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F ´ ısica do Estado S ´ olido Crescimento de cristais Trabalho pr´ atico n o 0 2003-2004 Objectivos: Crescimento de alguns cristais a partir de solu¸ ao aquosa, para utilizar em trabalhos futuros. Material uma das seguintes substˆ ancias: al´ umen, sulfato de n´ ıquel, nitrato de s´ odio, sal de Rochelle, ferricianeto de pot´ assio, a¸ ucar, sal das cozinhas balan¸ ca proveta esp´ atula vareta de vidro cristalizador copo cola acr´ ılica aquecedor term´ ometro funil de filtra¸ ao e papel de filtro 1 Introdu¸ ao O crescimento de cristais d´ a-se sob as mais variadas condi¸ oes, algumas delas bastante surpreendentes. Flocos de neve crescem no ar h´ umido. Grandes cristais de bismuto cres- cem no seio do metal fundido quando este ´ e arrefecido. Cristais de tungst´ enio crescem directamente no interior do metal policristalino se este for aquecido e simultaneamente traccionado. Mas o m´ etodo mais simples de crescer cristais ´ e a partir de solu¸ ao, no interior de uma l´ ıquido que arrefece ou evapora lentamente. Uma grande variedade de cristais, em particular de compostos i´ onicos (sais) e muitas substˆ ancias orgˆ anicas, podem ser crescidos a partir de solu¸ ao. A maioria dos sais ´ e sol´ uvel

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Fısica do Estado Solido

Crescimento de cristais

Trabalho pratico no 0

2003-2004

Objectivos: Crescimento de alguns cristais a partir de solucao aquosa, para utilizarem trabalhos futuros.

Material

• uma das seguintes substancias: alumen, sulfato de nıquel, nitrato de sodio, sal deRochelle, ferricianeto de potassio, acucar, sal das cozinhas

• balanca

• proveta

• espatula

• vareta de vidro

• cristalizador

• copo

• cola acrılica

• aquecedor

• termometro

• funil de filtracao e papel de filtro

1 Introducao

O crescimento de cristais da-se sob as mais variadas condicoes, algumas delas bastantesurpreendentes. Flocos de neve crescem no ar humido. Grandes cristais de bismuto cres-cem no seio do metal fundido quando este e arrefecido. Cristais de tungstenio crescemdirectamente no interior do metal policristalino se este for aquecido e simultaneamentetraccionado. Mas o metodo mais simples de crescer cristais e a partir de solucao, nointerior de uma lıquido que arrefece ou evapora lentamente.

Uma grande variedade de cristais, em particular de compostos ionicos (sais) e muitassubstancias organicas, podem ser crescidos a partir de solucao. A maioria dos sais e soluvel

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2 TP2: Crescimento de cristais

em agua, por isso os cristais que iremos preparar neste trabalho e que servirao de base aoutros trabalhos praticos crescerao em solucoes aquosas. Para substancias organicas, cujasmoleculas tem um momento dipolar electrico pequeno ou nulo, seria vantajoso utilizar umsolvente apolar como, por exemplo, o ciclohexano.

1.1 Solucoes

O que e uma solucao? Em linguagem comum o termo “solucao” lembra um solido dis-solvido no seio de um lıquido, o acucar no cha, por exemplo. Em termos cientıficos oconceito de solucao e mais alargado. Gases dissolvem-se em lıquidos; basta lembrar asbolhas de ar que se libertam da agua em ebulicao, ou o dioxido de carbono solubilizadonas bebidas gazeificadas. Tambem ha solucoes de dois lıquidos, como e o caso do alcoolvendido nas farmacias que consiste numa solucao de 70% de etanol e 30% de agua. Paraos metalurgistas sao familiares as solucoes solidas, como o aco (solucao de carbono emferro) ou o bronze (solucao de cobre em zinco).

Por solucao passaremos a entender uma mistura homogenea de duas ou mais substanciasao nıvel molecular, independentementes da fase das substancias envolvidas. Esta definicaotem o cuidado de distinguir as verdadeiras solucoes de misturas que sao homogeneas aonıvel macroscopico mas heterogeneas a um nıvel mesoscopico, pois os fragmentos envolvi-dos sao agregados contendo um numero bastante grande de moleculas – os coloides1.

Numa solucao binaria (2 componentes) e convencional distinguir os dois elementos –solvente e soluto. A distincao e facil numa solucao de sal e agua, mas numa solucao deetanol e agua qual dos componentes e o solvente e qual e o soluto? Como o etanol e aagua sao miscıveis em qualquer proporcao, nao faz sentido distinguir solvente e soluto.Estes conceitos so sao uteis quando uma das substancias tem solubilidade limitada naoutra. A substancia de menor solubilidade da-se o nome de soluto e a outra de solvente.A solubilidade e a quantidade maxima de soluto que e possıvel dissolver num dado sol-vente, em determinadas condicoes fısicas bem especificadas. Faz parte destas condicoes atemperatura, pois a solubilidade da maioria das substancias depende muito deste factor.

Que razoes de ordem fısica levam a que uma substancia se solubilize noutra? Porquee que o sal das cozinhas se dissolve facilmente em agua?

Um dos factores mais importantes e a segunda lei da termodinamica – a tendencia dossistemas para a desordem. E obvio que os ioes de sodio e cloro em solucao correspondema um estado muito mais desordenado do que sal cristalino. Porem a tendencia para adesordem nao e o unico factor. Por exemplo, se o cloreto de sodio se dissolvesse no ar, ouseja se sublimasse espontaneamente, produziria um arranjo ainda muito mais desordenadodo que uma solucao aquosa. No entanto e sabido que, pelo menos a temperatura ambiente,o sal das cozinhas nao sublima!

O outro factor tem a ver com um custo energetico. A quebra de ligacoes entre aspartıculas, necessaria a solubilizacao, exige uma certa energia. O solvente pode enfraquecer

1Uma forma simples de distinguir os coloides de verdadeiras solucoes e a observacao do efeito de Tyndal,

que consiste na dispersao de um feixe de luz que incide num coloide. Um feixe de luz atravessa uma solucao

sem dispersao porque o sistema e homogeneo a escala do comprimento de onda da luz visıvel, o que nao

acontece num coloide.

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Figura 1: Iao Ni3+ hidratado com seis moleculas de agua

as ligacoes entre as partıculas do soluto e proporcionar assim a sua quebra. Vamos designara entalpia envolvida na quebra das ligacoes por ∆H. A solubilidade e uma manifestacaoda tendencia que a natureza tem para minimizar a energia e maximizar a desordem, ouseja, minimar a energia livre, G, de qualquer sistema. A variacao da energia livre, quepara um processo espontaneo e negativa, tem uma contribuicao entalpica e entropica:

∆G = ∆H − T∆S. (1)

Porque e que a agua e, regra geral, um bom solvente de compostos ionicos?

Possuindo a molecula da agua um elevado momento dipolar electrico, tem uma cons-tante dielectrica que e cerca de 80 vezes superior a do ar. Em consequencia, as ligacoesentre os ioes do sal, de natureza essencialmente electrostatica, sao muito enfraquecidas napresenca do solvente, dando azo a que a constante agitacao termica acabe por as romper.Acresce que os dipolos electricos das moleculas da agua exercem forcas directamente sobreos ioes do cristal, facilitando o rompimento das ligacoes cristalinas. Assim, a energia, ∆H

necessaria para quebrar as ligacoes ionicas do cloreto de sodio e menor no interior da aguado que no ar, fazendo com que ∆G < 0 para uma solubilizacao em agua e ∆G > 0 para asublimacao do sal.

E de realcar que muitos processos de solubilizacao sao exotermicos (∆H < 0), o quese explica pelo facto de os ioes formarem ligacoes fortes com as moleculas do solvente2.E o que acontece com muitas solucoes aquosas, onde os ioes se encontram fortementehidratados (fig 1).

2Mas nem todas as solubilizacoes sao exotermicas. Um contraexemplo bem conhecido e o da solubi-

lizacao do nitrato de sodio. Nestes casos o aumento da entropia na solubilizacao e superior ao ’custo’

energetico da solubilizacao.

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AB C

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Figura 2: Curva de solubilidade tıpica de um sal em agua.

Afirmamos que, a uma dada temperatura, existe um limite maximo para a quanti-dade de soluto que e possıvel solubilizar num dado solvente. Contudo, esse limite pode serultrapassado em determinadas circunstancias. Uma solucao nestas condicoes diz-se sobres-

saturada. O estado de sobressaturacao e metaestavel, pois a mais pequena perturbacao(por exemplo a queda de um grao de po na solucao), fara precipitar o soluto em excesso.

A fig. 2 representa um diagrama de solubilidade tıpico de um sal em agua. Verifica-seque a solubilidade aumenta, em geral, com a temperatura3.

A curva de solubilidade divide o diagrama de solubilidade em duas regioes distintas:a regiao sobressaturada e a nao-saturada. Consideremos duas maneiras distintas de nosdeslocarmos no diagrama de solubilidade de uma regiao para a outra.

Suponhamos que se pretende mover o ponto A, que se encontra na regiao nao saturada,para a posicao B na regiao sobressaturada; bastara, para o efeito, reduzir a temperatura,muito lentamente, da solucao de tA pra tB.

Pretende-se, agora, passar da posicao A para a E. Se tentarmos mover o ponto verti-calmente, adicionando soluto a solucao a temperatura constante, o soluto solubilizar-se-aate se atingir o ponto sobre a curva de solubilidade, e a partir daı nao se solubilizara mais.Nao e possıvel passar da regiao nao saturada para a regiao sobressaturada simplesmenteadicionando soluto. Existem dois metodos para passar de A para E:

1. Aquecendo a solucao, passar de A para C; adicionar de seguida soluto, passando deC para D e, em seguida, arrefecer a solucao, passando de D para E.

3Curiosamente, as solucoes aquosas de cloreto de sodio sao uma excepcao, pois a solubilidade deste sal

em agua praticamente nao depende da temperatura.

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2. Fazer variar o volume do solvente. Diminuindo este volume, por evaporacao, quee um processo muito lento e que provoca uma perturbacao minima no sistema, epossıvel atravessar a barreira verticalmente.

Sao estas as duas tecnicas basicas para preparar uma solucao sobressaturada de ondeirao crescer os cristais.

2 Execucao

Propoe-se o crescimento, a partir de solucao, de cristais de uma das seguintes substancias:

1. sulfato de alumınio e potassio dodecahidratado (alumen)

2. sulfato de nıquel hexahidratado

3. nitrato de sodio

4. tartarato de sodio e potassio tetrahidratado (sal de Rochelle)

5. ferricianeto de potassio

6. sucrose

7. cloreto de sodio

O trabalho ira prosseguir nas seguintes etapas:

• preparacao de solucao saturada

• obtencao e seleccao de sementes

• preparacao de solucao sobressaturada

• colocacao de uma semente no seio da solucao sobressaturada

• crescimento de cristais a partir da semente

• caracterizacao dos cristais obtidos.

2.1 Preparacao da solucao saturada

2.1.1 Aluminato de potassio dodecahidratado (alumen)

Dissolver 80 g de aluminato de potassio em 400 cm3 de agua, em banho de maria a 50◦C.Apos completa solubilizacao do sal, filtrar a solucao e deixar arrefecer lentamente. Tapara solucao e deixar em repouso um ou dois dias. Decantar de novo a solucao.

2.1.2 Sulfato de nıquel hexahidratado

Proceder de igual forma, dissolvendo 100 g de sal em 100 cm3 de agua.

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2.1.3 Nitrato de sodio

Proceder de forma semelhante, mas sem aquecer a solucao. Utilizar 110 g de soluto em100 cm3 de agua.

2.1.4 Tartarato de sodio e potassio tetrahidratado (sal de Rochelle)

Proceder de forma semelhante ao aluminato de potassio. Utilizar 130 g de soluto em100 cm3 de agua.

2.1.5 Ferricianeto de potassio

Proceder de forma semelhante ao aluminato de potassio. Utilizar 93 g de soluto em 200 cm3

de agua.

2.1.6 Sucrose

Obter uma solucao saturada em 100 cm3 de agua ligeiramente tepida (nao ultrapassar50◦C). Para o efeito, dissolver a maior quantidade possıvel de acucar, agitando vigorosa-mente a solucao. A solubilidade do acucar em agua e enorme!

2.1.7 Cloreto de sodio

Dissolver cerca de 40 g de cloreto de sodio em agua a temperatura ambiente e filtrar asolucao.

2.2 Obtencao e seleccao da semente

Retirar um pouco da solucao saturada para um cristalizador e deixar evaporar lentamente.Irao obter-se uns pequenos cristais ao fim de alguns dias, que deverao ser observados aomicroscopio. Seleccionar dois ou tres de faces bem desenvolvidas para sementes.

2.3 Preparacao da solucao sobressaturada

2.3.1 Aluminato de potassio dodecahidratado (alumen)

Adicionar 16 g de aluminato a solucao saturada; aquecer ate 50◦C ate solubilizacao. Deixararrefecer lentamente.

2.3.2 Sulfato de nıquel hexahidratado

Idem, adicionando 19 g.

2.3.3 Nitrato de sodio

Adicionar 3 g de soluto. Agitar bem. Nao aquecer.

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2.3.4 Tartarato de sodio e potassio tetrahidratado (sal de Rochelle)

Proceder como no aluminato de potassio. Adicionar 9 g de sal.

2.3.5 Ferricianeto de potassio

Aquecer a solucao mas nao a sobressaturar a solucao. Os cristais irao crescer da solucao, amedida que esta for arrefecendo, uma vez que a solubilidade deste sal varia enormementecom a temperatura.

2.3.6 Sucrose

Proceder como no caso do aluminato, adicionando mais umas colheradas de acucar.

2.3.7 Cloreto de sodio

Proceder como no caso do aluminato, adicionando mais 3 g de sal.

2.4 Colocacao da semente na solucao sobressaturada

Estire um capilar de vidro no bico de Bunsen. Cole a semente a uma das extremidadesdo capilar usando uma pequena gota de cola de acrilato. Fazer uma tampa em cartolinapara tapar o copo com a solucao, atraves da qual se suspende o capilar de vidro com asemente, de modo que nao toque no fundo ou bordos do recipiente, para assegurar boascondicoes de crescimento do cristal.

2.5 Crescimento de cristais a partir da semente

Deixar crescer a semente durante uma semana. Vigie o crescimento diariamente, para seassegurar que a semente nao se descolou e caiu no fundo do copo. Nao mexer no copodurante o crescimento do cristal!

2.6 Caracterizacao dos cristais obtidos

Observe cuidadosamente os cristais obtidos quanto a forma, habito cristalino e defeitos(utilizar um microscopio optico). Alguns dos cristais referidos tem propriedades fısicas inte-ressantes: birrefrigencia, dupla refraccao, piezoelectricidade. Obtenha alguma informacaosobre as propriedades do seu cristal.

3 Apendice – Fundamentos de morfologia dos cristais

A morfologia de um cristal, e a descricao da sua aparencia externa. Os termos forma,habito e zona tem um significado especial neste contexto, pelo que vamos comecar porexplica-los.

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Figura 3: Morfologia comum de um cristal de galena (PbS). Em a) mostra-se a disposicaodos dois tipos de atomos (representados por pontos) e em b) a morfologia e descritaindexando as faces do cristal.

Forma A um conjunto de faces equivalentes por simetria da-se o nome de forma. Porexemplo, os cristais da fig. 4 sao constituıdos por duas formas, que sao os conjuntosde faces {100} e {001}. Consoante a sua simetria, os cristalografos atribuiram-lhesnomes caracterısticos. No exemplo em causa, a forma {100} e designada prismatica

hexagonal e a {001} pinacoide.4

Habito Este termo descreve o tamanho relativo das diferentes faces de um cristal. Existemtres tipos basicos de habito: isometrico, tabular e prismatico. Este habitos estaoilustrados na fig. 4.

Zona Uma zona e uma coleccao de faces paralelas a uma direccao comum, designada eixo

da zona. Quando estas faces se interceptam, a aresta de intersepcao tem a direccaodo eixo da zona. Na fig. 3 as faces (001), (101), (100) e (110) pertencem a uma zonae o eixo desta zona e a direccao [010]. De um modo geral os ındices de Miller hkl deum plano que pertence a uma zona de eixo [uvw] obdece a lei das zonas, ou lei deWeiss: hu + kv + lw = 0.

E evidente que cristais de uma mesma substancia podem apresenter distintas morfo-logias. Para compreendermos a razao deste facto, teremos de analizar os mecanismos dasua formacao e crescimento, que se processam em dois passos:

1. Nuleacao. A nucleacao e a juncao de algumas dezenas ou centenas de atomos numarede tridimensional periodica – o nucleo – que ja possui algumas faces, embora estenucleo contenha poucas celulas unitarias.

4Os cristalografos desenvolveram uma lexicografia complexa para descrever as formas dos cristais, in-

cluindo nomes tao estranhos como pinacoide, pediao, disfenoide, etc. Um pinacoide e uma forma de duas

faces paralelas.

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Figura 4: Os tres tipos basicos de habito cristalaino. a) isometrico b) tabular, c)prismatico.

2. Crescimento do nucleo. Como os atomos da solucao estao em contınua agitacaotermica, o nucleo e continuamente bombardeado pelos atomos, ioes ou moleculas.Alguns desses atomos chocam com o nucleo em posicoes favoraveis, correspondentesa mınimos do potencial de interaccao, e ficam presas as faces do nucleo. A maiorparte dos choques nao acerta nas posicoes adequadas, mas por tentativa e erro osatomos do soluto encontram as posicoes certas para o crescimento regular do cristal.Este processo esta ilustrado na fig. 5. Notar que esta figura representa o processoem duas dimensoes, embora o processo de crescimento do cristal seja, naturalmente,tridimensional. O crescimento do cristal a partir do nucleo e caracterizado pelo afas-tamento cada vez maior entre faces homologas, paralelas. A velocidade a que se daeste afastamento e a taxa de crescimento do cristal na direccao perpendicular a essesplanos. Esta velocidade de crescimento e uma propriedade anisotropica (dependedos planos considerados), caracterıstica do cristal num certo solvente a uma dadatemperatura5.

A fig. 6 ilustra alguns dos estagios do crescimento de um cristal de quartzo. O nucleo econstituıdo por dois tipos de faces distintas, e a taxa de crescimento dessas faces e diferente.A consequencia dessa diferenca e que as faces correspondentes a taxa de crescimento maislento se tornam progressivamente maiores, enquanto que aquelas cuja taxa de crescimentoe maior desaparecem gradualmente! Embora esta afirmacao pareca, a primeira vista, con-traintuitiva, convenca-se que e mesmo assim analisando a fig. 7. As taxas de crescimentodas faces sao dependentes da temperatura, pressao, e grau de saturacao da solucao. A

5Esta velocidade tambem depende, por vezes de forma crıtica, da presenca de impurezas na solucao

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Figura 5: Nucleacao e crescimento de um nucleo de um cristal, ilustrado a duas dimensoes.a) nucleo no interior da solucao b) atomos aderem ao nucleo c) crescimento de uma novacamada nas faces do nucleo d) formacao de um cristal de dimensoes macroscopicas poradicao de novas camadas de atomos.

morfologia final do cristal vai depender das taxas de crescimento das faces do nucleo em-briao, sendo as de menor velocidade de crescimento aquelas que serao mais proeminentesno cristal. E de observacao experimental que estas faces proeminentes posssuem ındicesde Miller baixos e, frequentemente, sao aquelas a que corresponde uma menor densidadeplanar de atomos (lei de Bravais-Friedel).

Os tres tipos basicos de habito cristalino sao devidos a velocidades diferentes de cres-cimento das faces prismaticas e pinacoides. A fig. 8 mostra como um mesmo nucleo podeoriginar cristais de formas muito diferentes. O cristal I tem uma aparencia regular, en-quanto os cristais II e III tem uma aparencia distorcida como resultado de influenciasexternas na taxa de crescimento das faces. Apesar de o tamanho das faces dos cristais IIe III nao ser identico, os angulos entre as normais as faces permanece o mesmo. Um des-locamento paralelo de faces homologas nao altera os angulos interfaciais. Esta observacaoe a base da lei de constancia dos angulos: em diferentes especimens de um mesmo cristal,

os angulos entre faces correspondentes e o mesmo. Esta lei, formulada por N. Steno em1669, e uma das leis basicas da cristalografia.

Deve-se fazer notar que o habito cristalino pode ser muito influenciado pelo solvente,grau de sobressaturacao, velocidade de arrefecimento da solucao e mesmo a presenca dequantidades diminutas de impurezas, como e ilustrado na fig. 9.

Ate agora admitimos a existencia de um unico nucleo na solucao, ou de um numeropequeno de nucleos, que podem crescer separadamente. Se sao formados simultaneamentemuitos nucleos, eles podem agregar-se de forma aleatoria resultando num solido sem facese formas cristalinas bem desenvolvidas. A um solido constituıdo por uma mirıada de

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Figura 6: Crescimento de um cristal de quartzo.

Figura 7: Crescimento de um cristal, mostrando os casos em que a) a velocidade de cresci-meno das faces e semelhante b) existe uma grande diferenca na velocidade de crecimentodas faces.

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Figura 8: Apesar de haver uma diferenca nas velocidades de crescimento das diferentesfaces de um cristal, os angulos entre faces correspondentes mantem-se o mesmo.

Figura 9: Curvas de variacao do habito dos cristais de NaCl, formados na presenca dediminutas quantidades de K3Fe(Cn)6, com o grau de sobressaturacao e com a concentracaodesta impureza.

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Figura 10: Desenvolvimento de um policristal ou agregado policristalino. a) Formacao devarios nucleos, que incialmente crescem de forma independente. Colisao entre os variosmicrocristais (cristalites, ou graos cristalinos) originando um agregado de cristais comorientacoes aleatorias. A forma regular dos pequenos cristais individuais nao se manifestana forma exterior do agregado. c) As fronteiras entre os graos cristalinos individuais deum policristal podem ser observados ao microscopio. Nas fronteiras de grao os atomosapresentam alguma irregularidade de empilhamento, aumentando o contraste a luz.

pequenos cristais agregados de forma aleatoria da-se o nome de policristal.Uma situacao distinta, que por vezes ocorre no crescimento de cristais a partir de

solucao, e a formacao de maclas ou geminacoes, que constituem um tipo especial de im-perfeicao estrutural dos cristais. Uma macla corresponde a dois ou mais cristais interpene-trados. Mais precisamente, uma macla e um ediıfico cristalino nao homogeneo, constituıdopor duas ou mais porcoes homogeneas da mesma especie cristalina, justapostas de acordocom uma lei bem definida. Esta lei da macla relaciona por um elemento de simetria cris-talografico (elemento da macla) os cristais justapostos. Os elementos de simetria maiscomuns geradores de maclas sao o centro de inversao (1), a rotacao binaria (2) e o espelho(m).

Quando o elemento da macla e um elemento de simetria da rede do cristal, a macladiz-se meroedrica. Por vezes, o elemento de macla nao e um elemento da rede do cristal,o que acontece quando os parametros da celula unitaria sao proximos dos de uma rede desimetria mais elevada. Por exemplo, durante o crescimento de um cristal ortorrombico deeixos a e b muito proximos pode haver um “engano” que troque os eixos a e b durante ocrescimento do cristal, formando-se dois cristais indivıduais relacionados por uma pseudorotacao de 90 graus, que nao e um elemento de simetria da rede ortorrombica. Neste caso,a macla diz-se pseudo-meroedrica.

A formacao de maclas durante o crescimento de cristais e relativamente comum. Aprimeira descricao de uma macla deve-se a R. de L’Isle (1783), tendo sido objecto de umestudo preciso por R.J. Hauey (1801), a quem se deve uma das primeiras teorias sobrea constituicao dos cristais por empilhamento de unidades comuns, baseada precisamentenas suas observacoes.

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Figura 11: Agrupamentos cristalinos. a) Agrupamento paralelo de cristais: este agru-pamento e estruturalmente homogeno e, portanto, e um cristal unico, embora, em con-sequencia da sua morfologia, aparente ser um agrupamento de cristais distintos. b) Agru-pamento de dois cristais: trata-se de um edifıcio nao homogeneo, constituıdo por duasregioes homogeneas (cristais), justapostas de forma acidental; a estabilidade da juncao in-tergranular e, neste caso, conseguida pela coincidencia parcelar de dois planos reticulares(100) e (110). c) Macla ou geminacao: edifıcio nao homogeno, constituıdo por duas regioeshomogeneas, justapostas de forma simetrica, relativamente a um plano estrutural comum.