Explorando o Ensino Astronomia

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  • COLEO EXPLORANDO O ENSINO

    FRONTEIRA ESPACIAL

    PARTE 1

    VOLUME 11

    ASTRONOMIAENSINOS FUNDAMENTAL E MDIO

  • COLEO EXPLORANDO O ENSINO

    Vol. 1 Matemtica (Publicado em 2004)

    Vol. 2 Matemtica (Publicado em 2004)

    Vol. 3 Matemtica: Ensino Mdio (Publicado em 2004)

    Vol. 4 Qumica

    Vol. 5 Qumica

    Vol. 6 Biologia

    Vol. 7 Fsica

    Vol. 8 Geografia

    Vol. 9 Antrtica

    Vol. 10 O Brasil e o Meio Ambiente Antrtico

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Centro de Informao e Biblioteca em Educao (CIBEC)

    Nogueira, Salvador.

    Astronomia : ensino fundamental e mdio / Salvador Nogueira, Joo Batista Garcia Canalle.

    Braslia : MEC, SEB ; MCT ; AEB, 2009.

    232 p. : il. (Coleo Explorando o ensino ; v. 11)

    ISBN 978-85-7783-015-2

    Na capa: Fronteira Espacial Parte 1

    1. Astronomia. 2. Ensino fundamental. 3. Ensino mdio.

    I. Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Bsica.

    II. Brasil. Ministrio da Cincia e Tecnologia. III. Agncia Espacial Brasileira. IV. Ttulo.

    CDU 52

  • MINISTRIO DA EDUCAO MINISTRIO DA CINCIA E TECNOLOGIA

    SECRETARIA DE EDUCAO BSICA AGNCIA ESPACIAL BRASILEIRA

    BRASLIA

    2009

    ASTRONOMIAENSINOS FUNDAMENTAL E MDIO

  • Secretaria de Educao Bsica

    Diretoria de Polticas de Formao, Materiais Didticos e Tecnologias para Educao Bsica

    Diretoria de Concepes e Orientaes Curriculares para Educao Bsica

    Coordenao-Geral de Materiais Didticos

    Coordenao-Geral de Ensino Mdio

    Agncia Espacial Brasileira

    EQUIPE TCNICAAndra Kluge PereiraCeclia Correia LimaElizngela Carvalho dos SantosJos Ricardo Alberns LimaLucineide Bezerra DantasLunalva da Conceio GomesMaria Marismene Gonzaga

    EQUIPE DE APOIOAndra Cristina de Souza BrandoLeandro Pereira de OliveiraPaulo Roberto Gonalves da Cunha

    COORDENAOIvette Maria Soares RodriguesGestora do Programa AEB Escola da Agncia Espacial Brasileira (AEB)

    AUTORIASalvador Nogueira

    CO-AUTORIA E REVISO TCNICAJoo Batista Garcia Canalle (Uerj)

    COLABORAOAdelino Carlos Ferreira de Souza (Uerj)Carlos Eduardo Quintanilha Vaz de OliveiraCssio Leandro Dal Ri Barbosa (Univap)Luiz Bevilacqua (UFABC)Pmela Marjorie Correia Coelho (Uerj)Rodolpho CaniatoThas Moth Diniz (Observatrio Nacional)

    REVISO GERALAdilson J. A. de Oliveira (Consultor Ad. do MEC)Anglica Di Maio (IG/UFF)Ayrton Lugarinho (SEE/DF)Jos Bezerra Pessoa Filho (IAE/CTA)Ktia Chagas Lucio (Formata)Petrnio Noronha de Souza (Inpe)

    REVISO ORTOGRFICACely CuradoYolanda Ribeiro da Silva Souza (Inpe)

    PROJETO EDITORIALKtia Chagas Lucio (Formata)

    PROJETO GRFICO E DIAGRAMAOSueli Prates (AEB/Programa AEB Escola)

    CAPALeonardo Nemmer (AEB/Programa AEB Escola)

    MINISTRIO DA EDUCAO

    SECRETARIA DE EDUCAO BSICA

    Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500CEP: 70047-900 Braslia DF

    Tel. (61) 2104-8177 / 2104-8010http://www.mec.gov.br

    Tiragem 73.634 exemplares

    MINISTRIO DA CINCIA E TECNOLOGIA

    AGNCIA ESPACIAL BRASILEIRA

    Setor Policial Sul (SPO), Quadra 3, Bloco ACEP: 70610-200 Braslia DF

    Tel. (61) 3411-5024 / 3411-5678http://www.aeb.gov.br

  • SUMRIO

    Parte 1: ASTRONOMIA

    APRESENTAO | 9

    INTRODUO | 17

    CAPTULO 1BEM-VINDOS AO UNIVERSO | 21

    REVOLUO AGRCOLA | 25

    A CAMINhO DO COSMOS GEOCNTRICO | 27

    INTERRUPO CIENTFICA | 32

    ENTRA EM CENA O hELIOCENTRISMO | 34

    A GRANDE SNTESE | 42

    UMA BREVE hISTRIA DO UNIVERSO | 46

    LEITURA COMPLEMENTAR | 55

    ATO DE F OU CONQUISTA DO CONhECIMENTO? | 55

    ATIVIDADES | 62

    O SISTEMA SOLAR NUMA REPRESENTAO TEATRAL | 62

    RELGIO DE SOL | 71

    DESENhANDO ELIPSES DE QUALQUER EXCENTRICIDADE | 78

    COMPARAO ENTRE OS TAMANhOS DOS PLANETAS E DO SOL | 81

  • DESAFIOS | 87

    PARTE I | 87

    PARTE II | 90

    SALA DE PESQUISA | 92

    CAPTULO 2

    APENAS UM LUGAR, DE MUITOS | 97

    CONEXO SOL-TERRA | 100

    CONEXO TERRA-LUA | 109

    A AMEAA QUE VEM DO ESPAO | 115

    UMA COLEO DE PLANETAS | 122

    LEITURAS COMPLEMENTARES | 128

    A QUESTO PLUTO RESOLUO DA UNIO ASTRONMICA

    INTERNACIONAL DE 2006 | 128

    O SISTEMA SOLAR | 131

    ATIVIDADE | 138

    EXPLICANDO ASTRONOMIA BSICA COM UMA BOLA DE ISOPOR | 138

    DESAFIOS | 159

    PARTE I | 159

    PARTE II | 160

    SALA DE PESQUISA | 163

  • CAPTULO 3

    OBSERVADORES NO TERCEIRO PLANETA | 167

    MENSAGENS SIDERAIS | 173

    LUz INVISVEL | 181

    ADAPTAO ATMOSFERA | 184

    LEITURA COMPLEMENTAR | 187

    RECONhECENDO OS PLANETAS E AS ESTRELAS | 187

    ATIVIDADES | 191

    SIMPLIFICANDO A LUNETA COM LENTES DE CULOS | 191

    ESPECTROSCPIO SOLAR | 201

    DESAFIOS | 207

    PARTE I | 207

    PARTE II | 210

    SALA DE PESQUISA | 212

    CONCLUSO | 215

    REFERNCIAS | 219

    APNDICE | 229

    OLIMPADA BRASILEIRA DE ASTRONOMIA E ASTRONUTICA (OBA) | 229

  • 11

    A Secretaria de Educao Bsica (SEB) do Ministrio da Educao (MEC) e a Agncia Espacial Brasileira (AEB/MCT), por meio do Programa AEB Escola, apresentam aos educadores dos Ensinos Fundamental e Mdio mais um volume da Coleo Explorando o Ensino, iniciada com os volumes de matemtica. A presente obra Fronteira Espacial: volume 11 Astronomia e volume 12 Astronutica tem o objetivo de apoiar o trabalho do educador em sala de aula, oferecendo um rico material didtico-pedaggico sobre estas cincias.

    Por sua abrangncia, a temtica A Fronteira Espacial foi divi-dida em dois volumes: Astronomia (volume 11) e Astronutica (volume 12). O volume 11 aborda a tentativa do ser humano em desvendar os mundos que o cerca, enquanto o volume 12 apre-senta a fascinante viagem da nossa espcie a alguns desses mun-dos. Tratam-se, portanto, de obras complementares.

    Os temas desses dois volumes so uma seqncia natural da evoluo da cincia e da tecnologia, por isso fizemos questo de desenvolver ambos em conjunto. Pois, enquanto a astronomia considerada uma das mais antigas das cincias, a Astronutica justamente o oposto, ou seja, uma das mais jovens. Observe que enquanto as naves espaciais viajam com motores desligados elas esto submetidas somente s foras gravitacionais, as quais tambm regem os movimentos dos planetas. Por outro lado, a bordo das na-ves seguem telescpios, cmeras e outros equipamentos que ajudam os astrnomos a conhecerem melhor o universo em que vivemos. Ou seja, estas duas cincias esto evoluindo de mos dadas.

    APRESENTAO

  • 12

    Nos primrdios da civilizao o ser humano se encantava com a beleza do cu estrelado, a passagem dos cometas ou com as cons-tantes estrelas cadentes. Mais recentemente j sabemos que ad-miravam a Lua e o Sol, os quais consideravam deuses e que suas vidas dependiam deles. Assombravam-se com os eventos extraordinrios, tais como eclipses, auroras, e com os fenme-nos atmosfricos, os quais esto na origem de inmeros mitos, religies e filosofias antigas.

    Porm, com o passar do tempo comearam a perceber que ha-via uma regularidade enorme nos cus e que o que acontecia no cu afetava o que ocorria no seu meio ambiente. Perceberam a existncia de algumas estrelas errantes (os planetas). Faziam festas para comemorar o solstcio de inverno, quando ento o Sol parava de passar cada vez mais baixo no cu e voltava a subir, aquecendo seus dias, o que era fundamental para sua sobrevivncia. Esta festa do solstcio foi modificada ao longo do tempo e hoje a chamamos de natal. No seria possvel num nico livro contar todas as lendas e mitos de todos os povos, inclusive dos nossos indgenas, que tambm sabiam ler o cu, e nem este nosso objetivo principal aqui.

    Em sua racionalidade e curiosidade, a humanidade busca com-preender e explicar o que acontece no cu. Muitos pensadores propuseram explicaes, erradas ou certas, pois assim que evo-lui a cincia e o conhecimento humano.

    O estudo da astronomia sempre um comeo para retornarmos ao caminho da explorao. E por meio da educao, do contnuo exer-ccio da reflexo e da curiosidade, natural nos jovens e crianas, que podemos compreender e interagir com essa realidade que nos cerca e adquirir os instrumentos para transform-la para melhor.

    A presente obra busca, justamente, colocar nas mos do professor um instrumento para acompanh-lo em sua misso de construir a sociedade por meio do conhecimento, iniciando pela hist-ria da astronomia e daqueles que deixaram sua marca para a civilizao. O livro aborda de maneira simples e didtica,

  • 13

    mas sem concesses quanto ao rigor matemtico e cientfico, o Sistema Solar, seus planetas e as estrelas, apresentando uma imensa riqueza de ilustraes e informaes detalhadas, exer-ccios e introduo a clculos astronmicos que se valem dos conhecimentos de matemtica, fsica e geometria geralmente includos nos currculos escolares.

    Dignas de nota so as atividades propostas, fruto da longa ex-perincia dos autores no ensino da astronomia, que propem, com materiais de fcil aquisio e montagens simples e robus-tas, atividades prticas superinteressantes. Trata-se de um ver-dadeiro arsenal de experincias que, certamente, traro imensa satisfao aos professores e alunos que as colocarem em pr-tica. Talvez seja neste ponto que este livro se diferencie dos demais j publicados sobre astronomia. Ele no foi escrito para especialistas e sim para auxiliar os professores dos ensinos fun-damental e mdio em suas atividades de ensino. Como sabe-mos que o ensino se torna mais prazeroso quando feito com o auxlio de atividades prticas e desafios, fizemos questo de oferecer esses componentes no livro.

    No final do captulo um, por exemplo, h uma proposta para se representar o Sistema Solar em movimento, com a ajuda dos alu-nos, os quais representariam os planetas, cometas e at mesmo o Sol que gira sobre si e leva todo o sistema solar consigo. Alm disso, em cada atividade prtica expomos quais so seus objeti-vos e damos sugestes de problematizao para o professor.

    Sabendo das dificuldades que qualquer pessoa tem para visuali-zar as enormes distncias entre os planetas e o Sol, apresentado um modo bem simples de representar, ao longo de uma tira de pa-pel, as distncias dos planetas ao Sol, utilizando-se uma escala.

    Com o mesmo intuito, h outra proposta de atividade para se re-presentar os tamanhos dos planetas comparados ao Sol, simples-mente amassando-se papel alumnio (ou similar) para fazer bolas representando os planetas e com um enorme balo representamos o Sol na mesma escala dos planetas. espantoso o efeito que esta

  • 14

    atividade exerce sobre quem a observa, pois, mesmo sabendo-se os nmeros que definem estas propores, no se imagina o quan-to o Sol to grande, se comparado aos planetas. Mostraremos, tambm, fotos fantsticas comparando os volumes dos planetas; estas, porm, no impressionam tanto quanto ao vivo.

    Outra atividade proposta a construo de um simples relgio de Sol utilizando-se papelo e palito de dente. Claro que para ele

    funcionar preciso estar sob o Sol, mas orientado ao longo da direo norte-sul, e para tanto tambm ensinado como se deter-mina esta direo corretamente. Ainda no captulo um proposto que se desenhem as elipses referente s rbitas dos planetas com o correto achatamento, pois em geral se pensa que as rbitas dos planetas so bastante ovaladas, e na verdade no so.

    Na sesso Leituras complementares do captulo dois, so apre-sentadas as razes pelas quais os astrnomos reclassificaram Plu-to como um planeta ano. Neste captulo, h uma atividade pr-tica, em que so apresentadas vrias demonstraes que podem ser feitas utilizando-se apenas uma bola de isopor, para melhor

    compreender fenmenos bsicos como dia e noite, eclipses, esta-es do ano e fases da Lua.

    Uma atividade bastante interessante, apresentada no captulo trs, a construo de uma luneta com uma simples lente de culos e canos de PVC, ao mesmo tempo em que se experien-cia os conceitos de reflexo e refrao de imagens. Tendo sua

    prpria luneta, o professor e seus alunos podero observar as crateras da Lua. Como toda atividade experimental, esta tam-bm requer cuidados, pois no se pode observar o Sol, sob o risco de cegar a pessoa.

    Enfim, muito cuidado foi tomado com a qualidade do texto e

    do registro de linguagem utilizado, com a transposio didtica

    dos contedos tcnicos e com os tpicos para aprofundamento, separados em caixas de texto para facilitar o fluxo da leitura e

    das idias principais.

  • 15

    Espera-se que tal esforo possa render frutos expressivos nas mos do professor que se dedica ao conhecimento e sua transmisso s geraes que nos sucedero rumo s fronteiras do espao.

    A equipe do AEB Escola e todos aqueles que contriburam para a consecuo deste livro desejam a voc e aos seus alunos uma boa viagem.

    Para facilitar sua viagem, o volume est dividido em trs captu-los, enriquecidos com imagens, ilustraes e recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradvel. Alm da seo te-mtica oferecido um conjunto de outras sesses que procuram favorecer a interao, bem como de facilitar e tornar dinmicas a leitura e a busca de informaes. A seguir, apresentamos uma breve descrio da sistemtica utilizada:

    Estrutura de cada captulo

    1a Seo Temtica

    o corpo do captulo, que aborda o tema descrito no seu ttulo. Ao longo da seo, o/a leitor/a encontrar elementos interativos e informativos adicionais, incluindo:

    Box Saiba mais explica ou complementa o que o autor est desenvolvendo. Alguns so elaborados pelo prprio autor da seo e outros por especialistas e cola-

    boradores da Agncia Espacial Brasileira (AEB).

    Glossrio palavras ou expresses menos usuais, ou mais complexas, so marcadas no texto com cor diferente e seu significado est expresso na margem

    lateral do texto.

    Caixa de destaque box pequeno, com cone, inserido ao longo do texto, de leitura rpida, que representa um reforo ou uma complementao ao texto principal.

  • 16

    Biografias informaes sobre a vida de alguns nomes importantes citados pelo autor. Esto dispostas na margem lateral do texto.

    2a Seo Leituras complementares

    Traz textos de autores diversos que ampliam a abordagem desenvolvida na seo temtica. Nesta seo, tambm so utilizados os recursos didticos

    apresentados na seo anterior.

    3a Seo Atividades

    Apresenta sugestes de atividades relacionadas temtica explorada no captulo, as quais j foram realizadas e validadas em sala de aula e em

    cursos do Programa AEB Escola. Inserida ao final de cada captulo.

    4a Seo Desafios

    Traz desafios elaborados por especialistas particularmente para o volume e outros, selecionados das vrias verses da Olimpada Brasileira de As-

    tronomia e Astronutica (OBA). A idia desta seo divulgar uma estratgia didtica que apia a aprendizagem e estimula os alunos. Apenas alguns desafios tm respostas, de modo que o professor e seus alunos devem procurar resolver os desafios por si s. A equipe do Programa AEB Escola e o stio da OBA sero seus aliados para essa busca. Caso no consiga resolver, faa contato com a AEB.

    5a Seo Sala de pesquisa

    Apresenta sugestes de referncias, stios, filmes e outros elementos para aprofundamento ou ilustrao da temtica tratada no captulo.

    Referncias

    Ao final do volume, o leitor conta ainda com uma lista de referncias consultadas ou utilizadas pelo autor da seo temtica e colaboradores.

    Apndice

    Olimpada Brasileira de Astronomia e Astronutica (OBA) Apresenta informaes sobre como a OBA funciona e como as escolas podem dela participar.

  • 17

    Disciplinas que podem ser trabalhadas na escola com o apoio do volume Astronomia:

    Captulo Seo reaS predominanteS

    Captulo 1 temtiCaBem-vindos ao Universo Geografia, fsica, histria, cincias

    leitura ComplementarAto de f ou conquista do conhe-cimento?

    tica, didtica, geografia, matemtica, fsica, histria, cincias

    atividadeSO Sistema solar numa representa-o teatral

    Geografia, fsica, histria, artes, mate-mtica, cincias

    Relgio de Sol Geografia, fsica, histria, artes, mate-mtica, cincias

    Desenhando elpses de qualquer excentricidade

    Geografia, fsica, artes, matemtica, ci-ncias

    Comparao entre os tamanhos dos planetas e do Sol

    Geografia, fsica, histria, artes, mate-mtica, cincias

    deSafioS Geografia, fsica, matemtica, cincias

    Captulo 2 temtiCaApenas um lugar, de muitos Geografia, fsica, histria, matemtica,

    cincias

    leituraS ComplementareSA questo Pluto Resoluo da Unio Astronmica Internacional de 2006

    Geografia, fsica, histria, matemtica, cincias

    O Sistema Solar Geografia, fsica, histria, matemtica, cincias, qumica

    atividadeExplicando astronomia bsica com uma bola de isopor

    Geografia, fsica, histria, artes, mate-mtica, cincias, qumica

    deSafioS Geografia, fsica, histria, matemtica, cincias, qumica

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    Captulo Seo reaS predominanteS

    Captulo 3 temtiCaObservadores no terceiro planeta Geografia, fsica, histria, artes, mate-

    mtica, cincias

    leitura ComplementarReconhecendo os planetas e as es-trelas

    Geografia, fsica, histria, matemtica, cincias

    atividadeSSimplificando a luneta com lente de culos

    Geografia, fsica, histria, artes, mate-mtica, cincias

    Espectroscpio solar Geografia, fsica, histria, artes, mate-mtica, cincias

    deSafioS Geografia, fsica, histria, artes, mate-mtica, cincias

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    O estudo dos astros ou seja, a astronomia foi a atividade que abriu as portas do mundo da cincia para os seres humanos. No firmamento, os primeiros homens e mulheres, ainda na pr-histria, perceberam a existncia de mecanismos e ciclos especficos que se refletiam em suas atividades terrenas e eram marcados pela posio das estrelas.

    O Sol, a cada dia, criava a diviso entre o dia e a noite. A Lua, a cada volta dada ao redor da Terra, marcava o perodo conhecido como ms. A posio de determinados agrupamentos de estrelas ao longo do tempo parecia indicar os melhores perodos para plantio e colheita pistas fundamentais para a sobrevivncia dos primeiros agricultores, dezenas de milhares de anos atrs. Finalmente, alguns astros pareciam no seguir o mesmo movimento dos demais, surgindo em variadas posies a cada momento s vezes at pareciam caminhar para trs durante algumas noites, para depois seguir sua trajetria normal.

    O cu era e bem movimentado, mas, ainda assim, inspirava uma certa noo de ordem, de mecanicismo. No toa que deu luz a percepo de que o mundo podia evoluir a partir de certas regras pr-determinadas leis da natureza, por assim dizer. Partindo dessa premissa, os antigos puderam travar seu primeiro contato com a noo de cincia. Ainda que de maneira primitiva, esse processo exigia a combinao de observao e criao de hipteses, fornecen-do as bases para o desenvolvimento cientfico moderno (a despeito dos percalos contra essa forma de interpretar o mundo durante todo o caminho desde a Idade Antiga).

    Ao se colocar na base da cincia, a astronomia fez sentir sua influncia em praticamente todos os ramos do conhecimento

    INTRODUO

  • 20

    cientfico. Mas, com a crescente repartio do saber em gavetas es-tanques (como, por exemplo, as disciplinas lecionadas separadamente em todas as escolas), as noes astronmicas tambm foram diludas, e sua importncia aparente no ensino decresceu de forma extremada.

    No difcil perceber os efeitos desse processo. Basta notar que as noes bsicas sobre o Sistema Solar so dadas nas aulas de geografia, as leis de movimentos dos planetas esto no curso de fsica, o andamento da corrida espacial no sculo 20 est na dis-ciplina de histria, e as descobertas mais sofisticadas sobre a ori-gem do universo, pasme, no esto em lugar algum.

    Com essa diluio, no s perde o ensino da astronomia, mas tam-bm o prprio professor, que se v sem uma poderosa ferramenta de ensino. Uma das coisas que desmotivam os alunos o fato de que a eles so transferidas indiscriminadamente imensas doses de conhecimentos, mas pouco se fala sobre o porqu de tudo aquilo. O que levou uma considervel parcela das pessoas mais inteligen-tes do mundo em todos os tempos a desenvolver todas aquelas idias, hoje transmitidas de forma pouco atraente em sala de aula? Quais as motivaes? Para que serve isso?, uma pergunta que pode aparecer com freqncia entre os alunos.

    Em muitos casos, aquele saber foi produzido na busca ancestral da humanidade de entender sua posio no universo, o velho cli-ch de onde viemos e para onde vamos. A despeito de ser uma frase batida, inegvel que nela est embutida uma das princi-pais caractersticas humanas a inabalvel curiosidade.

    Quando um professor fala de espao com seus alunos, ele est evocando esse tipo de curiosidade inata. Ao mencionar novos mundos e a busca por vida extraterrestre, ele desperta todo tipo de interesse romntico associado pesquisa espacial. o mesmo sentimento que impulsionou o ser humano para a cincia, em um primeiro momento. Ou seja, uma excelente maneira de fisgar os/as alunos/as a se interessarem pelos avanos cientficos pr-requisito indispensvel para o desenvolvimento da cidadania nos dias de hoje e, mais que isso, motiv-los aos estudos.

  • 21

    O principal objetivo deste volume apresentar idias que possam ser usadas por professores em suas aulas seja qual for a disci-plina com o objetivo de resgatar esse interesse perdido com a agressiva compartimentalizao da cincia. A inspirao e a base deste trabalho est calcada no Programa AEB Escola, da Agncia Espacial Brasileira (AEB), que almeja conscientizar os jovens da importncia crescente e do carter indispensvel das atividades espaciais, enquanto fornece aos professores meios de fomentar o interesse de seus alunos pela cincia e pela tecnologia.

    Aqui, falaremos de como evoluiu o pensamento astronmico, cos-molgico e espacial ao longo do tempo. Tambm traremos, com artigos de especialistas, maneiras de tratar esses assuntos em sala de aula com atividades interativas, elaboradas com criatividade l Professor Pardal, o que implica, necessariamente, praticidade e baixo custo outro ponto nevrlgico da educao no Brasil.

    Uma noo muito comum entre professores a de que falar de astro-nomia acaba sendo complexo demais dispendioso demais para os potenciais benefcios. Uma das idias que motivaram a redao deste livro a de que essa complexidade , em primeiro lugar, em grande parte lendria; em segundo lugar, administrvel, e, em ter-ceiro, desejvel, no sentido de estimular os alunos a desenvolverem raciocnios mais amplos e relacionarem idias mais distantes, que em um primeiro momento, parecem no ter ligao.

    Os contedos aqui apresentados no esgotaro o assunto, mas serviro como ponto de partida para que se possa retomar essa velha e salutar tradio humana, infelizmente caindo em desu-so, de falar, refletir, especular e estudar o que acontece no cu. Introduzir noes do que acontece no espao permite que os/as alunos/as, de forma metafrica, recuperem todo o processo de conhecimento do mundo pelo qual passou o ser humano ao longo dos tempos. Eles entendero de onde veio a nossa sede cientfica e, acima de tudo, estaro sendo preparados para a iminente as-censo da humanidade como civilizao planetria.

    Vamos?

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  • 23

    BEM-VINDOS AO UNIVERSOSalvador Nogueira

    Deixando de lado as frases feitas, realmente difcil saber o que diferencia o ser humano dos outros animais. Fala-se de inteli-gncia, mas os etlogos hoje sabem muito bem que esse con-ceito, alm de ser de difcil definio, pode ser percebido de di-ferentes maneiras em inmeras espcies animais. Podemos at estar no topo da escala, mas, definitivamente, inteligncia no exclusividade do ser humano.

    Outro item corriqueiramente utilizado para fazer essa diferencia-o a autopercepo, que nada mais do que a capacidade de saber quem voc , no contexto do mundo, e ter a conscincia de que voc voc. Gatos, como fcil de constatar, tm difi-culdades com isso. Ao se olharem no espelho, eles pensam estar vendo outro gato, e no seu prprio reflexo. J os elefantes pos-suem uma autopercepo mais aguda, e o truque do espelho no os engana. Chimpanzs tambm no tm problemas com isso, e golfinhos parecem at dar nomes a cada indivduo o que prova-velmente se qualifica como uma prova contundente de que eles se reconhecem cada um como uma pessoa. Alm disso, essa atitude demonstra que a capacidade de comunicao outra palavra que, invariavelmente, aparece na lista das candidatas a diferencial do Homo sapiens no exclusividade humana.

    Para o britnico Lewis Wolpert (1929-), bilogo do University College de Londres, a principal diferena, a verdadeira fronteira que separa o ser humano de seus colegas menos intelectualizados do reino animal, a noo de causa e efeito. Para ele, o ser humano a nica espcie da Terra capaz de entender que certas coisas podem

    Etlogo: cientista que estuda o com-

    portamento ani-mal.

  • 24

    provocar outras. Mas essa uma posio extremamente discutvel. Muitos etlogos, entre eles Jonathan Balcombe, grande defensor dos direitos dos animais e membro do Physicians Committee for Responsible Medicine [Comit Clnico para Medicina Responsvel], em Washington, nos Estados Unidos, argumentam que h, sim, entre os bichos essa percepo de causa e efeito. Um co domesticado, por exemplo, com o tempo capaz de prever que, se tiver um comportamento que no aceito ou esperado, fi car trancado de castigo e sozinho.

    verdade que esse o tipo de padro passvel de ser obtido pelo mero condicionamento, sem que o animal saiba algo sobre causas e efeitos. Mas, Balcombe lembra que existem compor-tamentos muito mais sofi sticados, que s no podem confi rmar defi nitivamente essa percepo abstrata avanada em outros ani-mais porque somos incapazes de entrar em suas cabeas e saber o que de fato eles esto pensando.

    provvel que, no fi m das contas, os humanos no tenham de fato nada que os outros animais tambm no tenham. Com me-nos arrogncia e mais realismo, a diferena pode estar na quanti-dade desses fatores autopercepo, inteligncia, comunicao, abstrao em vez de na qualidade.

    Ainda assim, Wolpert toca num ponto crucial dessa constelao de fatores. Pois a noo de que o mundo composto de causas e efeitos foi o passaporte da huma-nidade para a cincia.

    Defi nitivamente, ainda que o ser humano no tenha nenhuma caracterstica que outros animais no tenham, em maior ou menor grau, a atitude de fazer cincia algo prprio e exclu-sivo do ser humano.

    Pensando nesse contexto, no difcil perceber como essa so-fi sticada capacidade de estabelecer hipteses de causa e efeito

    A cincia a prtica que pode ser resumida como a tentativa de desvendar e confirmar por observao os mecanismos que regem a natureza.

  • 25

    levou ao incio das especulaes cientfi cas, estimuladas pela observao sistemtica do cu.

    A astronomia, como fi cou conhecida posteriormente, a mais antiga das cincias e, ao contrrio do que hoje se pode pensar dela, seu surgimento e sofi sticao foram derivados no s da fascinao natural que o fi rmamento exerce sobre qualquer um numa noite estrelada, mas sobretudo, das necessidades prticas humanas quando da poca de seu surgimento.

    Contando dias, semanas, meses e anos

    A utilidade mais bvia da observao do cu a marcao do tempo. No difcil notar que, quando o Sol est no cu, o fi rma-mento se torna azul claro, e o ambiente fi ca iluminado. Foi essa condio que permitiu a locomoo, a caa, a coleta e todas as atividades importantes ao ser humano primitivo, vivendo com difi culdades na frica h centenas de milhares de anos. Esmiu-ando essas observaes, os antigos notaram que, ao longo do tempo, o chamado astro rei parecia fazer uma travessia pelo cu (surgindo na regio leste e se pondo para os lados do oeste), e quando ele sumia, em seguida, caa a noite.

    A no ser que houvesse nuvens encobrindo a viso, o cu azul claro era trocado por: escurido, salpicada de um grande nmero de centelhas de luzes cintilan-tes. Elas tambm pareciam fazer uma travessia pelo fi rmamento ao longo da noite, at que o Sol retornasse e mais uma vez produzisse o claro do dia.

    A contagem do tempo em termos desse ciclo a mais elementar surge a noo de um dia, perodo de 24 horas, durante o qual, pela perspectiva daqueles homens e mulheres da pr-histria, o Sol voltava sua posio original depois de atravessar o cu e se es-conder sob o cho. (Leia, na seo de atividades, as orientaes

    Cerca de 2.700 dessas luzes cintilantes so visveis a olho nu numa localizao com boa visibilidade, e se contarmos todas as estrelas visveis em ambos os hemisfrios, Norte e Sul, podemos chegar a 7.000.

    Astronomia: a cincia que estuda os

    corpos celestes. Seus ramos mais importan-

    tes so a astrometria, que visa determinao da posio e do movi-mento dos astros; a mecnica celeste, es-tudo do movimento dos corpos celestes e determinao de suas rbitas; a astro-nomia estelar, estudo da composio e do tamanho de sistemas estelares; a astrofsica, estudo das proprieda-des fsicas dos corpos celestes; e a radioas-tronomia, que inves-tiga o Universo por

    meio das ondas de rdio.

  • 26

    para construir, com facilidade, um relgio de Sol e saber as horas com base na posio do astro no cu.)

    A Lua, por sua vez, marcava um ritmo prprio, diferente do solar. Comparando sua posio noite aps noite, os primeiros humanos notaram que ela demorava cerca de 30 dias at voltar mesma posio. Esse ciclo produziu outra noo de tempo, diferente da-quela proporcionada pelo Sol, compreendida por perodos que viriam a ser conhecidos como meses.

    O aspecto lunar tinha ainda outra peculiaridade: parecia diferente a cada dia. Ora estava com seu brilho mximo, como um disco comple-to, ora era apenas parcialmente visvel, ou simplesmente desaparecia. As fases da Lua quarto crescente, cheia, quarto minguante e nova forneciam outra forma de marcao do tempo. Coincidentemente, o perodo aproximado entre uma fase e outra era de sete dias.

    Esse era o mesmo nmero de astros visveis no cu (diurno e noturno) que pareciam mudar de posio constantemente, se comparados ao fundo das estrelas fi xas. A du-pla coincidncia, o perodo entre duas fases e o nmero de planetas,

    foi usada para criar outra unidade de marcao do tempo, a semana.

    Finalmente, observaes atentas revelariam que as estrelas fi xas em seu movimento aparente giram ao redor da Terra um pouqui-nho mais rpido que o Sol a cada dia, elas nascem exatamente quatro minutos mais cedo. Ento, se num dia uma dada estrela aparece no horizonte leste exatamente meia-noite, no dia se-guinte ela aparecer na mesma posio s 23h56, dois dias depois s 23h52, e assim por diante. Moral da histria: levam-se apro-ximadamente 365 dias e seis horas para que uma estrela volte a nascer exatamente na mesma hora. Surge a o padro do ano.

    Perceber esses diferentes ciclos ditados pelos movimentos ce-lestes tornou-se extremamente til quando os humanos primi-tivos comearam a notar que os diferentes acontecimentos

    Por conta dessa caractersti-ca, esses andarilhos celestes Lua, Mercrio, Vnus, Sol, Marte, Jpiter e Saturno ga-nharam dos gregos o nome de planetas, palavra que quer dizer astros errantes.

  • 27

    no firmamento correspondiam s situaes vivenciadas no cho. Para os caadores e coletores essa podia ser uma percepo um pouco mais sutil, mas ainda assim muito clara: ao longo do ciclo conhecido por ns como ano, as plantas iam de secas a floridas, o clima ia de mais frio a mais quente, e assim por diante.

    REVOLUO AGRCOLA

    Entretanto, com o surgimento da agri-cultura, h aproximadamente 13 mil anos, que a observao do cu ganha um valor prtico imensurvel. Unindo a sofisticada noo humana de causa e efeito s estaes do ano, a prtica do plantio e da colheita ganha um instru-mental extremamente til.

    Hesodo nos conta em sua obra Os trabalhos e os dias como a coisa funcionava:

    Ao despertar das Pliades, filhas de Atlas, dai incio colheita, e ao seu recolher, semeadura.Ordenai a vossos escravos que pisem, em crculos, o trigo sagrado de Demter, to logo surja a fora de rion, em local arejado e eira redonda.Quando rion e Srius alcanarem o meio do cu, e que a Aurora dos dedos de rosa conseguir enxergar Arcturo, ento, Perseu, colhe e leva para casa todos os cachos das uvas. (SIMAAN e FONTAINE, 2003. p.9).

    Pliades, rion, Srius, Arcturo, so todas estrelas ou constelaes celestes. Nesse tre-cho nota-se com grande facilidade a influ-ncia que os estudos dos cus tinham nas atividades humanas mais fundamentais, a partir do surgimento da agricultura. Foi gra-as s tcnicas cada vez mais sofisticadas

    Figura 1.1. Busto localiza-do no Museu Arqueolgico Nacional de Npoles uma possvel representao do poeta hesodo.

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    Hesodo o mais antigo poeta grego de que se tem notcia com alguma certeza. Viveu por volta do sculo 7 a.C.

    Figura 1.2. As Pliades.

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  • 28

    de plantio portanto, graas agricultura que a civilizao pde florescer e saltar do estgio da caa e coleta que marcou a humanidade antes da chamada revoluo neoltica, ocorrida h cerca de 10 mil anos.

    Claro, com poucos conhecimentos muito difcil distinguir correlaes de causas e efeitos. Para os antigos, o momento em que as estrelas nasciam ou se punham no indicava apenas a poca em que dados fenmenos aconteciam. Mais que isso, eles acreditavam que as prprias estrelas, naquela posio,

    provocavam essas ocorrncias. No toa que os cus, com sua aparncia misteriosa e sua (ento) clara capacidade de interferir em acontecimentos terrenos, ganhariam um status divino.

    Vnus, a deusa do amor; Mercrio, o mensageiro;

    Marte, o deus da guerra; Jpiter, o deus dos deuses;

    Saturno, o av dos deuses, pai de Jpiter.

    Os primeiros grandes astrnomos vieram da Mesopotmia, re-gio entre os rios Tigre e Eufrates onde hoje est o Iraque, e sua influncia se fez sentir no mundo ocidental por meio da influn-cia que transmitiram aos gregos.

    At onde se sabe, foram os babilnios, um dos povos que ha-bitavam aquela regio, que passaram a atribuir a cada um dos planetas o nome de um deus de sua religio politesta. Vnus era Ishtar; Jpiter era Marduk; e assim por diante. Ao chegar ao mundo helnico, houve uma adaptao dessa tradio, e os deuses babilnios foram trocados por seus equivalentes gregos. No final, o nome que permaneceu foi o dos romanos: Vnus, Mercrio, Marte, Jpiter e Saturno.

    Foi tambm graas tradio grega que o firmamento perdeu um pouco de seu carter divino, e alguns pensadores decidiram dedi-car-se tarefa de decifrar o que significavam todos aqueles mo-vimentos buscar relaes de causa e efeito mais sofisticadas do que as implicadas por um ambiente celeste misturado ao divino,

    Figura 1.3. A estrela Srius, vista pelo Telescpio Espacial hubble.

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    Revoluo ne-oltica: termo de-signado para descrever a transio de certos

    grupos humanos de caadores e cole-

    tores a agricultores durante a pr-histria

    humana.

  • 29

    com aes de deuses caricatos produzindo tudo que se observava na Terra. Neste momento, sim, nascia a astronomia para valer.

    A CAMINhO DO COSMOS GEOCNTRICO

    A influncia dos mesopotmicos e egpcios no conhecimento astro-nmico da Grcia Antiga foi notvel. As constelaes, por exemplo, vieram de l. O primeiro a sistematizar essa organizao das chama-das estrelas fixas em agrupamentos reconhecveis foi Eudxio de Cnido (408 a.C.-347 a.C.). Embora a primeira referncia conhecida deles remeta ao trabalho desse grego, fica claro que o conhecimento no era originrio dele, mas sim de estudiosos da Mesopotmia que, no final das contas, no foram os nicos a ter essa idia. Assim como eles, todos os povos de uma forma ou de outra, cada um a seu prprio tempo, agruparam as estrelas e a elas associaram objetos, deuses, mitos, seres etc., inclusive os ndios brasileiros.

    Essa, no entanto, era apenas mais uma ao de categorizao, sem qualquer pretenso de fornecer explicaes de como o mundo es-tava organizado. O modo de pensar mesopotmico no permitia avanar muito mais, mas a Grcia, com seus grandes filsofos e uma liberdade maior de pensamento e religio, proporcionaria uma reflexo mais sofisticada dos fenmenos celestes. A come-ar pela definio da forma da Terra.

    Ao contrrio do que se costuma pensar, desde muito cedo os pensadores desconfiaram de que o mundo no fosse plano, achatado. Numa civilizao de navegantes, como a grega, no era rara a oportunidade de observar um navio se afastando no horizonte. Essa simples observao j indicava que a Terra, a grandes distncias, possua uma curvatura conforme a em-barcao se afastava, primeiro a parte inferior do navio desa-parecia do horizonte, e a ltima coisa a sumir era o mastro, no topo, como se a embarcao estivesse descendo; na verdade, acompanhava a curvatura terrestre.

    Constelaes: aparentes agrupa-

    mentos reconhe-cveis de estrelas fixas.

  • 30

    O primeiro a formalizar esse pensamento foi Anaximandro, no s-culo 6 a.C. Partindo dessa observao elementar, ele concluiu que a Terra na verdade era... um cilindro! Somente mais tarde, com a popularizao da noo grega clssica de que a esfera a forma geomtrica mais perfeita (em grande parte proporcionada pela atri-buio de Pitgoras ao valor da matemtica como significado real do mundo), a Terra seria considerada uma esfera pensamento que predominou desde ento, ao menos entre os mais estudados.

    Foi com Eudxio que esse tratamento esfrico acabou esten-dido a todo o cosmos. Ele organizou o Universo com a Terra no centro, esfrica e imvel, envolta por diversas outras esferas que explicavam o movimento das estrelas fixas, j mencionado,

    Eratstenes determina o raio da TerraJoo Batista Garcia Canalle (Uerj).

    Eratstenes foi um sbio grego nascido em Cirene em 276 a.C. e falecido em Alexandria cerca de 193 a.C. Ele se dedicou a vrias reas do conhecimento: geo-grafia, matemtica, geometria, filosofia, poesia etc. Entre seus maiores feitos est a determinao do raio da Terra.

    Com base em observaes, Eratstenes sabia que em Siene (S), num certo dia do ano, o Sol ficava a pino (no znite) e que no mesmo dia, em Alexandria (A), (a oitocentos mil metros de Siene) o Sol ficava a 7 (sete graus do znite. Veja figura); logo, temos

    a seguinte regra de 3:

    2p RT o comprimento do crculo.

    Comprimento do crculo:

    ou RT = 6.548 kmEsse valor que ele encontrou no exato, mas muito prximo do valor moderno. Hoje, sabe-se que a Terra tem raio de 6.378 km.

    2p RT = 360

    800.000 7

    \ 2p RT 7 = 800.000 x 360 \ RT = 800.000 x 360 = 6.548.000 m

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  • 31

    e dos sete planetas (na concepo geocn-trica do mundo, esse termo inclua tambm o Sol e a Lua), que se posicionavam, a cada dia, ligeiramente diferentes em relao s estrelas e algumas vezes pareciam fazer zi-guezagues difceis de explicar.

    Uma esfera, claro, no bastava para escla-recer todos os movimentos planetrios, de modo que Eudxio teve que atribuir quatro esferas para o Sol, quatro para a Lua, e trs para os demais planetas conhecidos (Mercrio, Vnus, Marte, Jpiter e Saturno), mais uma para as es-trelas fixas a ltima camada do cosmos, visto ento como finito. No total, 27 esferas participavam do esquema.

    Mas esse modelo jamais foi capaz de explicar satisfatoriamente to-das as observaes astronmicas. Concluso natural, portanto, que ele tenha sido gradativamente aperfeioado, com a incluso de no-vas esferas, ainda que mantido sobre suas premissas iniciais. Nesse sentido, destacou-se o trabalho de Aristteles (384 a.C.-322 a.C.),

    filsofo grego que comeou como discpulo de Plato, mas logo passou a rivalizar com o antigo mestre.

    Plato (427 a.C.-347 a.C.) acre-ditava que todas as observa-es nossa volta eram me-ras sombras, e que a Verdade, com v maisculo, escon-dia-se num outro plano, o chamado mundo das idias. Essa realidade, para ele, era acessvel apenas pela razo.

    Aristteles, em contrapartida, acreditava que as observaes,

    Figura 1.4. Um ziguezague planetrio: trajetria de Marte entre maio de 1956 e janeiro de 1957.

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    Aristteles, filsofo grego, nasceu em 384 a.C. em Estagira, Macednia, e morreu em Clcis, em 322 a.C. Desenvolveu quase todos os ramos de conhecimentos exis-tentes no seu tempo, criou os fundamentos da lgica, da crtica literria e da meteo-rologia. Sistematizou a astronomia, adotando e desenvolvendo a teoria das esferas con-cntricas de Eudxio.

    Figura 1.5. Plato (esq.) e Aristteles, imaginados em quadro de Raffaello Sanzio, de 1509.

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    combinadas razo, produziriam uma viso satisfatria da realidade fsica. Assim interpretado, seu pensamento iniciou o binmio hip-tese-observao que serviria de alicerce para a cincia moderna.

    No entanto, ao ser o iniciador de tal movimento, Aristteles ainda faria muitas suposies equivocadas sobre a natureza do mundo.

    O modelo aristotlico

    Ao construir sua prpria viso do cosmos, Aristteles adotou o mo-delo de Eudxio, que pode ser, grosso modo, descrito como uma cebola, com diversas camadas concntricas. Mas Aristteles fez seus prprios aperfeioamentos ao modelo, tentando ampliar seu poder preditivo o que acarretou o aumento do nmero total de esferas para 56. Havia at esferas sem nenhum astro nelas, chama-das de anastros. E a interpretao aristotlica tambm tornava a idia da cebola mais literal; agora as esferas que comandavam o movimento dos astros no eram apenas um artifcio matemtico, mas algo real, palpvel, que ele chamou de orbes.

    Mas o mais interessante de todo o trabalho de Aristteles o fato de que ele no se contentou em criar um modelo capaz de expli-car as observaes. E ousou formular hipteses sobre o porqu de as coisas serem como so. No seria exagero dizer que, ao tentar explicar o Universo inteiro, o grego deu um pontap inicial em diversas cincias, como a qumica, a fsica e, claro, a cosmologia.

    Para Aristteles, todas as coisas existentes no mundo so compostas por quatro elementos: gua, terra, fogo e ar. Cada um desses elemen-tos possua o que ele chamou de lugar natural. Assim, terra e gua tinham seu lugar natural no centro da Terra se deixados a seu pr-prio comando, para l que eles rumariam. J fogo e ar teriam a ten-dncia oposta. Por isso, diz o filsofo grego: a chama de uma vela parece ir para cima, assim como a fumaa que ela produz, ao passo que a gua jorra de uma cachoeira sempre de cima para baixo.

    Em meio a essas explicaes que de fato pareciam servir para esclarecer diversos fenmenos, embora hoje estejam totalmente ultrapassadas , Aristteles tambm estabeleceu uma diferena

  • 33

    crucial entre o mundo celeste e o terreno. Para ele, os quatro ele-mentos eram parte apenas da esfera sublunar (abaixo da Lua), uma regio imperfeita, onde havia mudana, transformao. Acima da Lua, na esfera supralunar, os orbes e os astros eram compostos pelo famoso quinto elemento, ou quintessncia, tambm chamado de ter. L, reinavam a organizao perfeita e a imutabilidade. Para Aristteles, o mundo celeste era o que sempre foi e o que sempre ser, eterno e livre de transformaes.

    Mesmo com suas 56 esferas, o modelo aristotlico tinha proble-mas para ser conciliado observao. Resultado: adicionaram-se mais complicaes.

    O auge dessa tcnica de correo ocorreu com o trabalho de Cludio Ptolomeu (90-168), o grego de Ale-xandria que, durante o apogeu do Imprio Romano, produziu a princi-pal obra astronmica da Antiguidade a Composio Matemtica, que acabou ficando mais famosa pelo seu nome rabe: Almagesto.

    Alm de incluir o catlogo de es-trelas fixas mais completo do mundo antigo, com 1.022 itens, o livro tambm apresentava registros de observaes abundantes e um sofisticado mode-lo matemtico do cosmos. Na verso ptolomaica do mundo, os planetas giravam no somente em torno da Terra, segundo trajetrias circulares, mas tambm em circuitos circulares que circulavam ao longo de suas rbitas, os chamados epiciclos.

    Complicado? Basta pensar numa roda-gigante. En-quanto ela gira, as gndolas penduradas nela preci-sam tambm girar, para que as pessoas dentro no fiquem de cabea para baixo. Esse conjunto de cr-culos associados a crculos (chamados de epiciclos

    Figura 1.6. Representao me-dieval de Cludio Ptolomeu.

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    Cludio Ptolomeu foi um astrnomo, gegrafo e matemtico alexan-drino que viveu entre 90 e 168 Sua principal obra o grande sistema astronmico, em grego, que ficou conhecido como Almagesto na verso rabe.

    Figura 1.7. Movimento em epiciclos.

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    Figura 1.8. Modelo simplificado do Cosmos de Ptolomeu, sem a represen-tao dos epiciclos e deferentes.

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  • 34

    e deferentes) era razoavelmente eficiente para salvar as aparn-cias, ou seja, explicar e prever os movimentos celestes, de forma que passou quase quinze sculos sem ser questionado seriamente.

    Mas isso no duraria para sempre.

    INTERRUPO CIENTFICA

    Com o fim do Imprio Romano e sua pilhagem por pequenos reinos brbaros, o Ocidente perdeu sua tradio cientfica. Os in-teresses passaram a se voltar para o cristianismo, que ascendia como religio dominante na regio e induzia a um retrocesso no modo leigo de pensar o mundo. At mesmo a rotundidade da Terra passou a ser questionada, e os pensadores cristos repu-diavam a busca do conhecimento astronmico ou no.

    Escreveu Santo Agostinho (354-430), um dos primeiros gran-des representantes do pensamento religioso da Idade Mdia (muito embora ele a preceda em cerca de meio sculo), em suas Confisses:

    Outra forma de complexidade ainda mais perigosa (que a da carne [...]) a v curiosidade que se esconde sob o nome de conhecimento e cincia. [...] Foi esta doena da curiosidade [...] que nos induziu a perscrutar os misteriosos segredos da natureza exterior a ns, segredos que no adianta conhecer e onde os homens no buscam nada alm desse prprio conheci-mento. [...] No me interessa conhecer o curso dos astros. (apud SIMAAN e FONTAINE, 2003, p.p.70-79).

    Sob essa argumentao, invalidava-se todo o esforo feito at Ptolomeu para dar explicao aos fenmenos celestes. Com esse combate sistemtico s indagaes conduzidas at ento pela Grcia clssica, muito do que se sabia no mundo ocidental sobre os antigos pensadores seria perdido. Por sorte, no Oriente, um grande imprio se formava: inspirados pela religio islmica, os rabes conquistariam vastos territrios, da sia ao norte da frica e at Pennsula Ibrica (Espanha).

    No Imprio rabe, a liberdade de pensamento era maior e a as-tronomia seguiu evoluindo. Observaes mais precisas foram

    Rotundidade da Terra: o grau de esfericidade do pla-neta. Ela quase

    esfrica, mas no perfeitamente

    ligeiramente achata-da nos plos, ou seja,

    tem dimetro polar menor que o dime-

    tro equatorial.

  • 35

    realizadas, instrumentos aperfeioados, e o astrnomo e mate-mtico Ibn El Hhaytam (965-1039), cujo nome ocidentalizado era Alhazen, fez grandes desenvolvimentos no estudo da ptica, dando explicaes mais convincentes sobre a natureza da luz. Entretanto, ningum ousou questionar o modelo geocntrico de Ptolomeu, com a Terra imvel no centro do Universo.

    A partir dos sculos 11 e 12, com as Cruzadas, incurses milita-res crists para ocupar Jerusalm e outras partes da Palestina, e a Reconquista, processo da retomada da Espanha pelos europeus, o conhecimento armazenado no mundo rabe voltou a ter contato com o Ocidente.

    A Igreja reduz seu combate ao saber cientfico e recupera grandes nomes, como Aristteles, que so reincorporados ao modo de pensar ocidental. O resgate se deve a personagens importantes na filosofia da Idade Mdia, como Santo Toms de Aquino (1227-1274). Retoma-se com mais afinco o estudo dos cus, e no por coincidncia que esse perodo tambm propicia o desenvolvimento das cha-madas Grandes Navegaes.

    O cu, o nico ponto de referncia

    Numa travessia transocenica, o nico ponto de referncia possvel o cu, por meio das estrelas, e todas as embarcaes necessaria-mente tinham um astrnomo a bordo. Embora no houvesse meio preciso, na poca, de determinar a longitude (ou seja, a posio horizontal em um mapa), os astros serviam como excelente refe-rncia para a indicao da latitude (a posio vertical), resolvendo metade do servio em termos de determinao da posio.

    Os conhecimentos astronmicos, alis, foram essenciais no s para a expanso europia sobre o globo mas para todos os povos que praticaram a navegao com alguma competncia. Os chi-neses, por exemplo, que conceberam frotas avanadssimas de navios, antes dos europeus, tinham astronomia similarmente de-senvolvida. Mas para o Ocidente, esse interesse s se reacendeu no fim da Idade Mdia.

    ptica: o ramo da fsica que estuda o comportamento

    e as propriedades fsicas da luz, in-cluindo sua interao com a matria.

  • 36

    ENTRA EM CENA O hELIOCENTRISMO

    nesse contexto que surge a figura de Nicolau Coprnico

    (1473-1543), o polons que no s ousou colocar o Sol no centro do sistema planetrio, como tambm mostrou capacidade inte-lectual suficiente para que sua proposta prevalecesse.

    Embora sempre tenha sido um apaixonado pela astronomia, Coprnico se viu s voltas com uma carreira monstica. A despei-to do repdio da Igreja pelo pensamento crtico (por vezes perto

    demais de idias herticas para ser tolerado), era inegvel que as melhores oportunidades de ensino estavam entre os padres, e o polons tomou vantagem dessa posio para desenvolver suas idias. Ainda assim, temeroso do que poderia desenca-dear, foi relutante at o final. Diz-se que sua grande obra, De revolutionibus orbium coelestium [Sobre as revolues dos orbes (corpos) celestes], s foi publicada quando Coprnico estava em seu leito de morte, e com uma introduo que no foi escrita pelo autor, ressaltando que as hipteses ali apre-sentadas no deveriam ser levadas como uma descrio da realidade, mas, sim mero artifcio matemtico para corrigir problemas no modelo ptolomaico. Numa parfrase do astr-nomo Carl Sagan, ela dizia:

    Prezado leitor, quando voc ler esse livro, pode parecer que o autor est dizendo que a Terra no est no centro do Universo. Na verdade, ele no acredita nisso. Veja, este livro para matemticos. Se voc quiser saber onde Jpiter estar dois anos depois da prxima quarta-feira, voc pode ter uma reposta precisa tomando como hiptese que o Sol esteja no centro. Mas isso meramente fico matemtica. Isso no desafia nossa f sagrada. Por favor, no fique inquieto ao ler este livro. (CARL SAGAN, 2001, p.167).

    Coprnico no foi o primeiro a desenvolver um sistema heliocn-trico, ou seja, com o Sol no centro. Na Grcia Antiga, Aristarco de Samos (310 a.C.-230 a.C.) props esquema idntico, mas na poca a idia no foi bem recebida. At o sculo de Coprnico, na verdade, havia grande oposio idia heliocntrica. Em termos religiosos,

    Nicolau Coprnico foi um astrnomo

    polons nascido em Torum (hoje Thorn) s

    margens do Vstula, em 19 de fevereiro de 1473, e falecido em Frauenburg, em

    24 de maio de 1543. Escreveu Sobre a

    Revoluo dos Orbes Celestes.

    Figura 1.9. Nicolau Coprnico, em retrato pintado em sua cidade natal no incio do sculo 16.

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  • 37

    porque era inconcebvel que Deus no tivesse colocado a Terra no centro do Universo. Em termos prticos, porque o heliocentrismo exigia que a Terra rea-lizasse dois movimentos, um de rotao

    e outro de translao ao redor do Sol. O primeiro, argumentavam Aristteles e seu discpulo (Ptolomeu), era claramente fal-so. Afinal de contas, se a Terra estivesse

    mesmo girando, quem atirasse uma pedra verticalmente para cima no a veria cair no ponto de partida, e sim mais para trs, uma vez que o planeta teria avanado um

    pouco em sua rotao. Parece um argu-mento razovel, quando no se sabe como

    funciona a lei da inrcia.

    Outro argumento contra o heliocentrismo era o fato de que, se a Terra realmente se deslocasse numa rbita ao redor do Sol, as estrelas fixas deveriam aparecer

    em diferentes disposies no cu, de-pendendo de que lado de sua trajetria circular o planeta estivesse. A soluo para esse dilema simples, mas difcil de acreditar com a mentalidade da poca: bastava imaginar que as estrelas ditas fixas estavam muito mais longe do que antes se supunha, de

    modo que a rbita da Terra fosse minscula se comparada a essas distncias.

    Ciente dessa oposio ferrenha, ainda assim, Coprnico tinha razes para crer que seu modelo era mais razovel. Pois, se a

    rotao terrestre parecia um desafio, fazer girar a uma velocidade

    estonteante uma esfera de estrelas fixas muito maior que a Terra

    parecia ainda mais absurdo. E o modelo heliocntrico ajuda a explicar os estranhos ziguezagues de alguns planetas no cu.

    Figura 1.10. Modelo simplificado do Cosmos de Coprnico.

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    e 1543.

  • 38

    Com sua obra, o polons abriu uma porta que jamais voltaria a ser fechada. De fato, o seu modelo heliocntrico parecia con-cordar mais com as observaes do que o de Ptolomeu, e logo muitos cientistas se entusiasmaram pela novidade. Entre eles, dois dos mais importantes foram o alemo Johannes Kepler (1571-1630) e o italiano Galileu Galilei (1564-1642). Mas o geo-centrismo ainda tentaria uma ltima carta-da com o maior astrnomo de seu tempo, o dinamarqus Tycho Brahe (1546-1601).

    Muito rico e um encrenqueiro de primeira (conta-se que ele perdeu o nariz, substi-tudo por uma prtese metlica, aps um duelo disputado por uma discordncia sobre uma equao matemtica), o homem construiu na ilha Hven o mais suntuoso observatrio da poca, Uraniborg. L, durante muitos anos, ele fez as medies mais exatas jamais vistas.

    Um de seus vrios sucessos foi no es-tudo, em 1572, de uma nova estrela que antes no era vista, mas depois passou a brilhar intensamente no cu, para ento voltar a sumir. Hoje, sabemos que o fenmeno est associado morte de estrelas, mas, aos olhos daqueles homens, parecia ser um novo astro, no um moribundo.

    Tycho tambm teve a chance de coordenar um esforo para de-terminar a distncia de um cometa que surgiu nos cus em 1577, constatando que ele no estava na esfera sublunar. Aristteles atribua uma natureza atmosfrica aos cometas tidos supersti-ciosamente como o anncio de grandes catstrofes, por seu apa-recimento repentino, exuberante e imprevisvel. Afinal, para ele, o nico lugar para coisas em mutao era abaixo da esfera lunar.

    Johannes Kepler, as-trnomo alemo, nas-ceu em Wurttemberg a 27 de dezembro de

    1571 e faleceu em Ratisbona a 15 de

    novembro de 1630. Publicou Astronomia Nova (1609). Foi de

    sua autoria o primeiro tratado de vulgariza-

    o dos logaritmos.

    Figura 1.11. A representao do Cosmos com o Sol no centro do Sistema Solar e a Terra como apenas mais um planeta girando em torno dele ajuda a explicar como alguns planetas (com rbitas alm da terrestre) podem fazer movimentos aparentes em ziguezague no cu, conforme ambos avanam em suas rbitas.

    Nota Esquematizao do sistema hbrido de Tycho Brahe, publicado originalmente em francs.

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  • 39

    As observaes de Tycho da nova estrela e desse cometa derrubariam esse preceito aristotlico. Ain-da assim, o dinamarqus era relutante em ir at o final na revoluo e dispensar o geocentrismo.

    Em vez disso, ele usou suas observaes para criar um modelo que era alternativo ao de Aristteles e Ptolomeu mas tambm ao de Coprnico. Prati-camente um meio-termo entre eles, o sistema co-locava todos os planetas girando em torno do Sol, que por sua vez, com a Lua, girava em torno da Terra, que seguia sendo o centro do Universo. Em termos de predies, o modelo hbrido no funcio-nava direito. Mas, num mundo em que h trs mo-delos diferentes do cosmos e nenhum deles resolve o problema a contento, Tycho no parecia ficar muito atrs de seus predecessores.

    Ainda assim, o dinamarqus tomou o passo decisivo que colo-cou a humanidade no caminho do heliocentrismo, ao contratar o jovem e promissor Kepler, em 1600, para trabalhar com ele no castelo de Bentky, para onde sua equipe havia se mudado dois anos antes.

    Os dois batiam de frente. Kepler, novo e ambicioso, tinha seus prprios objetivos provar com observaes a correo do sistema coperni-cano; Tycho, mais experien-te, mas, sem os lampejos de seu colega, no queria ver sua utilidade esgotada. Mais de uma vez o alemo ame-aou deixar Bentky, o que acabou encostando o vete-rano na parede. Tycho ento

    Figura 1.12. Tycho Brahe.

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    1600.

    Tycho Brahe, astr-nomo dinamarqus que viveu de 1546 a 1601. Sua primeira e mais importante observao foi a descoberta de uma estrela nova em novembro de 1572, na constelao de Cassiopia, exposta no livro Sobre a Estrela Nova, de 1576. Foi quem primeiro corrigiu suas observaes de refrao e redigiu um catlogo de estrelas. As observaes do movimento do planeta Marte (dez oposies) efetuadas por Brahe permitiram o esta-belecimento das trs leis de Kepler, que reformularam toda a astronomia.

    Figura 1.13. O modelo hbrido do Cosmos de Tycho Brahe, com a Terra no centro do Universo e os planetas girando ao redor do Sol.

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  • 40

    resolveu dar uma tarefa relevante a seu vido colaborador: de-terminar com preciso a rbita de Marte.

    O dinamarqus sabia o quanto a misso era rdua. Por ser um dos planetas mais prximos da Terra, sua trajetria no cu era bastante conhecida e no se encaixava em nada com as previses feitas pelos modelos de Ptolomeu, Coprnico e Tycho. Resultado: a despeito de sua genialidade, Kepler levou oito anos para decifrar

    o enigma, que cobrou do astrnomo alemo o sacrifcio da nica coisa que unia os conceitos cosmolgicos de ento: a esfera.

    Os precisos dados observacionais de Tycho revelaram a Kepler

    o verdadeiro formato da rbita marciana: uma elipse, com o Sol posicionado em um de seus focos!

    Kepler descobriu que o sistema de Coprnico funcionava perfeita-mente se fossem dele retirados os crculos impregnados no pensar cientfico desde a adorao s esferas nos tempos gregos como a

    forma geomtrica mais perfeita e colocados no lugar elipses, com o Sol em um de seus dois focos. Na verdade, a natureza surpreendeu

    a todos, pois o Sol no est no centro das rbitas elpticas.

    A descoberta da rbita elptica s foi possvel graas aos precisos dados observacionais realizados por Tycho Brahe, pois a dife-rena entre a rbita circular e a elptica, para o caso de Marte, muito pequena.

    Certamente Kepler, no incio, deve ter ficado tentado a atribuir os

    pontos da rbita que ficavam fora do crculo por conta de erros de

    observao, mas ele confiava na preciso das medies de Tycho

    Brahe, de modo que teve mesmo que se render evidncia dos fatos, ou seja, a rbita de Marte no era um crculo e sim uma elipse, com o Sol num dos focos.

    Para voc ter uma idia de como as rbitas dos planetas do Sistema Solar so to prximas de crculos (apesar de em muitos livros didticos as vermos erradamente como elipses superexcntricas, ou seja, muito achatadas), veja na Figura 1.15 as rbitas dos oito planetas do Sistema Solar, com sua excentricidade correta.

    Elipse: conjunto de todos os pontos cujas somas das dis-tncias a dois dados pontos (chamados

    focos) uma cons-tante. O crculo

    o caso particular da elipse quando os dois focos esto no mesmo

    lugar.

  • 41

    A excentricidade da elipseJoo Batista Garcia Canalle (Uerj).

    Dada uma elipse qualquer, a excentricidade (e) dela definida pela razo entre a dis-tncia entre seus focos, que vamos chamar de F, e o comprimento do seu eixo maior, que vamos chamar de A, ou seja:

    e = F

    A

    Dada uma elipse qualquer, tambm podemos determinar a excentricidade (e) dela sim-plesmente medindo seus eixos maior (A) e menor (B) e usando a equao abaixo:

    Se voc fizer isso para a elipse acima encontrar que e = 0,64. Desta equao fcil ver que o valor mnimo da excentricidade zero (e = 0), o que se obtm quando B=A, ou seja, quando temos um crculo. O valor mximo da excentricidade um, que se obtm justamente quando B tende a zero, ou seja, a elipse mais achatada possvel.

    Logo: 0 e 1

    Saiba mais sobre a real forma das rbitas dos planetas.

    Os astrnomos determinaram com exatido a excentricidade das rbitas dos oito pla-netas do Sistema Solar, inclusive do planeta ano Pluto. Veja a tabela:

    Planeta Mercrio Vnus Terra Marte Jpiter Saturno Urano Netuno PlutoExcentricidade 0,2 0,007 0,02 0,09 0,05 0,06 0,05 0,009 0,25

    Na seo de atividades voc encontra orientaes para desenhar a rbita de qualquer planeta. Neste quadro inclumos Pluto, o planeta ano, para mostrar que ele tem a rbita mais excntrica do que a de qualquer um dos planetas.

    Elipses das rbitas dos oito planetas e de Pluto (planeta ano) desenhadas com o mesmo eixo maior. O ponto central o centro da elipse e o ponto da direita a posio de um dos focos, o qual ocupado pelo Sol.

  • 42

    E o alemo foi ainda mais longe. Em 1609, ele descobriu que os planetas no giram ao redor do Sol em velocidade constante, como antes se supunha, mas aceleravam e desaceleravam. E seu ritmo guar-dava uma relao com sua rbita. Segundo Kepler, a linha Sol-planeta varria reas iguais na elipse em iguais intervalos de tempo.

    Para ilustrarmos a segunda lei de Kepler, vamos usar a rbita de Pluto, que at recentemente era considerado planeta e foi em 2006 rebaixado categoria de planeta ano. Como todos os objetos, pla-netas ou no, que orbitam o Sol obedecem s leis de Kepler, o exemplo continua sendo vlido, mesmo aps a reclassificao. E o melhor de tudo que Pluto tem uma rbita muito mais excntrica (achatada) do que a dos planetas, o que facilita a visualizao.

    O perodo de translao de Pluto tem qua-se 250 anos terrestres, ou seja, a Terra gira ao redor do Sol 250 vezes enquanto Pluto gira apenas uma vez. Vamos supor que en-tre os pontos 1 e 2 ele tenha gasto 50 anos, e entre os pontos 3 e 4 ele tambm tenha gasto 50 anos. Ento, pela segunda lei de Kepler, a rea A igual rea B. Isso so-mente possvel em virtude da variao da velocidade do planeta em seu movi-mento de translao. Quando perto do Sol ele se move mais rapidamente do que quando mais longe.

    Finalmente, em 1619, o astrnomo alemo faria novo avano, ao determinar que a razo entre o quadrado do tempo (T) que um planeta leva para completar uma rbita e o cubo da distncia mdia (D) do planeta ao Sol uma constante, ou seja:

    O valor de k depende das unidades usadas para o perodo (T) e a distncia (D).

    Figura 1.14. A rbita de Pluto, que muito mais excn-trica (elptica) do que as dos planetas do Sistema Solar.

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  • 43

    Embora possa no parecer muito impressionante, a terceira lei de Kepler foi uma das coisas que permitiram ao ingls Isaac Newton (1642-1727) o desen-volvimento da teoria da gravita-o universal.

    Essa lei de Kepler na verdade uma soluo aproximada bem efi -ciente das equaes newtonianas, e extremamente til falar dela.

    Como a equao bem simples, trata-se de algo que se pode ma-nipular em sala de aula. Alm do mais, vale ressaltar que o clculo no serve apenas a esforos educacionais. At hoje, como forma de aproximao, ao estudar rbitas de estrelas binrias (compostas por dois astros, ambos girando em torno de um centro de gravidade comum), os astrnomos aplicam a terceira lei kepleriana!

    Com seu trabalho, Kepler fi nalmente concluiu a busca que co-meou no incio dos tempos de explicar os movimentos vistos no cu. Mas caberia a um contemporneo seu, Galileu, dar um novo rumo astronomia. Embora no tenha inventado a luneta, como alguns dizem, o italiano foi um dos grandes responsveis pelo aperfeioamento desse aparelho. Foi tambm o primeiro a realizar observaes astronmicas srias com ele. Um novo Universo, in-visvel a olho nu, se revelou.

    Galileu descobriu, por exemplo, ao examinar o planeta Jpiter, que este era cercado por quatro pequenos satlites que giravam em torno dele logo nem tudo orbitava a Terra como acredita-vam Aristteles e Ptolomeu.

    Com o advento do telescpio, o Sistema Solar foi ampliado com a aquisio de mais dois planetas. Urano, encontrado por Sir William Herschel (1738-1822) da Inglaterra, em 1781; e Netuno, observado pela primeira vez pelo Observatrio de Berlim em 1846. Pluto, acha-do pelo astrnomo americano Clyde William Tombaugh (1906-1997)

    Resumindo, Kepler desen-volveu trs leis:1a lei: os planetas giram em rbitas elpticas, com o Sol num de seus focos.2a lei: uma linha que ligue o planeta ao Sol cobre reas iguais na elipse em iguais in-tervalos de tempo.

    3a lei: T2 = k

    D3

    O ingls Isaac Newton (1642-1727) tido como o pai da fsica moderna. Excntrico e genial, ele s pode ser compara-do a Albert Einstein no quesito faanhas individuais. Formulou a Lei da Gravitao Universal, criou uma teoria da luz que a via como partculas, fez grandes avanos em ptica e inventou a tcnica matemti-ca conhecida como clculo (desenvolvida independentemente por Wilhelm Leibniz).

    O alemo naturali-zado ingls William Herschel (1738-1822) foi o maior astrnomo do sculo 18. Alm da desco-berta da radiao infravermelha, ele foi o descobridor de Urano, o stimo planeta, visvel apenas com o auxlio de telescpios, e realizou grandes mapeamentos de estrelas nunca antes catalogadas.

  • 44

    em 1930, chegou a ser categorizado como planeta, mas foi rebaixado a planeta ano em 2006.

    Depois de resolvido o mistrio dos movimentos planetrios, uma boa forma de ilustr-los para os alunos por meio de uma re-presentao teatral. Veja como fazer isso na seo de atividades.

    A GRANDE SNTESE

    Embora desde Kepler os movimentos planetrios tenham se tor-nado razoavelmente preditveis, o principal paradigma do estudo do cu ainda no havia cado: o de que as regras que operavam l, fossem quais fossem, no correspondiam s regras que operavam aqui no cho. De um ponto de vista filosfico, cu e Terra con-tinuavam to separados quanto estavam na poca de Aristteles, com sua misteriosa quintessncia de um lado e os quatro elemen-tos terrestres (fogo, ar, gua e terra) de outro.

    O responsvel por derrubar esse rano do pensamento aristot-lico foi o britnico Isaac Newton, tecnicamente um sucessor in-telectual de Kepler e Galileu, mas na prtica muito mais audaz do que eles. Newton hoje considerado por muitos como a mais poderosa mente que j surgiu na cincia, e no h como ignorar a atuao fundamental desse fsico e matemtico na reformulao das bases da astronomia.

    Seu sucesso mais famoso, como mencionamos h pouco, a criao da teoria da gravitao universal. E o que mais especial a respeito dela, ao contrrio do que se possa pensar, no que ela fala de gravitao, mas sobretudo o fato de ser universal.

    Com ela, Newton estabelece uma lei da natureza que no faz distino entre o mundo celeste e o mundo terreno. A mesma gravidade que faz a ma cair tambm faz a Lua girar ao redor da Terra e a Terra girar ao redor do Sol.

    a viso de Newton que d verdadeiro sentido aos sucessos de Kepler e Galileu; o alemo e o italiano j haviam feito grandes

  • 45

    coisas para explicar o movimento dos astros e a ao da gravi-dade terrestre, mas nenhum dos dois conseguiu costurar tudo e enxergar mais longe, percebendo que o universo l fora e o mundo aqui embaixo so ambos partes de um todo, que obede-ce s mesmas leis naturais. Modesto e gracioso com seus prede-cessores, Newton disse que s conseguiu ver isso porque estava sobre os ombros de gigantes.

    Com esse passo precioso, Newton estabeleceu as bases para a cincia moderna. Isso, no s por demonstrar seu carter literalmente universal (ou seja, que abarca todos os espaos observveis pelo ser humano), mas tambm por criar um novo formalismo cientfico. Sua obra-prima, chamada Philosophiae Naturalis Principia Mathematica [Princpios Matemticos da Fi-losofia Natural], tida como um dos primeiros livros a adotar o rigor e a preciso das narrativas cientficas modernas. Na funo de brilhante pioneiro, Newton fez escola e lanou os alicerces de um novo modo de se fazer cincia. De quebra, resolveu todas as mincias dos movimentos planetrios.

    Bem, nem todas, na verdade.

    O ltimo enigma

    Apenas um mistrio sobre os movimentos dos planetas permane-cia sem resposta uma estranha precesso da rbita de Mercrio, o astro mais prximo do Sol. No difcil imaginar o fenme-no. Como as rbitas planetrias so elpticas (ainda que muito prximas de um crculo perfeito), h um ponto em que o planeta atinge a distncia mxima do Sol, denominado aflio, e outro em que ele est o mais prximo possvel, o perilio. No caso de Mercrio, conforme ele completa voltas e mais voltas ao redor do Sol, esses pontos de aproximao e afastamento mximos mudam de ano para ano ocorre a dita precesso: a prpria rbita gira em torno do Sol.

    Ocorre que as equaes da gravitao de Newton aplicadas aos planetas pareciam acertar em cheio em todos os casos, exceto

    Precesso da rbi-ta de um planeta:

    o giro da prpria r-bita do planeta em torno da estrela cen-

    tral, de modo que o perilio (ponto da

    rbita em que o planeta est mais prximo do Sol) ocorre a cada volta numa posio ligei-ramente diferente

    da anterior.

  • 46

    Albert Einstein foi possivelmente o mais

    importante fsico do sculo 20. Nascido na Alemanha, o cientista

    realizou seus traba-lhos mais famosos

    enquanto trabalhava num escritrio de pa-tentes em Berna, na

    Sua. Einstein desco-briu que o espao e o tempo no so fixos e imutveis, como dizia

    Isaac Newton, mas sim flexveis, e influen-

    ciados pela presena de matria e energia numa dada regio do

    espao. Essas conclu-ses, incorporadas em

    suas duas verses da teoria da relatividade

    (especial e geral), mu-daram as perspectivas

    dos estudos sobre a origem do Universo.

    nesse. Houve quem especulasse sobre a existncia de um outro planeta, ainda mais prximo do Sol do que Mercrio, respon-svel pelo efeito. Mas, no final, a soluo

    s veio mesmo quando o alemo Albert Einstein (1879-1955) apresentou sua nova teoria da gravidade, mais conhecida como a teoria da relatividade geral, em 1915.

    Uma substituta gravitao de Newton (assim como esta ltima superou as leis de Kepler), a gravidade einsteiniana traria

    algumas novidades. A mais bvia delas era a explicao correta para o movimento de Mercrio, dispensando a existncia de um outro planeta (o prprio Einstein s se convenceu de que sua teoria estava correta depois de efetuar os clculos e se certificar

    de que ela explicava a misteriosa precesso). Outra, muito mais surpreendente, era a de que, uma vez que a relatividade tratava

    a gravitao como uma curvatura no espao e no tempo (vistos como uma nica entidade indivisvel, o espao-tempo), o Universo passaria a ser encarado como algo dinmico, tendo sua histria regida pela ao da gravidade ao longo do tempo. Moral da his-tria: com a relatividade geral seria possvel especular de forma mais concreta sobre as origens do Universo!

    Einstein relutou em fazer isso.

    Por suas concepes religio-sas e filosficas, o alemo

    entendia que o Universo de-veria ser eterno e esttico, enquanto suas equaes su-geriam que essa condio era impossvel um universo re-gido pela gravidade precisa-ria, necessariamente, estar em expanso ou em contrao. Para solucionar o dilema, ele modificou suas equaes, incluindo

    Figura 1.15. A precesso: no s o planeta gira, mas, a rbita dele tambm, como no desenho acima (com elipses exageradas para deixar o efeito mais claro).

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    Figura 1.16. Albert Einstein recebe a cida-dania americana, em 1940.

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  • 47

    Com seu porte atltico (ele foi lutador de boxe), Edwin Hubble foi o brilhante astrno-mo que descobriu que as galxias estavam todas se afastando umas das outras e que o Universo estava em expanso. Seu feito, em 1929, revolucionou o entendimento do Cosmos.

    em 1917 uma constante cosmolgica destinada justamente a manter o Universo esttico ao longo do tempo.

    Qual no foi sua surpresa quando o grande astrnomo americano Edwin Hubble (1889-1953) descobriu em 1929, por observaes astronmi-cas, que as galxias pareciam estar todas se afastando umas das outras, e quanto mais dis-tante estava uma galxia, mais rapidamente ela parecia se afastar (alis, nossa represen-tao moderna de Universo

    data de 1924, quando Hubble demonstrou que a Via Lctea no era a nica galxia no cosmos). Essa recesso de galxias foi ime-diatamente reconhecida como o sinal de que o Universo de fato estava em processo de expanso. Aps a publicao desses resul-tados, Einstein lamentou no ter acreditado no que suas equaes lhe diziam havia mais de uma dcada e repudiou sua constante

    cosmolgica, considerando-a o maior erro de sua carreira.

    Ora, se o Universo estava em expanso, ao rebobinarmos a fita,

    constataramos sem demora que ele esteve numa condio mui-to mais compacta no passado. Ento, se fosse possvel voltar ao incio dos tempos, ser que o cosmos inteiro estaria condensado num nico ponto? Foi essa a suposio que o padre belga Georges Lematre (1894-1966) fez ainda em 1927, sem as observaes de

    Hubble para apoi-lo. Era o incio da chamada teoria do Big Bang, que seria posteriormente mais trabalhada pelo russo-americano George Gamow (1904-1968). Alm de desenvolver alguns de-talhes de como se teria procedido essa grande exploso inicial, o fsico fez uma previso: se a teoria estivesse correta, deveria

    existir, emanando de todas as partes do cosmos, um eco desse evento primordial.

    Figura 1.17. Edwin hubble.

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  • 48

    Essa radiao, hoje conhecida como radiao csmica de fundo de microondas, foi descoberta em 1965, por acidente, por Arno Penzias (1933-) e Robert Wilson (1936-), trabalhando para os Laboratrios Bell, nos Estados Unidos. Dali em diante, a origem do Universo parecia um problema, ao menos parcialmente, resol-vido embora os detalhes e as implicaes desse comeo muito quente e denso ainda estejam por ser totalmente decifrados.

    Aps sculos e sculos de especulao e refl exo, hoje a huma-nidade pode se orgulhar de ter uma viso razovel de como o Universo nasceu e evoluiu. Vamos a ela.

    UMA BREVE hISTRIA DO UNIVERSO

    A famosa teoria do Big Bang, acredite se quiser, nada diz so-bre o Big Bang em si. Ela extremamente efi ciente em ex-plicar como o Universo evoluiu desde aquele momento singular

    at hoje, e extrapolaes dela permitem imaginar como o cosmos ser daqui a muitos trilhes de anos, mas o chamado instante t=0, aquele em que tudo comeou, permanece fi rmemente posta-do alm de nossa compreenso.

    A razo disso que a nossa fsica hoje fraturada em dois gran-des mundos. De um lado, a teoria quntica, que descreve o fun-cionamento das coisas muito, muito pequenas, e explica com incrvel preciso como funcionam trs das quatro grandes foras conhecidas da natureza. So elas: a fora nuclear forte, que man-tm os prtons grudados dentro dos ncleos atmicos a despeito da repulso existente entre essas partculas de carga positiva; a fora nuclear fraca, que explica certos processos de decaimento radioativo; e a fora eletromagntica, que est ligada, como o nome j diz, aos campos eltricos e magnticos e s propriedades da luz, em suas diferentes variedades (que vo do rdio aos raios

    Big Bang a exploso de uma regio infinitamente pequena em que toda a matria e a energia do Universo estariam reunidas antes do incio da expanso.

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    gama, passando pelas microondas, pelo infravermelho, pela luz visvel, pelo ultravioleta e pelos raios X).

    De outro lado, existe uma fora que se recusa a receber tratamen-to quntico: a gravidade. Sua melhor explicao terica hoje vem da teoria da relatividade geral de Einstein, que interpreta os campos gravitacionais como curvaturas num espao-tempo quadridimen-sional (composto pelas trs dimenses espaciais mais o tempo). Sendo esta a menos intensa das quatro foras conhecidas (embora seja a que percebemos e compreendemos com maior facilidade), a gravidade se faz sentir mais intensamente quando falamos de grandes escalas. No toa que a cosmologia moderna o estudo do Universo como unidade nasceu com a teoria einsteiniana, e os sucessos at hoje obtidos na explicao da evoluo do cosmos atestam o grande sucesso das idias do fsico alemo.

    Ocorre que, quando estamos falando do Big Bang em si, a relatividade no basta. preciso incluir tambm as influncias ge-radas pelas outras trs foras da natureza, descritas pela mecnica quntica. O drama que essas duas grandes teorias fsicas a relatividade e a teoria quntica so incompatveis entre si. Elas apresentam diferentes perspectivas a respeito da natureza e suas equaes so impossveis de se combinar.

    A busca por uma teoria que explique o que aconteceu no momento do Big Bang

    Alguns sucessos parciais no esforo de agrupar a relatividade e a teoria quntica foram obtidos pelo fsico britnico Stephen Hawking (1942-), que combinou as duas teorias para explicar, por exemplo, como buracos negros emitem radiao. No entanto, a reunio final de toda a fsica elementar numa nica teoria ainda no aconteceu, de modo que impossvel interpretar exatamente o que ocorreu no Big Bang. A busca por essa teoria de tudo, que comeou com o prprio Einstein, continua, mas, enquanto ela no termina, temos de aceitar que no h arcabouo terico capaz de nos dizer o que teria acontecido no momento do Big Bang.

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    Em compensao, se passamos por cima disso sem grandes traumas, somos brindados com detalhes riqussimos sobre a evoluo do Universo.

    Por exemplo, muito antes que um segundo tivesse decorrido des-de o Big Bang, sabemos que o cosmos provavelmente sofreu um aumento radical de tamanho, numa velocidade maior que a da luz! Esse processo de crescimento descontrolado e rpido cha-mado de infl ao, e foi graas a ele que o Universo no voltou a entrar em colapso logo no incio, implodindo sobre si mesmo. Quando a gravidade se deu conta do que estava acontecendo, era tarde demais para reunir toda a matria e energia no ponto em que ela estava originalmente o Universo havia nascido.

    Ainda assim, naquele momento o cosmos estava muito quente, composto apenas pelas partculas mais simples. Eram os quarks que hoje existem como componentes dos prtons e nutrons , os eltrons velhos conhecidos , e os ftons partculas de luz. quela temperatura altssima do incio do Universo, eles no conseguiam combinar uns com os outros. A nica coisa que ocorreu naquele momento foi aniquilao de matria. As-sim como surgiram logo de cara os quarks, surgiram tambm os chamados antiquarks partculas com propriedades em tudo similares, mas com carga oposta. E para acompanhar os eltrons, surgiram os antieltrons, tambm chamados de psitrons. Quan-do partculas idnticas de matria e antimatria se encontram, elas se destroem mutuamente, produzindo ftons (energia). Foi o que aconteceu naquele momento. As partculas estavam em

    altssima temperatura, muito agitadas, e encontravam seu fi m ao se chocar com suas antipart-culas equivalentes.

    Ao fi nal desse processo de ani-quilao mtua, havia um mar imenso de ftons e umas poucas partculas de matria que fi caram

    A sorte e a razo para es-tarmos aqui que, segundo a teoria mais aceita (embora ainda no se tenha compro-vao dela), o Big Bang, por algum motivo, produziu uma quantidade um pouquinho maior de partculas de mat-ria do que de antimatria.

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    sem par foi delas que o Universo tirou a matria-prima para construir tudo que apareceu depois.

    Note que tudo isso, a infl ao e a aniquilao de matria com antimatria, aconteceu antes que decorresse o primeiro segundo. Muita ao e emoo para um Universo-beb!

    At que o primeiro segundo chegou. Conforme a expanso continuava agora no mais em ritmo infl acionrio a tempera-tura geral do cosmos baixava. Estava em cerca de 10 bilhes de graus Celsius (aproximadamente mil vezes a temperatura no centro do Sol) quando os quarks remanescentes conseguiram comear a se juntar em prtons e nutrons. E, durante cerca de trs minutos, o Universo iniciou a fabricao de seus prin-cipais elementos qumicos. Nessa fase, os prtons e nutrons comearam a se grudar, formando ncleos atmicos. Esse pro-cesso, conhecido como fuso nuclear, fabricou muitos ncleos de hlio (compostos por dois prtons e um ou dois nutrons) e alguns de ltio (com trs prtons). Mas trs minutos depois a expanso j havia diludo sufi cientemente o contedo do cos-mos para interromper o processo. Resultado: de todos os pr-tons recm-formados pelos quarks que sobraram da aniquilao, apenas 25% foram reprocessados pela fuso para formar hlio, mais uma quantidade residual de ltio. Uns 75% deles perma-neceram intocados, compondo a principal matria-prima do Universo em evoluo, o hidrognio. Trata-se do ncleo mais simples, composto por um nico prton, com ou sem nutron para acompanh-lo.

    Dali em diante, no muita coi-sa iria acontecer de imediato. O cosmos continuaria se esfrian-do, como um mar de eltrons, ftons e ncleos atmicos li-vres. A ao s iria voltar a se intensifi car dali a 300 mil anos. A temperatura global baixou

    Qualquer pessoa pode observar a radiao csmica de fundo ao sintonizar a tev num canal que no esteja transmitindo: daquele chiado tremeluzente captado pelo aparelho, cerca de 1% causado pela radi-ao csmica de fundo.

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    at uns 3.000 graus, e a essa altura os eltrons j no estavam suficientemente agitados para fugir dos ncleos atmicos sur-giriam os primeiros tomos estveis, com prtons e nutrons no ncleo e eltrons ao seu redor.

    Quando isso aconteceu, foi um ato de libertao para os ftons daquele mar primordial de partculas. Os ftons deixaram de per-turbar os eltrons e passaram a circular livremente pelo cosmos. Diz-se que o Universo se tornou transparente, e esses ftons primordiais so exatamente os que so detectados na radiao csmica de fundo, na forma de microondas.

    Hoje, observaes detalhadas dessas microondas nos do uma poro de informaes sobre como tudo comeou. Foi principal-mente a partir delas que conseguimos estimar com muita preciso em que momento do passado aconteceu o Big Bang. Segundo as ltimas observaes, feitas com o satlite Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP) [Sonda Wilkinson de Anisotropia de Microondas], o Universo hoje tem cerca de 13,7 bilhes de anos. E o fato de que a radiao vem de todas as direes ajuda a escla-recer um engano muito comum pensar que o Big Bang foi uma exploso no sentido convencional, de onde a matria e a energia se espalharam por um espao vazio previamente existente.

    No nada disso. Na verdade, o Big Bang aconteceu em todo o Universo, inclusive no lugar em que voc est agora. Ocorre que o lugar em que voc est agora, 13,7 bilhes de anos atrs, era muito menor, e estava compactado junto com todos os outros lugares do Universo atual. A melhor forma de visualizar esse

    efeito imaginar que o Universo inteiro fosse a superfcie bidimensional de uma bexiga. Voc pode pintar vrios pontinhos nesse balo, e, ao infl-lo, notar que os pontos se afastam uns dos outros como as galxias se afastam umas das outras , mas o Universo continuar sendo o que sempre foi, a superfcie da bexiga. Ocorre

    Figura 1.18. A expanso do Universo pode ser imagi-nada como uma bexiga sendo inflada.

    Suel

    i Pr

    ates

    (A

    EB/P

    rogra

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    ).

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    que agora ela est mais esticada, inflada, de modo que as distn-cias entre os objetos so maiores.

    O fato de que a radiao csmica vem de toda parte ajuda a en-tender que o Big Bang aconteceu em toda parte!

    Essas microondas originrias de quando o Universo tinha apenas 300 mil anos tambm nos do pistas do que viria depois. Isso por-que a radiao muito homognea em todas as direes, denotando hoje uma temperatura de cerca de 2,73 Kelvin (cerca de 270 graus Celsius negativos), mas no exatamente; h pequeninas variaes, que indicavam uma distribuio ligeiramente heterognea l no comeo, provavelmente, antes da era inflacionria. Foi dessas sementes mais densas que nasceram as primeiras galxias. A diferena de densidade facilitou o trabalho da gravidade mais para frente, repartindo o Universo em regies relativamente mais ricas em hidrognio, hlio e ltio, e outras quase completamente vazias.

    Berrio das estrelas

    As galxias comearam basicamente como nuvens gasosas, e foi nelas que nasceram as primeiras estrelas. Conforme o gs come-a a se agregar por conta da gravidade, passa a se compactar. A compactao segue em ritmo crescente at que, em seu ncleo, a presso leva realizao de fuso nuclear