Fabricação de Doce de Leite Pastoso

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Fabricação de doce de leite pastoso Amanda Takikawa , Jessica C. Vitória, Mayara Schork e Thayse Trevisoli Tecnologia de Leites e Derivados – Tecnologia em Alimentos Universidade Tecnológica Federal do Paraná Professora: Drª. Maria Josiane Sereia Resumo – O leite é incontestavelmente um alimento de alto valor nutritivo e bastante consumido em todas as partes do mundo, tanto em sua forma líquida como na forma de seus mais diversos derivados, como o doce de leite, um alimento regional, produzido principalmente na Argentina e no Brasil, apresentando alguns problemas com relação à qualidade. Ele é um produto obtido por concentração e adição do calor ao leite, com ou sem adição de sólidos de origem láctea e/ou creme adicionado de sacarose. O objetivo deste é a fabricação de doce de leite pastoso via processo industrial, verificando os possíveis defeitos e pontos críticos presentes no processamento. Palavras chaves açúcar invertido, cristalização, talhamento, ºBrix, APPCC. Introdução O doce de leite é um produto típico da América Latina, produzido e consumido em grande escala no Brasil. É basicamente um produto resultante da cocção do leite com açúcar até a concentração e caramelização desejada (MACHADO, 2005). A legislação define o doce de leite como um produto, com ou sem adição de outras substâncias alimentícias, obtido por concentração e ação do calor, à pressão normal ou reduzida do leite ou leite reconstituído, com ou sem adição de sólidos de origem láctea e/ou creme, e adicionado de sacarose (parcialmente substituída, ou não, por monossacarídeos e/ou outros dissacarídeos). Quanto aos aditivos permitidos, estes devem ser incorporados nas concentrações estabelecidas pela legislação (RIISPOA, 1996).

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Fabricação de doce de leite pastosoAmanda Takikawa, Jessica C. Vitória, Mayara Schork e Thayse Trevisoli

Tecnologia de Leites e Derivados – Tecnologia em Alimentos

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Professora: Drª. Maria Josiane Sereia

Resumo – O leite é incontestavelmente um alimento de alto valor nutritivo e bastante

consumido em todas as partes do mundo, tanto em sua forma líquida como na forma de seus

mais diversos derivados, como o doce de leite, um alimento regional, produzido principalmente

na Argentina e no Brasil, apresentando alguns problemas com relação à qualidade. Ele é um

produto obtido por concentração e adição do calor ao leite, com ou sem adição de sólidos de

origem láctea e/ou creme adicionado de sacarose. O objetivo deste é a fabricação de doce de

leite pastoso via processo industrial, verificando os possíveis defeitos e pontos críticos

presentes no processamento.

Palavras chaves açúcar invertido, cristalização, talhamento, ºBrix, APPCC.

Introdução

O doce de leite é um produto típico da América Latina, produzido e consumido em

grande escala no Brasil. É basicamente um produto resultante da cocção do leite com açúcar

até a concentração e caramelização desejada (MACHADO, 2005).

A legislação define o doce de leite como um produto, com ou sem adição de outras

substâncias alimentícias, obtido por concentração e ação do calor, à pressão normal ou

reduzida do leite ou leite reconstituído, com ou sem adição de sólidos de origem láctea e/ou

creme, e adicionado de sacarose (parcialmente substituída, ou não, por monossacarídeos e/ou

outros dissacarídeos). Quanto aos aditivos permitidos, estes devem ser incorporados nas

concentrações estabelecidas pela legislação (RIISPOA, 1996).

É um doce de cor castanho caramelado com diferentes consistências: cremosa ou

pastosa, sem cristais sensorialmente perceptíveis; semi-sólida; sólida e parcialmente

cristalizada. Como ingredientes opcionais, podem ser inseridos ao doce de leite, creme, sólidos

de origem láctea, mono e dissacarídeos que substituam a sacarose em no máximo de 40%

m/m, amidos ou amidos modificados em uma proporção não superior a 0,5g/100 mL no leite,

cacau, chocolate, coco, amêndoas, amendoim, frutas secas, cereais e/ou outros produtos

alimentícios isolados ou misturados em uma proporção entre 5% e 30% m/m do produto final

(BRASIL, 1997).

Trata-se de um produto amplamente empregado como ingrediente para a elaboração

de alimentos como confeitos, bolos, biscoitos, sorvetes e também consumido diretamente como

sobremesa ou acompanhado de pão, torradas e queijo (DEMIATE et al., 2001).

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O produto deve apresentar consistência cremosa ou pastosa, sem cristais perceptíveis

sensorialmente. A consistência poderá ser mais firme no caso do doce de leite para confeitaria

e/ou sorveteria. Poderá ainda apresentar consistência semissólida ou sólida e, parcialmente,

cristalizada quando a umidade não supera 20% m/m (SILVA, SILVA & FERREIRA, 2012).

A fabricação de doce de leite no Brasil é feita por muitas empresas, desde a produção

caseira, de forma artesanal, até as grandes empresas, com distribuição em todo o país. Os

doces de leite disponíveis no mercado apresentam uma grande variação, especialmente em

relação às características físico-químicas (teor de umidade e gordura) e sensoriais (cor,

aparência, textura e sabor) (VIEIRA et al., 2011).

O presente estudo teve como objetivo a obtenção de doce de leite pastoso análogo ao

processo industrial e a verificação dos pontos críticos presentes no processamento.

Fluxograma

Não

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Pontos Críticos de Controle

Os pontos críticos de controle são constituintes do sistema APPCC (Análise de Perigos

e Pontos Críticos de Controle) que envolve o estudo dos ingredientes, do produto e das

condições do processo, manuseio, estocagem, embalagem, distribuição e modo de consumo.

Tem por objetivo identificar, avaliar e controlar os perigos antes que os mesmos ocorram e é o

meio mais eficiente para assegurar a segurança dos alimentos, pois, permite identificar no

fluxograma de processo as áreas suscetíveis que podem contribuir para um risco em potencial

(CARNEIRO & SOUSA, 2002).

O Sistema APPCC é lógico e compreensível porque considera os ingredientes,

processos e uso subsequentes dos produtos. É contínuo, uma vez que os problemas são

detectados antes ou no momento em que ocorrem e as ações corretivas são então,

imediatamente, aplicadas. É sistemático porque é um plano completo, cobrindo todas as

operações, processos e medidas de controle, reduzindo, assim, os riscos de doenças

alimentares. É importante salientar, no entanto, que é apenas uma ferramenta que deve ser

utilizada adequadamente e que a análise é especifica para uma fabrica ou linha de

processamento e para um produto considerado (SENAR, 2010).

Tabela 1. Análise de PCC no processamento de Doce de Leite Pastoso.Etapa Perigo PC/PCC

Recepção/ padronização da gordura 1,5%

F-Textura de baixa qualidade do produto devido a gordura não padronizada

PC (F)

Neutralização do LeiteQ-Talhamento do leite; B- Contaminação

MicrobiológicaPC (Q, B)

Adição de Ingredientes Q- Cristalização do doce; PC (Q)

ConcentraçãoF- Alteração da cor do doce; B-Contaminação

MicrobiológicaPCC (F); PC (B)

Adição do açúcar invertido Q- Arenosidade presente; PC (Q)

ResfriamentoF-Cristalização do doce; B- Contaminação

MicrobiológicaPCC (F); PC (B)

Envase B-Contaminação Microbiológica PC (B)PC-Ponto crítico; PCC-Ponto Crítico de Controle; F-Físico; Q-Químico; B-Biológico.

Tabela 2. PCC: Alteração da cor do doce de leite

Identificação do Ponto critico Alteração da cor do doce de leite

Etapas do processo Concentração

Perigo Alteração da cor do doce

Limite critico Feita em tacho à vapor ou aberto com homogeneizador de 80 rpm

Monitoramento e frequência Monitorar temperatura

Atividade de ação corretiva Rejeitar doce com escurecimento excessivo

Responsabilidade pelo monitoramento Manipulador

Como será o registro Planilha de controle de tempo e temperatura

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Tabela 3. PCC: Cristalização do doce de Leite.

Identificação do Ponto critico Cristalização do doce de leite

Etapas do processo Resfriamento

Perigo Cristalização do doce

Limite critico A cristalização do açúcar no doce gera “bolinhas de açúcar” indesejadas, alterando a textura final do produto.

Monitoramento e frequência Monitorar excesso de açúcar e temperatura.

Atividade de ação corretiva Usar maiores teores de açúcar; Trabalhar com leite com menor teor de lactose; Utilização de estabilizantes; Semeadora de microcristais de lactose; Uso da lactase.

Responsabilidade pelo monitoramento Manipulador

Como será o registro Planilha de controle

Fazendo a análise por etapas:

Recepção/ Padronização da Gordura 1,5%

A quantidade de gordura interfere diretamente na viscosidade do produto final, desta

forma, a mesma deve ser padronizada para 1,5%, pois quanto maior o teor de gordura, menor

a viscosidade do doce de leite (PC físico) (VIEIRA, et al., 2011).

Neutralização do leite

Após a adição do leite no tacho, deve-se realizar a correção de sua acidez, a acidez do

leite deve ser diminuída de 18° Dornic para 12° Dornic, pois, a alta acidez no leite, acarreta no

talhamento do doce causado pela precipitação ácida das proteínas do leite, pois, conforme o

doce é concentrado a quantidade de água diminui e a acidez aumenta.

A flora microbiana quando presente no leite causa também uma acidez no leite. O meio

alcalino, vai controlar o talhamento e a cor da Reação de Mairllard.

Para o controle do talhamento, é adicionado o bicarbonato de sódio (NaHCO3) que

utilizado para reduzir a acidez do leite e evitar a coagulação. Onde é previamente pesado e

acrescentado diretamente ao tacho. Além do mais, o bicarbonato tem a função de auxiliar na

padronização da coloração do produto final, promovendo uma ligeira elevação do pH, o que

tem influência direta na intensificação da reação de Maillard, tornando o doce com uma cor

mais escura na proporção em que aumenta sua concentração no alimento produzido (SENAR,

2010; SILVA, SILVA & FERREIRA, 2012).

Adição de Ingredientes

Ao adicionar glicose, ocorre o aumento da reação de Maillard, oferecendo cor e flavor

mais intensos e um maior brilho do doce.

Ao adicionar açúcar, deve-se ter o cuidado para que este não grude na parede do

tacho, pois ocorrerá a caramelização, podendo vir a escurecer o doce. O amido é utilizado, pois

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vai aumentar a viscosidade, diminuindo assim a mobilidade dos açúcares, abrandando o efeito

de arenosidade e o crescimento de cristal no doce durante o armazenamento (CASTRO, 1985).

Concentração

A concentração do doce é uma das etapas mais importantes do processo e está

relacionada ao tempo e temperatura. A concentração do doce de leite é um PC microbiológico

pois, a alta concentração de sólidos impossibilita o crescimento de fungos e bactérias. O doce

de leite deve apresentar entre 67 e 70°Brix. Pode considerar um PCC físico pois a constante

agitação e o próprio equipamento poderá desprender partículas sólidas.

A mistura deverá ser aquecida sob constante agitação até a concentração desejada

(ponto). O tempo para o doce atingir o ponto, poderá variar de acordo com a quantidade de

leite e a fonte de calor (SENAR, 2010).

Dependendo do tempo e temperatura, ocorrerá alterações na cor/flavor do produto

final. Com uma temperatura alta e pouco tempo, resultará num produto com uma cor mais

clara. Já uma baixa temperatura e um maior tempo, o produto terá uma coloração e flavor mais

intenso.

Adição do açúcar invertido

O açúcar invertido é empregado para interferir na arenosidade do produto. Essa

arenosidade pode formar cristais grandes, que são perceptíveis sensorialmente.

Segundo CASTRO (1985), o açúcar invertido pode ser usado com a finalidade de

produzir um doce com melhor acabamento e maior durabilidade. Assim como a sacarose, a

glicose deve ser de ótima qualidade, sem fermentações ou acidez. A quantidade mais indicada

para uso no doce de leite é de 2%, substituindo, portanto, uma parte da sacarose. Uma

porcentagem maior resulta num produto muito escuro.

Resfriamento

O resfriamento do doce deve ser lento e sem agitação, pois quanto maior a agitação do

doce na etapa do resfriamento, maior vai ser o encontro dos núcleos, cristalizando assim o

doce.

Envase

Segundo CASTRO (1985), logo após o resfriamento do doce, deve-se realizar o

enchimento do pote o mais rápido possível, fazendo-se um fechamento bem adequado para

que não haja contaminação. Os potes devem ser virados para que haja esterilização da tampa

pela própria temperatura do doce. O intervalo entre o resfriamento, coação e envase do doce

de leite deve ser rápido para que no momento do envase a temperatura do produto se

mantenha em torno de 65 a 70°C, o que auxilia na eliminação (através do calor) de eventuais

microrganismos indesejáveis, que podem deteriorar o produto final, principalmente, as

leveduras.

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Segundo Carvalho (2007) os principais defeitos encontrados no doce de leite estão

descritos na Tabela 2:

Tabela 2. Principais defeitos encontrados no doce de leite.Defeito Causa Prevenção

Coloração escura Excesso de neutralizante como

redutor (NaHCO3) e ao

superaquecimento.

Controlar a quantidade de neutralizante e diminuir o tempo

Coloração clara Falta de bicarbonato, baixa

temperatura ou pouca quantidade de

leite no tacho.

Colocar mais bicarbonato, aumentar o tempo, colocar mais leite no tacho.

Doce Talhado Alta acidez do leite e baixo teor de

gordura

Utilizar leite menos ácido, adicionar mais bicarbonato e leite com mais teor de gordura

Arenosidade 45 dias após a fabricação e é

decorrente da cristalização da

lactose.

Aumentar o teor de açúcar, utilizar leite com menor teor de lactose e maior teor de proteínas, manutenção da temperatura de armazenamento e utilização de β- galactosidase; adição de amido(1%); utilizar 20% de açúcar invertido

Doce mole Excesso de umidade. Controlar umidade do doce; adicionar mais açúcar

Doce duro Ocorre quando o doce passa do

ponto, tem pouca umidade

Controlar o ponto do doce; adicionar mais leite

Gosto queimado Ocorre se o tacho estiver

diretamente ligado ao fogo, difícil de

ocorrer.

Controlar se o fogo está ligado direto no tacho.

Gosto azedo Decorrente da contaminação por

leveduras que fermentam o açúcar.

Aumentar a Temperatura de enchimento; Não permitir a entrada de oxigênio na lata; Brix 70º

Gosto ranço Ocorre em doces com alto teor de

gordura e presença de ar.

Controlar o ter de gordura do leite

Separação de fases Devido à retrogradação do amido e

grande quantidade de glicose.

A glicose tem tendência de tornar o doce muito mais viscoso durante o armazenamento; para diminuir a possibilidade, recomenda-se adicioná-la dissolvida em água no final da concentração; Diminuir a quantidade de Glicose

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Conclusão

Após a fabricação do doce de leite, conclui-se que mesmo com o controle sobre os

defeitos possíveis ao longo do processamento, não foi necessário para que houvesse o

talhamento do doce. Isto se deu a acidez do leite que possivelmente estava alta e poderia ter

sido evitada com a utilização de leite menos ácido, ou com a adição de mais bicarbonato, ou

antes, do seu uso, realizado uma titulação, verificando a acidez.

Referências

BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento, Secretaria de Defesa Agropecuária,

Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Portaria N° 354, de 4 de setembro

de 1997. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/ das/dipoa/port354.html>. Acesso em:

13 Ago 2013.

BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Departamento de Inspeção de

Produtos de origem Animal. Portaria n. 354, de 04 de setembro de 1997. Regulamento

Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade de Doce de Leite. Diário Oficial da República

Federativa do Brasil, Brasília DF, 1997

CASTRO, F. A. de, Doce de leite – NUTEC, Série implantação microempresa. Fortaleza, 1985.

CARVALHO, Renato Ferreira de. Dossiê Técnico: Doce de Leite Pastoso e em Barra. Rede de

Tecnologia da Bahia – RETEC/BA, 2007.

DEMIATE, I.M; KONKEL, F.E; PEDROSO, R.A. Avaliação da Qualidade de Amostras

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MACHADO, L. M. P. Uso de soro de queijo e amido de milho modificado na qualidade do

doce de leite pastoso. Tese (Doutorado) - Faculdade de Engenharia de Alimentos, Campinas:

UNICAMP, 2005.

RIISPOA. Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal.

Portaria nº 146, de 7 de março de 1996. Diário Oficial da União, 11 mar. 1996.

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SENAR. Serviço Nacional de Aprendizagem Rural. Iogurte, Bebidas Lácteas e Doce de leite:

produção de derivados do leite. 2 ed., Brasília : SENAR, 2010.

SILVA, G.; SILVA, A. M. A. D.; FERREIRA, M. P. de B. Processamento de leite. Recife :

EDUFRPE, 2012.

VIEIRA, M. C.; et al. Produção de doce de leite tradicional, light e diet: Estudo comparativo de

custos e viabilidade econômica. v. 41, n. 10, São Paulo: Informações Econômicas, 2011.