de per si, o desempenho de atividades econômicas, embora não se trate de

pessoa jurídica, ou de filial de pessoa jurídica, formalmente constituídas." ______________________________ 1 Reflexos Tributários da Nova Lei de Falências. In: Revista do Advogado, v. 25, n. 83, p. 30-34

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A modelagem conferida à alienação da Unidade Operacional no PRJ da VARIG se enquadra à perfeição no conceito de trespasse de estabelecimento empresarial, variando tão-somente a extensão, qualidade e quantidade dos bens e direitos a serem transferidos, de acordo com a modalidade eleita pelo licitante.

Se assim é, pode-se afirmar que, em sendo a alienação efetivada em sede judicial de acordo com Plano de Recuperação Judicial adrede aprovado, não há se falar, a priori, em sucessão tributária, a não ser que reste caraceterizada alguma das hipóteses estabeleci das na lei como indiciárias de proceder fraudulento.

Poder-se-ia obtemperar que a operação pretendida se aproxima da cisão, tal como plasmada no artigo 229 da Lei nº 6.404/76, fazendo incidir o guante normativo do artigo 132 do Código Tributário Nacional, o que, todavia, não se dá.

É que na cisão ocorre a versão de parcelas do patrimônio da cindida, entendendo-se por patrimônio complexo de relações ativas e passivas de que é titular pessoa natural ou jurídica (universitas iuris).

Neste eito, pontifica CARVALHOSA2:

"A parcela do patrimônio atribuída a sociedades novas ou

existentes dá-se a título universal, ainda que avaliada pelo seu valor líquido, para efeito de

subscrição do capital nestas. Serão assim transferidos valores ativos e passivos, ou seja,

ocorrerá uma transmissão conjunta de ativos e passivos. "

Roborando essa preciosa achega, vem a talho o artigo 224, inciso lI, da LSA3.

Outra é a hipótese de trespasse de estabelecimento empresarial, por isso que este se enquadra no conceito de universalidade de fato, entendida como ''pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária ", podendo, assim, os bens que formam essa universalidade ser objeto de relações jurídicas próprias (Código Civil, artigo 90).4

______________________________ 2 Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 4, 1. 1, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 293 3 Art. 224. As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá: .......................................... II - os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão; .............................." 4 No sentido do texto: ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial, p. 313; FERRI, Giuseppe. Manaule di diritto commerciale, 165; NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, v. I, p. 71; CAMPINHO, Sérgio. ° direito de empresa, p. 321; CARV ALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil, v. 13, p. 631; BORGES, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, v. 1, p. 204; BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial, p. 89; VIV ANTE, Césare. Trattato di diritto commerciale, v. 3, p. 5; MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2001, v. 15, p. 431-432; FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1962, v. 6 , p. 51.

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Firma-se, assim, o entendimento segundo o qual a transmissão dos bens integrantes de uma unidade produtiva isolada dá-se a título singular, ainda que os bens que a componham se encontrem episódica ou permanentemente reunidos por destinação do seu proprietário, distinguindo-se, destarte, o trespasse de estabelecimento da cisão societária, que importa, sempre, em transferência de patrimônio (universalidade de direito).

Em nada altera esse aviso a incidência do artigo 1.146 do Código Reale, segundo o qual "o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados,

continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir,

quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento",

ou mesmo o artigo 133 do Código Tributário Naciona15,

A uma, porque o artigo 1.146 do Código Civil existe justamente para impor a sucessão nas hipóteses que assinala. À sua falta não se poderia falar em sucessão, mesmo porque a lei não contém palavras inúteis.

A duas, porque o Código Tributário Nacional dispôs no artigo 132 sobre as operações previstas na legislação societária (fusão, transformação ou incorporação), optando por cuidar em dispositivo apartado sobre a questão do trespasse do estabelecimento, evidenciando, assim, a diferença de tratamento.

N em se diga que a omissão foi proposital, de molde a abarcar o artigo 133 o instituto da cisão. É que a cisão, enquanto modalidade de operação societária, só veio a lume com o advento da Lei n° 6.404/76, daí porque imprevista pelo codificador tributário.

A título de reforço de argumentação, insta anotar que o artigo 132 do Código Tributário Nacional, ao empregar a oração "a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra"

demanda, para que reste caracterizada a sucessão, a formação de nova sociedade, o que se mostra infenso à figura da alienação judicial, que pressupõe adquirente já existente à época da transmissão onerosa do ativo, jamais pessoa jurídica in fieri.

Lado outro, havendo versão patrimonial para sociedade já existente, o direito do credor tributário encontra resguardo nos dispositivos legais da própria legislação societária pertinentes, notadamente no artigo 229, §3°, que determina a

______________________________ 5 “Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariam ente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão."

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obediência aos ditames sobre a incorporação, cuja normatização tributária encontra-se já estabelecida, de lege lata, no aludido artigo 132 do códice tributário.

Mantém-se, assim, a inteireza e coerência do sistema, que é necessariamente harmônico.

3. Conclusão

Nessa ordem de considerações, as modalidades de alienação contempladas no Plano de Recuperação Judicial da VARIG S.A., tal como estipuladas na consolidação de seu Plano de Recuperação Judicial consolidado aos 08 de maio de 2006, encontram-se albergadas pelos artigos 60 e 133, § 1°, II, da Lei de Falências e Recuperação Judicial e do CTN, respectivamente, não havendo que se falar aprioristicamente em sucessão tributária.

É o nosso parecer, S.M.J.

Brasília/DF, 07 de junho de 2006

PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES PATRÍCIA DE SEIXAS LESSA Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional Procuradora da Fazenda Nacional

De acordo. Encaminhe-se ao Gabinete do Exmo. Sr. Ministro da Fazenda.

LUIS INÁCIO LUCENA ADAMS

Procurador-Geral da Fazenda Nacional

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