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maio|2003 História 20 Documentos que (re)fazem a história Fabricio Mazocco Cobertos de poeira, soterrados em casarões antigos, papéis, a princípio vistos como um amontoado sem importância, podem revelar uma história diferente da que conhecemos. Movidos pela intuição e pelo estímulo do que ainda há por se conhecer, pesquisadores passam a, literalmente, se ocupar da garimpagem, revirando “lixos” aparentes, em busca de mais uma verdade. São esses papéis, em mãos certas, os responsáveis por mais um capítulo de uma grande história. Flávio de Barros

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História20

Documentos que (re)fazem a históriaFabricio Mazocco

Cobertos de poeira, soterrados em casarões antigos, papéis, a princípio vistoscomo um amontoado sem importância, podem revelar uma história diferente daque conhecemos. Movidos pela intuição e pelo estímulo do que ainda há por seconhecer, pesquisadores passam a, literalmente, se ocupar da garimpagem,revirando “lixos” aparentes, em busca de mais uma verdade. São esses papéis, emmãos certas, os responsáveis por mais um capítulo de uma grande história.Fl

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Durante seus estudos de dou-torado sobre a guerra de Canudos,em 1993, o pesquisador MarcoAntonio Villa, do Departamentode Ciências Sociais da Universida-de Federal de São Carlos (UFSCar),soube da existência de um ma-nuscrito em Aracaju (SE) quetratava do combate e nunca ha-via sido publicado. José Calasans,da Universidade Federal da Bahia,foi um dos que mencionaram odocumento. Outra fonte foi umlivro escrito nos anos 60 por NertanMacedo, jornalista de O Cruzeiro,sobre Antônio Conselheiro.

A primeira cópia foi recebidaem uma conversa com João dosSantos Filho, da UniversidadeEstadual de Maringá. O interesseem estudá-la não veio de ime-diato, pois outros pesquisadoresdiziam que iriam publicá-lo em1997, ano em que se come-morou o centenário do final daguerra. No entanto, nada foi feito.A leitura completa só aconteceuem 2001, quando a editoraHedra sugeriu a Villa que pu-blicasse o documento. Em se-

versidade Federal de São Carlos– EdUFSCar), foi lançado em2002. Do recebimento da pri-meira cópia do manuscrito atéa publicação do livro, oito anosse passaram.

Eram quase seis mil versos aserem entendidos e transcritos.Mesmo com algumas dificul-dades, a cópia “estava razoávelpara ler”, define Villa, que tam-bém assumiu a função de pa-leógrafo. No decorrer do tra-balho, o pesquisador notou quefaltavam algumas páginas eentrou em contato com a Bi-blioteca Pública Estadual doSergipe, em busca do materialoriginal. Havia um boato de quehavia sumido, o que foi con-firmado. A única certeza que setinha é que, em 1995, o docu-mento já não estava mais nolocal. Para dar prosseguimento

ao trabalho, Villa tentou outrasfontes, que forneceram as pá-ginas faltantes.

Outro problema enfrentado éque não foi possível entendertodas as palavras. No livro, al-gumas partes estão citadas,entre parênteses, como “ile-gíveis”. Sobre a transcrição, Villaressalta que quis ser absolu-tamente fiel ao original, man-tendo, inclusive, os erros gra-maticais e efetuando apenasuma atualização ortográfica.

Bombinho

O autor do manuscrito, Ma-nuel Pedro das Dores Bombinho,escreveu os versos nos anos de1897 e 1898, em uma série de ca-dernos, quando estava na cidadede Simão Dias, entre a região deCanudos e Aracaju. O texto édividido em quatro partes, emum total de 5.984 versos. Bom-binho também incluiu notasexplicativas. Na transcrição, Villainseriu outras, comparando osrelatos de Bombinho com os de

outras pessoas que participaramdaquele momento histórico,como Euclides da Cunha eManuel Benício.

O próximo passo do pesqui-sador da UFSCar é uma pesquisasobre Bombinho. O que se sabeaté agora, a partir de livros e re-gistros de relatos de seus con-temporâneos, é que o autor

tembro do mesmo ano, o tra-balho foi iniciado. O livro resul-tante, intitulado “Canudos, his-tória em versos” (editora Hedra,Imprensa Oficial do Estado deSão Paulo e Editora da Uni-

Imagem atual do arraial de Canudos

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Villa: “Como documento histórico, o texto deBombinho é uma fonte inestimável. Teminformação que nunca ninguém deu”

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nasceu em Propriá (SE), entre1860 e 1870. O poeta, que tinhaboa formação cultural, exerceuas funções de maestro, delegadode polícia e rábula, uma espéciede “advogado dos pobres”. Tam-bém foi tropeiro e, por causadessa profissão, participou daguerra, fornecendo mantimen-tos para o exército. Morreu emIlhéus (BA), com cerca de 80anos.

Por ter sido testemunha oculardo combate durante a quartaexpedição do exército a Canudos,os poemas de Bombinho são ricosem detalhes sobre esse período.As expedições anteriores sãonarradas a partir de relatos que oautor ouvira. “Como documento

histórico, o manus-crito é uma fonteinestimável. Tem in-formações que nun-ca ninguém deu”, afir-ma Villa. Mas as des-cobertas sobre Ca-nudos não parampor aí...

Juízos críticos

Logo após a pu-blicação de “Os Ser-tões”, em 2 de de-zembro de 1902, vá-

rios autores, conhecidos e anô-nimos, escreveram sobre a obrade Euclides da Cunha. Já no dia,o jornal Correio da Manhã pu-blicava um artigo assinado pelointelectual José Veríssimo, tra-tando do livro. Também escre-veram sobre o assunto CoelhoNeto, Medeiros de Albuquerquee Moreira Guimarães, entreoutros.

Aproveitando o sucesso daobra, a editora Laemmert (quepublicou “Os Sertões”) lançou,em 1904, “Juízos Críticos”, umacoletânea dos artigos publi-cados em jornais. Porém, o livronão teve a receptividade es-perada. Ele trazia algumas im-perfeições, como a ausência desumário, das datas das publi-cações, das fontes e de infor-mações sobre os autores. A par-tir dessa obra, o pesquisadorJosé Leonardo do Nascimento,do Instituto de Artes da Uni-versidade Estadual Paulista(Unesp), assumiu a atividade de

“garimpagem”. O resultado dotrabalho está sendo lançado emlivro: “Juízos Críticos: Os Sertõese os olhares de sua época” (Edi-tora da Unesp/Nankin, 2003).

O interesse na pesquisa veiode uma interrogação. Na terceiraedição de “Os Sertões”, de 1905,Euclides da Cunha responde àscríticas, sem dar o nome de seusautores. A quem o jornalistarespondia? Livros raros, docu-mentos, arquivos e muitos es-tudos trouxeram a resposta. Umdos alvos era Moreira Guimarães,que, em um artigo, despejoucerca de 20 críticas negativas ànarrativa de Cunha. Outro querecebeu argumentos de Cunhafoi o botânico José de CamposNovaes, que teve seu artigopublicado em 31 de janeiro de1903 na revista do Centro deCiências, Letras e Artes de Cam-pinas. As observações do bo-tânico foram dirigidas prin-cipalmente à parte “A Terra”,acusando o jornalista de não terconhecimento científico sobre oassunto. Muitas críticas tambémforam respondidas por cartasencaminhadas diretamente aosautores.

O trabalho de Nascimento nãose resumiu à reedição da co-letânea de 1904, encontrada emuma seção de raridades na bi-blioteca Mário de Andrade, emSão Paulo. O pesquisador encon-trou as informações omitidas daobra original em dicionários lite-rários e históricos e seções rarasde várias bibliotecas. Nascimento

Foram quase seis milversos a serementendidos etranscritos. Algumaspalavras estavamilegíveis

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também incluiu em seu livro“novos velhos” fatos, como, porexemplo, a íntegra do discurso deSílvio Romero na posse de Eucli-des da Cunha como membro daAcademia Brasileira de Letras(ABL), em 17 de dezembro de1906. Esse texto havia sido publi-cado uma única vez, em 1907, emPortugal.

A sessão, presidida por Ma-chado de Assis, foi marcada pelafala violenta de Romero, contraa elite brasileira e a dominaçãodo imperialismo. O intelectualtambém defendeu Cunha dascríticas que vinha sofrendo eatacou seus autores, inclusiveJosé Veríssimo, também mem-bro da Academia e inimigo deRomero. A partir de então, osdiscursos na ABL passaram a sercensurados, por ordem do entãoPresidente do Brasil, AfonsoPena, presente na ocasião.

Além da pesquisa e orga-nização do material, Nascimentofez a apresentação e as notasexplicativas. Tal trabalho trans-formou as 99 páginas da ediçãode 1904 em 182 na reedição, quecontou com o apoio do pro-fessor Valentin Faccioli, da Uni-versidade de São Paulo, na atua-lização ortográfica. Na opiniãode Nascimento, “Juízos Críticos”não foi reeditado antes porque

“Os Sertões”, desde sua publica-ção, vem sendo acompanhadopor diversos trabalhos de aná-lise, e também porque, paramuitos, a obra de Cunha seencerra em si mesma. “O livro(Juízos Críticos) é essencial paraconhecermos a concepção crí-tica de Euclides da Cunha emsua época”, afirma.

No ano em que se comemo-rou o centenário de “Os Sertões”,duas obras (“Juízos Críticos”estava previsto para ser lançadotambém em 2002) fogem dareverência ao épico euclidiano.Para Nascimento, “o centenáriosó é um acontecimento culturalse for estabelecido um diálogocom outros interlocutores”. E

Documento originalestá desaparecidodesde, no mínimo,1995

Acima, cópia dacapa domanuscrito deBombinho.Ao lado, umadas páginasinternas

emenda: “A comemoração temde vir acompanhada deconfronto”.

Achados

Nem sempre há a necessi-dade de escavações profundasem busca do “tesouro” histórico.Algumas vezes, por acaso ounão, ele “aparece”. O Departa-mento de História do Institutode Ciências Humanas e Sociaisda Universidade Federal deOuro Preto (Ufop) coordena,desde 1986, trabalhos de re-cuperação de acervos docu-mentais, principalmente emmunicípios de Minas Gerais. Osdocumentos são, em sua maio-ria, de propriedade de foros

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municipais e trazem informa-ções do local, bem como de seushabitantes, em um determinadoperíodo.

Entre os trabalhos realizadospelo grupo estão: identificação,arranjo e descrição da docu-mentação eclesiástica (1768-1814) da Freguesia de Rio daPomba; prospecção de docu-mentos da antiga Capitania deSão Jorge dos Ilhéus; avaliaçãoe elaboração do diagnósticopreliminar do acervo documen-tal das prefeituras de Caeté e deMinas Novas; e tratamento dadocumentação cartorial doSerro.

Como há bastante contatocom documentos antigos, apossibilidade de uma “surpresa”entre as pilhas empoeiradas égrande. E foi o que aconteceudurante o trabalho com a do-cumentação do Serro, iniciadoem outubro do ano passado. Oslivros de notas eram, na sua

maioria, do século XVIII, e não doXIX, como esperado. Na capa deum deles (datado de 1791), fo-ram encontradas algumas folhasavulsas. O parecer de um paleó-grafo, baseado no estilo de gra-fia, confirmou a data do material.

O documento é uma lista dehabitantes do município deSerro. O curioso é que, apesar deas folhas estarem em processode deterioração, foi possívelconstatar que há informaçõescompletas não só sobre os pro-prietários de terra, mas tambémde escravos, além de quanto segastava e se produzia em cadaresidência, o que não era co-mum na época. Leia a seguir atranscrição de uma parte dodocumento:

Pedro Rodrigues Pereira, pardoforro, casado, de idade 20 anos,sua mulher Quit[é]ria Joaq[quina]Rosa de Araújo, parda forra deidade 36 anos, vive de seu corte degado q[ue] [cort?]a por ano 160;filho Jerônimo Luís, de menoridade; agregado JoaquimAngo[la,] [pre]to forro. Escravos:Marcelino Crioulo, Matheus Mina,Ca[e]tano Mina, José N[?], ToméMina; destes, dois se ocupam nocorte, e os outros dois, na roça.Mari[a], [?], Rosa e Teresa; estas

quatro [s]ão do doméstico decasa. Colhe na roça 130alq[ueires de] m[ilh]o; estes nãochegam para gastos de casa ecompra por ano 104 alqueires defarinha; 60 alqueires de feijão, 24alqueires, arroz 4 alqueires; sal 4bruacas;

De acordo com o coorde-nador dos trabalhos, ÂngeloCarrara, o documento é consi-derado raro. “Que eu tenha no-tícia, essa é a primeira lista dehabitantes com este formato.Outros pesquisadores tambémconfirmaram essa hipótese”,explica.

Outro trabalho desenvolvidopelo Departamento de Históriada Ufop refere-se ao acervomusical do século XIX e prin-cípios do XX encontrado emMonsenhor da Horta, distrito deMariana, a vila mais antiga deMinas Gerais. Papéis encon-trados em 1993, em caixas aban-donadas no quarto de um ca-sarão antigo, revelaram ser, emsua maioria, partituras assinadaspor músicos desconhecidos daregião e, também, por compo-sitores já consagrados, como umcredo a quatro vozes de autoriade José Maurício Nunes Garcia(datado de 1856) e a cópia deuma parte da peça “Missa Brevis”,de Joaquim Paula Bonjardim.Desse material, uma grandeparte está incompleta e de-teriorada. A previsão de JoséArnaldo C. de Aguiar Lima, umdos coordenadores do trabalho,é de que apenas 40% das par-tituras possam ser recuperadas.

Cilza, que estudou a obra deMonteiro Lobato: “Cruzandoinformações obtidas a partirde leituras, percebi o que erararo, o que deveria procurar eo que poderia me interessar”A

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Foram encontradas tambémcorrespondências, fotografias,poemas e notas fiscais de váriasgerações de uma mesma famíliaque viveu no casarão.

Acaso

A sorte de encontrar docu-mentos raros não é para muitos.Para reconhecer o valor do ma-terial, é necessário conhecer afundo um contexto. “É precisoconhecer bem a obra que con-tinua em circulação, além de terdados sobre os livros que nãoforam mais publicados. É im-portante também conhecer oacervo do autor, seja por insti-tuições, seja por familiares”, ex-plica Cilza Carla Bignotto, dou-toranda em Teoria Literária peloInstituto de Estudos da Lingua-gem da Universidade de Cam-pinas (Unicamp), que em sua dis-sertação de mestrado tratou daobra de Monteiro Lobato. E a-crescenta: “Cruzando informa-ções obtidas a partir de leituras,percebi o que era raro, o quedeveria procurar e o que poderiame interessar. Houve tambémobras e documentos que desco-bri enquanto ‘xeretava’ em bi-bliotecas e sebos, ou enquantoprocurava outros livros.”

Mas a grande surpresa acon-teceu ao acaso. No início de1999, Cilza andava pela cidadede Santos quando encontrouum ambulante vendendo livrosusados. “Quando me aproximei,tive uma grande surpre-sa: alguns dos livros eram pri-

meiras edições raras de Lobato”,conta a pesquisadora. Ao con-versar com o vendedor LuísMartins, soube que as obrashaviam pertencido a um co-lecionador santista. Percebendoo interesse da compradora, Mar-tins disse que havia mais coisasno porão da casa de seu irmão.Cilza relembra que era um localantigo, escuro e com apenas ummetro de altura. Com a reservatécnica de sua bolsa da Fapesp(Fundação de Amparo à Pes-quisa do Estado de São Paulo), apesquisadora adquiriu prati-camente todas as obras (cerca

de 500 volumes) para aUnicamp. Hoje, os livros estão noCentro de Documentação Cul-tural “Alexandre Eulálio” (Cedae/Unicamp).

Na coleção, foram encontra-das traduções de livros infantisde Lobato; as primeiras ediçõesde alguns desses livros e deobras de Lobato para adultos,que revelam mudanças nos tex-tos; traduções feitas pelo autor;e livros publicados por sua edi-tora nos anos 20. Dentre astraduções, Cilza destaca uma delíngua russa. “É uma bela ediçãode ‘Reinações de Narizinho’,bastante ilustrada. Nos dese-nhos, Emília é loira, de olhosazuis, e está em meio a umapaisagem que, penso eu, o ar-tista pretendeu fazer tropical.Mas, creio que seu desconhe-cimento da natureza brasileira ofez criar plantas maravilhosas einexistentes. As personagenstêm características físicas quelembram as do povo russo edestoam muito das descriçõesde Lobato.”

Muito mais que um trabalhode pesquisa em busca de do-cumentos desconhecidos oudesaparecidos, os pesquisa-dores, aqui denominados “ga-rimpeiros”, demonstram quefatos não se revelam na exe-cução de simples tarefas. Acasoou não, cada nova descobertanunca se completa em si mesma.Ela envolve muita insistência,intuição, investigação e conhe-cimento.

Lista de habitantesencontrada no município deSerro (MG) data do séculoXVIII e traz informações nãousuais em documentossimilares

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O trabalho dos “garimpeiros”não se restringe à caça de do-cumentos. Dependendo dascondições do material, primeiroé necessário recuperá-lo, paradepois compor ou contraporuma história. Segundo ÂngeloCarrara, da Ufop, o principalproblema é a sujeira acumuladaao longo dos anos. Há tambémcasos em que nada pode serfeito, como quando os papéistornam-se uma pasta homogê-nea em razão da umidade e doacúmulo de restos de animais.Outros fatores que contribuempara o estado de degradaçãosão a ação da luz solar e datemperatura, somadas à ação demicroorganismos e poluentes.

As técnicas de limpeza sãonão só um instrumento de sumaimportância para o desenvolvi-mento de estudos, mas tambémalvo de pesquisas. Um grupo daUfop, por exemplo, está utili-zando a radiação a laser narestauração de documentoshistóricos e objetos de arte. Osestudos, inéditos no país, come-çaram em agosto de 1998. Aradiação a laser tem ca-racterísticas peculiares em re-lação às demais radiações ele-tromagnéticas. Entre elas está o

fato de tratar-se de luz mono-cromática e coerente, o quesignifica possuir um único com-primento de onda (cor) e fótonsque vibram e deslocam-se emfase no espaço. Como conse-qüência, tem-se uma pequenadivergência, o que possibilitatransferir energia radiante, adistância, sem perdas signi-ficativas ao longo da trajetória.No que se refere à limpeza desuperfícies, os pulsos de lasersão indutores de processos me-cânicos de fragmentação depelículas aderidas ou de libe-ração de partículas adsorvidas. Acombinação de efeitos termo-mecânicos e fotoquímicos é asituação mais comum nos casosem que se deseja retirar umacamada ou partícula indesejada.A energia transportada até asuperfície que se deseja limparinterage com a camada maisexterna, volatilizando-a e pro-jetando as partículas para asvizinhanças. “Após a aplicação, aspartículas ‘expulsas’ são reco-lhidas por sucção”, conta AdílsonRodrigues da Costa, do Depar-tamento de Engenharia Meta-lúrgica e de Materiais da Ufop.

Em comparação com outras téc-nicas, o laser diferencia-se pela

inexistência de contato com a su-perfície e por não utilizar produtosquímicos, geralmente tóxicos,além de possibilitar maior preci-são e controle sobre a área a sertratada. O custo de aplicação éalto; porém, por se tratar de tecno-logia em fase de desenvolvimen-to, é provável que os equipa-mentos sejam, em breve, maisacessíveis aos restauradores.

Remoção

Mesmo com os avanços natécnica de limpeza, algumasquestões ainda estão sendo am-plamente estudadas em todo omundo, como, por exemplo, ainteração do laser com os dife-rentes materiais utilizados naprodução de bens de valor cul-tural (móveis ou não). A per-gunta é: na aplicação, comosaber quais partículas devem serremovidas e quais devem sermantidas?

Segundo Costa, em algunscasos, o laser não é recomen-dado, pois provoca mudançasestruturais que podem significardanos irreparáveis. Ele cita comoexemplo a mudança de cor noobjeto. “Ainda há muito quefazer para definirmos os limites

Pesquisas visam otimizar a restauraçãode documentos e objetosLimpeza, acondicionamento, destinação e organização são etapas noestabelecimento de acervos históricos

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da utilização do laser na limpezae conservação de bens culturais.Investir recursos nessa área é,neste momento, fundamentalpara que o Brasil possa desen-volver suas alternativas e acom-panhar o processo instalado nocenário mundial”, destaca.

Sobre o papel (cuja compo-sição química pode ser resumidaem celulose, lignina e aditivos),Costa explica que a celulose nãosofre alterações de suas pro-priedades quando tratada se-paradamente por laser. Já alignina pode ser alterada, caso osníveis de potência ultrapassemum certo limite. Outro problemadiz respeito à interação do lasercom as tintas, principalmente asmais antigas, produzidas compigmentos minerais. O pesqui-sador aconselha, nesses casos,que seja feita uma intervençãopontual preliminar ou que sejam

retiradas pequenas amostrasdas tintas, para a realização detestes sem danificar o docu-mento original.

Destino

Feita a limpeza, é preciso de-finir o destino dos documentos.No caso da Ufop, os materiaisvoltam à instituição de origem.Há casos em que os documentosrecuperados viram livros, comonos trabalhos realizados porMarco Antônio Villa, da UFSCar,e José Leonardo Nascimento, daUnesp. Bibliotecas são outrodestino possível.

Os livros de Monteiro Lobatoadquiridos pela pesquisadoraCilza Bignotto e doados à Uni-camp formaram a Coleção Bi-blioteca Lobatiana, à disposiçãono Centro de DocumentaçãoCultural “Alexandre Eulálio”(Cedae/Unicamp). No evento decomemoração da aquisição dasobras, Joyce Campos Kornluh,neta de Lobato, manifestou in-teresse em doar os documentospertencentes a seu avô. Assim, oCedae passou a contar com umconjunto documental sobre oautor composto por uma co-leção arquivística, a ColeçãoBiblioteca Lobatiana, e por umfundo arquivístico, o FundoMonteiro Lobato. “A primeira écomposta por materiais reu-nidos ‘artificialmente’, em suamaioria livros e periódicos, e osegundo é formado por vo-lumes reunidos pelo próprioLobato ao longo de sua vida”,

explica Flávia Carneiro Leão,supervisora do Cedae.

Como o acervo está em pro-cessamento técnico, não hácomo precisar o volume de do-cumentos pertencentes ao fun-do. Ele inclui cartas, livros, re-cortes de jornais e revistas, fo-tografias, desenhos e aquarelas,homenagens e documentospessoais. Flávia ressalta que oprincipal critério arquivísticoutilizado é o “princípio de res-peito aos fundos”, segundo oqual não se acrescentam ma-teriais a um acervo dessa na-tureza. Ele deve conter apenasos documentos acumulados ereunidos pelo titular do fundodurante sua vida.

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Pesquisas da Ufop testam radiação alaser na recuperação de documentoshistóricos e objetos. Na foto: 1.aspecto original da repintura verde;2. limpeza convencional utilizandooctano e acetona puros; 3. limpezapor laser; 4. Região limpa por laser erecoberta com verniz Damar.

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Flávia C. Leão, supervisora docentro onde estão obras rarasde Monteiro Lobato edocumentos reunidos por eleao longo da vida

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