FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS - Pesquisa Básica · Desertificação”, houver sido praticados...

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO DESERTIFICAÇÃO, GOVERNANÇA E SUSTENTABILIDADE LÍVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO Campos dos Goytacazes - RJ Julho/2006

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS

PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

DESERTIFICAÇÃO, GOVERNANÇA E

SUSTENTABILIDADE

LÍVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO

Campos dos Goytacazes - RJ

Julho/2006

LÍVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO

DESERTIFICAÇÃO, GOVERNANÇA E

SUSTENTABILIDADE

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado em Políticas Públicas e

Processo, na Faculdade de Direito de

Campos/RJ, como requisito à obtenção

do título de Mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Miriam Fontenelle

Campos dos Goytacazes - RJ

Julho/2006

LÍVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO

DESERTIFICAÇÃO, GOVERNANÇA E

SUSTENTABILIDADE

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado em Políticas Públicas e

Processo, na Faculdade de Direito de

Campos-RJ, como requisito à obtenção

do título de Mestre.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dr. João Ricardo Dornelles

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/Rio

_____________________________________________

Prof. Dr. Florian Hoffman

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/Rio

_____________________________________________

Orientadora: Profª.Drª. Miriam Fontenelle

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

Campos dos Goytacazes - RJ, 07 de julho de 2006.

DEDICO ESTE TRABALHO

Ao Washington (pai) pela força e apoio incondicional.

À Rita de Cássia (mãe) pela confiança, tranqüilidade e intuição.

À Terezinha (avó), meu amor e minha vida!

À Larissa (irmã querida) pela energia e alegria de sempre.

À Michelle, grande amiga e parceira nas pesquisas do mestrado.

À Nívia, amiga fiel.

A toda a família, amigos e amigas que, de longe ou perto, torceram bastante por mais esta vitória.

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a minha constante formação acadêmica, mormente aos mestres e doutores que, com suas pesquisas científicas, permitiram a realização deste trabalho.

Ao Prof. Dr. Leonardo Greco pela atenção especial, inspiração em relação ao tema escolhido e incentivo durante a pesquisa.

Ao Prof. Dr. João Ricardo Dornelles pela espiritualidade e cuidado que teve comigo durante o curso de mestrado.

Consigno aqui um agradecimento especial à Profª. Drª. Miriam Fontenelle pela amizade, temperança, respeito e ensinamentos a mim oferecidos durante a orientação deste trabalho, e, principalmente pela paciência em, inúmeras vezes, atender-me quando precisei.

EPÍGRAFE

“Nós da sociedade civil, mobilizada desde o mês de agosto através da Articulação no Semi-Árido; nós que, nos últimos meses, reunimos centenas de entidades para discutir propostas de desenvolvimento sustentável para o semi-árido; nós dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais, das Entidades Ambientalistas, das Organizações Não Governamentais, das Igrejas Cristãs, das Agências de Cooperação Internacional, das Associações e Cooperativas, dos Movimentos de Mulheres, das Universidades; nós que vivemos e trabalhamos no semi-árido; nós que pesquisamos, apoiamos e financiamos projetos no Sertão e no Agreste nordestinos, queremos, antes de mais nada, lançar um grito que não temos sequer o direito de reprimir: QUEREMOS UMA POLÍTICA ADEQUADA AO SEMI-ÁRIDO!”

Declaração do Semi-árido (ASA - Brasil)

RESUMO

A presente pesquisa tem por fim a análise da degradação ambiental, conhecida como desertificação, suas causas e seu impacto sobre o homem. A partir do reconhecimento mundial do problema, vários documentos internacionais foram elaborados, com ênfase ao combate desse fenômeno, tais como: o “Plano das Nações Unidas de Combate à Desertificação”, a “Agenda 21” e a “Convenção

Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados pela Seca e/ou Desertificação, particularmente na África”. No Brasil, a desertificação atinge, principalmente, a Região Nordeste. Assim, o governo brasileiro ratificou a convenção internacional e, conforme a orientação dada nesse acordo, preparou a sua própria Política Nacional de Controle da Desertificação. Tendo em vista a necessidade de envolvimento da sociedade civil na formulação, execução e controle dos programas de combate à desertificação, este estudo ocupou-se em demonstrar a doutrina jurídica que destaca a dimensão participativa do conceito de “Estado Democrático de Direito”. E, finalmente, o Zoneamento Ecológico-Econômico, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, foi examinado e apontado como instrumento imprescindível para a adequação da utilização dos recursos naturais, nas regiões afetadas ou suscetíveis à desertificação.

Palavras-chave: Desertificação; Plano das Nações Unidas de Combate à Desertificação; Agenda 21; Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados pela Seca e/ou Desertificação, particularmente na África; Política Nacional de Controle da Desertificação; Sociedade Civil; Zoneamento Ecológico-Econômico.

ABSTRACT

The research presented in the next pages aims at the analysis upon the environmental destruction, its causes and its impacts over the human beings. Having the known environmental degradation phenomenon as an important issue that concerns the whole world, many international moves have been developed emphasizing the mentioned problem, as the following listed ones: The Plan of Action to Combat Desertification, The Earth Charter and The United Nations Convention to Combat Desertification in the countries affected by desertification, most of them in Africa. The fact is that Brazil in not rid of that, since desertification has focused its roots in the northeast region of the country. In that way the Brazilian government has ratified an international agreement through which developed its own National Desertification Control Policy. Having in mind the necessary involvement of the civil society by formulating, executing and controlling the desertification control policies, this research tries to show the doctrinal study about the concept of “Democratic Estate of Law”. Finally, the Ecological-Economic Zoning, important instrument in the National Environment Policy, created by the Brazilian Law nº 6.938, was examined and pointed as a necessary instrument to regulate the use of natural resources in regions affected or submitted to desertification process.

Key-words: Desertification; Plan of Action to Combat Desertification; Earth Charter; United Nations Convention to Combat Desertification in the countries affected by desertification, most of them in Africa; National Desertification Control Policy; Civil Society; Ecological-Economic Zoning.

SUMÁRIO Introdução..............................................................................................................11

PRIMEIRA PARTE:

DESERTIFICAÇÃO: CONCEITO, CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS

1. O reconhecimento do problema em nível mundial.............................................14

2. O conceito de desertificação..............................................................................19

3. As causas da desertificação...............................................................................22

4. O impacto da desertificação sobre o homem.....................................................39

SEGUNDA PARTE: A DESERTIFICAÇÃO NOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

5. A I Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação................................43

6. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD).............................................................................................................48

7. A Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados pela Seca e/ou Desertificação, particularmente na África.....................................66

TERCEIRA PARTE:

O BRASIL E A POLÍTICA NACIONAL DE CONTROLE DA DESERTIFICAÇÃO

8. Introdução ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e à Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA).....................................................................79

9. A construção participativa do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (Pan-Brasil)................................85

QUARTA PARTE:

GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

10. Democracia e Estado de Direito....................................................................102

11. Afinal, o que é democracia?...........................................................................107

12. A democracia participativa ............................................................................119

QUINTA PARTE: O ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO (ZEE) PARTICIPATIVO

13. O Zoneamento Ecológico – Econômico (ZEE) e o combate à desertificação.......................................................................................................140

14. Ordenamento [ordenação] territorial e as justificativas para a sua implantação..........................................................................................................142

15. Zoneamento, Urbanismo e função social da propriedade.............................147

16. Aspectos conceituais do zoneamento ambiental ou ZEE..............................152

17.O ZEE e a Política Nacional do Meio Ambiente..............................................158

Conclusão............................................................................................................174

Referências..........................................................................................................187

Índice Geral..........................................................................................................193

Introdução

A partir da década de 1970, a desertificação chamou a atenção mundial,

pois, entre as importantes degradações ambientais que estão afetando os países

que possuem regiões áridas, semi-áridas e subúmidas secas, tal fenômeno

visivelmente constitui a maior ameaça.

A despeito de o problema ter sido reconhecido em amplitude mundial e,

desde 1977, ano em que foi celebrada a “I Conferência das Nações Unidas sobre

Desertificação”, houver sido praticados planos de ação e combate ao fenômeno,

há de se considerar que a desertificação está, ativamente, em marcha.

Em 1991, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –

PNUMA – informou que a aplicação de recursos e a reversão dos processos de

desertificação haviam sido bastante modestos. Oportunamente, sugeriu-se a

elaboração de uma Convenção das Nações Unidas, especificamente para tratar

do tema, ela foi acordada em 17 de junho de 1994, data que ficou marcada como

o “Dia Mundial da Luta contra a Desertificação”.

O governo brasileiro depositou o Instrumento de Ratificação da

“Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados por

Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África”, em 25 de junho de

1997, passando a vigorar, para o Brasil, em 24 de setembro de 1997.

A primeira parte deste trabalho é inteiramente dedicada à análise da

desertificação. Nesse sentido, procurou-se demonstrar a evolução do problema, o

conceito de desertificação, assim como as causas e conseqüências mais

admitidas para o fenômeno.

A segunda parte da pesquisa ocupou-se, cronologicamente, dos

documentos internacionais direcionados ao tema. Assim, foram examinados: o

“Plano de Ação das Nações Unidas para Combater a Desertificação”, que expõe

programas com a finalidade de impedir o avanço do processo, recuperar as áreas

desertificadas para o uso produtivo e garantir o desenvolvimento sustentável das

regiões propensas ao fenômeno; a “Agenda 21”, que se dirige, na II Seção,

capítulo 12, aos programas de manejo dos ecossistemas frágeis, dando ênfase à

luta contra a desertificação e a seca; e, finalmente a “Convenção Internacional de

Combate à Desertificação nos Países Afetados pela Seca e/ou Desertificação,

Particularmente na África”, que trouxe a definição de termos, objetivos e

princípios, além das obrigações das Partes que convivem com o problema.

A terceira parte deste estudo mostra o problema no Brasil, e as políticas

nacionais adotadas para o seu controle. Nesse âmbito, foi abordada a Resolução

CONAMA, de 22 de dezembro de 1997 e o Programa de Ação Nacional de

Combate à Desertificação (PAN-Brasil), finalizado em 2004.

Tendo em vista o destaque dado, em todos os documentos

supramencionados, à necessidade da participação pública ativa na formulação,

execução e controle dos programas a serem implementados, no combate à

desertificação, precisou-se trazer à baila os argumentos, doutrinariamente

embarcados na concepção de “democracia participativa”, que confirmam a

atuação do Estado, de seus agentes e cidadãos, na forma sustentada pelos

documentos analisados.

Assim, a quarta parte, desta investigação, traça uma abordagem sobre o

“Estado Democrático de Direito” e o novo paradigma da gestão da coisa pública,

no qual a democracia passa a ser concebida enquanto “espaço de debate

público”. Salientou-se, sobretudo a participação popular em questões ambientais,

uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 abriu uma

brecha que legitima legalmente a participação da sociedade civil, ao reconhecer o

direito que têm os cidadãos ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, bem

como o dever do Poder Público e da coletividade de defender e preservar o meio

ambiente para as presentes e futuras gerações.

Por fim, a quinta parte faz a conexão entre o Zoneamento Ecológico –

Econômico – ZEE – e o problema da desertificação. Como instrumento da Política

Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981,

recepcionada pela CRFB de 1988, o ZEE, foi, posteriormente regulamentado pelo

Decreto do Executivo n° 4.297, de 10 de julho de 2002. Nessa perspectiva, este

trabalho se assentou no exame desse instrumento, identificando conceitos e

legislação aplicáveis. Ademais, coube demonstrar a correlação e coordenação do

ZEE com outros instrumentos da política, particularmente a Avaliação Ambiental

Estratégica – AAE – e o Licenciamento Ambiental.

PRIMEIRA PARTE: DESERTIFICAÇÃO: CONCEITO, CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS

1. O reconhecimento do problema em nível mundial

No início do século XX, o mundo necessitava do trigo e pagava um bom

preço por ele. Os fazendeiros do meio-oeste americano aravam e plantavam o

trigo como nunca, principalmente após a colheita fenomenal de 1926. Devido ao

clima seco, tais fazendeiros buscaram expandir a agricultura em mais terras,

visando a um maior lucro, não demonstrando qualquer preocupação com a

ocorrência de danos ao solo. 1

Em 1930, em meio à grande depressão, os povos das grandes planícies

do meio-oeste americano temeram o fim do mundo, vez que a terra se encontrava

demasiadamente ressecada e, no verão, registravam-se as mais altas

temperaturas. Desde então, grandes tempestades levantavam o solo frouxo,

formando uma cortina de poeira que circulava pelos campos e destruía a lavoura

de trigo que ainda resistia à seca. 2

Paul Bonnifield3 relata que no domingo, 14 de abril de 1935, “o dia estava

morno e agradável”, quando:

[...] uma brisa delicada choramingou fora do sudoeste. De repente uma nuvem apareceu no horizonte. Os pássaros voaram rapidamente, mas não rápido o bastante para a nuvem que viajava a sessenta milhas por hora. Este dia, que muitos povos da área recordam prontamente, foi nomeado „domingo preto‟.

No dia seguinte à tempestade, Robert Geiger, um correspondente

associado à imprensa, criou o termo Dust Bowl para enquadrar “uma área de

aproximadamente 388.500 quilômetros quadrados, que inclui Oklahoma, uma

longa e estreita faixa do Texas e trechos vizinhos ao Colorado, Novo México e

Kansas”. 4 O termo vingou e passou a ser utilizado para descrever a combinação

trágica entre a degradação do solo e as extremidades climáticas que ocorrem nas

grandes planícies do meio-oeste americano. 5

Esse acontecimento motivou os cientistas a iniciarem um conjunto de

pesquisas, denominando tal processo como desertificação e, ainda hoje, muitos

1MACINTOSH, Phyllis. DESERTIFICATION: Earth's Silent Scourge. Texto publicado em 2004. Disponível em:

<http://usinfo.state.gov/products/pubs/desertific/experience.htm>. Acesso em 10 de janeiro de 2006. 2 MACINTOSH, Phyllis. DESERTIFICATION: Earth's Silent Scourge. Texto publicado em 2004. Disponível em:

<http://usinfo.state.gov/products/pubs/desertific/experience.htm>. Acesso em 10 de janeiro de 2006. 3 BONNIFIELD, Paul. 1930’ Dust Bowl. In: Excerpts from The Dust Bowl, Men, Dirt and Depression. Disponível em

<http://www.ptsi.net/user/museum/dustbowl.html>. Acesso em 11 de janeiro de 2006. 4 Id. Ibid.

5 MACINTOSH (2004). Op. cit.

especialistas consideram o America’s Dust Bowl, o exemplo clássico de como o

mau uso da terra, agravado pela seca, pode transformar o solo produtivo em

poeira. 6

O termo desertificação foi primeiramente usado por um francês chamado

Aubréville, em 1949, ao descrever a sua percepção sobre a expansão do deserto

do Saara para as regiões de savanas. 7

Em 1973, a região do Sahel, uma zona de transição para os climas

tropicais, situada na África, precisamente à margem sul do Saara, havia sofrido

cinco anos ininterruptos de seca.

A grande seca do Sahel, que começou em 1968, foi atribuída

principalmente à baixa precipitação da chuva, vez que, na normalidade se atingia

anualmente o índice de 284 mm, e, naquela ocasião o índice foi muito abaixo da

média, registrando somente 122 mm. Nos anos seguintes, o imprevisível

comportamento do tempo oscilava, até que, em 1972, foi registrado o pior índice

de precipitação anual, 54 mm. Em 1973, o cenário, que apresentava um

espetáculo de “vastas migrações e campos de refugiados”, chamou a atenção

mundial e serviu como estímulo para o apelo das Nações Unidas à cooperação

internacional no combate à desertificação, incluindo a convocação de uma

conferência internacional sobre o tema, à qual foi submetido um plano de ação. 8

6 Id. Ibid.

7 ____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997.

p. 08. 8 ____________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de

Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 13-14. Nesta obra, exprime-se que a situação do Sahel, no quinto ano de seca, era a mais crítica possível, sendo assim descrita: “O Lago Chade esteve reduzido a um terço da sua dimensão normal e já nada significava como reservatório de água. No inverno precedente, os rios Niger e Senegal não haviam extravasado, o que fez com que grande parte da melhor terra agrícola de cinco países (Nigéria, Mali, Alto Volta, Senegal e Mauritânia) permanecesse seca e estéril. As faltas de chuva significaram a perda de valiosas pastagens anuais do Sahel do Norte, tal como se mostra no estudo do caso do Niger; à medida que a seca continuava e a reserva de água ficava mais exaurida, generalizava-se a morte dos arbustos e árvores com valor alimentar, iam secando os poços superficiais estacionais em grande parte do Sahel, restringia-se a exploração das pastagens até alcançar nível crítico. Gado esfomeado e enfraquecido concentrava-se em redor dos bebedouros, e ali destruía totalmente a vegetação e o solo, ou então, deslocava-se para o sul na tentativa frequentemente infrutífera de procurar pastagens. Deixava atrás de si uma paisagem nua, a cozer ao sol, na qual surgiam e tendiam a ligar-se entre si trechos de desertos recentemente criados, dando a impressão de que o grande deserto do Sahara estava a caminhar para o sul. Mais ao sul, os agricultores eram atingidos por um estado similar de seca, que causava sucessivos fracassos das colheitas, o que fazia

O mundo se deparou com uma série de perguntas não respondidas. A

seca do Sahel era a evidência de mudanças maiores no clima global? O Saara

estava expandindo para o sul? Que implicações isso teria para os países

diretamente envolvidos? Para seus vizinhos? Para a comunidade internacional?

O que poderia ser feito para amortecer o impacto, ou para impedir mudanças

desastrosas? 9

Atento ao aspecto geral das informações que já estavam disponíveis, e,

tendo em vista o exemplo da África, Heitor Matallo Junior 10 afirmou que:

[...] no caso africano, a sedentarização das populações antes nômades, mudanças nos modelos de exploração tradicional dos recursos naturais, a estruturação de um mercado demandante de produtos agrícolas em zonas áridas, os desmatamentos para a produção de energia e incorporação de novas terras ao processo produtivo, associadas aos problemas da pobreza da população, formam o complexo conjunto de causas básicas dos processos

de desertificação.

Entretanto, não se pode deixar de mencionar que, não obstante o

reconhecimento mundial do problema da desertificação ter surgido com a questão

africana, o fenômeno já havia sido apontado como um fator de declínio de

civilizações muito antigas, como foi o caso das terras de regadio dos Sumérios e

Babilônicos, nas quais, devido à insuficiência de drenagem, a produtividade

agrícola foi destruída como conseqüência dos sais concentrados. 11

Não há possibilidade de se quantificar exatamente a área total de terras

degradadas devido à utilização pelo homem, desde quando a agricultura se

desaparecer as tradicionais pastagens dos retolhos. As reservas regionais de alimentos estavam exaustas e todos os sistemas sahelianos de criação de gado se encontravam em ruptura completa”. 9 UNITED NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION (UNCOD). Round-up, plan of action and resolutions. New

York: United Nations. 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em 16 de março de 2006. 10

MATALLO JUNIOR, Heitor. Desertificação. 2.ed. Brasília: UNESCO. 2003. p. 09. 11

Outros exemplos desse entendimento são: a seca prolongada que danificou a base agrícola dos Harapanos, quando estes haviam erguido uma civilização primitiva onde atualmente é o Paquistão, e a verificação de que o litoral mediterrânico da África era mais produtivo no tempo dos Romanos do que nos dias de hoje. Conforme, _________. Desertificação: Uma visão global. In Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 14.

iniciou. No entanto, alguns peritos sugeriram que a taxa de degradação vem

aumentando significativamente durante as últimas décadas, apontando que ela

equivale, atualmente, a pelo menos 50.000 quilômetros quadrados por ano. 12

É importante a constatação que se dá a partir da compreensão pelo

homem de que a desertificação está a acelerar, para que este se dedique mais às

pesquisas quanto a esse tema. No entanto, mesmo que o conhecimento do

fenômeno em si não seja algo tão novo, o reconhecimento da desertificação como

um problema global é tão recente que nem mesmo a palavra “desertificação”

figura nos dicionários. Por isso, muita controvérsia há ainda a respeito do seu real

significado. 13

Os dados que explicitam a situação mundial pertinente aos processos de

desertificação indicam que tais problemas incidem sobre 33% da Terra, onde

vivem aproximadamente 2,6 bilhões de pessoas, número que corresponde a 42%

da população mundial. 14

Por outro ângulo, a região subsaariana, que comporta mais de 200

milhões de habitantes, apresenta o problema de maneira mais acentuada, pois ali

cerca de 20% a 50% das terras já estão degradadas. Entretanto, a degradação do

solo também é severa em regiões da Ásia e da América Latina, sendo que, nesta

última, mais de 516 milhões de hectares são afetados pela desertificação, com

um cálculo de perda anual de 24 bilhões de toneladas de camada arável do

solo.15

12

Id. Ibid., p. 14. 13

_________. Desertificação: Uma visão global. In Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 14. 14

ADAMS, C. R.; ESWARAN, H. Global land resources in the context of food and environmental security, apud, GAWANDE, S. P. Advances in Land Resources Management for the 20 th Century. New Delhi: Soil Conservation Society of India. 2000. p. 35-50. Disponível em: <http://www.fao.org/ag/agl/agll/lada/emailconf.stm>. Acesso em 21 de outubro de 2005. 15

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO). A new framework for conservation-effective land management and desertification control in Latin America and Caribbean Guidelines for the preparation and implementation of National Action Programs. Rome: FAO. 1998. Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/W9298E.htm>. Acesso em 21 de outubro de 2005.

2. O conceito de desertificação

Segundo Francisco Mañas16, desertificação é um vocábulo que vem

sendo utilizado, pela comunidade científica desde, pelo menos, 1949, quando

Aubréville publicou um livro com o título “Clima, Bosques y Desertificación en el

África Tropical”.

Rubio17 atesta que se trata de um termo complexo, bastante

controvertido, freqüentemente utilizado de forma errônea e, devido à imprecisão

do seu significado, de difícil conceituação.

Em contrapartida, conforme Ibáñez18, pode-se dizer que é um termo

bastante intuitivo, podendo ser objeto de tratamento em estudos, sem

necessariamente ter de dar conta do seu significado estrito.

Na verdade, o fenômeno da desertificação varia muito de acordo com o

grau de desenvolvimento, conhecimento científico, cultural, econômico e social

das populações afetadas, por conta disso, já foram formuladas mais de cem

definições, porém nenhuma caracteriza plenamente o processo de degradação e

conseqüentemente, nenhuma tem aceitação universal. 19

Heitor Matallo Júnior20 afirma que “a idéia de „degradação da terra‟ é ela

mesma uma idéia complexa, com diferentes componentes”. Sendo estes os

componentes confirmados: a) degradação de solos, b) degradação da vegetação,

c) degradação dos recursos hídricos, e d) redução da qualidade de vida da

16

MAÑAS, Francisco Martin de Santa Olalla. El riesgo de desertificación. In: Agricultura y desertificación. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A. 2001. p. 18. 17

RUBIO, J. L. Desertificación. Un término complejo. Quercus. 1992. p. 20-21. 18

IBAÑEZ, J. J. et al. Los geosistemas mediterráneos en el espacio y en el tiempo. In: La evolución del paisaje mediterráneo en el espacio y em el tiempo. Implicaciones en la desertificación. Logroño: Geoforma Ediciones. 1997. p. 27-130. 19

MAÑAS (2001). Op. cit. p. 18. 20

MATALLO JUNIOR, Heitor. Indicadores de Desertificação: histórico e perspectivas. Brasília: UNESCO. 2001. p. 24.

população. Depreende-se que todos eles dizem respeito a áreas específicas de

conhecimento, tratando-se, respectivamente, de componentes físicos, biológicos,

hídricos e socioeconômicos. Mais ainda, nas palavras de Heitor Matallo Junior21,

“as áreas de conhecimento científico mencionadas possuem uma longa tradição

de pesquisa e uso de indicadores e metodologias de trabalho muito particulares e

adequadas a seus objetos de estudo”. Portanto, infere-se que não há a menor

possibilidade de sobrepor uma área à outra.

O problema que convém ressaltar é que como o objeto, desertificação,

ainda não foi suficientemente delimitado, não há como atribuí-lo a um programa

de pesquisa específico. Nas palavras de Matallo Júnior22, “o que tem ocorrido é o

desenvolvimento do tema no contexto dos programas setoriais, ou segundo os

diferentes paradigmas já estabelecidos”.

No entanto, a definição de desertificação mais amplamente admitida foi

formulada por ocasião da “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento” – CNUMAD -, que foi realizada no Rio de Janeiro,

Brasil, entre 03 e 14 de junho de 1992, e da “Convenção das Nações Unidas

sobre o Combate à Desertificação” – UNCCD -, acordada em 17 de junho de

1994.

Na oportunidade da CNUMAD, as idéias expostas e debatidas

consolidaram um importante documento internacional de proteção ao meio

ambiente – a Agenda 21 -, que será analisada em capítulo próprio. Entretanto, é

importante aqui reproduzir alguns termos do capítulo 12 da referida agenda, posto

que, se refere diretamente ao “Manejo de ecossistemas frágeis: a luta contra a

desertificação e a seca”, trazendo como marco o conceito de desertificação, que

21

MATALLO JUNIOR, Heitor. Indicadores de Desertificação: histórico e perspectivas. Brasília: UNESCO. 2001. p. 25. 22

Id. Ibid., p. 26.

assim fica entendida como “a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e

subúmidas secas, resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas

e de atividades humanas”.

A UNCCD, em seu primeiro artigo, que, por sua vez, cuida das definições

dos termos utilizados ao longo da Convenção, repetiu o conceito de desertificação

apresentado na Agenda 21, não deixando dúvidas sobre a concordância com a

definição que já estava colocada no referido documento. No entanto, a

Convenção delineou o que pode ser entendido por degradação do solo ou da

terra, assim dispondo:

[...] f) Por degradação da terra entende-se a redução ou perda, nas zonas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, da produtividade biológica ou econômica e da complexidade das terras agrícolas de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, das pastagens naturais, das pastagens semeadas das florestas e das matas nativas devido aos sistemas de utilização da terra ou a um processo o combinação de processos, incluindo os que resultam da atividade do homem e das suas formas de ocupação do território, tais como: I. a erosão do solo causada pelo vento e/ou pela água; II. a deterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas ou econômicas do solo, e III. a destruição da vegetação por períodos prolongados. [...]

Mesmo que o conceito presente nos documentos internacionais seja

descrito de forma genérica, a desertificação incorpora um significado universal no

sentido de ser reconhecida como um processo degradador em nível global que

necessita ser combatido.

Equivalente à conceituação trazida pelos documentos acima citados é o

entendimento de Mañas23, quando assevera que desertificação é:

un proceso complejo que reduce la productividad y el valor de los recursos naturales, em el contexto específico de condiciones

23

MAÑAS (2001). Op. cit. p. 18.

climáticas áridas, semiáridas y subhúmedas secas, como resultado de variaciones climáticas y actuaciones humanas adversas.

Nesse sentido, a desertificação, numa visão puramente agronômica,

pode ser considerada como uma diminuição da produtividade dos solos, como

resultado do uso e gestão inadequados dos recursos naturais em territórios

fragilizados pelas condições climáticas adversas. Nas palavras de Mañas 24 “es

un conjunto de procesos o manifestación de fenómenos implicados em el

empobrecimiento y degradación de los geoecosistemas terrestres por impacto

humano”.

Não obstante a visão ampla admitida nesta pesquisa, não custa

evidenciar que não se trata de um problema meteorológico ou ambiental somente,

mas sim de uma ruptura do equilíbrio entre o meio ambiente e o sistema de

exploração humana, ocasionada por uma crise climática, socioeconômica e

ambiental que, por sua vez, desencadeia um novo processo de degradação,

dificultando ou impedindo a conservação do solo, imprescindível para o

desenvolvimento sustentável.

Logo, a desertificação pode ser apontada como uma patologia ambiental

complexa, fruto de um processo composto por múltiplos fatores, que se inter-

relacionam e integram diversas áreas de conhecimento.

3. As causas da desertificação

Foi assinalado, no capítulo anterior, que os processos de degradação são

os mecanismos responsáveis pela diminuição da qualidade do solo, sendo que

24

MAÑAS (2001). Op. cit. p. 19.

tais processos normalmente são agrupados em degradação física, química e

biológica. Entretanto, vale dizer que Joan Carles Colomer Marco e Juan Sánchez

Díaz 25 consideram que “esta distinción resulta un tanto arbitraria y poco

satisfactoria, puesto que, muy frecuentemente, se producen de manera

simultánea”.

De fato, o solo constitui um sistema dinâmico e complexo em que vários

componentes interagem. Mas, a despeito de não haver um método

universalmente válido para identificar a desertificação, bem como, suas causas,

não se devem desconsiderar os estudos pré-existentes sobre os possíveis

diversos fatores que incidem concomitantemente sobre o fenômeno, mesmo que

tais estudos reflitam um somatório de metodologias.

Assim, Marco e Díaz26 afirmam que “procesos como la erosión,

salinización, lixiviación, acidificación, etc., son procesos que de forma natural se

están produciendo, sin que requieran la intervención humana”, porém, esses

mesmos processos, quando acelerados ou induzidos por atividades humanas,

causam degradação ou desertificação.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação –

FAO - enumera genericamente os fatores responsáveis pela maior severidade da

desertificação, identificando-os como: a) O rigor das condições climáticas durante

um período considerado, em vista de critérios de precipitação anual; b) A pressão

populacional e o padrão de vida das pessoas envolvidas; e c) O nível de

desenvolvimento do país e a qualidade de medidas preventivas adotadas. 27

25

MARCO, Joan Carles Colomer; DIÁZ, Juan Sánchez. Agricultura y procesos de degradación del suelo. In: Agricultura y desertificación. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A. 2001. p.112. 26

Id. Ibid., p.112. 27

FOOD AND AGRICULTURE OF THE UNITED NATIONS (FAO). Symposium on land degradation and poverty. Rome: FAO/International Fertilizer Industry Association (IFA). 2000. p. 03. Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/X5317E/x5317e00.htm>. Acesso em 21 de outubro de 2005.

Todavia, existe a necessidade urgente de se atuar para combater a

desertificação, vez que se trata de um processo dinâmico, tendo sido já

constatado que a desertificação pode alimentar-se a si e tornar-se auto-

acelerada28. Assim, o atraso no combate ao processo de degradação torna a

recuperação do solo excessivamente dispendiosa, podendo chegar a um limiar de

degradação irreversível. Por conseguinte, faz-se imprescindível apresentar as

causas específicas, mais admitidas para esse fenômeno, mesmo que

relacionadas com diferentes áreas.

Convém salientar que as causas da desertificação foram destacadas de

vários estudos interdisciplinares que, outrora, resultaram em um dossiê voltado à

preparação da Conferência de Nairóbi em 1977 e no posterior plano de ação

global para combater o fenômeno.

3.1. Ação dos fatores climáticos no processo de desertificação

Muito embora o homem seja considerado o principal aparelho de

desertificação, o conhecimento do processo não deve limitar-se exclusivamente

ao lado humano. Há fatores naturais relevantes para a identificação das áreas

suscetíveis à desertificação, dentre os quais o clima é preponderante.

Em escala global e regional, as zonas áridas são definidas a partir de

critérios de drenagem, tipos de vegetação e características climáticas.29 Esses

aspectos influenciam o meio ambiente ao ponto de gerar limitações às atividades

humanas.

28

____________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p.23. 29

____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997. p. 02.

Assim, a aridez pode ser simplesmente definida como um déficit de

umidade devido às circunstâncias climáticas, o qual configura a base para a

designação das regiões em que ocorre a desertificação. 30

A falta de umidade devido às condições climáticas adversas pode ser

observada a partir de quatro situações. A primeira tem em vista a estabilidade

atmosférica que incide, por exemplo, nos desertos tropicais, visto que o ar

subsidente é relativamente seco. A segunda é denominada “continentalidade”,

onde a distância dos oceanos inibe a penetração dos ventos úmidos. A terceira,

por sua vez, é a “topografia”, quando as montanhas formam uma barreira às

nuvens de chuva. E, finalmente, a quarta situação advém das correntes oceânicas

frias que contribuem para a existência de zonas desertas litorâneas, uma vez que,

provocam a redução da evaporação. 31

A intensidade do índice de aridez varia de região para região em razão

dos diferentes níveis de déficit de umidade. Há na comunidade científica uma

aceitação da nomenclatura utilizada por Thornthwaite (1948) e Meigs (1953). 32

Para esses autores, as áreas subúmidas secas caracterizam-se pelo

potencial de evapotranspiração variável entre 0,5 e 0,65. Assim, há configurada

uma precipitação sazonal, ou seja, sujeita à estação. Tais áreas se mostram

bastante suscetíveis à degradação, pois a precipitação sazonal implica em

períodos de extrema seca. Além disso, a agricultura é amplamente praticada

nessas áreas, o que realça a probabilidade de degradação. As áreas semi-áridas

retratam-se pelo potencial de evapotranspiração variável entre 0,20 e 0,50. Trata-

se de regiões que propiciam a pastagem, para que aparentemente são

adequadas, porém obviamente ficam prejudicadas pelo alto déficit de umidade.

30

____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997. p. 02. 31

Id. Ibid., p. 05 32

Id. Ibid., p. 05.

Nas áreas áridas, os índices de evapotranspiração assumem valores entre 0,05 e

0,2. São regiões onde o pastoreio é possível, mas muito precário, tendo em vista

a variabilidade climática. Por fim, as regiões hiperáridas que se configuram pelos

índices de evapotranspiração menores que 0,05, são regiões que batem os

recordes de períodos sem precipitação. Nelas se localizam os verdadeiros

desertos. 33 Contudo, vale dizer que há uma diferença entre os desertos extremos

e as áreas propícias à desertificação.

Em 1992, a UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente -, publicou no Mapa Mundial de Desertificação a indicação das cinco

principais cinturas de deserto: 1) O deserto de Sonora do México norte-ocidental e

a sua continuação até às bacias de deserto dos Estados Unidos sul-ocidentais; 2)

O deserto de Atacama, uma estreita faixa litoral a oeste dos Andes, desde o sul

do Equador até o Chile central; 3) Uma vasta cintura desde o Oceano Atlântico

até a China, incluindo o deserto do Saara, o Arábico, do Irã e da U.R.S.S., bem

como o deserto de Rajastão, no Paquistão e na Índia, os desertos de Takla-

Makan e de Gobi, na China e na Mongólia; 4) O Kalaari e as sua adjacentes

terras áridas, na África do Sul; 5) A maior parte da Austrália.

Saliente-se, como explica Kenneth Hare34, que os climas desérticos

colidem severamente com o homem, já que a soma da falta de chuva e o excesso

de calor torna a superfície terrestre nos desertos, em grande parte ou

completamente, vazia de vida.

Hare35 considera como desertas “todas as áreas terrestres, das quais a

vida permanente foi essencialmente excluída por falta de chuva”, assim, para

33

____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997. p. 05. 34

HARE, F. Kenneth. Clima e desertificação. In: Desertificação: causas e conseqüências . Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p.124. 35

Id. Ibid., p. 124.

esse autor, “o povoamento de tais áreas está essencialmente confinado a oásis

ribeirinhos ou de águas subterrâneas”.

Constatou-se que o declínio da produtividade biológica – desertificação –

se deve em boa parte ao clima seco que marca as áreas áridas, semi-áridas e

subúmidas secas. No entanto, cumpre assinalar que os próprios desertos

extremos, hiperáridos, não estão sujeitos a posterior degradação, visto que já não

apresentam potencialidade produtiva.36 Portanto, pela lógica, as áreas desérticas

estão excluídas da preocupação mundial, no que se refere ao fenômeno da

desertificação.

Ainda quanto à ação dos fatores climáticos, não se pode deixar de

mencionar o estudo feito, em 1996, por Williams e Balling37. No livro “Interactions

between climate and desertification”, produzido pela World Meteorological

Organization – WMO -, esses autores notaram que a desertificação pode afetar o

clima, assim como o clima pode afetar a desertificação.

Ocorre que a mudança climática induzida pelo homem, em escala global,

especificamente pela emissão de gases que provocam o efeito estufa, causa um

enorme impacto nas terras secas, alterando os seus regimes climáticos. Por outro

lado, as ações humanas, nessas regiões, alteram a natureza de sua superfície,

fato que, também afeta o contrapeso de energia da atmosfera e a ocorrência de

precipitação, provocando mudança climática. 38

36

_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p.17. 37

WILLIAMS, M. A. J.; BALLING, R. C. Interactions between desertification and climate. London: Edward Arnold. 1996, apud ____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997. p. 08. 38

Id. Ibid., p. 08.

3.2. A relação entre o homem e um “meio ambiente difícil”

A interação entre o homem e um ambiente difícil pode ser explicitada por

meio dos sistemas de vida adotados em ecossistemas secos. Nesse contexto,

reflete-se a premissa de que o Homo sapiens é, genética e

comportamentalmente, mais adaptável ao seu ambiente do que qualquer outro

animal. 39

Isso se dá a partir dos profundos conhecimentos humanos das ecologias

locais que fundamentam estratégias mais destras do que seriam capazes outros

animais. Exemplo é o fato de que a mobilidade e o conhecimento do terreno

permitem explorar locais com chuvas apenas ocasionais. 40 Assim:

São eles capazes de se dispersarem para explorar recursos muito esparsos, já que não se lhes depara o obstáculo da propriedade. A sua variada dieta é suficientemente nutritiva para lhes permitir que sobrevivam mesmo nos piores tempos. Utilizam o fogo para gerir a sucessão das plantas e atrair a caça às boas pastagens e aí a cercarem, embora mantenham sob outros aspectos uma relação normal entre o predador e presa. 41

Importante ressaltar que a principal peculiaridade da organização social

dos caçadores-coletores é que esses fazem com que o seu número seja

compatível com os limites dos seus recursos. Assim, para Warren e Maizels42,

“com a possível excepção do fogo, não parece que estes povos hajam causado

grandes danos à resiliência dos ecossistemas dos quais dependem há milênios”.

White43, por sua vez, esclarece que as origens da agricultura e dos

sistemas de criação de gado são controversas, mas, concernente ao início da

39

WARREN, Andrew; MAIZELS, Judith K. Mudança ecológica e desertificação. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 304. 40

Id. Ibid., p. 304. 41

Id. Ibid., p. 304. 42

Id. Ibid., p. 304. 43

WHITE, R. O. Evolution of land use in south-western Asia. In: A history of land use in arid regions. Paris: UNESCO, apud WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 304.

grave alteração do meio ambiente pelo homem, não há dúvidas de que ela se

deveu ao uso dessas técnicas.

Especificamente em ecossistemas caracterizados pela riqueza da terra,

o impacto das atividades humanas é bem menos acentuado do que nos

ecossistemas secos, distintos, pois a desertificação é o resultado habitual. Isso

ocorre porque o homem penetra em certos ambientes delicados, como os

agravados pela seca, e neles atua vislumbrando suprir as suas necessidades de

sobrevivência, sem a compreensão das sensibilidades e limitações ambientais do

local.

As duas principais formas de exploração humana das terras secas são: a

pecuária (extensiva ou apascentação de gado) e a agricultura (de sequeiro ou de

regadio). 44

Porém, ao lado das atividades de exploração, não se pode esquecer da

crescente urbanização nos desertos e terras áridas. Segundo Kates45:

As cidades e as vilas estão a absorver cada vez mais a população das terras secas, de modo que a urbanização, embora ocupando proporção muito pequena da área, tem os seus próprios problemas ecológicos.

Como todas as cidades, as assentadas em terras secas também exigem

muito das terras circundantes, contribuindo, portanto, com várias formas para a

aceleração do impacto adverso sobre elas. Assim, não se pode desconsiderar a

relação da urbanização com o processo de desertificação.

44

Essas formas são utilizadas desde os sistemas altamente especializados, dependentes de mercados externos, até aos mais tradicionais que inventaram estratégias e adquiriram aptidão para enfrentar as pressões e os riscos impostos pelos ambientes áridos. Conforme, _________. Desertificação: Uma visão global. In Desertificação: causas e conseq6uências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 44. 45

KATES, R.W.; JOHNSON, D.L. and JOHNSON, H. K. Demographic, Social and Behavioural Review. UNEP. 1976, apud WARREN et al. (1992). Op. cit., p. 337.

3.2.1. Pecuária

Os sistemas pecuários, segundo Kates46, caracterizam-se pelo “recurso a

animais não estabulados que colhem uma reduzida proporção da vegetação

natural”.

Tipicamente, nesse meio ambiente complexo, os criadores de gado

enfrentam a questão climática de várias maneiras, como, por exemplo,

disseminando o gado em grandes áreas de pastagem de modo tal que a pressão

da apascentação resulte ligeira, tornando-lhes possível o aproveitamento sem

esgotamento dos ecossistemas secos. 47

Ocorre que, ao chegar a seca, observa-se uma natural relutância dos

criadores em reduzir o efetivo de animais possuído durante os anos precedentes,

o que pode dar origem à sobreapascentação, tornando, com isso, bastante

prejudicadas as pastagens já afetadas pela seca. Ademais, quando a seca

termina, os criadores não hesitam em explorar as pastagens onde não ocorreu a

regeneração. 48

No mesmo sentido, Antonio Del Cerro Barja e José Manuel Briongos

Rabadán49 apontam para uma necessidade de demarcação da área que está em

processo de regeneração, expondo que:

El número de cabezas de ganado que puede albergar un determinado espacio natural es un factor decisivo para la planificación forestal. En numerosas ocasiones, el ganado es una herramienta capital para la conservación de los ecosistemas, sobre todo em los denominados ecosistemas agrosillvopastorales, si bien la regeneración de las especies arbóreas exige el acotamiento al ganado em las zonas que tienen que ser regeneradas.

46

KATES, R.W.; JOHNSON, D.L. and JOHNSON, H. K. Demographic, Social and Behavioural Review. UNEP. 1976, apud WARREN et al. (1992). Op. cit., p. 46. 47

Id. Ibid., p. 337. 48

Id. Ibid., p. 47. 49

BARJA, Antonio Del Cerro; RABADÁN, José Manuel Briongos. La vegetación natural. In: Agricultura y desertificación. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A. 2001. p. 213.

Na opinião de Montoya50, em 1987, “las dehesas em el momento actual

están muertas como sistema biológico”. Essa crítica feita em relação aos prados

portugueses e espanhóis também conforma para a indiscutível falta de

regeneração que eles têm sofrido, trazendo, como conseqüência, a morte de

ecossistemas. É oportuno acrescer que prados, no dicionário, significam “terrenos

cobertos de plantas herbáceas próprias para pastagem”.

Assim, é particularmente importante observar quando a deterioração

atinge as pastagens, dado que se verifica, segundo Montoya51, pelas condições

da vegetação, “não somente porque as plantas são a base da pastagem, mas

também porque desempenham papel importante na estabilidade dos

ecossistemas das terras secas”.

Há de se ter em vista que as primeiras plantas a serem removidas são as

que pertencem às espécies mais apetitosas, deixando no terreno as menos

apreciadas. Daí, que essas últimas referidas, em períodos de seca, tornam-se

muito valiosas, pois, além de constituírem o único alimento disponível ao gado,

funcionam como “plantas perenes fixadoras do solo”, não podendo ser pastadas

até sua extinção. É notório que a destruição da vegetação somada à pulverização

do solo são efeitos característicos dos locais onde o gado se reúne, tal como no

bebedouro, onde o pisoteio é mais intenso. 52

Corroborando o que foi exposto acima, Andrew Warren e Judith K.

Maizels53 exprimem que há provas da desertificação em relação ao sistema

pecuário, sendo apoiadas na observação direta das próprias pastagens,

50

MONTOYA, J. M. La ordenación forestal de montes de frondosas mediterráneas. In Conservación y desarrollo de las dehesas portuguesa y española. Ministerio da Agricultura, Pesca y Alimentación, Madrid. 1987, apud BARJA, Antonio Del Cerro; RABADÁN, José Manuel Briongos. La vegetación natural. In: Agricultura y desertificación. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A. 2001. p. 214. 51

Id. Ibid., p. 214. 52

Id. Ibid., p. 48. 53

WARREN, Andrew; MAIZELS, Judith K. Mudança ecológica e desertificação. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 280.

especificamente sobre “a composição destas, a estrutura da vegetação por idades

e as freqüências relativas das espécies apetecidas e não apetecidas”.

Nesse ínterim, ecologistas e gestores de explorações pecuárias

procederam a estudos no intuito de avaliar o seu impacto sobre o meio ambiente

em tempos de seca. Conforme Warren e Mayzels54, “destes estudos ressalta

usualmente uma imagem negra do estado dos recursos forrageiros do mundo

seco”.

Assim, a partir dos inquéritos efetuados nos Estados Unidos, que

trouxeram um diagnóstico da condição das explorações pecuárias ocidentais,

parece haver um acordo de que os efeitos da sobreapascentação, nos finais do

século XIX e nas primeiras décadas deste século, acabaram por se revelar, como

era inevitável, após as secas do ano 1930.

Nesse sentido, Warren e Maizels55 indicam, como melhores provas da

existência dos danos sustentados, os estudos em Utah, “onde um exame

cuidadoso mostrou que a seca tivera pouco efeito sobre determinada área não

apascentada, mas que um trecho densamente apascentado sofrera enormes

prejuízos”.

3.2.2. Agricultura

Sem dúvida alguma, a agricultura é tida como a atividade humana de

maior incidência sobre os solos, principalmente a partir da segunda metade do

54

WARREN, Andrew; MAIZELS, Judith K. Mudança ecológica e desertificação. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 280. 55

Id. Ibid., p. 281.

século XX, que foi marcado pela intensificação das práticas agrícolas e do

desenvolvimento tecnológico. 56

Muito se enfatiza a agricultura de sequeiro como método que expõe e

perturba o solo, aumentando o risco de erosão. 57 No dicionário, o termo

“sequeiro” figura como “lugar que não tem a umidade suficiente para auxiliar a

vegetação”. Dessa forma, a agricultura de sequeiro é típica de terras semi-áridas,

nas quais é possível a adoção de técnicas especiais com o objetivo de coletar,

armazenar, proteger e aproveitar todas as gotas de água. As culturas resistentes

à seca geralmente são os cereais, tais como: trigo, cevada, centeio, sorgo e milho

miúdo. 58

Um grande problema ocasionado por esse tipo de agricultura é a

tendência, verificada em sucessivas décadas, em produzir uma única cultura

especializada, isso posto, causa a depleção e ruptura de muitos solos semi-áridos

outrora dotados de excelentes estruturas e fertilidade. 59

Nas regiões semi-áridas do tipo mediterrânico, como o sul da Austrália, a

Província do Cabo, a sudoeste da África do Sul, e partes da Califórnia, que se

caracterizam pela elevada mecanização na produção de cereais para exportação,

a dedicação à monocultura originou a falta de leguminosas nas rotações culturais

e uma virtual ausência de produção pecuária, o que contraria o retorno ao solo da

matéria orgânica. Assim, essa circunstância, aliada à remoção da colheita e do

cobertor vegetal pela ceifa mecânica, fez com que o solo perdesse os seus

elementos nutritivos. 60

56

MARCO et al. (2001). Op. cit. p. 114. 57

_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 54. 58

Id. Ibid., p. 53. 59

Id. Ibid., p. 54. 60

Id. Ibid., p. 57.

A agricultura de sequeiro também pode ser trabalhada em ambientes

ligeiramente úmidos ou tropicais. Desse modo, Warren e Mayzels61 explicam que

“cultivadores indígenas ultrapassaram o problema dos baixos rendimentos dos

campos secos e inférteis recorrendo à agricultura itinerante”. Nesse ponto, vale

lembrar que a agricultura itinerante é característica predominante na região do

Sahel, especificamente no Níger, onde uma área de 12 milhões de hectares cerca

de 8 milhões são cultivados sob esse sistema. 62

Com efeito, os agricultores itinerantes contam com algumas estratégias

para laborar em terras secas onde poucas culturas são viáveis, que, segundo os

autores supramencionados, consistem em:

[...] abater a vegetação não herbácea de pequenas parcelas de terra, e em recuperar grande parte dos nutrientes minerais (em especial, o fósforo) nela contidos, quer queimando-a, quer deixando-a decompor-se no local, mantendo o solo revestido e só cavando ligeiramente com enxadas.63

Quando se percebe que as produções estão decaindo, impõe-se

abandonar a terra, deixando-a em pousio 64 por alguns anos seguintes, no intuito

de se restabelecer a sua fertilidade.65 Essa medida funciona como observam

Warren e Mayzels 66:

Durante este tempo, as árvores e os arbustos voltam a rebentar a partir dos toros e extraem nutrientes das camadas profundas do solo; a vegetação recuperada adiciona detritos ao solo que assim reconstitui a sua matéria orgânica e o seu teor em azoto; ao mesmo tempo, as raízes das ervas ligam o solo, fazendo com que recupere uma estrutura resistente á erosão.

61

WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 309. 62

BRAUN, H. Shifting cultivation in África (evaluation of questionnaires). In: Shifting Cultivation and Soil Conservation in Africa. Rome: FAO. 1973, apud WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 309. 63

WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 309. 64

No dicionário o termo “pousio” figura como “repouso periódico, de um ou mais anos, em que se deixam certas terras de semeadura para recuperarem a fertilidade”, ou então “terreno cuja cultura se interrompeu para esse repouso”. 65

WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 309. 66

Id. Ibid., p. 309.

Um ponto negativo, que pode ser observado em regiões semi-áridas

tropicais, como ao sul do Sahel africano, ou na orla do deserto de Rajastão, é que

as savanas arborizadas são geralmente desbravadas pelo fogo, a fim de oferecer

cama às sementes, embora muitas árvores sejam deixadas de pé. 67 Acontece

que, embora as queimadas possam ser úteis no sentido de renovar as ervas e

preparar a cama para as sementes, elas são prejudiciais quando utilizadas

excessivamente e fora do tempo oportuno. Assim, explica-se a assertiva de que

as queimadas podem levar à destruição do húmus e à baixa fertilidade, afetar a

estabilidade do solo e as boas relações com a água da camada superficial onde

as sementes germinam. 68

Ademais, em vista das presentes pressões populacionais e da

conseqüente fome de terra que acelera o processo agrícola, o agricultor que

recorre à queimada se vê obrigado a retornar com o plantio no mesmo local antes

mesmo de a terra estar recuperada, passados 15 anos em vez de, por exemplo,

20. 69

À medida que a fertilidade declina, as produtividades das culturas

diminuem e o impacto adverso auto-acelera-se. Acrescente-se que:

Nestas regiões, a pluviosidade, embora localizada, é freqüentemente intensa, causando a erosão das superfícies cultivadas, que ficam encharcadas e cuja estrutura é severamente danificada. Os períodos secos que alternam com a ocorrência das chuvas cozem a superfície do solo na qual se formam crostas, atrasando a germinação e desenvolvimento das sementes. 70

67

_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 59. 68

Id. Ibid., p. 59. 69

Id. Ibid., p. 59. 70

Id. Ibid., p. 59.

Como prova da relação entre as culturas de sequeiro e o processo de

desertificação, Warren e Maizels71 se referem ao declínio da produtividade em

locais do Oriente Médio e do Norte da África, onde houve o alargamento da

monocultura em terras secas impróprias, no período entre 1948 e 1964. Também

os autores citam a observação de Williams, quando esse registra o decréscimo da

produtividade da cultura do trigo na Austrália do Sul até 1900, atribuindo a

redução à baixa fertilidade do solo provocada pelas técnicas de cultivo de

sequeiro. 72

Ao lado da agricultura de sequeiro tem-se o sistema agrícola de regadio

que se distingue por ser uma operação bem mais dispendiosa e que provoca

alterações no regime dos principais ecossistemas – solo, água e atmosfera –,

porém também propicia os efeitos indesejáveis da desertificação, por isso requer

uma gestão hábil. É intressante acrescentar que o termo “regadio” figura no

dicionário como “terreno que tem água de rega”.

Em se tratando de agricultura nas regiões áridas e semi-áridas, o regadio,

a forma mais produtiva, ocorre em tal grau que ocupa 13% das terras cultivadas

no mundo. Salienta-se que, embora nem todos os 250 milhões de hectares de

regadio estejam localizados em desertos e terras secas, a maior parte deles, está

ligada à prevalência de condições áridas. 73

São designados pontos favoráveis apoiados pelo sistema de regadio,

visto que a rega fornece água que pode ser usada na beneficiação de terras

desertas, quer porque permite que estas sejam cultivadas, quer porque lava os

71

WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 283. 72

WILLIAMS, O. B. The perception of the soil erosion hazard in South Australia. Canberra: Hazard Symposiu. 1976, apud WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 283. 73

_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 60. O autor traça uma interessante comparação entre o regadio e a agricultura de sequeiro aludindo que: “O regadio conduz ao aumento de seis vezes a produtividade dos cereais e de quatro a cinco vezes a das raízes alimentares. A importância do regadio no desenvolvimento agrícola é revelada pelo facto de que as terras regadas estão a aumentar à taxa anual de 2,9 ao ano, a comparar com a de 0,7% para as culturas de sequeiro”.

solos salinizados. Entretanto, alerta-se para que sejam aplicados princípios

eficientes de gestão da água, porque o fracasso ou desperdício desta pode

conduzir à queda da produtividade. Nesse sentido, explica-se que:

A evaporação, o excesso de água e a drenagem inadequada podem produzir alagamento do solo, o que reduz a produtividade devido a insuficiente arejamento e a salinização, conduzindo eventualmente à perda da terra cultivável. 74

Saliente-se, ainda, que sempre que se comete o erro de deixar no solo os

sais solúveis contidos na água de rega, o excesso de evaporação e transpiração

ocasiona salinização e alcalinização. Assim, os resultados mais prováveis

traduzem-se em quedas na produtividade, restrições às escolhas de culturas e,

por fim, em perdas de terras irrigáveis que, em termos monetários, para serem

recuperadas, são muito dispendiosas. Nenhuma outra forma de desertificação é

mais custosa do que essa. 75

Warren e Mayzels76 lembram que os exemplos mais citados de aumento

de salinização e alagamento aparecem nos grandes esquemas de regadio ao

longo do rio Indus, no Paquistão. As estimativas são inquietantes, posto que, no

total de 15 milhões de hectares de área regada (09 milhões semeados

anualmente), 10 milhões estão afetados desta ou daquela maneira pela salinidade

ou alagamento, e 02 milhões severamente afetados.

Outros dados foram apresentados por Allison77 no que tange aos danos

ocasionados em determinada área regada nos Estados Unidos. Este pesquisador

calculou que 27% da área regada nesse país estão afetados, de algum modo,

74

_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 62. 75

Id. Ibid., p. 60. 76

WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 285. 77

ALLISON, L. E.. Salinity in relation to irrigation. 1964, apud WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 285.

pela salinidade, sendo que, apenas entre 1929 e 1939, aproximadamente 400.000

hectares foram inutilizados.

3.2.3. Urbanização

A urbanização acompanha os sistemas de exploração das terras secas

mencionados acima. Os desertos e as terras áridas têm experimentado uma

acelerada urbanização nos últimos 50 anos. Consoante a definição de “urbano”

como aquele que habita na cidade, pode-se dizer que são urbanos 20 a 30 por

cento dos 680 milhões de pessoas que vivem nas terras secas. 78

As comunidades que se formam em terras secas têm impacto direto

sobre o meio ambiente, suscitando questões adicionais atinentes ao processo de

desertificação.

Problemas surgem, por exemplo, das dificuldades com a remoção e

depósitos do lixo, já que este geralmente é depositado nos arredores das cidades,

e sua vigilância não é facilitada. Ressalte-se que esse método é encorajado pela

generalizada atitude segundo a qual a terra deserta é inexaurível e destituída de

valor. 79

Fato é que a remoção pela água dos desperdícios domésticos ou

industriais pouco acontece, devido à insuficiência do seu fluxo. Assim, ocorre a

poluição química e bacteriana dos solos e da água subterrânea, conduzindo aos

inerentes perigos para a saúde.

78

_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 71. 79

Id. Ibid., p. 71.

Outra questão importante é o aumento do consumo de água per capita

com a urbanização. Nesse assunto, Warren e Maizels80 enfatizam que:

Os sistemas de abastecimento de água às cidades nas áreas secas vão, freqüentemente, buscar água a aprovisionamentos subterrâneos que só lentamente voltam a encher, e constituem por isso um risco potencial para a desertificação. A evacuação da água usada também pode causar problemas ecológicos.

Finalmente, a National Academy of Sciences orienta para o caso de não

existir drenagem conveniente nessas áreas, desse modo, “os esgotos podem

alcançar águas estagnadas e, devido à evaporação, transformarem-se em

soluções concentradas de sais e nutrientes capazes de esterilizar as terras

próximas”. 81A partir da ocorrência do processo de desertificação nas terras

circundantes, alerta-se para os efeitos que as cidades tendem a suportar, como:

os ventos quentes e as tempestades de poeira.

4. O impacto da desertificação sobre o homem

A desertificação atinge as regiões mais pobres do mundo, afetando,

particularmente, aqueles grupos que dependem ainda mais do acesso aos

recursos naturais para a própria subsistência. Assim, identificam-se nestes grupos

os refugiados pela seca e, conseqüentemente pela fome. 82

Dentro das comunidades, também se verifica a existência de povos mais

afetados do que outros, tendo em vista a distribuição desigual de renda e riqueza.

Desse modo, as conseqüências da desertificação são mais acentuadas para as

80

WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 338. 81

NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. More water for arid lands. In: Promissing Technologies and research opportunities. Washington D. C. 1974, apud WARREN et al. (1992). Op. cit., p. 338. 82

EVERS, Yvette D. The social dimensions of desertification: Annotated Bibliography and Literature Review. UNEP. 1996. p.11-14.

mulheres, os idosos e as crianças, que adquirem responsabilidades com o cultivo

nas terras secas, quando os homens saem em busca de outras fontes de renda.83

Tais grupos também são caracterizados pela fragilidade política, não

possuindo, ainda, um espaço para demonstrar sua habilidade no sentido de

mitigar os efeitos da desertificação. 84

Com efeito, as regiões secas do mundo tendem a estar geograficamente

e politicamente marginalizadas. Isto é devido, em parte, às dificuldades inerentes

à administração que tem de lidar com populações dispersas, ou seja, residentes

em regiões muito distantes, e até mesmo inacessíveis. Ademais, observa-se a

baixa prioridade dada a causa, pelos governos.

Destarte, a falta de iniciativa política destas populações tende a

desanimar o Estado em seus investimentos, como na provisão dos serviços

sociais, tais como saúde e educação. Isto porque não há uma compreensão

bastante, para o governo, sobre as características originais das comunidades,

traduzidas pelos sistemas sociais de organização e de produção de alimentos, e,

sobretudo, pelos impactos ambientais subjacentes aos problemas de saúde.

No México, a pobreza nas áreas rurais gravadas pela seca é o maior fator

determinante da migração. Tem-se que 75% dos migrantes mexicanos para os

Estados Unidos saem das zonas rurais áridas. A infertilidade do solo,

conseqüência da desertificação, impede o plantio para subsistência, resultando,

pois, em pobreza e migração.85

83

EVERS, Yvette D. The social dimensions of desertification: Annotated Bibliography and Literature Review. UNEP. 1996. p. 31-32. 84

Id. Ibid., p. 31-32. 85

SCHWARTZ, Michelle Leighton. Desertification and Migration in Mexico. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997. p. 161.

Sem dúvida, aqui há a necessidade de se fazer uma ponte entre a

questão dos refugiados ou migração forçada, analisada, na maioria das vezes,

pelos sociólogos, e os problemas ambientais, abraçados pelos ecologistas.

As mudanças ambientais, no caso, advindas pelo fenômeno da

desertificação, ocasionam a migração de populações para regiões em que as

condições são economicamente mais favoráveis. Concomitantemente, outros

problemas, étnicos e/ou políticos, surgem, especialmente, quando os refugiados

da seca se deslocam para os grandes centros urbanos. O histórico êxodo rural de

populações rurais para as cidades, atraídas pelos processos de desenvolvimento,

é uma das causas de aumento da periferia e da violência.

Muito embora haja esta percepção, faltam instrumentos legais que

protegem os refugiados dos problemas ambientais. A “Convenção de 1951,

relativa ao Estatuto dos Refugiados” descreve o refugiado como perseguido em

razão de “raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas

opiniões políticas”, e que “se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e

não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele

país”. Claramente, aquele que foge devido aos problemas ambientais, não está

sob esta definição. Pelo raciocínio extraído da Convenção, o refugiado ambiental

só teria proteção se fosse forçado a fugir para outro país em virtude de

repressões (guerras) que poderiam ser geradas por destruição ambiental.

Contudo, vale dizer que não há interesse em estender o conceito de

refugiados para aqueles que migram forçadamente por fatores ambientais, visto

que, a maioria dos países receptores pretende, inclusive, restringi-lo. Dessa

forma, a solução recai não em favorecer os povos a migrar-se, mas sim em

combater a degradação ambiental, promovendo o desenvolvimento sustentável.

Eliminar a migração ambiental forçada, por motivo de desertificação, é uma tarefa

política em longo prazo, que envolve uma reformulação das práticas

insustentáveis e uma aproximação da população com as raízes do problema.

SEGUNDA PARTE: A DESERTIFICAÇÃO NOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

5. A I Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação

Antes de analisar alguns dos prescritos elaborados após a I Conferência

das Nações Unidas sobre Desertificação, seria útil mencionar o processo pelo

qual foram criados.

A Assembléia Geral resolveu, através da Resolução 3337, XXIX, de 17

de dezembro de 1974, delegar a responsabilidade de preparar o encontro ao

diretor executivo da United Nations Environment Programme – UNEP -, na época,

Mostafa Kamal Tolba, que reuniu um grupo formando o Secretariado da

Conferência da ONU sobre Desertificação.86

Nas palavras de Mostafa K. Tolba87:

Tem sido prática das Nações Unidas, ao preparar a documentação para as conferências mundiais, encomendar uma série de textos, cada um dos quais respeitante a um aspecto do tema geral em causa.

Portanto, a recomendação era de que todo conhecimento disponível

sobre desertificação fosse inteiramente disponibilizado. Nesse intuito, o referido

86

GOVERNING COUNCIL. 30 (III) Implementation of General Assembly resolution 3337 (XXIX). In: International co-operation to combat desertification. Disponível em <http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=93&ArticleID=1381&l=en>. Acesso em 11 de janeiro de 2006. 87

_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992.

diretor executivo extraiu extensivamente os recursos da comunidade científica

mundial.

Quatro grupos de revisão da comissão, financiados pelo programa de

desenvolvimento da ONU, observaram a relação existente entre a desertificação e

clima, desertificação e mudança ecológica, desertificação e tecnologia e, por fim,

desertificação e a sociedade. 88

Mostafa K. Tolba89 exprime que “ao procurar cumprir esta directiva,

deparou-se ao Secretariado uma situação curiosa”. Notou-se que as causas da

desertificação já eram conhecidas, assim como as técnicas para impedir o avanço

do processo. Todavia, “todo este saber estava fragmentado entre uma grande

variedade de outras disciplinas: climatologia, agronomia, pecuária, ciência

veterinária, geografia, ecologia, biologia”.

Infere-se que a visão do fenômeno não foi apresentada tendo em vista

um cenário global, mas sim baseada nos processos reais de desertificação

constatados em cada país. Contudo, foi preparado um dossiê que serviu como o

principal documento direcionado aos delegados da Conferência, ressaltando o

tema em quatro assuntos: clima, mudança ecológica, tecnologia e aspectos

sociais.

Emergiu, de todo esse trabalho de perícia, um retrato fascinante da

relação fluida entre a humanidade e a biosfera, ficando evidente que a

desertificação não era um problema só de alguns países.

88

UNITES NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION (UNCOD). Round-up, plan of action and resolutions. New York: United Nations. 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em 16 de março de 2006. 89

_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992.

Com base em dados climáticos, enfatizou-se que mais de 1/3 (um terço)

da superfície da Terra é caracterizado por deserto ou semideserto, mais ainda,

15% (quinze por cento) da população mundial vivem nessas áreas. 90

Também foi destacado que cerca de 30 milhões de quilômetros

quadrados, correspondendo a 19% da superfície terrestre, estão ameaçados pelo

processo de desertificação, sendo que essa área está distribuída entre mais de

2/3 (dois terços) da totalidade de países do mundo. 91

Finalmente, cerca de 500 delegados de 94 países reuniram-se em

Nairóbi, capital do Kenya, África, de 29 de agosto a 09 de setembro de 1977, para

discutir os problemas da desertificação e elaborar o Plano de Ação para o

Combate à Desertificação. 92

5.1. O plano de ação das Nações Unidas para combater a desertificação (PACD)

O Plano de Ação para Combater à Desertificação – PACD - foi promovido

na ocasião da I Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação.

O objetivo imediato desse Programa é impedir o avanço do processo de

desertificação e, quanto às terras degradadas, se possível, recuperá-las para o

uso produtivo. Já o objetivo final é garantir a sustentabilidade, dentro dos limites

ecológicos, das terras áridas, semi-áridas e subúmidas, entre outras que se

apresentarem vulneráveis ao processo de desertificação, no intuito de melhorar a

qualidade de vida de seus habitantes.

90

UNITES NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION (UNCOD). Round-up, plan of action and resolutions. New York: United Nations. 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em 16 de março de 2006. 91

Id. Ibid. 92

Id. Ibid.

Nesse sentido, a orientação que se dá é pela promoção de uma

campanha que direcione seus esforços para priorizar o desenvolvimento, a

provisão das necessidades básicas humanas e a produtividade sustentada.

O plano em tela alerta para a relação de interdependência entre o

desenvolvimento, população afetada, tecnologia e produtividade biológica. Diante

das aspirações expressas pelas Nações Unidas em sua carta patente93, no

sentido de melhorar a qualidade de vida e prover as necessidades básicas de

todos os povos, todas essas etapas devem estar presentes nos esforços dos

governos para combater a desertificação.

Aspecto relevante, apresentado pelo PACD, é a confirmação de que as

causas da desertificação variam entre as regiões do mundo afetadas, devido às

diferenças em suas características ecológicas e suas estruturas sociais e

econômicas. Por isso, cada região pode requerer uma aproximação distintiva em

relação aos problemas da desertificação. Nesse intuito, o PACD assinalou que a

gerência de recursos naturais roga o uso de métodos específicos para combater a

desertificação, enfatizando que a determinação real das prioridades será dada às

políticas e planos nacionais.

Também se reconhece, no plano de ação da ONU, que os países já

afetados, ou com probabilidade de serem afetados pela desertificação, estão em

estágios diferentes, concernente à apreciação dos problemas causados pelo

fenômeno e à habilidade em lidar com eles.

Então, tais Estados deverão igualmente seguir uma determinada

seqüência em seus esforços para combatê-la. Preliminarmente, define-se a

magnitude do impacto do problema e, em seguida, são elaborados e

93

NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas de 26 de junho de 1945. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php>. Acesso em 16 de março de 2006.

implementados programas com base no que foi esboçado pelo plano da ONU.

Vale dizer que nos Estados onde os programas já foram implementados, deverá

ser feito o monitoramento do seu progresso, bem como a avaliação de sua

utilidade para fins de repasse das informações à comunidade internacional.

Importante recomendação específica é a introdução de uma gestão do

solo aperfeiçoada e eficaz nas áreas sujeitas à desertificação. Nos termos do

PACD, essa boa gestão envolve uma larga escala de medidas sociais,

econômicas, institucionais, técnicas e legislativas. Para tanto, orienta-se que, nas

áreas afetadas ou vulneráveis, a gestão e planejamento do uso do solo sejam

baseados em métodos ecologicamente sadios e introduzidos em conformidade

com a eqüidade social.

5.1.1. O plano da ONU e a participação popular

O Plano da Ação para Combater à Desertificação – PACD - indica que a

prevenção e o combate à desertificação dependem da consciência pública e da

participação popular. Assim, nos balizamentos do PACD, as populações deverão

ser envolvidas nas tomadas de decisões que afetam diretamente suas vidas.

Ademais, a participação popular também será um meio importante para se fazer o

uso de experiências e habilidades desenvolvidas pelas comunidades afetadas. 94

Recomenda-se, sobretudo, que a participação popular seja máxima,

favorecendo, desse modo, um exame das reais necessidades e aspirações dos

povos, integralizando-o aos programas de combate à desertificação.

94

UNITES NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION (UNCOD). Round-up, plan of action and resolutions. New York: United Nations, 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em 16 de março de 2006.

Para tanto, essa recomendação depende do aumento da conscientização

geral sobre o problema e de uma melhor compreensão científica das tecnologias,

sejam elas velhas ou novas, desde que utilizadas pelas comunidades atingidas.

Deverão ser promovidos fóruns e amplos debates públicos, estimulando a

participação popular, especialmente daqueles setores da população que

tradicionalmente tiveram seu papel limitado.

Finalmente, para que isso se torne viável, grupos ou organizações

deverão ser formados, no intuito de visitar as áreas vulneráveis, e, nessa

oportunidade, distribuir publicações ilustrativas de fácil entendimento e,

principalmente, informar a respeito de quando as decisões importantes serão

tomadas.

6. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD)

Em dezembro de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou

a Resolução 44/228 determinando a realização, até 1992, de uma “Conferência

sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento” que pudesse avaliar como os países

haviam promovido a proteção ambiental desde a Conferência de Estocolmo de

1972.

Na sessão que aprovou essa resolução, o Brasil ofereceu-se para sediar

o encontro em 1992. Sobre esse fato, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva95

acrescenta que:

Numa fase inicial causou espécie o fato de o Brasil haver-se candidatado a sediar a Conferência, pretensão esta também manifestada pela Suécia. Os motivos da candidatura podem ser resumidos a dois: provar aos demais países que o Brasil participa

95

SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito Ambiental Internacional: Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex editora, 1995. p. 35.

das preocupações ecológicas; e aproveitar a oportunidade para mobilizar no Brasil a opinião pública em todos os níveis da administração, federal, estadual e municipal, a fim de criar uma consciência ecológica.

Logo, a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento” – CNUMAD - ficou conhecida como “Cúpula da Terra” (Earth

Summit), e marcou-se sua realização para o mês de junho de 1992, de maneira a

coincidir com o Dia do Meio Ambiente (05 de junho).

Dentre os objetivos principais dessa Conferência, destacam-se os

seguintes: a) examinar a situação ambiental mundial desde 1972 e suas relações

com o estilo de desenvolvimento vigente; b) estabelecer mecanismos de

transferência de tecnologias não poluentes aos países subdesenvolvidos; c)

examinar estratégias nacionais e internacionais para incorporação de critérios

ambientais ao processo de desenvolvimento; d) estabelecer um sistema de

cooperação internacional para prever ameaças ambientais e prestar socorro em

casos emergenciais; e) reavaliar o sistema de organismos da ONU,

eventualmente criando novas instituições para implementar as decisões da

conferência. 96

Essa Conferência foi organizada pelo Comitê Preparatório da

Conferência (PREPCOM), que foi formado em 1990 e tornou-se responsável pela

preparação dos aspectos técnicos do encontro. Durante as reuniões do

PREPCOM antecedentes à Conferência, foram preparados e discutidos os termos

dos documentos que seriam assinados em junho de 1992, no Rio de Janeiro.

O PREPCOM foi também importante na medida em que inovou os

procedimentos preparatórios de conferências internacionais, permitindo um amplo

debate político e intercâmbio de idéias entre as delegações oficiais e os

96

FELDMANN, Fabio. Entendendo o meio ambiente. São Paulo: SMA. 1997. p. 16.

representantes dos vários setores da sociedade civil, por meio de entidades e

cientistas. A participação ativa de atores não governamentais nesse processo

demonstrou um indício do seu papel cada vez mais importante em negociações

internacionais.

Finalmente, a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento” realizou-se no Rio de Janeiro, entre 03 e 14 de junho de 1992,

contando com a presença de 172 países (apenas seis membros das Nações

Unidas não estiveram presentes), representados por aproximadamente 10.000

participantes, incluindo 116 chefes de Estado. Além disso, receberam credenciais

para acompanhar as reuniões cerca de 1.400 organizações não governamentais e

9.000 jornalistas. 97

Tal Conferência da ONU propiciou debate e mobilização da comunidade

internacional em torno da necessidade de uma urgente mudança de

comportamento, visando à preservação da vida na Terra.

Pertinente ao objeto desse estudo, foi a constatação, em 1991, pelo

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA -, de que a

aplicação de recursos e a reversão dos processos de desertificação, na forma

indicada pelo Plano de Ação Mundial, haviam sido bastante modestos, por isso,

vários países com problemas de desertificação, especialmente a África,

resolveram propor, durante a Rio-92, a elaboração de uma Convenção específica

sobre o tema, vez que seria um instrumento jurídico mais forte, pois obrigaria os

países que a assinaram a assumir, de fato, os compromissos nela prescritos.

97

FELDMANN, Fabio. Entendendo o meio ambiente. São Paulo: SMA. 1997. p. 16.

6.1. A Agenda 21 e o desafio do “desenvolvimento sustentável”

A Agenda 21 é um acordo formalizado em um plano de grandeza

histórica, resultado do amadurecimento do debate no âmbito da comunidade

internacional a respeito da compatibilização entre o desenvolvimento econômico e

a proteção ambiental e, conseqüentemente, sobre a continuidade e

sustentabilidade da vida no planeta Terra.

Geraldo E. do Nascimento e Silva98 sinaliza que se constatou que “muitas

das atuais tendências do desenvolvimento resultam em numero cada vez maior

de pessoas pobres e vulneráveis, além de causarem dano ao meio ambiente”. A

partir dessa premissa, o entendimento da Comissão Mundial sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento foi no sentido de que era necessário um novo tipo

de desenvolvimento capaz de manter o progresso humano não apenas em alguns

lugares por alguns anos, mas em todo o planeta até um futuro longínquo. Essa é

a fórmula do “desenvolvimento sustentável”.

Não custa lembrar que, no interregno entre as duas grandes

Conferências da ONU sobre o Meio Ambiente, a de 1972 e 1992, houve

momentos em que a comunidade internacional se reuniu para discutir os grandes

temas que envolvem a questão da sustentabilidade da vida no planeta Terra.

Atendendo a essas reuniões, foram publicados relatórios abordando a

compatibilidade entre o desenvolvimento econômico e a proteção do meio

ambiente.

Dentre esses relatórios, convém destacar alguns que serviram de

subsídio para a definição do conteúdo da Agenda 21, tais como: “A Estratégia

Mundial para a Conservação da Natureza” (WWF e IUCN - 1980) e “O Nosso

98

SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento (1995). Op. cit., p. 46.

Futuro Comum” (relatório da Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

da ONU – 1987).

O primeiro relatório citado foi elaborado sob o patrocínio e supervisão do

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), da União

Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e do Fundo Mundial para a

Vida Selvagem (WWF). Esse documento explora, basicamente, as interfaces

entre conservação de espécies e ecossistemas e entre a manutenção da vida no

planeta e a preservação da diversidade biológica, introduzindo, pela primeira vez,

o conceito de "desenvolvimento sustentável".

O segundo relatório foi publicado em 1982 e ficou mais conhecido como

"Relatório Brundtland", elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente

e o Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas e presidida por Gro Harlem

Brundtland, primeira-ministra da Noruega, na época. Enfim, o “Relatório

Brundtland” consolida uma visão crítica do modelo de desenvolvimento adotado

pelos países industrializados e mimetizado pelas nações em desenvolvimento,

ressaltando a incompatibilidade entre os padrões de produção e consumo

vigentes nos primeiros, o uso racional dos recursos naturais, bem como a

capacidade de suporte dos ecossistemas. Conceitua-se como sustentável o

modelo de desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem

comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias

necessidades. A partir de sua publicação, o "Nosso Futuro Comum" tornou-se

referência mundial para a elaboração de estratégias e políticas de

desenvolvimento ecocompatíveis.

A inédita Agenda 21, dentre os acordos assinados na Conferência do

Rio-92, tem particular importância por representar um consenso mundial e um

compromisso político de alto nível, mais ainda, por constituir o primeiro esforço de

sistematização de um amplo programa de ação de transição para o

desenvolvimento sustentável.

6.2. As seções da Agenda 21

A Agenda 21 configura uma pauta de ações de longo prazo, compondo-

se de temas, projetos, objetivos, metas, planos e mecanismos de execução. Essa

pauta de ações está descrita em 04 seções, 40 capítulos, 115 programas, e

aproximadamente 2.500 ações específicas a serem implementadas.

As quatro seções se subdividem em capítulos temáticos. A I Seção cuida

das “dimensões econômicas e sociais”, tratando: da cooperação internacional

para acelerar o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento e

políticas internas correlatas; das relações entre o meio ambiente e a pobreza; das

mudanças nos padrões de consumo; dos fatores demográficos e o

desenvolvimento sustentável; da promoção das condições da saúde humana; da

promoção do desenvolvimento sustentável nos assentamentos humanos; e da

integração entre meio ambiente e desenvolvimento nas tomadas de decisão.

A II Seção, por sua vez, se dirige à “conservação e gerenciamento de

recursos para o desenvolvimento”, tratando: da proteção da atmosfera; da

abordagem integrada do planejamento e gerenciamento dos recursos terrestres;

do combate ao desflorestamento; do manejo de ecossistemas frágeis, dando

ênfase à luta contra a desertificação e a seca; do gerenciamento dos

ecossistemas frágeis, especialmente do desenvolvimento sustentável das

montanhas; da promoção do desenvolvimento rural e agrícola sustentável; da

conservação da biodiversidade; do manejo da biotecnologia; da proteção dos

oceanos, mares e zonas costeiras; da proteção da qualidade e do abastecimento

dos recursos hídricos; do manejo das substâncias químicas e tóxicas, incluindo o

tráfico ilegal de resíduos perigosos; do manejo dos resíduos sólidos,

especialmente em relação ao tratamento dos esgotos; e do manejo seguro dos

resíduos radioativos.

A III Seção cuida do “fortalecimento do papel dos grupos principais”,

ocupando-se: com a ação mundial das mulheres, com vistas a um

desenvolvimento sustentável e eqüitativo; com a infância e juventude no

desenvolvimento sustentável; com o reconhecimento e fortalecimento do papel

das populações indígenas; com o fortalecimento do papel das Ong‟s, tidas como

parceiras no desenvolvimento sustentável; com o fortalecimento do papel do

comércio e da indústria; com a comunidade científica e tecnológica; e com o

fortalecimento do papel dos agricultores.

Finalmente, tem lugar a IV Seção que, trata dos “meios de

implementação”, aclarando sobre: os recursos e mecanismos de financiamento;

sobre a transferência de tecnologia, cooperação e fortalecimento institucional;

sobre a ciência para o desenvolvimento sustentável; sobre a promoção do ensino,

da conscientização e do treinamento; sobre a cooperação internacional para o

fortalecimento institucional dos países em desenvolvimento; sobre os arranjos

institucionais internacionais; sobre os instrumentos e mecanismos jurídicos

internacionais; e sobre a informação para a tomada de decisões.

6.3. A desertificação na Agenda 21

Os programas de manejo de ecossistemas frágeis, com foco na luta

contra a desertificação e a seca, estão presentes na II Seção e correspondem ao

capítulo 12 da Agenda 21, no qual se apresenta o conceito de desertificação

como sendo “a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e subúmidas

secas, resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas e de

atividades humanas”.

Assim, o foco dos programas que seguem é dado às áreas áridas, semi-

áridas e subúmidas secas, com prioridade à implementação de: medidas

preventivas nas áreas ainda não afetadas ou apenas levemente afetadas pela

desertificação; medidas corretivas para sustentar a produtividade de terras

moderadamente desertificadas; e medidas regeneradoras para recuperar terras

secas seriamente ou muito seriamente desertificadas.

Daí, infere-se a preocupação tanto em relação às terras degradadas

quanto àquelas consideradas suscetíveis ao processo de desertificação.

Nesse escopo, vários programas foram incluídos no referido capítulo: a)

Fortalecimento da base de conhecimentos e desenvolvimento de sistemas de

informação e monitoramento para regiões propensas à desertificação e seca, sem

esquecer os aspectos econômicos e sociais desses ecossistemas; b) Combate à

degradação do solo por meio, inter alia, da intensificação das atividades de

conservação do solo, florestamento e reflorestamento; c) Desenvolvimento e

fortalecimento de programas de desenvolvimento integrado para a erradicação da

pobreza e a promoção de sistemas alternativos de subsistência em áreas

propensas à desertificação; d) Desenvolvimento de programas abrangentes de

antidesertificação e sua integração aos planos nacionais de desenvolvimento e ao

planejamento ambiental nacional; e) Desenvolvimento de planos abrangentes de

preparação para a seca e de esquemas para a mitigação dos seus resultados,

que incluam dispositivos de auto-ajuda para as áreas propensas à seca e

preparem programas voltados para enfrentar o problema dos refugiados

ambientais; f) Estímulo e promoção da participação popular e da educação, sobre

a questão do meio ambiente, centradas no controle da desertificação e no manejo

dos efeitos da seca.

O “fortalecimento da base de conhecimentos e desenvolvimento de

sistemas de informação e monitoramento para regiões propensas à desertificação

e seca”, tem, como base para ação, as avaliações realizadas pelo mundo entre

1977 e 1991, nas quais se verificou uma insuficiência de conhecimentos sobre os

processos de desertificação, especialmente em relação aos países em

desenvolvimento, que apresentam uma capacidade limitada para gerar as

informações pertinentes.

No que toca o “combate à degradação do solo por meio, inter alia, da

intensificação das atividades de conservação do solo, florestamento e

reflorestamento”, é sugerida a aplicação de medidas preventivas nas terras não

ainda degradadas e de medidas corretivas e de reabilitação nas terras secas um

pouco degradadas ou seriamente degradadas, inclusive em regiões afetadas por

movimentos de dunas de areia, por meio da introdução de sistemas de uso da

terra saudáveis, socialmente aceitáveis, justos e economicamente viáveis.

Para o “desenvolvimento e fortalecimento de programas de

desenvolvimento integrado para a erradicação da pobreza e a promoção de

sistemas alternativos de subsistência em áreas propensas à desertificação”,

enfatizou-se que, normalmente nas regiões áridas e semi-áridas, suscetíveis à

desertificação, as populações não têm recursos para manter padrões de vida

adequados, vivendo dos sistemas tradicionais de subsistência, habitualmente

inadequados e insustentáveis, sobretudo diante da crescente pressão

demográfica. Nos termos da Agenda 21, “a pobreza é um fator preponderante na

aceleração do ritmo da degradação e da desertificação”. Em decorrência disso,

faz-se imprescindível adotar medidas que permitam reabilitar e melhorar os

sistemas agropastoris, com vistas a obter um manejo sustentável das pastagens e

sistemas alternativos de subsistência.

O “desenvolvimento de programas abrangentes de antidesertificação e

sua integração aos planos nacionais de desenvolvimento e ao planejamento

ambiental nacional” se justificam na questão do desenvolvimento dependente dos

recursos naturais, verificada, principalmente, nos países em desenvolvimento.

Assim, a interação entre sistemas sociais e recursos terrestres torna o problema

ainda muito mais complexo, fazendo-se necessária uma abordagem integrada do

planejamento e do manejo dos recursos terrestres. Os planos de ação voltados

para o combate à desertificação e à seca devem incluir aspectos de manejo do

meio ambiente e do desenvolvimento, adotando assim a abordagem integrada

dos planos nacionais de desenvolvimento e dos planos nacionais de ação para o

meio ambiente.

Em relação ao “desenvolvimento de planos abrangentes de preparação

para a seca e de esquemas para a mitigação dos resultados da seca”, a base

para ação consiste na sua gravidade, que afeta grande parte dos países em

desenvolvimento, lembrando que, devido a esse fenômeno, em meados da

década de 1980, morreram cerca de 03 milhões de pessoas na África

subsaariana. Com isso sugere-se que os sistemas de pronto alerta na previsão de

secas possibilitarão que se implementem planos de emergência para o caso de

ocorrerem secas. Com pacotes integrados no nível de exploração agrícola ou de

bacia hidrográfica, como, por exemplo, estratégias alternativas de cultivo,

conservação do solo e da água e promoção de técnicas de captação da água,

seria possível aumentar a capacidade de resistência da terra à seca e atender às

necessidades básicas, minimizando assim o número de refugiados ambientais e a

necessidade de atendimento de emergência para a seca. Ao mesmo tempo, são

necessários dispositivos de emergência para o atendimento durante os períodos

de grande escassez.

Finalmente, o “estímulo e promoção da participação popular e da

educação, sobre a questão do meio ambiente, centradas no controle da

desertificação e no manejo dos efeitos da seca”, se explicam por razões

plausíveis, visto que, como preceituado na Agenda, “a experiência adquirida até a

presente data acerca dos êxitos e fracassos dos programas e projetos aponta

para a necessidade de apoio popular para as atividades relacionadas ao controle

da desertificação”.

A orientação segue para que se ultrapasse o ideal teórico da participação

popular, reunindo os esforços para lograr um envolvimento popular concreto e

participativo. Desse modo, os objetivos específicos inseridos neste programa são:

1. Desenvolver e aumentar a consciência e os conhecimentos do público em torno da desertificação e da seca, inclusive introduzindo a educação ambiental nos currículos das escolas primárias e secundárias; 2. Estabelecer e promover uma parceria efetiva entre as autoridades governamentais, tanto no plano nacional como local, outras agências executivas, organizações não-governamentais e usuários da terra atingidos pela seca e a desertificação, dando aos usuários da terra um papel responsável nos processos de planejamento e execução, com o objetivo de que decorram plenos benefícios dos processos de desenvolvimento;

3. Garantir que os parceiros compreendam as necessidades, objetivos e pontos de vista recíprocos pondo a sua disposição uma série de meios, como treinamento, sensibilização da opinião pública e diálogo aberto; 4. Apoiar as comunidades locais em seus próprios esforços para combater a desertificação, e valer-se dos conhecimentos e da experiência das populações atingidas, garantindo participação plena para as mulheres e populações indígenas.

Para que sejam exeqüíveis tais programas específicos, cabe ao governo

tomar algumas providências, especialmente, como assinalado na Agenda,

adotando políticas e estabelecendo estruturas administrativas para um “processo

de tomada de decisões mais descentralizado”, assim como “uma implementação

mais descentralizada”.

6.4. O desenvolvimento rural e agrícola sustentável

A Agenda 21 contempla, ainda na II Seção, capítulo 14, as áreas de

programas com vistas à “promoção do desenvolvimento rural e agrícola

sustentável”.

Pela Agenda em vigor, a “promoção do desenvolvimento rural e agrícola

sustentável” se justifica na percepção de que a agricultura se encontra diante da

necessidade de aumentar cada vez mais a produção nas terras exploradas,

evitando, no entanto, que ocorra a sua exaustão. Isso porque, a população dos

países em desenvolvimento cresce velozmente e não se sabe se os recursos e

tecnologias disponíveis satisfarão as exigências alimentares ou de outros

produtos agrícolas dessa população nos próximos 20 anos.

Nesse sentido, o principal objetivo da realização do desenvolvimento rural

e agrícola sustentável é aumentar a produção de alimentos de forma sustentável

e incrementar a segurança alimentar. Isso implica tanto em medidas de

manutenção e aperfeiçoamento da capacidade das terras agrícolas, quanto em

conservação ou recuperação dos recursos naturais nas terras com menor

potencial produtivo, assim, assegurar-se-á a razão homem/terra sustentável.

Especificamente, no que toca à “conservação e reabilitação da terra”,

consta como base para ação, a ênfase dada à erosão dos solos, destacando-a

como o mais grave problema ambiental mundial, vez que a despeito de essa

questão estar mais acentuada nos países em desenvolvimento, se verifica que,

em todos os países, se agravam os problemas de salinização, encharcamento,

poluição e perda da fertilidade do solo.

Por outro lado, até a elaboração da Agenda 21, observou-se que os

esforços para controlar a degradação das terras, sobretudo nos países em

desenvolvimento, encontraram sucesso limitado. A partir de então, a Agenda

salientou a necessidade de serem criados e implementados programas nacionais

e regionais de conservação e reabilitação das terras “bem planejados, de longo

prazo, com forte apoio político e recursos financeiros adequados”.

Essa questão também engloba a indispensável participação popular. Em

outras palavras, para a obtenção do “desenvolvimento rural e agrícola

sustentável”, faz-se necessário promover a sensibilização do público quanto ao

papel da participação popular e das organizações civis. Nos termos da Agenda, o

público alvo seriam “os grupos de mulheres, jovens, populações indígenas e

habitantes de regiões sob ocupação, comunidades locais e pequenos

agricultores”.

Para isso, os governos devem envolver a sociedade em assuntos de

prática de manejo dos solos, na elaboração de acordos que modifiquem a forma

de utilizar os recursos, nos direitos e deveres associados ao uso da terra, da água

e das florestas, no funcionamento dos mercados, nos preços, entre outros.

6.5. O papel dos atores do desenvolvimento sustentável

O papel dos atores do desenvolvimento sustentável é tratado na III Seção

da Agenda 21, que focaliza o “fortalecimento do papel dos grupos principais”,

evidenciando as formas de apoio a grupos sociais organizados e minoritários que

podem colaborar para a sustentabilidade.

Já no preâmbulo dessa seção, destaca-se a ênfase dada à ampla

participação da opinião pública na tomada de decisões relativas ao meio

ambiente, uma vez que, no contexto do meio ambiente e desenvolvimento, surge

a necessidade de novas formas de participação.

Nas balizas da III Seção sobressai a necessidade de que os indivíduos,

grupos e organizações participem dos procedimentos de avaliação do impacto

ambiental e conheçam e participem também das tomadas de decisões,

especialmente daquelas que possam vir a afetar as comunidades nas quais vivem

e trabalham. Para tanto, as áreas de programas oportunamente referidos são

dotadas de meios para avançar na direção de uma autêntica participação social

em apoio dos esforços comuns pelo desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, indivíduos, grupos e organizações devem ter acesso à

informação pertinente ao meio ambiente e desenvolvimento detida pelas

autoridades nacionais, vistas como, nos termos da Agenda 21, “informações

sobre produtos e atividades que têm ou possam ter um impacto significativo sobre

o meio ambiente, assim como, informações sobre medidas de proteção

ambiental”.

Dentre os capítulos que se seguem nessa seção, tem-se a “Ação

mundial pelas mulheres com vistas a um desenvolvimento sustentável e

eqüitativo”, que contém, dentre outros objetivos fundamentais, o de eliminar os

obstáculos à plena participação da mulher no desenvolvimento sustentável e na

vida pública, bem como estabelecer mecanismos para avaliar os impactos de uma

política de meio ambiente e desenvolvimento sobre a mulher. Nesse ponto, há

menção às áreas que exigem medidas urgentes, apontadas como as “zonas

rurais sujeitas a secas, desertificação e desmatamento [...]”, que devem ser

tomadas para evitar que a degradação rápida do meio ambiente afete a vida da

mulher e da criança.

Outro capítulo coloca em foco a “infância e à juventude no

desenvolvimento sustentável”, contendo os seguintes programas: a) “Promoção

do papel da juventude e de sua participação ativa na proteção do meio ambiente

e no fomento do desenvolvimento econômico e social”, cuja base para ação está

na participação ativa dos jovens em todas as fases do processo de tomada de

decisão, visto que os programas afetam sua vida atual e têm repercussões no

futuro. b) “A criança no desenvolvimento sustentável”, que tem, como uma das

bases para ação, a garantia de que os interesses da infância sejam levados em

conta no processo participatório conducente ao desenvolvimento sustentável e à

melhoria da qualidade do meio ambiente.

A III Seção também se reporta ao “Reconhecimento e fortalecimento do

papel das populações indígenas e suas comunidades”. Resta claro, pelo

raciocínio apresentado, que, dentre os objetivos, faz parte o que preza por

estabelecer mecanismos para intensificar a participação ativa das populações

indígenas e suas comunidades na formulação de políticas, leis e programas

relacionados com o manejo dos recursos.

Finalmente, não se poderia deixar de sobrelevar o “Fortalecimento do

papel dos agricultores”, já que, como é conhecido neste estudo, a relação entre

as atividades rurais e a natureza é muito estreita, pois, ao mesmo tempo em que

se produz, deve-se tomar cuidado com o manejo inadequado dos solos que os

torna vulneráveis.

A base para a ação desse Programa está centrada na preocupação com

a conservação do meio físico por parte dos agricultores que, por sua vez, dele

dependem para sua subsistência.

Então, a Agenda 21 contempla a necessidade de políticas públicas

voltadas aos agricultores, a fim de que estes mesmos gerenciem seus recursos

naturais de maneira eficiente e sustentável. Para tanto, é necessário a

descentralização das tomadas de decisões, entregando-as a organizações locais

e comunitárias, no intuito de mudar o comportamento da população e implementar

estratégias agrícolas sustentáveis.

6.5.1. As organizações não governamentais (ONG’s)

Importante alvo deste estudo é o capítulo 27 da IV Seção, que se ocupa

do “Fortalecimento do papel das organizações não-governamentais: parceiras

para o desenvolvimento sustentável”.

Das linhas dirigidas no referido capítulo, apreende-se que a Agenda 21

reconhece que as organizações não governamentais (ONG‟s) desempenham um

papel fundamental na modelagem e implementação da democracia participativa.

É certo que um dos principais desafios que a comunidade mundial

enfrenta na busca da substituição dos padrões de desenvolvimento insustentável

por um desenvolvimento ambientalmente saudável e sustentável é a necessidade

de estimular o sentimento de que se persegue um objetivo comum em nome de

todos os setores da sociedade. As chances de forjar um tal sentimento

dependerão da disposição de todos os setores de participar de uma autêntica

parceria social e diálogo, reconhecendo, ao mesmo tempo, a independência dos

papéis, responsabilidades e aptidões especiais de cada um.

Assim, as organizações não governamentais (ONG‟s), por possuírem

uma variedade de experiência e um vasto conhecimento em campos específicos,

se tornam peças importantes para a implementação de um desenvolvimento

sustentável.

Não obstante as qualidades que encerram as ONG‟s, para que seja

assegurada a sua contribuição no desenvolvimento sustentável, terão de

promover a máxima comunicação e cooperação possível entre si, com as

organizações internacionais e com os governos nacionais e locais.

No mesmo sentido, Édis Milaré99 assevera que:

As chamadas organizações não-governamentais – ONGs, ao lado das Organizações Intergovernamentais – OIs, são, no campo do direito internacional, um produto da democratização das nações e, por conseguinte, das relações internacionais, bem como da necessidade de cooperação recíproca, nos mais variados temas, que os Estados passaram a sentir de forma cada vez mais intensa.

99

MILARÉ, Édis; LOURES, Flavia Tavares Rocha. O papel do terceiro setor na proteção jurídica do ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, n. 35, ano 9, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 107.

As organizações intergovernamentais ou internacionais são entidades

coletivas constituídas por ato solene firmado entre Estados soberanos. Já as

organizações não governamentais, que também são entidades coletivas, são

criadas por um ato jurídico nacional, não podendo representar, em regra, a

vontade dos Estados, mas sim os anseios de uma coletividade que não tem

personalidade jurídica de Direito Internacional.100

Por outro lado, considerando o cenário internacional, vê-se que as ONG‟s

vêm desempenhando as mais diversas atividades. Édis Milaré101 destaca as

seguintes:

a) a assessoria prestada aos Estados em assuntos e questões técnicas que exigem maior especialização entre seus debatedores; b) a forte capacidade de mobilização da opinião pública internacional, que induz, nos Estados, a implementação de políticas públicas coerentes com a agenda internacional ambiental; c) a divulgação de programas ambientais promovidos pelas agências da ONU.

Entretanto, a fim de permitir que as organizações não governamentais

desempenhem seu papel de parceiras no desenvolvimento sustentável,

especialmente em relação à execução da Agenda 21, os governos, em conjunto

com as Nações Unidas, devem concatenar um exame dos procedimentos e

mecanismos formais para a participação dessas organizações em todos os níveis,

da formulação de políticas e tomada de decisões à implementação, bem como,

instituir meios flexíveis e eficazes para obter a tão esperada participação máxima.

Interessante anotar que, no Brasil, a legislação prevê a participação das

ONG‟s em órgãos de controle ambiental, tal como o CONAMA – Conselho

Nacional do Meio Ambiente. Conforme a Lei 6.938/81, artigo 5º, “integram o

plenário do CONAMA” [...] VIII - a) “dois representantes de entidades

100

SOARES, Guido F. S. As ONGS e o direito internacional do meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, n. 17, ano 05, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2000. p. 51. 101

MILARÉ, Édis; LOURES, Flavia Tavares Rocha (2004). Op. cit. p. 107.

ambientalistas de cada das Regiões Geográficas do País”; b) “um representante

de entidade ambientalista de âmbito nacional”; c) “três representantes de

associações legalmente constituídas para a defesa dos recursos naturais e do

combate à poluição, de livre escolha do Presidente da República”.

7. Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África

Ainda durante a Conferência Rio-92, vários países com problemas de

desertificação propuseram à Assembléia Geral que aprovasse a negociação de

uma Convenção Internacional sobre o tema da desertificação. Por conta disso, a

Assembléia Geral, através da resolução n° 47/188, aprovou a negociação da

Convenção, que foi realizada a partir de janeiro de 1993 e finalizada em Paris, em

17 de junho de 1994, data que se transformou no “Dia Mundial da Luta contra a

Desertificação”. 102

A “Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação”

(UNCCD) traz uma nova expectativa para aqueles que empreendem seus

esforços no combate a esse problema.

Tal instrumento internacional entrou em vigor a partir de 26 de dezembro

1996, três meses depois que o qüinquagésimo país a ratificou. Até setembro de

2005, 190 países e a União Européia tinham-na ratificado. 103

Pelo Brasil, a “Convenção das Nações Unidas para o Combate à

Desertificação” foi assinada em 15 de outubro de 1994, em Paris. Em seguida, o

documento foi submetido ao Congresso Nacional que o aprovou pelo Decreto

Legislativo n° 28, de 12 de junho de 1997.

102

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (Secretaria dos Recursos Hídricos). Desertificação: III Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas. 103

SECRETARIAT OF THE UNITED NATIONS CONVENTION TO COMBAT DESERTIFICATION. Fact Sheets on UNCCD. Last revised September 2005. Publicado em: <http://www.unccd.int./>. Acesso em 18 de janeiro de 2006.

O governo brasileiro depositou o Instrumento de Ratificação da

“Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados por

Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África”, em 25 de junho de

1997, passando a mesma a vigorar, para o Brasil, em 24 de setembro de 1997.

Finalmente, o Decreto n° 2.741, de 20 de agosto de 1998, promulgou a

Convenção, que foi apensada ao mesmo, devendo, portanto, ser cumprido em

todos os seus termos.

7.1. Definição dos termos, objetivos, princípios e obrigações das Partes

A “Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação”, em

seu artigo 1°, traz algumas definições dos termos utilizados por ela, tendo em

vista, como já foi referido neste estudo, a variedade de conhecimentos científicos

que tangenciam esta matéria.

Nesse sentido, para os efeitos da Convenção, entende-se por

desertificação, a “degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e subúmidas

secas, resultantes de vários fatores, incluindo as variações climáticas e atividades

humanas”.

O combate à desertificação compreende “as atividades que fazem parte

do aproveitamento integrado da terra”, nas zonas descritas no conceito acima,

“com vistas ao desenvolvimento sustentável” e com o objetivo de prevenir ou

reduzir a degradação das terras, reabilitar as parcialmente degradadas e/ou

recuperar as degradadas.

A seca também é definida como “fenômeno que ocorre naturalmente

quando a precipitação registrada é significativamente inferior aos valores

normais”. Nesse passo, por mitigação aos efeitos da seca entendem-se “as

atividades relacionadas com a previsão da seca e dirigidas à redução da

vulnerabilidade da sociedade e dos sistemas naturais àquele fenômeno”.

No que se relaciona à terra, a Convenção a descreve como “sistema

produtivo terrestre que compreende o solo, a vegetação, outros componentes da

biota e os processos ecológicos e hidrológicos que se desenvolvem dentro do

sistema”. Portanto, nos termos da Convenção, a degradação da terra se

caracteriza pela:

[...] redução ou perda, nas zonas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, da produtividade biológica ou econômica e da complexidade das terras agrícolas de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, das pastagens naturais, das pastagens semeadas das florestas e das matas nativas devido aos sistemas de utilização da terra ou a um processo o combinação de processos, incluindo os que resultam da atividade do homem e das suas formas de ocupação do território, tais como: IV. a erosão do solo causada pelo vento e/ou pela água; V. a deterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas ou econômicas do solo, e VI. a destruição da vegetação por períodos prolongados. [...]

As zonas áridas, semi-áridas e subúmidas são as encontradas em todas

as áreas do planeta, “com exceção das polares e das sub-polares, nas quais a

razão de precipitação anual e evapotranspiração potencial está compreendida

entre 0,05 e 0,65”.

No artigo 2°, a Convenção em tela indica como objetivo imediato:

O combate à desertificação e a mitigação dos efeitos da seca grave e/ou desertificação, particularmente na África, através da adoção de medidas eficazes em todos os níveis, apoiadas em acordos de cooperação internacional e de parceria, em um quadro de uma abordagem integrada, coerente com a Agenda 21, que tenta em vista contribuir para se atingir o desenvolvimento sustentável nas zonas afetadas.

Sendo assim, pode-se apreender como objetivo mediato, o qual se

considera para a consecução do objetivo principal, a necessidade de aplicação,

nas zonas afetadas, de “estratégias integradas” em longo prazo, baseadas

simultaneamente, no “aumento de produtividade da terra e na reabilitação,

conservação e gestão sustentada dos recursos naturais”, no propósito de

“melhorar as condições de vida, particularmente ao nível das comunidades

locais”.

Já no artigo 3°, a presente Convenção arrola alguns princípios

direcionados às Partes, fundamentais para o combate à desertificação:

a) Garantia do desenvolvimento participativo, sendo que, nas balizas da

Convenção:

As Partes deverão garantir que as decisões relativas à concepção e implementação dos programas de combate à desertificação e/ou mitigação dos efeitos da seca serão tomadas com a participação das populações e comunidades locais e que, nas instâncias superiores de decisão, será criado um ambiente propício que facilitará a realização de ações aos níveis nacional e local;

b) Cooperação entre as Partes, na medida em que: As Partes deverão, num espírito de solidariedade internacional de parceria, melhorar a cooperação e coordenação aos níveis sub-regional, regional e internacional e concentrar recursos financeiros, humanos, organizacionais e técnicos onde eles forem necessários;

c) Parceria no intercâmbio de conhecimento científico, ao passo que: As Partes deverão fomentar, num espírito de parceria, a cooperação a todos os níveis de governo, das comunidades das organizações não governamentais e dos detentores da terra, a fim de que seja melhor compreendida a natureza e o valor do recurso da terra e dos escassos recursos hídricos das áreas afetadas, e promovido o uso sustentável;

d) Solidariedade ou mutualidade de interesses e deveres, segundo a qual

as “Partes deverão tomar plenamente em consideração as necessidades e as

circunstâncias particulares dos países Partes em desenvolvimento afetados”.

Em prol dos objetivos e princípios descritos na dita Convenção, as Partes

receberam algumas obrigações gerais, previstas no artigo 4°, as quais, podem ser

realizadas individualmente ou em conjunto, por meio de acordos bilaterais ou

multilaterais.

Em geral, as Partes devem: a) Adotar uma abordagem interdisciplinar,

considerando os aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos do processo de

desertificação; b) Atribuir uma atenção especial aos países Partes em

desenvolvimento, endividados, no intuito de “criar um ambiente econômico

internacional favorável à promoção de um desenvolvimento sustentável”; c)

Integrar as estratégias de erradicação da pobreza nos esforços de combate à

desertificação e de mitigação dos efeitos da seca; d) Promover a cooperação

internacional, em matéria de proteção ambiental, especificamente, no que tange à

conservação dos recursos em terra e hídricos; e) Reforçar a cooperação sub-

regional, regional e internacional; f) Cooperar com as organizações

intergovernamentais competentes; g) Promover a utilização dos mecanismos e

acordos financeiros bilaterais e multilaterais já existentes, suscetíveis de mobilizar

e canalizar recursos financeiros substanciais para o combate à desertificação;

Aos países Partes afetados recaem algumas obrigações específicas, tais

como: a) Alocar recursos, dentro de sua capacidade, para combater a

desertificação e/ou mitigar os efeitos da seca; b) Formular estratégias,

estabelecendo prioridades, em seus planos ou políticas de desenvolvimento

sustentável, visando ao combate à desertificação; c) Atacar as causas da

desertificação, não desconsiderando os fatores sócioeconômicos que contribuem

para o processo; d) Facilitar a participação das populações locais, incluindo

mulheres e jovens e ainda recorrendo ao apoio das ONG‟s; e) Criar um ambiente

favorável, recorrendo ao reforço da legislação pertinente em vigor e, no caso de

esta não existir, à promulgação de nova legislação, bem como promoção de

novas políticas públicas com base em programas de ação em longo prazo.

Finalmente, aos países Partes desenvolvidos incidem outras obrigações

específicas, como: apoiar ativamente os países afetados, disponibilizando

recursos financeiros substanciais, encorajando a mobilização de tais recursos

oriundos do setor privado, promovendo o acesso à tecnologia, ou outros

conhecimentos técnicos adequados.

7.2. Instituições: Conferência das Partes (COP) e outros órgãos articulados

O principal órgão da Convenção é a Conferência das Partes (COP),

formada pelos governos que a ratificaram e as organizações de interação

econômica regional, como a União Européia. Este órgão supremo é assistido em

suas tarefas por outros dois órgãos subsidiários que são: o Comitê de Ciência e

Tecnologia (CST) e o Comitê de Revisão e Implementação da Convenção (CRIC).

A COP, até 2005, havia realizado sete sessões, tendo sido a primeira em

Roma, datada de 1997. Este órgão se tem reunido de dois em dois anos, a partir

de 2001.

Uma das funções principais da COP é revisar os relatórios submetidos

pelas Partes, que, por sua vez, detalham como estão desenvolvendo seus

compromissos. A COP faz recomendações, tendo como base esses relatórios.

Tem também o poder de fazer emendas à Convenção, ou adotar novos anexos,

tais como o anexo de implementação regional. Dessa maneira, a COP pode guiar

a Convenção no caso de as circunstâncias globais ou as necessidades nacionais

mudarem.

O Comitê de Ciência e Tecnologia (CST) assiste a COP em matérias

científicas e tecnológicas. Trata-se de um órgão subsidiário cuja função é fornecer

à COP as informações e os pareceres em matérias científicas e tecnológicas

tendo em vista o combate à desertificação e a mitigação dos efeitos da seca. É

um órgão multidisciplinar, aberto às Partes e composto por representantes do

governo com notório saber em suas respectivas áreas de especialização. Desse

modo, oferece regularmente à COP relatórios de seus trabalhos, que são

incluídos em suas sessões, e é responsável pela continuação dos trabalhos da

Convenção no interregno entre as sessões da COP.

O Comitê de Revisão e Implementação da Convenção (CRIC) auxilia a

COP na revisão e execução da Convenção. Foi estabelecido durante a COP 5, no

intuito de receber as informações vindas dos países Partes, assim como da CST

para repassá-las à COP. O CRIC realiza suas sessões anuais durante e entre as

sessões ordinárias da COP. Os processos de revisão iniciados pelo CRIC, que

incluem as contribuições de níveis sub-regional e regional, permitirão que se

extraiam conclusões que são propostas à COP, para que esta tome medidas

concretas na implementação da Convenção. A revisão deve ser conduzida pelas

linhas temáticas determinadas pela COP.

A COP também é servida por um Secretariado Permanente, que presta

serviços a fim de organizar suas reuniões e dos seus respectivos órgãos

subsidiários, copiar e transmitir relatórios, facilitando sua consulta, prestar

assistência, quando solicitada, aos países afetados, entre outras tarefas.

Um mecanismo global (GM) ajuda a COP a promover fundos para a

realização das atividades e programas relatados na Convenção. Entretanto, não

foi concebido para levantar ou administrar fundos. Ao contrário, o GM incentiva

doadores, receptores, bancos de desenvolvimento, ONG‟s, entre outros, a

mobilizar fundos e canalizá-los para os mais precisados. É custeado pelo “Fundo

Internacional para Agricultura e Desenvolvimento” – IFAD – e está sob a

autoridade da COP, que revê periodicamente suas políticas, modalidades

operacionais e atividades.

7.3. Os programas de ação: NAP’s, RAP’s e SRAP’s

A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação será

implementada pelos programas de ação em nível nacional (NAP), regional (RAP)

e sub-regional (SRAP).

Assim, as Partes da Convenção devem consultar os seus respectivos

programas de ação para que possam realizar uma gestão mais integrada e

participativa sobre os recursos naturais das terras secas.

Tem havido, por parte dos países, um esforço significativo no intuito de

criar um programa sistematizado. Nesse ponto, a solidariedade internacional tem

contribuído bastante para o início de projetos com o compartilhamento das

políticas sedimentadas. Isso ocorre de maneira eficaz, mas não completamente,

pois os programas, obviamente, necessitam ainda de adaptação às circunstâncias

regionais particulares.

Até agosto de 2005, 77 NAP‟s já haviam sido preparadas e adotadas.

Não custa enfatizar que a Convenção traz em seus anexos algumas exigências

específicas de implementação para a África, Ásia, América Latina e Caribe, norte

do Mediterrâneo e leste europeu.

Os programas são considerados referências para um processo em

andamento que consiste em planos de redução da pobreza e desenvolvimento

sustentável das áreas áridas. Assim, das linhas da Convenção, especificamente

do artigo 10, apreende-se que os esforços em combater a desertificação devem

ser inteiramente integrados com outros programas de desenvolvimento. A

inversão da degradação da terra está ligada à diminuição da pobreza, pois ambas

as ações envolvem segurança alimentar, educação, treinamento e reforço da

capacidade de comunidades locais, assim como mobilização das ONG‟s.

Mais ainda, sugere-se o desenvolvimento de projetos que viabilizem

formas alternativas de subsistência suscetíveis de gerar rendimentos nas zonas

mais vulneráveis à seca.

Nesse sentido, os programas também devem esboçar estratégias em

longo prazo, além de serem formulados com a participação ativa de comunidades

locais. O processo participativo permite que governos possam coordenar e

administrar seus recursos mais eficazmente, dirigindo-se às causas sócio-

econômicas subjacentes da desertificação. Essas aproximações, por sua vez,

dão particular atenção às medidas preventivas e incentivam um comprometimento

com práticas sustentáveis. Assim, os programas devem-se mostrar

suficientemente flexíveis em acomodar novas iniciativas e adaptações locais,

especialmente quando as circunstâncias variam.

Ainda no que tange aos objetivos dos programas de ação nacionais, vê-

se que dependem imediatamente da identificação dos fatores que contribuem

para a desertificação e das medidas de ordem prática necessárias ao seu

combate e à mitigação dos efeitos da seca. Sabendo-se que a desertificação

pode-se dar a partir de vários fatores, que variam conforme a região, cumpre às

Partes da Convenção “reforçar a capacidade de cada país na área de

climatologia, meteorologia e hidrologia e os meios para construir um sistema de

alerta rápido em caso de seca”.

Similarmente, porque a desertificação afeta e é afetada por outros

interesses ambientais, tais como a perda da diversidade biológica e mudança do

clima, as NAP‟s necessitam promover sinergias com programas que tratam de

tais questões. Desse modo, as Partes têm sugerido a realização de oficinas

envolvendo pontos focais das três Convenções, a fim de facilitar a execução de

trabalhos em conjunto.

Paralelamente aos programas nacionais, no artigo 11 da Convenção

vigente ficou estabelecido que programas de ação regionais (RAP‟s) e sub-

regionais (SRAP‟s) podem ser implementados com o intuito de reforçá-los, sendo

que tais programas devem respeitar as disposições previstas no artigo 10, que

rege os programas nacionais. Até agosto de 2005, 03 programas regionais e 09

sub-regionais já haviam sido lançados.

7.4. Desertificação e desenvolvimento participativo (bottom-up approach)

A “Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação”

enfatiza a forte aproximação das comunidades locais aos processos de tomada

de decisão.

Sabendo-se que, tradicionalmente, as comunidades locais foram

participantes relativamente passivos em relação aos projetos de desenvolvimento

da ONU, a referida Convenção as trata como atores de inigualável importância no

combate à desertificação. As comunidades locais e seus líderes, assim como as

organizações não governamentais deverão trabalhar em conjunto na formulação e

execução dos programas de ação. Para tanto, os governos devem promover

campanhas de conscientização, especialmente em relação aos termos propostos

pela Convenção.

Em geral, os peritos do governo iniciam os projetos, definindo

imediatamente, sem consulta, os seus objetivos e as atividades necessárias. Às

vezes, visitam as comunidades locais para publicizar seus planos, formulando,

assim, um convite para participação dessas comunidades na execução dos seus

projetos. No entanto, a Convenção trouxe uma proposta distinta, de baixo para

cima, na qual os programas para combater a desertificação devem originar-se em

nível local. Isso posto, as comunidades diretamente afetadas devem participar de

todas as iniciativas para deter ou prevenir a evolução do problema.

A iniciativa de projetos, compartilhada com a comunidade local, é a chave

para a sustentabilidade, porque quando os peritos cultores dos programas se

retiram da comunidade, é ela quem deve fazer com que os projetos sobrevivam.

Além disso, quem está de fora não tem a mesma capacidade de identificar as

prioridades locais.

As comunidades locais possuem uma valiosa experiência e compreensão

do seu próprio ambiente, sendo que, se os projetos de uso da terra, bem como de

outros recursos naturais forem elaborados sem a sua participação, correrão o

risco de se tornarem ineficientes.

O desenvolvimento participativo posto na Convenção, reconhece os

direitos das populações afetadas sobre os seus recursos naturais. Entretanto,

ainda se pergunta: Quem de fato, são atores do desenvolvimento participativo?

Os participantes ativos devem ser os envolvidos diretamente na gerência e uso

dos recursos naturais. No caso da desertificação, os pequenos fazendeiros e

pastores estão mais intimamente em contato com a terra. Todavia, há que contar

também com a contribuição dos líderes locais, tidos como representantes da

comunidade, das autoridades regionais ou municipais, dos peritos técnicos, das

ONG‟s, entre outros.

É importante frisar que, depois de planejado o programa de combate,

pelos participantes ativos, deverão ser promovidas reuniões com o fim de avaliar

o seu progresso. Mais uma vez, a participação de todos, por meio de consulta, é

fundamental para que apreciar o resultado obtido, como também, para confabular

as etapas seguintes. Nesse ponto, convém reforçar que pode ser muito útil a

delegação da tomada de decisão, descentralizando-a da autoridade central ou

federal para as autoridades regionais, ou, até mesmo, locais.

Finalmente, para que seja alcançada a participação local, capacitada

para a elaboração dos programas, é essencial que haja uma campanha de

conscientização forte sobre o que está disposto na Convenção. As ONG‟s podem

exercer um papel fundamental na campanha de capacitação para o planejamento

das populações locais.

TERCEIRA PARTE: O BRASIL E A POLÍTICA NACIONAL DE CONTROLE DA DESERTIFICAÇÃO

8. Introdução ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e à Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA)

No Brasil, a Lei 6.938/81, de 31 de agosto de 1981, que “dispõe sobre a

política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e

aplicação”, instituiu, através de seu artigo 6°, o Sistema Nacional de Meio

Ambiente – SISNAMA.

Na lição de Paulo de Bessa Antunes104, o SISNAMA tem por finalidade

precípua “estabelecer uma rede de agências governamentais nos diversos níveis

da federação, visando assegurar mecanismos capazes de, eficientemente,

implementar a Política Nacional do Meio Ambiente”, que, por sua vez, tem os

seus objetivos delineados, especialmente, no artigo 2° da Lei 6.938/81. Essa

norma jurídica exprime como meta:

A preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar ao País, condições de desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...].

O SISNAMA conta com o apoio de seus órgãos integrados, sendo que,

na forma da Lei 6.938/81, artigo 6°, são “órgãos e entidades da União, dos

Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as

Fundações instituídas pelo Poder Público”.

Na mesma linha, pode-se dizer também que são os órgãos formadores

do SISNAMA: a) Órgão Superior, identificado como o Conselho de Governo; b)

Órgão consultivo e deliberativo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente –

104

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 79.

CONAMA -; c) Órgão executor, que é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

Recursos Naturais Renováveis – IBAMA -; d) Órgãos Setoriais, que se

caracterizam pelos órgãos da Administração Federal, direta e indireta ou

fundacional; e) Órgãos Seccionais, que são identificados como órgãos ou

entidades estaduais responsáveis por programas ambientais, ou pela fiscalização

de atividades utilizadoras de recursos ambientais; 105

8.1. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)

Especificamente, o Órgão Superior, qualificado como o Conselho de

Governo, se integra à Presidência da República, estando encarregado do

assessoramento imediato ao Presidente da República.

Explica Paulo Affonso Leme Machado106 que o Conselho de Governo é

composto por Ministros de Estado, titulares dos órgãos essenciais da Presidência

da República, como a Casa Civil e a Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE -,

e pelo Advogado-Geral da União, sendo presidido pelo Presidente da República

ou pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil.

Nessa linha, foi criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente –

CONAMA -, pelo artigo 6°, inciso II, da mencionada Lei 6.938/81, com a nova

redação dada pela Lei 8.028/90, tendo, por finalidade, assessorar, estudar e

propor ao Conselho de Governo diretrizes e políticas governamentais para o meio

ambiente e os recursos naturais e deliberar, nos limites da sua competência,

acerca das normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente

equilibrado.

105

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 83. 106

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1999. p. 98.

Dessa forma, Paulo de Bessa Antunes107 salienta que o CONAMA “é uma

entidade dotada de poder regulamentar em razão de expressa determinação

legal”. Assim, a competência do referido órgão está estabelecida no artigo 8°, da

Lei 6.938/81.

8.1.1. A Resolução CONAMA n° 238 de 22 de dezembro de 1997

O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA -, conforme as

atribuições que lhe foram conferidas pela Lei n° 6.938/81 e pelo Decreto

regulamentador n° 99.274, de 06 de junho de 1990, aprovou em 22 de dezembro

de 1997, na 49ª Reunião Ordinária do Plenário, através da Resolução n° 238, a

Política Nacional de Controle da Desertificação.

Nesse documento, foram estipulados, como “Marcos Referenciais para

uma Política Nacional de Controle da Desertificação”, o Capítulo 12 da Agenda

21, vez que traz diretrizes específicas para o enfrentamento do problema, e a

Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e à Seca, que

enfatizou a necessidade de se tomarem medidas para combater o problema,

familiarizadas em programas de ação nacionais.

Como objetivos básicos da Política Nacional em análise, com a finalidade

de alcançar o premente desenvolvimento sustentável nas regiões propensas à

desertificação e à seca, incluem-se, entre outros: a formulação de “propostas de

curto, médio e longo prazo para a prevenção e recuperação das áreas atualmente

afetadas pela desertificação”; o empreendimento de “ações de prevenção da

degradação ambiental nas áreas de transição entre o semi-árido, o subúmido e o

úmido, com vistas à proteção de diferentes ecossistemas”; articulação da ação

107

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 84.

governamental, em todas as esferas do governo, aspirando à “implementação de

ações locais de combate e controle da desertificação e dos efeitos da seca”;

contribuição para o “fortalecimento do município”, para que sejam desenvolvidas

estratégias locais de controle da desertificação; e, finalmente, contribuição para a

articulação entre os órgãos do governo e os não governamentais, no intuito de

buscar um “modelo de desenvolvimento econômico e social compatível com as

necessidades de conservação dos recursos naturais e com a eqüidade social”.

Para a consecução dos objetivos acima citados, a Política Nacional de

Controle da Desertificação identifica sete componentes e estabelece algumas

ações prioritárias, “cuja responsabilidade de implementação alcança vários

setores governamentais”, devendo estar assentada em um sólido processo

participativo da sociedade civil e das ONG‟s.

A seleção desses componentes estratégicos visa à elaboração do Plano

Nacional de Combate à Desertificação, que será analisado no capítulo seguinte.

São identificados como componentes:

a) “Fortalecimento e Interação Institucional”, com a finalidade de criar

uma articulação institucional para elaboração e implementação do Plano Nacional

de Combate à Desertificação, que depende de cooperação técnica;

b) ”Fortalecimento da comunicação e fluxo de informação sobre a

desertificação”, no intuito de se criar uma rede de informações e documentação

sobre o assunto, em todos os seus aspectos;

c) “Capacitação gerencial e técnica de pessoal em gestão de recursos

naturais em áreas sujeitas à desertificação”, tendo em vista que essas pessoas

deverão atuar em pesquisas sobre o controle e recuperação de áreas em

processo de desertificação, inclusive articuladas com as comunidades locais, para

absorverem as suas práticas e conhecimentos empíricos;

d) ”Conscientização, sensibilização e mobilização dos atores do

desenvolvimento sustentável em áreas sujeitas a risco de desertificação”. Nesse

sentido, a população informada sobre a prevenção, controle e recuperação do

fenômeno, se torna apta a participar efetivamente da elaboração de projetos e

programas de implementação de combate ao problema;

e) “Criação de uma capacidade operacional de controle da desertificação

em nível local”, para que haja um contato permanente entre as autoridades locais

e a sociedade civil organizada, capaz de formular as propostas imediatas de ação

para combater a desertificação. Sendo assim, a orientação segue também pela

necessidade de formação dos Conselhos Municipais nas áreas desertificadas ou

sujeitas à problemática;

f) “Elaboração de estratégias de monitoramento, prevenção e

recuperação das áreas em processo de desertificação”, para tanto, é

extremamente oportuno sublinhar a orientação a fim que se realize o zoneamento

ecológico-econômico, visando à racionalização do uso dos recursos naturais, em

áreas sujeitas à desertificação, bem como se elabore planos diretores municipais

que contemplem as variáveis ambientais que propiciam esse processo;

g) “Definição de projetos e ações prioritárias”, no intuito de prevenir,

recuperar ou controlar a desertificação em áreas sujeitas a ela.

Outro ponto a ser destacado, na Política Nacional de Controle da

Desertificação, é a orientação para que se compatibilize a legislação existente,

que se refere à conservação de recursos naturais, com as exigências da

prevenção, controle e recuperação das áreas suscetíveis ou em processo de

desertificação.

Ademais, a Resolução vigente também acentua a necessidade de se

instituírem mecanismos, “com vistas à sensibilização dos vários setores de

governo e da sociedade quanto à problemática, bem como envolvê-los em

processos de formulação de novas políticas e estratégias”, inclusive

incorporando-os às políticas setoriais. Atribui-se a importância desta disposição

ao caráter multidisciplinar que esta temática assume, por isso, é indispensável a

assimilação de todos os conhecimentos disponíveis sobre o assunto.

Finalmente, enfatiza-se, no documento, que as “diretrizes propostas não

esgotam a discussão sobre o tema”, não obstante configura o início do processo

de implementação de uma política nacional preocupada com o combate à

desertificação, em especial, com o “desenvolvimento sustentável na região semi-

árida”.

9. A construção participativa do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil)

O processo de construção do Programa de Ação Nacional de Combate à

Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca – PAN (Brasil) teve início em

2003.

A partir de abril de 2003, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério

do Meio Ambiente – SRH/MMA - assumiu o papel de facilitadora da interlocução

nas esferas de maior decisão do governo, assim como nos processos

descentralizados de tomada de decisão. Nesse âmbito, constituiu-se, portanto,

uma Coordenação Técnica de Combate à Desertificação – CTC -, destinada a

prestar suporte técnico aos trabalhos de elaboração do PAN (Brasil). 108

Desde então, a CTC cuidou da parte de estruturação do programa, dando

ênfase ao Ponto Focal Nacional. Ao lado dessa coordenação, foi criado, pela

Portaria n° 265, de 23 de junho de 2003, o Grupo de Trabalho Interministerial –

GTIM -, no intuito de propor mecanismos de elaboração e implementação do PAN

(Brasil), envolvendo, nesse labor, os diversos segmentos governamentais (federal

e estaduais), como também, a sociedade civil organizada. Assim, o GTIM conta

com o apoio de representantes de sete Ministérios109, seis Instituições Públicas

Federais110 e quatro instâncias da sociedade civil.

Sublinhem-se as instâncias da sociedade civil organizada que

contribuíram ou vêm contribuindo para o processo de produção e execução do

PAN (Brasil). São elas: Rede Internacional de ONG‟s sobre Desertificação –

RIOD; Articulação no Semi-Árido Brasileiro – ASA -111 (representada pela

Associação Maranhense para a Conservação da Natureza – AMAVIDA);

Fundação Grupo Esquel – FGEB -; e, Rede de Educação no Semi-Árido Brasileiro

– RESAB - (representada pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária

Apropriada – IRPAA).

Dentre elas, destaca-se a participação do Grupo de Trabalho de Combate

à Desertificação da Asa – GTCD -, instituído em junho de 2003, e constituído por

28 organizações não governamentais com a missão de articular a rede de

108

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 61. 109

Os Ministérios envolvidos nesse processo são: Ministério do Meio Ambiente – MMA; Ministério da Integração Nacional – MI; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS; Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento – MAPA; Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA; Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT; e, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG. 110

As Instituições Públicas Federais que apóiam esse projeto são: Agência Nacional de Águas – ANA; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; Companhia de Desenvolvimento dos do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA; e Banco do Nordeste do Brasil S.A. – BNB. 111

Mais informações sobre a ASA no site: <http://www.asabrasil.org.br/>. Acesso em 27.03.2006.

organizações sociais nas ASD‟s, que são as áreas suscetíveis à desertificação, a

saber:

As ações do GTCD têm sido importantes no que se refere à ampliação do grau de participação da sociedade civil, com atuação nas ASD, na elaboração e implementação do PAN – Brasil. Suas iniciativas também têm contribuído positivamente para o fortalecimento das relações com os governos estaduais, de sorte que as demandas da sociedade reflitam-se nas políticas regionais, e que as ações dos governos locais sejam concatenadas com as da sociedade civil. 112

Nas balizas do Plano Nacional em análise, depreende-se a analogia com

as atribuições determinadas na Convenção de Combate à Desertificação,

especialmente no que tange à criação de Pontos Focais Estaduais, pois a

SRH/MMA incentivou a sua criação, em 11 Estados brasileiros abrangidos pelo

Programa, os quais, por sua vez, são representados pelos governos estaduais

(especificamente através dos secretários de meio ambiente, ou recursos hídricos),

pela sociedade civil (por meio da ASA, cujos membros são escolhidos por eleição

nos colegiados estaduais) e Assembléias Legislativas. 113

Os Pontos Focais Estaduais, mantidos pela articulação do governo com a

sociedade civil, servem para participar as questões ao governo federal, sendo que

“essa relação propicia ao governo federal uma interface/interlocução mais estreita

com os governos estaduais e desses com a sociedade”. 114

Ainda para fortalecer essa articulação, dentro dos Pontos Focais

Estaduais, foi criada a figura do Ponto Focal Parlamentar, que é o responsável

112

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 63. 113

É necessário anotar que em novembro de 2003 foi realizado um treinamento sobre os conceitos e políticas de combate à desertificação, para facilitar a integração das ações entre os governos e os representantes da sociedade civil. 114

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 63.

pela “disseminação das discussões políticas no âmbito das Assembléias

Legislativas e pelas negociações junto às demais instâncias governamentais”. 115

A articulação entre as três esferas - governo, sociedade civil e parlamento

- é realizada pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio

Ambiente, que, é oportuno repisar, atua como Ponto Focal Nacional.

Saliente-se que a construção do PAN (Brasil) foi caracterizada por um

processo participativo dividido em dois aspectos fundamentais: a) O aspecto

técnico, centrado em estudos e revisão das políticas existentes; b) O aspecto

político, relacionado ao envolvimento dos diversos atores institucionais, tanto

governamentais como não governamentais. 116

Da interface entre esses dois aspectos, infere-se a busca pela integração

entre as propostas emanadas da sociedade civil organizada com as políticas

públicas do governo.

Importante anotar que os aspectos técnicos foram definidos a partir da

sistematização das propostas advindas das dinâmicas estaduais realizadas nos

estados abrangidos pelo Programa, à luz das políticas e programas existentes,

para sua análise e (posterior) adequação aos princípios preconizados pela CCD.

Ao mesmo tempo, os aspectos políticos também partiram das dinâmicas

estaduais, sendo organizados e coordenados pelos Pontos Focais Estaduais, com

a participação do governo e da sociedade civil organizada, e lograram êxito de

mobilizar uma gama considerável de atores regionais em torno da construção. 117

Caracterizando essa aproximação com a sociedade civil organizada,

foram realizadas duas grandes Oficinas Estaduais nos meses de março/abril e

115

Id. Ibid., p. 64. 116

Ib. Ibid., p. 65-66. 117

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 65-66.

maio/junho de 2004, nos 11 estados abrangidos pelos Programas. Nessa

expectativa, delas participaram mais de 1.200 representantes de cerca de 400

instituições governamentais e não governamentais. É bom diferenciar que, nas

primeiras oficinas estaduais o principal objetivo se ateve a levantar as propostas

de ações para o PAN (Brasil), ao passo que nas segundas oficinas, o foco foi

dirigido para sistematizar tais ações por eixo temático. 118

Tendo em vista a amplitude do problema, distribuído em diversos temas,

foi decidido que os programas de ações do PAN (Brasil) seriam organizados em

quatro grandes áreas temáticas, tal como segue: a) Redução da Pobreza e da

Desigualdade; b) Ampliação Sustentável da Capacidade Produtiva; c)

Preservação, Conservação e Manejo Sustentável dos Recursos Naturais; e, d)

Gestão Democrática e Fortalecimento da Institucional.

Dessa forma, depois de sistematizadas as áreas temáticas por suas

respectivas Comissões, foi apresentada a primeira versão do Programa, que, por

sua vez, se tornou o objeto de discussão, durante o mês de julho de 2004, através

de uma videoconferência, aberta ao público, a qual envolveu a participação das

Assembléias Legislativas dos 11 estados, abrangidos pelo Programa. Saliente-se

que, por ocasião dessa videoconferência, foi possível promover o primeiro

encontro formal entre os três Pontos Focais Estaduais. Ademais, toda a

documentação relatada naquela oportunidade foi disponibilizada para consulta

e/ou sugestões na internet, por meio do portal: <http://desertificacao.cnrh-

srg.gov.br>.

118

Além dessas Oficinas, não custa ressaltar a realização do III Encontro Nacional dos Pontos Focais, em Olinda (Pernambuco), nos dias 22 e 23 de abril de 2004, no qual “contou-se com a participação da maioria dos atores envolvidos no processo: Pontos Focais Estaduais, membros do GTIM, membros das comissões temáticas e parlamentares”. Nesta oportunidade, “foram discutidas as ações demandadas nas primeiras Oficinas Estaduais e analisados os textos iniciais produzidos pelas Comissões Temáticas”.

Infere-se que, de fato, o processo de elaboração do PAN (Brasil) ocorreu

de forma participativa, seguindo a orientação dada pela CCD. Particularmente, a

criação dos “Pontos Focais Governamentais e Não Governamentais” nos 11

estados abrangidos pelo Programa favoreceu o diálogo entre o governo e a

sociedade civil organizada. Com efeito, a metodologia adotada, caracterizada pela

realização dos encontros e/ou Oficinas Estaduais para discutir e/ou sistematizar

as áreas temáticas também pode ser considerada bastante satisfatória.

9.1. O Brasil e as suas respectivas Áreas Suscetíveis à Desertificação – ASD’s

Em congruência com as definições apresentadas pela “Convenção de

Combate à Desertificação”, as Áreas Suscetíveis à Desertificação – ASD‟s -

concentram-se, em sua maior parte, no Nordeste brasileiro, onde predominam os

espaços semi-áridos e subúmidos secos. Ao lado dessas áreas, também existem

outras, de igual forma, afetadas pelos fenômenos das secas, localizadas, porém,

nas regiões adjacentes ao Nordeste, especificamente, nos estados de Minas

Gerais e do Espírito Santo.

Nos dados apresentados pelo Sumário Executivo do PAN (Brasil), em

conjunto, as ASD‟s representam 1.338.076 quilômetros quadrados, ou 15,72% do

território brasileiro, abrigando uma população de mais de 31,6 milhões de

habitantes, isso corresponde a 18,65% da população do país. 119

Acrescente-se aos processos de desertificação ocorridos nessas áreas

que:

119

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. xxiv.

De maneira bem sumária, pode-se assinalar que sobre uma variada gama de unidades geoambientais, em sua maioria bastante vulneráveis à ação humana, ocorre uma uniforme e inadequada distribuição fundiária, aliada a uma expansão urbana desordenada, sobre as quais incidem, também uniformemente, a destruição da cobertura vegetal, o manejo inadequado de recursos florestais, o uso de práticas agrícolas e pecuárias inapropriadas e os efeitos socioeconômicos da variabilidade climática.120

Como resultados estampados desse fenômeno no Brasil, têm-se a

ampliação das mazelas sociais e a redução da capacidade produtiva, que, de

certa maneira, faz com que as ASD‟s “apresentem, apesar das pressões

antrópicas, um quadro de baixo dinamismo ou estagnação da atividade

econômica”. Desse modo, os habitantes das ASD‟s, pode-se incluir também o

meio ambiente, na busca pela sobrevivência, tornam-se cada vez mais

vulneráveis e frágeis. 121

Nos espaços semi-áridos do Brasil, o fenômeno da desertificação foi

identificado cientificamente a partir de 1970. Na ocasião, João Vasconcelos

Sobrinho122 publicou um estudo pioneiro explicando que estava a se formar “um

grande deserto com todas as características ecológicas que conduziram à

formação dos grandes desertos hoje existentes em outras regiões do mundo”. O

autor informou que se tratava de um “deserto atípico, diferenciado do típico

deserto saariano, pela incidência de precipitações e natureza do solo, mas com

as mesmas implicações de inabitabilidade”.

No Nordeste, as áreas mais afetadas pelas secas, reconhecidas

oficialmente, foram delimitadas em 1936 sob a denominação de “Polígono das

Secas”, conforme a Lei 175, de 1° de janeiro de 1936. Importante ressaltar que,

naquela época, a área do referido Polígono compreendia uma superfície de

120

Id. Ibid., p. xxiv. 121

Id. Ibid., p. xxiv. 122

VASCONCELOS SOBRINHO, João. O deserto brasileiro. Recife: UFPE/ Imprensa Universitária. 1974. p. 07.

672.281.098 quilômetros quadrados. Essa delimitação espacial perdurou até

1989. 123

A figura do “Polígono das Secas” foi substituída pela “Região Semi-Árida

do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste – FNE”, em conformidade

com a Lei n° 7.827, de 27 de setembro de 1989124. Desde então, a Região Semi-

Árida do FNE representa a área de atuação da “Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE”.

Em 2000, a superfície compreendida como Região Semi-Árida do FNE

correspondia a 895.254,40 quilômetros quadrados, sendo integrada por 1.031

municípios. Nessa área, viviam 19.326.007 habitantes, desse total, 56,5 %

habitavam em áreas urbanas e 43,5%, em áreas rurais.

Com efeito, as ações do PAN (Brasil) se inserem nas regiões

climaticamente caracterizadas por semi-áridas e subúmidas secas. Saliente-se,

portanto, que os estados abrangidos pelo Programa são: Piauí, Ceará, Rio

Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de

Minas Gerais.

Convém mencionar que, em 1983, João Vasconcelos Sobrinho125

observou, como evidência da desertificação nos solos nordestinos, o

aparecimento de determinadas manchas que, por sua vez:

[...] apresentam-se descarnadas, como espécies de erupções epidérmicas. São áreas de solos rasos, quase que reduzidas ao afloramento rochoso, sem capacidade de retenção de água, pois, cessadas as chuvas, elas ficam imediatamente desidratadas. Os solos dessas áreas também apresentam deficiências em matéria

123

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004. p. 09. 124

BRASIL. Lei 7.827 de 27 de setembro de 1989. Regulamenta o art. 159, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, institui o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte - FNO, o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste - FNE e o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste - FCO, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 27.03.2006. 125

VASCONCELOS SOBRINHO, João. Processos de desertificação no Nordeste do Brasil: sua gênese e sua contenção. Recife: Sudene. 1983. p. 25-26.

de nutrientes, que contribuem para potencializar sua vocação para a desertificação.

Portanto, com base na ocorrência dessas manchas, Vasconcelos

Sobrinho apontou a existência de “Núcleos de Desertificação”, sendo locais onde,

mesmo em períodos de chuva, a vegetação pouco ou não se recupera. 126

Com a contribuição de Sobrinho, foi possível identificar as áreas mais

atingidas pelo fenômeno, como áreas-piloto. Nesse seguimento, a partir de 1990,

o “Núcleo Desert”, da Universidade Federal do Piauí – UFPI -, produziu novos

estudos nessas áreas com vistas à Conferência Internacional e Seminário Latino-

Americano da Desertificação – CONSLAD. 127

Entre março e novembro de 1996, foram feitas visitas de campo em

quatro áreas, dentre as destacadas como áreas-piloto, para investigação sobre a

desertificação no semi-árido brasileiro. Desse fato, constatou-se que a principal

causa para a intensa degradação dessas áreas foi a substituição da caatinga pela

agricultura e pecuária, bem como pela mineração, extração de argila de solos

aluviais e retirada de madeira para lenha. Desde então, tais áreas foram

identificadas como de “alto risco à desertificação” ou “núcleos desertificados”, a

saber: Gilbués, Irauçuba, Seridó e Cabrobó.

9.2. Foco do PAN (Brasil) e Eixos Temáticos do Programa

O alvo primordial e compartilhado conscientemente nas linhas gerais do

PAN (Brasil) é o apoio ao desenvolvimento sustentável nas Áreas Suscetíveis à

126

Id. Ibid., p. 25-26. 127

Vale aditar que, nos termos do PAN (Brasil): “Este foi um momento importante do ponto de vista político e de inserção do bloco da América Latina na CCD, pois havia certo grau de dificuldade em se englobar outras áreas do planeta, além das áreas do continente africano. Esta situação abriu novas perspectivas para que outras regiões, com base no Anexo da América Latina, formulassem e incluíssem seus próprios anexos, como foi o caso do norte do Mediterrâneo e da Ásia”.

Desertificação – ASD‟s -, por meio do estímulo e da promoção de mudanças no

modelo de desenvolvimento em curso nessas áreas. 128

Imprescindíveis aliados à meta do desenvolvimento garantidor da

sustentabilidade dos recursos naturais são, nos termos do PAN (Brasil): o

combate à pobreza e às desigualdades nessas regiões, a ampliação da

capacidade produtiva, a conservação, preservação e manejo sustentável dos

recursos e a gestão democrática e fortalecimento institucional.129

Nessa perspectiva e conforme exposto neste estudo, o Programa em

curso traça uma estratégia para sua implementação em torno desses quatro eixos

temáticos, com seus respectivos desdobramentos. Cumpre, a seguir, explicitar

acerca de tais áreas temáticas, destacando-se que a execução das ações

programáticas se encontra a cargo das instituições públicas do governo nos três

níveis (federal, estadual e municipal), bem como das organizações não

governamentais, e demais entidades civis organizadas.

9.2.1. Redução da Pobreza e da Desigualdade

A intrínseca relação existente entre a pobreza e os processos de

desertificação é um tema amplamente debatido. O consenso que se desenvolve

entre os estudiosos da desertificação, identifica a pobreza como fator resultante

dos processos de desertificação e, simultaneamente, fator realimentador. Assim,

corrobora-se esse entendimento verificado no caso brasileiro em que:

A gradativa perda da capacidade produtiva dos recursos naturais, inclusive da fertilidade natural dos solos, reduz de forma

128

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84. 129

Id. Ibid., p.76-84.

inexorável a possibilidade de produção de riquezas, acarretando, entre outras conseqüências, a redução da renda das pessoas. 130

Nesse contexto, as comunidades submetidas a tais condições tendem,

em busca de sua sobrevivência ou da superação de sua condição de fragilidade,

a pressionar a base de recursos, na maioria das vezes já depauperada,

aumentando assim os impactos negativos nas esferas ambiental, econômica e

social.

Associada à pobreza na Região Nordeste e dela agravante é a

desigualdade no uso e distribuição dos recursos naturais, tais como a terra e a

água. Nessa linha, Gerd Spavorek131 explica que “50% dos menores agricultores

ocupam, no Nordeste, cerca de 2,1% da área total dos imóveis rurais e os 5%

maiores ocupam 67,6% da mesma área”.

Via de regra, o cenário que se apresenta é figurado por uma enorme

concentração de trabalhadores rurais, pequenos agricultores, que dispõem de

pequenas parcelas de terras, pouco férteis, das quais dependem, sobretudo, para

a produção de alimentos visando à própria subsistência, mas necessitando

produzir algo excedente comercializável. Isso implica, naturalmente, em sobre-

utilizar os recursos naturais, contribuindo, dessa forma, para agravar os

processos de degradação.

Dessa maneira, o PAN (Brasil) reafirma que “a combinação desses

elementos (pobreza e desigualdade) promove nas Áreas Suscetíveis à

Desertificação – ASD‟s - uma evidente aceleração dos processos de degradação”.

Nessa lógica, é vital que os meios de prevenção e o combate à desertificação

130

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84. 131

SPAVOREK, Gerd. A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira. São Paulo: Páginas & Letras Editora, 2003, apud MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84.

sejam implementados simultaneamente com o combate à pobreza e à

desigualdade. 132

A partir de tais considerações, é oportuno mencionar que o PAN (Brasil)

anuncia algumas ações políticas correlatas com essa temática, que não podem

deixar de ser implementadas nas ASD‟s, tais como: a) Reestruturação Fundiária

nas ASD‟s; b) Educação; c) Fortalecimento da Agricultura Familiar e Segurança

Alimentar; d) Seguridade Social (Saúde, Assistência e Seguridade Social).

9.2.2. Ampliação Sustentável da Capacidade Produtiva

Em consonância com o que foi explanado nesta pesquisa, pode-se

afirmar que a sustentabilidade nas Áreas Suscetíveis à Desertificação – ASD‟s -

inexoravelmente é um grande desafio ao desenvolvimento do Brasil. É importante

repisar que isso ocorre devido às restrições que esse ambiente impõe às relações

econômicas, sociais e políticas que ali se estabelecem. Ainda se esclarece que:

Apesar de as taxas de crescimento da economia da Região Nordeste ter sido, quase sempre, maiores que a taxa média do País, pelo menos até os anos de 1980, esse crescimento esteve concentrado nas regiões litorâneas, fora das ASD, apesar de a região objeto do PAN – Brasil ter contribuído também para esse desempenho. Entretanto, nas ASD os padrões de crescimento foram, ao longo do tempo, muito mais irregulares e menos significativos. Em conjunto, esses processos resultaram na manutenção das desigualdades sociais e pobreza nessas áreas. 133

Vê-se que tais restrições, ou conseqüências da desertificação, como

anteriormente já foi comentado, podem levar à crença da impossibilidade de

132

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004. p. 76-84. 133

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84.

ampliação sustentável das ASD‟s. Fatalmente será inviável o desenvolvimento

sustentável nas ASD‟s nordestinas, caso permaneçam imutáveis os padrões e os

modelos usuais de crescimento da atividade econômica, fundados na

transposição quase mecânica de modelos e tecnologias de regiões temperadas

sujeitas a menores restrições.

Nesse descompasso, as ASD‟s, realmente, demandam que se amplie a

sua capacidade de resposta aos problemas e desafios inaugurados pelo processo

de desertificação. Ao mesmo tempo, não há uma política federal unificada,

integrada e articulada para a promoção do desenvolvimento sustentável da

capacidade produtiva das ASD‟s.

Pertinente às políticas estaduais autônomas, complementares ou não às

políticas federais, essas ainda não foram suficientes para engendrar resultados

positivos, uma vez que fomentam um processo de desenvolvimento produtivo

sem, todavia, levar em consideração as condições especiais ou restrições

impostas pelo processo de desertificação.

Observe-se que, por essas razões também se fundamenta o movimento

da sociedade, que, por sua vez, vem reafirmando enfaticamente, como presente

na Declaração do Semi-Árido, que é possível a “convivência com o semi-árido”.

9.2.3. Preservação, conservação e manejo sustentável dos recursos naturais

Antes de explicitar o posicionamento do PAN (Brasil) em relação a este

ponto temático, é relevante construir um breve panorama do meio ambiente

estabelecido nas regiões brasileiras que sofrem com o problema da

desertificação.

Em geral, a região brasileira afetada pelo fenômeno da desertificação

apresenta uma vegetação nativa bastante diversificada, composta especialmente,

por troncos e ramos tortuosos, súber espesso, apresentando desde formas

campestres bem abertas até formas relativamente densas, florestais

denominadas de savana (Cerrado) e savana estépica (Caatinga).

O bioma Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro em área,

caracterizando-se por uma formação do tipo savana tropical, que ocupa 23,9% da

superfície do Brasil134. Estima-se que, nesse bioma, existam “mais de 10.000

espécies de plantas”. 135

O Cerrado abrange, em sua maior parte, a região central do Brasil,

estendendo-se pelos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do

Sul, entretanto também se assenta no oeste de Minas Gerais e da Bahia, ao sul

do Maranhão e parte do Piauí, chegando a Rondônia e ao Pará.

Já o bioma Caatinga é uma vegetação típica do Nordeste brasileiro,

porém também incluída em partes do Maranhão e de Minas Gerais. Trata-se de

um bioma único, exclusivamente brasileiro, considerado o quarto maior em área e

composto por pelo menos uma centena de paisagens únicas, com predominância

da savana estépica.

Convém destacar que “a caatinga constitui um dos biomas brasileiros

mais alterados pelas atividades humanas”, sendo que 56% da sua área original,

que era de 1.037.517,80 quilômetros quadrados136, já foram modificados em

134

Cerca de 20% do Cerrado brasileiro estão bem conservados, sendo que, em torno de 2,49% destes estão protegidos por Unidades de Conservação Federais, conforme IBAMA. Unidades de Conservação Federais (UCs) no Brasil por bioma. 2003. Disponível em: <http://www2.ibama.gov.br/unidades/geralucs/estat/biomas/ucuso.pdf>. Acesso em 26 de março de 2006. 135

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84. 136

CONSELHO NACIONAL DA RESERVA DA BIOSFERA DA CAATINGA. Cenários para o bioma Caatinga. Recife: SECTMA. 2004. p. 283.

razão da ocupação com “lavouras permanentes, lavouras temporárias e a

ocupação pelo chamado „efeito estrada‟”. 137

Tais biomas, Cerrado e Caatinga, sofrem uma excessiva pressão sobre

seus recursos naturais, além das “mudanças bruscas do ciclo hidrológico (secas e

enchentes)”. As tensões englobam a adoção de “estratégias de sobrevivência” 138,

que, sobremodo, exaurem os recursos pelo uso da terra, cujas causas imediatas

são a utilização inapropriada e a degradação dos recursos naturais (água, solo,

vegetação).

Em outras palavras, a população que habita as ASD‟s apresenta uma

relação de extrema dependência dos recursos naturais dessas áreas. Entretanto,

o corte da vegetação sem um determinado plano de manejo florestal, contribui

fortemente para a redução qualitativa e quantitativa da cobertura florestal,

expondo o solo à erosão e à perda de sua camada mais fértil.

9.2.4. Gestão democrática e fortalecimento institucional

À luz da “Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos

Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação”, o Brasil, ao aderir a ela e

ratificá-la, consolidou o seu compromisso com a democracia participativa, no

intuito de garantir os direitos e deveres dos atores envolvidos nos processos de

combate ao problema.

Do ponto de vista do governo federal, é conditio sine qua non, para a

garantia a todos os brasileiros do status de cidadãos, que se combata à

137

Ademais, a Caatinga é um dos biomas menos protegidos por unidades de conservação, tendo privilegiadas somente cerca de 2% da sua área total, conforme IBAMA. Unidades de Conservação Federais (UCs) no Brasil por bioma. 2003. Disponível em: <http://www2.ibama.gov.br/unidades/geralucs/estat/biomas/ucuso.pdf>. Acesso em 26 de março de 2006. 138

Incluem-se nessas estratégias as técnicas de “corte raso da vegetação e o uso do fogo, assim como a grande demanda de madeira nativa para o abastecimento industrial (pólos de cerâmicas, áreas de carvoarias, pólos gesseiros e caieiros) e para consumo interno (lenha para energia)”.

desigualdade social e econômica. Com efeito, “busca-se estabelecer um novo

contrato social que favoreça o nascimento de uma cultura política de defesa das

liberdades civis e dos direitos humanos” e, nessa mesma linha, o Estado tem de

estar adaptado às exigências do desenvolvimento, fundado, não somente na

sustentabilidade ambiental, mas também na sustentabilidade social e

econômica.139

No âmbito do PAN (Brasil), a estratégia assumida tem caráter

participativo e, sobretudo, assenta-se no fortalecimento da democracia em todas

as suas dimensões. Esse fortalecimento prevê o desenvolvimento de relações

plurais e democráticas, baseadas na eqüidade. 140

Dessa feita, atenção especial deverá ser dispensada à formação e

habilitação de líderes comunitários, bem como ao envolvimento das sociedades

civis organizadas, a fim de que esses atores possam efetivamente contribuir para

a implementação das políticas públicas dirigidas ao combate à desertificação.

O fortalecimento institucional, na linha da Convenção de Combate à

Desertificação, implica necessariamente “fortalecer os „atores relevantes‟, criando

condições para ampliar suas capacidades institucionais nas áreas de

conhecimento técnico, execução e gestão de iniciativas orientadas para o efetivo

combate à desertificação”. Desse modo, é indispensável o apoio de novas

institucionalidades com capacidade de contribuir efetivamente para solucionar as

questões adjacentes ao combate à desertificação. 141

Assim, o PAN (Brasil), em seu escopo, indica, como primeira ação para a

gestão democrática, o monitoramento e avaliação das atividades. Explica-se, no

139

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84. 140

Id. Ibid., p.76-84. 141

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84.

Programa, que o princípio que orienta a consolidação e a aplicação do sistema de

monitoramento e avaliação é dado pela participação qualificada de todos os

atores envolvidos no combate à desertificação. Essa premissa vale desde a

“elaboração dos indicadores, passa pela coleta de dados e vai até a avaliação dos

avanços e impactos, facilitando o acesso à informação e à democratização das

tomadas de decisão”.

Ao lado do monitoramento e avaliação, têm-se, como outra orientação, as

atividades de melhoria dos conhecimentos, voltadas para superar os limites e

fragilidades do conhecimento existente no Brasil em torno dos processos de

desertificação. Contudo, tais atividades têm de estar de acordo com o novo

paradigma estabelecido, que é o de “conviver com o ambiente onde ocorre esse

fenômeno”, e não mais tentar combater a seca.

Nessa perspectiva, devem-se equacionar os desafios do

desenvolvimento sustentável, contanto que se proporcionem os instrumentos

necessários à informação.

Finalmente, o PAN (Brasil) evidencia a necessidade de fortalecimento

das dinâmicas estaduais, que deverão ser “animadas e articuladas pelos Pontos

Focais Estaduais (Governamentais e da Sociedade Civil)”, os quais, por sua vez,

como já foi delineado nesta pesquisa, conformarão os espaços de participação

mais importantes para analisar os problemas locais causados pela desertificação

e para discutir e pactuar possíveis soluções entre os atores. 142

Dessa forma, é de suma importância que esses espaços aconteçam

também durante a implementação e monitoramento do Programa. Associada a

142

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84.

isso, a orientação segue para que esse movimento seja alimentado e

descentralizado para o âmbito local, inclusive envolvendo as prefeituras locais.

QUARTA PARTE: GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

10. Democracia e Estado de Direito

Antes de se debruçar sobre os contornos abarcados na concepção de

“Estado Democrático de Direito”, convém demonstrar, mesmo que de forma

abreviada, que essa idéia é fruto de uma evolução que perpassa pelos conceitos

de “Estado de Direito” e, posteriormente, “Estado Social de Direito”.

O “Estado de Direito” aconteceu a partir do momento em que o pluralismo

jurídico esculpido na Idade Média não mais se adaptava aos crescentes anseios

de liberdade, igualdade e segurança do sistema econômico e político, que, na

época, era engendrado pela burguesia. Dessa forma, em sua origem, o “Estado

de Direito” incorporou um conceito liberal, daí falar-se inclusive em “Estado Liberal

de Direito”.

Didaticamente, José Afonso da Silva143 destacou algumas características

básicas desse Estado, tais como: a) “Submissão ao império da lei”, emanada

formalmente do Poder Legislativo; b) “Divisão de poderes”, em Legislativo,

Executivo e Judiciário, que convivem de forma harmônica e são independentes

entre si; e, c) ”Enunciado e garantia dos direitos individuais”.

Não obstante as peculiaridades supramencionadas, denota-se que a

concepção liberal de Estado serviu como apoio aos direitos do homem,

143

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2000. p. 116.

especialmente ao garantir direitos fundamentais, em outras palavras, convertendo

os súditos em cidadãos livres.

Consoante Pablo Lucas Verdú144, a concepção liberal “se tornara

insuficiente, pelo que a expressão Estado de Direito evoluíra, enriquecendo-se

com conteúdo novo”. De fato, verificou-se que o individualismo e o

abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal provocaram imensas injustiças.

Nesse sentido, ainda acrescenta Verdú145:

Mas o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal, necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade, integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social.

Como desfecho, infere-se que o “Estado Liberal de Direito” ou “Estado de

Direito” permutou-se para o “Estado Social de Direito”, no qual, para José Afonso

da Silva, “o qualitativo social refere-se à correção do individualismo clássico

liberal pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de

justiça social”. 146

Da mesma maneira, anota Elías Díaz147, indicando que houve nessa

nova forma de Estado a compatibilização entre dois elementos: “o capitalismo,

como forma de produção, e a consecução do bem-estar social geral, servindo de

base ao neocapitalismo típico do Welfare State”.

Ainda assim, a concepção de Estado Social de Direito demonstrou que

por si só não bastava, mesmo que revestida por um tipo de Estado preocupado

144

VERDÚ, Pablo Lucas. La lucha por el Estado de Derecho. Bologna: Real Colégio de España Publicaciones. 1975. p. 94, apud, SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 117. 145

Id. Ibid., p. 119. 146

SILVA, (2000). Op. cit. p. 119. 147

DÍAZ, Elias. Estado de derecho y sociedad democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Diálogo. 1973. p. 96, apud, SILVA, (2000). Op. cit. p. 119.

com o bem-estar geral, voltado para garantir o desenvolvimento da dignidade da

pessoa humana, José Afonso da Silva148 assinala para o fato de que sua

“ambigüidade é manifesta”.

Nessa perspectiva, salienta o referido autor que isso ocorreu

primeiramente porque a “palavra social está sujeita a várias interpretações”,

sendo assim, comporta várias acepções ideológicas do que é “social” e

“direito”.149 Na mesma direção, Paulo Bonavides150 conclui seu entendimento,

explicitando que:

A Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha franquista, Portugal salazarista, a Inglaterra de Churchill e Attlee, a França, com a Quarta República, especialmente, e o Brasil, desde a Revolução de 30, foram Estados Sociais, o que evidencia que o Estado Social se compadece com regimes políticos antagônicos, como sejam a democracia, o fascismo e o nacional-socialismo.

O segundo ponto a ser questionado é a importância de se qualificar o

Direito e não o Estado com o “plus” Social. Essa assertiva se explica nas palavras

de Elías Díaz151, quando admite a possibilidade de que o grande capital encontrou

fácil entrada nas novas estruturas demoliberais, chegando, assim, a constituir-se

como peça chave e central do Welfare State. Daí, deduz-se que o próprio modelo

capitalista tendeu a abafar qualquer eventualidade socialista, quando o qualitativo

Social esteve ligado ao Estado. Portanto, conclui José Afonso da Silva152 que, ao

enobrecer o Direito com o Social, se “definiria uma concepção jurídica mais

progressista e aberta, e então, em lugar de „Estado Social de Direito‟, diríamos

„Estado de Direito Social‟”.

148

DÍAZ, Elias. Estado de derecho y sociedad democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Diálogo. 1973. p. 96, apud, SILVA, (2000). Op. cit. p. 119. 149

Id. Ibid., p. 119. 150

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed., São Paulo: Editora Malheiros. 1996. p. 16. 151

DÍAZ, Elias. Estado de derecho y sociedad democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Diálogo, 1973. p. 121, apud, SILVA, (2000). Op. cit. p. 120. 152

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2000. p. 121.

Esse aspecto está abrangido no pensamento de Jurgen Habermas153,

quando alerta para a “carência democrática de legitimação”, que ocorre sempre

que a deliberação dos que tomam parte nas decisões democráticas não

corresponde ou coincide com a deliberação daqueles que estão na mira dessas

decisões.

Contudo, vale abrir um parêntese nessa evolução para aclarar que o

Estado de Direito, seja simbolizado pelo “Estado Liberal de Direito”, ou mesmo

pelo “Estado Social de Direito”, nem sempre caracterizou um Estado Democrático,

posto que este se fundamenta no princípio da participação popular. 154

Desse modo, o “Estado Democrático” contrapõe-se ao “Estado Liberal de

Direito”, vez que o engenho deste, como exprime Bonavides155, não se pauta pela

“presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco

na teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação”. Pelo

contrário, a essência do “Estado Liberal de Direito” decorre do princípio da

legalidade, em que a lei se expressa como “norma jurídica geral e abstrata”,

munida pela razão. Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho156, “sendo

regra geral, a lei é regra para todos”. Dessa forma, conclui-se que “dela e só dela

defluiria a igualdade”.

Nessa linha de raciocínio, José Afonso da Silva157 lembra que “a

igualdade do Estado de Direito, na concepção clássica, se funda num elemento

puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das leis”, não percorrendo

sobre a “base material que se realize na vida concreta”. A construção do “Estado

153

HABERMAS, Jurgen. Nos limites do Estado. Folha de São Paulo: Caderno Mais, em 18 de julho de 1999. p.05. 154

CROSA, Emilio. Lo stato democratico.Torino: UTET. 1946. p. 25, apud SILVA, (2000). Op. cit., p. 121. Emilio Crosa explica que o Estado Democrático “impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure, na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento”. 155

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed., São Paulo: Editora Malheiros. 1996. p. 16. 156

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. São Paulo: Saraiva. 1988. p. 60-61. 157

SILVA, (2000). Op. cit. p. 122.

Social de Direito” não foi suficiente para assegurar a justiça social nem a autêntica

participação democrática do povo no processo político.

Nesse momento, tem lugar o “Estado Democrático de Direito”, afirmado

na criação de um novo conceito, que insere um componente revolucionário de

transformação do status quo. Esse modelo de Estado é qualificado pela abertura

à essência democrática. José Afonso da Silva158 assevera que:

[...] o Estado Democrático de Direito, apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.

Por outro ângulo, o princípio da legalidade é basilar no “Estado

Democrático de Direito”, pelo que, obviamente, o Estado, que é de Direito, está

subordinado ao império da lei. No entanto, essa lei tem de realizar o princípio da

igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização

das condições dos socialmente desiguais. Por ser ela o ato oficial de maior realce

na vida política, não deve resumir-se, portanto, a um ato jurídico abstrato, geral,

obrigatório e modificativo da ordem jurídica existente, mas sim, ao mesmo tempo

condizer com a atuação da vontade popular.

Pela ordem, a Constituição da República Federativa do Brasil,

promulgada em 05 de outubro de 1988, trouxe no caput de seu artigo 1°, o

seguinte enunciado: “A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em

Estado Democrático de Direito”. Em seguida, nos incisos desse preceito, a

referida Carta Constitucional enumerou os seus respectivos fundamentos, sendo

eles: “I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os

158

Id. Ibid., p. 124.

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”. Ainda

nesse dispositivo, acrescentou o parágrafo único, pelo qual: “Todo o poder emana

do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição”.

Nessas palavras, encontra-se instaurado o “Estado Democrático de

Direito” no Brasil, que, por sua vez, está doutrinariamente embarcado na

concepção democrática participativa, porque envolve a participação crescente do

povo no processo decisório e na formação dos atos de governo. Enfim, José

Afonso da Silva159 adverte para que tais perspectivas pressuponham “o diálogo

entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de

formas de organização e interesses diferentes da sociedade”.

11. Afinal, o que é Democracia?

A democracia não é tida somente por um valor ou fim em si mesmo, mas

também reflete um meio de “convivência humana”, sendo alimentada

gradualmente pelo evolver social, desde que mantido sempre o princípio básico

de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do

povo.

Na explicação de José Afonso da Silva160, diz-se que a democracia é um

processo que denota a historicidade de um povo e revela-se pelos direitos

fundamentais que ele tem conquistado no percurso de sua narração, dado que

pertence à história do povo. Por outro lado, admite-se a concepção de Lincoln que

159

SILVA, (2000). Op. cit. p. 123. 160

SILVA, (2000). Op. cit., p. 130.

conceitua a democracia como “governo do povo”. Assim, José Afonso da Silva161

conclui que “a democracia é um processo de convivência social em que o poder

emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em

proveito do povo”.

Para haver democracia, basta existir uma sociedade. Nesta, se o

“governo emana do povo, é democracia; se não, não o é”. E em relação àqueles

que acreditam que nunca houve a democracia em sua pureza, José Afonso da

Silva162 leciona que eles a concebem como “um conceito estático, absoluto, como

algo que há que instaurar-se de uma vez e assim perdurar para sempre”. Na

verdade, a democracia é o oposto disso, forma-se em um processo “dialético que

vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução,

incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos valores”.

Em conclusão, pode-se afirmar que a democracia nunca se realiza

inteiramente, pois, como se expressa, a cada nova conquista, sempre serão

avistadas novas perspectivas a serem realizadas visando ao aperfeiçoamento

humano.

Mas o conceito de democracia pode descortinar-se não a partir da idéia

de “convivência social”, e sim como uma “relação governamental”, daí falar-se em

“democracia política”. Nesse sentido, Luiz Pinto Ferreira163 entende que a

democracia é a “forma constitucional de governo da maioria, que, sobre a base da

liberdade e igualdade, assegura às minorias no parlamento o direito de

representação, fiscalização e critica”.

Diante dessa assertiva, o referido autor ressalta que a democracia se

assenta em três princípios, o “princípio da maioria”, o “princípio da igualdade” e o

161

Id. Ibid., p. 132. 162

Id. Ibid., p. 133. 163

FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 6.ed., São Paulo: Saraiva. 1983. p. 189.

“princípio da liberdade”. 164 No mesmo sentido, José Afonso da Silva165 lembra

que Aristóteles já dizia que “a democracia é „o governo onde domina o número‟,

isto é, a maioria, mas também disse que „a alma da democracia consiste na

liberdade‟, sendo todos iguais”.

Ainda o mencionado autor, atenta que não se diga que maioria é

princípio, porém “simples técnica de que se serve a democracia para tomar as

decisões governamentais no interesse geral, não no interesse da maioria que é

contingente”. 166

Da mesma forma, devem-se colocar a igualdade e a liberdade como

fundamentos ou valores da democracia, e não como princípios. Assim, infere-se

que, realmente, os dois princípios que dão essência à democracia são: a

soberania popular, segundo a qual o povo é a única fonte do poder, que se

exprime pela regra de que todo poder emana do povo, e, ao lado desse princípio,

a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva

expressão da vontade popular.

Pode-se pensar que a democracia é um instrumento de realização dos

“direitos políticos”, que, por sua vez, torna reais os “direitos econômicos e

sociais”, dos quais os “direitos fundamentais” dependem, especialmente para

garantir a liberdade, “expressão mais importante”. Além disso, os direitos

econômicos e sociais são de natureza igualitária, sem os quais os outros não se

efetivam realmente.

Interessante anotar o posicionamento de Maria Victoria Benevides167,

quando amplia a noção de democracia para instrumento de realização do

164

FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 6.ed., São Paulo: Saraiva. 1983. p. 189. 165

SILVA, (2000). Op. cit. p. 133. 166

Id. Ibid., p. 134. 167

BENEVIDES, Maria Victoria. Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a democracia. In: Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu. 2003. p. 86.

princípio da “soberania popular ativa”, focalizando o respeito aos Direitos

Humanos, visto como um “compromisso com a ética e uma política energética de

inclusão social”. Assim, a referida autora realça a exigência de se unificar a idéia

de “democracia política” com a de “democracia social”, rompendo-se com a

definição tradicional de democracia que a restringe, nas palavras da autora, “à

existência de direitos e liberdades públicas individuais e eleições periódicas –

indispensáveis, é óbvio”.

Por outro ângulo, a autora supracitada, quando define os limites da

soberania popular, também advoga para que haja “controle sobre as

possibilidades de abuso de poder, inclusive o do povo soberano”. Nesse sentido,

Benevides168 assevera que: “Se democracia significa „governo do povo‟, a

soberania popular sem freios e regras não sustenta um regime democrático”.

Assim, a democracia não acontece sem a limitação dos poderes governamentais

e popular e sem respeito aos direitos humanos. Pelo contrário, a soberania

popular tende fatalmente ao abuso da maioria e à sua transformação, por

exemplo, em “ditadura do proletariado”, ditadura da oligarquia partidária ou

ditadura de um déspota. 169

O objetivo político da democracia é amplamente apontado por

Burdeau170, como sendo “a liberação do indivíduo das coações autoritárias, a sua

participação no estabelecimento da regra, que, em todos os domínios, estará

obrigado a observar”.

168

Id. Ibid. p. 86. 169

BENEVIDES, Maria Victoria. Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a democracia. In: Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu. 2003. p. 86-87. Vale reproduzir o entendimento da autora quando afirma que “é evidente que soberania popular ativa não significa a participação integral do povo na vida pública (o que Norberto Bobbio discutiu como o perigo do „cidadão total‟). Rousseau, o grande e radical defensor da democracia direta, reconhecia que o povo não pode abandonar suas atividades privadas para se dedicar à administração da coisa pública – o que cabe, precipuamente, aos governantes e aos membros da burocracia estatal, nos vários níveis”. 170

BURDEAU, Georges. La democracia. 3. ed., Barcelona: Publicações Europa-América. 1975. p. 581 e 608, apud SILVA (2000). Op. cit. p. 138.

Do ponto de vista formal, a democracia se mostra pelo vínculo entre o

povo e o governo, sendo aquele elemento considerado na formação deste.

Entretanto, partindo de uma concepção substancial, a relação povo-governo

converte-se numa relação de poder, e a democracia num governo de ação

popular. Mais ainda, tendo em vista o critério teleológico, a dinâmica povo-

governo pode concentrar-se no propósito de garantir a liberdade e a democracia

será puramente política, ou poderá visar à consolidação da soberania do povo

através da instituição de um regime de democracia social.

Tradicionalmente, no conceito que se deve a Lincoln, a democracia é o

“governo do povo, pelo povo e para o povo”. Do povo, vez que este é a fonte e, ao

mesmo tempo, titular do poder, pelo qual exerce a sua soberania, princípio

fundamental do regime democrático. Pelo povo, entende-se que o governo se

baseia na vontade popular, que o legitima para o seu exercício do poder, por meio

da técnica de representação política. Para o povo, implica liberar o homem de

toda imposição autoritária e garantir o máximo de segurança e bem-estar.

Mas, quem é o povo? Nessa razão, José Afonso da Silva171 aduz que:

Há uma tendência reacionária para reduzir o povo ao conjunto de cidadãos, ao corpo eleitoral, como se os membros deste fossem entidades abstratas, desvinculadas da realidade que os cerca, como se ao votar o cidadão não estivesse sob a influência de suas circunstâncias de fato e ideológicas.

Portanto, na visão de José Afonso da Silva, o “corpo eleitoral” simboliza o

povo, mas não constitui o povo, trata-se de uma “simples técnica de designação

de agentes governamentais”. Essa questão fica superada, quando se imagina que

171

SILVA (2000). Op. cit. p. 139.

o povo é aquele que enfrenta os problemas, compartilha dos “temores, a fome, as

alegrias e as tristezas”. 172

11.1. Formas de democracia

A democracia é, em geral, qualificada, especialmente pelos

constitucionalistas, em três tipos: democracia direta, indireta ou representativa e

semidireta.

A democracia direta consiste no exercício dos poderes governamentais

diretamente pelo povo, fazendo leis, administrando e julgando. Engendrada como

forma mais aberta de participação, a democracia direta foi mais bem representa

em Atenas (cidade-estado), onde a participação se estendeu ao conjunto da

população masculina cidadã por dois séculos. Ressalva se faz é que esse

exemplo não pode ser caracterizado como um modelo includente, posto que, na

lição de Norberto Luiz Guarinelo, “dizia respeito apenas aos cidadãos masculinos

e excluía, de qualquer forma de participação política, as mulheres, os imigrantes e

os escravos”. Em contrapartida, no âmbito restrito de cidadãos, representou uma

“experiência notável de participação direta no poder de todas as camadas sociais,

independentemente da riqueza ou posição social”. Assim, a participação em

Atenas era direta, exercida por um corpo de cidadãos ativos, que representavam

a si mesmos, por meio do voto individual de seus membros. Ademais, Norberto

Luiz Guarinello173 enfatiza que:

Nunca se desenvolveu a noção de representação, nem partidos políticos doutrinários, nem uma clara divisão de poderes constitucionais ou qualquer noção abstrata de soberania: esta podia residir na assembléia, ou num conselho mais restrito, ou

172

Id. Ibid., p. 140. 173

GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-estado na antiguidade clássica. In: História da cidadania. São Paulo: Contexto. 2003. p. 40-41.

mesmo na lei em geral, dependendo das circunstâncias específicas e do jogo de interesses e forças em conflito.

A democracia indireta ou representativa, considerada a mais importante

por diversos autores, é aquela na qual o povo não podendo dirigir os negócios do

Estado diretamente, em face da extensão territorial, da densidade demográfica e

da complexidade dos problemas sociais, concede aos seus representantes

eleitos, periodicamente, as funções de governo.

Norberto Bobbio174, quando trata da democracia dos modernos, exprime

que o primeiro argumento contra a democracia dos antigos, ou direta, é a

afirmação de que ela só era possível nos Estados menores, nos quais, era fácil ao

povo reunir-se e todos os cidadãos conheciam os demais. Ainda escreve

Bobbio175 que:

Quando Hegel exaltava a monarquia constitucional como única forma de governo em que se poderia reconhecer o espírito do mundo após a revolução francesa, já havia um governo republicano – que se tornara forte o suficiente para chamar a atenção de alguns espíritos inquietos e quase proféticos – num grande espaço: os Estados Unidos da América.

Nesse espírito, nasce a República junto com o governo representativo,

calçada na premissa de que não é possível a democracia direta nos grandes

Estados. Dito isso, pôde-se estabelecer uma diferenciação entre essas duas

formas de democracia, na medida em que, no caso da República, “há uma

delegação da ação governativa a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos

outros”, mais ainda, “ela pode ampliar a sua influência sobre um maior número de

cidadãos e sobre uma maior extensão territorial”. Em outras palavras, a

passagem da democracia direta à indireta foi “objetivamente determinada pelas

condições do ambiente”, isso faz com que a República “não seja tanto uma forma

174

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira, 7.ed., Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1999. p. 150. 175

Id. Ibid., p. 150.

oposta à democracia, mas sim a única democracia possível em determinadas

condições de território e população”. 176

Assim, enfatiza-se que, a partir da publicação, em 1835, do livro “Da

democracia na América”, de Aléxis de Tocqueville, houve a consagração do “novo

Estado, no novo mundo, como forma autêntica da democracia dos modernos

contraposta à democracia dos antigos”. Para Tocqueville, a distinção entre

democracia direta e indireta não tem mais nenhuma relevância, uma vez que, nas

suas palavras: “às vezes é o próprio povo que faz as leis, como em Atenas; às

vezes são os deputados, eleitos por sufrágio universal, que o representam e

agem em seu nome, sob a sua vigilância quase direta”. 177

Saliente-se que, na lição de Tocqueville, o que importa é que o poder

esteja “de fato, ou diretamente nas mãos do povo, que vigore como „a lei das leis‟

o princípio da soberania popular, donde „a sociedade age por si mesma‟ e „ não

existe poder fora dela‟”. 178

Um ponto fundamental, em destaque na democracia dos modernos,

referido por Bobbio, é o pluralismo, que impressiona quando se observa a

tendência que têm os seus membros em se ”associarem entre si com o objetivo

de promover o bem público”, tanto que, “independentemente das associações

permanentes, criadas pela lei [...], há uma multidão de outras, que devem o seu

surgimento e o seu desenvolvimento tão-somente a vontades individuais”. 179

Dessa forma, Tocqueville180 infere que o associacionismo “converte-se num

critério novo para distinguir uma sociedade democrática de uma não

democrática”. Vale reproduzir suas palavras:

176

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira, 7.ed., Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1999. p. 150-151. 177

TOCQUEVILLE, Aléxis de. De la démocratie em Amérique. Paris: Grosselin. 1835, apud BOBBIO (1999). Op. cit. p. 151. 178

Id. Ibid., p. 151. 179

TOCQUEVILLE, Aléxis de. De la démocratie em Amérique. Paris: Grosselin. 1835, apud BOBBIO (1999). Op. cit. p. 151. 180

Id. Ibid., p. 151.

Nas sociedades aristocráticas, os homens não precisam unir-se para agir, porque já estão solidamente mantidos juntos. Cada cidadão rico e poderoso forma ali como que a cabeça de uma associação permanente e necessária, composta por todos aqueles que dele dependem e que ele faz concorrer para a execução de seus desígnios. Nas democracias, pelo contrário, todos os cidadãos são independentes e ineficientes, quase nada podem sozinhos e nenhum dentre eles seria capaz de obrigar seus semelhantes a lhe emprestar sua cooperação. Se não aprendem a se ajudar livremente, caem todos na impotência.

Em suma, nos moldes supramencionados, os Estados representativos,

pautados na soberania do povo e no fenômeno da associação, reconhecem-se

como democráticos, pelo alargamento do voto até o sufrágio universal masculino

e feminino, e desenvolvimento do associacionismo político até a formação dos

partidos de massa e o reconhecimento de sua função pública. 181

Entretanto, em vista do modelo democrático-representativo, não se pode

deixar de mostrar a posição contrária da doutrina moderna, que recusa a

assertiva pela qual “o povo realmente se governe por meio de seus

representantes”. 182 A essa altura, convém lembrar a consideração de Gaetano

Mosca183, que apontou o fato de que “é sempre uma minoria quem governa”, não

havendo, portanto, “nem o governo de um só, nem o governo de todos ou da

maioria”. Manoel Gonçalves Ferreira Filho184 denota que, em 1896, esse autor

publicou a tese de que:

o povo não se governa, nem jamais se governou, mas que, sempre uma elite – a classe dirigente – é o que fez, e faz. É esta classe que efetivamente governa, no sentido preciso de que toma as decisões políticas fundamentais.

Isso ocorre porque quando a minoria governa, a democracia não tem

caráter democrático. Logo, a minoria se fecha “ao acesso de quem vem de baixo”.

181

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira, 7.ed., Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1999. p. 152. 182

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 25. 183

MOSCA, Gaetano. The rulling class. 3.ed. MacGraw – Hill. 1965. p.329, apud FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 26. 184

Id. Ibid., p.329, apud FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 26.

Daí, a doutrina contemporânea, capitaneada por Robert Dahl185, pretende uma

poliarquia, “governo de muitos” ou “aproximação contemporânea da democracia”,

fundada na idéia de “continua adaptabilidade (responsiveness) do governo às

preferências dos cidadãos, considerados politicamente iguais”. Para tanto, é

necessário que se cumpram algumas condições, distribuídas em três grupos. 186O

primeiro grupo conduziria à “possibilidade de o cidadão formular preferências”,

importando que haja: 1) liberdade de formar ou aderir a organizações; 2)

liberdade de expressão do pensamento; 3) direito de voto; 4) direito dos líderes

políticos competirem buscando apoio; 5) existência de fontes alternativas de

informação. O segundo grupo pauta-se na “possibilidade de manifestar

preferências” com condições de: 1) elegibilidade; 2) eleições livres e honestas.

Finalmente, o último grupo consiste em ter o cidadão suas “preferências levadas

em conta”, o que reclamaria do governo instituições para fazer as políticas

dependerem das preferências exprimidas pelo voto ou por outros modos. 187

Ferreira Filho188 salienta que muitos cientistas políticos, “mesmo sem ir

até o extremo de Robert Dahl”, enfatizam a necessidade de se dar à democracia,

ou poliarquia, “uma definição empírica, extraída da organização que, como

comprova a experiência prática, faz o governo corresponder ao „desejo‟ dos

governados”.

Vale dizer, ainda na lição de Ferreira Filho que o termo “desejo”

compreende duas interpretações. A primeira significa que “a democracia, no

mundo contemporâneo, se reduz ao consentimento do povo (governed

democracy), por oposição à democracia governante (governing democracy) da

185

DAHL, Robert. A preface to democratic theory. Universidade de Chicago, 1956. p. 84, apud FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 27. 186

FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 27. 187

DAHL, Robert. Polyarchy. 4.ed., New Haven-London: Yale University, 1973. p. 09, apud FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 27. 188

FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 28.

Antigüidade”. A segunda compreensão não exclui a primeira, é a que “insiste na

responsiveness, no afeiçoar-se a política democrática ao que deseja o povo”. 189

É bem verdade que, no mundo moderno, dada a complexidade e

extensão das sociedades, é impossível que um só governe e, ao mesmo tempo, é

improvável ou inviável que todos, ou a maioria de fato, desempenhem tal tarefa.

Todavia, não se pode minimizar a importância da representação para o regime

democrático, pois que, é cediço que ela configura a chave para o funcionamento

dos sistemas democráticos contemporâneos.

Na visão empírica apresentada por Ferreira Filho190, conclui-se que:

A democracia contemporânea, ou poliarquia, consiste numa forma de governo em que o povo participa decisivamente na escolha dos seus representantes (eleição), todos os seus integrantes em pé de igualdade quanto ao peso de sua participação (voto) e à elegibilidade.

Desse modo, apreende-se que a eleição é o ponto-chave da democracia,

já que permite que haja uma seleção de baixo para cima, impedindo a

cristalização como casta da minoria governante. O governo, por meio dos

representantes que o povo elege, tem por fim servir ao interesse geral, e não a

interesses privados.

Entrementes, a doutrina tem buscado formas de aprimorar a democracia,

ou poliarquia, veiculada como “governo do povo, pelo povo e para o povo”. A

despeito dessa perspectiva, Ferreira Filho191 afirma que a sua imaginação ainda

não ultrapassou as “fórmulas da democracia semidireta, que atenuam, embora

não substituam o governo representativo”.

Pode-se dizer que a tendência era considerar a representação política

apenas pelo exercício do direito ao voto como a única forma de participação

189

Id. Ibid., p. 28. 190

Id. Ibid., p. 31. 191

FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 33.

suficiente para a realização da democracia. A velha lição de Rousseau, que infere

que a soberania reside na vontade popular, pode ter uma interpretação mais

abrangente, no sentido de não abandonar o modelo representativo, tão

fundamental à democracia, mas agregar ao governo novos institutos de

participação, mediante os quais possam ser recolhidas manifestações da

sociedade civil, não só agrupada, mas também, individualmente. Muito embora

essa sociedade não forme parte do governo, é imprescindível que a mesma

esteja especialmente interessada nas decisões a serem tomadas.

Nesse passo, a idéia de participação pretende a revitalização do sistema

de tomada de decisões no “Estado Democrático de Direito”, sem se pressupor

que ela vá questionar as suas bases fundamentais. Na visão de Garcia de

Enterría, trata-se simplesmente de um acréscimo de conhecimentos para a

tomada da melhor decisão no processo de aplicação da lei. 192

Em linhas gerais, a democracia semidireta é a democracia representativa,

porém enobrecida pelos institutos de participação direta do povo nas funções de

governo, por isso, também pode ser chamada de “democracia participativa”. 193

Nesses termos, corrobora-se que há mecanismos capazes de conferir à

representação política maior solidez, possibilitando a “atuação das organizações

populares de base na ação política”. 194

Não obstante a relevância de um exame específico e mais profundo,

perpassando por todas as formas de democracia acima apontadas, sejam elas,

na forma direta, indireta e semidireta, este estudo se ocupará, a seguir, tão

somente em delinear a democracia participativa ou semidireta, cujas arestas são

essenciais para a assimilação do foco central desta pesquisa.

192

ENTERRÍA, Garcia de. Principios e modalidades de la participaión ciudadana en la vida administrativa. Madri: Civitas. 1989. p. 442. 193

Id. Ibid., p. 140. 194

Id. Ibid., p. 141.

12. A democracia participativa

Com a institucionalização, entendida por estabelecimento de bases legais

que possibilitem a interferência da sociedade civil nos negócios públicos,

estabelece-se, na visão de Adolfo Ignácio Calderón195, “um novo paradigma na

gestão da coisa pública”, no qual a democracia passa a ser concebida enquanto

espaço de debate público, onde as decisões importantes da sociedade seriam

tomadas nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), num processo

de debate e discussão junto às diversas forças que interagem na sociedade civil.

A participação é um conceito que só é integralmente compreendido se

tratado em conjunto com outros, como “democracia”, “cidadania” e “direitos do

cidadão”.

O novo paradigma incorporado na idéia de “democracia participativa”

compatibiliza as idéias de representação política e participação popular, sem

querer penetrar na discussão de que, em sociedades plurais democráticas, é

sabido que os interesses de grupos, por vezes, não confluem com os interesses

de todos, acolhe-se na idéia de que a ampliação da democracia pela participação

da sociedade pelo menos tempera ou aperfeiçoa os atos do governo

representante. Daí, poder falar-se em “governança”, refletida na busca do

atendimento dos anseios, interesses e aspirações dos governados.

195

CALDERÓN, Adolfo Ignácio. Meio ambiente: democracia e participação popular. In: Meio ambiente: participação, representação & legitimidade. Ano II, n. 6, São Paulo: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea – CEDEC. 1997. p. 02.

Convém destacar a síntese, apresentada por Roland Pennock196, das

razões pelas quais a participação deve ser incrementada pelas vias

constitucionais e legais das democracias contemporâneas. Preliminarmente, pela

simples e óbvia razão de alcançar o aprimoramento da governança (eficiência);

em segundo lugar, para propiciar mais freios contra o poder de interesses

escusos sobre o governo (legalidade); em terceiro, para garantir, sempre mais,

que nenhum interesse seja negligenciado ou excluído na consideração

governamental para a tomada de decisões (justiça); em quarto, para garantir, pela

participação de mais pessoas informadas e sábias, que se chegue a uma

sabedoria coletiva, à maneira aristotélica, que sobrepasse mesmo a do mais

sábio e prudente governante (legitimidade); em quinto, pela responsabilidade que,

assim, se infunde nos indivíduos, pelas conseqüências de suas ações políticas,

aprimorando-se pelo equilíbrio, que isto importa entre a realização de seus

desejos pessoais e do interesse coletivo (civismo); sexto, para tornar o produto

governamental mais aceitável e, portanto, de um lado, garantindo o mais fiel

cumprimento de suas determinações e, de outro, reduzindo o risco de

descontentamentos (ordem).

Enfim, salienta-se, neste estudo, que a prática democrática não se deve

limitar aos mecanismos da democracia meramente representativa. Nesse sentido,

José Joaquim Gomes Canotilho197 aborda o vínculo entre a democracia e a

participação no Estado, elucidando que:

O princípio democrático é um princípio jurídico-constitucional com dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais. Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática representativa –

196

PENNOCK, J. Roland. Democratical Political Theory. N. Jersey: University Press Princeton. 1979. p. 261, apud MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito de participação política: legislativa, administrativa, judicial. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 1992. p. 38. 197

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria Almedina. 1998. p. 278.

órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário. Em segundo lugar, o princípio democrático implica em democracia participativa, isto é, estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos.

Com a consagração de uma “dimensão participativa” à democracia, ou ao

princípio democrático, como sugere o autor, ao lado da já existente “dimensão

representativa”, elevou-se a orientação do input que, na preleção de Canotilho198,

significa que “o homem só se transforma em homem através da

autodeterminação, e a autodeterminação reside primariamente na participação

política”.

Em remate, o autor supramencionado assimila que, entre o conceito de

democracia reduzida a um processo de representação e o conceito de

democracia como otimização de participação, “a Lei Fundamental „apostou‟ num

conceito complexo-normativo, traduzido numa relação dialética (mas também

integradora) dos dois elementos – representativo e participativo”. 199

Nesse aspecto, denota-se que não pode haver uma idéia de

sobreposição de democracias, isto é, a democracia participativa ou semidireta

preferencialmente à representativa, ou vice-versa, visto que, como tem sido

abordado nesta pesquisa, faticamente, as duas teorias funcionam como aliadas.

Trabalhados em conjunto, os dois conceitos formam aquilo que Maria

Victoria de Mesquita Benevides200 denomina “cidadania ativa”. Para tanto,

confluem no Estado os modelos de participação na atividade legislativa,

administrativa e jurisdicional.

198

Id. Ibid., p. 278. 199

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria Almedina. 1998. p. 278-279. 200

BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa. Referendo, plebiscito e iniciativa popular. São Paulo: Editora Ática. 1998.

Pedro Jacobi201 sustenta que “a participação constitui-se num meio

fundamental de institucionalizar relações mais diretas, flexíveis e transparentes

que reconheçam os direitos dos cidadãos”. Nesse contexto de pressão social

apresenta-se a busca por uma cidadania ativa que disponha dos instrumentos

para o questionamento da ordem estabelecida. Essa forma de atuação política,

sem dúvida, facilita e torna mais direto o contato entre os cidadãos e as diversas

instituições do Estado, possibilitando que se levem mais em conta os interesses e

opiniões da sociedade civil, antes que o poder público tome sua decisão.

Mesmo Hans Kelsen202, um autor apegado aos aspectos formais, em seu

estudo sobre a democracia, declara que a gestão do interesse público não se

restringe ao processo legislativo, ao contrário, tende a avançar pelo campo da

execução das normas, ensejando a “democracia da execução”.

Por outro lado, partindo de um protótipo diferente de Kelsen, Norberto

Bobbio203 também se refere à necessidade de um grau de democracia exercida

em todas as esferas públicas, pronunciando que:

In altre parole, quando si vuol conoscere se ci sai stato uni sviluppo della democrazia in um dato paese si dovrebbe andare a vedere se sai aumentato no il numero di coloro che hanno il diritto di participare alle decisioni che li riguardano ma gli spazi in cui possono esercitare questo diritto.

Ainda que a doutrina concorde com a relevância do efeito da

participação pública na democracia, ela diverge em relação à sua natureza,

201

JACOBI, Pedro. Participação popular e a construção de uma nova institucionalidade. In: Meio ambiente: participação, representação e legitimidade. Ano II, n. 6, São Paulo: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea – CEDEC. 1997. p. 01. 202

KELSEN, Hans. A democracia. Tradução por Vera Barkow, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla, Ivone Castilho Bernadetti, São Paulo: Martins Fontes. 1993. p. 80. 203

BOBBIO, Norberto. Il futuro della democrazia. Una defesa delle regole del gioco. Torino: Eunaudi. 1984. p. 16.

enquanto, uns a consideram um princípio204, outros vêem os direitos de

participação205, outros, ainda, tratam a participação como poder político206.

Para os fins deste estudo, a participação se enquadra nessas três

concepções, tendo em mira que ela pode caminhar sob pontos de vista distintos.

Em outras palavras, a participação popular pode ser aludida como um princípio

que decorre do ordenamento jurídico, como um direito declarado na ordem

jurídica constitucional e infraconstitucional, explícita ou implicitamente, ou como

um poder político derivado do fenômeno fático, que é o controle do poder público.

Segundo as linhas desenvolvidas até aqui, a participação pública pode

parecer uma tarefa fácil. Pelo contrário, para que sujeitos simples se transformem

em cidadãos, não no sentido estrito da participação pelo exercício dos direitos

políticos, mas em cidadãos capazes de fazer uma intervenção participativa na

administração, inclusive, associados de maneira organizada, há inúmeros

obstáculos a serem transpostos.

Entrementes, vale reproduzir a opinião severa de Maria Victoria

Benevides207:

O povo é incompetente para votar em questões que não pode entender; é incoerente em suas opiniões (quando as tem) e é, ainda, politicamente irresponsável; o povo tende a votar na forma mais conservadora e, quando muito solicitado, torna-se apático para a participação política, o povo é mais vulnerável do que seus representantes, às pressões do poder econômico e dos grupos superorganizados; o povo é dirigido pela tirania da maioria e dominado pelas paixões.

Nessa lição, apóia-se a idéia de que converter meros espectadores em

agentes é o maior desafio da participação. No entanto, não é tarefa impossível.

204

CANOTILHO (1998). Op. cit. p. 278. 205

Assim descreve HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade II. Trad. Flavio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1977. 206

Como exemplo, BRITTO, Carlos Ayres de. Controle Social e participação popular. In Revista Trimestral de direito público. São Paulo: março de 1992. 207

BENEVIDES (1998). Op. cit. p. 80.

Por isso, a participação pública efetiva conta com o maior volume praticável de

informações, e o Estado, em consonância com os princípios da legalidade e

publicidade, tem o dever de disponibilizá-las.

Ademais, a todos não só deve ser permitido o acesso às decisões

políticas, mas também se torna imprescindível que a sociedade conheça as

variáveis discutidas no processo decisório. Nesse caminho, a sociedade estará

apta a ser inserida no processo decisório público, mesmo que, num primeiro

momento, acrescente as suas idéias e/ou instruções, como tem ocorrido no

âmbito dos debates ou das audiências públicas, e, posteriormente, controle as

atividades dos órgãos do governo.

Corrobora o que foi dito acima Moreira Neto208, explicitando que a

participação pública na esfera política está entrelaçada com algumas presunções,

“a publicidade oficial alcança a todos e que todos tenham conhecimento dos atos

do governo, assim como de que a comunicação social esteja ao alcance de todos

numa sociedade aberta e democrática”.

Nesse mister, é bom acentuar o óbice da educação que precisa ser

superado ao lado da garantia de informação. Logicamente, não adianta publicizar

a informação essencial ao processo de participação pública, se a população não

está preparada para assimilá-la, ou não conhece os meios pelos quais é feita a

comunicação. A título exemplificativo, Bobbio209 chama a atenção para as novas

tecnologias que formam o que os americanos denominam “computercracia”, e

que, sobremodo, podem influenciar na disparidade do acesso à informação,

produzindo uma verdadeira “exclusão digital”.

208

MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p.193. 209

BOBBIO (1984). Op. cit. p. 50.

12.1. A dimensão participativa e a Administração Pública

Muito embora haja concordância nos estudos apresentados pela

comunidade científica, que comprovam a relevância de um exame exclusivo e

minucioso sobre as formas de participação pública, tanto em âmbito legislativo

como em sede jurisdicional, e essas formas de participação se encontrem

ressaltadas no ordenamento constitucional vigente, para os fins da presente

pesquisa, merece especial atenção a figura da participação ou comunicação

pública na órbita administrativa. 210

Sendo notório que o legislador não consegue alcançar todas as hipóteses

que a realidade social pode apresentar, o corpo executivo assume uma visível

pluralidade de funções, e, como resultado provável dessa atuação, exerce uma

nítida liderança nas tomadas de decisões. Na verdade, tudo que se exige, em

conformidade com o posicionamento explicitado durante este estudo, é que haja

certa abertura por parte da administração do governo, no intuito de ensejar a

participação democrática de seus cidadãos em suas decisões.

Desse modo, convém demonstrar como as modalidades de participação

administrativa têm sido apresentadas de maneira diversificada, mas com o

mesmo fim de aproximar o administrado da decisão, tornando-a, por conseguinte,

cada vez mais afinada com os interesses a que se dirige.

Com efeito, a participação pública na função administrativa pode realizar-

se, numa visão ampla, por meio de consulta prévia. 211 Assim, algumas

modalidades específicas já estão em uso, tais como: “audiências públicas,

210

Em linhas gerais, tem-se que, em âmbito legislativo, a comunicação com o cidadão pode se dar, conforme a previsão na Constituição Federal de 1988, por plebiscito, referendo ou iniciativa popular. Em sede jurisdicional, a participação pública dos cidadãos é permitida nas tutelas coletivas, pela via individual da ação popular, pela ação civil pública ou pelo mandado de segurança coletivo. Corroboram esse entendimento, GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel & WATANABE, Kazuo. Participação e processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1988. 211

MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p. 90.

debates públicos, coleta de opiniões, participação institucional de administrados

em colegiados mistos e, finalmente, também em nível institucional, a adoção de

assessorias especiais”. 212

Pedro Jacobi213 discute o tema e argumenta que:

A participação consultiva, embora possa ser levada em conta, não interfere diretamente no poder decisório, podendo acontecer tanto na fase de planejamento como na fase de definição e de implantação de políticas públicas.

Entretanto, a participação pública pode resultar no envolvimento da

sociedade civil na verdadeira ação de tomada de decisão. Segundo Jacobi214, “a

participação resolutiva e a participação fiscalizadora implicam a intervenção no

curso da atividade pública, portanto representam participação no processo

decisório, interferindo diretamente no modus operandi da Administração Pública”.

A importância da distinção entre participação consultiva e deliberativa

reside no fato de que a primeira permite um compartilhar do poder decisório sobre

processos de gestão e de formulação de políticas, enquanto a segunda envolve

os atores sociais em seu controle, resultando na possibilidade de ações corretivas

e/ou reorientadoras da gestão da coisa pública.

Em geral, esses instrumentos públicos de participação possibilitam à

administração tomar conhecimento dos posicionamentos de seus administrados

em torno de algum assunto específico, de interesse coletivo ou difuso. Nessas

etapas, os indivíduos participantes, ou grupos interessados, podem discutir

amplamente as medidas propostas.

212

Id. Ibid., p. 90. 213

JACOBI (1997). Op. cit. p. 01. 214

Id. Ibid., p. 02.

Na visão administrativista de Moreira Neto215, a participação pública em

suporte à administração “visa principalmente à legitimidade dos atos da

Administração Pública, embora, incidentemente possa servir a seu controle de

legalidade”.

Cumpre, sobretudo, enfatizar que esse autor confirma o entendimento de

que a participação administrativa pode dar-se em diversas modalidades216, dentre

as quais algumas não necessitam de expressa previsão constitucional, posto que

despontam como uma “solução de especial interesse para o Direito Público

contemporâneo, cada vez mais comprometido com a realização da legitimidade”.

217 Em outras palavras, com base na legitimidade, Moreira Neto218 advoga que o

grande desafio do Direito Público, neste momento, figura não só em envolver os

administrados nas opções legislativas, mas também, casuisticamente, participá-

los nas tomadas de decisão em âmbito administrativo.

Gustavo Binembojm219, por sua vez, ao tratar da relação entre a

democracia e a Administração Pública, realça o que se convencionou chamar de

“democratização do exercício da atividade administrativa não diretamente

vinculada à lei”. Nesse passo, o autor sustenta que:

Tal democratização é marcada pela abertura e fomento à participação dos administrados nos processos decisórios da Administração, tanto em defesa dos direitos individuais (participação uti singulus), como em nome de interesses gerais da coletividade (participação uti cives).

Mas o incentivo à participação social nos processos de formulação das

decisões administrativas não está imune a críticas, já que não se pode

215

MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p. 87. 216

Id. Ibid., p. 87. Na mesma linha de pensamento, esse autor orienta para que a participação aconteça em qualquer dos campos da atividade administrativa do Estado: “se externa, no exercício do poder de Polícia de Polícia, na prestação dos serviços públicos, no Ordenamento Econômico, no Ordenamento Social e no Fomento Público, ou se interna, na gestão de seu pessoal, de seus bens e de seus serviços”. 217

Id. Ibid., p. 87. 218

Id. Ibid., p. 88. 219

BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. p. 77.

desconsiderar a tese de alguns autores que exprimem certa preocupação com a

eficiência administrativa, tendo em vista “os resultados das tramitações mais

demoradas e burocráticas, quanto mais aberta ao povo fosse a participação”.

Nesse intuito, Agustín Gordillo220 trabalha com essas dissidências, concluindo

que, em última análise, a participação configura também uma forma de eficiência.

Ainda é importante mencionar que, ao lado da obrigatoriedade prevista

no ordenamento constitucional ou infraconstitucional, também se verifica a

discricionariedade atribuída aos administradores ao implantarem os meios de

participação popular. Em consonância com a visão de Moreira Neto221, “a

legitimidade da ação administrativa não se esgota na vinculação obrigatória à

finalidade, que é o interesse público, expresso ou implicitamente definido em lei”.

Daí, infere-se que boa parte dos atos praticados pela Administração Pública é de

natureza discricionária, pautados na decisão sobre a conveniência e

oportunidade. 222

Nesse ponto, é oportuno acentuar a idéia apresentada por Maria Paula

Dallari Bucci223 em relação ao processo de formulação de políticas públicas, o

qual “representa o modo de formação da vontade administrativa no espaço da

ação discricionária”.

Como desfecho, saliente-se que a atuação discricionária da

Administração Pública ao engendrar as políticas públicas, em conformidade com

o instaurado “Estado Democrático de Direito”, pode elevar os processos de

220

GORDILLO, Agustin. La Administración Paralela. Buenos Aires: Editora Civitas. 1982. p. 06, apud MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p. 88. Cumpre salientar que em sentido amplo, esse autor advoga que “a eficiência não consiste apenas em adotar a melhor solução, em termos de custos e de tempo, de abrangência e de qualidade, como também a mais legítima, por ser a que melhor corresponde aos interesses do administrado”. 221

MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p. 124. 222

Ver a esse respeito, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade. 4.ed. , Rio de Janeiro: Forense. 2002. 223

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 250. Ademais, esta autora ainda elucida que: “Especialmente num país de regime presidencialista, em que os aparelhos do governo e da Administração se confundem no Poder Executivo, se pode concluir que o direito administrativo interessa às políticas públicas, assim como as políticas públicas interessam ao direito administrativo”.

participação pública, instituindo novas formas de participação ou propulsando as

formas usuais.

12.1.1. Participação Pública e Gestão Ambiental

Preliminarmente, convém elucidar que o foco deste estudo se assenta na

necessidade de participação pública como meio de articulação entre o Estado e a

sociedade civil, através dos instrumentos de socialização da formulação de

políticas públicas ambientais, verificados pelos projetos e programas do governo.

Em outras palavras, este trabalho se ocupará especialmente da participação

consultiva e deliberativa em instâncias do Executivo que permitem o acesso da

sociedade civil organizada aos processos de gestão dos recursos naturais. Trata-

se, na realidade, da ampliação da possibilidade de ação democrática.

Entretanto, é preciso mencionar que a dimensão da participação política

ambiental pela via indireta também tem seus aspectos relevantes, especialmente,

no que tange ao fenômeno característico das últimas décadas, que é a aparição

dos “partidos verdes”. Nesse intuito, a consciência ambiental está no foco dessas

novas formações políticas que fazem da ecologia o suporte para as suas idéias.

Assim, esses partidos apreendem a incorporação da causa ecológica nos seus

programas de governo.

A participação popular nas políticas públicas como um todo entrou no

vocabulário de especialistas quando, a partir da década de 70, em temas

relacionados ao desenvolvimento, a Organização das Nações Unidas – ONU -

passou a adotá-la em seus documentos.

Dessa forma, Stiefel e Wolfe224 lembram seis aspectos que devem ser

levados em conta na análise da participação popular e que foram indicados por

estudiosos da United Nations Research Institute for Social Development –

UNRISD.

O primeiro aspecto exprime a participação popular de “última instância”,

ou em face dos excluídos, descrita com a finalidade de enfrentar os processos de

exclusão em nível de participação da sociedade civil. Outro foco é a consideração

pelos movimentos ou organizações de atores com potencial de participação, que,

por sua vez, “são aqueles que apresentam estruturas organizacionais

permanentes, têm capacidade de escolha e manutenção de lideranças, se

relacionam em rede com outros movimentos de excluídos”. A terceira fonte é a

“identificação de atores individuais, que ocupam espaços participativos e

representam setores da sociedade”. A quarta, “são os componentes participativos

muitas vezes presentes em projetos e programas governamentais e de

organizações internacionais”. O quinto elemento corresponde às “iniciativas

participativas integrantes de políticas nacionais”. E, finalmente, o sexto seria a

verificação de “estruturas e ideologias antiparticipativas, em geral desenvolvidas

por oligarquias, em defesa de seus próprios interesses, contra a participação

popular”.

Dentre esses elementos, sublinhe-se, para os fins deste estudo, o tópico

que sinaliza para as participações populares nas políticas públicas nacionais e,

mais ainda, acrescente-se a ele a participação em nível estadual e local.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 caracteriza-se

por estar imbuída de uma ideologia participacionista, reflexo de um amplo

224

STIEFEL, M.; WOLFE, M. A voice for the Excluded – Popular Participation in Development: Utopia or Necessity. Zed Books Ltd. & The United Nations Research Institute (Unsrid), Genebra. 1994, apud, FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume (FAPESP). 2002. p. 30.

movimento democrático-popular que se articulou nas principais capitais brasileiras

na época da Assembléia Nacional Constituinte. Nas palavras de Adolfo Ignácio

Calderón225:

A existência desta ideologia fica evidente não só pela inclusão de mecanismos de participação direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular) e a substituição da fórmula „todo poder emana do povo e em seu nome será exercido‟, pela frase „todo poder emana do povo que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição‟, mas também, porque ao longo do texto constitucional foram incorporados princípios gerais que estabelecem as bases gerais para a participação da população na gestão da coisa pública.

Como exemplo do que foi dito pelo autor, pode-se mencionar que a

referida Constituição determina que o planejamento nos municípios seja realizado

com a cooperação das associações representativas da sociedade civil; ou ainda,

na área da assistência social, a participação da população deve dar-se por meio

das organizações representativas na formulação de políticas e no controle das

ações; e, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS -, este deve ser

organizado tendo como diretriz a participação da comunidade.

No tocante à questão ambiental, infere-se que a Constituição não foi tão

explícita como nos exemplos citados acima, entretanto abriu uma brecha que

sustentaria legalmente a participação da sociedade civil, ao reconhecer o direito

que têm os cidadãos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como o

dever do poder público e da coletividade de defender e preservar o meio ambiente

para as presentes e futuras gerações. Nesse sentido, depreende-se o dever da

sociedade de participar não somente através da pressão e interlocução com o

poder público, mas também com ações cotidianas individuais no intuito de garantir

esse direito eminente.

225

CALDERÓN (1997). Op. cit. p. 03.

Em âmbito internacional, a Agenda 21 propõe uma associação mundial

em prol do desenvolvimento sustentável, prevendo, como condição da

consecução desse objetivo, a participação pública em diferentes momentos e

instâncias. Ao longo desse plano de ação, encontram-se dispositivos sobre

participação pública na gestão do meio ambiente em pelo menos 20 de seus 40

capítulos, que propõem a ampla e eqüitativa participação de todos os setores da

sociedade.

Em linhas gerais, a Agenda 21 prevê a mais ampla participação pública,

especialmente através do envolvimento ativo das organizações não

governamentais (ONG‟s) e todos os grupos relevantes na tomada de decisões.

Enfatiza, contudo, a participação popular de pessoas pobres, e em particular

mulheres, indígenas, jovens, idosos e deficientes, em diferentes níveis de gestão,

mas principalmente nos grupos comunitários locais, com o objetivo de promover o

desenvolvimento sustentável. Assim, propõe que a formulação e a tomada de

decisões, em todos os segmentos, devem dar-se através de processos

consultivos, sempre que possível com base em reuniões comunitárias, grupos de

trabalho regionais e seminários nacionais, conforme apropriado.

Mereceu destaque a participação das ONG‟s, em cujo capítulo específico

está disposto que a independência dessas organizações é um atributo essencial e

constitui condição prévia para a participação genuína.

A idéia que se apreende é que a busca da sustentabilidade deve partir da

incorporação do preceito da participação pública em processos de gestão dos

recursos ambientais. Porém, esse desafio é tanto maior quanto menor for a

tradição democrática dos países e de suas instituições.

Outro instrumento internacional importante, no que se relaciona com a

participação pública ambiental, é a “Convenção de Aarhus”, firmada durante a 4ª

Conferência Ministerial da série “Meio Ambiente para a Europa”, em 21 de abril de

1998, e endossada pela Comissão Econômica para a Europa da Organização das

Nações Unidas.226 Embora assinada pelos países da Comunidade Européia em

25 de junho de 1998, na cidade dinamarquesa de Aarhus, ela só começou a valer

19 dias após o depósito do instrumento de ratificação pelo 16º país signatário na

Secretaria Geral das Nações Unidas (ONU). Com a ratificação pela Hungria em

29 de maio e pela Estônia em 6 de junho de 2001, completou-se o número

mínimo de 16 ratificações.

Tal documento trata do “Acesso à informação, à Participação Pública em

processos decisórios e à Justiça em Matéria Ambiental”, constituindo uma das

normas mais completas e atuais acerca da participação popular em gestão

ambiental.

Válida para os países da Comunidade Européia, representa avanço no

Direito Internacional do Meio Ambiente, na medida em que estipula regras claras

sobre participação pública em processos de decisão ambiental. Garante também

o acesso dos cidadãos a informações relevantes sobre qualidade ambiental e o

acesso à justiça para proteger o direito de todos a um meio ambiente sadio.227

Na tradução de Furriela228, o artigo 6° da Convenção dispõe sobre a

participação pública em atividades específicas e prevê que os países membros

deverão observar o seguinte:

- Sempre que houver um determinado processo de tomada de decisão o público interessado deverá ser informado em sua fase inicial, em forma e tempo adequados, sobre os seguintes

226

Dados disponíveis em: <http://www.unep.org>. Acesso em 30 de maio de 2006. 227

Dados disponíveis em: <http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=1122>. Acesso em 30 de maio de 2006. 228

FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume (FAPESP). 2002. p. 39-40.

aspectos: a) a atividade proposta e qual o aspecto a ser decidido; b) a natureza da decisão a ser tomada; c) a autoridade pública responsável pela tomada da decisão; d) o procedimento a ser adotado (quando inicia, quais as oportunidades para participação pública, indicação de autoridade que pode fornecer informações ou de onde podem ser obtidas informações, indicação de autoridade que pode ser consultada no processo, indicação de qual informação ambiental está disponível sobre a atividade proposta); e) e o fato de que a atividade é sujeita a procedimento de avaliação de impacto ambiental transfronteiriço; - O procedimento de participação pública deverá incluir cronogramas razoáveis para as diferentes fases, permitindo tempo suficiente para que o público se informe e se prepare para participar efetivamente na tomada da decisão ambiental. - Os empreendedores que sujeitam atividades a aprovação devem se estimulados a identificar o público relevante para participar das discussões e, ainda, a fornecer informações sobre os objetivos de sua solicitação, antes de requererem uma licença. - Cada país membro deverá solicitar das autoridades competentes que facilitem o acesso a toda informação relevante para o processo de tomada de decisão disponível, que deverá conter, no mínimo, os seguintes dados: a) descrição do local e das características físicas e técnicas da atividade proposta, incluindo uma estimativa dos resíduos e emissões possíveis; b) uma descrição dos impactos significativos da atividade proposta sobre o meio ambiente; c) uma descrição das medidas previstas para prevenir e/ou reduzir os efeitos, inclusive as emissões; d) um resumo não técnico dos itens acima; e) uma descrição das principais alternativas consideradas pelo solicitante; f) dados sobre relatórios e opiniões formulados para as autoridades públicas. - O público poderá apresentar por escrito, ou numa audiência pública, ou numa audiência com o solicitante, qualquer comentário, informação, análise ou opinião que considere relevante com relação à atividade proposta. - O resultado da participação pública deve ser devidamente considerado no processo de tomada de decisão. Quando a decisão for tomada pela autoridade pública, o público deve ser informado rapidamente sobre essa decisão, de acordo com procedimentos apropriados. O texto da decisão deverá ser acessível a todos, contendo as razões e justificativas daquela decisão. - Uma atualização ou reconsideração das condições de operação de uma atividade deve observar todos os preceitos contidos neste artigo 6°. - As disposições do referido artigo devem ser aplicadas por cada país membro, quando apropriado, às decisões relativas à introdução de organismos geneticamente modificados no meio ambiente.

Também é importante frisar o artigo 7° da Convenção que de acordo com

Furriela229, trata da participação pública na definição de planos, programas e

políticas relativas ao meio ambiente e define que:

Cada parte deverá estabelecer os dispositivos práticos para o público participar durante a preparação de planos e programas relacionados ao meio ambiente, de forma transparente e justa, mediante a prestação de informações relevantes ao público. O público a participar deverá ser identificado pela autoridade pública, levando-se em consideração os objetivos da Convenção. Na medida do possível, as Partes deverão promover a participação pública também no que concerne à elaboração de políticas ambientais.

Ademais, ainda tem lugar a menção ao artigo 8° que dispõe sobre a

participação pública na elaboração de resoluções (normas infralegais), e assim,

conforme Furriela230, esse dispositivo estabelece que:

As partes devem promover a participação num estágio apropriado, e enquanto há ainda opções a serem discutidas, durante o preparo pelas autoridades públicas de resoluções ou outras normas vinculantes que possam ter impacto significativo sobre o meio ambiente.

Tais preceitos adotados em âmbito internacional podem ser observados e

até servir de modelo para a formulação de normas no Brasil que passariam,

então, a ser incorporadas nas práticas de gestão pública ambiental, em

consonância com o instaurado paradigma democrático dos processos decisórios.

No ordenamento jurídico brasileiro, existem instrumentos importantes que

podem prestar-se à proteção do meio ambiente, dado que permitem a

participação do cidadão nas três esferas do governo.

Em sede do Poder Legislativo (federal, estadual ou municipal), à luz do

Constituição da República Federativa de 1988, o cidadão, ou grupo de cidadãos,

pode participar da gestão da coisa pública, propondo novas leis, ou sugerindo

229

FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume (FAPESP). 2002. p. 39-40. 230

Id. Ibid,. p. 39-40.

mudanças nas já existentes através do encaminhamento de um Projeto de Lei

Complementar ou Ordinária de Iniciativa Popular, bastando que se obtenha um

número mínimo de assinaturas de eleitores. Outras formas de participação direta

previstas acontecem por meio do plebiscito, uma consulta ao povo acerca de

assuntos do seu interesse, e através do referendo, que também é uma consulta,

só que diz respeito a projeto em tramitação, ou já votado pelo Legislativo. 231

Há ainda que atuar junto ao Legislativo, no âmbito das Comissões do

meio Ambiente, que existem permanentemente na Câmara e no Senado Federal.

Trata-se de órgãos técnicos encarregados de analisar, avaliar e decidir sobre

todas as propostas de novas leis. Vale dizer que essas Comissões também

existem nos legislativos estaduais e municipais e servem de fórum para

discussões de interesse da sociedade. Nos termos da Constituição Federal de

1988, artigo 58, §2°, algumas de suas atribuições são: 1) Realizar audiências

públicas com entidades da sociedade civil para discussões as mais variadas

possíveis; 2) Convocar ministros de Estado para prestar informações sobre

assuntos da sua área; 3) Receber petições, reclamações, representações ou

queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou

entidades públicas; 4) Solicitar depoimentos de qualquer autoridade ou cidadão;

5) Apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de

desenvolvimento e sobre eles emitir pareceres.

No âmbito do Poder Judiciário, o cidadão pode atuar individualmente ou

através de organizações não governamentais, como as entidades ambientalistas,

entidades de defesa do consumidor ou de direitos humanos, promovendo ações

judiciais em defesa do meio ambiente, ou ainda, através de representações

(denúncias) encaminhadas ao Ministério Público. Há diversos tipos de ações que

231

Artigos 14, incisos I, II, III e artigo 61 da CRFB/1988.

podem ser utilizadas para a defesa do meio ambiente, dentre as quais se

destacam a Ação Popular e a Ação Civil Pública. 232

Na esfera do Executivo, há diferentes espaços para a participação dos

cidadãos, que se torna visivelmente importante nos Conselhos do Meio Ambiente

existentes nos níveis federal (Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA),

estadual (Conselhos Estaduais do Meio Ambiente – COEMAS e CONSEMAS) e

municipal (Conselhos Municipais do Meio Ambiente – CONDEMAS).

Se bem que a Constituição Federal de 1988 não institucionalizou nenhum

tipo de Conselho, contudo, verifica-se em Leis Federais específicas, ou em várias

Constituições Estaduais e em Leis Orgânicas Municipais, a determinação da sua

criação, obviamente nos diversos níveis da estrutura do governo. É necessário

enfatizar que, em alguns casos, são criados Conselhos de caráter meramente

consultivo, em outros, têm o caráter deliberativo, definindo prioridades

governamentais, fiscalizando e avaliando as ações do Executivo.

Destarte, os Conselhos costumam ter em sua composição representantes

de entidades ambientalistas e de outros segmentos da sociedade civil, tais como

representantes dos trabalhadores, do setor produtivo, de universidades, entre

outros. Alguns desses órgãos têm função regulamentadora, o que torna a

participação nesses espaços ainda mais interessante para os vários segmentos

da sociedade com interesse em proteger o meio ambiente. Nesse sentido, Édis

Milaré233 explica que:

Além do poder de iniciativa de lei, a presença de representantes da comunidade, indicados livremente pelas associações civis, nos conselhos e órgãos de defesa do meio ambiente, enseja atuação efetiva na criação do Direito tutelar ambiental. É o que ocorre, por exemplo, com as atividades do CONAMA, órgão colegiado de âmbito nacional que tem como competência, entre

232

Artigos 5°, inciso LXXIII e 129, inciso III c/c §2° da CRFB/1988. 233

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 233.

outras, estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais.

Saliente-se, principalmente, que a sociedade pode atuar na defesa do

meio ambiente de forma direta, tomando parte na formulação e na execução de

políticas públicas ambientais. Entretanto, como assevera Milaré234, citando Álvaro

Mirra, nesse caso a participação popular tem sido mais deficiente, seja pela

“ausência de um canal direto que ligue a comunidade aos órgãos da

Administração Pública”, seja pela “falta de composição paritária nos órgãos

colegiados”.

Nesse contexto, os cidadãos devem estar atentos, especialmente às

atividades de Zoneamento Ambiental ou ZEE, procurando manifestar-se quando

iniciativas e discussões relativas a planos, programas ou atividades a serem

implementadas em sua região ocorrerem.

No âmbito desse instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, a

Avaliação de Impacto Ambiental assume extrema importância. Na ocasião da sua

elaboração acontecem as audiências públicas em que a coletividade e as

entidades ambientalistas podem, então, influir na forma de execução de planos

e/ou atividades que incidem sobre o meio ambiente.

Em conclusão, é oportuno realçar que não há participação eficaz sem o

acesso à informação pertinente àquilo que se pretende decidir. Portanto, ela deve

ser de qualidade, facilmente disponível, fidedigna, acessível aos interessados e,

finalmente, útil ao processo. Mas não é só, a informação também deve ser

traduzida, ou decodificada, para que os dados sejam utilizados da maneira mais

racional possível. Daí a importância de destacar o papel da Educação Ambiental

234

Id. Ibid., p. 233.

para o aprimoramento da participação da sociedade na gestão dos recursos

ambientais, sem perder de vista a busca pelo novo modelo de desenvolvimento

baseado na sustentabilidade.

QUINTA PARTE: O ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO (ZEE) PARTICIPATIVO

13. O Zoneamento Ecológico – Econômico (ZEE) e o combate à desertificação

Sobremodo, o Zoneamento Ecológico - Econômico (ZEE) configura um

instrumento imprescindível para as regiões afetadas ou suscetíveis à

desertificação, visto que, é necessário para a adequação da utilização dos

recursos naturais, bem como para nortear as políticas de desenvolvimento.

A partir do Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE -, instrumento

fundamental para a gestão territorial, os entes governamentais (nas diversas

áreas da federação) poderão balizar suas opções e iniciativas, servindo ao

mesmo tempo como elemento orientador para as ações do setor privado e das

parcerias entre os agentes sociais e econômicos (públicos e privados).

Por outro lado, sua disponibilidade permite identificar e monitorar os

processos de desertificação, pressões, estados e respostas das ações de

combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca. Ademais, oferece toda

a base necessária a uma eficiente gestão ambiental.

Sem conta, o ZEE é um instrumento indispensável para embasar as

decisões do governo que se referem à orientação de processos de

desenvolvimento, ao ordenamento territorial, à conservação da biodiversidade e à

gestão e monitoramento das áreas suscetíveis ou afetadas pela desertificação.

No que tange à disponibilidade de informações sobre os elementos

caracterizadores da desertificação no Brasil, tem-se um elevado grau de

desconhecimento por parte das populações afetadas. Paradoxalmente, há um

volume relativamente grande de informações acerca dos aspectos

especificamente socioeconômicos e ambientais nas regiões brasileiras de climas

semi-árido e subúmido seco, porém estas ainda se encontram dispersas.

A conjunção desses fatores se revela como um grande desafio para o

ZEE. Nesse sentido, exprime-se que esse instrumento terá efetividade limitada se

a institucionalidade da gestão ambiental e sua descentralização não forem

reestruturadas e fortalecidas. Essa diligência inclui a “capacitação do pessoal” e

“melhoria na rede de informações”. 235

Incita a discussão o fato de que, como ocorre nas ASD‟s brasileiras:

[...] ocupações seculares geraram tradições, culturas, comportamentos e modelos de padrões de desenvolvimento que, mesmo que possam ser considerados, do ponto de vista científico, inapropriados, apresentam forte resistência a um tipo de ordenamento impositivo. 236

Por isso, não se pode deixar de mencionar que o ZEE (processo de

ordenamento territorial e definição de prioridades), deve ser construído a partir de

uma metodologia que combine a realização de amplos processos de consulta e

negociação com os agentes econômicos e sociais já presentes na área e com os

estudos técnicos e científicos. Assim, os subsídios serão oferecidos como

orientadores aos processos de tomadas de decisão governamental.

235

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN – Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-84. 236

Id. Ibid., p.76-84.

Destarte, o problema da desertificação merece a atenção da sociedade

civil e dos gestores de políticas públicas. Há necessidade de uma diligência

voltada para a gestão democrática, justificada pelo fato de que, durante décadas,

apenas um pequeno número de pesquisadores e gestores públicos estiveram

familiarizados e envolvidos com as questões da desertificação, sua prevenção e

combate.

14. Ordenamento [ordenação] territorial e as justificativas para a sua implantação

No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 define como competência da União, em seu artigo

21, inciso IX, in verbis, “elaborar e executar planos nacionais e regionais de

ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”.

Muito embora o termo utilizado pela Carta Constitucional seja

“ordenação”, tem-se falado com mais freqüência em “ordenamento”. Vale dizer

que para Aurélio Buarque de Holanda, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa,

o termo ordenação é sinônimo de ordenamento e significa “ato ou efeito de

ordenar; [...] disposição, arranjo metódico, arrumação [...]”. Ademais, para esse

mesmo autor, “ordem” implica “disciplina” ou “subordinação”.

O ordenamento territorial, no entendimento de José Heder Benatti237,

equivale à “busca de um equilíbrio entre os equipamentos habitacionais e de

produção e a distribuição fundamental da população”.

237

BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais no imóvel rural. Tese de dourado. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/ Universidade Federal do Pará, 2003. p. 105.

A expressão “ordenamento territorial” envolve um conceito bastante

dinâmico que gira em torno de três elementos: as atividades humanas, o espaço

em que elas se encontram e o sistema formado por ambos.

Saliente-se o conceito de ordenamento territorial previsto na Ley

Cántabra que assim define:

La ordenación del territorio es el conjunto de criterios, normas y planes que regulan las actividades y asentamientos sobre el territorio con el fin de conseguir una adecuada relación entre territorio, población, actividades, servicios e infraestructuras.

Assim, pode-se dizer que ordenar um território consiste tecnicamente em

identificar, distribuir, organizar e regular as atividades humanas que ali se

estabelecem, de acordo com critérios e prioridades. Tais ações constam de um

plano genérico que visa disciplinar, principalmente, a ocupação e a exploração do

solo, procedendo-se a uma análise da estrutura e funcionamento do conjunto de

elementos que nele operam.

Enfim, o ordenamento territorial significa a reorganização do território,

fomentada, de maneira racional, pelo Estado. No que tange à forma de utilização

do solo para a obtenção de um desenvolvimento eqüitativo, equilibrado e

sustentável da região.

De acordo com a Carta Européia de Ordenamento Territorial:

La ordenación del territorio es la expresión espacial de la política económica, social, cultural y ecológica de toda la sociedad, cuyos objetivos fundamentales son el desarrollo socioeconómico y equilibrado de las regiones, la mejora de la calidad de vida, la gestión responsable de los recursos naturales, la protección del medio ambiente y, por último, la utilización racional del territorio.

Nessa perspectiva, do ponto de vista administrativo, o ordenamento

territorial é uma função pública que responde à necessidade de disciplinar o

crescimento espontâneo das atividades humanas públicas ou privadas e garantir

uma espécie de justiça sócio-espacial, fundamentada pelo respeito aos princípios

da função social da propriedade e do desenvolvimento que transcende o mero

crescimento econômico e se centra na qualidade de vida da sociedade.

Ademais, o ordenamento territorial também possui um caráter político,

pois, é o Poder Público quem define as estratégias de desenvolvimento e,

conseqüentemente, o modo como as atividades devem ser exercidas. Nesse

passo, também decide, de acordo com a legislação específica, os instrumentos de

planejamento a serem utilizados.

A primeira justificativa para a implementação do ordenamento territorial é

a carência de um enfoque planejado para o desenvolvimento, evidenciando-se

sua utilidade como método planificado de ataque e prevenção dos problemas

inerentes ao meio ambiente - o deixar fazer dificilmente garante o cumprimento

dos critérios de racionalidade e sustentabilidade que exige o conceito de função

social da propriedade.

A experiência tem apontado para uma reflexão e previsão do futuro, vez

que não há lugar para o crescimento espontâneo que desvincula suas atividades

do meio ambiente, pautado em comportamento não solidário e insustentável em

longo prazo. Tal crescimento provoca o desequilíbrio territorial, configurado pela

ocupação e uso desordenado do solo, degradação ambiental, destruição dos

recursos e externalidades socioeconômicas de todo tipo.

Com efeito, a intervenção em áreas de bem comum depende de uma

sociedade desenvolvida capaz de, primeiro, prever os mecanismos de

intervenção e, logo, aplicá-los com eficiência.

Outra justificativa para o ordenamento territorial é a necessidade de

superação de certos paradigmas sociais.238 Vale dizer que a sociedade apresenta

alguns paradigmas que, de maneira recorrente, se dão em todos os países e

regiões. Essas tendências obstaculizam o enfoque integral e planificado que

comporta o instituto em apreço.

O primeiro paradigma é a tendência do estilo de desenvolvimento que

acarreta o desequilíbrio territorial. De fato, o tipo de desenvolvimento que impera

se projeta no território segundo o modelo denominado centro-periferia e se

caracteriza pela concentração de populações e atividades em determinados

pontos. Assim, a orientação determina que o zoneamento abarque todos os

níveis, especialmente, no que se refere às relações campo-cidade (zoneamento

rural).

O segundo emblema são as formas de consumo e comportamento

irracional por parte da população. De maneira equivocada, a população costuma

relacionar a felicidade com o contínuo aumento do consumo de energia e bens

materiais, sem levar em consideração que isso traz conseqüências evidentes para

a exploração dos recursos naturais.

O terceiro protótipo é a tensão entre o interesse público e o interesse

privado. Sem dúvida, o interesse privado, coincidente com o dos agentes

socioeconômicos, pode impedir os efeitos do princípio da função social da

propriedade como garantidor do funcionalismo do sistema territorial.

Outro paradigma a ser superado é o concernente à aparente contradição

entre conservação e desenvolvimento. Por esse aspecto, endossa-se que o

próprio comportamento dos agentes socioeconômicos manifesta uma ação

238

OREA, Domingo Gómez. Ordenación Territorial. Espanha: Mundi-Prensa Libros. 2001. p. 39.

depredadora sobre os recursos naturais, que aparece como forma de exploração

ilimitada em busca da rentabilidade.

Convém repisar que as degradações ambientais podem derivar de uma

incorreta seleção de atividades localizadas em ambientes que não as suportam,

por outro lado também, a sobreexploração dos recursos naturais renováveis e não

renováveis torna-se incompatível com os vetores ambientais: ar, água, vegetação

e solo.

Paralelamente, o impacto da passividade, verificado pelo abandono do

solo após situações ambientais indesejáveis, auto-alimenta a degradação que

cresce, se não houver a medida de intervenção, como no caso dos processos

erosivos nos quais os efeitos se convertem em causas.

Com razão, pode-se afirmar que os planos de ordenação territorial são os

instrumentos mais adequados para prevenir e combater tais problemas.

Assim, o plano deve traçar, com nitidez, as definições das ações de cada

entidade, seja ela, federal, estadual, regional ou local, coordenando-as com as

diligências especificadas dos diversos setores, como agricultura, indústria,

turismo, infra-estrutura, conservação do meio ambiente, entre outros. É preciso

dizer que a coordenação de caráter setorial se estende não somente aos entes

administrativos, mas também às demais entidades de caráter privado. Dessa

maneira, pode-se ter em vista a garantia da coerência nas realizações e

consecução dos objetivos em longo prazo.

15. Zoneamento, urbanismo e função social da propriedade

Indubitavelmente, não há que se falar em zoneamento sem situar que ele

nasce como uma ramificação da idéia de urbanismo. Nesse sentido, Paulo de

Bessa Antunes239 destaca que “o zoneamento é contemporâneo do urbanismo e,

de fato, surgiu com o planejamento das modernas cidades industriais que ele

surgiu”.

No âmbito do direito urbanístico, o zoneamento se enquadra,

especialmente no momento do planejamento urbano, que implica a ordenação do

uso e ocupação do solo. José Afonso da Silva240 explica que o zoneamento é

qualificado como “instrumento legal utilizado pelo Poder Público, para controlar o

uso da terra, as densidades de população, a localização, a dimensão, o volume

dos edifícios e seus usos específicos, em prol do bem-estar geral”. Por outro lado,

esse autor também assevera que o zoneamento pode servir como divisão de uma

comunidade em zonas para o fim de “regular o uso da terra e dos edifícios, a

altura e o gabarito das construções, a proporção que estas podem ocupar e a

densidade da população”.

Isso ocorre, ressalte-se, porque o território urbano deve ter uma

destinação funcional e racional dada às diversas ocupações. Assim, o

zoneamento se apresenta como uma espécie de operação feita no plano da

cidade com o fim de atribuir a cada função e a cada indivíduo seu justo lugar. Tem

por base a discriminação necessária entre as diversas atividades humanas

reclamando cada uma um espaço particular.

No mesmo sentido, considerando a visão urbanística da França, Paulo

Bessa Antunes241 traz à baila o conceito de Yves Prata que, por sua vez,

distingue o zoneamento como “técnica consistente em determinar nos

239

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2005. p. 157. 240

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 3. ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2000. p. 230. 241

ANTUNES (2005). Op. cit. p. 155.

documentos de planificação urbana o destino da utilização do solo segundo a

natureza das atividades dominantes, definindo aquelas que serão permitidas”.

Segundo José Afonso da Silva242, pode-se dizer que o zoneamento

territorial urbano tende a ser o principal objetivo do planejamento urbanístico, na

medida em que este só se configura, se houver um conjunto de normas legais

que representem o direito de propriedade e o direito de construir em conformidade

com o princípio da função social, ou seja, por meio de imposições à liberdade de

uso e de edificação. Mais ainda, aduz o mesmo autor que:

Essa natureza do zoneamento decorre, nos nossos dias atuais,

não tanto do poder de polícia, mas da competência que se reconhece ao Poder Público de intervir, por ação direta, na ordem econômica e social, e, portanto, no domínio da propriedade privada, a fim de conformá-la à sua função social. 243

Faz-se necessário aqui um breve esclarecimento acerca da relação entre

o poder de polícia e a função social da propriedade. A lição da clássica doutrina

diz que os atos normativos provenientes da Administração Pública (quando

exerce o seu poder de polícia), precipuamente, condicionam a liberdade e a

propriedade dos indivíduos, impondo-lhes um “dever de abstenção”, no intuito de

conjugar os comportamentos aos “interesses sociais consagrados no sistema

normativo”. 244

Em contrapartida, o princípio da função social da propriedade, nas

palavras de Eros Grau245, “impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de

controle, na empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não

apenas de não o exercer em prejuízo de outrem”. Portanto, infere-se que se trata

de uma concepção completamente distinta daquela atribuída ao poder de polícia,

242

SILVA (2000). Op. cit. p. 233. 243

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4.ed.,São Paulo: Malheiros. 2003. p. 269. 244

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros. 2000. p. 675. 245

GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 213.

que simplesmente determina o non facere, conquanto, “a função social da

propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos –

prestação de fazer, portanto, e não, meramente, de não fazer”.

No mesmo sentido, André Lima246 assinala que:

O poder de polícia é atributo do poder público, como poder-dever de agir quando em risco está a integridade, a saúde, o bem-estar da população. A função social da propriedade é um “ônus” que integra e legitima o exercício do direito, condicionando-o. Via de regra o poder de polícia se expressa pela imposição cogente de um não-fazer ao proprietário, quando por sua vez o cumprimento da função social da propriedade se realiza por meio de uma obrigação de caráter positivo, um “fazer”.

José Heder Benatti247, ao afirmar que “estamos diante de uma nova

concepção de propriedade”, expõe que a função social é um elemento que

estrutura e modifica o conteúdo mesmo do direito de propriedade”, mais ainda,

que “a introdução da função social na Constituição leva a uma nova idéia de

propriedade: a propriedade constitucional privada”. Por esse aspecto, conclui-se

que o zoneamento é um importante instrumento de conformação do princípio da

função social da propriedade, na medida em que tal intervenção do Poder Público

visa estabelecer o conteúdo e as condições do exercício do direito de

propriedade.

Nessa perspectiva, é bom lembrar que o ordenamento territorial se

configura em um conjunto de critérios, normas e planos de governo, com vistas à

disciplina das atividades exercidas em um determinado espaço, a fim de obter

uma compatibilização entre o território, população, atividades, serviços e infra-

246

LIMA, André. Zoneamento Ecológico-Econômico à luz dos direitos socioambientais. Curitiba: Juruá. 2006. p.176. 247

BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais no imóvel rural. Tese de dourado. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/ Universidade Federal do Pará, 2003. p. 185. Para esse autor: “O interesse coletivo (a função social) e o interesse do particular (utilização privada) – só podem harmonizar-se se o conteúdo do direito de propriedade for a expressão de uma exploração do bem que seja socialmente útil. Somente sob essa ótica pode-se falar em propriedade constitucional, porque a “identidade entre a utilidade privada e a social se alcança, enfim, mediante a intervenção pública que determina a dimensão e o exercício do conteúdo dominial” (VAZQUEZ, 1988:64). Desse modo, a propriedade constitucional passa a ser um instrumento importante de transformação econômico-social para garantir o bem-estar social”.

estruturas. Assim, o zoneamento urbano é um dos instrumentos de eficácia do

ordenamento territorial, pois possui caráter normativo e vincula tanto o Poder

Público como o particular ao respeito às características e funcionalidades de um

dado espaço territorial, em conformidade com o princípio da função social da

propriedade.

Nesse sentido e a despeito das divergências conceituais acerca da

natureza do zoneamento – caráter indicativo ou vinculante -, José Heder

Benatti248 reconhece que “mesmo não sendo esse o único objetivo do

zoneamento, de modo geral pode-se dizer que as medidas tomadas no

zoneamento, para buscar soluções aos problemas ambientais, acabam

estabelecendo limitações ao direito de propriedade”. Dessa forma, deduz-se que,

se o zoneamento, em virtude do planejamento urbano, provoca limitações ao

direito dos cidadãos, por exemplo, ao discriminar os possíveis ou não possíveis

usos em suas propriedades, este possui força normativa-vinculante.

Dada a origem do conceito de zoneamento, nas sociedades

industrializadas e urbanizadas e na necessidade do estabelecimento de áreas

com padrões de ocupação bem definidos, orienta Fernando Alves Correia 249 que

no direito norte-americano se emprega o termo zoning para caracterizar a técnica

de repartição ou demarcação do solo. No mesmo sentido, com base no Blacks

Law Dictionary, Paulo Bessa Antunes250 acrescenta que zoning significa:

A divisão de uma cidade ou vila em bairros, por regulamentos legais, e a determinação e a aplicação, em cada bairro, de normas concernentes à estrutura e à arquitetura dos prédios e de normas prescrevendo o uso que os prédios podem ter dentro dos bairros. Divisão de terra em zonas, e dentro destas zonas, regulamentação da natureza do uso da terra e as dimensões físicas do uso, incluindo altura, recuos e áreas mínimas.

248

BENATTI (2003). Op. cit. p. 292 249

CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade. Coimbra: Livraria Almedina. 1997. p. 36. 250

ANTUNES (2005). Op. cit. p. 155.

Pelo enfoque urbanístico, vê-se que a função do zoneamento se

concentra na expansão das cidades, portanto a qualificação dos solos, nos

planejamentos urbanos, fica adstrita à destinação urbana. Nesse sentido,

Domingo Gómez Orea251 explica que:

El urbanismo ha abusado de concepciones y estereotipos geométricos en la ordenación del espacio, como si el territorio fuese una especie de lámina en blanco a la que se puede traducir todo tipo de formas idealizadas en un dibujo, sin considerar que el territorio es anterior a las actividades humanas y que existe una especie de determinismo geográfico fundamentado en la lectura de aquél, en el conocimiento de las oportunidades y condicionantes del territorio para acogerlas.

Não obstante tais razões, Orea252 concorda que o planejamento urbano é

o instrumento que mais rapidamente tem incorporado os critérios atinentes ao

meio ambiente físico em suas atuações. Segundo esse autor, na Espanha, isso

ocorre, especialmente, quando:

La ordenación del territorio supera ampliamente al planeamiento urbanístico hasta tal punto que la legislación autonómica vigente exige la revisión de los planes locales de urbanismo cuando no se adapten a las previsiones de los planes de ordenación territorial.

Todavia, a técnica mais elementar de zoneamento, que se assenta na

fixação de áreas destinadas à habitação e à indústria, evoluiu para o

estabelecimento de outras funções específicas como, por exemplo, o zoneamento

ambiental. Nesse passo, salienta José Afonso da Silva253 que a figura do

zoneamento ambiental amplia o conceito de zoneamento urbano, porque não

configurará apenas este, como instrumento que preconiza uma estrutura mais

orgânica para as cidades, visto que não será restrito a esse ambiente. Desse

251

OREA, Domingo Gómez. Ordenación Territorial. Espanha: Mundi-Prensa Libros. 2001. p. 39. 252

Id. Ibid., p. 39. 253

SILVA (2003). Op. cit. p. 268.

modo, pode-se afirmar que o zoneamento ambiental se insere na proteção de

todas as áreas de interesse no meio ambiente como um todo.

Sobretudo, não se pode olvidar que o zoneamento, tanto urbano como

ambiental, conforma essencialmente no uso e ocupação do solo, porém, esses

instrumentos não podem perder de vista o interesse do bem-estar e da realização

da qualidade de vida da população.

16. Aspectos conceituais do zoneamento ambiental ou ZEE

O zoneamento ambiental surge como uma proposta preventiva em longo

prazo, de acordo com o paradigma do desenvolvimento sustentável. Édis

Milaré254 pontua que esse instrumento “se ocupa das bases de sustentação das

atividades humanas que requisitam os espaços naturais de cunho social, como é

o solo, em geral, e os grandes biomas, em especial”. Assim, o zoneamento

ambiental tenciona compatibilizar o desenvolvimento das atividades econômicas

com a utilização dos recursos naturais, por isso também pode ser chamado de

zoneamento ecológico-econômico (ZEE). Em outras palavras, pode-se dizer que

o ZEE se insere no debate em que o foco está no desenvolvimento sustentável e

na noção de gestão integrada dos recursos naturais, tem como objetivo conciliar

preservação e desenvolvimento econômico.

José Heder Benatti255 salienta que é por meio dessa gestão que há a

“possibilidade de antever e prevenir os problemas ambientais; regular as relações

entre os sistemas socioculturais e o meio ambiente físico; e garantir a renovação

e preservação desses recursos”.

254

MILARÉ (2005). Op. cit. p.416. 255

BENATTI, José Heder. Aspectos legais e institucionais do zoneamento ecológico-econômico. In: Revista de Direito Ambiental, n.29, ano 8, jan. - mar., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 104.

Mais ainda, como mostra Milaré256, tal recurso pode ser definido como

“resultado de estudos conduzidos para o conhecimento sistematizado de

características, fragilidades e potencialidades do meio, a partir de aspectos

ambientais escolhidos em espaço geográfico delimitado”.

O ordenamento territorial visa à aproximação genérica e integrada do

meio físico como um todo, na qual se realça a relação entre este e as atividades

humanas, com base nos estudos das compatibilidades e incompatibilidades

existentes, propondo-se, assim, um novo modelo de desenvolvimento e as

medidas para alcançá-lo. Nessa perspectiva, o zoneamento ambiental (ou ZEE)

se insere pela análise de setores específicos com foco em ecossistemas próprios,

nos quais se descortinam as degradações e os impactos que os afetam, bem

como as atividades humanas que colaboram para a diminuição de sua

potencialidade. Em outras palavras, o zoneamento ambiental, figurado como um

processo de cognição do meio ambiente natural, existe em função do

ordenamento territorial que, por sua vez, o engloba. De maneira simplificada, o

zoneamento ambiental tende a aproximar os objetivos do ordenamento à gestão

integrada dos recursos naturais.

Importa salientar que o ZEE não equivale ao zoneamento do direito

urbanístico que, conforme já explicado neste estudo, tem conotação normativo-

vinculante. Em outras palavras, o ZEE não objetiva, especificamente, o

parcelamento do território a fim de determinar que atividades serão

autorizadas.257

256

MILARÉ (2005). Op. cit. p. 416. 257

Vale reproduzir a crítica feita no ZEE do Acre, que exprime que: “Nos Estados amazônicos onde se elaborou leis estaduais de zoneamento, têm ocorrido dificuldades consideráveis. As leis estaduais de zoneamento tipicamente são baseadas em mapas com escalas muito genéricas (1:1.000.000 e 1:250.000) que dividem o Estado inteiro em diferentes .zonas., estipulando as atividades permitidas e proibidas em cada uma delas. Esse tipo de macrozoneamento normalmente comete equívoco, em função da falta de informações sobre as características específicas de cada local, inclusive em relação às realidades e aspirações de populações locais. Enquanto isso, as leis de zoneamento muitas vezes acabam servindo como uma cortina de fumaça., ocultando a necessidade de reformas urgentes entre políticas governamentais que

Nesse sentido, está deturpada a definição do governo do estado de

Rondônia, cujo Zoneamento Socieconômico-Ecológico (ZSEE) foi aprovado pela

Lei Complementar Estadual 233, em 06 de junho de 2000. Para o referido

governo, o zoneamento é um instrumento que tem como “objetivo principal a divisão de uma

unidade geográfica em áreas homogêneas visando ordenar a ocupação desse espaço

territorial e indicar políticas públicas e ações governamentais consentâneas”. 258

Para Benatti259

, o ZEE assume uma concepção não-prescritiva e conforma apenas

uma etapa do planejamento. Desse modo, este autor assinala que o ZEE consiste:

Na produção, coleta, análise e sistematização de informações sobre o território, para que o poder público, em todas as suas esferas (municipal, estadual e federal) e poderes (legislativo, executivo e judiciário) possa ter elementos para implementar políticas dentro das suas competências constitucionais visando ao adequado ordenamento territorial.

Ademais, acrescente-se a definição expressada por Schubart, citado por

André Lima260, que trata do zoneamento como:

O resultado de um processo político-administrativo, que utiliza o conhecimento técnico, ao lado de outros critérios, para fundamentar a adoção de diretrizes e normas legais, visando atingir objetivos socialmente negociados, que implicam em um conjunto de sanções ou incentivos sociais que regulam o uso de recursos e a ocupação do território.

Enfim, as duas definições acima transcritas caracterizam o ZEE como um

instrumento indicativo, ou, nos dizeres de André Lima261, como “referencial

informativo para a adoção de diretrizes e normas que visem o ordenamento do

território em bases sustentáveis”. Nessa razão, a edição das normas deve estar

têm contribuído para problemas de degradação ambiental e conflitos sociais na região amazônica”. (ACRE. Governo do Estado do Acre. Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre. Zoneamento ecológico-econômico: indicativos para a gestão territorial do Acre - documento final. Rio Branco: SECTMA, 2000. V. 3.) 258

RONDÔNIA. Governo do Estado de Rondônia. Zoneamento Socioeconômico-Ecológico (ZSEE). Porto Velho: Governo de Rondônia, 2000. Disponível em: <http://www.rondonia.ro.gov.br/revistas/zoneamento/port/index.htm>. Acesso em 10 de maio de 2006. 259

BENATTI, José Heder. Aspectos legais e institucionais do zoneamento ecológico-econômico. In: Revista de Direito Ambiental, n.29, ano 8, jan. - mar., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 104. 260

LIMA (2006). Op. cit. p. 96. 261

Id. Ibid., p. 96.

de acordo com as diretrizes do ZEE, que, por sua vez, as justificam ou

fundamentam.

Destarte, o ZEE funciona como um instrumento técnico-político de

orientação para a tomada da decisão. Assim é reconhecido pela Secretaria de

Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente:

O ZEE torna-se um importante instrumento para subsidiar a formulação de políticas territoriais da União, Estados e Municípios, orientando os diversos níveis decisórios na adoção de políticas convergentes com as diretrizes de planejamento estratégico do país. Busca, assim, conservar o capital natural e diminuir os riscos dos investimentos.

De fato, um dos objetivos do ZEE é “dotar o Governo de bases técnicas”

para que este decida a melhor forma de uso e ordenação do território, portanto, a

palavra final sobre as restrições de certos usos da terra caberia ao Governo ou à

Assembléia Legislativa, mediante a elaboração de leis. Sendo assim, o

zoneamento com essa característica, está de acordo com a finalidade prevista

pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

(SAE/PR)262, ou seja:

Um instrumento técnico de informação sobre o território, indicativo, portanto, mas também um instrumento político por excelência, de regulação do uso do território, e de negociação entre os vários setores do governo, o setor privado e a sociedade civil. Como tal, a implementação dos resultados do ZEE deve traduzir-se em normas legais de diversos níveis, que em seu conjunto, compõem o ordenamento territorial.

Para além da concepção normativista de zoneamento, utilizada no direito

urbanístico, e da concepção indicativa ou informativa, explicitada ao longo deste

capítulo, acrescente-se a proposta de Benatti263, que, por sua vez, defende um

262

BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais no imóvel rural. Tese de dourado. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/ Universidade Federal do Pará, 2003. p. 299. 263

Id. Ibid.,. p. 300.

modelo de zoneamento participativo, pautado pela “descentralização” e

“flexibilização normativa”. Conforme assevera este autor:

O zoneamento assume um papel de destaque na construção de um canal de diálogo entre os órgãos públicos, o setor privado e a sociedade civil, podendo influir nas políticas de proteção ambiental e de desenvolvimento de uma determinada região, sendo, portanto, também um espaço importante de composição dos conflitos sociais sobre as distintas formas de uso e manejo do solo e dos recursos naturais. Nessa concepção, o ZEE e, conseqüentemente, as atribuições desempenhadas pelas demais instâncias, não seria fundamentalmente “normativista”, nem simplesmente “indicadores de condutas”. Na realidade, haveria a superação dessas duas vias.

A descentralização facilita a participação dos interessados nas fases de

elaboração, implementação e monitoramento do ZEE. É indubitável que os

Zoneamentos Ecológico-Econômicos Estaduais representam a descentralização.

Contudo, a orientação de Benatti264 segue no sentido de prolongar a discussão

aos foros regionais, municipais e locais, isto é, em níveis mais próximos dos

cidadãos. Para ele, não se pode desconsiderar a “ação do indivíduo (seringueiro,

agricultor, pecuarista, madeireiro, garimpeiro etc.) incorporado à dimensão de

uma coletividade, que pode viabilizar ou inviabilizar a política de gestão dos

recursos naturais de uma determinada área”.

Atinente à “flexibilização normativa”, esta significa um ponto de equilíbrio

entre a visão normativista e a visão meramente indicativa. No entendimento de

Benatti265:

264

Id. Ibid., p. 300. Ainda na explicação de Benatti: “Quando se consolidam níveis de participação, que vão do federal ao local, ou vice-versa, em cada instância há a possibilidade da participação de novos sujeitos sociais. A Comissão Estadual é constituída por órgãos e entidades de representação estadual ou nacional; nas Comissões Regionais ou Municipais conta-se com a presença de órgãos e entidades locais ou regionais, tais como sindicatos, associações de âmbito municipal ou regional, prefeituras, secretarias municipais etc. Na prática, essa descentralização permite que mais atores sociais “tenham voz”, apresentem reivindicações e propostas para seu cotidiano, como também conheçam seus direitos e deveres. Esse processo possibilita, pois, que esses atores sociais sejam informados de outras opções que escapam à sua compreensão no seu dia-a-dia (podemos dar como exemplo a própria discussão sobre a importância de se realizar um ZEE regional ou local, sob a orientação das diretrizes estaduais e federal)”. 265

BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais no imóvel rural. Tese de dourado. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/ Universidade Federal do Pará, 2003. p. 300.

O zoneamento não pode ter como resultado principal a divisão do Estado em zonas que definem o que pode e não pode ser feito em uma determinada área. De fato, a ação do zoneamento deve ser pautada pelas informações que serão levantadas nos diversos estudos já elaborados, em andamento e os que serão produzidos. Podemos citar o levantamento fundiário, os estudos sobre os conflitos socio-ambientais; os estudos e levantamentos básicos de solo, geomorfologia, geologia, vegetação, hidrografia, climatologia, fauna, sensoriamento remoto etc. Esse material técnico servirá de subsídio para a tomada de decisão do ZEE.

Logo, a participação não se concretiza apenas com a realização de

eventos, em atividades isoladas, mas é um processo que está em constante

atuação, realizando-se por meio do debate político, da participação “cidadã”, que

também ocorre por meio de eventos integrados (reuniões, seminários, audiências

públicas, instâncias colegiadas etc.). Por isso, justifica-se uma metodologia

flexível do zoneamento, para se ter a capacidade de incorporar novos elementos

que vão surgindo como produto da participação.

A idéia sugerida é trabalhar com diretrizes normativas, voltadas para o

manejo ou preservação dos recursos naturais. Tais diretrizes poderiam definir o

conteúdo de decretos, resoluções ou instruções normativas. No mesmo sentido,

André Lima266 destaca que o ZEE pode ser definido como:

Instrumento de planejamento e coordenação das ações de intervenção do Estado na ordem econômica e social e para a definição de diretrizes normativas sobre a ocupação do território, o uso dos recursos naturais e a conservação dos ecossistemas.

Portanto, pode-se dizer que as diretrizes normativas previstas no ZEE

vinculam o poder público e as atividades privadas, na medida em que conformam

o princípio da função social da propriedade, desde que haja compatibilidade entre

266

LIMA (2006). Op. cit. p. 159.

os instrumentos normativos que dão vigência às diretrizes previstas pelo ZEE e a

ordem jurídica em vigor. 267

17. O ZEE como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente

Paulo de Bessa Antunes268 corrobora o entendimento de que a Carta

Constitucional brasileira de 1988 reconhece o zoneamento, quando afirma que “o

artigo 21, inciso IX, da Constituição Federal fornece uma primeira referência do

poder-dever da União em relação ao zoneamento”.

Com efeito, no direito ambiental brasileiro, o zoneamento ambiental (ou

ZEE) representa uma providência importante, visto que ostenta a condição de

princípio e instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei

6.938, de 1981, recepcionada pela CRFB de 1988. Como um dos princípios, o

zoneamento ambiental está prescrito no artigo 2°, inciso V 269, e deverá ser

implementado em consonância com os objetivos gerais previstos na referida Lei.

Adiante, o artigo 9°, inciso II, indica o zoneamento ambiental como um dos

instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.

Finalmente, o Decreto do Executivo n° 4.297, de 10 de julho de 2002,

regulamentou o artigo 9°, inciso II, da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981,

estabelecendo critérios mínimos para o Zoneamento Ecológico – Econômico

(ZEE) do Brasil.

Logo, o artigo 2° do Decreto em análise traz a definição de ZEE como:

267

Ademais, André Lima elucida que: “A concretização do ZEE opera pelo estabelecimento pelo Estado de diretrizes gerais, planos de ação e de políticas públicas, assim como, de diretrizes normativas para, com fundamento no poder de polícia e na função socioambiental da propriedade [imóvel e dos meios de produção], disciplinar as possibilidades de uso dos recursos ambientais condicionando-as aos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente e aos Direitos Socioambientais Constitucionais”. 268

ANTUNES (2005). Op. cit. p. 159. 269

Art. 2º - “A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: [...] V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;”

Instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população.

Em seguida, nos termos do artigo 3°, o ZEE tem por objetivo geral

organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados

quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente,

utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos

serviços ambientais dos ecossistemas. Mais ainda, apreende-se do parágrafo

único deste dispositivo que o ZEE estabelecerá “vedações, restrições e

alternativas de exploração do território e determinando, quando for o caso,

inclusive a relocalização de atividades incompatíveis com suas diretrizes gerais”.

A leitura desses preceitos suscita dúvidas acerca da natureza do ZEE, se

diretriz mandamental ou indicativa, já que tais dispositivos determinam a

obrigatoriedade de observância desse instrumento pelo Poder Público e pelo

particular. Ademais, sublinhe-se que o ZEE, tal como descrito na Lei supra,

vincula as decisões dos agentes públicos e privados, podendo, inclusive,

estabelecer limitações à exploração do território.

Como enfatizado neste estudo, constam, no ZEE, diretrizes normativas,

entretanto, dependendo do grau de clareza e objetividade [especificidade] que

apresentam, podem influenciar diretamente na eficácia desse instrumento.

Como lembra André Lima270, diretriz pode significar o “caminho, rumo,

direção, critérios e procedimentos para o alcance de uma finalidade”, bem como,

“denota o sentido de comando, regra, norma”. Conforme a especificidade da

270

LIMA (2006). Op. cit. p. 123.

diretriz, esta pode ensejar um comando (regra específica) ou um dispositivo

indicativo, assumindo um caráter principiológico.

Desse modo, à luz da interpretação dos dispositivos acima mencionados,

admite-se que o ZEE, além de indicativo, pode traçar diretrizes específicas

vinculantes ao poder público (em suas políticas públicas) e ao particular (nas

atividades econômicas de impacto ambiental), desde que tais diretrizes

mandamentais sejam bastantes em si para delimitar uma conduta e estejam em

plena consonância com o princípio da função socioambiental da propriedade e

com o ordenamento jurídico em vigor. Nesse sentido, vale reproduzir os dizeres

de André Lima271:

A depender da escala de intervenção de suas diretrizes e diagnósticos, o ZEE pode se transformar em um importante instrumento para a aferição e conformação dos indicadores e da materialidade dos critérios para o cumprimento da função socioambiental das propriedades.

As diretrizes do ZEE, sejam gerais ou específicas, devem, em

consonância com o artigo 14 da citada Lei, conter, no mínimo, as seguintes

questões:

I - atividades adequadas a cada zona, de acordo com sua fragilidade ecológica, capacidade de suporte ambiental e potencialidades; II - necessidades de proteção ambiental e conservação das águas, do solo, do subsolo, da fauna e flora e demais recursos naturais renováveis e não-renováveis; III - definição de áreas para unidades de conservação, de proteção integral e de uso sustentável; IV - critérios para orientar as atividades madeireira e não-madeireira, agrícola, pecuária, pesqueira e de piscicultura, de urbanização, de industrialização, de mineração e de outras opções de uso dos recursos ambientais; V - medidas destinadas a promover, de forma ordenada e integrada, o desenvolvimento ecológico e economicamente sustentável do setor rural, com o objetivo de melhorar a convivência entre a população e os recursos ambientais, inclusive

271

Id. Ibid., p. 178.

com a previsão de diretrizes para implantação de infra-estrutura de fomento às atividades econômicas; VI - medidas de controle e de ajustamento de planos de zoneamento de atividades econômicas e sociais resultantes da iniciativa dos municípios, visando a compatibilizar, no interesse da proteção ambiental, usos conflitantes em espaços municipais contíguos e a integrar iniciativas regionais amplas e não restritas às cidades; e

VII - planos, programas e projetos dos governos federal, estadual e municipal, bem como suas respectivas fontes de recursos com vistas a viabilizar as atividades apontadas como adequadas a cada zona.

O artigo 4° da referida Lei, trata do processo de elaboração e

implementação do ZEE, estabelecendo em seus incisos que este instrumento:

I - buscará a sustentabilidade ecológica, econômica e social, com vistas a compatibilizar o crescimento econômico e a proteção dos recursos naturais, em favor das presentes e futuras gerações, em decorrência do reconhecimento de valor intrínseco à biodiversidade e a seus componentes; II - contará com ampla participação democrática, compartilhando suas ações e responsabilidades entre os diferentes níveis da administração pública e da sociedade civil; e

III - valorizará o conhecimento científico multidisciplinar.

No que tange aos princípios aplicáveis ao ZEE, apontados no artigo 5° da

Lei supra, são eles: função socioambiental da propriedade, prevenção,

precaução, poluidor-pagador, usuário-pagador, participação informada, acesso

eqüitativo e integração.

Acrescente-se o princípio da utilização racional do território e gestão

responsável dos recursos naturais, que, por sua vez, implica três premissas: 1)

Conservar os processos ecológicos essenciais, vez que o desenvolvimento

sustentável, como uma estratégia mundial para a conservação se pauta pela idéia

de que existem limites para a utilização de recursos, a fim de que se mantenha

em longo prazo o potencial de utilização do solo e de seus recursos; 2) Respeitar

os critérios ecológicos de sustentabilidade, que devem ser arrolados em análise e

diagnóstico do meio ambiente; 3) Evitar a localização de atividades em regiões de

alto risco ambiental, a saber, o uso racional dos recursos ambientais deve levar

em conta os processos naturais como inundação, vulcanismo, sísmica, entre

outros.

17.1. A correlação entre o ZEE participativo e outros instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente

Para afirmar a correlação (coordenação) entre os instrumentos272 da

Política Nacional do Meio Ambiente, previstos na Lei 6.938/81, é preciso, antes de

tudo, esclarecer que tais instrumentos obedecem aos mesmos princípios

norteadores da referida Política, que, por sua vez, também estão discriminados,

especificamente no artigo 2° da Lei mencionada. Vale dizer que tais princípios

dependem da implementação dos instrumentos, isoladamente ou em conjunto,

para serem efetivamente realizados.

O primeiro princípio está descrito no inciso I do referido dispositivo, que

prescreve a “ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,

considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser

necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”. Assim, é

incumbência do Poder Público zelar pela proteção do meio ambiente, por tratar-se

de um “bem de uso comum do povo” e, portanto, envolver nítidos interesses

sociais.

Em seguida, destaca-se no inciso II a “racionalização do uso do solo, do

subsolo, da água e do ar”. Desse modo, os instrumentos da Política Nacional do

272

Artigo 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II - o zoneamento ambiental; III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal; VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;

Meio Ambiente devem-se ater a critérios, previstos em legislações específicas

destinadas à regulamentação de acesso a tais recursos, visando à eficiente

gestão ambiental.

No inciso III, encontra-se o “planejamento e fiscalização do uso dos

recursos ambientais”. Segundo Édis Milaré273, “em última análise, o que aqui se

dispõe é, na prática, um desdobramento – para não dizer reiteração – do princípio

anterior”. Ademais, como se depreende do que foi exposto, esse princípio está

diretamente relacionado com o Zoneamento Ambiental.

Pela ordem, o inciso IV se refere à “proteção dos ecossistemas, com a

preservação de áreas representativas”. Saliente-se o objetivo das Unidades de

Conservação, institucionalizadas pela Lei 9.985/2000, que se ocupa da

preservação dessas áreas representativas do meio ambiente natural, sempre alvo

de cuidados e proteção especial.

O inciso V fala do “controle e zoneamento das atividades potencial ou

efetivamente poluidoras”. Assim, ressalte-se, mais uma vez, a presença do

zoneamento ambiental como instrumento que envolve ações preventivas e

corretivas, e limita, pois, a realização desse tipo de atividades em qualquer lugar.

Nesse intuito, e importante dizer que tais atividades estarão sujeitas tanto a leis

específicas de uso e ocupação do solo como às diretrizes normativas previstas no

âmbito do zoneamento.

Já no inciso VI, encontra-se a previsão de “incentivos ao estudo e à

pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos

ambientais”. Nesse ponto, cumpre esclarecer a necessidade de estudos e

273

MILARÉ (2005). Op. cit. p. 434.

pesquisas promovidas tanto pelo Poder Público como pela sociedade, objetivando

o uso sustentável dos recursos naturais. Ademais, como infere Milaré274:

Sabe-se que o desenvolvimento de tecnologias ambientais (no caso, aquelas requeridas para o gerenciamento de recursos naturais), por mais específicas que elas sejam, não poderá efetivar-se fora de um contexto de desenvolvimento tecnológico do país como um todo.

O princípio explicitado no inciso VII diz respeito ao “acompanhamento do

estado da qualidade ambiental”. Sendo assim, em referência às atividades

humanas que interferem diretamente no meio ambiente, é prudente que seja

realizado um monitoramento baseado no “estabelecimento de padrões de

qualidade ambiental” e na “avaliação de impacto ambiental”, ambos instrumentos

da Política Nacional do Meio Ambiente.

A “recuperação das áreas degradadas” é um princípio esculpido no inciso

VIII. Nesse sentido, Milaré275 lembra que:

Toda recuperação de área, toda recomposição do meio físico são onerosas. O agravante das intervenções antrópicas degradadoras do meio é que elas poderiam ter sido previstas e seus impactos neutralizados ou minimizados. Por isso, grande parte das áreas degradadas vão requerer a reparação dos danos por força da responsabilidade objetiva, independentemente de outras sanções aplicáveis.

Preconizando uma ação preventiva, o inciso IX determina a “proteção de

áreas ameaçadas de degradação”. Nesse passo, vale sublinhar o “Estudo de

Impacto Ambiental”, o estabelecimento de “Unidades de Conservação” e o

“Zoneamento Ambiental”, como instrumentos eficazes para alcançar este intento.

E, finalmente, como princípio previsto no inciso X, a “educação ambiental

a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando

capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”. Esse princípio

274

MILARÉ (2005). Op. cit. p. 435. Assim, vale realçar a busca de conhecimentos engendrada pelo CNPq, PNUMA, UNESCO e PNMA, entre outros. 275

Id. Ibid., p. 436.

assume extrema importância, posto que é, como já salientado na presente

pesquisa, posto que é fundamental a participação da sociedade organizada na

defesa do meio ambiente, inclusive nas várias fases de elaboração de políticas

públicas (planos, programas e projetos), desde o nível nacional, passando pelo

regional, até o local. Portanto, essa participação ativa também há de ser

contemplada na realização dos diversos instrumentos da Política Nacional do

Meio Ambiente.

Da leitura desses princípios, apreende-se a integração que há entre eles

e os instrumentos discriminados na Política Nacional do Meio Ambiente.

Entretanto, para que tais mandamentos sejam alcançados efetivamente deverá

haver uma coordenação entre esses instrumentos. Em outras palavras, a

efetividade dos princípios preconizados pela Política Nacional do Meio Ambiente

está condicionada à sinergia entre os instrumentos previstos na referida Política.

Por uma questão de delimitação, a seguir será demonstrada a correlação

entre o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) participativo e a Avaliação

Ambiental Estratégica (AEE). Em seguida, também será explicitada a

necessidade de se conjugar o ZEE com o Licenciamento Ambiental.

17.1.1. Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)

A partir da constatação de que na maioria dos casos o dano ambiental é

reflexo de uma política governamental ineficiente, marcada por planos e

programas de governo que não abrangem todas as hipóteses requeridas pela

proteção ambiental, vislumbra-se que a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE),

prévia, pode-se conformar em um importante instrumento para nortear as opções

governamentais. Nesse sentido, exprime Milaré276 que:

O estrategista ambiental que quer decididamente ganhar as batalhas na defesa do meio ambiente, estará atento às origens dos males, origens estas que, com freqüência indesejável, parecem neutras ou inocentes, passando despercebidas. Uma políticas governamental está sujeita a falhas ambientais, não tem o condão da infalibilidade e da eficácia ambiental.

Com efeito, a palavra “estratégia” relaciona-se ao ato precedente à ação

que deverá, portanto, orientá-la, servindo de indicativo dos melhores caminhos

para se obter os melhores resultados. Assim, pode-se dizer que a Avaliação

Ambiental Estratégica (AAE) se insere em sede de planos, programas e projetos

governamentais que englobam a variável ambiental. Assim é para Paulo Egler277,

que trata da Avaliação Ambiental Estratégica como “um processo de avaliação

ambiental para políticas, planos e programas – PPPs”.

A AAE é vista também como uma das formas de Avaliação de Impacto

Ambiental (AIA)278, instrumento de gestão ambiental da Política Nacional do Meio

Ambiente. Entretanto, vale reafirmar, se centra na integração prévia do plano,

programa ou projeto com o meio ambiente.

Sem dúvida, para que haja maior aproximação da Administração Pública

com as interfaces ambientais, é imprescindível que ela ocorra em níveis nacional,

estadual e municipal. Nessa razão, Milaré279 aponta para o fato de que a

Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) “vem reforçar, com muita oportunidade, o

276

MILARÉ (2005). Op. cit. p. 531. 277

EGLER, Paulo C. G. Avaliação Ambiental Estratégica – considerações sobre métodos para sua realização, apud LIMA (2006). Op. cit. p. 185. 278

MILARÉ (2005). Op. cit. p. 530. 279

MILARÉ (2005). Op. cit. p. 532. Ainda enfatiza esse mesmo autor que: “A responsabilidade da Administração Pública pela preservação do meio ambiente não se confina ao órgão central, ou seja, ao Ministério do Meio Ambiente (esfera da União), às Secretarias do Meio Ambiente (esfera dos Estados) e às Secretarias ou Departamentos (esferas dos Municípios). Tal responsabilidade é compartilhada por outros órgãos das respectivas Administrações Públicas; aliás, em última análise, ela alcança de cheio o próprio Poder Público, recaindo, na grande maioria dos casos, sobre o Poder Executivo. Assim, estão em foco os chamados órgãos setoriais dos Sistemas de Meio Ambiente”.

papel e a necessidade dos Sistemas do Meio Ambiente (desde o SISNAMA até os

Sistemas Municipais, passando pelos Estaduais)”.

Mesmo sendo o AAE uma figura ainda mal delineada pela doutrina e pela

legislação nacional vigente, não custa destacar que, obviamente, em seu

conjunto, deve constar a identificação de impactos, a valoração dos mesmos e as

respectivas medidas de prevenção. Ademais, o resultado desse estudo deve ser

informado em um documento final bem detalhado, a fim de facilitar a participação

pública.

Vista a AAE como um instrumento de gestão ambiental utilizado na etapa

de análise de planos, programas ou projetos, ela se afina com o ZEE, pois que

um dos seus principais objetivos é o desenvolvimento de uma avaliação do uso

do território que venha a considerar, de forma efetiva, no processo de tomada de

decisão, a integração dos domínios econômico, social e ambiental. Nesse sentido,

Egler280 afirma que “a implantação do AAE no País pode vir a representar um

reforço para o ZEE e vice-versa”.

Por outro ângulo, André Lima281 aduz que o ZEE e a AEE constituem

uma “evolução necessária no plano da efetividade dos direitos socioambientais

constitucionais”. Desse modo, esses instrumentos podem e devem ser

desenvolvidos de maneira articulada entre si, possibilitando uma maior justiça

socioambiental em âmbito de planejamento de políticas públicas.

280

EGLER, Paulo C. G. Avaliação Ambiental Estratégica – considerações sobre métodos para sua realização, apud LIMA (2006). Op. cit. p. 186. 281

LIMA (2006). Op. cit. p. 186.

17.1.2. Licenciamento Ambiental

Dentre as diretrizes para a elaboração do ZEE, além da ampla

participação democrática, destaca-se o preceito do artigo 3°, § único, do Decreto

4.297/2002 que determina que o ZEE deve levar em consideração a importância

ecológica, limitações e fragilidades dos ecossistemas, daí resultando, nos termos

do dispositivo, em “vedações, restrições e alternativas de exploração do território

e determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades

incompatíveis com suas diretrizes gerais”.

Observe que tal dispositivo pode ser muito bem alcançado com a

aplicação simultânea de outro instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente,

o Licenciamento Ambiental282.

Por meio do licenciamento ambiental, o Estado estabelece limites e

parâmetros para o exercício de atividades que utilizam os recursos naturais.

Assim, a Administração Pública, a fim de que a atividade privada não prejudique a

ordem pública, se vale do seu poder de polícia283, impondo freios à atividade do

particular. Paulo de Bessa Antunes284 concorda com esse entendimento quando

afirma que:

As intervenções sobre o meio ambiente estão submetidas ao controle do Poder Público, mediante a aplicação do poder de polícia. O mais importante dentre todos os mecanismos que estão à disposição da Administração para a aplicação do poder de polícia ambiental é o licenciamento ambiental.

282

Lei 6.938/81 – Art. 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: [...] IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; 283

O conceito normativo de Poder de Polícia encontra-se no artigo 78 do Código Tributário Nacional, que assim prescreve: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”. 284

ANTUNES (2005). Op. cit. p. 127.

Desse modo, infere-se que, caso a atividade humana interfira nas

condições ambientais, o Estado deve exercer o controle sobre tal atividade.

Ademais, está instaurado o Estado Democrático de Direito, com fundamento na

lei e em princípios jurídicos claramente definidos, que refletem a vontade geral da

nação, por conseguinte, o poder de polícia está submetido ao princípio da

legalidade. Em outras palavras, a Administração Pública deve agir em

conformidade com a base constitucional e legal vigente. Assim, pode-se dizer,

como nas palavras de Paulo Bessa Antunes285, que “somente se permitem

atividades cujos impactos ambientais estejam compreendidos dentro dos padrões

fixados normativamente”.

Nesse passo, tendo em vista que o ZEE se apresenta, nos termos do

artigo 2° do Decreto 4.297, de 10 de julho de 2002, como um instrumento que

estabelece diretrizes normativas relativas às medidas e padrões de proteção

ambiental, devendo ser obrigatoriamente seguido na implantação de projetos, ele

deve servir como subsídio e ser necessariamente respeitado na ocasião de o

Poder Público conceder ou não a licença para prática de determinada atividade

potencialmente poluidora. Desse modo, no licenciamento ambiental se fará a

vinculação entre a decisão do Poder Público e as diretrizes normativas do ZEE.

Na tomada de decisão deverão ser observadas as possíveis vedações, restrições

e alternativas de exploração do território previstas no ZEE.

Então, desde que observadas e atendidas as exigências explicitadas na

legislação ambiental, assim como nas diretrizes normativas do ZEE, a licença

ambiental poderá ou não ser concedida.

Importa ressaltar a exigência de determinados procedimentos a serem

seguidos rigorosamente na ocasião do licenciamento de uma atividade

285

ANTUNES (2005). Op. cit. p. 129.

potencialmente poluidora, como é o caso do Estudo Prévio de Impacto Ambiental

(EIA), e seu respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA).

Paulo Bessa Antunes286 denota que o EIA tem por fim “examinar os

diferentes custos de um projeto”. Desse modo, cabe ao empreendedor avaliar se

os custos do seu projeto ultrapassam os benefícios a serem alcançados. Se isso

ocorrer, tal projeto se torna economicamente inviável.

O mesmo autor assinala que “desde a década de 50 do século XX, vem-

se desenvolvendo uma metodologia de análise de custos de projetos que ficou

conhecida como „avaliação social de projetos‟”. Evidentemente que esta

metodologia tem por foco não apenas o empreendedor particular, mas, sobretudo,

a sociedade. Na verdade, a avaliação social importa pela análise das

“externalidades dos projetos”, que, nos dizeres de Paulo Bessa Antunes287, “são

os resultados não desejados advindos da implementação de um dado projeto”.

Desse modo, as externalidades podem ser positivas, resultando em benefícios

para o empreendedor, mas também podem ser negativas, quando ocorrem

problemas não diagnosticáveis.

Nesse aspecto, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) abrange a análise

da relação custo/benefício dos projetos, ocupando-se especialmente, com as

conseqüências advindas deles sobre o meio ambiente.

Nos termos da Resolução CONAMA n° 1, de 23 de janeiro de 1986, fixou-

se o conceito normativo de impacto ambiental, sendo:

Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II – as atividades sociais e econômicas;

286

ANTUNES (2005). Op. cit. p. 249 287

Id. Ibid., p. 249.

III – a biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais.

Dessa forma, certo é que as atividades humanas podem produzir um

impacto negativo sobre o meio ambiente e, no caso de intervenções humanas

com repercussão sobre o rol acima discriminado, que, na verdade é bastante

amplo, tem-se configurado o impacto ambiental.

No ordenamento jurídico constitucional brasileiro, o Estudo de Impacto

Ambiental está previsto no artigo 225, § 1°, inciso IV288, sendo obrigatório para a

implantação de obra ou atividade potencialmente degradadora do meio ambiente

e exigido pelo Poder Público, no caso o Poder Executivo, por tratar-se de ato

administrativo, este, por sua vez, dará ampla publicidade ao estudo.

Essa publicidade tem por fim assegurar que a sociedade possa ter

conhecimento do EIA, e, inclusive, apresentar suas críticas e sugestões ao projeto

proposto. Sem dúvida, o EIA é um instrumento técnico que pode ser fundamental

no sentido de viabilizar a participação dos cidadãos na Administração Pública.

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) faz parte do procedimento de

licenciamento ambiental, entretanto acrescente-se que, no entendimento de Paulo

Bessa Antunes289 e Vladimir Passos de Freitas290, as conclusões do EIA não

obrigam a Administração. Isso posto, a Administração Pública pode tomar a

decisão sem, necessariamente, limitar-se aos estudos elaborados. Não se pode

olvidar que tais termos servem para auxiliar a tomada de decisão pela

Administração Pública, que deverá ser fundamentada, caso esta não chancele as

288

Art. 225 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;” 289

ANTUNES (2005). Op. cit. p. 287. 290

FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente. Curitiba: Juruá. 1993, p.57.

conclusões do EIA. Essa fundamentação, de fato, é vinculante para a

Administração.

Os requisitos necessários para que o EIA possua validade jurídica estão

distribuídos em uma série de Resoluções do Conselho Nacional do Meio

Ambiente – CONAMA. Dentre tais requisitos, destacam-se as diretrizes gerais

previstas na Resolução n° 01, de 23 janeiro de 1986, in verbis:

Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade ; III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; lV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

Nesse ponto, é imperativo destacar, como requisito formal, a realização

de audiências públicas para viabilizar a participação democrática da sociedade

civil na defesa do meio ambiente. Fala-se em requisito formal, pois, muito embora

a Resolução CONAMA n° 09, de 03 de dezembro de 1990, estabeleça que as

audiências públicas sejam realizadas sempre que o órgão ambiental “julgar

necessário”, há obrigatoriedade para o Poder Público de abrir um edital para que

os interessados, no prazo de 45 dias, se assim desejarem, solicitem a sua

convocação.

Assim, a audiência promoverá a integração dos cidadãos com a defesa

do meio ambiente, uma vez que, tomarão conhecimento do conteúdo e das

conclusões presentes no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no seu respectivo

Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Ademais, no entendimento de Paulo

Bessa Antunes291, a audiência “tem a função de ser um momento no qual poderá

ser feita a aferição das repercussões junto à sociedade, do empreendimento

proposto”.

Nesse contexto, a opinião pública sobre o projeto será bem-vinda, para

que os agentes públicos possam conhecê-la. Assinale-se que a audiência pública

é uma atividade de natureza consultiva e não possui caráter decisório. Contudo,

desde que os administradores públicos tomem conhecimento das críticas e

sugestões da sociedade, devem, ao menos, levá-las em consideração na tomada

da decisão, por exemplo, promovendo um reexame dos pontos criticados na

audiência.

Conclusão

1) A desertificação pode ser apontada como uma patologia ambiental complexa,

fruto de um processo composto por múltiplos fatores, que se inter-relacionam e

integram diversas áreas de conhecimento. Logo, é importante a constatação que

se dá a partir da compreensão pelo homem de que a desertificação está a

acelerar, para que este se dedique mais às pesquisas quanto a esse tema.

2) A própria idéia de degradação da terra é complexa, pois envolve diferentes

fatores. Sendo estes os componentes confirmados: a) degradação de solos, b)

degradação da vegetação, c) degradação dos recursos hídricos, e d) redução da

qualidade de vida da população. Depreende-se que todos eles dizem respeito a

áreas específicas de conhecimento, tratando-se, respectivamente, de

componentes físicos, biológicos, hídricos e socioeconômicos. Entretanto, as áreas

291

ANTUNES (2005). Op. cit. p. 305.

de conhecimento científico mencionadas possuem uma longa tradição de

pesquisa e uso de indicadores e metodologias de trabalho muito particulares e

adequadas a seus objetos de estudo, isso dificulta a aceitação de um conceito

universal de desertificação.

3) Contudo, a definição mais amplamente admitida foi formulada por ocasião da

“Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento” –

CNUMAD -, que foi realizada no Rio de Janeiro, Brasil, entre 03 e 14 de junho de

1992, e da “Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação” –

UNCCD -, acordada em 17 de junho de 1994.

4) Na oportunidade da CNUMAD, as idéias expostas e debatidas consolidaram

um importante documento internacional de proteção ao meio ambiente – a

Agenda 21. Assim, nos termos do capítulo 12, desse documento, desertificação

significa “a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e subúmidas secas,

resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas e de atividades

humanas”.

4) Por outro ângulo, a desertificação também é considerada quando há uma

diminuição da produtividade dos solos, resultado do uso e gestão inadequados

dos recursos naturais em territórios fragilizados pelas condições climáticas

adversas.

5) A necessidade de se atuar para combater o problema é muito urgente, porque

se trata de um processo dinâmico que se auto-alimenta e acelera rapidamente. O

atraso na recuperação das áreas afetadas pode torná-la excessivamente

dispendiosa, havendo, ainda, a probabilidade de se atingir um limiar para além do

qual passa a ser ecologicamente irreversível.

6) Uma das causas para a designação das áreas sujeitas a esse fenômeno é a

aridez, que pode ser verificada pelo déficit de umidade, devido às circunstâncias

climáticas. Assim, constatou-se que o declínio da produtividade biológica –

desertificação – se deve em boa parte ao clima seco que marca as áreas áridas,

semi-áridas e subúmidas secas, do mundo.

7) As atividades humanas, pecuária e agricultura, também geram impactos

bastante acentuados em ecossistemas secos. Isso ocorre, porque o homem

penetra em certos ambientes delicados, como os agravados pela seca, e neles

atua vislumbrando suprir as suas necessidades de sobrevivência, sem a

compreensão das sensibilidades e limitações ambientais do local.

8) Além disso, é oportuno destacar que a urbanização em terras secas causa

impacto direto sobre o meio ambiente, suscitando questões adicionais atinentes

ao processo de desertificação.

9) Concluiu-se que o fenômeno tem causas e conseqüências humanas, visto que,

a desertificação atinge as regiões mais pobres do mundo, afetando,

particularmente, aqueles grupos que dependem ainda mais do acesso aos

recursos naturais para a própria subsistência. Assim, identificam-se nestes grupos

os refugiados pela seca e, conseqüentemente pela fome.

10) Em 1977, a Organização das Nações Unidas se reuniu, na “I Conferência das

Nações Unidas Sobre Desertificação”, a fim de elaborar o Plano de Ação para

Combater à Desertificação – PACD. Desse modo, o objetivo imediato desse

Programa é impedir o avanço do processo de desertificação e, quanto às terras

degradadas, se possível, recuperá-las para o uso produtivo. Já o objetivo final é

garantir a sustentabilidade, dentro dos limites ecológicos, das terras áridas, semi-

áridas e subúmidas, entre outras que se apresentarem vulneráveis ao processo

de desertificação, no intuito de melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.

11) Importante alvo deste estudo foi a indicação, no âmbito do PACD, da

necessidade da consciência pública e participação popular para a prevenção e

combate à desertificação. Assim, é cediço que as populações deverão ser

envolvidas nas tomadas de decisões que afetam diretamente suas vidas.

12) Para combater a desertificação, faz-se imprescindível observar os preceitos

descritos na Agenda 21, que corroboram o desafio do desenvolvimento

sustentável. A constatação de que as tendências atuais de desenvolvimento

aumentam a pobreza e geram graves danos ao meio ambiente, fez com que a

Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento reivindica-se um

novo tipo de desenvolvimento, capaz de manter o progresso humano e garantir o

equilíbrio ecológico, em todo o planeta.

13) No entanto, a Agenda 21, na II Seção, capítulo 12, colocou em foco

programas direcionados ao combate à desertificação, priorizando a

implementação de medidas preventivas nas áreas ainda não afetadas ou

levemente afetadas pelo fenômeno, medidas corretivas para sustentar a

produtividade de terras moderadamente afetadas, e, medidas regeneradoras para

recuperar terras muito secas ou seriamente desertificadas.

14) Para tanto, a Agenda 21 destacou as seguintes diligências: a) Fortalecimento

da base de conhecimentos e desenvolvimento de sistemas de informação e

monitoramento para regiões propensas à desertificação e seca; b) Combate à

degradação do solo por meio, inter alia, da intensificação das atividades de

conservação do solo, florestamento e reflorestamento; c) Desenvolvimento e

fortalecimento de programas de desenvolvimento integrado para a erradicação da

pobreza e a promoção de sistemas alternativos de subsistência em áreas

propensas à desertificação; d) Desenvolvimento de programas abrangentes de

antidesertificação e sua integração aos planos nacionais de desenvolvimento e ao

planejamento ambiental nacional; e) Desenvolvimento de planos abrangentes de

preparação para a seca e de esquemas para a mitigação dos resultados da seca;

f) Estímulo e promoção da participação popular e da educação, sobre a questão

do meio ambiente, centradas no controle da desertificação e no manejo dos

efeitos da seca;

15) Ênfase é dada à ampla participação da opinião pública na tomada de

decisões relativas ao meio ambiente, uma vez que, no contexto do meio ambiente

e desenvolvimento, surge a necessidade de novas formas de participação. Isso

posto, afirmou-se, durante este estudo, que as organizações não governamentais

(ONG‟s) exercem uma importante função, pois facilitam a modelagem e

implementação da democracia participativa.

16) Em 1991, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA –

informou que a aplicação de recursos e a reversão dos processos de

desertificação haviam sido insuficientes. Daí, sugeriu-se a elaboração da

“Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação”, vez que seria

um instrumento jurídico mais forte, pois obrigaria os países Partes que a

assinaram a assumir, de fato, os compromissos nela prescritos.

17) Esse documento traz uma nova expectativa para aqueles que empreendem

seus esforços no combate ao problema, visto que, em geral, os peritos do

governo iniciam os projetos, definindo imediatamente, sem consulta, os seus

objetivos e as atividades necessárias. Às vezes, visitam as comunidades locais

para publicizar seus planos, formulando, assim, um convite para sua participação

na execução dos seus projetos. No entanto, a Convenção trouxe uma proposta

distinta, de baixo para cima, na qual os programas para combater a desertificação

devem originar-se em nível local. Isso posto, as comunidades diretamente

afetadas, em conjunto com as organizações não governamentais, devem

participar de todas as iniciativas para deter ou prevenir a evolução do problema.

18) É importante frisar que, depois de planejado o programa de combate, pelos

participantes ativos, deverão ser promovidas reuniões com o fim de avaliar o seu

progresso. Mais uma vez, a participação de todos, por meio de consulta, é

fundamental para apreciar o resultado obtido, como também, para confabular as

etapas seguintes. Nesse ponto, convém reforçar que pode ser muito útil a

delegação da tomada de decisão, descentralizando-a da autoridade central ou

federal para as autoridades regionais, ou, até mesmo, locais.

19) No Brasil, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA -, conforme as

atribuições que lhe foram conferidas pela Lei n° 6.938/81 e pelo Decreto

regulamentador n° 99.274, de 06 de junho de 1990, aprovou em 22 de dezembro

de 1997, na 49ª Reunião Ordinária do Plenário, através da Resolução n° 238, a

Política Nacional de Controle da Desertificação.

20) Isso se deu, no país, por conta da identificação das Áreas Suscetíveis à

Desertificação – ASD‟s – que se concentram, em sua maior parte, no Nordeste

brasileiro, onde predominam os espaços semi-áridos e subúmidos secos. Tais

regiões representam 1.338.076 quilômetros quadrados, ou 15,72% do território

brasileiro, abrigando uma população de mais de 31,6 milhões de habitantes, isso

corresponde a 18,65% da população do país.

21) A partir dessa constatação, e em consonância com a orientação dada na

“Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação”, que deverá ser

implementada por programas de ação em nível nacional, regional ou sub-regional,

o governo brasileiro elaborou, em conjunto com a sociedade civil, o Programa de

Ação Nacional de Combate à Desertificação (PAN – Brasil).

22) Esse programa desenvolve eixos temáticos, imprescindíveis à meta do

desenvolvimento garantidor da sustentabilidade dos recursos naturais nas ASD‟s,

quais sejam: o combate à pobreza e às desigualdades, a ampliação da

capacidade produtiva, a conservação, preservação e manejo sustentável dos

recursos, a gestão democrática e o fortalecimento institucional.

23) Até aqui, pretendeu-se demonstrar a evolução do problema em nível mundial

e a solução apresentada nos documentos internacionais, assim como, na Política

Nacional de Controle à Desertificação e no seu respectivo programa de ação. A

essa altura, tem lugar os argumentos insculpidos no ordenamento jurídico

brasileiro, e que confirmam a atuação do Estado, na forma sustentada pelos

documentos acima mencionados.

24) No Brasil, o “Estado Democrático de Direito” encontra-se instaurado, e, está

doutrinariamente embarcado na concepção democrática participativa, porque

envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação

dos atos de governo. Desse modo, poder-se-á falar em “governança”.

25) Se o Estado é democrático, e de direito, está subordinado ao império da lei.

No entanto, ela tem de realizar o princípio da igualdade e da justiça não pela sua

generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente

desiguais. Por ser ela o ato oficial de maior realce na vida política, não deve

resumir-se a um ato jurídico abstrato, geral, obrigatório e modificativo da ordem

jurídica existente, mas sim, ao mesmo tempo condizer com a atuação da vontade

popular.

26) A noção de democracia deve ser ampliada para a realização do princípio da

“soberania popular ativa”, realçando o respeito aos Direito Humanos. Assim, a

idéia apreendida, durante a pesquisa, é a necessidade de se unificar o paradigma

da “democracia política”, que se restringe à defesa dos direitos e liberdades

públicas individuais e às eleições periódicas, com o novo modelo de “democracia

social”, que visa à garantia do máximo de segurança e bem-estar.

27) Realmente, a eleição é o ponto-chave da democracia, já que permite que haja

uma seleção de baixo para cima, impedindo a cristalização como casta da minoria

governante. Entretanto, a doutrina tem buscado formas de aprimorar a

democracia, no sentido de não abandonar o modelo representativo, tão

fundamental à democracia, mas agregar ao governo novos institutos de

participação, mediante os quais possam ser recolhidas manifestações da

sociedade civil, não só agrupada, mas também, individualmente.

28) Surgiu, portanto, um novo paradigma na gestão da coisa pública, no qual a

democracia passa a ser concebida enquanto “espaço de debate público”, onde as

decisões importantes da sociedade podem ser tomadas nos três níveis de

governo (federal, estadual e municipal), num processo de discussão junto às

diversas forças que interagem na sociedade civil.

29) O grande obstáculo a ser transposto é converter meros espectadores em

agentes. Todavia, não é tarefa impossível. Para tanto, a participação pública

efetiva deve contar com o maior volume praticável de informações, e o Estado,

em consonância com os princípios da legalidade e publicidade, tem o dever de

disponibilizá-las.

30) Muito embora seja visível a relevância de um exame exclusivo e minucioso

sobre as formas de participação pública, tanto em âmbito legislativo como em

sede jurisdicional, para os fins da presente pesquisa, mereceu especial atenção a

figura da participação ou comunicação pública na órbita administrativa.

31) Com efeito, a participação pública na função administrativa pode realizar-se,

numa visão ampla, por meio de consulta prévia. Assim, algumas modalidades

específicas já estão em uso, tais como: audiências públicas, debates públicos,

coleta de opiniões, participação institucional de administrados em colegiados

mistos e, finalmente, também em nível institucional, a adoção de assessorias

especiais.

32) Enfatizou-se, neste trabalho, que esse tipo de interferência somente pode

acontecer na fase de planejamento, definição e implantação de políticas públicas.

Entretanto, a participação também pode resultar no envolvimento da sociedade

civil na verdadeira ação de tomada de decisão, sendo deliberativa, e, criando a

possibilidade de ações corretivas e/ou reorientadoras (controle) da gestão da

coisa pública.

33) No tocante à questão ambiental, infere-se que a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 abriu uma brecha que sustenta legalmente a

participação da sociedade civil, ao reconhecer o direito que têm os cidadãos ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como o dever do Poder Público e

da coletividade de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e

futuras gerações. Nesse sentido, depreende-se o dever da sociedade de

participar não somente através da pressão e interlocução com o Poder Público,

mas também com ações cotidianas individuais no intuito de garantir esse direito

eminente.

34) Na esfera do Executivo, há diferentes espaços para a participação dos

cidadãos, que se torna visivelmente importante nos Conselhos do Meio Ambiente

existentes nos níveis federal (Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA),

estadual (Conselhos Estaduais do Meio Ambiente – COEMAS e CONSEMAS) e

municipal (Conselhos Municipais do Meio Ambiente – CONDEMAS).

35) Se bem que a Constituição Federal de 1988 não institucionalizou nenhum tipo

de Conselho, contudo, verifica-se em Leis Federais específicas, ou em várias

Constituições Estaduais e em Leis Orgânicas Municipais, a determinação da sua

criação, obviamente nos diversos níveis da estrutura do governo. É necessário

enfatizar que, em alguns casos, são criados Conselhos de caráter meramente

consultivo, em outros, têm o caráter deliberativo, definindo prioridades

governamentais, fiscalizando e avaliando as ações do Executivo.

36) Destarte, os Conselhos costumam ter em sua composição representantes de

entidades ambientalistas e de outros segmentos da sociedade civil, tais como

representantes dos trabalhadores, do setor produtivo, de universidades, entre

outros. Alguns desses órgãos têm função regulamentadora, o que torna a

participação nesses espaços ainda mais interessante para os vários segmentos

da sociedade com interesse em proteger o meio ambiente.

37) Nesse contexto, os cidadãos devem estar atentos, especialmente às

atividades de Zoneamento Ambiental ou ZEE, procurando manifestar-se quando

iniciativas e discussões relativas a planos, programas ou atividades a serem

implementadas em sua região ocorrerem.

38) Sobremodo, o Zoneamento Ecológico - Econômico (ZEE) configura um

instrumento imprescindível para as regiões afetadas ou suscetíveis à

desertificação, visto que, é necessário para a adequação da utilização dos

recursos naturais, bem como para nortear as políticas de desenvolvimento.

39) Com efeito, no direito ambiental brasileiro, o zoneamento ambiental (ou ZEE)

representa uma providência importante, visto que ostenta a condição de princípio

e instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938, de

1981, recepcionada pela CRFB de 1988. Ademais, o Decreto do Executivo n°

4.297, de 10 de julho de 2002, regulamentou o artigo 9°, inciso II, da referida Lei,

estabelecendo critérios mínimos para o Zoneamento Ecológico – Econômico

(ZEE).

40) O zoneamento ambiental surge como uma proposta preventiva em longo

prazo, de acordo com o paradigma do desenvolvimento sustentável, pois tenciona

compatibilizar o desenvolvimento das atividades econômicas com a utilização dos

recursos naturais, por isso também pode ser chamado de zoneamento ecológico-

econômico (ZEE).

41) De acordo com o estudo feito nesta pesquisa, o ZEE assume a concepção de

instrumento de planejamento e coordenação das ações de intervenção do Estado

na ordem econômica e social e para a definição de diretrizes normativas sobre a

ocupação do território, o uso dos recursos naturais e a conservação dos

ecossistemas.

42) A idéia sugerida é trabalhar com diretrizes normativas, voltadas para o manejo

ou preservação dos recursos naturais. Tais diretrizes poderiam definir o conteúdo

de decretos, resoluções ou instruções normativas.

43) Isso posto, a partir da construção do ZEE, os entes governamentais (nas

diversas áreas da federação) poderão balizar suas opções e iniciativas, servindo

ao mesmo tempo como elemento orientador para as ações do setor privado.

44) Da leitura dos princípios inscritos na Política Nacional do Meio Ambiente,

infere-se a necessidade de integração e coordenação (sinergia) entre eles e os

demais instrumentos discriminados nela. Por uma questão de delimitação, foi

demonstrada a correlação entre o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE)

participativo e a Avaliação Ambiental Estratégica (AEE). E, ainda, a necessidade

de se conjugar o ZEE com o Licenciamento Ambiental.

45) Vista a AAE como um instrumento de gestão ambiental utilizado na etapa de

análise de planos, programas ou projetos, ela se afina com o ZEE, pois que um

dos seus principais objetivos é o desenvolvimento de uma avaliação do uso do

território que venha a considerar, de forma efetiva, no processo de tomada de

decisão, a integração dos domínios econômico, social e ambiental.

46) Dentre as diretrizes para a elaboração do ZEE, além da ampla participação

democrática, destaca-se o preceito do artigo 3°, § único, do Decreto 4.297/2002

que determina que o ZEE deve levar em consideração a importância ecológica,

limitações e fragilidades dos ecossistemas, daí resultando, nos termos do

dispositivo, em “vedações, restrições e alternativas de exploração do território e

determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades

incompatíveis com suas diretrizes gerais”.

47) Observe que tal dispositivo pode ser muito bem alcançado com a aplicação

simultânea de outro instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, o

Licenciamento Ambiental.

48) Nesse passo, tendo em vista que o ZEE se apresenta, nos termos do artigo 2°

do Decreto 4.297, de 10 de julho de 2002, como um instrumento que estabelece

diretrizes normativas relativas às medidas e padrões de proteção ambiental,

devendo ser obrigatoriamente seguido na implantação de projetos, ele deve servir

como subsídio e ser necessariamente respeitado na ocasião de o Poder Público

conceder ou não a licença para prática de determinada atividade potencialmente

poluidora. Desse modo, no licenciamento ambiental se fará a vinculação entre a

decisão do Poder Público e as diretrizes normativas do ZEE. Na tomada de

decisão deverão ser observadas as possíveis vedações, restrições e alternativas

de exploração do território previstas no ZEE.

49) Importa ressaltar a exigência de determinados procedimentos a serem

seguidos rigorosamente na ocasião do licenciamento de uma atividade

potencialmente poluidora, como é o caso do Estudo Prévio de Impacto Ambiental

(EIA), e seu respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA).

50) Nesse ponto, é imperativo destacar, como requisito formal do EIA, a

realização de audiências públicas para viabilizar a participação democrática da

sociedade civil na defesa do meio ambiente. Fala-se em requisito formal, pois,

muito embora a Resolução CONAMA n° 09, de 03 de dezembro de 1990,

estabeleça que as audiências públicas sejam realizadas sempre que o órgão

ambiental “julgar necessário”, há obrigatoriedade para o Poder Público de abrir

um edital para que os interessados, no prazo de 45 dias, se assim desejarem,

solicitem a sua convocação.

51) Assim, a audiência promoverá a integração dos cidadãos com a defesa do

meio ambiente, uma vez que, tomarão conhecimento do conteúdo e das

conclusões presentes no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no seu respectivo

Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

52) Finalmente, conclui-se que o licenciamento ambiental também é um

importante instrumento no combate à desertificação, tendo em vista que a

realização deste, numa dada região que já conta com o ZEE, deve estar de

acordo com as diretrizes normativas já instituídas pelo Programa. Ademais, a

realização do licenciamento das atividades potencialmente poluidoras colaborará

com a eficácia do ZEE, na medida em que, no ato licenciatório, pode-se limitar,

restringir, ou até mesmo, vedar, a implantação de determinados

empreendimentos.

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ÍNDICE GERAL

Introdução.............................................................................................................11

PRIMEIRA PARTE: DESERTIFICAÇÃO: CONCEITO, CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS

1. O RECONHECIMENTO DO PROBLEMA EM NÍVEL MUNDIAL.................................14

2. O CONCEITO DE DESERTIFICAÇÃO.........................................................................19

3. AS CAUSAS DA DESERTIFICAÇÃO...........................................................................22

3.1. AÇÃO DOS FATORES CLIMÁTICOS NO PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO......24

3.2. A RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E UM “MEIO AMBIENTE DIFÍCIL”........................28

3.2.1. Pecuária.........................................................................................................30

3.2.2. Agricultura......................................................................................................32

3.2.3. Urbanização..................................................................................................38

4. O IMPACTO DA DESERTIFICAÇÃO SOBRE O HOMEM...........................................39

SEGUNDA PARTE: A DESERTIFICAÇÃO NOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

5. A I CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESERTIFICAÇÃO.................43

5.1. O PLANO DE AÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA COMBATER A DESERTIFICAÇÃO (PACD)..............................................................................................45

5.1.1. O plano da ONU e a participação popular................................................47

6. A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CNUMAD)....................................................................................48

6.1. A AGENDA 21 E O DESAFIO DO “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL”............51

6.2. AS SEÇÕES DA AGENDA 21....................................................................................53

6.3. A DESERTIFICAÇÃO NA AGENDA 21......................................................................55

6.4. O DESENVOLVIMENTO RURAL E AGRÍCOLA SUSTENTÁVEL.............................59

6.5. O PAPEL DOS ATORES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL......................61

6.5.1. As organizações não governamentais (ONG‟s).......................................64

7. A CONVENÇÃO INTERNACIONAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÃO NOS PAÍSES AFETADOS PELA SECA E/OU DESERTIFICAÇÃO, PARTICULARMENTE NA ÁFRICA..............................................................................................................................66

7.1. DEFINIÇÃO DOS TERMOS, OBJETIVOS, PRINCÍPIOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES.............................................................................................................................67

7.2. INSTITUIÇÕES: CONFERÊNCIA DAS PARTES (COP) E OUTROS ÓRGÃOS ARTICULADOS..................................................................................................................71

7.3. OS PROGRAMAS DE AÇÃO: NAP‟S, RAP‟S E SRAP‟S...........................................73

7.4. DESERTIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PARTICIPATIVO (BOTTOM-UP APPROACH)......................................................................................................................76

TERCEIRA PARTE: O BRASIL E A POLÍTICA NACIONAL DE CONTROLE DA DESERTIFICAÇÃO

8. INTRODUÇÃO AO SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (SISNAMA) E À POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (PNMA)....................................................79

8.1. O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (CONAMA)..................................80

8.1.1. A Resolução CONAMA n° 238 de 22 de dezembro de 1997.................81

9. A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROGRAMA DE AÇÃO NACIONAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÃO E MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DA SECA (PAN-BRASIL).............................................................................................................................85

9.1. O BRASIL E AS SUAS RESPECTIVAS ÁREAS SUSCETÍVEIS À DESERTIFICAÇÃO (ASD‟s)..............................................................................................89

9.2. FOCO DO PAN (BRASIL) E EIXOS TEMÁTICOS DO PROGRAMA.........................93

9.2.1. Redução da Pobreza e da Desigualdade..................................................94

9.2.2. Ampliação Sustentável da Capacidade Produtiva...................................95

9.2.3. Preservação, conservação e manejo sustentável dos recursos naturais....................................................................................................................97

9.2.4. Gestão democrática e fortalecimento institucional...................................99

QUARTA PARTE: GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

10. DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO.................................................................102

11. AFINAL, O QUE É DEMOCRACIA?.........................................................................107

11.1. AS FORMAS DE DEMOCRACIA............................................................................112

12. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA .........................................................................119

12.1. A DIMENSÃO PARTICIPATIVA E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.......................125

12.1.1. Participação pública e gestão ambiental...............................................129

QUINTA PARTE: O ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO (ZEE) PARTICIPATIVO

13. O ZONEAMENTO ECOLÓGICO – ECONÔMICO (ZEE) E O COMBATE À DESERTIFICAÇÃO.........................................................................................................140

14. ORDENAMENTO [ORDENAÇÃO] TERRITORIAL E AS JUSTIFICATIVAS PARA A SUA IMPLANTAÇÃO......................................................................................................142

15. ZONEAMENTO, URBANISMO E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.............147

16. ASPECTOS CONCEITUAIS DO ZONEAMENTO AMBIENTAL OU ZEE................152

17. O ZEE E A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE.......................................158

17.1. A CORRELAÇÃO ENTRE O ZEE PARTICIPATIVO E OUTROS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE...........................................................162

17.1.1. Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).................................................166

17.1.2. Licenciamento Ambiental.........................................................................168

Conclusão...........................................................................................................174

Referências.........................................................................................................187