EXPERIÊNCIAS VIVIDAS POR FILHAS OUVINTES E PAIS ......Experiências vividas por filhas ouvintes e...

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PEDRO LUIZ DOS SANTOS FILHO EXPERIÊNCIAS VIVIDAS POR FILHAS OUVINTES E PAIS SURDOS: UMA FAMÍLIA, DUAS LÍNGUAS Natal RN Agosto de 2020 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

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PEDRO LUIZ DOS SANTOS FILHO

EXPERIÊNCIAS VIVIDAS POR FILHAS OUVINTES E PAIS SURDOS: UMA FAMÍLIA, DUAS LÍNGUAS

Natal – RN Agosto de 2020

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

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PEDRO LUIZ DOS SANTOS FILHO

EXPERIÊNCIAS VIVIDAS POR FILHAS OUVINTES E PAIS SURDOS: UMA FAMÍLIA, DUAS LÍNGUAS

Tese apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi.

Linha de Pesquisa: Educação, Estudos Sócio-históricos e Filosóficos.

Natal – RN Agosto de 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE

Elaborado por Rita de Cássia Pereira de Araújo - CRB-804/15

Santos Filho, Pedro Luiz dos.

Experiências vividas por filhas ouvintes e pais surdos: uma

família, duas línguas / Pedro Luiz dos Santos Filho. - Natal, 2020.

192 f.: il.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Centro de Educação, Programa de Pós Graduação em Educação - PPGEd.

Orientadora: Profa. Dra. Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi.

1. Família com Coda - Tese. 2. Bilinguismo- Tese. 3. Libras-

Tese. 4. Narrativas da experiência- Tese. I. Passeggi, Maria da

Conceição Ferrer Botelho Sgadari. II. Título.

RN/UF/BS/CE/Moacyr de Góes CDU 376-056.263

Elaborado por Rita de Cássia Pereira de Araújo - CRB-804/15

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PEDRO LUIZ DOS SANTOS FILHO

EXPERIÊNCIAS VIVIDAS POR FILHAS OUVINTES E PAIS SURDOS: UMA FAMÍLIA, DUAS LÍNGUAS

Tese apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Tese aprovada em: 24 de agosto de 2020

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi (Orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

________________________________________________________________ Profa. Dra. Janaína de Aguiar Peixoto (Titular Externo)

Universidade Federal da Paraíba – UFPB

________________________________________________________________ Profa. Dra. Niédja Maria Ferreira de Lima (Titular Externo)

Universidade Federal de Campina Grande – UFCG

________________________________________________________________ Profa. Dra. Géssica Fabiely Fonseca (Titular Interno)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

________________________________________________________________ Profa. Dra. Rita de Cássia Barbosa Paiva Magalhães (Titular Interno)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

________________________________________________________________ Profa. Dra. Vanda Magalhães Leitão (Suplente Externo)

Universidade Federal do Ceará – UFC

________________________________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Barbosa Guedes (Suplente Interno)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Natal - RN Agosto de 2020

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A meu pai, Pedro Luiz dos Santos, e A minha mãe, Gésia Francisca Bezerra dos Santos Pelo inestimável sustento que possibilitou o alcance de mais uma conquista. Muito

obrigado pelo exemplo que me fez tornar a pessoa que sou hoje.

A meus irmãos,

Ricardo Luiz Bezerra dos Santos Rogério Luiz Bezerra dos Santos (in memoriam) A meus sobrinhos,

Pedro Luiz dos Santos Neto Rayssa da Conceição dos Santos Dedico a vocês, meus sobrinhos, esta tese, no desejo de que brotem sonhos e plena realização por meio dos estudos. Parafraseando Augusto Cury: “Nunca desistam dos seus sonhos”. Amo vocês.

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AGRADECIMENTOS

Aos participantes desta pesquisa, pais surdos e filhas ouvintes,

que permitiram a realização desta tese. Com suas mãos, narraram as experiências

vividas em família e em duas línguas.

À minha orientadora,

Professora Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi, por ter me

ensinado não apenas o papel de pesquisador, mas por proporcionar um aprendizado

sine qua non, a partir da sua vasta experiência enquanto professora, com

qualificação necessária para o exercício da docência.

À comunidade surda,

por existir e contribuir na minha constituição enquanto ser humano e por me

impulsionar a pesquisar na área de estudos e da pesquisa com surdos e de Libras.

Aos colegas pesquisadores do GRIFARS-UFRN/CNPq (Grupo Interdisciplinar de

Pesquisa, Formação, Autobiografia, Representações e Subjetividades), por

compartilharmos conhecimentos do fazer científico a partir da pesquisa

(auto)biográfica em Educação. Em especial, aos colegas Roberta, Senadath e

Emmanuel.

Aos professores

Claúdia Macêdo, Heloisa Perales, José Felipe, Laralis Oliveria, Paulo Roberto,

Renata Nogueira, Sédina Jales e Socorro Melo, por compartilharem conhecimentos,

contribuindo para a realização desta pesquisa.

Aos amigos, cuja amizade cresce com o tempo,

Isabela Cristina, Michele Nóbrega, Dona Zita e Maria do Céo, pela amizade que

transcende o tempo. Conceição Saúde, Kátia Michaele e Janaína Peixoto por juntos

vivenciarmos a experiência de conviver com a comunidade surda.

Aos amigos, em especial,

Géssica Fabiely e Max Leandro. Vocês são exemplos de amigos, profissionais, de

casais. Um dia seria pouco para expressar a importância de vocês para mim.

Agradeço a Deus por um dia ter me dado o privilégio de conhecê-los. Obrigado pela

ajuda, todas as vezes em que precisei: material, profissional, espiritual e, muitas

vezes, de um abraço, de uma conversa. Me perdoem pelas poucas palavras diante

de tudo que vocês merecem... Sem palavras! Muitíssimo obrigado pelo respeito.

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SANTOS FILHO, Pedro Luiz dos. Experiências vividas por filhas ouvintes e pais surdos: uma família, duas línguas. Tese (Doutorado em Educação), Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020.

RESUMO

O objetivo desta tese foi investigar a experiência vivida por uma família com Coda, constituída por pais surdos e duas filhas ouvintes, nos processos de interação no cotidiano. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada na perspectiva dos estudos (auto)biográficos, segundo Ferrarotti (1988); Josso (2007; 2010); Delory-Momberger (2008); Passeggi (2010; 2014). O levantamento e a construção dos dados foram realizados em 2018 e 2019, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte. Contamos com a colaboração de uma família com Codas, que nos concederam entrevistas sobre as experiências vividas em contextos familiar e social. Os critérios para a escolha dos participantes foram a composição familiar e por serem falantes da Libras como língua natural, utilizada no seio familiar. Como procedimento metodológico de recolha e análise das fontes, recorremos à entrevista narrativa proposta por Jovchelovitch e Bauer (2014). Pela diversidade das questões envolvidas, o arcabouço teórico aborda a constituição familiar e interação entre pais surdos e filhas ouvintes. Nesse sentido nos apoiamos em Vygotski (1991); Quadros (2017); com relação ao conceito de língua de sinais em Ferreira Brito (1998); Quadros; Karnopp (2004). Sobre o conceito de família, nos inspiramos em Ariès (1986); Romanelli (2016) e quanto à cultura em Tylor (1920); Laraia (2001); Hall (1997). No que concerne à Cultura Surda nos apoiamos em Skliar (1998); Strobel (2009), quanto ao Bilinguismo em Macnamara (1967); Grosjean (1994) e ao Bilinguismo Bimodal, em Tussi; Ximenez (2010); Quadros (2017). As análises permitem destacar como resultados: a) a utilização das duas línguas de maneira híbrida no seio familiar; b) a prevalência do uso de Libras pela primeira filha, revelando períodos de adesão e de resistência; c) enquanto a filha mais velha destaca a centralidade da Libras nas interações familiares e sociais, por outro lado, as narrativas da filha mais nova priorizam a utilização da Língua Portuguesa nos espaços cotidianos na comunicação com os pais, inclusive nos espaços de Libras. d) processo de ressignificação da relação dos pais surdos com as filhas ouvintes em diferentes momentos históricos relacionados aos direitos da acessibilidade profissional. Concluímos que a família com Coda é bilíngue por se inserir em duas comunidades linguísticas e interagir em duas línguas. A diversidades das experiências familiares se traduzem em experiências culturais diversificadas vivenciadas entre surdos e ouvintes no contexto familiar e social, apontando para o uso diversificado da Libras e da Língua Portuguesa (oral e escrita), impulsionadas pela diversidade de ideias, valores, crenças existentes entre pais surdos e filhas ouvintes, que utilizam línguas distintas, mas em tempos diversos (infância, adolescência, adultez), mesmo se vivem no mesmo espaço. Palavras-chave: Família com Coda. Narrativas da experiência. Bilinguismo. Libras.

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SANTOS FILHO, Pedro Luiz dos. Experiences lived by hearing daughters and deaf parents: one family, two languages. Thesis (Doctorate in Education), Graduate Program in Education, Federal University of Rio Grande do Norte, Natal, 2020.

ABSTRACT

The objective of this thesis was to investigate the experience of a family with Coda, made up of deaf parents and two listening daughters, in the processes of interaction in everyday life. It is a qualitative research, carried out from the perspective of (auto) biographical studies, according to Ferrarotti (1988); Josso (2007; 2010); Delory-Momberger (2008); Passeggi (2010; 2014). The survey and data construction were carried out in 2018 and 2019, in the city of Natal, Rio Grande do Norte. We count on the collaboration of a family with Codas, who gave us interviews about the experiences lived in family and social contexts. The criteria for choosing the participants was family composition and because they are speakers of Libras as a natural language, used within the family. As a methodological procedure for collecting and analyzing sources, we use the narrative interview proposed by Jovchelovitche Bauer (2014). Due to the diversity of issues involved, the theoretical framework addresses family constitution and interaction between deaf parents and hearing daughters. In this sense, we rely on Vygotski (1991); Quadros (2017); regarding the concept of sign language in Ferreira Brito (1998); Frames; Karnopp (2004). About the concept of family, we are inspired by Aries (1986); Romanelli (2016) and about culture in Tylor (1920); Laraia (2001); Hall (1997). With regard to Deaf Culture we support Skliar (1998); Strobel (2009), regarding Bilingualism in Macnamara (1967); Grosjean (1994) and Bimodal Bilingualism, in Tussi; Ximenez (2010); Quadros (2017). The analyzes allow to highlight as results: a) the use of the two languages in a hybrid way within the family; b) the prevalence of the use of Libras by the first daughter, revealing periods of adhesion and resistance; c) while the eldest daughter highlights the centrality of Libras in family and social interactions, on the other hand, the narratives of the youngest daughter prioritize the use of the Portuguese language in everyday spaces in communication with parents, including Libras spaces. d) the process of reframing the relationship between deaf parents and hearing daughters at different historical moments related to the rights of professional accessibility. We conclude that the family with Coda is bilingual because it is inserted in two language communities and interact in two languages. The diversity of family experiences translates into diverse cultural experiences lived between deaf and hearing people in the family and social context, pointing to the diversified use of Libras and the Portuguese language (oral and written), driven by the diversity of ideas, values, beliefs existing among deaf parents and hearing daughters, who use different languages, but at different times (childhood, adolescence, adulthood), even if they live in the same space.

Keywords: Family with Coda. Narratives of the experience. Bilingualism. Libras.

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SANTOS FILHO, Pedro Luiz dos. Experiencias vividas por hijas oyentes y los padres sordos: una familia, dos idiomas. Tesis (Doctorado en Educación), Programa de Postgrado en Educación, Universidad Federal de Río Grande del Norte, Natal, 2020.

RESUMEN El objetivo de esta tesis fue investigar la experiencia de una familia con Coda en los procesos de interacción diaria. Se trata de una investigación cualitativa, realizada desde la perspectiva de los estudios (auto)biográficos, de acuerdo Ferrarotti (1988); Josso (2007; 2010); Delory-Momberger (2008); Passeggi (2010; 2014). La construcción de los datos se llevaron a cabo en 2018 y 2019, en la ciudad de Natal-RN, Río Grande del Norte. Contamos con la colaboración de una familia compuesta por padres sordos y dos hijas oyentes, que nos concedieron entrevistas sobre la experiencia vivida en la familia. El criterio para elegir a los participantes fue la composición de la familia y el hecho de ser hablantes de Libras como lengua natural, utilizada dentro de la familia. Como procedimiento metodológico para recopilar y analizar las fuentes utilizamos la entrevista narrativa propuesto por Jovchelovitch y Bauer (2014). Debido a la diversidad de temas involucrados, el marco teórico considera: la constitución familiar y la interacción entre padres sordos e hijas oyentes. En este sentido nos respaldamos en Vygotski (1991); Quadros (2017); sobre el lenguaje de signos en Ferreira Brito (1998); Quadros; Karnopp (2004); el concepto de familia hemos sido inspirados en Ariès (1986); Romanelli (2016) y sobre la cultura en Tylor (1920); Laraia (2001); Hall (1997). En lo que se refiere a la sobre la cultura de los sordos nos hemos apoyado en Skliar (1998); Strobel (2009), en lo que dice al respecto del sobre el bilingüismo en Macnamara (1967); Grosjean (1994), finalmente, sobre el bilingüismo bimodal en Tussi; Ximenez (2010); Quadros (2017). Los análisis permiten destacar como resultados: a) el uso de los dos idiomas de forma híbrida dentro de la familia; b) la prevalencia en el uso de Libras por la primera hija, revelando períodos de adhesión y resistencia; c) mientras que la hija mayor resalta la centralidad de Libras en las interacciones familiares y sociales, por otro lado, las narrativas de la hija menor priorizan el uso de la lengua portuguesa en los espacios cotidianos de comunicación con los padres, incluso en los espacios de Libras; d) proceso de reformulación de la relación entre padres sordos e hijas oyentes en diferentes momentos históricos relacionados con los derechos de accesibilidad comunicacional. Concluimos que la familia con Coda es bilingüe porque está insertada en dos comunidades lingüísticas e interactúa en dos idiomas. La diversidad de experiencias familiares se traduce en diversas experiencias vividas entre sordos y oyentes en el contexto familiar y social, apuntando al uso diversificado de la lengua libra y portuguesa (oral y escrita), impulsado por la diversidad de ideas, valores, creencias existentes entre padres sordos e hijas oyentes, utilizan dos idiomas, en diferentes épocas (infancia, adolescencia, edad adulta), mismo si viven e interactúan en el mismo espacio. Palabras clave: Familia con Coda. Narraciones de la experiencia. Bilingüismo. Libras.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Língua de Sinais Francesa – LSF.................................................. 22

Figura 2: Língua Brasileira de Sinais – Libras............................................... 22

Figura 3: Verbo falar na Libras...................................................................... 23

Figura 4: Livro Linguagem das Mãos, 1983................................................... 25

Figura 5: Livro Linguagem de Sinais das Testemunhas de Jeová, 1992...... 26

Figura 6: Livro Linguagem de Sinais do Brasil, 1983.................................... 27

Figura 7: Livro Por uma gramática – Língua de Sinais, 1995........................ 28

Figura 8: Livro Língua das Mãos, 2008......................................................... 28

Figura 9: Desenho do boneco Mike usado na entrevista............................... 89

Figura 10: Sinal de Mike criado por Giovana................................................... 89

Figura 11: Sinal de comunidade ..................................................................... 91

Figura 12: Sinal de incomodar......................................................................... 91

Figura 13: Sinal da SUESP.............................................................................. 92

Figura 14: Sinal da amiga Luzia...................................................................... 92

Figura 15: Nome de Helena em datilologia...................................................... 92

Figura 16: Sinal de apontar realizado por Julia quando criança...................... 109

Figura 17: Gesto de mau cheiro realizado por Julia quando criança.............. 109

Figura 18: Sinal de cocô................................................................................. 109

Figura 19: Sinal de quarto............................................................................... 111

Figura 20: Sinal de dormir................................................................................ 111

Figura 21: Sinal de banho................................................................................ 111

Figura 22: Sinal de banheiro............................................................................ 111

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ASL Língua de Sinais Americana

BDTD Biblioteca Digital de Teses e Dissertações

CAS Centro de Atendimento ao Surdo

CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

CODA Children of Deaf Adults (Filhos de Adultos Surdos)

CMEI Centro Municipal de Educação Infantil

GRIFARS Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação, Autobiografia,

Representações e Subjetividades

IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do

Norte

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

LSB Língua de Sinais Brasileira

LSF Língua de Sinais Francesa

MEC Ministério da Educação

PROLIBRAS Programa Nacional para a Certificação de Proficiência no Uso e

Ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras

SUESP Subcoordenadoria de Educação Especial do Rio Grande do Norte

TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido

UFERSA-RN Universidade Federal Rural do Semi-Árido do Rio Grande do Norte

UFMT Universidade Federal do Mato Grosso

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................... 12

1 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS: UM SOBREVOO NA HISTÓRIA..... 21

1.1 A Libras na atualidade............................................................................. 29

1.1.1 SignWriting: possibilidade de escrita da Libras......................................... 35

1.1.2 Quem utiliza Libras?.................................................................................. 38

1.1.3 Libras, uma língua de herança: a resenha de um livro biográfico............. 39

1.2 Linguagem e mediação com pessoas surdas........................................... 45

1.3 O desenvolvimento da linguagem de surdos filhos de pais ouvintes........ 45

1.4 O desenvolvimento da linguagem de filhos surdos de pais surdos........... 47

2 SURDOS E FAMÍLIA................................................................................. 49

2.1 A pessoa surda.......................................................................................... 49

2.2 Família e seu conceito............................................................................... 51

2.3 Filhos ouvintes e a interação com os pais surdos..................................... 58

2.3.1 Codas: do que, de fato, estamos falando?................................................ 61

3 CULTURA E BILINGUISMO..................................................................... 63

3.1 Conceituando cultura................................................................................. 63

3.2 O que, de fato, é cultura surda?................................................................ 65

3.3 Bilinguismo: considerações iniciais........................................................... 69

3.4 Bilinguismo como proposta educacional................................................... 70

3.5 Um exemplo exitoso no modelo bilíngue.................................................. 74

3.6 Bilinguismo Bimodal.................................................................................. 76

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................. 79

4.1 Caracterização da pesquisa...................................................................... 79

4.2 Uma família com Coda: os participantes da pesquisa.............................. 81

4.3 Entrevista Narrativa com uma família com Codas..................................... 82

4.4 Ética na pesquisa (auto)biográfica: o caso de uma criança Coda............. 86

4.5 A roda de conversa com uma criança Coda.............................................. 88

5 ANÁLISES DOS DADOS – OS DIÁLOGOS AUTOBIOGRÁFICOS........ 93

5.1 A Família com Codas em sua narrativa: uma construção histórica........... 97

5.2 Narrativas das experiências vivenciadas pelos pais surdos com

as filhas ouvintes....................................................................................... 108

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5.2.1 Aquisição da língua de sinais..................................................................... 109

5.2.2 Dificuldade dos pais no reforço das atividades escolares......................... 112

5.3 Diálogos entre culturas.............................................................................. 116

5.3.1 Diferença entre família ouvinte e surda..................................................... 116

5.3.2 Necessidades dos pais diante da comunidade ouvinte............................. 119

5.4 Narrativas das experiências vivenciadas pelas filhas ouvintes

no uso das duas línguas............................................................................ 124

5.4.1 A família: encontro do ver e ouvir vozes.................................................... 124

5.4.2 Infância das filhas ouvintes........................................................................ 126

5.4.3 As filhas ouvintes e o uso de duas línguas................................................ 129

5.4.4 Escola e o contato sistemático com duas línguas..................................... 130

5.4.5 Trajetórias pessoais na adolescência e escolhas profissionais: relatos

de pais e filha............................................................................................. 134

5.4.5.1 Mediadora da comunicação entre a família surda e os ouvintes............. 134

5.4.6 Escolha para atuar como profissional tradutora-intérprete........................ 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 151

REFERÊNCIAS......................................................................................... 159

ANEXOS.................................................................................................... 177

APÊNDICES.............................................................................................. 183

APÊNDICE 1: ROTEIRO PARA FILHA OUVINTE.................................... 183

APÊNDICE 2: ROTEIRO DE ENTREVISTA DA FILHA MAIS NOVA....... 184

APÊNDICE 3: ROTEIRO DE ENTREVISTA DA MÃE E DO PAI............... 185

APÊNDICE 4: DESCRIÇÃO DOS SINAIS UTILIZADOS NA TESE.......... 186

APÊNDICE 5: LEVANTAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES........... 188

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INTRODUÇÃO

Nascer, aprender, é entrar em um conjunto de relações e processos que constituem um sistema de sentido, onde se diz quem eu sou, quem é o

mundo, quem são os outros1.

Bernard Charlot

Nunca se falou tanto em Língua Brasileira de Sinais – Libras, do que nos

últimos 18 anos do século XXI. Essa visibilidade é consequência do reconhecimento

da dimensão jurídica e legislativa no ano 2002 que essa língua obteve como meio de

comunicação, oficial, dos surdos brasileiros. Embora não sendo a segunda língua

oficial do país, ela é reconhecida legalmente como língua em nosso país.

Posteriormente, no ano 2005, foi publicado o Decreto nº 5.626/05, que regulamenta

a, então conhecida, Lei nº 10.436/2002. Com esse decreto, entre os benefícios

gerados para pessoas surdas, destacamos: o trabalho como tradutores-intérpretes e

como professores e instrutores de Libras. O primeiro e mais importante benefício foi

o educacional, no qual as pessoas surdas têm a garantia ao acesso e à

permanência aos processos de escolarização. No que se refere à permanência, são

visíveis as lacunas, pois, embora tenham o direito à acessibilidade linguística, nem

sempre estão em espaços com a presença de profissionais tradutores-intérpretes de

Libras.

Tais profissionais, no âmbito educacional e em outros espaços, contribuem

com a comunicação e interações dos surdos com a comunidade ouvinte. A formação

desses profissionais de Libras era reconhecida pelo exame de proficiência em

Libras, chamado de PROLIBRAS, criado em 2006, o mesmo que certificou muitos

tradutores-intérpretes, instrutores e professores com intermédio do Ministério da

Educação – MEC. O exame foi substituído pela habilitação e formação das primeiras

turmas do curso superior de Licenciatura em Letras-Libras, a partir do ano de 2010,

responsável por formar professores de Libras. Até então, não havia nenhum curso

de nível superior que atendesse à demanda da legislação, por isso a criação da

Licenciatura e, posteriormente, a criação do Bacharelado em Letras-Libras, cujo

objetivo é formar tradutores-intérpretes. O Instituto Nacional de Educação de Surdos

1 Fragmento do texto escrito por Bernard Charlot, Professor de Sociologia da Educação na Universidade de Paris VIII, intitulado: O filho do homem: obrigado a aprender para ser (uma perspectiva antropológica), 2000, p.53.

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(INES) recebeu autorização do Ministério da Educação, fornecido pelo então

Ministro Fernando Haddad, para abrir, em 2006, o curso de licenciatura, denominado

Pedagogia Bilíngue, no intuito de atender à demanda de crianças surdas nos anos

iniciais da Educação Básica. E, para que tudo isso se consubstanciasse na prática

em todo o território brasileiro, foram criados códigos de vagas para o serviço público

e, concomitantemente, a abertura de concursos públicos para professores de nível

superior e para os tradutores-intérpretes de Libras, beneficiando não apenas a

garantia da educação aos surdos, mas colocando centenas de pessoas no mercado

de trabalho e valorizando uma área que era, até então, “apagada”, “invisível” da

Língua Brasileira de Sinais. Essa valorização tem atraído profissionais de várias

áreas, como Fonoaudiólogos, Psicólogos, Professores, entre outros, com intuito de

inserção no mercado de trabalho, por meio de capacitações e aprendizagem da

Língua Brasileira de Sinais – Libras, uma vez que o mercado exige cada vez mais

um profissional que possua fluência nessa língua, conseguindo minimamente

comunicar-se com as pessoas surdas, sem, necessariamente, ter a presença do

tradutor-intérprete.

Dessa forma, o debate sobre Libras tomou proporções para além das

demandas da comunidade surda, em relação à empregabilidade, ampliação de

pesquisas no campo acadêmico e trabalhos empíricos. Esses fatores contribuíram

para a comunidade surda afirmar, cada vez mais, a originalidade da língua, divulgar

a cultura, identidade e subjetividade das pessoas surdas no Brasil.

A condição de profissional da área da língua de sinais brasileira trouxe, ao

longo desses 18 anos de contato com a Libras, interações de pessoas surdas e

ouvintes. Este profissional foi inserido na comunidade surda como militante, antes

mesmo dessa configuração pós-legislação, com conhecimento de Libras e

efetuando trabalhos como tradutor-intérprete, na maioria das vezes, como voluntário.

O reconhecimento profissional foi trazido pelo “pós-legislação”.

O interesse pela área da surdez começa muito cedo, quando o presente autor

era ainda adolescente, em um espaço religioso do qual fazia parte. Embora não

conhecesse a língua de sinais até aquele momento, fora impactado por ela, e, desde

então, instigado a pesquisar sobre Libras. Anos depois, veio a compreensão de que

este espaço proporcionou a primeira experiência com pessoas surdas para muitos

intérpretes e professores de língua de sinais.

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Dessa forma, concorda-se com Silva (2012, p. 102), em seu trabalho

intitulado “Cultura Surda: agentes religiosos e a construção de uma identidade”,

destacando que a igreja evangélica teve um papel importante para afirmar a surdez

como particularidade étnico-linguística:

Geralmente, a prática de evangelização de surdos enquanto grupo étnico-linguístico, conformada pela atuação do missionário, também intérprete, tem como ponto de partida agentes e congregações batistas, constituindo um movimento que tem se espraiado em uma rede que alcança inclusive a Igreja Católica. Cursos de formação de intérprete ministrados por batistas com essa performance, explicam a sua posição de agência disseminadora.

Depois do primeiro contato com a comunidade surda, houve uma dedicação

voltada a novas discussões, de ordem acadêmica, acerca da educação bilíngue e da

Libras como primeira língua e o uso da mesma no curso de graduação em

Fonoaudiologia. Essas discussões, de opiniões distintas quanto ao uso da Libras,

não são tão recentes no Brasil e no mundo neste campo de estudo, tornando-se

mais visíveis a partir do reconhecimento da Libras como língua legítima da

comunidade surda, regulamentada pelo Decreto de nº 5626, de 22 de dezembro de

2005. O presente autor, então, pôde concluir a formação no curso de

Fonoaudiologia, sendo, atualmente, professor de Libras da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte. Na graduação, a vocação pela docência foi descoberta,

motivada pela participação na qualidade de instrutor de Libras em um curso de

extensão universitária e por ministrar palestras acerca da Libras e/ou na condição de

tradutor-intérprete de Libras, além de atuar como intérprete em contexto escolar e

religioso. Já possuía certificação conferida pelo Ministério da Educação, em nível

médio, para atuar no uso e no ensino da Libras e, com diploma do ensino superior,

foi feita uma nova prova de proficiência, dessa vez, para atuar no ensino superior.

Para Skliar (2010), a língua oral, escrita ou sinalizada, potencializa o

desenvolvimento psicológico e interfere na socialização, na identidade e na

subjetividade do sujeito, ou seja, a construção de si mesmo como pessoa. A língua

de sinais constitui o elemento identitário para as pessoas surdas. O decreto

supracitado é de extrema importância, pois vem reconhecer a “voz” da pessoa surda

em sua plenitude, estabelecendo a inclusão da Libras em diversos segmentos da

sociedade, dentre eles, a escola. Historicamente, a educação dos surdos é marcada

pela proibição do uso da língua de sinais no desenvolvimento linguístico e

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educacional. Essa perspectiva ainda tem resquícios na atualidade. Essas pessoas

têm acesso à língua de sinais só na adolescência ou até mesmo na idade adulta,

restringindo o repertório linguístico e seus rebatimentos no desenvolvimento

cognitivo. É válido ressaltar que a sociedade desconhecia a Libras e as

especificidades linguísticas dessa língua (STROBEL, 2009)2.

Muitas pesquisas (QUADROS, 1997; GOLDFELD, 2000; TAVARES, 2001;

FORMIGONI, 2004; CAMPOS, 2009; MARZOLLA, 2010; BARBOSA, 2012) acerca

da língua de sinais vêm sendo desenvolvidas no Brasil, sobretudo, no que diz

respeito às crianças surdas. Essas pesquisas têm como objetivo estudar as

interações de crianças surdas de pais ouvintes.

Em uma pesquisa inicial na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações

(BDTD)/Instituto Brasileiro de Informações em Ciência e Tecnologia, buscou-se

investigar sobre crianças ouvintes de pais surdos.

Os estudos apresentados no quadro elaborado e inserido nos Apêndice 5

evidenciam pesquisas na área da surdez nas regiões Sudeste e Sul. Apenas três

instituições situadas no Nordeste apresentam discussões relativas à relação família,

surdez e escola, lembrando que as famílias apresentadas nos trabalhos citados no

Apêndice 5 são de pais ouvintes que possuem filhos surdos.

O primeiro trabalho identificado foi uma tese com o tema: “Interação e

construção de sistema gestual em crianças deficientes auditivas, filhas de pais

ouvintes”, defendida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O foco do

trabalho insere-se numa abordagem socioconstrutivista no tocante à aquisição e ao

desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento de uma comunicação gestual

em crianças surdas (PEREIRA, 1989). Tal pesquisa apareceu quando se iniciou a

busca pela temática de forma aleatória. Porém, decidiu-se pelas pesquisas que

estivessem entre 2000 a 2015, com o objetivo de encontrar trabalhos sobre Codas.

Nessa pesquisa, identificou-se, ainda, uma dissertação de mestrado, do ano

de 2015, defendida na Universidade Estadual de Campinas (UFMT), intitulada

“Níveis de atividade física e barreiras e facilitadores para sua prática entre

adolescentes surdos e ouvinte”, cujo foco foi investigar e comparar os fatores

ambientais para a prática de atividades físicas, segundo a Classificação

Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF, bem como os níveis

2 Essa autora é surda, doutora em Educação, militante da educação de surdos no Brasil.

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de atividade física entre adolescentes surdos e ouvintes (ANDRADE, 2015). Entre os

anos de 2000 e 2015, a pesquisa na BDTD apresentou várias temáticas referentes à

surdez, contudo, não apresentaram relação direta com nossa temática, motivo pelo

qual não haverá um aprofundamento quanto a isso.

Realizou-se nova pesquisa, no mesmo site da BDTD, com os descritores

“narrativas de filhos ouvintes de pais surdos” e depois “Codas”, resultando em

estudos de pós-graduação em nível de mestrado. É interessante ressaltar que,

depois do ano de 2011, outros trabalhos foram surgindo com esse objeto de estudo.

Vale salientar que são pesquisas bastante recentes que mostram a relevância da

temática, bem como sua inserção no campo acadêmico do Brasil.

Nesse levantamento, foram encontradas duas dissertações sobre filhos de

pais surdos. A primeira discute a construção de identidades dos indivíduos ouvintes

no convívio familiar com pais surdos a partir de reflexões sobre socialização e

surdez (ANDRADE, 2011). A segunda é a de Neves (2012), que investigou os

processos de aquisição de duas línguas de diferentes modalidades – oral/auditiva e

visual/espacial, buscando entender a relação das crianças com a língua de sinais

(LSB - Língua de Sinais Brasileira) e a língua falada (PB - Português Brasileiro).

Não havendo plena satisfação com os poucos achados de pesquisas,

prosseguiu-se na busca, encontrando-se, em terceiro lugar, a pesquisa de Pereira,

(2013) com título: “Nascidos no silêncio: as relações entre filhos ouvintes e pais

surdos na educação”. O foco foi discutir as relações familiares entre pais e filhos,

mostrando as diferenças em relação às famílias que não possuem pessoas surdas

nas interações familiares, desmistificando preconceitos e pré-conceitos. O quarto

trabalho encontrado foi o de Souza (2014), objetivando compreender como se

estabelece o perfil profissional do tradutor e intérprete de Libras, partindo do

princípio de que alguns desses profissionais são ouvintes e tiveram vivências com

familiares surdos. Ainda em 2014, foi encontrada a pesquisa de Streiechen (2014),

investigando a aquisição da língua de sinais pelos filhos ouvintes de pais surdos a

partir de um estudo de caso pela Universidade Estadual do Centro – Oeste, Paraná

(UNICENTRO). Continuando a pesquisa com o descritor Codas, Sander (2016)

apresenta reflexões acerca de processos comunicativos e aspectos da

aprendizagem e desenvolvimento dos filhos ouvintes de pais surdos. O contexto

familiar apresentava aspectos da educação bilíngue – Libras e Língua Portuguesa, e

o objeto de estudo foi a percepção de pais surdos sobre os aspectos: social,

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emocional e educacional. Em seguida, Silva (2016) apresenta um trabalho intitulado:

“Codas Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais Brasileira: percurso para o

profissional a partir das experiências vivenciadas enquanto Coda”.

Uma outra pesquisa comparou o processamento auditivo de crianças filhas

de surdos, que foram pouco expostas à língua oral no início de suas vidas, com o de

crianças filhas de ouvintes (MONTEIRO, 2017).

E, por fim, mais uma dissertação foi encontrada, a de Brancalione (2019). O

trabalho evidenciou que os estímulos constantes nas duas línguas possibilitaram

que crianças aos cinco anos de idade já consigam se comunicar por meio das duas

línguas.

Verificou-se que existe uma escassez de pesquisas empíricas direcionadas

aos filhos ouvintes de pais surdos, embora tenhamos encontrado esse estudo que

enfatiza os processos de constituição da identidade dos filhos de pais surdos e seu

processo de socialização e subjetivação, realizado com adultos ouvintes filhos de

surdos.

As pesquisas encontradas, citadas acima, abordam várias temáticas relativas

às crianças surdas de pais ouvintes de forma genérica. A revisão inicial da literatura

apontou a necessidade de produção de pesquisas sobre as interações de surdos e

ouvintes no contexto familiar a partir das memórias e relações sociais e afetivas de

pais e filhos. A presente proposta com essa investigação reconhece a “voz” da

pessoa surda em sua plenitude, visando ampliar o conhecimento científico sobre o

cotidiano de filhos ouvintes de pais surdos. Este trabalho é relevante e tem um valor

social, pois contribui com o âmbito familiar, no qual as primeiras trocas de

experiências acontecem, e, consequentemente, atinge a escola na maneira de lidar

com crianças ouvintes de pais surdos. A visão oferecida por um trabalho dessa

natureza levará, certamente, a uma mudança de comportamento frente a essas

crianças, pois questões corriqueiras de uma escola (como reuniões, questões que

envolvam dificuldade de aprendizagem, mal comportamento, atividades

comemorativas, etc.) devem ser informadas aos pais, que, por serem surdos,

necessitarão de um meio de comunicação diferente das dos outros pais, devendo-

se, ainda, ter consciência de preservar a criança no sentido de não a expor ao

constrangimento de ter que mediar a comunicação entre a comunidade escolar e

seus pais. A visibilidade da comunidade surda com essa especificidade familiar está,

também, na dimensão social. E, consequentemente, este trabalho tem uma

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relevância pessoal e profissional, pois, por atuar na docência com a Libras,

contribuirá para que os alunos na disciplina Libras passem a vislumbrar em seus

estudos a temática “Família com Codas”, tema que não é mencionado nesse

componente curricular.

No ano de 2017, foi publicada a primeira obra no Brasil que trata dessa

temática, o livro intitulado “Língua de Heranças: língua brasileira de sinais”, da

Professora Doutora Ronice Müller de Quadros, da Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC). A autora nos apresenta a teoria sobre língua de herança

relacionada aos Codas no Brasil, contribuindo para a ampliação de estudos voltados

à comunidade surda, à Libras e aos filhos ouvintes de pais surdos. A Libras consiste

em uma língua de herança, uma vez que é utilizada por uma comunidade local

dentro de uma outra comunidade que utiliza uma língua de forma abrangente, que é

o caso da Língua Portuguesa (QUADROS, 2017). Ela ainda explica que os surdos,

por exemplo, crescem com duas línguas.

Dessa forma, esse falante tem a oportunidade de compartilhar duas experiências culturais e linguísticas diferentes. O falante de herança cresce com uma língua de herança e com a língua usada em sua comunidade mais geral, portanto, é supostamente um bilíngue com duas línguas (ou mais) línguas nativas (QUADROS, 2017, p. 1).

Embora os filhos ouvintes de pais surdos sejam brasileiros, eles usam duas

línguas em seu país, isso porque seus pais, no âmago familiar, são falantes de uma

outra língua.

Essa especificidade linguística do uso de duas línguas não é privilégio,

apenas, dos filhos de surdos, mas os imigrantes que moram aqui no Brasil, por

exemplo, compartilham essa ideia, ou seja, em casa, o idioma materno e a Língua

Portuguesa (QUADROS, 2017).

Oliveira (2014) afirma a necessidade de pesquisar acerca de filhos ouvintes

de pais surdos. Na visão da autora, as pesquisas sobre esse tema ainda são

escassas no Brasil e possibilita diversas investigações científicas:

As pesquisas e reflexões em torno dos Codas – Children of Deaf Adults – Filhos de Pais Surdos ainda são incipientes no Brasil. As questões que permeiam essas reflexões e pesquisas orbitam a esfera da cultura e língua. A língua de sinais é a primeira língua de um Coda? O Coda é bicultural? Quando o tradutor intérprete – Tils – é Coda, ele tem vantagens sobre o profissional que não é Coda?

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Tais questões não encontrarão respostas prontas neste trabalho (OLIVEIRA, 2014, p. 277).

Corroborando o pensamento da autora supracitada, Souza (2014) também

revela a necessidade do surgimento de pesquisas que possam contribuir com a

abordagem deste tema, que, embora faça parte da comunidade surda do Brasil,

ainda é pouco explorado (p. 129). No trabalho desse autor, ele afirma também não

ter encontrado nenhuma tese nem dissertação no Brasil que versasse sobre

intérpretes Codas, objeto de seu estudo publicado recentemente.

Isso revela o ineditismo pretendido na trajetória da construção da nossa

pesquisa envolvendo essa temática.

Com base nessas argumentações, a minha questão central de pesquisa é: o

que dizem as filhas ouvintes e pais surdos sobre a utilização de duas línguas no

cotidiano? O que diz uma família com Coda sobre processos de interação no

cotidiano?

Tomou-se como objetivo geral da tese: analisar narrativas da experiência de

uma família com Coda sobre processos de interação no cotidiano. Como objetivos

específicos, são propostos:

Identificar em narrativas autobiográficas as relações que se

estabelecem no cotidiano familiar de pais surdos e filhas ouvintes;

Descrever o processo de interação numa família com Coda na

perspectiva das filhas ouvintes;

Descrever o processo de interação numa família com Coda na

perspectiva dos pais surdos.

Analisar o processo de interação numa família com Coda na

perspectiva das filhas ouvintes e dos pais surdos.

TESE: As filhas ouvintes de pais surdos podem vivenciar nas interações

experiências culturais diferentes, devido ao uso de duas línguas, ao longo de suas

existências, nos âmbitos familiar e social.

Esta tese está dividida em cinco seções, sendo a primeira a parte introdutória

do trabalho, na qual se apresenta o interesse e a atuação, por parte do autor, em

pesquisar nessa área, além do objetivo geral, seguido dos específicos, para a

elaboração do estudo.

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Na primeira seção, apresentam-se questões acerca da Língua Brasileira de

Sinais, desde o seu conceito à concretização da sua inserção no âmbito nacional

brasileiro.

Em seguida, a segunda seção, trazendo questões pertinentes sobre as

pessoas surdas, o aporte teórico sobre família e a relação entre surdos, filhos

ouvintes e a utilização de duas línguas no seio familiar.

Na terceira seção, apresenta-se o conceito de cultura de uma forma geral e

trouxemos elementos que caracterizam a cultura das comunidades surdas e o seu

discurso sobre sua origem, língua e família.

Na quarta seção, discorre-se sobre o caminho metodológico percorrido para

chegarmos aos resultados da tese. Nessa seção, caracteriza-se a pesquisa, além de

apresentar o espaço, os participantes e instrumentos e recursos para a construção

dos dados empíricos.

E, na quinta seção, focaliza-se na essência da pesquisa constituída pelas

narrativas de uma família com Coda que construíram nossa tese, fazendo-nos

reconhecer sua história em toda sua plenitude por meio da cultura, da língua e de

experiências vivenciadas em seu seio familiar.

Nas considerações finais, encontram-se de maneira sintetizada as

interpretações realizadas com base nas análises e resultados obtidos nas seções

anteriores, que potencializaram a tese sobre uma família e duas culturas,

concretizada pelas experiências vividas em duas línguas no seu seio familiar. A

partir desses resultados, aponta-se a necessidade de mais pesquisas nessa área.

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1 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS: UM SOBREVOO NA HISTÓRIA

[...] Bem, na verdade não posso mesmo impedi-lo, visto que é o único meio de me comunicar com ele - vê, se nós parássemos com isso e

dependêssemos só da voz, não iríamos a lugar nenhum com ele. Temos de usar sinais, apesar de tentarmos não permitir que ele os use3.

A epígrafe mostra a narrativa de uma mãe que revela a resistência da língua

de sinais mesmo em meio à proibição de sua utilização. Nessa narrativa, podemos

entender que, ainda que se não pudesse usar a língua de sinais, seria impossível

uma compreensão efetiva das informações direcionadas aos surdos. O citado

depoimento faz parte da introdução do capítulo 11, intitulado: “As línguas de sinais:

mitos e realidade”, do livro “Deaf Children and their Families”, com publicação em

1976 e mencionado por Freeman, Carbin e Boese (1999) no livro: “Seu filho não

escuta?”. A introdução aponta o sentimento de uma mãe que reconhece a

importância da língua de sinais para seu filho, mas que ela ocupa um lugar de apoio

para comunicação, não consistindo na primeira língua. Durante esse capítulo,

compreenderemos a existência das línguas de sinais por meio de um contexto

histórico de lutas e mudanças de paradigmas.

O ano de 1857 marca a história dos surdos e da língua de sinais no Brasil,

com a consolidação da educação de surdos por meio da fundação do Instituto

Imperial Surdo-Mudo, que, atualmente, é conhecido como Instituto Nacional de

Educação de Surdos (INES). Inicialmente, foi feito um convite ao Conde E. Huet,

professor surdo Francês, pelo então Imperador Dom Pedro II. O professor Huet

trouxe consigo os conhecimentos da Língua de Sinais Francesa (LSF),

incorporando-a ao ensino dos surdos brasileiros matriculados nesse instituto para

surdos filhos da nobreza.

No Brasil, é unânime entre os pesquisadores (ROCHA, 1997; COUTINHO,

2009; QUADROS; CAMPELLO; REZENDE, 2014) declarar que a língua de sinais do

Brasil possuiu influência da LSF. Um registro foi realizado pelas pesquisadoras

Quadros e Campello (2010) no qual expõem a ideia dessa influência, como mostra a

ilustração a seguir:

3 Narrativa de uma mãe de surdo norte-americana retirada do Livro: “Seu filho não escuta?” E são autores dessa obras: Rogger D. Freeman; Clifton F. Carbin e Robert J. Boese, 1999, p. 149.

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O exemplo acima também pode ser visto no livro de Quadros (2017), “Língua

de Herança”. A primeira figura, que faz parte do dicionário denominado

“Iconographia dos signaes dos surdos mudos”, criado por um surdo chamado

Flausino José da Gama, apresenta alguns sinais referentes a animais que eram

utilizados pelos surdos da França, e a segunda, os mesmos sinais, com as palavras

em Língua Portuguesa, registrados no ano de 1875. Esse fato levou as

pesquisadoras (QUADROS; CAMPELLO, 2010) à compreensão da existência de

traduções e/ou adaptações dos materiais trazidos pelo professor E. Huet, e isso

justifica a influência da língua de sinais francesa, além da própria origem desse

professor.

Um outro sinal que evidencia a influência da LSF na língua brasileira de sinais

é o verbo FALAR, realizado com a letra P, e não com a letra F, que inicia a palavra

“falar” em português. Nosso pensamento é que a realização do sinal com a letra P

tem a ver com o citado verbo escrito com a letra P na França, “parler”, como

ilustrado a seguir:

Figura 1: Língua de Sinais Francesa – LSF Fonte: Quadros e Campello, 2010.

Figura 2: Língua Brasileira de Sinais – Libras Fonte: Quadros e Campello, 2010.

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Figura 3: Verbo Falar na Libras4 Fonte: Dicionário de Capovilla, 2001.

O professor E. Huet permaneceu no Brasil até o ano de 1861, e, em seu

lugar, assumiu o Doutor Manoel de Magalhães Couto, que levou o instituto a se

transformar em um asilo, passando a abrigar surdos sem condições financeiras de

manter-se (MOURA, 2000; ROCHA, 1997).

De 1867 a 1951, predominava, no Instituto de Surdos, a abordagem

educacional oralista, dando ênfase ao aprendizado a partir da fala, ou seja, era um

atendimento clínico voltado ao desenvolvimento da língua oral. Um evento que deu

mais força ao paradigma oralista foi o Congresso Internacional de Surdo-Mudez, em

Milão – Itália, no ano 1880. Conhecido internacionalmente como Congresso de

Milão, reuniu intelectuais voltados aos debates sobre surdez, que decidiram pela

proibição das línguas de sinas no mundo todo, trazendo consequências danosas à

educação de surdos, com a consolidação da abordagem oralista para os surdos no

mundo e proibindo as línguas de sinais com o pré-conceito de que os sinais

impediam o desenvolvimento da linguagem oral pelas pessoas surdas (ROCHA,

1997).

Quadros (2017) nos lembra que, depois do período colonial, a língua de sinais

foi estendida para todo o território brasileiro, uma vez que os próprios ex-alunos do

Instituto dos Surdos, ao voltarem para seus Estados, passaram a criar as

Associações dos Surdos, responsáveis pela consubstanciação da íngua de sinais

(conhecida atualmente como Libras). Isso se deu por intermédio da representação e

da importância social que essas pessoas tiveram para as comunidades surdas. E foi

nesses lugares que os surdos disseminaram a Libras e fortaleceram os laços de

luta. Isso deixou o uso e a importância da língua de sinais vivos para essas pessoas,

embora até então desconsiderada pela maioria ouvinte.

4 A descrição dos sinais apresentados, por figura nesta tese, estão inseridos no Apêndice 4.

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Depois que o Governo Federal, a partir das campanhas voltadas ao

atendimento educacional de alunos com deficiência, assume a educação de surdos

nacionalmente em 1957, a visão oralista ainda era o modelo pedagógico a ser

seguido. Só em 1980, a língua de sinais passa a compor o projeto pedagógico do

então Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), isso porque vigorava uma

outra abordagem educacional chamada Comunicação Total, que permitia o uso da

língua de sinais como parte da alternativa educacional, visando à linguagem oral

(MAZZOTTA, 2011). O uso da língua de sinais, no contexto da Comunicação Total

na educação de surdos, foi de extrema importância para que estudos começassem a

surgir, constatando que a língua de sinais não era uma linguagem nem recurso para

a aprendizagem da língua oral, e sim, de fato, uma língua que possuía, em sua

estrutura, as mesmas características linguísticas de qualquer língua.

O uso da língua de sinais toma ainda mais fôlego, na década 1990, com a

Conferência Mundial sobre as Necessidades Educacionais Especiais, realizada em

Salamanca em 1994, oportunidade em que surgiu uma declaração que influenciou

as discussões sobre democratização do ensino (MAGALHÃES; CARDOSO, 2011).

Relacionado à educação de surdos e levando em consideração que a escola é um

espaço que considera as individualidades e um local de acesso à aprendizagem, o

ensino das pessoas surdas deveria ser ministrado a partir da língua de sinais.

A sinalização utilizada pelas comunidades surdas no Brasil já era considerada

língua para elas e para a professora pesquisadora Lucinda Ferreira Brito, a qual

apresentou as primeiras publicações nas décadas de 1980 e 1990. Essa

pesquisadora, já dando status de língua, apresentou que, no Brasil, há duas línguas

de sinais: uma, utilizada nos centros urbanos denominado por ela de Língua de

Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros (LSCB) e a segunda, utilizada pela

comunidade indígena Tupi-Guarani / URUBU KAAPOR, que ela denominou de

Língua de Sinais Urubu-Kaapor (QUADROS, 2017).

A professora utilizou o termo língua em uma década em que as pessoas não

sabiam como tratá-la, pois as línguas de sinais eram reconhecidas como mímicas ou

linguagem.

Quadros e Karnopp (2004) destacam os mitos relacionados à Língua

Brasileira de Sinais. As autoras afirmam que existe a crença de que a Libras é uma

mistura de pantomima e gestos, de modo a não existir possibilidade de expressar

conceitos abstratos. Outra crença é que a língua de sinais é universal, ou que ela é

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derivada da língua oral e, por isso, não possui gramática própria. Os mitos quantos

às línguas de sinais estão associados a uma crença de que seria uma forma de

comunicação, uma linguagem, e não, de fato, uma língua. Mas existe a

comprovação científica de que as línguas de sinais possuem características típicas

de língua natural, sendo possível identificar as características linguísticas existentes

nas línguas orais.

Uma prova de que a língua de sinais estava relacionada à linguagem está

estampada em alguns livros que foram bastantes conhecidos, aqui no Brasil, pelas

pessoas que faziam cursos nessa área, apresentando sinais de A a Z ilustrados em

língua de sinais, como a ilustração abaixo:

O livro “Linguagem das Mãos”, de Eugênio Oates

(1983), apresenta vários sinais, sendo a imagem do

padre sinalizando e, em seguida, a descrição, para

realização do sinal. O sumário do livro segue

respectivamente com temas genéricos, como, por

exemplo, os sinais de: cores; homem e família;

alimentos e bebidas; animais; o mundo e a natureza;

religião; tempo; regiões do mundo, alguns países

(nacionalidades); Estados brasileiros; territórios

federais e capitais; vestuário e acessórios; esportes e

jogos recreativos; antônimos; números: cardinais e

ordinais. A composição segue com os verbos,

substantivos, adjetivos, advérbios, pronomes, preposições e as conjunções. O autor

sempre destacava duas grandes observações: a primeira em relação ao tempo do

verbo e a segunda, em relação aos substantivos e artigos, a saber:

PRESENTE – Usar o pronome pessoal e o infinitivo do verbo para todas as formas do singular e do plural. PASSADO – Usar o pronome pessoal, fazer o sinal de “já” e o infinitivo do verbo para todas as formas do singular e do plural. FUTURO – Usar o pronome pessoal, fazer o sinal de “ir” e o infinitivo do verbo para todas as formas do singular e do plural (OATES, 1983, p. 15).

Em seguida, o autor apresentava os verbos em ordem alfabética com sua

imagem sinalizada e, logo abaixo, a descrição do sinal. E a segunda observação foi

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a do Capítulo 2, acerca dos substantivos, adjetivos, advérbios, pronomes,

preposições e conjunções, com apenas essa observação:

SUBSTANTIVOS para formar o plural dos substantivos deve-se repetir a mímica ou indicar o número. ARTIGOS: - o, a, os, as. Em geral não se usa o artigo com o substantivo na forma do singular ou do plural (OATES, 1983, p.79).

Chamamos a atenção por algo dito pelo padre Eugênio, quando ele explica

sobre a realização de um substantivo, afirmando que devemos repetir a “mímica”,

pois esse era o termo utilizado na época, atualmente tratado como “sinal” ou signo

linguístico da Libras.

Uma outra observação que é precioso destacar é a do Capítulo 8, que trata

dos sinais de religião. Os sinais que compõem esse capítulo eram do contexto

católico, uma vez que o autor era padre, e seu objetivo com esse livro era, entre

outros, divulgar a língua de sinais, como também de conseguir fiéis surdos para seu

contexto religioso, como afirma em seu prefácio.

Na imagem abaixo, apresenta-se a capa de uma obra direcionada às relações

linguísticas da língua de sinais e ao contexto religioso.

O livro de Sinais das Testemunhas de Jeová (1992) não era diferente no que

se refere aos temas do sumário. Eram temas genéricos, semelhantes àqueles

encontrados no livro do padre Eugênio Oates.

E, da mesma forma, havia a imagem de uma pessoa

sinalizando, seguindo com a descrição de como

realizar o sinal. No sumário, eles substituíram o tema

religião, como posto no livro anterior, por “assuntos

bíblicos”. O conteúdo desse capítulo é voltado para o

contexto da instituição religiosa denominada

“Testemunhas de Jeová”. Interessante destacar é o

uso de imagens nesse capítulo, que reforça a

compreensão da pessoa surda.

A edição de 1992 teve 8.000 exemplares, com

distribuição em todo o território brasileiro, no intuito de

ajudar as Testemunhas de Jeová a ensinarem a língua de sinais aos surdos na

época, a saber:

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Um dos objetivos do compêndio é ajudar as testemunhas de Jeová a ensinar a linguagem de sinais aos deficientes auditivos que ainda não a conhecem. Por outro lado, alguns destes talvez nem mesmo sejam alfabetizados (p.1).

Além de usar o termo “linguagem”, os objetivos se assemelham: evangelizar e

ensinar a língua de sinais mediante a propagação dos livros eram os principais

olhares dos religiosos ao se apropriarem dessa língua.

Diferente dos primeiros livros acima citados, o livro “Linguagem de Sinais do

Brasil” (1983) apresenta um conteúdo mais teórico e não mais com o modelo de

imagens de uma pessoa realizando o sinal e a

descrição de como realizá-lo.

Na primeira parte do livro, são apresentadas

questões relacionadas à surdez, à linguagem de

sinais e à comunidade de surdos, bem como à

história da linguagem de sinais no Brasil. Um de

seus idealizadores era padre, portanto, o conteúdo

religioso estava entre os componentes do sumário

do livro, além de teorias sobre o surdo, a língua e

sua aprendizagem. Foi inserido um breve léxico ao

final da obra, a qual também começou a circular

entre as pessoas que faziam cursos básicos da

língua brasileira de sinais em alguns Estados do

Brasil, dentre eles, o Rio Grande do Norte e a Paraíba. A prioridade do citado

trabalho era apresentar questões de natureza teórica que esclarecesse ao leitor

sobre a surdez, sobre as pessoas surdas e sua língua, de maneira que os

aprendizes da língua de sinais se apropriassem das questões teóricas, e não

apenas da língua pela língua, ou seja, a prática.

Posteriormente, o livro de Lucinda Ferreira de Brito foi publicado no Brasil no

ano de 1995, apresentando, de forma pioneira, um estudo ampliado sobre a língua

de sinais e sua gramática. Nele, abordam-se os aspectos linguísticos da língua de

sinais sobre os pontos de vista morfológico, sintático, semântico e pragmático,

ampliando o entendimento de que a Libras é uma língua completa como as demais

existentes no mundo. Na ocasião, a autora explica que a língua de sinais,

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diferentemente da oral/auditiva (Língua Portuguesa), possui modalidade

visuoespacial.

O que diferencia essa obra das demais,

anteriormente citadas, é justamente o conteúdo

aprofundado da gramática da Libras, ao passo que

os outros autores se preocupavam com o léxico da

língua, apresentando as palavras em português e,

em seguida, suas imagens, com a realização dos

signos linguísticos da língua de sinais.

Vale lembrar que a autora deu um nome para a

língua de sinais do Brasil, que passou a se chamar

Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros

(LSCB), passando, assim, a ser esta a primeira sigla

voltada à língua de sinais. Atualmente no Brasil, há

duas línguas de sinais: a primeira é a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), e a

segunda, a língua utilizada pelos índios Urubus-Kaapor na floresta amazônica

(BRITO; QUADROS; FELIPE, 1998).

Em 2008, publicou-se uma edição editada e

atualizada pela Editora Santuário, e em Português,

do Padre Eugênio Oates. Dessa vez, a obra corrige a

tradução e passa a utilizar língua ao invés de

linguagem. Isso nos leva a acreditar que o problema

seria de tradução, ou as pessoas ainda não haviam

estudado o suficiente para afirmar que o conteúdo

ilustrado pertencia a uma língua. Os livros ora

apresentados acima foram grandes aliados ao

iniciarmos os estudos sobre ensino e aprendizagem

da língua de sinais no Brasil, tendo ficado na

memória da nossa geração de professores e intelectuais que estudam a história da

educação de surdos e da Libras no Brasil. Eles também foram importantes para a

comunidade surda. Lima, Porto e Silva (2020) apresentaram uma pesquisa acerca

da história da Libras na cidade de Campina Grande, Estado da Paraíba, ficando

evidente, nas narrativas dos surdos adultos, participantes da pesquisa, a importância

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do livro do Padre Eugênio Oates. Essa obra, nas narrativas dos surdos, foi o

primeiro contato com um dicionário da língua de sinais.

Esses materiais eram fonte de pesquisa sobre os sinais, quando os já

conhecidos se esgotavam, era nosso “Google” no passado, para a ampliação e o

ensino de novos vocábulos em língua de sinais. E, sobre o emprego dos termos

língua ou linguagem no caso da Libras, apresentamos uma breve discussão sobre

Língua ou Linguagem: que termo, de fato, devemos utilizar em relação à Libras?

1.1 A Libras na atualidade

Partimos do pressuposto de que língua é o meio do qual o ser humano se

utiliza para comunicar-se uns com os outros. Queremos aqui estabelecer, de forma

sucinta, o conceito de língua para esse momento.

A língua é um sistema de signos que exprimem ideias, e é comparável, por isso, à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais militares etc., etc. Ela é apenas o principal desses sistemas (SAUSSURE, 1970, p.24).

Embora Saussure não estivesse se referindo o alfabeto dos “surdos-mudos”

enquanto língua, tal comparação ressalta a língua dos surdos, objeto do nosso

trabalho, e o conhecimento e a existência dessa comunicação sinalizada nos

debates linguísticos.

A língua, na concepção de Saussure, é fenômeno social. Isso significa que

ela é dependente da cultura dos seus usuários e resultado da interação entre as

pessoas. É por meio da língua que nos apresentamos, ela revela quem somos

(ANTUNES, 2009).

Costa (2008) enfatiza que Saussure, sendo precursor do estruturalismo,

descreve a língua como um conjunto de unidades que segue princípios de

funcionamentos. Ainda se refere à língua como sendo formada por elementos

coesos, inter-relacionados, cujo funcionamento depende de um conjunto de regras,

concebendo, em sua finalidade, uma organização, um sistema, uma estrutura. E, por

fim, a língua é concebida como um sistema que está para além do individual, seu

objetivo é ser meio de comunicação entre as pessoas que participam de uma

determinada comunidade.

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A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários (SAUSSURE, 1970, p.27).

Compreendemos ainda mais a função da língua nessa fala de Saussure ao

fazer congruência à fala de Marcos Antonio Costa, quando ressalta a língua como

meio de comunicação entre as pessoas, ou seja, ela é inerente ao ser humano:

desde o nascimento, está para seus usuários e permite que as pessoas transitem

em países diferentes com objetivo comunicacional, e daí sua função social.

Marcos Bagno, autor de diversos livros, dentre eles, “Preconceito linguístico: o

que é, como se faz” e “Língua materna: letramento, variação e ensino”, apresenta

concepções de língua relevantes para o estudo. Esse professor apresenta em seu

livro direcionado à língua definições diversas, uma delas aqui destacada: “A língua é

uma atividade de natureza sócio-cognitiva, histórica e situacionalmente desenvolvida

para promover a interação humana” (BAGNO, 2002, p.24-25).

Dessa forma, a aquisição da língua, sua manutenção e mudanças são, de

fato, resultado da interação de influências sociais pessoais, comportamentais e

ambientais.

Mendes (2015) apresentou, em um artigo, a ideia de cultura para o processo

de ensino e aprendizagem de língua estrangeira e de segunda língua. Esses

conceitos podem ser direcionados ao contingente de professores que atuam no

ensino de língua. O conceito de língua associado à cultura evidencia a

responsabilidade pedagógica dos professores que não ensinam apenas a língua e

suas convenções gramaticais, mas possibilita a imersão nos fenômenos sociais e no

“modo de construirmos os nossos pensamentos e estruturarmos as nossas ações e

experiências e as partilharmos com os outros” (MENDES, 2015, p. 218). Ou seja, o

ensino de língua está imbuído de cultura e, na fala da própria autora, é um ensino de

“língua-cultura”. Para ela, língua

é um símbolo, um modo de identificação, um sistema de produção de significados individuais, sociais e culturais, uma lente através da qual enxergamos a realidade que nos circunda. Ao estruturar os nossos pensamentos e ações, ela faz a mediação entre as nossas experiências e a do outro com o qual interagimos socialmente através da linguagem, auxiliando-nos a organizar o mundo à nossa volta (MENDES, 2015, p. 219).

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Nesse caso, a língua está associada a cultura, é por meio dela que as

pessoas conseguem imprimir conceitos sobre si e sobre a realidade que as circunda.

Essas questões são inerentes às nossas experiências vivenciadas e compartilhadas

com nossas famílias, nossa comunidade, etc.

A linguagem é compreendida como independente da língua, elas estão inter-

relacionadas, e isso significa que o meio social e o histórico imputam influências na

compreensão de língua e linguagem (ANTUNES, 2009).

A linguagem é conceituada como ação no mundo e com intencionalidade,

responsável pela transmissão de ideias, consubstanciando-se pela

argumentatividade. É com a linguagem e seu poder argumentativo que

estabelecemos relações, opiniões, comportamento de comunicar-se com as pessoas

(KOCH, 2005).

Cunha, Costa e Martelotta (2008, p. 16) afirmam que a linguagem possui mais

de um significado, embora o termo seja empregado ao processo de comunicação,

como “a linguagem dos animais, a linguagem corporal, a linguagem das artes, a

linguagem da sinalização, a linguagem escrita, entre outras”. Para esses

pesquisadores, nessa concepção, as línguas naturais também são uma forma de

linguagem, pois formam instrumentos para possibilitar o processo de comunicação

entre as pessoas.

Depois da breve explicação acerca dos conceitos de língua e linguagem, o

termo língua adapta-se também às línguas não orais, no caso aqui, a Libras. Mesmo

que existissem linguistas que não considerassem a Libras uma língua natural, a

existência de uma legislação reconhecendo-a como tal fortalece os debates. O fato é

que esta possui uma modalidade diferente das línguas orais, pois é visuoespacial,

mas, mesmo com essa diferença, ela tem atributos e características linguísticas:

As línguas de sinais são línguas naturais porque, como as línguas orais, surgiram espontaneamente da interação entre pessoas e porque, devido à sua estrutura, permitem a expressão de qualquer conceito – descritivo, emotivo, racional, literal, metafórico, concreto, abstrato – enfim, permitem a expressão de qualquer significado decorrente da necessidade comunicativa e expressiva do ser humano (FERREIRA BRITO, 1998, p.19).

É unânime entre os pesquisadores (FERREIRA BRITO, 1998; QUADROS;

KARNOPP, 2004; FELIPE, 2001; COUTINHO, 2009; GESSER, 2009) considerar

que a Libras possui todas as estruturas a partir das unidades mínimas que formam

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uma outra unidade mais complexa e são características de todas as línguas,

possuindo os níveis linguísticos denominados de fonológico, morfológico, sintático,

semântico e o pragmático. Não sendo ela universal, derivada da Língua Portuguesa

oral, mímica, linguagem, nem mesmo artificial, a Libras é Língua!

Felipe (2001) nos lembra que, por possuir modalidade visuoespacial, a língua

de sinais apresenta ampliação do vocabulário de acordo com novos sinais criados

pela comunidade surda, em resposta às mudanças culturais e tecnológicas. E

conclui dizendo: “O que é denominado da palavra ou item lexical nas línguas orais-

auditivas, são denominados sinais nas línguas de sinais” (FELIPE, 2001, p. 21).

Quadros e Karnopp (2004) atribui às línguas de sinais o status de línguas

naturais das comunidades surdas. E afirmam que elas compartilham características

que atestam caráter de língua, diferindo dos demais sistemas de comunicação,

como, por exemplo, a linguagem, a comunicação visual (gestos, palavras, sinais,

símbolos). Essa ideia vai de encontro ao que explica Saussure (1970, p.17):

A língua não se confunde com linguagem: é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.

Nossa conclusão é que, devido aos estudos relacionados à língua de sinais

utilizada no Brasil, os estudiosos atribuíram status de língua, a partir de

constatações científicas, direcionando conceituação adequada e,

consequentemente, dando origem à legislação que reconhece a Libras enquanto

língua e ainda regulamenta essa Lei, conhecida como Lei da Libras, favorecendo e

ampliando o acesso aos surdos e aos ouvintes brasileiros, com o objetivo de facilitar

a comunicação entre esses dois grupos, além de outras atribuições de extrema

importância elencadas no corpus dessa legislação.

Atualmente, a Língua Brasileira de Sinais é reconhecida oficialmente pela Lei

nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e regulamentada pelo Decreto nº 5.626, de 22 de

dezembro de 2005. Essas legislações legitimam essa língua como sistema

linguístico com estrutura gramatical própria, possibilitando a transmissão de ideias e

fatos, oriundos das comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002). O

status de língua deu-se a partir dos estudos desenvolvidos por William Stokoe, por

volta dos anos 1960. Esse pesquisador desenvolveu pesquisas linguísticas na

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Língua de Sinais Americana (ASL), e, desde então, muitas pesquisas vêm sendo

desenvolvidas, afirmando ainda mais o status de primeira língua utilizada por

pessoas surdas.

Como afirma Quadros e Karnopp (2004, p.30):

As línguas de sinais são, portanto, consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um sistema linguístico legítimo e não como problema do surdo ou como uma patologia da linguagem. Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua dos sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças.

Vale lembrar que as línguas de sinais não são universais. Cada país possui a

sua, como, por exemplo, nos Estados Unidos, Língua de Sinais Americana – ASL;

na França, Língua de Sinais Francesa – LSF (FELIPE, 2001; COUTINHO, 2009;

GESSER, 2009).

Essa língua ainda apresenta, assim como qualquer outra, os níveis

linguísticos, como o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico (FELIPE,

2001; QUADROS, KARNOPP, 2004).

A Libras é uma língua de modalidade visuoespacial5, diferente das línguas

orais que possuem modalidade oral-auditiva, e utiliza:

[...] como canal ou meio de comunicação, sons articulados que são percebidos pelos ouvidos. Mas as diferenças não estão somente na utilização de canais diferente, estão também nas estruturas gramáticas de cada língua (FELIPE, 2001, p.19).

É de extrema importância que a língua de sinais esteja presente nos espaços

nos quais pessoas surdas estejam inseridas, seja no social ou educacional, devendo

mediar a interlocução.

Souza (2003), em sua pesquisa, aponta narrativas que constatam a

importância do uso constante da Libras, e é interessante pontuar que essa

pesquisadora é surda e usa como primeira língua a de Sinais. Ela relata momentos

de sofrimento na época de estudante do segundo grau (atual Ensino Médio), por não

conseguir compreender os conteúdos em uma escola em que a língua de instrução

era a oral.

5 Termo empregado para indicar que as informações linguísticas são recebidas pelos olhos e produzidas pelas mãos, como afirma Quadros, 2004, p.47-48.

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A tese de Souza (2003) é de que a escrita da língua oral é mais facilmente

aprendida pelos surdos, a partir da sua primeira língua, no caso do Brasil, a Libras.

Esse pensamento tomou força com o pensamento de Desloges, que defende que

um indivíduo consegue aprender uma nova língua a partir dos elementos

gramaticais construídos com base na sua primeira língua. Todo esse discurso

apresentado até agora revela-nos a importância da Libras no aprendizado das

pessoas surdas, tendo todos, por meio dela, o acesso ao mundo ao seu redor,

conseguindo compreender, construir ideias de maneira eficaz (SOUZA, 2003). Por

tal motivo, pesquisadores da Libras (CAPOVILLA, 2001; FELIPE, 2001; QUADROS,

2004; STUMPF, 2005; GESSER, 2009) defendem que as crianças surdas devem

aprender em primeiro lugar a língua de sinais e, posteriormente, a do país na

modalidade escrita, uma vez que o aprendizado da modalidade oral dá-se em

espaços clínicos fonoaudiológicos e audiológicos, diferindo no ambiente

educacional, sendo de competência da escola a modalidade escrita da língua oral.

Dessa forma, esses mesmos autores reiteram a necessidade de a educação de

surdos ser no modelo bilíngue. Essa abordagem prevê o ensino dos conhecimentos

ministrados na escola pela língua de sinais e, no caso da língua oral, é ensinada

como segunda língua. Esse modelo também difere da atual conjuntura política de

inclusão, que tem apresentado a Libras como instrumento, consubstanciado apenas

pela presença do tradutor-intérprete, para minimização das “dificuldades de

aprendizagens” por parte dos alunos surdos (SOUZA, 2003).

Faz-se necessário esclarecer que a construção sintática da língua brasileira

de sinais não é a Língua Portuguesa de forma sinalizada, ambas possuem

estruturas gramaticais completamente diferentes uma da outra. Isso significa que os

professores, também, devem ter conhecimento dessa língua, reportando-nos, mais

uma vez, à atual política de inclusão, que, para resolver a situação educacional dos

surdos, contrata tradutor-intérprete, mas não soluciona os problemas, pois, para

além dessa “presença”, é de extrema importância formação continuada para os

professores em língua de sinais e com envolvimento de toda a escola (SOUZA,

2003).

No próximo tópico, iremos apresentar um sistema que permite escrever as

línguas de sinais existentes no mundo. Até então, pensava-se que a Libras era

ágrafa, mas, atualmente, existe possibilidade de escrevê-la.

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1.1.1 SignWriting: possibilidade de escrita da Libras

O SignWriting é um sistema de escrita visual que possibilita escrever qualquer

língua de sinais existente no mundo. Com ele, é possível ler e escrever a Libras sem

necessidade de tradução, uma vez que preserva todas as características linguísticas

e tridimensionais dessa língua (BARRETO; BARRETO, 2012).

Esse sistema foi criado em 1974, tendo como parâmetro a ideia de uma

dançarina norte-americana, chamada Valerie Sutton, criadora do DanceWriting, um

sistema que possibilitava registrar os movimentos do corpo na dança. Um grupo de

pesquisadores da Universidade de Copenhagen, que estudava a língua de sinais

dinamarquesa com o intuito de registrá-la por meio de uma escrita, tomou

conhecimento desse sistema e convidou Valerie para ver sinais gravados em

videocassete e, em seguida, registrá-los, com base no DanceWriting, passando,

anos depois, para o momento de transição do sistema, no intuito de escrever danças

ao SignWriting. O Sistema SignWriting é capaz de escrever qualquer língua de

sinais do mundo, mas isso não torna a língua de sinais universal, pois a escrita

obedece à estrutura gramatical, ao vocabulário e à cultura de cada país. (STUMPF,

2005, GESSER, 2009, BARRETO; BARRETO, 2012).

As pesquisas no âmbito brasileiro têm início em 1996, com os pesquisadores

Doutor Antônio Carlos da Rocha Costa, as professoras Márcia Borba e Marianne

Stumpf e um grupo de pesquisa sobre Escrita de Sinais concentrado em Porto

Alegre. Eles deram

[...] início ao projeto SignNet, financiado pelo CNPQ/ProteM e desenvolvido em quatro instituições: Escola de Informática da UCPel, Museu de Ciência e Tecnologia da PUC-RS, Faculdade de Informática da PUC-RS e Colégio ULBRA Especial Concórdia, especializado na educação de surdos. O projeto SignNet desenvolveu ainda um programa computacional para Escrita de Sinais chamado SW-EDIT (BARRETO; BARRETO, 2012, p.43-44).

O SW-EDIT é um software que permitiu escrever o vocabulário da língua de

sinais, devendo ser instalado em um computador. Esse programa possibilita a

criação de dicionários com categorias semânticas diversas, além do alfabeto

manual, dos números, etc.

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Imagem 1

Fonte: Print retirado do computador do autor da pesquisa.

Imagem 2

Fonte: Print retirado do computador do autor da pesquisa.

Essas imagens 1 e 2 representam o software aberto, pronto para ser utilizado.

Na primeira imagem, observamos uns quadrados em branco, esse será o espaço

onde criaremos as letras, números, palavras e frases, construindo um dicionário que

ficará salvo para posterior utilização, permitindo, assim, a formação de sentença e

textos, à parte no Word, copiando e colando a partir do dicionário criado

anteriormente. Na segunda imagem, apresentamos respectivamente as palavras:

trabalhar, obrigado, casa, nós, aprender e ensinar em Libras e escritos a partir do

SW-EDIT.

Continuando a apresentação da Escrita de Sinais, logo abaixo, exibimos o

alfabeto manual e os números.

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Imagem 3

Fonte: Organizado pelo autor da pesquisa.

Imagem 4

Fonte: Organizado pelo autor da pesquisa.

Na Imagem 3, encontra-se o alfabeto, organizado em uma tabela no

PowerPoint, e, em seguida, inserimos as letras do alfabeto na Língua Portuguesa e

depois a escrita em língua de sinais, tendo sido tudo elaborado no SW-Edit. A

mesma organização acontece para os números. Vale ressaltar que o padrão de

escrita dos sinais seguiu a referência do livro de Barreto; Barreto (2012) e do

Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira de

Capovilla; Raphael, (2001). Os quadros foram salvos como imagem jpeg, pois facilita

a introdução desse tipo de escrita em um texto.

E, por fim, uma frase em Escrita de Sinais. Elas, geralmente, são escritas

verticalmente, diferindo da escrita linear da Língua Portuguesa. Mas, segundo

Stumpf (2005), a Escrita de Sinais também pode ser linear.

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Tradução da frase: VOCÊ MORA EM NATAL?

Atualmente, é possível escrever a Libras a mão livre, ou de maneira online a

partir do sistema SignPuddle6 Online. Ao acessá-lo, é preciso clicar na bandeira do

Brasil para escrever a língua de sinais existente em nosso território.

1.1.2 Quem utiliza Libras?

As línguas são usadas por grupos de pessoas diferentes, por exemplo: a

Libras usada pela comunidade surda do Brasil e a Língua Portuguesa (oral) utilizada

pelo grupo hegemônico, os ouvintes.

Até então, pensava-se que a comunidade surda ou os surdos individualmente

utilizavam a língua de sinais, porém já se sabe que ouvintes também podem fazer

parte desse grupo, embora chamado de comunidade surda, tradutores-intérpretes,

familiares e amigos que dominam essa língua e utilizam-na para falar com os

surdos. Mesmo com esses ouvintes participando dessa comunidade, há uma

diferença na aquisição dessa língua quando os ouvintes são filhos de pais surdos.

Dessa forma, destacamos, neste estudo, a relação dos filhos ouvintes de pais

surdos com essa língua, pois constatamos, na literatura científica, apresentada

anteriormente, pouca visibilidade dessa temática no campo acadêmico.

6 Disponível em: <http://www.signbank.org/signpuddle/>. Editor que possibilita escrever a língua de sinais e sua literatura. Criar dicionário em qualquer língua de sinais no mundo. Ao acessar, é necessário clicar na bandeira do Brasil para iniciar a escrita da Libras.

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Uma criança ouvinte filha de pais surdos é geralmente exposta primeiramente

à língua de sinais. Mas salienta que é preciso considerar as experiências

vivenciadas no seio familiar (OLIVEIRA, 2014).

Tanto a língua oral quanto a de sinais lhes possibilitam estabelecer diálogos

com mais facilidade do que outras pessoas que aprenderam quando já adultas e

sem contato direto com os dois grupos linguísticos. As experiências nas duas

línguas são constantes e estão diretamente ligadas às atividades e compromissos

familiares desde muito cedo. De maneira que, não havendo outra pessoa que fala

Libras, os pais recorrem a seus filhos ouvintes para estabelecerem interpretação

entre as línguas (ANDRADE, 2011).

Podemos observar, nas questões levantas acima, que os filhos ouvintes

participam de maneira frequente das relações estabelecidas entre duas línguas, eles

frequentam os mesmos lugares que os pais desde a infância, levando-os a

pertencerem à comunidade surda de forma “natural”, ou seja, diferente de alguém

que aprendeu essa língua no espaço religioso ou para se tornar tradutor-intérprete

de Libras enquanto profissão, sem o acesso à língua de sinais desde a tenra

infância e participando da comunidade surda posteriormente (ANDRADE, 2011).

A seguir, iremos apresentar a obra pioneira sobre língua de herança, de

autoria da Professora Ronice Müller de Quadros, que enriqueceu a área dos estudos

surdos e da língua de sinais, fornecendo visibilidade aos filhos ouvintes de pais

surdos a partir da relação com a língua de sinais e a Língua Portuguesa.

1.1.3 Libras, uma língua de herança: a resenha de um livro biográfico

Recentemente, precisamente no ano de 2017, foi publicada a primeira obra

intitulada: “Língua de Herança: língua brasileira de sinais” da professora Ronice

Müller de Quadros. O livro apresenta um estudo sobre a Libras como sendo de

herança, por ser utilizada em meio à família em que os pais são surdos e os filhos

são ouvintes. Para essa pesquisadora, a língua de sinais, nesse seio familiar, é

chamada de língua de herança.

Ao escrever a apresentação do livro, a professora Marianne Stumpf, surda e

mãe de uma criança ouvinte, salienta que a professora Ronice M. de Quadros

inaugura as pesquisas sobre línguas de herança voltadas aos filhos ouvintes de pais

surdos no Brasil.

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A língua de sinais no Brasil é patrimônio linguístico e cultural para os filhos

ouvintes e é transmitida pelos seus pais ao longo das gerações (QUADROS, 2017).

Língua de herança é uma língua usada pelas comunidades locais (étnicas ou

de imigrantes) em uma comunidade na qual outra língua é utilizada de forma mais

abrangente. Língua de herança é, normalmente, a língua da família, em um contexto

no qual a língua falada nos demais espaços sociais, tais como a escola e a mídia, é

diferente da cultura familiar (QUADROS, 2017, p. 1).

No caso dos Codas, a Língua Brasileira de Sinais é herdada pelos pais

surdos, e os filhos a usam no seio familiar, além da Língua Portuguesa. Portanto,

essas pessoas vivem em contextos bilíngues. Esse bilinguismo está associado às

experiências e a situações que contribuem para a fluência em duas línguas.

Portanto, os Codas tornam-se bilíngues simultâneos, convivem com as duas e as

utilizam de acordo com os contextos social e familiar (QUADROS, 2017).

É consenso que a Língua Brasileira de Sinais é a base da constituição das

comunidades surdas no Brasil e ainda relacionada às famílias cujos pais são surdos

e os filhos, ouvintes, tornando-se o principal meio para transmissão de valores

culturais a esses filhos.

O livro está dividido em seis capítulos. O primeiro apresenta o conceito de

Língua de Herança aplicado ao povo surdo, que utiliza a língua visuoespacial como

a primeira forma comunicativa e afirma que, para os filhos ouvintes de pais surdos, a

Libras é de herança, como posto inicialmente nesse texto.

No segundo capítulo, intitulado “Comunidades de línguas de herança”, reflete-

se sobre o termo deficiente empregado aos surdos por várias gerações, e há quem

diga que a língua de sinais só existe por existir a deficiência auditiva. Mas há uma

incoerência, uma vez que o gesto foi a primeira forma de comunicação dos seres

humanos, envolvendo gritos, gestos, símbolos e sinais, e o porquê disso estava

atrelado ao sistema comunicativo diferente da linguagem oral.

Desde a tenra idade, o ser humano encontra-se imerso no mar semiótico que

nos permite produzir e transmitir nossas mensagens. A ideia do surgimento da

língua não está imposta a uma condição de deficiência, mas pela necessidade

natural e humana de se comunicar. E, nesse capítulo, os surdos são comparados

com as comunidades locais (étnicas ou de imigrantes) que preservam sua língua

numa sociedade que fala uma outra. Um aspecto relevante, nesse momento, é que

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as pessoas surdas não são consideradas deficientes ou portadoras de alguma

deficiência, pois o que constitui esse povo é a cultura, a língua.

A autora Ronice de Quadros (2017), nessa abordagem, apresenta vários

exemplos de comunidades existentes no Brasil que vieram de fora do país e que

tiveram seus filhos em solo brasileiro, salientando que, no seio familiar, os filhos

falam a língua do país dos pais, tendo contato, em determinado momento, com a

Língua Portuguesa em outros contextos fora de casa. A autora aponta a existência

de famílias norte-americanas que vivem no Estado de São Paulo e em outras

comunidades espalhadas em outros Estados do Brasil.

No Brasil, sempre tivemos as comunidades locais com suas línguas de herança. Essas comunidades se organizaram mais ou menos, o que produziu efeitos da perpetuação ou não de suas línguas no país. Por exemplo, as comunidades japonesas no Brasil resistiram bravamente ao monolinguismo imposto no país. Elas criaram estratégias de resistência por meio das comunidades, consideradas “fechadas”, incentivando seus filhos a se casarem com outros japoneses brasileiros, por exemplo (QUADROS, 2017, p. 22).

Essa citação de Quadros (2017) nos mostra que existe uma necessidade

dessas comunidades de preservar sua língua nativa, mesmo estando em outro país,

elaborando estratégias próprias de uso permanente do idioma, bem como a

preservação cultural do seu povo.

O interessante desse estudo abordado pela pesquisadora é que o fato de

preservação cultural e linguística também é latente nas comunidades surdas

existentes no Brasil. Ela afirma que uma das estratégias é manter um ponto de

encontro surdo-surdo que permite fortalecer o uso da língua de sinais, embora os

espaços sejam de extrema importância para os surdos, filhos de pais ouvintes, que

não dominam a língua de sinais e que conhece esse patrimônio linguístico fora do

seio familiar. E esses espaços (família, associação de surdos, pontos de encontros,

etc.) são relevantes para os filhos ouvintes de surdos nas dimensões culturais e

linguísticas.

O terceiro capítulo, intitulado “O caso da língua brasileira de sinais: língua de

herança?”, trata da língua de sinais como legítima e legalmente reconhecida no país

cujo idioma oficial é o Português, de modalidade oral/auditiva e escrita. A Libras é,

para os surdos brasileiros, a língua de herança:

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Considerando que a Libras é passada de geração em geração de surdos da comunidade (não necessariamente dentro do núcleo familiar) e que é uma língua usada por comunidades brasileiras dos grandes centros urbanos em um país que usa outra língua como oficial, a Língua Portuguesa, veiculada nos meios de comunicação, documentos oficiais, órgão públicos e educação, essa língua de sinais configura sim uma língua de herança (QUADROS, 2017, p. 33).

A citação reforça o entendimento da Libras como língua de herança e que ela

não é a oficial da República Federativa do Brasil, o que não desmerece seu valor,

uma vez que é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão das

comunidades surdas existentes em todo o território brasileiro, por meio da Lei nº

10.436/02 e regulamentada pelo Decreto nº 5.626/05. Isso aplica valor irrefutável de

que a Libras é uma língua existente no Brasil.

No quarto capítulo, “Pesquisas com língua de sinais como língua de herança”,

a autora apresenta um levantamento de pesquisas referentes à língua de sinais

como sendo de herança. Nesse levantamento, ela trata de diversos temas

existentes, como, por exemplo: conceito de bilinguismos e os níveis de proficiência,

bilinguismo bimodal; aquisição da língua de forma tardia e Codas no Brasil e nos

Estados Unidos, mencionando que os filhos ouvintes aprendem a língua de sinais

com seus pais, e a oral é compartilhada a partir de outros contextos sociais. Essa

especificidade de usar duas formas comunicativas torna essas pessoas, que são

ouvintes, mas filhas de surdos, bilíngues bimodais, e questões relacionadas à

valorização da língua e à exposição a ela, à cultura, à escola e à família serão de

extrema importância para os níveis de proficiência em ambas.

No penúltimo capítulo, “Língua de herança: políticas linguísticas e a língua

brasileira de sinais”, declara-se que, até o presente momento, chegamos ao

denominador comum de que a Libras é, de fato, uma língua de herança. Também se

menciona a necessidade de preservação, tendo em vista que muitas pessoas

falantes da Libras (ouvintes) assumem-na como uma segunda língua, e outros

surdos só terão acesso a ela fora do espaço familiar, devido ao fato de pertencer a

uma família ouvinte que não domina a de sinais. Com isso, lança a ideia de que os

pais ouvintes aprendam a língua de sinais para comunicar-se com seus filhos surdos

de maneira satisfatória.

Essa manutenção da Libras é possível, pois, no Brasil, possuímos uma

política linguística específica da língua de sinais. Essa política reconhece a Libras

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enquanto língua das comunidades surdas brasileiras e aponta ações relevantes à

Libras que garante o acesso, a disseminação e outras garantias relativas à língua

dos surdos.

Além disso, entre as ações previstas no Decreto 5.626/05 quanto à manutenção da Libras, agregamos o ensino da Libras como língua de herança, ou seja, o ensino da Libras como primeira língua para todos os que adquirem em seu seio familiar e na comunidade surda. Assim, propomos a inclusão da Libras, como disciplina no currículo escolar tanto para as crianças surdas como as crianças ouvintes, filhas de pais surdos, como língua de herança, primeira língua (QUADROS, 2017, p. 132).

Libras, enquanto disciplina nas escolas comuns, ou curso de língua de sinais,

está para além das crianças ouvintes e as ouvintes filhas de surdos. Esse ensino

atingirá as demais crianças ouvintes e, consequentemente, a disseminação e a

valorização da língua de sinais, como lembra Quadros (2017).

O sexto capítulo é a culminância do livro. Esta parte julgamos ser uma das

mais importantes, pois reúne biografias que foram narradas pela autora Ronice de

Quadros. As histórias são fascinantes e emocionam, não por se tratar de pessoas

que usam duas línguas, mas, acima de tudo, mostra a relação afetuosa entre pais e

filhos se entrelaçando ao uso de duas línguas no seio familiar, revelando

experiências, sentimentos e cultura.

O objetivo do capítulo, segundo a autora, foi o de captar momentos que

ilustrassem a relação entre cultura, língua, família e a sociedade ouvinte. As

biografias revelam as experiências na voz de quem as narrou para Ronice Quadros

e vamos, de maneira sucinta, apresentar algumas que julgamos ser relevantes para

esse momento.

Inicialmente, nas biografias, os participantes faziam uma breve apresentação,

dizendo seu nome e sua filiação e, em seguida o seu sinal, que é:

[...] é algo muito especial na comunidade surda. Você ter um sinal é você ter um nome para os surdos. É uma espécie de batismo. O sinal te identifica como pessoa integrando a comunidade. Se você faz parte da comunidade surda, você tem um sinal. Interessante que, mesmo aqueles que não fazem parte direta, mas mantêm algum tipo de contato com os surdos, também ganham um sinal, pois, por alguma razão, essa pessoa merece ser mencionada entre os surdos, logo ela herda um sinal (QUADROS, 2017, p. 145).

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Como foi mencionado na citação acima, o sinal é o nome da pessoa para a

comunidade surda. Desde o primeiro momento de contato com os surdos, direciona-

se um às pessoas que chegam. Os surdos fornecem o sinal e logo perguntam se

agradou. Se a resposta for positiva, esse será o nome daquele indivíduo em Libras.

Outro fator interessante, segundo a autora, é que, mesmo que aquela pessoa tenha

uma ligação indireta com a comunidade surda, ela pode vir a ter um sinal, se

representar alguma importância para tal comunidade. Por exemplo: a orientadora

desta tese possui um nome em Libras, assim como os componentes da banca de

defesa e o próprio autor, devido à ligação direta com a comunidade surda e com a

língua de sinais.

Ronice Quadros (2017) afirma que, diante das histórias que foram narradas,

os Codas possuem diferentes relações estabelecidas com as línguas.

No caso de ser o primeiro filho, o contato deste com a língua de sinais é

constante e possui uma fluência maior do que, em alguns casos, a fluência do

segundo filho, que utiliza a língua dos pais como secundária.

A autora, considerando essas pessoas bilíngues bimodais, relata que, em

todas as narrativas, houve o fato da mediação. Os filhos, em muitos momentos da

vida, mediaram a comunicação entre os pais surdos e a comunidade ouvinte. Para

Ronice, essa situação gera o surgimento de um terceiro espaço onde o Coda

“compartilha modos de vida e as línguas da comunidade surda e da comunidade

ouvinte” (QUADROS, 2017, p. 218).

Uma questão de destaque da autora é o espaço chamado escola. Ao ser

inseridos na escola, os Codas, passam por um momento de estranhamento devido

ao uso de uma língua diferente da sua casa, configurando-se, nesse espaço, a

imersão na atmosfera ouvinte.

Um outro destaque é a escolha profissional: muitas dessas pessoas tornam-

se tradutoras-intérpretes de Libras pela fluência na língua de sinais. Mais um

elemento chama atenção na relação dos Codas com seus pais: muitos desses filhos

passam a “defender” os interesses dos pais, ou seja, uma espécie de cuidado e

superproteção.

Pereira (2013) destaca que atuar com uma espécie de “advogado” dos pais

pode trazer consequências para a vida de filhos de pais surdos, e uma delas seria o

peso de uma responsabilidade precoce.

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Esses foram os destaques da obra que escolhemos para inserir nesse texto e

que foram latentes durante a nossa leitura. Deixamos o convite para que outros

leitores possam desfrutar dos conhecimentos existentes na obra da Professora

Doutora Ronice Müller de Quadros.

1.2 Linguagem e mediação com pessoas surdas

A perspectiva sociointeracionista destacada por Vygotsky (1997) tem como

princípio compreender os processos de mediação e a origem das funções mentais

na transformação de uma determinada atividade externa para uma atividade interna.

Dessa forma, a linguagem e a consciência passam a ser produtos de ações sociais

ao longo do tempo. Uma outra questão idealizada pelo autor é apontar a zona de

desenvolvimento proximal como meio de explicar as relações da aprendizagem com

o desenvolvimento psicológico (RADAELLI, 2019).

Os estudos elaborados por Vygotsky (1991; 1993; 1997) evidenciam o

desenvolvimento com base na concepção de um organismo ativo, sendo seu

pensamento elaborado progressivamente, estando imerso em contexto histórico e

social (RODRIGUERO, 2000).

Nesse caso, Vygotsky (1993) conclui que o desenvolvimento da linguagem

favorece a cognição e a socialização. Para Alves e Frassetto (2015), é importante o

domínio de uma língua para promoção do desenvolvimento cognitivo de qualquer

indivíduo. No caso de crianças surdas, é de extrema importância a inserção da

Libras o mais cedo possível, com vistas ao desenvolvimento pleno. Para isso,

destacou a importância da família, pois ela é a responsável pela inserção da língua e

favorece o contato com a comunidade surda e a constituição identitária.

Rodrigueiro (2000) afirma que as relações sociais são possíveis mediante a

linguagem e que, no caso dos surdos, é necessária uma linguagem que atenda sua

condição natural, bem como a comunicação entre as pessoas, favorecendo o

desenvolvimento cognitivo e afetivo.

1.3 O desenvolvimento da linguagem de surdos filhos de pais ouvintes

Cerca de 95% a 96% dos surdos nascem em famílias ouvintes. Descobrir que

o filho é surdo, para essas famílias, gera dúvidas, sofrimento e leva os pais ouvintes

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à procura de especialistas que possam reverter a surdez do filho. Obviamente, os

especialistas, sobretudo, da área de saúde, devido à concepção clínico-médica da

surdez como patologia. Dessa forma, os próprios especialistas oferecem

orientações, a fim de que essas crianças consigam se reabilitar, ou seja, chegar de

alguma forma “semelhante” aos ouvintes (SKLIAR, 2010).

Fica difícil uma comunicação entre os pais ouvintes e os filhos surdos,

impossibilitados de estabelecer uma relação mais íntima, com fins ao

desenvolvimento da linguagem, uma vez que essa criança não tem o feedback

auditivo de seus pais. Esses pais, por sua vez, desconhecem a língua de sinais

como sendo a primeira língua dessas crianças que ela poderia favorecer a

comunicação e o desenvolvimento cognitivo. Segundo Rodrigueiro; Yaegashi,

(2013), isso contraria a perspectiva dos estudos de Vygotsky, ou seja, a abordagem

histórico-cultural, especificamente na afirmação de que as crianças necessitam de

convivência e interação com adultos para apropriar-se dos instrumentos mentais.

Por essa razão, afirma Skliar (2010) que muitos desses surdos só terão

contato com a língua de sinais tardiamente, o que deveria ser sua primeira aquisição

nas interações sociais em diversos espaços.

Em geral, na adolescência ou até mesmo na fase adulta, pessoas surdas

começam um contato mais amplo com as comunidades de surdos, estabelecendo

uma relação de comunicação e expressão linguística que difere do contato anterior

das pessoas surdas com as famílias ouvintes.

Rodrigueiro e Yaegashi (2013) fazem uma colocação bastante pertinente ao

ressaltar que a dúvida de como lidar com os filhos surdos se estende às demais

crianças que possuem alguma deficiência. Os pais ficam entre a “cruz e o punhal”,

não sabem se deixam os filhos trancados em casa ou internam, com o objetivo de

buscar uma melhor alternativa de ajudá-los.

A questão “tornar o surdo um ouvinte” tem tanta prioridade no seio familiar,

como vimos até agora, que os pais ouvintes esquecem ou desconhecem a

necessidade do desenvolvimento da linguagem e da cognição das crianças.

A desvalorização da Libras esteve, por muitos anos, atrelada à falsa crença

de que a língua de sinais estava associada aos macacos, por ela ter modalidade

visuoespacial com ênfase nas expressões facial e corporal, e pelo desconhecimento

linguístico, que impedia o senso comum em enxergar esses movimentos e

expressões como integrantes dos aspectos linguísticos da Libras, o que a faz

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diferente da língua oral, ou seja, a Língua Portuguesa, de modalidade

completamente diferente da de sinais (SILVA; SILVA, 2016).

Fernandes e Correia (2012) puseram em evidência a importância da

aquisição de uma língua para o ser humano, e é a partir dessa aquisição que se

estabelece o processo de comunicação e o desenvolvimento cognitivo. Segundo os

autores, a língua oportuniza momento de descoberta de novos pensamentos,

transformando sua concepção de mundo.

Dessa forma, faz-se de extrema importância favorecer a exposição das

crianças, ou seja, apresentá-los, o mais cedo possível, a alguma língua, para

garantir o desenvolvimento natural e integral dessas pessoas (FERNANDES;

CORREIA, 2012).

1.4 O desenvolvimento da linguagem de filhos surdos de pais surdos

Como vimos anteriormente, é de extrema importância a inserção da criança o

mais cedo possível em situação de interação, pois isso é essencial para seu

desenvolvimento cognitivo e linguístico.

Enquanto para os filhos surdos de pais ouvintes o desenvolvimento da

linguagem se torna mais demorado, Skliar (2010) evidencia que os filhos surdos de

pais surdos desenvolvem sua linguagem de forma natural, como acontece em

famílias ouvintes. O autor afirma que esses filhos apresentam características como:

[...] melhores níveis acadêmicos, melhores habilidades para aprender a língua oral e escrita, níveis de leitura semelhantes aos dos ouvintes, uma identidade equilibrada, e não apresentam os problemas sociais e afetivos próprios dos filhos surdos de pais

ouvintes (SKLIAR, 2010, p. 100).

Essas características, sem dúvidas, pertencem aos indivíduos que,

certamente, tiveram o desenvolvimento natural da linguagem. Assim como a língua é

um elemento da cultura de um povo, Skliar ainda afirma que, na comunidade surda,

a Libras é um elemento identitário que permite compartilhar valores culturais e

normas dessa língua utilizada no cotidiano.

Vygotsky (1997) afirmou que a linguagem oral não seria natural para os

surdos, embora considerasse que a língua de sinais, mímica para sua época, fosse

pobre e limitada. Ele se preocupou também com a segregação que essas pessoas

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poderiam sofrer diante dos ouvintes, baseando-se nos discursos de professores que

travam uma briga entre a linguagem oral e a de sinais. Em sua época, o autor afirma

que os sinais poderiam ser a verdadeira língua dos surdos.

Atualmente, pesquisas no mundo atestam a língua de sinais como sendo

própria da comunidade surda. Aqui no Brasil, pesquisas (FELIPE, 2001; PERLIN,

2001; QUADROS; KARNOPP, 2004; COUTINHO, 2009; STROBEL, 2009;

FERREIRA, 2010) atestam que a Libras possui todos os elementos das demais

línguas orais, sendo diferente apenas em sua modalidade.

Dessa forma, o uso da língua de sinais, desde os primeiros anos de vida,

favorece o desenvolvimento da linguagem na criança surda, contribuindo para uma

comunicação efetiva (QUADROS, 1997).

O ponto de partida para o desenvolvimento da linguagem de crianças surdas

deve ser a língua de sinais, uma vez que oferece condições necessárias ao

desenvolvimento intelectual e emocional. Para os pais ouvintes com filhos surdos, é

necessário aprofundar-se acerca da língua de sinais e sua função para o

desenvolvimento do seu filho. Mesmo que os pais optem por meios clínicos, com

vistas à educação de seu filho, faz-se necessário que este aprenda a Libras, no caso

do Brasil, para compreender outros tipos de recursos, seja ele clínico, terapêutico ou

pedagógico. Essa criança precisa compreender para reproduzir e produzir

conhecimentos.

No caso dos filhos surdos de pais surdos, a linguagem acontece de forma

natural, assim como nas famílias de pais e filhos ouvintes. Nesse contexto, a

diferença entre as famílias consiste apenas na modalidade existente nas línguas,

favorecendo o desenvolvimento da linguagem de seus filhos, como apontaram os

autores que constituíram esse texto.

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2 SURDOS E FAMÍLIA

Vida, experiência, aprendizagem – não se podem separar. Simultaneamente vivemos, experimentamos e aprendemos7.

John Dewey

2.1 A pessoa surda

A concepção de pessoa surda, neste trabalho, está associada ao conceito

socioantropológico de surdez que rompe com a visão patológica da ausência de um

canal sensorial e propõe a diferenciação cultural e linguística. Portanto, uma pessoa

surda é aquela que utiliza como principal meio de comunicação a Língua de Sinais.

Eles se organizam em comunidade, enquanto minoria linguística, e, a partir da

língua, compartilham hábitos e valores culturais, concretizando em modos

particulares de socialização (SKLIAR, 2010).

As pessoas surdas fazem parte de diversos países espalhados no mundo, e

cada território possui sua língua de sinais. Assim como a Língua Portuguesa, falada

no Brasil, por exemplo, é originária dos portugueses, a língua de sinais tem suas

origens e se diferencia em cada país, bem como tem aspectos linguísticos

específicos de cada região na semântica atribuídas aos sinais.

As pessoas surdas, no Brasil, falam por meio da Libras. Em sua constituição

histórica, ela recebeu influências da língua de sinais francesa. A pedido do então

Imperador Dom Pedro II, o professor francês E. Huet, em 1855, chegou ao Brasil, no

intuito de organizar e fundar a primeira escola de surdos, fundada em 1857. Nesse

contexto, os surdos brasileiros tiveram como primeiro professor um surdo que já

utilizava a língua de sinais francesa. Posteriormente, a educação de surdos sofreu a

influência da metodologia oralista, que negava a existência de uma língua

sinalizada, impondo a superioridade da língua oral, trazendo consequências

negativas ao desenvolvimento educacional dessas pessoas (ROCHA, 1997).

Durante anos, a surdez ocupou o centro das atenções de especialistas de

diferentes campos do saber. Grande parte de tais profissionais era fortemente

7 Citação retirada do livro intitulado: “JOHN DEWEY”. Tradução de realizada por Robert B. Westbrook e Anísio Teixeira, versão em PDF publicada pela editora Massangana, 2010, p.37.

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atravessada por discursos clínicos que se impunham na forma de descrever e

classificar a surdez e os seus “portadores”. A maioria deles produziu saberes que

orientaram grupos a olharem os sujeitos com surdez como capazes de ser

“tratados”, “corrigidos” e “normalizados” por meio de terapias, treinamentos

orofaciais, protetização, implantes cocleares e outras tecnologias avançadas que

buscam, pela ciborguização do corpo, a condição de normalidade (LOPES, 2007,

p.9).

A autora supracitada propõe uma ruptura da concepção associada à

deficiência, construindo uma nova história sobre os surdos com inspiração nas

discussões antropológicas e culturalistas, sendo seu objetivo maior “significar a

surdez dentro de um outro campo que, embora já bastante divulgado por diferentes

produções acadêmicas e pela própria luta surda, ainda é constituído por poucos

interessados – a saber, o campo dos Estudos Surdos” (LOPES, 2007, p.10).

Na atualidade, muitos discursos buscando a condição de normalidade para

essas pessoas são propagados, muitas vezes de maneira velada, como é o caso da

negação do direito à educação dessas pessoas. Isso pode ser visualizado nas atuais

lacunas para a aprendizagem e o desenvolvimento da Libras na infância, a ausência

do tradutor-intérprete de Libras nas escolas, bem como propostas curriculares

pautadas no ensino e na aprendizagem dos ouvintes.

Embora constatemos, ainda, a presença do discurso clínico e terapêutico

dando ênfase à deficiência, outros pesquisadores apresentam uma abordagem em

oposição ao deficit com ênfase na pessoa e na língua utilizada. Para Skliar (2010),

duas questões foram estopins desse novo pensamento: a primeira delas, segundo o

autor, é que os surdos se organizam em comunidades, tendo como fator aglutinante

a própria língua de sinais, e a outra questão é:

[...] a confirmação de que os filhos surdos de pais surdos apresentam melhores níveis acadêmicos, melhores habilidades para aprendizagem da língua oral e escrita, níveis de leitura semelhantes aos do ouvinte, uma identidade equilibrada, e não apresentam os problemas sociais e afetivos próprios dos filhos surdos de pais ouvintes (SKLIAR, 2010, p.100).

Diante da afirmação do autor, chegamos à conclusão de que a área clínica

enfatiza a reabilitação, dando prioridade à deficiência, e, do outro lado, uma

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abordagem desconsiderando o tipo e o grau da perda auditiva leva em consideração

a língua, a identidade e o autorreconhecimento como surdo.

O autor ainda é contundente ao afirmar que “a língua de sinais anula a

deficiência e permite que os surdos consigam, então, uma comunidade linguística

minoritária diferente e não um desvio da anormalidade” (SKLIAR, 2010, p. 101).

Faz-se necessário compreender as especificidades da pessoa surda nos

processos de socialização e escolarização, bem como entender a dimensão

interpsicológica na família (VYGOTSKY, 1998). No próximo tópico, será apresentado

o conceito de família e suas relações com a aprendizagem e o desenvolvimento da

pessoa surda.

2.2 Família e seu conceito

Atualmente, essa instituição chamada de família passa por modificações

necessárias, com mudanças no tocante às relações estabelecidas com seus

membros e à sociabilidade externa existente. Isso esclarece que a concepção foi

sendo elaborada a partir da sua existência na sociedade (OLIVEIRA, 2009).

Destacamos que, até o século XVII, não havia existência da concepção atual

de família. Esta passa a se organizar longe das ruas, vivendo dentro de uma casa,

com mais segurança e mais intimidade, para estabelecer seus laços afetivos. Foi

nesse ambiente mais privado que os sentimentos de família começam a se

consubstanciar entre os membros, emergindo, de fato, os sentimentos, sobretudo, a

relação mais próxima entre a mãe e a criança (ARIÈS, 1986).

Dessa forma, outros estudiosos foram pesquisando e formulando seus

próprios conceitos acerca da família e sua relação na sociedade em geral.

A família, segundo Durhan (1986), é unidade de cooperação econômica, todos devem cooperar para seu mútuo sustento. Dessa forma, o trabalho da mulher passa a ser uma necessidade nas despesas domésticas, podendo gerar independência financeira e determinada posição profissional no mercado de trabalho. É certo, todavia, que o trabalho, ao mesmo tempo em que impulsiona a mulher a estar conquistando espaço na sociedade, pode também demonstrar que ela ainda continua com uma carga horária maior de atividades, pois além de executar as atividades profissionais no espaço do trabalho profissional, continua executando as atividades do lar, enquanto mulher, mãe e dona de casa (OLIVEIRA, 2009, p. 27-28).

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A autora supracitada apresenta, a partir dos seus estudos, uma visão da

instituição familiar, na qual esse grupo compartilha o sustento e despesas e, ainda,

revela os múltiplos papéis da mulher na constituição da família na rotina diária, no

cuidado com as tarefas domésticas e no cumprimento jornada de trabalho.

Romanelli, corroborando a ideia da autora, afirma:

A unidade doméstica envolve não apenas a procriação, mas a reprodução da existência biológica de seus integrantes, a socialização dos imaturos, os cuidados com eles, a sua ressocialização contínua e a dos demais familiares, uma vez que a vida familiar é um processo de incorporação constante de alterações provenientes da esfera pública, tanto da área econômica quanto da política (ROMANELLI, 2016, p. 80).

Segundo Romanelli (2016), a família pode ser considerada, em uma

compreensão mais geral, grupo ou instituição. Ela reforça a ideia de ajuda e cuidado

mútuo, mas que possíveis mudanças acontecem na família influenciadas pela esfera

pública. Já na argumentação de Goldani (2003), nos discursos sobre a instituição

família, surgem duas questões: de um lado, a compreensão de que a instituição tem

poder de credibilidade e, por outro, é um grupo, fragmentado, em decadência. A

autora reforça a ideia, apresentando questões para o estopim das duas ideias

acerca da instituição conhecida como família, afirmando:

Os discursos em torno da chamada “crise” da família são, também, diferenciados por sexo, idade e classe social mas, em geral, aparecem estreitamente relacionados com certos modelos estereotipados de famílias (GOLDANI, 2003, p.69).

Esses estereótipos estavam ligados ao paradigma da família patriarcal,

associado à centralidade paterna, bem como ao paradigma de uma família nuclear

(pai, mãe e filhos), apresentada nos livros mais tradicionais, correspondendo à

imagem da classe média urbana.

As discussões versam, até o momento, acerca da concepção de família e

suas mudanças ao longo do tempo, contribuindo nas reflexões e,

consequentemente, para a elaboração de novos estudos. Durante nossas leituras,

um conceito foi bastante interessante e diferente dos vistos até o momento:

A família representa o espaço de socialização, de busca coletiva de estratégias de sobrevivência, local para o exercício da cidadania, possibilidade para o desenvolvimento individual e grupal de seus

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membros, independentemente dos arranjos apresentados ou das novas estruturas que vêm se formando (FACO; MELCHIORI, 2009, p.1).

Essa citação nos faz refletir sobre a constituição das nossas próprias famílias,

quando as autoras dizem que é um lugar de socialização, onde as estratégias de

sobrevivência se consubstanciam. É, de fato, um lugar onde o indivíduo tem a

possibilidade de se desenvolver enquanto pessoa. Refletindo sobre esse

pensamento das autoras, poderíamos dizer que família é, também, lugar das

manifestações dos afetos, do sentimento mútuo, amor, companheirismo e

segurança.

As autoras apresentam diversos modelos de família que precisam ser

respeitados socialmente e no contexto escolar. Embora existam outros novos

modelos familiares, não iremos nos deter aos diversos novos arranjos, uma vez que

a perspectiva da família em estudo situa-se no modelo nuclear: constituídas por

mãe, pai e filhos.

Apoiada em diversos pesquisadores, Dessen e Polônia (2007), afirmam que a

família pode ser reconhecida como primeira instituição social, que, a rigor, propicia a

continuidade coletiva, protege e promove o bem-estar da criança, o que,

constitucionalmente, seria a sua função. Em toda a sociedade, está presente a

família, instituição capaz de transmitir padrões, paradigmas da cultura, influenciando

no comportamento das pessoas. No caso das crianças, a dimensão interpsicológica

da família é essencial para o desenvolvimento social e cognitivo e para a construção

de relações sociais em diversos espaços.

Na família, a criança tem acesso a instrumentos culturais e signos

mediadores da cultura, atuando como fonte primária da aprendizagem humana e do

desenvolvimento social, cognitivo e afetivo. A família possibilita o contato com

diversas construções históricas e culturais, mediante os quais as crianças podem

aprender a se situar, sendo capazes de resolver conflitos e de ter controle emocional

(BRUNER, 1997).

O surdo é o sujeito que usa a Libras e se identifica com essa língua no

contexto brasileiro. Essa apropriação constitui a cultura e a identidade desse sujeito

no contato com as comunidades surdas. A utilização da língua de sinais desde a

tenra infância no ambiente familiar traz contribuições para o desenvolvimento

cognitivo na primeira infância, semelhantemente ao desenvolvimento da língua oral

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nos ouvintes e na sua interação com familiares ouvintes. No caso de filhos surdos de

pais ouvintes, a criança pode apresentar problemas sociais e afetivos na restrição

comunicativa, pois, em geral, os pais ouvintes não conhecem a Libras (SKLIAR,

2010).

Não permitir o uso dessa língua aos surdos é, no mínimo, desrespeitar a

dimensão visoespacial da comunicação dessas pessoas. A ausência da apropriação

linguística traz implicações para as interações do surdo nos espaços sociais como

um todo. O mais preocupante é quando esse espaço é a escola, um local de

aprendizagem e de desenvolvimento linguístico e cognitivo, deixando os surdos

aquém em relação aos demais alunos ouvintes. Os alunos ouvintes têm acesso às

estratégias pedagógicas da linguagem oral e escrita, enquanto o surdo não

desenvolve estratégias de fluência em uma língua sinalizada.

É válido ressaltar o pensamento de Vygotsky (1997) acerca das limitações

dos métodos fonoarticulatórios e da proibição do uso dos sinais e suas implicações

para a criança surda nos diversos contextos sociais.

O desenvolvimento da criança surda deverá estar atrelado às experiências de

linguagem como meio de significação e mediações nas relações sociais. É preciso

compreender o papel das relações sociais para a linguagem, e, no caso de crianças

surdas, a imersão nessas relações tem como intuito a centralidade de estratégias na

língua de sinais como primeira língua e a Língua Portuguesa como segunda língua

na conversão das relações interpessoais no desenvolvimento intrapsicológico do

surdo (RODRIGUERO, 2000; GÓES, 2012).

Sobre a importância, ainda, da língua de sinais no seio familiar, Skliar (2010)

afirma que grande parte de crianças surdas nascidas em lares de ouvintes, cerca de

95% ou 96%, segundo esse autor, não tem as mesmas possibilidades de

desenvolvimento linguístico, devido à rejeição ou não utilização da Libras como

língua mediadora das relações familiares.

Percebe-se, em filhos surdos de pais ouvintes, uma desvantagem nas

primeiras interações comunicativas, pelo fato de, ao receber o diagnóstico do filho

surdo, os pais ouvintes automaticamente buscarem alternativas no meio clínico-

terapêutico, meios que possam torná-los ouvintes, restringindo as outras vias

sensoriais da criança para a construção de sentidos e significados essenciais para a

capacidade simbólica e pensamento da criança. Quando a criança surda é filha de

pais surdos, pode apresentar melhores níveis acadêmicos, inclusive, mais facilidade

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de compreender e aprender a língua escrita da nação. Outro aspecto a ser

considerado é que esse filho surdo de pais surdos apresenta níveis de leituras

semelhantes ao de crianças ouvintes. Obviamente, essas crianças que usam a

língua de sinais como primeira língua não apresentaram problemas sociais e

afetivos, tradicionalmente apontados como característicos de “surdos”.

Assim, é possível definir os filhos surdos de pais surdos como membros reais de uma comunidade linguística: seu processo de aquisição da língua de sinais e sua imersão na cultura surda é equivalente, em tempo e forma, a toda aquisição de uma língua natural e a todo processo de imersão cultural que realiza qualquer criança em uma comunidade determinada (SKLIAR, 2010, p.91).

Acreditamos que essas mesmas condições podem acontecer em filhos

ouvintes de pais surdos, uma vez que o processo de comunicação acontece por

meio da língua de sinais, pois o filho ouvinte terá os primeiros contatos com a

linguagem mediada pela Libras nas interações com os pais surdos.

Dessa forma, na família, uma esfera é construída manifestando as trocas

sociais de uma criança. É nessa instituição que são apresentados os laços de

comunicação inicial, agregados a significados e sentidos construídos a partir das

trocas estabelecidas (KELMAN et al., 2011). As pessoas necessitam das interações

com os outros, que são incorporadas de tal forma que modificam seu

comportamento, a partir dos valores socioculturais, como os hábitos, as normas,

etc., que se tornam parte dessas pessoas. Faz-se necessário um mediador – neste

caso, o canal visuoespacial de comunicação e suas implicações para a língua

sinalizada, trazendo o suporte para o desenvolvimento psicoafetivo e o cognitivo,

compartilhados entre pais e filhos no contexto familiar.

A família não é o único contexto em que a criança tem oportunidade de experienciar e ampliar seu repertório como sujeito de aprendizagem e desenvolvimento. A escola também tem sua parcela de contribuição no desenvolvimento do indivíduo, mais especificamente na aquisição do saber culturalmente organizado em suas distintas áreas de conhecimento (DESSEN; POLÔNIA, 2007, p. 29).

Os ambientes familiar e escolar se tornam de extrema importância para as

crianças, pois possibilitam situações de aprendizagem que ampliam o

desenvolvimento humano. É preciso implementar políticas de aproximação da

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escola, família e sociedade para uma formação voltada à cidadania e ao respeito à

diversidade (DESSEN; POLÔNIA, 2007).

Quando se trata de filhos surdos de famílias constituídas por pessoas

ouvintes, o pensamento dos pais é que a Libras, no caso do Brasil, será o meio de

comunicação do filho surdo com outros surdos. Já a Língua Portuguesa, para esses

pais, torna-se o meio importante para a comunicação com o ouvinte. É de extrema

importância que os familiares ouvintes compreendam a concepção de surdez, a fim

de estabelecer um vínculo maior entre pais e filhos, por meio de uma comunicação

eficaz (SILVA et al., 2007).

Nesse tipo de família de pais ouvintes e filhos surdos, a primeira barreira que

se estabelece é a falta de uma língua comum que possa manter uma comunicação

fluente entre eles. Faz-se necessário que a família possa compreender melhor sobre

o que é ser surdo, bem como conhecer as modalidades que compõem essas duas

línguas a partir do discurso acerca da surdez, uma vez que é comum as famílias

ouvintes interagirem com seus filhos surdos a partir da linguagem oral. Entretanto, a

diferenciação auditiva implica na sensorialidade visual e espacial como elementos

primordiais do desenvolvimento cognitivo do surdo (GUARINELLO et al., 2013).

Vygotsky (1997), em seus estudos, não compreendia a "mímica", ou o uso de

sinais não convencionais para a comunicação entre as crianças surdas e seus pares

surdos ou ouvintes. Assim, sinais ou mímicas não se constituíam enquanto uma

língua e, portanto, restringiam a capacidade de significação e abstração das

pessoas surdas.

O autor defendia para surdos ou ouvintes as interfaces do pensamento e da

linguagem a partir da apropriação de sentidos e significados. Vygotsky (1997)

criticava a perspectiva da oralização compulsória do surdo, uma vez que esse

aprendizado não se daria de forma natural, pois ele dependia de manobras

mecânicas, advindas do método clínico-terapêutico. Essa crítica se associa a

estudos atuais acerca da ineficácia da oralização para o desenvolvimento linguístico

do surdo na perspectiva do bilinguismo para eles. Essa ideia pode se associar às

leis do desenvolvimento psicológico na dimensão interpsicológica de uma língua de

sinais utilizada na família, no contexto escolar e social mais amplo, e transforma as

capacidades psicológicas do surdo no âmbito intrapsicológico.

Vygotsky (2011) teve uma publicação de forma inédita no Brasil, de um texto

original (VYGOTSKY, L. S. Defektologuia i utchenie o razvitii i vospitanii

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nenormálnogo rebionka. In: Problemi defektologuii [Problemas de defectologia].

Moscou: Prosveschenie, 1995, p. 451-458), traduzido diretamente do russo por

Denise Regina Sales, Marta Kohl de Oliveira e Priscila Nascimento Marques e com

data provável do escrito por volta de 1924 e 1931. No citado estudo, ele deixa claro,

nos fundamentos da defectologia, que o meio social como espaço propício para a

aprendizagem. Sendo a família o primeiro espaço das primeiras relações sociais, é

de extrema importância a interação entre os membros dela. Nesse artigo, traduzido

e publicado no ano de 2011, ao se referir às crianças surdas, Vygotsky aponta que,

mesmo que sejam ensinados meios alternativos para que os surdos aprendam a

linguagem oral, os próprios surdos desenvolvem uma língua e uma fala singular.

Essa fala singular está associada ao processo psicofisiológico diferente da língua

oral e que não foi criado PARA os surdos, mas é construída naturalmente PELOS

próprios surdos. Dessa forma, pensamos que é salutar para o desenvolvimento da

criança surda que os pais consigam estabelecer uma comunicação efetiva com seu

filho surdo.

A língua e suas expressões no contexto familiar são essenciais para o

desenvolvimento e a formação das crianças e adolescentes. Quando os pais são

ouvintes, a preocupação é o fato de seus filhos surdos terem dificuldade na

comunicação, reforçada ainda pela incerteza de que língua usar, podendo ser

gerada uma comunicação chamada de português sinalizado, uma espécie de

mistura entre a língua oral associada aos sinais para estabelecer uma comunicação

mais “eficaz”. A falta de uma língua comum na família inviabiliza ser compreendido e

se fazer compreender na maioria das conversas corriqueiras no seio familiar

(GUARINELLO et al., 2013).

Então, essa instituição é considerada o primeiro lugar onde acontecem as

primeiras trocas sociais e comunicacionais de uma determinada criança,

favorecendo a incorporação dos significados e sentidos e o desenvolvimento do

pensamento (KELMAN et al., 2011).

No tópico a seguir, apresentaremos questões pertinentes à família de filhos

ouvintes e pais surdos. Nesse contexto, é preciso enfatizar a especificidade do

desenvolvimento da língua de sinais e da língua oral em crianças que convivem com

pais surdos.

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2.3 Filhos ouvintes e a interação com os pais surdos

Os filhos ouvintes de pais surdos são pessoas que participam da

comunidade surda, mas pouco se fala sobre eles. Eles também são conhecidos aqui

no Brasil como Codas. Conceituando esse termo, Souza (2014, p. 33) afirma:

O termo Coda é na verdade uma abreviação de origem norte-americana correspondente a Children Of Deaf Adults, utilizada por uma organização internacional que desenvolve trabalhos envolvendo filhos de pais surdos.

As famílias de pais surdos e filhos ouvintes podem apresentar a Libras como

principal meio de interação, socialização e subjetivação. O desenvolvimento da

linguagem está associado a aspectos cognitivos, emocionais, afetivos, sociais e

identitários. Utilizamos como aporte teórico o conceito de Vygotsky (1991) acerca

da linguagem e suas inter-relações como as funções psicológicas superiores. Nessa

perspectiva, as interações mediadas pelas línguas orais, escritas e sinalizadas nos

diversos contextos culturais são alicerces para o desenvolvimento das habilidades

cognitivas, como o pensamento, memória, abstração. Tais habilidades são

essenciais para a socialização e a aprendizagem do ser humano.

No Brasil, a criança ouvinte, no contexto de interação com pais surdos, tem

contato com a Língua Brasileira de Sinais, mas, em situações sociais com outros

familiares ouvintes, por exemplo, ela entra em contato com a utilização da Língua

Portuguesa a partir, inicialmente, da oralidade e, posteriormente, do código

linguístico escrito. Essa criança tenderá a desenvolver habilidades nas duas línguas:

português e Libras. Nessa perspectiva, aprende a interagir numa perspectiva

bilíngue.

Na interação social em famílias de pais surdos com filhos ouvintes, ou em

famílias de filhos surdos com pais ouvintes, tende a coexistir um bilinguismo

bimodal, que compreende duas modalidades de comunicação linguística. A primeira

é a modalidade visual-espacial, que caracteriza a Libras. A segunda é a modalidade

oral-auditiva, que caracteriza as línguas faladas (português, francês, espanhol, etc.).

De um modo genérico, o bilinguismo, neste trabalho, será compreendido

como o uso de duas línguas em ambientes familiar e social. Quadros (1997)

apresenta o bilinguismo como uma competência linguística em duas línguas, seja

individualmente ou em grupo.

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As crianças tornam-se bilíngues por muitas razões: imigração, educação, residência temporária em outro país ou simplesmente por nascer em um ambiente que assume o bilinguismo (NEVES, 2013, p. 34).

Os filhos ouvintes de pais surdos assumem a condição de bilíngues pela

circunstância linguística de seus pais. Nessa condição, os filhos interagem com seus

pais surdos por meio de uma modalidade visual-espacial e compartilham a

modalidade oral-auditiva da Língua Portuguesa com outros familiares ouvintes. Os

usos da modalidade oral-auditiva da Língua Portuguesa são reforçados ainda por

sua inserção no ambiente educacional, no qual a mediação do conhecimento ocorre

prioritariamente nessa última modalidade nas trocas interpessoais de comunicação.

Neves (2013) afirma que a língua tem um papel fundamental para o processo

de desenvolvimento cognitivo da criança. A autora ainda pontua que a maioria dos

estudos bilíngues aborda o bilinguismo unimodal, ou seja, [...] “o estudo de duas

línguas da mesma modalidade” (p.39), tais como a interação em português e inglês;

português e francês, e até mesmo entre a Libras e a Língua de Sinais Americana

(ASL).

O foco do nosso trabalho consiste em contribuir com pesquisas que envolvem

o bilinguismo bimodal, ou seja, o uso de duas línguas com modalidades diferentes,

como a língua visuoespacial (Libras) e a oral-auditiva (Língua Portuguesa).

Uma criança ouvinte filha de pais surdos é geralmente exposta primeiramente à língua de sinais. Considero importante salientar que cada história de vida é única. Minha experiência com meus pais surdos e familiares surdos não deve ser tomada como referência. Somos todos únicos e ao mesmo tempo um mosaico de “outros” com os quais convivemos (OLIVEIRA, 2014, p. 278).

A autora afirma que a criança, mesmo sendo ouvinte, aprende primeiramente

a língua de sinais, pela condição linguística dos pais. E salienta que devemos estar

atentos às histórias de vida, pois possuem singularidades e especificidades.

Nesse contexto, o método biográfico apresenta-se como opção e alternativa para fazer a mediação entre as ações e a estrutura, ou seja, entre a história individual e a história social (BUENO, 2002, p.17).

Com a colaboração desses autores, podemos compreender que a abordagem

metodológica contribui para perceber as especificidades da condição bilíngue de

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cada filho ouvinte na interação com pais e/ou familiares surdos. Os aspectos

linguísticos desses sujeitos estão presentes nas mediações e nas histórias

individuais.

As crianças ouvintes com pais ou responsáveis surdos estão imersas em

duas línguas com estruturas e modalidades diferentes. A aquisição da língua de

sinais ocorre no contexto familiar e da Língua Portuguesa, oral e escrita, com

familiares e amigos e, posteriormente, constitui-se como elemento mediador dos

processos escolares.

O trabalho intitulado “Pais ouvintes e filhos surdos: impasses na

comunicação”, de Bastos e Silva (2013), revela um obstáculo na interação

estabelecida entre os pais ouvintes e o filho surdo. Acredita-se que, para eliminar o

impacto negativo na comunicação, as famílias de pais ouvintes e filhos surdos

devem percorrer um caminho para compreender que seus filhos precisam aprender

uma língua sinalizada (Libras) e a Língua Portuguesa escrita, de modo a favorecer o

desenvolvimento cognitivo da criança. É preciso que eles compreendam que a falta

da audição em nada a impede de ser uma pessoa que aprende, ensina e se

transforma.

Para Oliveira (2014, p. 277):

As pesquisas e reflexões em torno dos Codas – Children of Deaf Adults – Filhos de Pais Surdos ainda são incipientes no Brasil. As questões que permeiam essas reflexões e pesquisas orbitam a esfera da cultura e língua. A língua de sinais é a primeira língua de um Coda? O Coda é bicultural? Quando o tradutor intérprete – Tils – é Coda, ele tem vantagens sobre o profissional que não é Coda? Tais questões não encontrarão respostas prontas neste trabalho.

Os filhos ouvintes de pais surdos, desde a infância, têm esse contato com a

língua de sinais dos seus pais, diferentemente da maioria dos ouvintes que

aprendem posteriormente a língua brasileira de sinais no contexto escolar ou em

outros contextos (OLIVEIRA, 2014).

As crianças ouvintes de pais surdos, primeiramente, aprendem com seus

genitores a língua de sinais. Dessa forma, devemos considerar que cada seio

familiar possui experiências diferentes. Nesse sentido, é preciso entender que as

histórias individuas são únicas, mas construídas a partir do agrupamento entre as

demais pessoas que constituem a família (OLIVEIRA, 2014).

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Para Vygotsky (1993), as relações entre pensamento e linguagem são de

extrema importância para o desenvolvimento das habilidades cognitivas das

crianças. Acredita-se que o meio social favorece a aquisição da linguagem, que

torna os indivíduos sociais e culturais, e esse mesmo meio social viabiliza a

construção do pensamento e a comunicação. No nosso trabalho, o desenvolvimento

linguístico de filhos ouvintes de pais surdos é mediado pela Libras, pela oralidade e

pela Língua Portuguesa escrita nos contextos familiares e escolares, trazendo

implicações para a subjetividade e a aprendizagem desses sujeitos.

2.3.1 Codas: do que, de fato, estamos falando?

O termo CODA, significando Children of Deaf Adults (Filhos de Adultos

Surdos), foi criado, em 1983 nos Estados Unidos, a partir da pesquisa realizada por

Millie Brother, acerca de filhos nascidos de pais surdos. O resultado mostrou que

90% desses filhos são ouvintes. Em seguida, ela mesma cria uma pequena

organização e, tempos depois, uma entidade de visibilidade mundial.

Atualmente, a CODA Internacional é presidida por Ray Williams, organização

privada e mantida pelos seus membros, que são filhos ouvintes de pais surdos.

Sobre o termo CODA e Coda, Souza (2014) apresenta as diferenças na escrita e no

significado, ou seja, o termo escrito em caixa alta, CODA, representa a organização,

ao passo que a terminologia Coda se refere aos filhos ouvintes de pais surdos.

Oliveira (2014) aponta que os Codas são constantemente imersos em

interações nas duas línguas: geralmente, a Libras se constitui sua língua materna, e,

em outro momento, usam a Língua Portuguesa na modalidade oral e escrita. Porém,

nessas interações com as duas línguas, é necessário levar em consideração as

experiências individuais dos sujeitos e a organização e a configuração da família e

dos outros espaços de socialização a que a criança tem acesso ao longo do

desenvolvimento da linguagem (OLIVEIRA, 2014).

Silva (2019) afirma que é natural a forma como acontecem as relações entre

os pais surdos e familiares ouvintes, ou seja, a vivência entre o grupo de ouvintes e

a comunidade surda. Os momentos em que esses filhos ouvintes vivenciam a

prática interpretativa entre os dois grupos podem influenciar na escolha profissional

e pessoal (SILVA, 2019).

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Quadros (2017) considera a primeira língua dos filhos ouvintes, aprendida

com os pais surdos, como sendo língua de herança. O termo, segundo a

pesquisadora, refere-se ao uso da língua de sinais no seio familiar dos Codas,

língua diferente da utilizada pela comunidade em geral. Contribuindo com essas

ideias de duas línguas, Silva (2019) afirma que essas pessoas, devido à utilização

dos dois meios comunicativos, são bilíngues biculturais. O sujeito Coda e sua

especificidade como filho de pais surdos pode contribuir para a ampliação de

contatos linguísticos e culturais, a fim de desenvolver um olhar sensível sobre a

diferença.

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3 CULTURA E BILINGUISMO

No caso dos surdos, faz-se necessário franquear-lhes a palavra, quer dizer, antes de escreverem nosso idioma, deveriam poder se narrarem em sinais,

e suas narrativas precisariam ser acolhidas por uma escuta também em sinais8.

Souza

3.1 Conceituando cultura

O primeiro passo para quem vai escrever sobre cultura está ligado

diretamente às definições do conceito, buscando identificar diferentes concepções

de cultura e suas relações com as singularidades do homem na interação com os

fenômenos naturais (LARAIA, 2001).

A cultura é um tema bastante recorrente ao longo dos séculos. Podemos

lembrar aqui o conceito trazido por Edward Burnett Tylor, antropólogo britânico que

tem como principal obra nada mais do que “Primitive Culture”, em nossa língua, A

Cultura Primitiva.

Culture or Civilization, taken in its wide ethnographic sense, is that complex whole which includes knowledge, belief, art, morals, law, custom, and any other capabilities and habits, acquired by man as a member of society (TYLOR, 1920, p. 1).

Para Tylor, o termo é amplo, complexo, envolvendo questões específicas de

membros de uma sociedade, como o conhecimento, a crença, a arte, a moral, o

direito, os costumes, hábitos. Esse conceito de cultura que, até os dias atuais, é

utilizado por outros estudiosos, a exemplo da obra Cultura, Saúde e Doença, de Celil

G. Helman (2003), autor que aprofunda esse conceito e traz um novo:

É um conjunto de princípios que mostram aos indivíduos como ver o mundo, como vivenciá-lo emocionalmente e como comportar-se em relação às outras pessoas, às forças sobrenaturais ou aos deuses e ao ambiente natural. Essa cultura também proporciona aos indivíduos um meio de transmitir suas diretrizes para a geração seguinte mediante o uso de símbolos, da linguagem, da arte e dos rituais (HELMAN, 2003, p. 12).

8 Trecho do texto: “Práticas alfabetizadoras e subjetividade”, de R. M. Souza. O texto faz parte do Livro: "Surdez - processos educativos e subjetividade", organizado por Cristina B. F Lacerda e Maria C. R. Góes, 2000, p.92.

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Laraia (2001) afirma que o primeiro conceito sobre cultura foi evidenciado por

Ewdard Tylor, definindo como sendo todo comportamento aprendido e independente

da transmissão genética. O ponto de vista utilizado para a definição de cultura de

Tylor foi antropológico, demonstrando que a cultura é objeto de estudo sistemático,

além de ser um fenômeno natural.

Em suma, tal definição foi sintetizada por Tylor (1832-1917), escrevendo a

primeira definição etnológica da cultura, opondo-se à ideia de transmissão biológica,

reconhecendo o caráter de aprendizado cultural (CANEDO, 2009).

Os estudos sobre a cultura estão relacionados à reflexão das ciências sociais.

Nesse campo, busca-se compreender as diferenças entre os povos, as ações

humanas de transformação e ressignificação simbólica da natureza e as relações

dialéticas biológica e cultural ao longo da história do homem. Deve-se levar em

consideração que a cultura é compreendida a partir dos modos de vida e

pensamento. Amplo debate vem sendo realizado a partir da ideia moderna de

cultura (CUCHE, 1999).

Dessa forma, nosso trabalho a considera como um conjunto de ações que

nos é apresentado ao longo do tempo, em diferentes contextos, inicialmente, pela

família, por exemplo, por meio da língua, crença, valores, etc., impondo, portanto,

modos de ver, compreender, apreciar o mundo (HALL, 1997).

Ao discutir sobre cultura, Hall (2016) enfatiza a importância da linguagem para

a cultura, a partir da qual é possível dar significado e compartilhar as ideias e os

valores. A linguagem interfere na criança e na produção de elementos culturais, ou

seja, ela será um espaço de trocas de significados dentro de um grupo. O autor

afirma que “Membros da mesma cultura compartilham conjuntos de conceitos,

imagens e ideias que lhes permitem sentir, refletir e, portanto, interpretar o mundo

de forma semelhante” (HALL, 2016, p. 23).

Ao falar de cultura, não podemos deixar de levar em consideração os

conceitos de identidade e subjetividade. A partir de Silva (2012), compreendemos a

identidade como sendo aquilo que a pessoa é, como: ser brasileiro, ser negro, etc. O

autor ainda afirma que identidade e diferença andam juntos. Na afirmação ‘ser

brasileiro ao mesmo tempo em que se demonstra o que uma pessoa é’, ou seja, sua

identidade, existe uma oposição intrínseca ao dizer que um sujeito é brasileiro:

significa que ele não é coreano, e, nessa afirmação, o outro não é o que nós somos.

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Por isso, a declaração de Hall (2012, p.75), “identidade e diferença são, pois,

inseparáveis”, ao passo que a subjetividade, segundo Woodward (2012), é

compreendida por constituir nossas concepções sobre nós mesmos, certamente

construídas a partir de pensamentos e sentimentos pessoais conscientes e

inscientes, é o fazer relação com o mundo interior e o mundo social, ou seja, com as

experiências adquiridas.

Entretanto, nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual a linguagem e a cultura dão significado à experiência que temos de nós mesmos e no qual nós adotamos uma identidade (WOODWARD, 2012, p.56).

Podemos, então, dizer que nossa identidade depende das experiências

vivenciadas por nós mesmos em um determinado contexto social cultural,

possibilitando o exercício da nossa subjetividade, que é a premissa de constituirmos

concepções de nós mesmos, ou seja, de quem somos. E por fim, Cultura é a forma

como uma pessoa faz sentido do mundo. São as ideias, conceitos, categorias,

valores, crenças (WILCOX; WILCOX, 2005, p.95). Para os autores, a cultura não são

os traços pertencentes a determinado grupo de pessoas, nem mesmo os objetos

materiais que determinam sua cultura. É o sentido atribuído ao mundo, a partir das

ideias, crenças, valores, como bem pontuaram os autores citados anteriormente.

Dito isso, iremos apresentar como é atribuído o termo cultura no contexto das

pessoas surdas, a partir, de autores surdos e ouvintes que as conhecem de perto.

3.2 O que, de fato, é cultura surda?

Inicialmente, destacamos um conceito elaborado por Karin Strobel, surda e

militante nas questões que envolvem a comunidade surda no Brasil:

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo (STROBEL, 2009, p. 27).

Diante da argumentação, a autora nos convida a compreender a cultura surda

como inerente ao povo surdo, pois é participando na comunidade surda que esses

sujeitos compartilham sua língua, sua crença, seus valores.

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Wilcox e Wilcox (2005) afirmam que não basta ser surdo para pertencer a

essa cultura, pois os valores do grupo precisam ser aceitos e compartilhados, antes

mesmo de pertencer a ela. Os autores ainda afirmam que os surdos existentes no

mundo não fazem parte de uma mesma cultura e, exemplificando, apresentam os

surdos norte-americanos como membros da cultura surda norte-americana, e não de

outros países, e, inclusive, a própria língua de sinais, experiências e sua construção

histórica diferem de um país para outro. Porém, existe uma experiência comum entre

os surdos espalhados no mundo: é ser surdo vivendo na sociedade hegemônica

ouvinte.

Discutir questões relacionadas às pessoas surdas sempre é um desafio, pois

são inerentes às comunidades surdas. Uma dessas indagações, julgamos bastante

pertinente: dar visibilidade aos aspectos linguísticos da comunidade surda no Brasil,

bem como a dimensão comunicacional a partir da Língua Brasileira de Sinais

(Libras) nas interações sociais. No âmbito da interação social, é válido ressaltar a

comunicação e a linguagem na família.

A base do multiculturalismo é defender a existência de diferenças e

individualidades de cada pessoa. Essas diferenças estão relacionadas às crenças,

costumes e valores – e discutir essas questões não deveria, no Brasil, ser um

problema. Nesse país, há uma grande mistura de etnias espalhadas na sua grande

extensão territorial (as questões do multiculturalismo explicitam). Dessa forma,

cultura, para a citada vertente, não se restringe à etnia, à nação ou à nacionalidade.

A partir da compreensão do multiculturalismo, a cultura surda é compreendida com

base em comportamentos, valores, atitudes e práticas sociais diferentes das

majoritárias (SOUZA, 1998).

Dessa forma, o povo surdo se organiza enquanto grupo social e se constitui a

partir de lutas e configurações históricas para a conquista de direitos e territórios. A

cultura surda não deve ser compreendida como imagem ou cópia da cultura ouvinte

pautada na inferiorização do surdo associado ao não ouvir. Esses conceitos

relacionados ao povo surdo e à sua cultura são constantemente difundidos com o

argumento patológico de que a surdez é algo físico, incapacitante (SKLIAR, 1998;

SÁ, 2006).

Conforme Skliar (1998), para que os surdos realizem uma comunicação

efetiva, eles necessitam de uma língua, nesse caso, a língua de sinais, além das

experiências visuais. E isso é o principal fator que diferencia as comunidades surdas

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das dos ouvintes: os surdos não dependem da comunicação oral. Nesse caso, é de

extrema importância esse encontro surdo-surdo, é a partir desse encontro que tal

comunidade se estabelece (SKLIAR, 1998).

Corroborando a ideia do autor supracitado, a autora Ronice Muller de

Quadros afirma:

Línguas de sinais – São línguas que são utilizadas pelas comunidades surdas. As línguas de sinais apresentam as propriedades específicas das línguas naturais, sendo, portanto, reconhecidas enquanto línguas pela Linguística. As línguas de sinais são visuais-espaciais captando as experiências visuais das pessoas surdas (QUADROS, 2004, p.8).

A língua de sinais é comprovada cientificamente, a partir de estudos

linguísticos, que destacam todas as características específicas de uma língua. Essa

comprovação fortaleceu, ainda mais, a comunidade surda, que buscava o

reconhecimento por lei aqui no Brasil.

Dessa forma, é preciso compreender que a comunidade surda possui uma

língua própria e uma cultura própria que não é construída a partir da ausência da

audição, mas por construir sua própria história, independente de uma patologia.

A cultura surda é baseada nas experiências visuais vivenciadas pelas

pessoas surdas. Para Perlin e Miranda (2003), a experiência visual substitui a

audição pela visão. Os surdos passam a ouvir pelos olhos e a falar pelas mãos, a

língua de sinais é a principal marca da experiência visual, nela se consubstancia a

cultura surda.

Esta mudança nas novas concepções sobre o sujeito surdo ocorrida nos últimos tempos, cada vez mais se aproxima de uma ótica antropológica, que busca estudar a língua desta comunidade, e compreender a identidade do indivíduo surdo e sua cultura (PEIXOTO, 2011, p.31).

Essa autora nos convida a nos desmontar dos velhos paradigmas, tomando

esses sujeitos como indivíduos com identidade linguística e cultural, de modo que

passemos a enxergar o surdo, a Libras e sua cultura como elementos constituintes

das pessoas surdas que, antes, eram apenas consideradas pessoas com

deficiência. Ela nos convida, ainda, a empregar o termo “povo surdo”, já recorrente

entre a comunidade surda, pesquisadores da área dos estudos surdos e que precisa

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urgentemente ser usado em substituição ao termo “deficiente auditivo”, bastante

propagado pelo senso comum.

Dando seguimento as reflexões acerca da cultura surda, Strobel (2009) afirma

a existência de artefatos culturais que culminam nas normas e valores do povo em

pauta, nas diferenças existentes entre surdos e ouvintes. Ela apresenta oito tipos de

artefatos culturais, que são: experiência visual, linguístico, familiar, literatura

surda, vida social e esportiva, artes visuais, política e materiais.

Desses artefatos mencionados pela autora, o cultural familiar vem em

terceiro lugar na concepção dela, mas acreditamos (diante da relação com nossa

temática estudada) que este poderia ser o principal, devido ao fato de o primeiro

contato da criança surda ocorrer no ambiente familiar.

A explicação inicial desse artefato mostra a diferença do nascimento de uma

criança surda quando os pais são surdos, e ela mesmo trata de adjetivar esse

momento como alegre. Quando a família é ouvinte e nasce uma criança surda, o

adjetivo é problema. O que nos chama atenção na explicação da autora é o fato de

ser na família que algumas ações culturais acontecem, ou seja, os conhecimentos,

valores, crenças, a ética e a moral são construídas. Nas famílias cujas crianças são

surdas e os pais também, o artefato cultural familiar é mediado pela língua de sinais

e pode contribuir para o acesso a outros instrumentos. Na outra família, a barreira de

uma língua oral auditiva e visual e espacial traz implicações para as interações pais

e filhos no contexto familiar.

Resaltamos alguns elementos que estão associados à cultura no campo da

surdez, sendo a própria Libras estratégia social, e aos mecanismos, como, por

exemplo, do despertador que vibra, a campainha que aciona a luz, o uso do fax em

vez do telefone, o tipo de piada (SANTANA; BERGAMO, 2005).

Corroborando a ideia dos autores supracitados, Kozlowski (2000) afirma a

condição bilíngue e bicultual dos surdos. Bilíngue no que se refere à imersão em

uma língua natural, a Libras, e em outros contextos sociais, utilizando a Língua

Portuguesa escrita. Já a dimensão bicultural estaria relacionada justamente às

experiências socialmente vivenciadas pelos surdos, como também à forma de

produzir conhecimento e de agir no mundo.

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3.3 Bilinguismo: considerações iniciais

É lugar comum compreender bilinguismo como sendo a competência

apresentada por um indivíduo em utilizar duas línguas. Mas, para Marcelino (2009),

o conceito de bilinguismo pode gerar confusão, devido aos vários sentidos

associados. Alguns dos sentidos associados são: representar uma pessoa que

utiliza e tem fluência em duas línguas, uma situação de comunicação, como uma

palestra, que será mediada por um palestrante que se comunica em uma língua e a

tradução e a interpretação realizadas por um profissional intérprete. Embora as

definições sejam diversas acerca do termo “bilinguismo”, como apontam Marcelino

(2009) e Neves (2016), apresentaremos, em seguida, um conceito que serviu de

aporte para esse trabalho.

Não é tarefa tão fácil conceituar bilinguismo, e, neste trabalho, ele é

compreendido associado às habilidades linguísticas: fala, compreensão auditiva,

leitura e escrita (MACNAMARA, 1967; MARCELINO, 2009).

Embora muitos pesquisadores tenham apresentado como sendo bilinguismo a

capacidade da produção de enunciados, deve-se apresentar, pelo menos, uma das

seguintes habilidades (leitura, escrita, fala, audição) como alternativa de duas ou

mais línguas. Consideram-se indivíduos bilíngues aqueles que utilizam dois ou mais

idiomas em seu cotidiano, entre eles, estão: trabalhadores migrantes e sua

necessidade de comunicação diferenciada nos idiomas dos países que os

receberam; um profissional intérprete fluente em dois idiomas; alguma pessoa que,

por ventura, tenha casado com algum estrangeiro; cientistas que tenham a

habilidade de ler e escrever artigos em outras línguas; minorias linguísticas que

usam outro idioma em casa e até pessoas surdas que utilizam a língua de sinais e a

oficial do país (GROSJEAN, 1994).

Esse conceito dialoga com os pressupostos teóricos que apresentamos, pois

o autor toca no cerne do nosso trabalho, ou seja, evidencia as relações do

bilinguismo com a comunidade surda (participantes da nossa pesquisa) por utilizar

tanto a língua de sinais como a língua de onde nasceram.

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3.4 Bilinguismo como proposta educacional

O bilinguismo não é apenas utilizado para identificar um indivíduo que utiliza

duas línguas, mas também é associado como proposta educacional. Por exemplo,

nas proposições pedagógicas e linguísticas direcionadas aos alunos, são surdos na

aquisição e desenvolvimento linguísticos na língua de sinais e em outras línguas

e/ou idiomas.

O surgimento dessa proposta acontece por volta da década 1980, devido às

pesquisas sobre língua de sinais e educação de surdos, concomitantemente ao

insucesso da abordagem da comunicação total. Nesse contexto, o bilinguismo passa

a ser divulgado como proposta educacional para surdos (CAPOVILLA, 2000).

No Brasil, a ascensão do bilinguismo se deve a partir de pesquisas

envolvendo a língua de sinais e educação de surdos realizadas no final da década

de 1980 e início de 1990 pela pesquisadora Lucinda Ferreira Brito (GIANINI, 2012).

Comunicação Total, utilizava qualquer meio de comunicação para o ensino de

surdos, na metodologia, estava claro que o objetivo era a oralização dos surdos,

embora houvesse a permissão da utilização da língua de sinais, desde que

concomitantemente à Língua Portuguesa, o que gerou um método chamado

bimodalismo. Pouco tempo depois, verificou-se que esse método não seria

adequado, uma vez que misturava duas línguas com características gramaticais

distintas (CAPOVILLA, 2001).

Na abordagem bilíngue, a língua de sinais é a de instrução e, em segundo

lugar, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita.

Essa proposta educacional no Brasil é amparada por lei e reconhecida pelo Decreto

5.626/05 (BRASIL, 2005).

A escola bilíngue que os surdos defendem, constitui-se naquela que atende às especificidades da pessoa surda, construída a partir da perspectiva socioantropológica da surdez, que os percebe como sujeitos culturais, com cultura própria, na qual a Língua de Sinais constitui-se o símbolo identitário por excelência (ANDREIS-WITKOSKI, 2013, p. 93).

Na citação acima, a autora deixa bastante claro o reconhecimento da língua

de sinais em toda diferenciação linguística, cultural e identitária. A abordagem

bilíngue evidencia a importância da língua de sinais para o desenvolvimento de

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crianças surdas, e a conquista dessa metodologia bilíngue é uma reivindicação da

própria comunidade surda, que tem lutado para o reconhecimento e o acesso da

língua de sinais no âmbito educacional e demais espaços da sociedade (MOURA,

2000).

Quadros (2012) esclarece que possibilitar aquisição da linguagem das

crianças surdas é favorecer um processo escolar mais consistente. Ainda salienta

que o espaço bilíngue para surdos é bastante diferente, uma vez que estão

envolvidas duas línguas de modalidades diferentes, sendo uma sinalizada e outra

oral. Dessa forma, os surdos desejam aprender a partir da língua sinalizada, dada a

constituição identitária como grupo social e sua diferenciação, o que está para além

das questões linguísticas, mas envolve compreender e interagir na língua de sinais.

No campo político, os surdos buscam estratégias de resistências e de

autoafirmação, tornando a língua visuoespacial um instrumento de poder nas

relações com as pessoas surdas.

Para além da questão da língua, portanto, o bilinguismo na educação de surdos representa questões políticas, sociais e culturais. Nesse sentido a educação dos surdos, em uma perspectiva bilíngue, deve ter um currículo organizado em uma perspectiva visuoespacial para garantir o acesso a todos os conteúdos escolares na própria língua da criança, a língua de sinais brasileira. É a proposição da inversão, assim está-se reconhecendo a diferença (QUADROS, 2012, p.34-35).

Fica claro que, nesse modelo de educação, não basta, apenas, delimitar os

espaços das línguas, mas deve-se levar em consideração o currículo e outras

questões inerentes à educação dessas pessoas com vistas ao acesso, permanência

e aprendizado pleno.

Corroborando essa ideia, Kelma (2012) afirma que a Língua Portuguesa não

é a principal dos surdos brasileiros, e a falta de compreensão da diferença linguística

entre as línguas de sinais e a Portuguesa oral também se tornou um problema na

educação de surdos. Um bom programa bilíngue deve levar em consideração dois

aspectos importantes, sendo: “a combinação do ensino de conteúdos na língua

materna e o desenvolvimento no letramento” (KELMA, 2012, p.98).

Essas duas características implicam a maximização da proficiência na

segunda língua, os conteúdos são facilmente internalizados pelo sujeito a partir de

uma linguagem mais contextualizada (KELMA, 2012).

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Portanto, essa abordagem tem como premissa que as pessoas surdas devem

aprender a língua de sinais como primeira língua e, posteriormente, o idioma do seu

país, tendo em vista que, na abordagem bilíngue, os surdos possuem cultura e

língua próprias (GOLDFELD, 2002).

Ainda sobre a proposta bilíngue para surdos, ela se apresenta como oposição

às práticas hegemônicas e clínicas. Articulada ao discurso educacional, propõe

educação e escolarização e apresenta a surdez como manifestação política da

diferença (SKLIAR, 2009).

No Brasil, atualmente, existem legislações que fundamentam a criação de

Escolas Bilíngues ou Classes Bilíngues. É o caso do Decreto nº 5.626, de 22 de

dezembro de 2005, que regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002,

conhecida como a Lei de Libras. Em seu corpus, vem garantir o acesso à Língua

Brasileira de Sinais, à Educação e à Saúde por parte dos surdos brasileiros. Esse

mesmo decreto, em seu Capítulo III, garante a formação bilíngue, como consta no

artigo 5º, a saber:

Art. 5º A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngue (BRASIL, 2005, p.02).

Esse artigo supracitado foi fortalecido pela obrigatoriedade da garantia e a

criação de Escolas Bilíngues ou Classes Bilíngues, como apresentado no Capítulo

VI, ao tratar acerca do direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência

auditiva em seu artigo 22, a saber:

Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de: I - escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; II - escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa (BRASIL, 2005, p.08).

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O documento citado reconhece a especificidade linguística das pessoas

surdas e esclarece como oferecer uma educação mais adequada em espaço,

profissionais e língua de instrução.

Outro documento é o programa atual do Ministério de Educação intitulado:

“Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e ao longo da vida”,

que vem sendo publicizado, a fim de orientar os sistemas de ensino para garantir o

acesso, a permanência e a aprendizagem dos educandos de fato e de direito. Uma

das recomendações trata justamente do bilinguismo na educação dos surdos, a

saber:

O respeito e a promoção da especificidade linguística e cultural dos surdos usuários de língua de sinais e a organização dos serviços educacionais, ofertados em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, devem ser assegurados como princípios para garantia da Educação Bilíngue, que adota a Libras como primeira língua e a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua (BRASIL, 2018, p.7).

Fica clara a necessidade da criação de espaços que possibilitem o acesso, a

permanência e a aprendizagem de alunos surdos. Além dessa necessidade, existem

recomendações baseadas em leis vigentes no Brasil acerca da educação dessas

pessoas, inclusive, o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014, com

vigência a partir do ano de 2014 a 2024, período de execução dos objetivos e metas

inseridos no novo texto que implementa a execução e o aprimoramento da educação

como um todo. Na Meta 4 do novo texto, elaboram-se os objetivos para a melhoria

da educação voltados às pessoas com deficiência, incluindo-se, nesse contexto, as

pessoas surdas, recomendando-se como estratégia:

4.7. garantir a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, aos(às) alunos(as) surdos e com deficiência auditiva de zero a dezessete anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como a adoção do sistema braile de leitura para cegos e surdos-cegos (BRASIL, 2014, p.55).

No PNE, a estratégia para garantir a educação de fato e de direito para

pessoa surdas dá-se por meio da educação bilíngue, reconhecendo a importância

da Língua Brasileira de Sinais como língua de instrução do conhecimento e como

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segunda língua o Português, podendo ser na escala bilíngue, na classe bilíngue e

em escolas inclusivas. Porém, há um longo caminho para que se consubstanciem

escolas ou classes bilíngues, assegurando uma educação justa e de qualidade.

3.5 Um exemplo exitoso no modelo bilíngue

Aqui iremos apresentar brevemente um resumo de um exemplo de escola

bilíngue que ocorreu na cidade de Campina Grande, no Estado da Paraíba. Gianini

(2012) apresentou uma pesquisa realizada na cidade mencionada acima, onde

perpassaram duas gerações de surdos: os que aprenderam a partir do oralismo e os

que passaram a aprender na perspectiva bilíngue.

O trabalho apresentou a demarcação de duas gerações entre os participantes

da pesquisa. A autora denominou de herdeiros do oralismo, e a segunda

demarcação, de filhos do bilinguismo. Na primeira geração, os sujeitos surdos

tiveram acesso tardio à Língua Brasileira de Sinais, devido ao fato de a educação

estar alicerçada na metodologia educacional do oralismo, sendo marcados pelo

fracasso educacional desde a infância à adolescência, dificultando ainda sua

trajetória social e profissional. Na segunda geração, mais novas em idade, com

acesso à língua de sinais tanto na infância quanto na escola, possuem visão positiva

do futuro. Muitos desses alunos da primeira geração tornaram-se professores, e, em

sua formação, segundo a autora, foram evidenciados três tipos de figuras:

A do professor improvisado, mais próxima dos docentes da primeira geração que foram chamados a ensinar sem a devida formação. A figura do professor artesão, que corresponde à imagem que a maioria deles tem de si mesmo atualmente, entendendo que seus saberes fundamentam-se na troca entre pares e, finalmente, a figura do professor de verdade, que se coloca em seu horizonte de expectativas como futuros graduados em Letras/Libras (GIANINI, 2012).

A autora afirma que a evolução das pessoas surdas estava alicerçada nas

contribuições dos professores ouvintes da Escola na cidade de Campina Grande,

com a Universidade Federal de Campina Grande e com professores surdos das

duas gerações que aprenderam mutuamente e concluiu, evidenciando a importância

de ambientes bilíngues para a constituição da pessoa surda como cidadão de plenos

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direitos, reconhecendo a voz dos surdos em toda sua plenitude, que, por muitos

anos, esteve silenciada pela história da educação conduzida por ouvintes.

Essa escola, em sua premissa, foi idealizada a partir da singularidade

linguística e cultural existente na comunidade surda. O uso da língua de sinais como

língua de instrução do conhecimento, respeitando a língua dos surdos, além de

professores e intérpretes fluentes na Libras. E só foi possível por existirem pessoas

comprometidas, militantes e conhecedoras da educação de surdos.

Gianini, Lima e Porto (2016, p. 185) afirmam que a educação bilíngue para

surdos reconhece o direito, singularidade linguística e política dessas pessoas. As

autoras, ainda, concordam que a escola bilíngue seria a mais coerente porque “se

constituem espaços sociais bilíngues de suma importância para o desenvolvimento

das pessoas enquanto sujeitos surdos e da constituição da comunidade surda,

enquanto grupo social de minoria linguística e cultural”. Porém, a marca maior que

esse tipo de escola tem é a da permanente propagação da Libras e da cultura dos

surdos por gerações. E, ainda sobre isso, temos que elas:

[...] cumprem com a função social das escolas bilíngues para surdos, de não só oferecer escolaridade, mas promover essa comunidade cultural e socialmente, indo além do ensino ou da certificação oferecidos. Ao constituírem-se em espaços de congregação de surdos de várias gerações, permitem as interações sociais e afetivas. Se antes, os surdos eram pessoas isoladas, hoje pertencem a uma comunidade. Se antes, não estudavam, atualmente, galgam cada vez mais níveis educacionais. Se antes, não namoravam, não casavam, hoje constituem famílias. Se não trabalhavam, hoje se encontram empregados e, aos poucos, ocupando funções de maior prestígio (GIANINI; LIMA; PORTO, 2016, p.185-186).

Dessa forma, promovem, para além da formação acadêmica, a propagação

da cultura surda, a possibilidade de galgarem profissionalmente em espaços, antes,

ocupados por ouvintes. A consubstanciação desses valores para comunidade surda

só é possível por meio de ação e participação política.

Lembramos que outros espaços da sociedade vêm, ainda timidamente,

reconhecendo a extrema importância do uso da língua de sinais para promover o

conhecimento, para informar, para atender, etc., a exemplo de algumas escolas e

universidades públicas e privadas que oferecem o tradutor-intérprete de Libras,

algumas emissoras de TV, incluindo a TV Senado, entre outros espaços.

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3.6 Bilinguismo Bimodal

Como mencionamos anteriormente, é comum dizer que alguém é bilíngue por

utilizar línguas diferentes da língua oficial do seu país. Independentemente do nível

de proficiência que essa pessoa tenha, ela poderá ser considerada de tal maneira.

Existem pessoas que conhecem bem uma língua numa competência linguística e

desconhecem em outras, como, por exemplo, ler, entender e reproduzir um

determinado estudo, mas não são capazes de se comunicar. Há famílias que

utilizam duas línguas porque um dos membros é estrangeiro, e o outro, brasileiro.

Destacam-se ainda aquelas nascidas em famílias que conservam a cultura e a

língua do seu país de origem, sendo a Língua Portuguesa aprendida a partir da

inserção escolar (TUSSI; XIMENEZ, 2010).

Existem também famílias que utilizam duas línguas, no seio familiar,

reconhecidas em seu país, mas que se diferenciam em suas modalidades. Estamos

falando daquelas cujos pais são surdos, e os filhos, ouvintes. As línguas que

perpassam suas experiências linguísticas são oral/auditiva e visuoespacial,

respectivamente a Língua Portuguesa e a língua de sinais. Essa é mais uma

situação vivenciada aqui no Brasil de pessoas consideradas bilíngues, não

mencionadas pelos supracitados autores, situação tratada por outros pesquisadores

como Bilinguismo Bimodal.

O conceito de Bilinguismo Bimodal é apresentado por diversos estudiosos

(NEVES, 2016; QUADROS, LILLO-MARTIN, EMMOREY, 2016; QUADROS, 2017)

como sendo a utilização de duas línguas com modalidades diferentes, caso

referente às línguas de sinais e às orais. São bilíngues bimodais naturais os filhos

ouvintes de pais surdos, como coloca Neves (2016). O porquê disso é a utilização

de duas línguas, sendo uma falada oralmente, e a outra, sinalizada.

De uma maneira geral, considera-se que a comunidade surda pode ser

considerada bilíngue bimodal, quando utiliza a língua de sinais e a oral para se

comunicar.

Um estudo sobre crianças bimodais realizado entre 2010 e 2014, é da

pesquisadora Ronice Müller de Quadros e colaboradores, que investigaram o

desenvolvimento bilíngue bimodal de crianças surdas com implante coclear e

crianças Codas. Além desses, participaram do estudo como grupo de controle:

crianças surdas filhas de pais surdos ou ouvintes e adultos ouvintes filhos de pais

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surdos. A pesquisa revelou que tanto crianças surdas com implante coclear e

crianças ouvintes de pais surdos com acesso constante à língua de sinais aprendem

de forma análoga ou próxima do esperado tanto na Língua Portuguesa quanto na

Língua Brasileira de Sinais.

Outro fato importante do estudo é que, nos testes de fonologia do Português

Brasileiro, crianças Codas e monolíngues apresentam desempenho idêntico ou

semelhante. As autoras afirmam que a aquisição bilíngue bimodal pode ocorrer de

forma esperada e, mesmo sendo com diferentes modalidades de línguas, não

apresenta prejuízos. Elas ainda consideram que o acesso à língua de sinais desde o

nascimento pelas crianças surdas com implante coclear pode ter contribuído para

que aquisição da língua oral acontecesse de forma esperada, tendo em vista que as

crianças possuíam uma experiência linguística que favoreceu condições de

aprendizagem de outra língua. Mesmo crianças com implante coclear com mais

acesso à língua oral, apresentaram desempenho satisfatório em língua de sinais.

Isso revela a extrema importância de permitir o acesso à língua de sinais o

mais cedo possível, sobretudo, para crianças surdas de pais ouvintes que, muitas

vezes, ignoram e desfavorecem o desenvolvimento natural da linguagem de seus

filhos. A ideia é favorecer o encontro surdo-surdo, ou seja, inserir essas crianças

surdas em espaços constituídos para e pelos surdos, a exemplo das associações de

surdos.

As associações de surdos existentes nos Estados brasileiros têm um papel

político bastante importante, tendo sido responsáveis pela luta ao reconhecimento

da Libras, disseminando, durante anos, a língua de sinais a partir de cursos

oferecidos pelos instrutores dessas entidades.

Foi nesses ambientes que os surdos se encontraram para partilhar a língua

de sinais, a cultura surda e, sobretudo, para discutir acerca de uma educação mais

efetiva (lutando por ela) a partir da sua primeira língua. E essa dinâmica permanece.

Alves (2014) sustenta a ideia de que as associações de surdos é de extrema

importância para fomentar o pensamento crítico dos surdos, além de preservar sua

cultura e maximizar as forças em prol dos seus direitos à educação e sua inserção

no mercado de trabalho.

Na associação de surdos, dissemina-se a língua de sinais além da

continuidade histórica dessa instituição com as novas gerações de surdos que

passam a congregar nesse espaço, que, sem dúvida, é um espaço onde as crianças

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surdas encontram a língua de sinais, a cultura favorecendo o despertar da

identidade surda nessas crianças.

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4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1 Caracterização da pesquisa

Buscamos, nesta tese, a fundamentação do ponto de vista teórico e prático da

pesquisa (auto)biográfica em educação, tipo de princípio de pesquisa que também

se caracteriza como pesquisa qualitativa. Seu método permite a investigação de

questões ainda obscuras no cotidiano de pessoas e suas experiências no contexto

social.

De acordo com Josso (2010), a pesquisa (auto)biográfica é conhecida como

“Ciência do Humano”, pois também está associada aos conhecimentos de outras

ciências, como sociologia, antropologia, etc.

Nascimento (2018) afirma que a pesquisa (auto)biográfica tem o objetivo de

compreender como se desenvolve e se constitui o homem. As narrativas

autobiográficas e biográficas possibilitam a investigação, a análise e a compreensão

dos processos de humanização, tendo como base narrativas de si e/ou narrativas do

outro.

A extrema importância atribuída à subjetividade e também o distanciamento

de metodologia quantitativa e experimental são duas questões que dão base ao

método biográfico, uma vez que as pessoas estão imersas em um universo social,

no qual, a partir das experiências vivenciadas, constroem sua história de vida, e, por

outro lado, as características que envolvem uma biografia são quase exclusivamente

qualitativas (FERRAROTTI, 2014).

Dessa forma, a pesquisa (auto)biográfica alicerça-se na relevância

epistemológica, inserindo a pessoa humana como o principal interesse do

pesquisador e, a partir das narrativas autobiográficas, compreender a subjetividade

e o processo de ressignificação existente nas pessoas (PASSEGGI, 2011).

Em nossa tese, o método utilizado foi autobiográfico. As narrativas

autobiográficas possibilitaram o acesso à história de vida de uma família com Codas,

ou seja, em que, no seio familiar, os pais são surdos que falam a partir da língua de

sinais, e os filhos são ouvintes fluentes tanto na língua dos pais como na Língua

Portuguesa oral.

Durante o percurso metodológico, contamos com o paradigma de pesquisa

em educação chamada: pesquisa (auto)biográfica (GIANINI, 2012). Tendo em vista

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que (auto)biografia e biografias são construídas por casos, essa perspectiva nos

permitiu reconhecer as vozes dos filhos ouvintes e dos pais surdos, participantes da

pesquisa, que utilizaram duas línguas nas mediações simbólicas e comunicacionais.

A existência da ciência pode ser vista a partir do particular e do subjetivo, ou

seja, o que é inerente ao sujeito pensante, seu íntimo (FERRAROTTI, 1988). O

mesmo autor nos faz um convite ao rompimento epistemológico com o

tradicionalismo metodológico, buscando a inserção das narrativas biográficas.

Escolhemos essa abordagem com base qualitativa, pois nos permitirá acessar

situações ou fenômenos do objeto de estudo.

As narrativas dos participantes foram de extrema importância, pois elas

tornaram-se principal objeto da nossa investigação. Como diz Daniel Bertaux (2010),

o termo narrativa, já “diz tudo”, nos remete automaticamente ao discurso, ao relato

da vida de uma pessoa, permitindo-nos compreender a vida e as ações desse

sujeito desde seu nascimento ao último fôlego. As narrativas ou histórias de vidas

estão associadas à autobiografia. As narrativas autobiográficas nos serviram de

instrumento para compreender a relações existentes entre os filhos ouvintes e seus

pais surdos.

Passeggi (2016) cria a possibilidade de construirmos, a partir das

experiências narradas, a compreensão da dicotomia do sujeito epistêmico e sujeito

biográfico. Dessa forma, no que concerne ao sujeito biográfico, apresenta-se como

sujeito do autoconhecimento. Esse sujeito biográfico é capaz de refletir sua própria

história e de relacionar os aspectos da experiência com a apropriação do

conhecimento teórico.

Neste trabalho, foi essencial a proposição de diálogos com os sujeitos

biográficos, sujeitos surdos e ouvintes participantes ativos de uma comunidade

bilíngue. Nas interlocuções com os participantes dessa pesquisa, foram expressos

os conhecimentos, e foram audíveis as vozes desses sujeitos. Nas palavras de

Passeggi (2016, p.82), esse exercício de reflexão nas experiências narradas

possibilita: [...] “voltar-se sobre si mesmo para tentar explicitar o que sente ou até

mesmo perceber que fracassa nessa difícil tarefa de (re) elaboração da experiência

vivida". Ainda nas palavras da autora:

O que importa é que ao narrar sua experiência, a criança, o jovem, o adulto dotam-se da possibilidade de se desdobrar como espectador e como personagem do espetáculo narrado; como objeto de reflexão e

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como ser reflexivo. Essa relação dialógica e dialética entre ser e a representação de si confere ao humano um modo próprio de existência: como sujeito biográfico que religa o sujeito epistêmico e o sujeito empírico, no mundo da vida e do texto. O sujeito biográfico se constitui pois pela narrativa e na narrativa, na ação de pesquisar, de refletir e de narrar: como ator, autor e agente social (PASSEGGI, 2016, p.82).

Nesse contexto, o método biográfico foi o caminho metodológico para o

estudo proposto nessa tese, com base nas reflexões sobre as experiências de

sujeitos surdos, ouvintes e as pesquisas.

A realização da presente pesquisa validou-se obedecendo a todos os

procedimentos éticos necessários, fazendo parte do Projeto de Pesquisa

(auto)biográfica (Processo n. 310582/2016-4); (Parecer do Comitê de Ética –

168.818 HUOL-UFRN).

4.2 Uma família com Coda: os participantes da pesquisa

Iniciamos as explicações acerca do nosso percurso metodológico justificando

a escolha dos participantes da pesquisa. Escolhemos uma família residente na

cidade de Natal – Rio Grande do Norte. Diante dos estudos desenvolvidos nesta

tese, evidenciamos e esclarecemos aos participantes acerca do significado de uma

família com Coda, ou seja, uma família cujos pais são surdos, e as filhas, ouvintes.

Tomamos como base Ferraroti (1988, p. 27) ao fazer a defesa da autonomia

do método biográfico. O autor afirma que “podemos conhecer o social a partir da

especificidade irredutível de uma práxis individual”.

Faz-se necessário conhecer os ambientes sociais a partir dos indivíduos que

nos permitem compreender as funções dos espaços sociais com relação às pessoas

(BUENO, 2002).

Dessa forma Ferraroti explica que um desses espaços é a família que possui

o papel fundamental de mediação entre o social e o individual, permitindo ao sujeito

individual, a partir do seu ponto de vista, compreender o grupo e a participação de si

enquanto membro do mesmo.

Foi participante da pesquisa uma família com Coda, fazendo parte desse

contexto quatro membros. O pai, cujo nome fictício, para fins desta tese, será

Gerson, tem 45 anos de idade, é graduado em Letras/Libras pela Universidade

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Federal de Santa Catarina (UFSC) e, atualmente, professor substituto da UFRN. A

mãe, cujo nome adotado foi Selma, tem a mesma idade do seu esposo, é formada

em Pedagogia e em Letras/Libras e faz parte do quadro de professores efetivos da

UFRN – ambos são surdos. Suas filhas ouvintes, sendo a primeira Júlia (nome

fictício), é adulta com 25 anos de idade, cursando seu primeiro curso de graduação

em Letras/Libras, é casada e, atualmente, trabalha como tradutora-intérprete de

Libras, compondo o quadro efetivo de servidores do Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). A segunda filha é criança, com

9 anos de idade, e aqui, em nosso trabalho, chamaremos de Giovana.

Considerando-se os objetivos da pesquisa, foram critérios para escolha dessa

família: a facilidade de acesso a essas pessoas, o nível de informação e fluência na

língua de sinais de pais surdos e filhas ouvintes no ambiente familiar e o

conhecimento da Língua Portuguesa por parte das filhas. Foi fundamental o aceite

dos participantes, a partir da anuência de participação dos pais e da filha mais velha,

com termo de consentimento livre esclarecido (TCLE) assinado, cumprindo os

preceitos éticos exigidos, além do termo de autorização da filha menor assinado

pelos pais.

4.3 Entrevista Narrativa com uma família com Codas

Não há experiência humana que não possa ser expressa na forma de uma narrativa9.

Sandra Jovchelovitch; Martin W. Bauer

O uso da entrevista qualitativa requer conhecimento anterior das questões

que envolvem a vida dos respondentes e de grupos sociais. Tal conhecimento é de

extrema importância, pois permitirá: empenho na pesquisa, descrição detalhada de

um meio social específico e base para a construção de referencial para pesquisa

posteriormente desenvolvida, podendo fornecer ainda dados para testar

expectativas e hipóteses (GASKELL, 2002).

É relevante lembrar que, na pesquisa qualitativa, existem vários tipos de

entrevistas e diversas características diferentes umas das outras. Como exemplos,

9 A citação foi retirada do texto: “Entrevista narrativa” - Jovchelovitch; Bauer, 2002, p.91.

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temos as entrevistas narrativas que utilizamos em nosso trabalho e a entrevista

semiestruturada. A entrevista narrativa (auto)biográfica possui como características

não fazer conjuntos de perguntas previamente definidas, mas ter como norteador um

roteiro previamente elaborado com questões que envolvem a temática da

investigação do pesquisador. É importante que se tenha uma pergunta como

"dispositivo", ou seja, pergunta que possibilite que o entrevistado possa narrar, e não

apenas responder com SIM ou NÃO. A entrevista narrativa tem como características

encorajar o respondente, ou seja, entrevistado a contar uma história acerca de

acontecimentos importantes da sua vida e do contexto social (JOVCHELOVITCH;

BAUER, 2002; APPEL, 2005).

Na entrevista semiestruturada, o pesquisador precisa possuir um roteiro de

perguntas abertas ou fechadas e deve seguir um conjunto de questões previamente

definidas (BONE; QUARESMA, 2005; SZYMANSKI; ALMEIDA; BRANDINI, 2004;

GIL, 2008).

Nos últimos anos, o interesse pela entrevista narrativa como método de

pesquisa vem tomando um espaço vasto nas ciências sociais. Áreas como a

linguística, psicologia, antropologia e filosofia, vem se apropriando desse método e o

coloca muito além do caráter investigativo. As narrativas, como história, história de

vida, história relativa à sociedade humana (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002).

Passeggi; Nascimento; Oliveira (2016) apontam que a existência das

narrativas na primeira pessoa se consubstancia há quase um século e constitui fonte

de extrema importância para pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais,

permitindo, portanto, avanços da pesquisa qualitativa.

Apple (2005) apresenta três fases da entrevista narrativa (auto)biográfica que

se disseminam a partir da narração principal, em que o entrevistado discorre

livremente sobre suas experiências de vida sem interrupção do pesquisador.

Na segunda fase, existe a permissão de direcionar algumas perguntas do

tipo imanente, são perguntas que complementam o que não ficou muito claro e, no

segundo momento, perguntas exmanentes, ou seja, perguntas que já foram feitas

pelo pesquisador com o intuito de compreender algo específico.

O autor afirma ser a terceira fase o momento em que o pesquisador pergunta

ao entrevistado se existe algo a ser acrescentado, e, mesmo com a entrevista

concluída, o pesquisador faz anotações que serão valiosas no processo de

finalização da pesquisa.

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Para o presente estudo, seguimos os caminhos orientados por Jovchelovitch;

Bauer (2002) a partir de quatro fases seguidas posteriormente à fase de preparação

principal da entrevista narrativa.

Em primeiro lugar, buscamos, a partir da preparação, a busca de

participantes da nossa pesquisa a partir da exploração do campo da pesquisa e

seguimos com a elaboração das questões norteadoras da nossa pesquisa. Em

seguida, a fase de iniciação, contato com os participantes, momento em que

explicamos acerca das necessidades do uso do gravador para as respostas ouvidas

e o uso da câmera para as respostas sinalizadas, uma vez que dois participantes

eram surdos e faziam uso da Libras, uma língua de natureza visuoespacial.

Na segunda fase, denominada narração central, tem-se uma pergunta

dispositivo de encorajamento para que os participantes pudessem narrar sobre suas

experiências. Aos pais que eram surdos, fizemos o seguinte questionamento: como

é ser pais surdos de filhas ouvintes? E, para as participantes ouvintes fizemos o

seguinte encorajamento: como é pertencer a uma família em que os pais são

surdos? Na terceira fase de perguntas, só fizemos questionamentos de

complementação, questões inerentes, por exemplo: "Que aconteceu então?" Saímos

das questões exmanentes para a fase imanente e, por fim, chegamos à fase da fala

conclusiva, em que o pesquisador encerra a gravação, e, durante as narrativas, as

questões que ficaram obscuras são retomadas ao fazermos pequenas perguntas,

como "Por quê?". Em seguida, fizemos anotações que nos ajudaram durante a

finalização das entrevistas narrativas.

Escolhemos como método de pesquisa a Entrevista Narrativa Autobiográfica,

por ser uma metodologia de pesquisa qualitativa, na qual as experiências

vivenciadas pelos participantes da pesquisa são prioridades e ainda permitem a

valorização das percepções dos participantes.

Certamente, Jovchelovitch e Bauer (2002) estavam aplicando esse método a

uma sociedade ouvinte que se utiliza da língua oral para se comunicar. Tomando

como base esses mesmos pesquisadores, nossa pesquisa e o método da entrevista

narrativa utilizada direcionaram-se a dois participantes surdos que narraram as

experiências de suas vidas por meio da língua brasileira de sinais, sua língua

materna.

A epígrafe que utilizamos na parte superior do texto também pode ser

direcionada às pessoas surdas, porém narrar suas experiências tem elementos

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distintos da Língua Portuguesa falada. Nas mãos dessas pessoas, são narradas, de

forma singular, a partir da Libras, suas histórias de vida, suas experiências,

possibilitando aos pesquisadores compreenderem, a partir das suas biografias, o

sentimento de serem pais surdos e terem filhos ouvintes e a relação do uso de duas

línguas em seu seio familiar.

Lembramos ainda que nossa pesquisa, do começo ao fim, ora construída a

partir de narrativas em DUAS LÍNGUAS, a Libras e a Língua Portuguesa Oral, essa

foi uma questão específica dos participantes da pesquisa. Os pais que eram surdos

narraram suas experiências pela língua de sinais, e as filhas ouvintes, a partir da

língua oral.

Em primeiro lugar, fomos ao encontro dos nossos sujeitos voluntários, o que

configura uma tarefa complexa. Como afirma Bertaux (2010, p. 73): “O mais difícil

será encontrar os primeiros voluntários [...]”. O autor ainda reforça os aspectos de

colaboração do pesquisador e participantes nos primeiros contatos com o campo

para criar empatia e estabelecer laços de respeito com os nossos possíveis sujeitos.

Antes dos procedimentos para coleta dos dados, explicitamos aos sujeitos os

procedimentos e instrumentos da coleta das informações que foram parte

fundamental na construção da pesquisa. Em seguida, elaboramos um roteiro

contendo uma lista de questões acerca do tema em estudo, sendo apoio para

consulta sempre ao final da entrevista, pois seguimos o modelo de entrevista

narrativa proposta por Daniel Bertaux, compreendidas pelo momento de encorajar

o entrevistado a contar sua vida e mostrar interesse em tudo que ele diz. Isso

permitiu que o sujeito se apropriasse da entrevista e foi possível a retirada de

dúvidas. Voltamos ao roteiro inicial, a fim de constatar que tudo fora dito pelo

respondente e para fazer a devolutiva aos participantes. O registro da entrevista, da

filha ouvinte mais velha, foi feito a partir de um gravador (voz) para registrar o

fervilhar das respostas. A utilização do gravador se justifica por ser um instrumento

valioso para a condução da entrevista (BERTAUX, 2010). Para os participantes

surdos (os pais), foi utilizada uma câmera filmadora que possibilitou o registro da

língua visual dos pais, instrumentos de extrema importância para a realização de

pesquisa com surdos para a fidedignidade dos dados nas narrativas em língua de

sinais (GIANINI, 2012; SANTOS FILHO, 2015).

Em nosso trabalho, realizamos a entrevista narrativa, ou, como nos apresenta

Appel (2005), entrevista narrativa autobiográfica, pois nos permitiu compreender os

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processos biográficos, sociais e culturais de uma determinada sociedade. Os dados

obtidos por esse método são materiais empíricos por se tratar de uma narração

sobre a vida pessoal do entrevistado, pois “Não há experiência humana que não

possa ser expressa na forma de uma narrativa” (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002,

p.91).

Dessa forma, as informações relatadas pelos participantes da pesquisa, na

entrevista, foram suporte na fase da análise.

Para que os participantes não se constrangessem ao ver o gravador e/ou a

filmadora, tentamos minimizar essa situação, deixando-os livres para responder em

seu momento ou sugerir que fizéssemos a substituição do gravador e/ou filmadora

pela anotação, mas obtivemos êxito e consentimento dos participantes. As

entrevistas, com os pais surdos, aconteceram na UFRN, com sala previamente

separada, climatizada, que permitiu conforto aos participantes e pela facilidade na

realização das entrevistas narrativas. Nessa sala, houve a participação apenas de

um participante por vez, com exceção da filha mais nova, que foi acompanhada pela

mãe. A entrevista da filha mais velha ocorreu no Instituto Federal de Educação do

Rio Grande do Norte (IFRN), pela comodidade e escolha da participante. Nós

realizamos as entrevistas narrativas, com os pais, em Libras e, em seguida, fizemos

a tradução, bem como a transcrição. Nosso maior desafio foi com a filha mais nova,

pois a mesma é bastante introvertida e, para que ela ficasse mais à vontade,

fizemos uma conversa inicial entre o entrevistador, a mãe e Mike (da família Monstro

S.A). Nessa conversa, Giovana sugere um sinal para Mike, que registramos em

Libras mais adiante.

4.4 Ética na pesquisa (auto)biográfica: o caso de uma criança Coda

Atuar em pesquisa com criança é um desafio, e constatamos isso no percurso

da nossa pesquisa, uma vez que, durante as entrevistas, nossa participante

(criança) mostrou-se bastante introvertida, dificultando a obtenção de uma grande

quantidade de informações. Colocamos em prática o que Barbier (1997) chama de

escuta sensível, ou seja, nos apoiar na empatia, aceitando e respeitando seu tempo

de fala. Como coloca o autor: “O pesquisador deve saber sentir o universo afetivo,

imaginário e cognitivo do outro para poder compreender de dentro suas atitudes,

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comportamentos e sistema de ideias, de valores de símbolos e de mitos” (BARBIER,

2002, p.1).

A partir do comportamento apresentado pela participante da nossa pesquisa,

buscamos, em primeiro lugar, sua empatia, a partir de uma contextualização lúdica,

para que as informações fossem obtidas. Momentos de silêncios da participante

podem ser influência do comportamento familiar. Devido ao fato de os pais serem

surdos e utilizar uma língua não oral, o silêncio pode fazer parte desse

comportamento, pois “Somos todos reféns de esquemas de percepções,

representações e ações que nos atingem através de nossa família, de nossa classe

social e que nos conduz a um conformismo social inconsciente” (BARBIER 2002,

p.2).

Kramer (2002) e Fernandes (2016) destacam a existência do aumento de

pesquisas relacionadas aos estudos acerca da infância ou da criança, nas últimas

décadas. As pesquisas, além de evidenciar questões éticas, inserem as crianças

como participantes ativos no processo metodológico da pesquisa.

Quando trabalhamos com um referencial teórico que concebe a infância como categoria social e entende as crianças como cidadãos, sujeitos da história, pessoas que produzem cultura, a ideia central é a de que as crianças são autoras, mas sabemos que precisam de cuidado e atenção (KRAMER, 2002, p. 42).

Nesse sentido, a autora supracitada alerta sobre o cuidado de expor algumas

crianças, uma vez que muitas delas gostam de evidenciar sua própria presença, e

isso pode ser um fator de risco de exposição. Acima de tudo, o pesquisador é o

mediador do "falar" da criança, mas possibilitando uma fala que contribua com a

pesquisa.

O inesperado é coisa certa na pesquisa com crianças, devido à característica

natural da infância. Portanto, para o pesquisador, cabe a necessidade de um rigor

ético e com muito respeito, com fins de construir o conhecimento na infância

(FERNANDES, 2002).

Passeggi (2014) afirma que devemos considerar a criança como centro da

pesquisa, levando em consideração sua voz e vez por se tratar de um ser de

direitos. As narrativas dessas crianças são base de constituição enquanto sujeito da

experiência.

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4.5 A roda de conversa com uma criança Coda

A roda de conversa não é uma técnica que separa a sensibilidade e o

envolvimento das pessoas. Mas um "faz de conta", com a presença de um brinquedo

e do jogo simbólico de uma família diferente. Esse faz-de-conta tem como objetivo

promover a ludicidade, estimulando o imaginário da criança e sua espontaneidade,

atenção e interesse pela atividade (WARSCHAUER, 2004).

Esse protocolo nos permitiu refletir sobre a pesquisa com criança,

favorecendo sua participação com respeito a sua singularidade infantil, buscando o

interesse, a atenção e a participação dela. E, para isso, buscamos sua empatia, a

partir da roda de conversa, e nos posicionamos no chão, buscando horizontalidade

para a interação entre Giovana, Mike e o pesquisador.

A ideia do alienígena é a de provocar o distanciamento necessário à imaginação e à reflexão crítica, consideradas necessárias a um movimento de negociação cultural, de modo a dar possibilidades da criança, com eventuais conflitos, desenvolver meios de sedução e de persuasão, ao se situar diante do alienígena, para envolvê-lo naquilo que diziam. O alienígena desempenhava, assim, a função de mediador da construção narrativa, permitindo maior familiarização da criança com o pesquisador, que tenta se aproximar do universo infantil e das crianças, respeitando as diferenças entre eles (PASSEGGI et al., 2014b, p. 91).

Foi fundamental a participação de Mike na roda de conversa, pois possibilitou,

ainda que de maneira tímida, e favoreceu a construção da narrativa de Giovana. E,

como colocou Barbier (2002), essa timidez de Giovana pode estar condicionada ao

comportamento familiar pela utilização de uma língua silenciosa.

Aplicamos o protocolo do projeto financiado pelo Edital de Ciências Humanas

- CNPq/CAPES Nº 07/2011-2. Nº do processo: 401519/2011-2. Narrativas infantis. O

que contam as crianças sobre as escolas da infância? (PASSEGGI, 2011). Nesse

protocolo, foi utilizado um boneco conhecido como ET (Alien, do Toy Story), para

iniciar a roda de conversa, pois desejava saber como era a escola.

A roda de conversa foi organizada, com base no protocolo supracitado, a

partir de três momentos: apresentação de Mike; diálogo (a conversa da criança com

Mike e o pesquisador) e o encerramento (retorno de Mike à sua família).

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Em nossa pesquisa, utilizamos o boneco Mike dos Monstros S.A (Toy Story).

Esse personagem tem uma peculiaridade singular, que é o de possuir apenas um

olho, como mostra a figura abaixo:

Figura 9: MIKE Fonte: Google imagens.

Figura 10: Sinal de Mike Fonte: Direta do autor.

Na figura 10, podemos observar o sinal de Mike criado por Giovana.

Compramos esse boneco pela singularidade física, esperando que Giovana

apontasse alguma diferença em sua própria família. Inicialmente, deixamos o

boneco numa sala ao lado e falamos a Giovana que existia um colega nosso

conhecido por Mike e que ele faz parte de uma família diferente e gostaria de saber

como seria uma família onde os pais são surdos e o filho é ouvinte. Giovana aceitou

falar com Mike. Em seguida, buscamos o boneco, ele nos contou como é pertencer

à família dele e perguntou a Giovana como é a família dela.

A produção das narrativas está associada à aplicação de um protocolo,

elaborado e aplicado anteriormente em outras pesquisas sobre narrativas infantis

(PASSEGI, 2014). Tal protocolo tem como finalidade não coagir ou constranger a

criança a responder e dialogar com o pesquisador.

Bertaux (2010) apresenta aspectos relevantes acerca das narrativas infantis:

atenção ao que a criança nos diz acerca das experiências vividas com sua família,

relação entre o que foi narrado e suas associações com a conversa interativa, a

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dimensão dialógica do pesquisador e o outro na roda de conversa, relacionando a

narrativa com os saberes e pensamentos do sujeito em determinado dia e local

(PASSEGGI, 2011).

Contudo, Giovana mostrou-se quieta, muitas vezes, em silêncio, falou pouco

sobre si e sobre sua família.

Após a realização das transcrições, sentimos a necessidade de voltarmos aos

participantes surdos, pelas peculiaridades linguísticas e de tradução.

Müller (2002) explicita estratégias metodológicas direcionadas aos

participantes surdos e apresenta a utilização da tradução para produzir as narrativas

que lhes foram contadas. Nesse sentido, a autora aponta que, nesse tipo de

trabalho, existem perdas, ganhos e negociações constantes no trabalho árduo de

tradução, sobretudo, por se tratar de duas línguas bastante distintas: uma é

visuoespacial, e a outra é oral-auditiva.

Vieira-Machado (2010, p. 80) afirma que o tradutor não é um mero repetidor,

mas um ser recriador, produtor do conteúdo. “[...] há um atravessamento da minha

própria tradução do objeto de pesquisa nas traduções das narrativas”. Ela ainda nos

revela que a tarefa tradutória e com o texto para tradução não estão separadas da

sua subjetividade.

Essas autoras nos fizeram refletir o quanto a devolutiva ao participante da

pesquisa é de extrema importância. O texto a ser traduzido e o próprio ato de

tradução estão ligados ao trabalho produzido pela pesquisa (VIEIRA-MACHADO,

2010). Nesse caso, podemos minimizar possíveis erros na tarefa tradutória. Para

isso, ressaltamos a importância que a devolutiva teve para construção das narrativas

dos pais surdos, participantes da nossa pesquisa.

Embora eu tivesse conhecimento específico da língua de sinais no

procedimento das entrevistas, é válido ressaltar o contato com os sujeitos para o

reconhecimento de possíveis erros de tradução na tradução da Libras para o

português escrito. Na elaboração das transcrições, fui anotando palavras que eu

acreditava não estar de acordo com a tradução, e, no momento da devolutiva, os

participantes da pesquisa mostravam o novo diálogo para a participante para a

correção dos sinais de: 1- comunidade; 2- incomodar; 3- SUESP10, e o sinal

próprio de 4- Luzia, secretária da SUESP, 5- Helena, que não foi uma dúvida, pois a

10 Subcoordenadoria de Educação Especial do Rio Grande do Norte.

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participante Selma faz a datilologia em seguida. O que percebemos de semelhante

nesses sinais utilizados por Selma na entrevista é que são regionais. Quando ela faz

o sinal COMUNIDADE, seria CONGRESSO na cidade de João Pessoa;

INCOMODAR seria AMOLAR COM A FACA, o sinal de SUESP que é um órgão da

Prefeitura Municipal de Natal e responsável pela educação especial, eu não saberia

dizer sem que houvesse essa devolutiva. Para finalizar os sinais feitos por Selma

que representavam respectivamente a Luzia, secretária da SUESP, e uma amiga da

família, ambas com sinal próprio de “batismo” pela comunidade surda.

Podemos dizer que tais sinais são regionais, e sua vivência em Natal traz

esse demarcador linguístico e a frequência da utilização desses sinais para se referir

a elas. Não foi difícil compreender o sinal de Helena, pois, logo em seguida, Selma

fez a datilologia do sinal (H-E-L-E-N-A11), ou seja, em Libras, letra a letra,

diferentemente do sinal de Luzia, que só fui compreender o que se tratava quando

fizemos a primeira devolutiva. Em seguida, fizemos as correções no corpo das

transcrições das narrativas do pai e da mãe.

Então se faz necessário que o pesquisador, que deseja trabalhar com

narrativas a partir das entrevistas de pessoas surdas, esteja atento às

peculiaridades regionais e culturais da língua de sinais, pois determinado sinal que

você conhece em seu Estado, na sua cidade e até no seu bairro, pode não ser a

mesma coisa no lócus da sua pesquisa. A seguir, apresentamos as figuras

enumeradas das palavras que foram mencionadas acima:

11 “O traço apresentado entre as letras das palavras apresentadas no texto significa que utilizamos no momento da sinalização a datilologia, ou seja, o alfabeto manual, letra por letra” (FELIPE, 2001, p. 22).

Figura 11: Sinal de comunidade

Fonte: Direta do autor. Figura 12: Sinal de incomodar

Fonte: Direta do autor.

Figura 13: Sinal de SUESP

Fonte: Direta do autor. Figura 14: O sinal próprio de Luzia

Fonte: Direta do autor.

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Figura 15: Datilologia do nome Helena (5) Fonte: Org. pelo autor.

A Libras, como falamos durante todo o percurso de escrita desta tese, é uma

língua que se utiliza do espaço para ser produzida e, por meio da visão, pode ser

“ouvida”, ou seja, uma língua visuoespacial (QUADROS, 2004). Seria difícil ao leitor

compreender as palavras citadas durante a entrevista em língua de sinais. Por isso,

foram inseridas mediante as imagens, para proporcionar uma leitura mais fluida.

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5 ANÁLISES DOS DADOS – OS DIÁLOGOS AUTOBIOGRÁFICOS

Inicialmente, são apresentadas as dimensões metodológicas e a

caracterização da família participante dessa pesquisa. No segundo momento, as

narrativas são explicitadas, assim como os significados que emergem do contato

com as narrativas sinalizadas dos pais surdos e narrativas orais das filhas ouvintes.

A primeira tarefa foi estabelecer empatia, estabelecer laços, a fim de

conquistar voluntariamente os participantes a colaborarem com a pesquisa

(BERTAUX, 2010).

Os primeiros contatos foram estabelecidos com a genitora surda, que é

professora de uma universidade pública federal. Compartilhamos a ideia da

pesquisa, e ela, sem hesitar, aceitou em colaborar, informando, em primeiro lugar,

os contatos da filha ouvinte. Em seguida, entrei em contato com ela, que

prontamente aceitou, após explicações sobre os objetivos da pesquisa, os

instrumentos que seriam utilizados, participar da pesquisa assinando o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, recebendo cópia assinada do mesmo e

roteiro das possíveis perguntas a ela dirigidas. Ela perguntou se poderia ser usado o

seu próprio nome quando nos referíssemos ao participante. Respondemos que não

era comum, mas poderia ser usado. Deixamos claro acerca da utilização do

gravador para possibilitar o registro das narrativas e que seria guardado em lugar

seguro pelo pesquisador durante 5 (cinco) anos, como orienta o Comitê de Ética em

Pesquisa da UFRN.

Após os primeiros vínculos serem estabelecidos, a respondente, na condição

do critério de filha ouvinte, deu-nos as seguintes informações: do sexo feminino,

casada com um rapaz ouvinte, atualmente com 22 anos de idade, cursando seu

primeiro curso de graduação em Letras/Libras na modalidade presencial da

Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA- RN). A mesma deu início ao

curso na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, mas transferiu o

curso para assumir, por ocasião de concurso público, a função de Tradutora-

Intérprete de Libras no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio

Grande do Norte (IFRN), campus Mossoró – RN.

Dando continuidade, apresentamos as possíveis perguntas que poderiam ser

a ela dirigidas. No momento da entrevista narrativa, direcionamos como dispositivo

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inicial a seguinte pergunta: como é pertencer a uma família em que os pais são

surdos?

Em seguida, a fase de análise envolveu o processo de contato com as

narrativas na perspectiva de acesso a uma diversidade de significados.

Como afirma Bertaux (2010, p.89):

Nesse tipo de pesquisa, a análise começa muito cedo e se desenvolve paralelamente à coleta de testemunhos. Os resultados da análise das primeiras entrevistas não estão somente integrados ao modelo em vias de construção, mas são retomadas no roteiro de entrevista evolutiva.

Acreditamos que as narrativas que nos foram contadas serviram como

discursos que possibilitaram a compreensão de aspectos da realidade e do cotidiano

dessa família com Coda.

As entrevistas gravadas e/ou filmadas foram transcritas, organizadas e

interpretadas por meio da análise qualitativa, buscando atingir os objetivos da

pesquisa.

Com as informações adquiridas com a conclusão das entrevistas, partimos

para as transcrições. Antes das análises do texto, amparamo-nos em nossa

compreensão acerca do material coletado, contribuindo para o surgimento de ideias

para essa análise, como bem coloca Jovchelovitch e Bauer (2002).

Seguimos os princípios defendidos por Jovchelovitch e Bauer (2002) e Goss

(2010) sobre análise temática. Inicialmente, elaboramos um quadro com três

colunas, inserindo, em seguida, as narrativas dos participantes na íntegra na

primeira coluna.

Na segunda coluna, inserimos a primeira redução para nos ajudar nas

escolhas das categorias, e, na terceira coluna, deu-se a inserção de algumas

palavras-chave que demonstravam a essência da narrativa, possibilitando sentido às

escolhas das categorias. Ao final desse processo, chegamos às primeiras

categorias: a primeira para os pais surdos, “experiências vivenciadas pelos pais

surdos com as filhas ouvintes”, e a segunda para as filhas ouvintes, “A família:

encontro do ver e ouvir vozes”. Abaixo, seguem os exemplos dos quadros de

condensação das narrativas dos participantes.

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Quadro 1: Exemplo de condensação das narrativas dos pais surdos

TRECHO COMPLETO PRIMEIRA REDUÇÃO SEGUNDA REDUÇÃO

“Então nossa primeira filha de nome Júlia, ela nasceu ouvinte em 1994 [...], aprendeu inicialmente como primeira língua, a Libras, por que nós dois, meu esposo e eu, somos surdos, e como ela nasceu ouvinte não podia separar. Então eu comecei a pensar de como seria esse aprendizado entre nós três, mas ocorreu de forma natural, por exemplo, ela começava a chorar, e eu em língua de sinais perguntava: o que foi? Por que você ta chorando? Então, ela, Júlia apontava e fazia o gesto de mau cheiro. No mesmo momento eu já ensinava alguns sinais que significava aquilo que ela estava apontando como por exemplo o sinal de cocô e daí ela internalizava o sinal” (SELMA). Lembro que não havia em casa campainha e nem com a luz piscando, não tínhamos tecnologia em casa, e acontecia de na rua ou alguém bater na frente da nossa casa e Júlia ouvia e logo corria para ver, pela janela, quem era, a janela era alta ela tinha que levantar bastante os pés para poder enxergar a pessoa do lado de fora e chegava até nós e fazia o sinal de amigo na barriga fazia o sinal de “amigo” e apontava, então eu ia ver quem seria a pessoa e constatava que era um amigo e que eu conhecia, ela olhava a conversa logo saia, outras ocasiões da mesma forma uma pessoa batia palma ela corria para nos dizer fazendo o sinal de “amigo” e apontando e eu ia lá fora para falar com a pessoa (GERSON).

A mãe apresenta a mediação em Libras que ressalta a transformação do gesto no significado linguístico do sinal, a partir do contato mãe e filha. O pai apresenta o vocabulário da língua de sinais à filha mais nova, a partir da sua própria residência e explica a função de cada espaço e a quem o pertence.

A importância das experiências vivenciadas pelos pais surdos com as filhas ouvintes, a partir da Libras.

Fonte: Dados da pesquisa, 2018.

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Quadro 2: Exemplo de condensação das narrativas das filhas ouvintes

TRECHO COMPLETO PRIMEIRA REDUÇÃO SEGUNDA REDUÇÃO

Não, assim eu não vejo diferença. Até porque todas as famílias têm seus altos e baixos, eu vejo realmente, nenhuma família é perfeita. Então pra mim mesmo minha família é maravilhosa, eu não vejo nenhuma diferença. Mas o simples fato de meus pais serem surdos, terem essa deficiência tem essa diferença, não! eu não vejo diferença, até mesmo como eu disse, na família das minhas amigas tinha aquela interação de voz de gritar, de xingar de até falar palavrão, que pra mim foi muito forte, foi um impacto muito grande de você tipo você escutar isso do seu próprio pai. Por isso na minha casa não tem isso na minha casa não tem essa gritaria, não tem esse xingamento, tem sim, seu altos e baixos, seus estresses no modo expressivo. Nas expressões faciais, tem assim, suas expressões mas, pra mim minha família é melhor do varias outras famílias por aí, são famílias, que sei lá, tenha falsidades, não! os surdos são bem direto mesmo, são bem sinceros, falam o que pensam, não tem limitação, estamos aqui, somos família (JÚLIA). Minha família é surda e eu sou ouvinte, Mas minha mãe é quase surda. [...], porque ter família surda é legal por que você pode aprender Libras. Em casa as vezes eu falo pela boca, pelo paladar, e as vezes [pausa] Com minha mãe eu falo com o paladar e com meu pai eu falo com Libras (GIOVANA).

Desde cedo, Júlia, a primeira filha do casal, naturalmente assume o "papel" de ouvidos dos pais. É ela que recebe as visitas ou avisa aos pais que seus amigos chegaram. A filha mais nova aponta que seus pais são surdos e relata como acontece a comunicação entre ela e seus pais.

A experiência familiar e o cotidiano com as duas línguas.

Fonte: Dados da pesquisa, 2018.

Campos (2004) apresenta duas propostas de categorias, denominadas de

apriorísticas ou não apriorísticas. Em sua explicação, ele diz que, na escolha da

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categoria apriorística, o pesquisador precisará possuir, além da experiência prévia,

categorias pré-definidas. Na escolha da categoria não apriorística, as categorias

emergirão do contexto das respostas dos participantes da pesquisa, exigindo do

pesquisador idas e vindas ao material analisado, às teorias norteadoras e aos

objetivos da pesquisa. Tendo em vista a abordagem de Campos (2004), preferimos

analisar a luz da categoria não apriorística, pois nos permite aprofundar novas

experiências que, por ventura, os participantes venham a revelar.

Não existem receitas prontas e acabadas que orientem o pesquisador a

formular a categorização. É preciso que o pesquisador elabore e siga os critérios

metodológicos e as premissas científicas das teorias. Esse processo envolve

competência, sensibilidade, intuição e experiência, ou seja, o pesquisador necessita

ter versatilidade (CAMPOS, 2004).

5.1 A Família com Codas em sua narrativa: uma construção histórica

Como contribuição das transcrições, elaboramos três linhas do tempo que

apresentam, de forma sucinta, parte da vivência da família com Coda e o processo

histórico que transcorreram durante a vida dos membros dessa família.

A primeira linha do tempo mostra os acontecimentos históricos e os avanços

da Língua Brasileira de Sinais, utilizada por eles, a partir da luta política beneficiando

as comunidades surdas de todo o Brasil.

Com o namoro de Gerson e Selma, a consequência da união do casal foi o

matrimônio em 1994, e o ano foi marcado, também, pela chegada da primeira filha,

aumentando o seio familiar. Esse casal, desde muito jovem, esteve agregado à

comunidade surda por meio de outros amigos surdos e pela associação de surdos,

unindo forças para lutar incessantemente pelo reconhecimento da Libras por Lei

como língua das pessoas surdas.

Selma sempre se destacou pelo empenho e assumiu cargos dentro da

Associação de Surdos de Natal (ASNAT), dentre eles, o de presidente da

associação. Participou de curso oferecidos pela Federação Nacional de Educação e

Integração (FENEIS), entidade ligada às associações dos surdos espalhadas pelo

Brasil, com o objetivo de apoiar e unir esforços frente à luta política das pessoas

surdas, reconhecimento da língua, luta pela educação e trabalho, entre outros

interesses. Em 2002, ano que marca a trajetória de Selma na comunidade surda, um

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grande avanço que mudou o percurso da vida dos surdos brasileiros a partir da

aprovação da Lei 10.436/02, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio

legal de comunicação e expressão das pessoas surdas do Brasil. Esse avanço

ocorreu pela força e empenho das lideranças surdas, mas:

Contamos também com a vontade política instaurada nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, embora ainda necessário avançar no sentido de garantir a educação bilíngue para as crianças surdas brasileiras (QUADROS, 2017, p. 158).

Foi no governo Fernando Henrique Cardoso, no período de 1º de janeiro de

1995 a 1º de janeiro de 2003, que foi sancionada a Lei da Libras. Em seguida, no

Governo Lula, no período de 1° de janeiro de 2003 a 1° de janeiro de 2011, foi

assinado e publicado o Decreto nº 5.626/05, que veio regulamentar a Lei da Libras,

sancionada no governo anterior, e, por fim, o governo Dilma Rousself, no período de

1º de janeiro de 2011 a 31 de agosto de 2016, seguiu providenciando meios para

que a Libras se consubstancie em todo o território brasileiro, e uma dessas

providências consistiu nos diversos concursos públicos para professores e

tradutores-intérpretes de Libras.

Durante o governo Dilma, com o surgimento do Programa Viver sem

Limites, acontecem incentivos para os cursos no ensino superior em Letras/Libras,

até então, ofertados na modalidade a distância. Dessa forma, passa a ampliar a

oferta desses cursos para outros Estados do Brasil. Vale lembrar que foi nesse

governo que o movimento Setembro Azul, que marca a luta em defesa da

Educação Bilíngue para Surdos, toma fôlego pelos incentivos do governo e pela

exigência da Lei nº 11.796/2008, que sanciona o Dia 26 de Setembro como Dia

Nacional dos Surdos.

Destacamos que, no ano 2006, Selma era mãe, mulher, surda e presidente da

Associação de Surdos de Natal, surda líder nessa comunidade, e em um mundo em

que a cultura machista imperava na maioria dos espaços sociais privilegiados e

ocupados por homens.

Em 2018, o IBGE publicou que, no Brasil, as mulheres ocupavam 37% de

horas a mais nas atividades de pesquisas e/ou fazeres domésticos. Essa estatística

comprova força de trabalho maior das mulheres frente aos homens.

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E isso não é diferente na comunidade surda, a ascensão feminina acontece

nesses espaços de luta das pessoas surdas no Brasil. Não sabemos se a pesquisa

realizada pelo IBGE incluiu as mulheres surdas devido à segregação histórica,

sobretudo no âmbito educacional, e pela falta de comunicação.

Podemos, então, dizer que, nessa família em estudo, as mulheres realmente

são maioria na quantidade, não dependendo da força de trabalho masculina.

Com o início do primeiro curso de graduação em Letras/Libras ofertado pela

UFSC na modalidade EAD e, pouco tempo depois, na modalidade presencial,

Gerson ingressou nesse curso na modalidade a distância, com o objetivo de ampliar

seus conhecimentos sobre a Língua Brasileira de Sinais, a fim de apoiar ainda mais

qualificadamente a comunidade surda. Gerson, diferentemente de Selma, sempre

atuou de forma discreta e servindo de apoio à esposa no que ela precisasse. Ele

atuou ministrando cursos básicos de Libras até atuar como professor universitário

em 2008, na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN. Na mesma

época, aconteceu o reconhecimento do movimento de luta política dos surdos no

Brasil, chamado Setembro Azul e reconhecido pela Lei nº 11.796/08. É no mês de

setembro que também é comemorado o Dia Mundial da Língua de Sinais, no dia 10,

o Dia Nacional dos Surdos no Brasil, comemorado no dia 26, e, por fim, o dia 30

como Dia Internacional dos Surdos. O mês traz visibilidade à comunidade surda, é

uma ação que homenageia de forma significativa essas pessoas.

Em 2009, a família cresce com a chegada da filha mais nova, que chamamos

aqui pelo nome fictício Giovana, e, ao contrário do que todos pensavam, Selma e

Gerson não pararam: Selma participa do terceiro encontro de estudantes do

Letras/Libras em Goiânia, em 2009, e, no ano seguinte, 2010, acontece a formatura

do casal no curso de Graduação em Letras/Libras. Neste mesmo ano, a comunidade

surda e os profissionais tradutores-intérpretes de Libras do Brasil são reconhecidos

com a sanção da lei que reconhece a profissão dos tradutores-intérpretes de língua

de sinais.

Refletimos, nesse momento, o porquê de Gerson e Selma tornarem-se

professores de Libras. Antes de tudo, lembramos que ambos estavam inseridos em

um contexto de militância em prol do reconhecimento da língua de sinais enquanto

língua, e tal fato deu-se, como vimos na linha do tempo, em 2002 e em 2005, com o

surgimento do Decreto da Libras. Desde 2002, a comunidade surda já se organizava

para um futuro promissor que exigiria profissionais formados para atuarem no ensino

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e na tradução-interpretação da língua de sinais. O Decreto nº 5.626/05 já menciona

a difusão da Libras por meio de seus profissionais.

Como tudo era recente, foi necessária a criação de uma prova de proficiência

da Libras, realizada pelo MEC, com o intuito de certificar professores e tradutores-

intérpretes dessa língua. A prova foi conhecida, nacionalmente, como Exame

Prolibras, com sua primeira versão no ano de 2006 (QUADROS, 2009).

Havia uma discussão na época, no Brasil, para garantir o acesso de

profissionais surdos, e essa recomendação também foi posta no decreto 5.626/05,

parágrafo único, que trata da prioridade dessas pessoas. A importância da garantia

de professores surdos se justifica porque:

Os caminhos passam por formas surdas de pensar e significar as coisas, as ideias e os pensamentos, necessariamente na língua de sinais. Assim, os saberes surdos passam a ser visibilizados. Esses processos desencadeiam o empoderamento dos surdos (QUADROS, 2009, p.18).

A língua tem a ver com uma cultura de um povo. Nesse sentido, a presença

de professores surdos favorece a relação dos alunos surdos, fortalecendo suas

identidades.

Então, é nesse contexto que Selma e Gerson despertam quanto ao desejo de

se tornarem professores de Libras a partir do ingresso ao curso de Letras/Libras,

para que pudessem se alinhar à exigência do mercado e da legislação vigente

acerca da atuação de professores de Libras.

Essa realidade também foi vista no trabalho de Gianni (2012), que afirmou

que os participantes de sua pesquisa tinham o entendimento de que o professor de

Libras tinha que ser formado em nível superior para ampliar o acesso ao mercado de

trabalho e estar mais qualificado, diferentemente de ser instrutor de Libras, que

poderia ter formação de nível médio, o que limitava seu acesso ao mercado de

trabalho.

Por outro lado, a imagem do professor está sempre elevada, pois está nesses

profissionais a esperança de um futuro melhor, e essa atuação exerce função de

extrema importância para sociedade (NÓVOA, 1998).

Tendo dito isso, pensamos que essas razões tenham levado nossos

participantes da pesquisa, os pais, a se tornarem professores de Libras do ensino

superior, primeiro, pelo privilégio de ter uma formação superior e, segundo, pela

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experiência que ambos possuíam na língua de sinais, seguidos da exigência do

mercado de trabalho, e essas questões só foram possíveis por suas atuações

militantes frente à comunidade surda.

Setembro Azul, em 2011, foi um marco na história da comunidade surda. Aqui

abrimos um parêntese, uma vez que o Setembro Azul é o que marca a luta política e

educacional dos surdos. A luta pelo reconhecimento a Língua Brasileira de Sinais no

Brasil foi uma bandeira de luta travada pela comunidade surda. Com o

reconhecimento legal da Libras enquanto língua dessa comunidade, em 2002, foi a

vez da busca pelo decreto que regulamenta a lei e instaura ações de garantir o

acesso à língua propriamente dita, aos profissionais da área, como professores de

Libras e tradutores-intérpretes, entre outras execuções fomentadas pelos governos

municipais, estaduais e federal.

Como bem colocou Quadros (2017), ainda com toda boa vontade dos

governantes para proporcionar ações efetivas de assegurar o acesso à língua de

sinais no Brasil, é preciso avançar, garantindo agora a educação bilíngue para as

crianças surdas.

Corroborando essa ideia da autora supracitada, Campello e Rezende (2014)

afirmam que, dessa vez, o Setembro Azul assumiu essa luta. O direito que os surdos

possuem é real, e a legislação garante a elaboração de escolas bilíngues, esse item

pode ser constatado no Decreto nº 5.626/05.

Faz-se necessário lembrar, ainda, que não apenas a legislação reconhece a

existência da educação bilíngue para surdos, as pesquisas apontam também a

legalidade, a necessidade e a urgência de fomento dessas escolas. Pesquisas como

a de Gianini, (2012); Santos Filho (2015); Oliveira (2016); Silva (2016) apresentam

contribuições valiosas que nos fazem acreditar que o caminho viável para uma

educação de qualidade, principalmente para crianças surdas brasileiras, é a

consubstanciação da escola bilíngue. Na pesquisa de Gianini (2012), deparamos

com uma verdadeira denúncia: a maioria dos surdos adultos, participantes da

pesquisa, viveram uma época de proibição de utilizar a língua de sinais, não

conseguindo ter sucesso educacional com a língua oral. Esses surdos tiveram

acesso à Libras tardiamente, o que levou a maioria a insistir em aprender depois que

chegaram à fase adulta e depararam com o tempo educacional que perderam por

não usá-la. A autora ainda aponta que, além da proibição da língua de sinais, havia

a falta de comunicação com a família e em outros espaços sociais.

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Não podemos aqui afirmar que o perfeito é a escola bilíngue para surdos, isso

porque faltam escolas bilíngues e pesquisas que atestem sua qualidade, mas o que

fica do estudo de Gianini é que, sem dúvida, a proibição pela utilização da língua de

sinais pelos surdos trouxe consequências devastadoras, fazendo-nos acreditar que

o uso da Libras nas escolas seria o mais correto.

Oliveira (2016) apresentou uma pesquisa em uma instituição de educação

que se intitulava de “bilíngue”. No entanto, os resultados foram que a maioria dos

professores dessa escola não estavam preparados para ensinar aos alunos surdos.

Os professores afirmaram não ter conhecimento profundo da Libras, apenas alguns

fizeram curso de especialização, com o objetivo de instaurar a inclusão educacional,

e não a educação bilíngue, isso porque esses professores afirmaram que a

presença do tradutor-intérprete de Libras em suas salas de aulas é figura

indispensável, o que nos leva acreditar que, apensar de ser um "Complexo Bilíngue

de Referências para Surdos na cidade de Natal", não passa de ser a prática da

legislação vigente: a inclusão educacional, levando ao questionamento dos surdos

quanto às práticas existentes nessa modalidade de ensino. O porquê disso é que se

acredita que as práticas existentes das escolas bilíngues são outras:

[...], levando em conta o atual momento de contestação da comunidade surda a respeito do seu lugar nas relações de poder historicamente estabelecidas, acreditamos que ser professor solicita algo além, a sensibilidade para questões do outro e o engajamento crítico no questionamento das posições institucionalmente estabelecidas, que corroboram a assimetria nas relações (OLIVEIRA, 2016).

O professor que a autora menciona acima é justamente o professor que se

acredita existir nas escolas bilíngues. Alguém que reconheça as especificidades

educacionais de seus alunos, domine questões relacionadas às práticas

pedagógicas e que reconheçam a necessidade de, em seu corpo docente, existirem

professores surdos nessa escola.

Santos Filho (2015), com a pesquisa voltada a uma escola de ensino médio

com a perspectiva inclusiva, corrobora a ideia da pesquisa da autora supracitada. O

autor concluiu que os professores dos alunos surdos de todas as disciplinas não

conseguem estabelecer o mínimo de comunicação com seus alunos e/ou fazer uma

simples pergunta, com exceção da professora da sala de recursos existente nessa

escola. Essa situação aponta um ensino precário além da inexistência da presença

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do tradutor-intérprete de Libras, que justificou sua ausência por falta de recursos

financeiros, mostrando que o fator administrativo e financeiro, responsável pelos

salários dos tradutores-intérpretes também, afeta o andamento da aprendizagem

dos alunos surdos. A quantidade de tradutores-intérpretes por sala é insuficiente.

Portanto, chegamos à conclusão de que a educação que é para todos não chega de

maneira satisfatória para os alunos surdos, levando-nos acreditar que o melhor seria

repensar o sistema de inclusão bilíngue no Brasil ou institucionalizar as escolas

bilíngues.

E, por fim, a pesquisa de Silva (2016) apresenta um sistema educacional

excludente. Para iniciar, o autor situa os leitores para dois fatores de extrema

importância: o primeiro é que a escola da pesquisa possui uma avaliação negativa

pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e que os alunos

ouvintes passam por uma situação de exclusão. Historicamente, os surdos

vivenciam a exclusão de diversas formas, proibição da língua de sinais, a falta de

tradutores-intérpretes nas escolas nas quais eles estavam inseridos e a falta de

professores que conheçam as suas especificidades educacionais.

Tendo em vista essas questões, o autor revela que foi justamente uma

escola que já sofre com os baixos níveis de avaliação e situações precárias de

ensino que resolveu fomentar um dos complexos de referências educacionais para

surdos. O autor revela que as práticas existentes nessa escola não condizem com a

proposta bilíngue do movimento surdos e dos estudos surdos que a comunidade

surda brasileira deseja. Ele ainda aponta que, por falta de conhecimento, a

comunidade escolar concebe os surdos como deficientes e que a educação bilíngue

é uma ramificação da educação de pessoas com necessidades especiais. A escola,

segundo o autor, não possui professores regentes surdos e não insere a língua

brasileira de sinais como língua de instrução dos conhecimentos vivenciados em

sala de aula.

Podemos chegar à conclusão de que essas pesquisas, no mínimo, ressaltam

fragilidades e lacunas na oferta da educação das pessoas surdas. Elas, também,

contribuem para reforçar a luta existente no Brasil fomentada pelas comunidades

surdas.

Atualmente, Setembro Azul, ou seja, o movimento surdo no Brasil está

pautado em defesa das Escolas Bilíngues para Surdos. A explosão desse

movimento tem o apoio dos surdos espalhados em todas as regiões existente no

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país em prol da qualidade da educação das crianças surdas brasileiras

(CAMPELLO; REZENDE, 2014).

Esse movimento mencionado pelas autoras alicerça-se também na legislação

vigente em nosso país. Um exemplo é o Plano Nacional de Educação, conhecido

como novo PNE (2014-2024), que, entre as metas e estratégias existentes nessa

Lei, a garantia de existência de Escolas e Classes Bilíngues, fortalecendo o

posicionamento político, linguístico e cultural dos surdos brasileiros.

Desde a fundação da primeira escola para surdos no país, os surdos

vivenciaram momentos de crescimento e declínio no que diz respeito à educação.

Com a fundação do Instituto Imperial dos Surdos-Mudos com incentivo do então

Imperador do Brasil D. Pedro II, quando a educação era ministrada a partir da língua

de sinais, levando os surdos a um salto em sua escolarização, e, pouco tempo

depois, o declínio, com a proibição do uso dessa língua. Após isso, pouco tempo

depois, aceitou-se a língua de sinais, mas com objetivo na oralização, e, por fim, a

luta pelo reconhecimento da Libras enquanto língua e efetivação das escolas

bilíngues.

A história em defesa das nossas escolas específicas vem de tempos longínquos. A língua de sinais e a cultura surda, em sua imensidão, compartilhada entre os pares surdos, travou-se em períodos de proibições do uso da nossa língua, por imposições ouvintistas, sempre entremeadas de muitas lutas pela sobrevivência da nossa língua de sinais e pela qualidade da nossa educação (CAMPELO; REZENDO, 2014, p. 73).

Certamente que Selma e Gerson, participantes da nossa pesquisa, inserem-

se nesse contexto. Vimos, na linha do tempo, seu empenho frente à comunidade

surda do seu Estado, inclusive, assumindo cargo importante, como a presidência da

Associação de Surdos de Natal.

Três questões importantes nos chamaram a atenção no percurso “Setembro

Azul em Defesa das Escolas Bilíngues”: a possibilidade dessa luta deu-se a partir

das experiências vivenciadas pelos próprios surdos nas escolas, a ajuda vinda das

pesquisas existentes sobre a temática e a existência de leis que amparam o

surgimento desse tipo de instituição.

Campello e Rezende (2014) lembram que essa briga ficou mais intensa, nos

anos 2006 a 2009, pela existência de uma ordem de fechar as classes e escolas

específicas para alunos surdos e com deficiência auditiva para inseri-los nas escolas

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comuns do ensino regular. Mas, pela insistência de lideranças surdas junto a

deputados, em 28 de maio de 2014, foi aprovada uma nova redação do Plano

Nacional de Educação, que tratava da questão, sendo aprovada e sancionada pela,

então, Presidenta da República do Brasil, Dilma Roussef.

O ano de 2012 é representado pelo marco no Estado do Rio Grande do Norte.

Selma e Gerson recebem o grau de especialistas em Língua de Sinais, e Gerson foi

aprovado em concurso para professor Substituto do IFRN. Além disso, ocorreu a

elaboração do primeiro curso de Letras/Libras presencial da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte – UFRN e com início em 2013, culminando com o Primeiro

Encontro sobre Educação Bilíngue em Natal.

Em 2016, a vida de Selma mudou por completo, pois ela foi aprovada em

concurso público para o magistério superior da UFRN, ano em que acontece o

Primeiro Congresso Pan-Amazônico de Pesquisas sobre Libras e Educação, com

larga participação de Selma.

A Lei da Libras chegou aos seus 15 anos em 2017. Durante esses anos,

muitos avanços e conquistas foram alcançadas pelos surdos brasileiros, muitas

pesquisas foram desenvolvidas e, inclusive, a nossa, que tem início no ano em que

a Libras é “debutante”. No ano seguinte de 2018, Gerson foi aprovado em concurso

público para professor substituto da UFRN.

A vida de Selma e Gerson, como vimos, sempre esteve ligada aos avanços e

às conquistas que envolveram os surdos no Brasil. Eles foram, são e sempre serão

exemplos para a comunidade surda, para suas filhas e também para os amigos

ouvintes. Seguiremos, nas próximas linhas, apresentado algumas discussões acerca

das experiências vivenciadas pelos pais surdos com as filhas ouvintes. Podemos

observar essa descrição na linha do tempo abaixo.

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Linha do tempo: A Família com Codas e os avanços da Libras e comunidade surda

brasileira

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Na linha do tempo, prevalece, inicialmente, os pais surdos como

protagonistas na construção e na formação familiar com Codas. Lembramos que, na

ocasião do matrimônio, a língua de sinais, utilizadas pelo casal, não tinha seu status

de língua reconhecido por lei, embora trabalhos de vários pesquisadores

(FERREIRA BRITTO, 1998; FELIPE, 2001; QUADROS, 2004; COUTINHO, 2009) já

a reconhecessem como tal. Com o nascimento da primeira filha, a língua falada em

casa era a de sinais, essa é a primeira mediadora das relações sociais da família.

Destaca-se também a associação de surdos, como espaço que favoreceu a

consolidação dessa língua, a luta política por uma educação voltada para o

reconhecimento da língua de sinais no âmbito escolar e na sociedade, além de

espaços religiosos que permitiram aos surdos a socialização e o acesso ao

conhecimento fornecido por esses espaços a partir da Língua Brasileira de Sinais.

Como aponta Silva (2012) no livro “Cultura surda: agentes religiosos e a

construção de uma identidade”, esses espaços religiosos favoreceram ao surdo

socialização e reconhecimento linguístico da Libras por fornecerem tradutores-

intérpretes dessa língua. Esses mesmos profissionais, muitas vezes, de forma

voluntária, acompanhavam os surdos em consultas médicas, mediavam conversas

entre a família ouvinte dessas pessoas, entre outros espaços sociais.

Na ausência de tradutores-intérpretes de Libras, ou de amigos que podiam

passar um conteúdo de uma língua para outra, os filhos ouvintes interpretavam para

os pais surdos, novelas, jornais, filmes, etc., muitas vezes ainda criança (OLIVEIRA,

2014).

Constatamos que, ao longo do tempo, essa família (sobretudo, os pais)

estava atenta e atuava na militância para o reconhecimento da língua de sinais no

Brasil enquanto língua própria da comunidade surda. Observamos, ainda, que, ao

longo do tempo, aconteceram eventos que se toraram marcos históricos e

favoreceram ainda mais o reconhecimento da Libras enquanto língua legalmente

reconhecida em nosso país. Desde a união matrimonial do casal, em 1994, que

coincide com a conferência mundial em Educação Especial em Salamanca, ocasião

em que as Nações Unidas implementavam a então conhecida Declaração de

Salamanca, que, de forma intrínseca, coloca a Libras em evidência quando

reconhece a urgência da garantia da educação para pessoas com deficiência. A

partir das especificidades educacionais dessas pessoas, no caso dos surdos, a

garantia do acesso, permanência e aprendizagem por meio da Língua Brasileira de

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Sinais aqui no Brasil. Porém, o marco mais importante para a comunidade surda

deu-se em dois momentos: o primeiro, no ano de 2002, quando a Libras foi

reconhecida por meio de uma Lei nacional, como língua oficial da comunidade surda

brasileira. Dessa forma, o Brasil passou ter, em seu território nacional, a Língua

Portuguesa como idioma oficial do país, e uma outra língua regulamentada,

reconhecida por lei, para a comunidade surda.

Um segundo marco histórico foi a publicação do Decreto nº 5.626, no ano de

2005, que regulamenta a Lei da Libras e implementa vários benefícios para a

comunidade surda, entre eles, destacamos: garantia do acesso à língua de sinais

nas escolas brasileiras, acesso ao tradutor-intérprete de Libras, fomento de cursos

de graduação em Libras, entre outras vantagens conquistadas pela comunidade

surda, a partir da luta travada ao longo de sua história pelo seu direito enquanto

cidadãos brasileiros. E a família em evidência nesse trabalho sempre participou

ativamente e juntamente com a associação de surdos com objetivo de melhoria para

pessoas surdas. Além dos benefícios que envolveram toda comunidade surda do

Brasil, houve conquistas pessoas e profissionais desse casal. Na comemoração de

15 anos de aprovação da Lei da Libras, esse casal já era formado no curso de

Graduação em Letras/Libras (UFSC), tornaram-se professores do ensino superior e,

inclusive, um deles por meio de concurso para o quadro efetivo da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A legislação permitiu o acesso ao ensino

superior dessas pessoas, bem como sua ascensão profissional, além de contar com

o apoio de sua primeira filha, que já mediava a comunicação entre ouvintes e os pais

surdos por possuir habilidade comunicativa nas duas línguas: português e Libras.

Esses aspectos históricos envolvendo a língua, a família e seus filhos

produziram experiências construídas ao longo do tempo, as quais serão

compreendidas nas linhas posteriores desta tese a partir das narrativas dos pais.

5.2 Narrativas das experiências vivenciadas pelos pais surdos com as filhas ouvintes

O ser humano faz a experiência de si mesmo e do mundo em um tempo

que ele relaciona com sua própria existência12.

Delory-Momberger

12 Trecho retirado do texto: “A pesquisa biográfica ou a construção compartilhada de um saber do singular” de autoria de Christine Delory-Momberger, 2016, p.136.

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A partir deste tópico dos resultados, caracterizamos as experiências

vivenciadas pelos pais surdos com suas filhas ouvintes ao longo do tempo. Essas

categorizações foram estabelecidas de maneira não apriorística, ou seja, os

aspectos tratados emergiram como essências das narrativas (auto)biográficas dos

pais surdos.

5.2.1 Aquisição da língua de sinais

A narrativa a seguir evidencia a concepção da mãe surda sobre as

características linguísticas de uma família com Coda, bem como o ensino da língua.

Então nossa primeira filha de nome Júlia, ela nasceu ouvinte em 1994 [...], aprendeu inicialmente como primeira língua, a Libras, por que nós dois, meu esposo e eu, somos surdos, e como ela nasceu ouvinte não podia separar. Então eu comecei a pensar de como seria esse aprendizado entre nós três, mas ocorreu de forma natural, por exemplo, ela começava a chorar, e eu em língua de sinais perguntava: o que foi? Por que você ta chorando? Então, ela, Júlia apontava e fazia o gesto de mau cheiro. No mesmo momento eu já ensinava alguns sinais que significava aquilo que ela estava apontando como por exemplo o sinal de cocô e daí ela internalizava o sinal (SELMA).

Figura 16: Sinal de apontar

Fonte: Direta do autor. Figura 17: Gesto de mau cheiro

Fonte: Direta do autor.

Figura 18: Sinal de cocô

Fonte: Direta do autor.

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A narrativa da mãe apresenta a mediação em Libras que ressalta a

transformação do gesto no significado linguístico do sinal. Essa dimensão da

mediação é citada na perspectiva vygotskyana acerca da apropriação das línguas

orais no contato das crianças e pais ouvintes.

Na sua concepção de uma família com Coda, evidencia suas especificidades

como mãe surda em um relacionamento com outro surdo e as interações com a

primeira filha, que nasce ouvinte.

Autores afirmam que, para que a família seja considerada de Codas, os pais

devem ser surdos, e os filhos, ouvintes (ANDRADE, 2011; NEVES, 2012; OLIVEIRA,

2014; QUADROS, 2017).

As primeiras trocas linguísticas acontecem nas interações sociais da família,

assim como em qualquer família, independente de ser Codas ou serem famílias

ouvintes.

Brunner (1997) ressalta que a família é o local que possibilita o

desenvolvimento psicológico das crianças, além de ser onde se dá a socialização e

a reprodução da cultura. Nessa família, a criança aprende a controlar suas emoções

e resolver conflitos.

Embora a narrativa da mãe não explicite, no primeiro momento que sua

família seria de Coda, em um segundo momento, ressalta a convivência da sua

primeira filha ouvinte mediada pelas experiências com os pais e a cultura surda:

Ela evoluiu, aprendeu e inclusive vai para os encontros de CODA, e a mente mais aberta aprendeu a importância da cultura e que a mãe não era culpada, ela entendeu hoje é mais feliz e isso tem sido bom para vida dela (SELMA).

Quando a genitora se refere à ida da primeira filha aos encontros de Coda,

está subentendido que sua família se caracteriza como Coda. O encontro nacional

de Codas, ou seja, de filhos ouvintes de pais surdos, acontece para compartilhar

experiências culturais vivenciadas entre as comunidades surdas e ouvintes. O sexto

encontro foi realizado no Rio de Janeiro, na Casa de Retiros Padre Anchieta, nos

dias 24 a 26 de agosto de 2018.

O ensino da língua de sinais para Júlia, a primeira filha, também foi realizado

pelo pai, a saber:

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[...] uma outra coisa que fazíamos era mostrar para ela o sinal de quarto e em seguida falávamos aqui você dorme e ali é meu quarto eu durmo lá, também o banho, o sinal de banheiro, o local de fazer xixi e assim por diante (GERSON).

De acordo com Quadros (2017, p. 24), essa relação entre pais surdos e filhos

ouvintes ou surdos torna-se um espaço favorável para “[...] que o legado da língua

de sinais e da cultura torna-se patrimônio dos surdos e de seus filhos”.

O pai, no trecho acima, além de apresentar à filha o vocabulário da língua, a

partir dos espaços estabelecidos em uma residência, também explicava a função e a

quem pertencia cada espaço. O vocabulário em Libras que corresponde ao ensinado

pelo pai à filha está representado abaixo:

Figura 19: Sinal de quarto

Fonte: Direta do autor.

Figura 20: Sinal de dormir

Fonte: Direta do autor. Figura 21: Sinal de banho

Fonte: Direta do autor.

Figura 22: Sinal de banheiro

Fonte: Direta do autor.

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Percebemos como são importantes os estímulos dos pais em favorecer a

aquisição da linguagem das filhas. Esses exemplos mencionados até agora provam

que a família é o espaço onde acontecem os primeiros contatos com a linguagem e

se estabelece. Faco e Melchiori (2009) apontam que essa instituição é um espaço

de socialização, local para o exercício da cidadania, desenvolvimento individual e

grupal, independente do tipo de família. Esse momento na vida das filhas ouvintes

nos permitiu enxergar a fase de imersão bilíngue delas.

5.2.2 Dificuldade dos pais no reforço das atividades escolares

As pessoas surdas possuem uma língua diferente da língua do ouvinte.

Diferente em sua modalidade, ou seja, a Língua Portuguesa possui modalidades oral

e escrita, ao passo que a de sinais tem modalidade visuoespacial e, atualmente,

possui uma escrita ainda pouco conhecida entre os ouvintes, e, inclusive, poucos

surdos sabem escrever por meio do sistema SignWriting (QUADROS, 2004). Esse

sistema permite uma escrita direta, permitindo a leitura e a escrita das línguas de

sinais. Foi criado a partir de um sistema chamado Dance Writing, criado por Valerie

Sutton (BARRETO; BARRETO, 2012), como já mencionado.

Sabe-se ainda que a Libras não é universal, cada país possui a língua de

sinais própria da comunidade surda local.

Sendo assim, os surdos que a utilizam como primeira língua escrevem de

acordo com as características linguísticas dessa língua, e não com a ordem sintática

da Língua Portuguesa, sendo necessário que eles aprendam o português como

segunda língua, como geralmente acontece com estrangeiros que precisam

aprender um novo idioma.

Júlia sempre escreveu igual aos surdos, até hoje. Então a professora Helena, minha amiga, professora formada em Português, eu pedia para ajudar nas atividades ela corrigindo uma atividade percebeu e logo me falou que Júlia escrevia em português igual aos surdos e logo eu perguntei para a professora: E agora, como resolver? Eu fiquei preocupada por que elas faziam as trocas nas frases como os surdos fazem e isso foi até pouco tempo, no 3º do ensino médio, pedia a Helena para fazer a correção nos textos em português. E eu surpresa sempre perguntado se teria que mudar, mas é algo que está internalizado pela primeira língua, é a cultura, mas que precisa treinar para evoluir (SELMA).

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Para entendermos essa preocupação que Selma teve diante da observação

da professora em falar que Júlia escrevia igual aos surdos, mas ainda não tinha

noção de que essa questão seria vinculada às experiências linguísticas, que é na

relação pais e filho que se desenvolve a linguagem.

A Libras, como já foi dito em tópicos anteriores desse trabalho, é uma língua

natural da comunidade surda do Brasil. Ela possui aspectos gramaticais diferentes

da Língua Portuguesa, uma dessas características é a sintaxe dessa língua ser

organizada no espaço, mantendo as características linguísticas de todas as línguas,

sendo formada a partir da unidades mínimas, formando as unidades mais

complexas, originando os níveis linguísticos, como: fonológico, morfológico, sintático

e o semântico (FELIPE, 2001; QUADROS; KARNOPP, 2004; GESSER, 2009;

FERREIRA, 2010).

Quadros, Karnopp (2004) e Ferreira (2010) afirmam que a língua de sinais

possui sintaxe diferente da Portuguesa, uma vez que se estrutura no espaço, sendo

denominada por essas autoras como sintaxe espacial. Dessa forma, segundo

estudo das pesquisadoras, a ordem mais comum das frases em Libras obedece à

seguinte forma: sujeito (S), verbo (v) e objeto (O), podendo possuir as seguintes

ordenações: OSV, SOV e VOS, que, para as autoras, são derivações da ordem SVO

e que essas derivações possuem restrições quanto ao uso.

Como a estrutura de falar a língua de sinais é construída no espaço e que

segue a ordem mais comum de sujeito, verbo e objeto, obviamente, quando os

surdos passam para o papel, a frase seguirá a mesma estrutura da sua língua. E,

muitas vezes, essas frases são incompreendidas pela comunidade ouvinte que logo

aponta que estão erradas. Mas devemos lembrar que eles escrevem da forma como

sua língua se estrutura.

Possibilitando uma compreensão melhor, Quadros e Karnopp (2004)

apresentam as seguintes frases para ilustrar o que foi dito até agora:

EU MARIA TRABALHAR MELHOR QUERER (Eu quero que Maria trabalhe melhor) JOÃO COMPRAR ONTEM CARRO (Ontem João comprou um carro) (QUADROS; KARNOPP, 2004, p.143).

Podemos perceber que as frases retiradas da pesquisa apresentam o

pensamento do surdo na língua de sinais na modalidade visuoespacial. Quando ele

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passa para escrita da Língua Portuguesa, embora conheça o vocabulário do

português, tem a tendência de escrever na estrutura da língua que conhece.

Vejamos agora um trecho de um texto:

Boa ! eu falar meu família: Homem velho gordo ali meu pai; Mulher arrumada ali meu esposa; Mulher blusa listrada azul sentada ali, Meu irmão [...] (FELIPE, 2001, p.119).

O trecho acima é parte de um diálogo, onde um dos personagens responde a

uma pergunta. Ele ilustra muito bem o que iremos retomar agora.

Ao se preocupar com a observação que a colega professora falou, a mãe

demonstrou desconhecer que a filha de fato aprenderia em primeiro lugar a Libras e

todos os aspectos linguísticos a ela associados. Provavelmente, a professora

percebeu que a escrita de Júlia se assemelha com as ilustrações inseridas acima.

Duas dimensões nos chamam a atenção, a partir da observação da

professora. Primeiro, a importância de o professor e a escola conhecerem a respeito

da língua de sinais, sua gramática e como ela é processada. Em segundo lugar, ter

conhecimento de que, mesmo sendo uma criança ouvinte, ela possui pais surdos, de

modo que sua primeira língua, possivelmente, será a Libras, que possui gramática

própria e uma estrutura espacial. Dessa forma, essa criança, que aprendeu como

primeira língua a de sinais, evidenciará uma escrita diferente das demais crianças,

assemelhando-se com a escrita dos pais.

Eu lembro que uma vez uma ouvinte perguntou para Júlia os nomes de determinados sinais que ela fazia com as mãos e Júlia não sabia a escrita, dentro dela parece que só havia sinais, não tinha o português, os surdos perguntavam sempre para ela as palavras e ela não sabia, por que o que ela internalizou foram os sinais. Já Giovana os ouvintes perguntam os nomes de determinados sinais e logo ela escreve o seu significado, ela sabe. Eu não entendi a diferença entre as duas. Giovana responde aos ouvintes, dando os sinais das palavras que eles perguntam, já Júlia sabia apenas o sinal, mas a palavra não, bem diferente (SELMA).

Ao comparar as filhas, fica claro por que Júlia não sabia as palavras, ela

pensava a partir da língua de sinais, seu vocabulário era rico na língua de sinais.

Isso pelo fato de conviver diariamente com os pais e com o local de socialização dos

pais, que era associação dos surdos. O contato era maior com a língua sinalizada,

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mas não a Língua Portuguesa escrita. Ao passo que a filha mais nova, além da

escola, tinha a irmã ouvinte compartilhando duas línguas.

As atividades de Giovana e também de Júlia eu sempre ajudei pouco, porque a maior dificuldade é na Língua Portuguesa, seria mais difícil. Ela foi crescendo e as dificuldade aumentando e resolvi pedir a pessoas que faziam reforço escolar para ajudar nas atividades, as vezes até amigas minhas entravam nessa onda de ajudar nas atividades de Júlia. Depois com Giovana meu esposo que ajuda nas atividades, de português sendo explicado em Libras. E caso a dificuldade permaneça, nos contamos com a ajuda de Júlia (SELMA).

A mãe afirma a dificuldade nas atividades escolares das duas filhas,

sobretudo, as que envolvem a Língua Portuguesa. A solução pensada pela mãe foi

reforço escolar com uma pessoa que trabalhava com isso. Em outros momentos,

contavam com ajuda de amigos mais próximos. Selma ainda afirma que essa tarefa

era dividida com seu esposo. Ela lembra que as explicações passadas pelo pai eram

em Libras, e, caso dúvidas persistissem em Giovana, entrava uma terceira pessoa,

que era a irmã ouvinte.

Às vezes, quando eu tinha tempo eu ajudava Júlia não era muito pelo fato de trabalhar fora e passar muito tempo no trabalho. A ajuda era mais com Selma pois estava mais próxima. As matérias como português e outras geralmente Selma ajudava mais do que eu. Até com Giovana agora, eu ajudo, mas é pouco devido ao tempo, mas na maioria das vezes Selma resolveu (GERSON).

O pai não evidencia dificuldades em ajudar as filhas nas tarefas escolares,

com exceção do tempo que afirma não ter, devido ao trabalho. Mas é claro que a

dificuldade existia, por causa do ensino, devido ao fato de as filhas precisarem fazer

uso de uma língua que não era a dele, e isso maximizava, talvez, a necessidade de

deixar essa tarefa para Selma, como ele mesmo fala, referindo-se à disciplina de

Português.

No artigo dos autores Cruz; Krause-Lemke; Streiechen (2019), que trata da

interferência da Língua de Sinais na aquisição da escrita de filhos ouvintes de pais

surdos, destaca-se que a língua de sinais pode interferir no processo de aquisição

da linguagem escrita dos Codas. O porquê disso está atrelado à mistura na

internalização da estrutura sintática das duas línguas no momento da escrita. Ainda

segundo os autores, isso pode interferir no processo educacional dessas pessoas de

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forma negativa, devido ao desconhecimento por parte da escola da experiência

vivenciada pelos pais surdos e filhos ouvintes no uso da Libras e Língua Portuguesa.

Essas interferências nas línguas também são relatadas por Sousa; Quadros

(2012) quando pesquisam sobre a alternância de línguas na fala de sujeitos

bilíngues intermodais, ou seja, que usam a Libras e a Língua Portuguesa. Elas

afirmam que o sujeito adulto fez uso da alternância entre as línguas preocupado com

o momento de interação, enquanto a criança não utilizou objetivos pragmáticos

específicos. Segundo as autoras, tanto o adulto quanto a criança utilizaram

enunciados maiores do que uma única palavra isolada.

Streiechen e Krause-lemke (2013) destacam que a surdez dos pais não causa

prejuízo ao desenvolvimento linguístico, cognitivo e social dos seus filhos ouvintes.

Dessa forma, as autoras rompem o mito do senso comum, que compreende que

essas crianças poderiam ter comprometido o desenvolvimento da linguagem. E,

quanto ao uso de duas línguas, as autoras revelam que os sujeitos buscam

estratégias que facilitam ou efetivem a comunicação em contextos multilinguísticos.

Entre as estratégias citadas por elas, encontra-se em destaque: alternância de

línguas.

5.3 Diálogos entre culturas

5.3.1 Diferença entre família ouvinte e surda

A literatura sobre cultura surda sempre enfatiza a existência de uma diferença

entre cultura surda e cultura ouvinte. Pesquisas como as de Skliar (1998), Felipe

(2001), Perlin (2001), Strobel (2009) apontam a existência da cultura surda e

concordam que sua essência está na forma de compreender o mundo, compartilhar

valores e tradições sociointerativas a partir das experiências visuais vivenciadas

pelos surdos.

Dessa forma, compreendemos que a língua é a primeira forma para

identificarmos características culturais de um povo. Felipe (2001) afirma que, em

uma comunidade surda, pode existir a presença de surdos e ouvintes, mas que a

cultura surda é mais fechada, só existem pessoas surdas que usam a língua de

sinais para compartilhar as crenças das pessoas surdas entre si.

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Tomando como base esses pesquisadores supracitados, a cultura ouvinte é

influenciada pela Língua Portuguesa oral-auditiva e escrita.

Devido ao fato de os surdos estarem no mesmo país onde a maioria das

pessoas são ouvintes, eles são considerados minorias linguísticas, assim como as

minorias linguísticas por motivos de etnia e/ou imigração. A diferença é que as

pessoas surdas estão ligadas a famílias que falam a língua oficial do seu país,

sendo, assim, pertencente à etnia. A diferença consiste em se organizarem dentro

de associações, com o objetivo de integração a partir da língua de sinais, sem

correção da condição de ser surdo e comunicando-se livremente (FELIPE, 2001).

Quadros (2017) aponta que os Codas aprendem duas línguas

concomitantemente, nesse caso, a Libras e a língua oral e escrita do país. A autora,

escrevendo sobre as biografias a ela narradas, faz uma analogia com uma célebre

frase: “Ter uma segunda língua é possuir uma segunda alma”, de Charlemagne ou

Carlos Magno, conhecido como pai da Europa (dadas as conquistas objetivando

estabelecer a Europa Ocidental, sendo rei carolíngio nos anos 786 a 814 na França

e comumente conhecido como Carlos I). A autora, com a frase supracitada, compara

a alma como sendo uma língua, a base que constrói a cultura e a subjetividade dos

indivíduos.

Na realidade, eu não tinha essa diferença, essa visão de diferença, para mim era tudo natural, tudo tranquilo. E depois de muito tempo, entrando na adolescência, [...] na pré-adolescência com uns 12 anos mais ou menos [...] eu tinha colegas [...], minhas amigas tudo, Eu já tinha começado a ter uma interação social melhor e aí quando eu ia pra casa das minhas amigas a primeira vez que eu vi o mundo familiar ouvinte me gerou um impacto, [...] Eu vi que aquilo ali era diferente da minha casa e aí me vi em uma situação, que tipo: nossa ! O fato da mãe gritar com a filha, da mãe: O QUE É ISSO MENINA VOCÊ TA FICANDO DOIDA [risos] ! [...] de gritar e, dela se expressar com a voz, de você perceber o tom que a mãe o pai ta falando naquele momento, que é um tom expressivo de raiva ou é um tom expressivo de alegria, então você começa a perceber que pela voz tem as expressões, que essas expressões vocais, são as expressões faciais na Libras. Então eu comecei a entender que o mundo ouvinte era totalmente diferente, eu achava estranho [...] eu ficava nossa ! Lá em casa é totalmente diferente daqui, eu percebo lá em casa é um silêncio bem maior do que aqui [...], então eu olhava: valha meu Deus, que povo estranho [risos] ! Mas, assim, depois eu comecei a compreender essas diferenças (JÚLIA).

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Verificamos, na narrativa de Júlia, uma visão natural de família: para ela,

seriam todas iguais, até o momento em que passa a frequentar a casa de suas

amigas ouvintes.

Para ela, nesse momento, aparece uma diferença bastante peculiar entre as

duas famílias. Para a família ouvinte, o gritar pode expressar irritação e insatisfação

e pode estar associado à entonação na voz. Ao passo que, na família dos surdos,

isso não acontece oralmente, mas pode ser visualizado nas expressões faciais na

significação dos sinais. O tom da voz é substituído pelas expressões faciais ao

utilizar a língua brasileira de sinais.

Um outro elemento relatado por ela é a relação do silêncio no seu ambiente

familiar, o que não acontece na família de sua colega ouvinte. Dessa forma, depois

de algum tempo, ela identificou essas diferenças.

Felipe (2001) nos alerta que as pessoas surdas têm um olhar muito peculiar,

ela afirma que enxergam os ouvintes como sendo expressões faciais e corporais,

devido ao não feedback auditivo da tonalidade de voz. Essas pessoas passam a

observar a comunicação dos ouvintes pelas expressões.

No caso de Júlia, a experiência vivenciada foi ao contrário, ela percebe que

as expressões “vistas”, podem ser ouvidas, e a raiva, por exemplo, pode estar

associada ao grito e à tonalidade vocal. Júlia, nesse momento, parece ser uma

surda que passa a ouvir naquele momento. Isso porque:

O surdo é diferente do ouvinte porque percebe e sente o mundo de forma diferenciada e se identifica com aqueles que também, apreendendo o mundo como surdos, possuem valores que vêm sendo transmitidos de geração em geração independentemente da cultura dos ouvintes, a qual também se inserem (FELIPE, 2001, p.64).

Dessa forma, Skliar (1998) defende que a cultura e a identidade surdas são

consubstanciadas a partir da defesa de Libras enquanto língua natural das pessoas

surdas do Brasil.

Lane (1991) aponta algumas características da cultura ouvinte que, muitas

das vezes, servem de piada e até mesmo na produção de peças de teatro. As

peculiaridades levantadas por esse autor seriam as conversas por horas ao telefone,

o susto que os ouvintes têm aos ser tocados, a falta de expressão no rosto

substituída apenas pelos movimentos maxilares, o uso da ironia, ou seja, o rosto

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negando o que é mencionado. A observação desse autor nos remete à fala de Júlia,

que percebia a diferença entre sua família e a família das suas colegas ouvintes,

todas voltadas à oralidade, ou seja, à língua oral.

5.3.2 Necessidades dos pais diante da comunidade ouvinte

Ao conviver em um espaço que utiliza duas línguas, torna-se tarefa bastante

difícil quando não se tem o domínio de uma delas, isso quando não se tem um apoio

de intermédio entre as línguas. Gerson, o pai surdo, relata que, desde muito cedo, a

filha intermediava o “mundo sonoro” como o mundo dos surdos. Nessa narrativa

abaixo, verifica-se a filha ouvinte desempenhando funções no âmbito do lar, que, ao

passar do tempo, será substituído por uma campainha luminosa que dará o alerta

aos pais surdos de que alguém está à porta.

Lembro que não havia em casa campainha e nem com a luz piscando, não tínhamos tecnologia em casa, e acontecia de na rua ou alguém bater na frente da nossa casa e Júlia ouvia e logo corria para ver, pela janela, quem era, a janela era alta ela tinha que levantar bastante os pés para poder enxergar a pessoa do lado de fora e chegava até nós e fazia o sinal de amigo na barriga fazia o sinal de “amigo” e apontava, então eu ia ver quem seria a pessoa e constatava que era um amigo e que eu conhecia, ela olhava a conversa logo saia, outras ocasiões da mesma forma uma pessoa batia palma ela corria para nos dizer fazendo o sinal de “amigo” e apontando e eu ia lá fora para falar com a pessoa (GERSON).

Strobel (2009) afirma que a cultura surda é a forma que os surdos têm de

compreender o mundo e modificá-lo, tornando-o mais acessível, a partir de suas

experiências visuais. Tomando como base a compreensão dessa autora, podemos

pensar que, na casa de Gerson, ao passar do tempo, foi dando mais independência,

e, nessa questão específica, minimiza a responsabilidade de que a primeira filha

tinha de estar sempre sendo a “campainha da casa”.

A cultura surda é construída por artefatos culturais pertencentes ao povo

surdo (STROBEL, 2009), e destacamos que o que ela chama de artefato cultural

material, na fala de Gerson, é a campainha residencial.

[...] o fato de ter dito “dois mundos”, eu quis dizer que são duas culturas. Que são costumes diferentes de um mundo para outro, entende? não só pelo fato da língua, o que de certa forma influencia, pois, a língua majoritária difere muito da segunda língua oficial do

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país, mas pelo mundo visual e não o mundo oral. Até porque as duas línguas estão em um país só. A cultura surda tem suas características de identidade surda e o ser surdo diferente da cultura ouvinte de verbalizar e expressar suas ideias pela voz (JÚLIA).

A primeira filha ouvinte apresenta aspectos da cultura surda e da cultura

ouvinte no espaço de duas línguas, os grupos possuem costumes diferentes, e até a

forma de falar são distintas. Um grupo fala oralmente, e o outro fala mediante sinais,

e essa cultura na fala de Strobel (2009, p.27) “[...] significa que abrange a língua, as

ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo”.

Vários locais, Júlia me ajudou, interpretou, por exemplos: loja, loja de carro, em casa, quando eu comprava roupas, ligação de telefone, a luz quando sendo cortada, ela mediou a conversa, quando eu reclamei que havia pago e mostramos o papel, explicava, interpretava bem. Uma outra vez, em uma escola, eu falando em Libras, explicando no auditório, ela com o microfone falando e todos com olhar atento para ela, tinha umas crianças alunos que ficavam admirados olhando para ela e ela com 9 anos de idade, eu palestrando e ela, Júlia, ao microfone, com 9 anos ! Antes, ela com 5 anos também fez a interpretação de Arnor, ele fazia sinais e ela com o microfone falando o que foi dito. Já estava famosa, nós dois, Selma e eu nos lugares, nas entrevistas que nos faziam ela dizia nossa resposta e em seguida a pergunta que nos faziam ela passava em língua de sinais, ficava nessa troca (GERSON).

[...] lembro que nós dois surdos ela era a única que podia interpretar, ainda criança, com mais ou menos 3 anos de idade, pedia para ela ligar para alguém ou quando alguém me ligava eu pedia para ela atender e perguntava quem era e o que queria, e ela ao telefone interpretava a conversa, ela tinha uns 3 anos de idade, a gente sempre pedia, pedia, pedia era dependente, pedi para interpretar nos lugares que a gente costumava ir, esse incômodo, a deixa exausta. Ela era muito nova (SELMA).

A atividade e a responsabilidade de Júlia consistem em atividades como

“ponte” entre as línguas oral e a de sinais. O desenvolvimento dessas atividades era

constante para os pais e amigos surdos dos pais, como vimos na própria residência,

como também nos espaços frequentados pelos seus pais. Narrando sobre esse

aspecto,

Gerson informa que, devido à fluência que a filha possuía, ela, em diversas

situações, fez, informalmente, o papel de uma tradutora-intérprete de Libras. Na

narrativa da mãe, fica clara a dependência dos pais para com a filha. Esse momento

da vida de Júlia e sua fase de experiência demonstra uma fase de rejeição do uso

da Libras.

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Teve um momento em que ela quis nos abandonar, falou que ia fugir, ia embora de casa. Eu falei: tenha calma! Também brigou com o pai, foi uma confusão imensa, ela não queria dependência, ela queria estar livre. Por esses pedidos constantes para interpretar desde criança e crescendo nesse ritmo, ela foi crescendo sufocada (SELMA).

Talvez esse lugar de dependência quanto à filha, como o trecho da narrativa

da mãe acima, tenha gerado situação de obrigação, levando a filha irritar-se com

essas cobranças de interpretar de uma língua para outra. A filha reforça nosso

pensamento quando diz:

[...] quando eu era adolescente [...], depois da pré-adolescência eu comecei a ser uma rebelde [risos...] eu acho, então que todo mundo tem sua fase. E a minha rebeldia era não querer saber mais da Libras de jeito nenhum, eu estava esgotada e eu dizia: Não, eu não quero mais, saber disso, eu não aguento mais Libras na minha vida é Libras manhã, tarde e noite, e aí, eu já não me via mais querendo falar em língua de sinais e respirar língua de sinais (JÚLIA).

Embora inicialmente Júlia associe esse aborrecimento ao fato natural de ser

adolescente, concordamos com a mãe ao dizer que essa solicitação exagerada

favoreceu para o aborrecimento do ter que mediar as conversas de uma língua para

outra ou vice-versa. Essa questão se une quando a filha diz: [...] e aí, eu já não me

via mais querendo falar em língua de sinais e respirar língua de sinais. Esse

desabafo da primeira filha corresponde ao que sua mãe nos falou quando disse:

crescendo sufocada.

Uma outra questão nos lembra Pereira (2013), não apenas o fato de atuar

como intérprete dos pais e mediar conversas por telefone, lojas, etc., mas, em

muitos momentos, o filho ouvinte passa a ter uma atitude de “advogado” dos pais.

Ele toma a frente nas resoluções de problemas, e esse cuidado extremo traz um

fardo para o filho Coda, levando essas pessoas a sentirem, muitas vezes, a

necessidade de serem cuidadas, com as responsabilidades minimizadas.

Segundo Oliveira (2014), essas eventualidades de tradução são comuns entre

os Codas. Em muitas famílias, pais preservam os filhos dessa exposição na infância

e até mesmo quando os filhos são adolescentes. Ela ainda salienta que, por ser uma

profissional tradutora-intérprete de Libras, atualmente, não a torna melhor ou pior do

que outros profissionais que não são Codas, mas revela que a experiência cultural

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obtida na relação com seus pais se torna um diferencial de extrema importância na

construção profissional.

Na pesquisa de Andrade (2011), um participante relata que, em determinado

momento da vida, achava que precisaria abdicar dos seus sonhos para viver em

função do seus pais surdos. Nesse caso, existe um sentimento de dependência,

movido pela necessidade dos pais em interagir com os ouvintes, por intermédio de

um filho que era ouvinte e conseguia fazer o pai compreender a partir da língua de

sinais.

A obra cinematográfica intitulada “A Família Bélier” retrata justamente o

dilema de uma menina que sonha estudar canto e que se sente culpada de alcançar

seu sonho de cantar devido ao apoio fornecido por ela à família, sobretudo, na

mediação da comunicação entre surdos e ouvintes franceses, já que seus pais e

irmão eram surdos. Essa uma realidade que pode acontecer entre Codas brasileiros

e outros filhos de surdos espalhados pelo mundo.

A exposição de Júlia ao ato de mediar a comunicação entre a língua oral e a

língua de sinais acontecia também com a família, que se estendia aos avós e tios.

Meus avós não sabem a língua de sinais, eles utilizavam gestos caseiros para comunicar com os meus pais [...] e na maioria das vezes eu intermediava a conversa quando eles queriam explicar algo que não conseguiam repassar. Já os meus tios, por parte de pai sabem a língua de sinais no modo ao conseguir expressar o que pensam. Já por parte de mãe, nenhum utiliza a língua de sinais (JÚLIA).

Nesse trecho da narrativa da filha mais velha, percebemos que, entre a

família materna, ela fazia a mediação entre as pessoas ouvintes e os pais surdos.

Na família paterna, há outros membros que são surdos além do pai. No caso da

família materna, Skliar (2010) afirma que 95% ou 96% das pessoas surdas

nasceram em lares ouvintes, que desconhecem a língua de sinais e, se conhecem

essa língua, rejeitam-na, com o objetivo de buscar mecanismos terapêuticos de

aquisição de linguagem oral. Dessa forma, a ideia do uso da língua de sinais no seio

familiar não era bem recebida, isso porque, segundo o autor, as informações

negativas a respeito dessa língua eram constantes ao receberem o diagnóstico de o

filho ser surdo. Entretanto, muitos pais ouvintes aceitando as orientações do

profissional da área da saúde passam a rejeitar a Libras e buscar alternativas para

oralizar os filhos surdos.

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Strobel (2009) salienta que a transmissão cultural e da língua de sinais da

maioria dos surdos ocorre por meio de outros surdos na idade adulta. O porquê

disso é esses surdos terem nascido em famílias ouvintes orientadas por

especialistas a buscarem a perspectiva terapêutica do modelo clínico, que tem por

objetivo oralizar as pessoas surdas, tentando torná-las mais parecidas com os

ouvintes – o quanto possível. A autora afirma que essa experiência negativa não é

vivenciada pelos surdos, o nascimento de uma criança surda representa uma dádiva

preciosa, diferentemente de pais ouvintes, para quem, ao descobrirem que os filhos

são surdos, acontece uma verdadeira catástrofe.

Durante as narrativas até agora, observamos em relação a Júlia (a primeira

filha) que poderia ter havido uma aprendizagem híbrida das duas línguas. Ela

considera a Libras com sua primeira língua. Acreditamos que, ao longo de sua vida,

ela passou por diversos momentos híbridos do uso e da aprendizagem da língua de

sinais e da língua oral-auditiva (português). A convivência com o mundo sonoro na

infância ao atender um "chamamento" na porta de casa, a sua atuação como

“intérprete mirim” de Libras para os pais, ainda na infância, a chegada à escola, a

parte da família ouvinte que não era frequente, mas acontecia, o próprio fato de ser

ouvinte, a fácil possibilidade de emitir voz e fala de forma natural, o fato de a mãe

ser oralizada e ainda durante as narrativas da mãe e da filha mais velha, fica claro

um desabafo, da filha, em estar sempre falando em Libras de forma exagerada,

levando-nos a acreditar nesse aprendizado híbrido das línguas.

Segundo Moran (2015), o termo híbrido significa misturado, mesclado. Esse

autor afirma que esse termo é bastante utilizado atualmente no campo educacional.

O autor explica que a educação sempre foi híbrida, ou seja, sempre houve a mistura

de vários espaços, tempo, atividades, metodologias, públicos na sua composição.

Na atualidade, ganha visibilidade devido à conectividade, podendo-se, dessa forma,

ensinar e aprender por diversas formas, em diversos espaços e a qualquer tempo.

Cria-se, assim, o ensino híbrido, com o propósito de favorecer a aprendizagem do

aluno por meio de ensino diferenciado, por exemplo: ensino online, onde há o

controle do próprio aluno em relação ao tempo, ao lugar, ao modo e ao ritmo do

estudo e outro modo de estudo supervisionado, de maneira presencial no espaço

escolar. O professor se torna um gestor e orientador de caminhos coletivos e

individuais.

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Assim como o termo híbrido está sendo utilizado e uma perspectiva

educacional busca novas formas de atuação docente, esse termo, também, é

utilizado por Perlin (2001) quando a autora classifica os tipos de identidades surdas.

Dentre as várias identidades surdas, a autora afirma que existe uma denominada

identidade híbrida, que ocorre quando um sujeito nasce ouvinte e, por algum motivo,

passa a ser surdo. Esse mesmo sujeito se identifica como surdo e utiliza duas

línguas.

5.4 Narrativas das experiências vivenciadas pelas filhas ouvintes no uso das

duas línguas

Neste segundo tópico dos resultados, apresentamos a caracterização das

experiências vivenciadas pelas filhas ouvintes. Tal caracterização foi definida a partir

das narrativas apresentadas, pelas participantes Codas, que deram sentido às

experiências vividas.

5.4.1 A família: encontro do ver e ouvir vozes

A família apresenta-se na voz da primeira filha ouvinte, como sendo comum,

apresentando suas questões pertinentes a qualquer outra família.

[...] eu não vejo diferença. Até porque todas as famílias tem seus altos e baixos, eu vejo realmente, nenhuma família é perfeita [...] então pra mim mesmo minha família é maravilhosa, eu não vejo nenhuma diferença (JÚLIA).

Fica evidente na narrativa da filha ouvinte que não há diferença afetiva entre

as famílias, apresentando amores e mazelas. Nesse caso, além dos laços

consanguíneos, existe um laço de afeto e fraternidade entre os componentes desse

seio familiar. Contudo, não enfatizou a diferença linguística da Libras no que se

refere ao desenvolvimento da afetividade na infância.

Porém, para essa participante, pertencer a essa família gera oportunidades

de experiências. Nesse caso, a pesquisa biográfica permite a introdução da

temporalidade dos fatos particulares da vida do ser humano, cada pessoa reconhece

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sua existência a partir das experiências vivenciadas, oportunizando aos indivíduos

darem forma ao que vivem (DELORY-MOMBERGER, 2016).

[...] em casa por exemplo [...], quando a gente tem que receber [...] alguma visita ouvinte então [...] então, ou alguém que está lá fora chamando, então a gente que tem que da aquela assistência, por que, queira quer não nós, filhos ouvintes de pais surdos, somos os ouvidos dos nossos pais [...] [...] então a gente da assistência possível pra eles, então pra mim foi uma experiência muito boa, de fato! (JÚLIA).

Júlia, desde muito cedo e de forma natural, toma a frente para prestar

“serviço” aos pais, por exemplo, o de atender as visitas ao baterem à porta, ou bater

palma em frente de casa. E, como ela mesma diz, os Codas, geralmente são os

“ouvidos” dos seus pais surdos.

Diferentemente da sua irmã mais nova, que, obviamente, teve Júlia, também

ouvinte, e em quem se apoiava para, muitas vezes, falar oralmente e não apenas

com a irmã, mas com a mãe, a qual ela afirma ser quase surda.

Minha família é surda e eu sou ouvinte, Mas minha mãe é quase surda. [...], porque ter família surda é legal por que você pode aprender Libras (GIOVANA). Em casa as vezes eu falo pela boca, pelo paladar, e as vezes [pausa] Com minha mãe eu falo com o paladar e com meu pai eu falo com Libras (GIOVANA).

Aqui percebemos como, muitas vezes, acontece o diálogo no seio familiar

com a filha mais nova. Giovana afirmou que a mãe é quase surda, isso porque,

muitas vezes, ela fala com a mãe por meio da língua oral e com o pai apenas em

língua de sinais, o que a leva ela a acreditar que o pai é totalmente surdo em

comparação com a mãe. O interessante na fala de Giovana é quando ela associa

falar oralmente com falar “com o paladar”. Violet Oaklander (1980), em seu livro

“Descobrindo Crianças”, aponta, no capítulo “Experiência Sensorial”, que o paladar

está associado à língua, que por sua vez, encontra-se na cavidade bucal com

função de fazer sentir os sabores e ajudar na mastigação e na deglutição. Por outro

lado, esse órgão muscular serve, também, para expressar sentimentos, ou seja, “o

mostrar a língua”. Por ela estar intimamente relacionada ao paladar, podemos

pensar que isso poderia ter levado Giovana a falar que se comunica com sua mãe

através do paladar e associar língua à fala, uma vez que, no momento, não

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dominasse a expressão: “falar oralmente, falar na Língua Portuguesa na modalidade

oral”, tendo em vista que ela tem apenas nove anos de idade e está no ensino

fundamental dos anos iniciais.

A esse respeito, Vygotsky (1991) enfatiza que devemos levar em

consideração o aspecto histórico-social das pessoas e que o conhecimento é

internalizado por meio da relação interpessoal e intra, isso por permissão da

mediação.

5.4.2 Infância das filhas ouvintes

Desde a infância, a língua utilizada com os pais e a primeira filha ouvinte era

a língua de sinais. Diferentemente da segunda filha mais nova, que expressou, em

sua narrativa acima, que, muitas vezes, a oralidade faz parte da sua conversa com a

mãe, ao passo que, com o pai, apenas a língua de sinais prevalece.

[...] então [...] como eu morava só com meus pais, meus pais os dois são surdos, então dentro de casa só usava a língua de sinais, então, esse período de processo da minha aquisição da linguagem desde bebê e a parte criança [...] então eu pude utilizar só língua de sinais (JÚLIA).

A filha aponta que sua primeira língua é a de sinais, uma vez que sua

interação em casa na infância era a partir dessa língua. A Língua Portuguesa entra

em um segundo momento na sua infância, que, segundo ela, teria sido na escola.

Embora houvesse uma resistência em falar o português, seria necessário esse

aprendizado pela convivência com outras crianças e adultos ouvintes.

A filha, mesmo sendo ouvinte, aponta a Libras como primeira língua, uma

língua natural de surdos. Isso corrobora a perspectiva de Vygotsky (1991) acerca da

língua nas dimensões de socialização no campo interpsicológico. A socialização de

Júlia acontece por meio da língua de sinais na interação com a mãe em diversos

espaços e nas vivências com as associações de surdos, ampliando o contato com a

Libras para além da dimensão familiar.

[...] minha mãe, ela, é muito militante da Libras, ela é muito da área assim, sempre foi, desde que me conheço por gente. [...] então, ela vivia viajando para encontro nacionais de surdos. E aí, a partir do momento que fundou uma associação aqui em Natal, sempre estava na associação, então sempre participando da diretoria, participando de eventos dentro da associação, aí um tempo

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depois ela foi presidente da associação, então ela sempre esteve presente na associação de surdos. Então esse contato que eu tinha, era por está sempre do lado da minha mãe, eu era uma bolsa dela, entendeu? Ela me levava pra onde ela ia, ela me levava. Ela dizia: vamos, você precisa ir comigo, não tem ninguém pra ficar com você. Então, eu chegava nos surdos, eu me divertia, eu amava a Associação de Surdos [...] era minha segunda casa [...], eu me identificava quando os surdos chegavam lá, falavam [...] e tinha aquela interação e aí esse intermédio do meu contato com os surdos foi mais dessa interação da comunidade na associação de surdos e por sempre está em eventos surdos, está em encontros eu sempre estava muito presente, nesses movimentos surdos também (JÚLIA).

Um aspecto que nos chama atenção, na infância da primeira filha, é o contato

com a comunidade surda. Como de fato ela era a primeira filha, e a mãe, muito

envolvida com a comunidade surda com os interesses que envolvem essa

comunidade, Júlia sempre esteve presente ao lado da mãe e ao lado de muitos

surdos, desde os que iam constantemente em sua casa, como os muitos outros que

frequentavam a associação na época de sua infância.

Júlia frequentava bastante a associação de surdos, o que contato fez ela evoluir na comunicação, percebendo os outros surdos o grupo de surdos sinalizando na associação, ela também brincava no balanço, sentada nas cadeiras que giravam, eram várias coisa que ela fazia quando estava por lá. Então desde de bebê ela era acostumada a ver nossa conversa em língua de sinais e por isso hoje ela é fluente na Libras, não parece ser ouvinte que usa, parece ser surda pela fluência na Libras e o uso das expressões faciais, isso pelo costume observando as conversas em língua de sinais na Associação de Surdo, porque tem na família surdos, o pai é surdo, a mãe é surda e ela ouvinte percebendo a língua de sinais, ela tem como primeira língua, não foi o português e como segunda língua o português, foi o inverso de verdade, mesmo ela sendo ouvinte (GERSON).

Não apenas com a mãe, mas o pai acompanhou de perto e narra o olhar

atento da filha ao sinalizar com seus amigos surdos. Ele afirma que esse acesso

constante à Libras tornou a filha fluente na língua de sinais e a compara com um

surdo ao utilizar com tanta destreza essa língua e relata. Sobre a filha mais nova, ele

diz:

Giovana minha, segunda filha, não é tão fluente mas ela inda está no processo de aprender a Libras, também ela não tem muito interesse, ela não frequenta a associação de surdos, é muito difícil ela está com a comunidade surda. Todos diminuíram a frequência à associação, surgimento da criação do curso de Letras/Libras, o surgimento do

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CAS, os crescimentos dos cursos, o surgimento das tecnologias de aprender Libras a distância. Antigamente não tinha isso, a associação de surdos era o lugar de interesse, de aprofundava-se em Libras foi o que aconteceu com minha primeira filha, a segunda filha o contanto maior na Libras é com a gente, os pais (GERSON).

Diferente do acesso à Libras que Júlia tivera, Giovana não teve tanta

oportunidade assim como a irmã. Na narrativa de seu pai, aponta-se a diminuição da

frequência à associação de surdos, relata que muitos deixaram de frequentar devido

ao surgimento de outras instituições, como, por exemplo, o CAS (Centro de

Atendimento ao Surdos), a criação do Curso Superior de Letras/Libras dentro da

universidade. Até o espaço que servia como fonte de aprendizagem da língua de

sinais deu lugar ao surgimento de novas tecnologias, permitindo o acesso à língua

de sinais a distância. Sem falar no interesse, segundo ele, pois a filha mais nova não

tem em falar em Libras como tivera Júlia. Resumindo, o maior contato com a língua

de sinais, apenas com os pais.

[...] após isso eu comecei adquirir o português, não foi fácil também, não vou dizer que foi [...] fácil por que ai eu estaria me enganando, [...] eu não gostava de falar português, eu até tive muita dificuldade em aprender o português por não querer aprender português mesmo, entendeu? Tipo: eu quero língua de sinais, então eu [...] gostava muito de sinalizar, eu expressava muito e via isso nos olhares dos surdos, [...] então isso pra mim era uma comunicação maravilhosa (JÚLIA).

Existe uma resistência, a partir das condições de interação familiar, da filha

ouvinte em aprender o português, e essa seria a língua que possibilitaria sua

socialização entre o mundo dos ouvintes. Fazemos um paralelo com o que aponta

Vygotsky (1991) quanto ao valor da linguagem para desenvolvimento psíquico do

ser humano e que, por meio dela, tornam-se seres sociais.

O acesso à língua por parte das duas filhas Codas toma caminhos diferentes.

Na primeira participante, a centralidade da Libras é evidente nos espaços de

socialização; já na segunda participante, que está vivenciando a infância, a Língua

Portuguesa oral e escrita é utilizada nas interações familiares com a irmã ouvinte e

com outros sujeitos nos espaços sociais, e a Libras, com os pais:

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Na minha escola só tem ouvintes, é normal algumas pessoas são surdas e outras ouvintes, mas ninguém é surdo na minha sala de aula. A minha professora sempre queria fazer o curso de Libras da minha mãe. Quando não tenho aula, venho para o trabalho da minha mãe, por que eu estudo de tarde (GIOVANA).

Atualmente, a mãe de Júlia e Giovana é professora de uma Universidade

Federal, um espaço que, até pouco tempo, era frequentado apenas por ouvintes.

Por força da lei, garantiu-se o acesso e a permanência, dentre outras questões, de

profissionais da Libras surdos e alunos surdos, assegurando-se a presença do

tradutor-intérprete de Libras no espaço educacional. Aqui neste trabalho, o espaço

universitário. Graças a esse reconhecimento da língua, Selma hoje é funcionária

pública, ocupando o cargo de docente do ensino superior.

E o mesmo que acontecia com Júlia acontece com Giovana, ou seja, de a

mãe, muitas vezes, levar a filha para seu local de trabalho. Porém, o espaço atual de

trabalho de Selma é frequentado, na maioria das vezes, por ouvintes que não

sinalizam com fluência na língua de sinais, com exceção dos professores surdos e

ouvintes sinalizadores, levando, muitas vezes, ao uso da oralidade e/ou gestos para

ajudar na comunicação, e, nesse espaço, lá está Giovana, observando outras

estratégias de comunicação. Júlia, também, observava a comunicação dos pais com

outras pessoas, porém o local era mais frequentado por surdos, e os ouvintes que lá

apareciam também se comunicavam na língua de sinais.

5.4.3 As filhas ouvintes e o uso de duas línguas

O uso de duas línguas pelas filhas ouvintes é constante, isso se dá de forma

natural, sem necessariamente usar uma outra língua estrangeira para se tornarem

bilíngues. Como afirma Oliveira (2014), os filhos ouvintes de pais surdos são

expostos obviamente pela língua. Mas evidencia que se faz necessário levar em

consideração as experiências de cada família.

O porquê disso é que a maneira como elas são constituídas é que fará um

menor ou maior uso da língua de sinais, por exemplo: na família aqui inserida em

nosso trabalho, os pais são surdos e utilizam a Libras como primeira língua.

Diferentemente de uma outra família que terá um dos pais surdo e outro ouvinte e

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até mesmo em casos em que a maioria ouvinte na família assume a educação da

criança por ela ser ouvinte.

No caso da nossa participante, fica claro que ela utiliza as duas línguas, mas

que, em primeiro lugar, ela aprendeu a língua de sinais.

Eu não sei se todo mundo sabe, o processo que aquisição da linguagem de uma criança ela é por meio da língua [...] então da língua materna, [...] [...] então eu posso dizer que na minha casa a língua materna foi prevalecida a língua de sinais [...] a língua familiar do meu meio, (JÚLIA).

Ela nos afirma que a língua de sinais foi o primeiro mediador das relações

familiares. As inter-relações sociais na família são fundamentais para o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores, favorecendo, portanto,

aprendizagem e socialização dos indivíduos (VYGOTSKY, 1991).

[...] então [é...] como eu morava só com meus pais, meus pais os dois são surdos, então dentro de casa só usava a língua de sinais, então, esse período de processo da minha aquisição da linguagem desde bebê e a parte criança [...] então eu pude utilizar só língua de sinais (JÚLIA).

As primeiras trocas sociais das crianças acontecem na instituição familiar. A

fluidez da comunicação entre os indivíduos por meio dos diálogos possibilita a

aquisição de significados e sentidos, tendo como consequência um pensamento

adequadamente desenvolvido (KELMAN, 2011).

5.4.4 Escola e o contato sistemático com duas línguas

Esse momento na vida das filhas ouvintes nos permitiu enxergar a fase de

transição das filhas com o uso da Língua Portuguesa a partir do ingresso escolar.

Buscamos compreender o processo de aquisição da Língua Portuguesa pelas

filhas ouvintes, uma vez que a Libras foi a primeira língua. Ao passo que a primeira

filha narrava suas experiências escolares, é perceptível nas narrativas que a escola

desconhece que, mesmo sendo ouvinte, essa criança passou pela aquisição de uma

língua diferente da Língua Portuguesa, e isso poderia apresentar consequência na

aprendizagem e no comportamento. Por outro lado, para Júlia, foi um momento de

estranhamento primeiro, segundo a sua narrativa, pelo fato de a comunicação

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ocorrer por meio da língua oral, e que tal comunicação apresentava diferenças

sensoriais auditivas que ela denominou como barulho e que, nos primeiros

momentos, procurou se isolar das interações escolares.

Eu entrei na escola quando eu tinha 4 (quatro) anos de idade e ai, na escola, com 4 anos na escola estava, eu acho, o que no nível 3 ou nível 2, alguma coisa assim, e aí foi um período muito confuso na minha vida por que a professora chegou na minha mãe e disse: Olhe, sua filha não quer conversar com ninguém, sua filha está ali reclusa, não interage, e não sei se está acontecendo alguma coisa, ela

escuta mesmo? (JÚLIA). [...] eu coloquei ela na escola para estudar e também eu precisava sair para trabalhar. Ela ficava na escola com outros ouvintes, mas era difícil a comunicação. Embora na escola ela só fazia brincar, pintar e ela as vezes não deseja ir para escola, mas logo me chamava para levá-la para associação de surdos (SELMA). Eu lembro que Júlia, na época, na escola, os ouvintes faziam teste de verificação para poder estudar, ver qual o ano correto. Então Júlia fez a prova e na avaliação de Língua Portuguesa e ela não passou, algumas palavras trocadas e muitas frases sem concordância e falaram que ela estava errada (SELMA).

Nessa narrativa, podemos verificar que a dificuldade e/ou os erros

apresentados pela filha mais velha no período escolar, segundo a mãe, poderiam

estar associados aos instrumentos de avaliação e suas lacunas em considerar as

vivências da Língua Portuguesa e da Libras no caso de Júlia e, nesse caso, aplicar e

reprovar mediante o resultado referente às regras e normas da Língua Portuguesa

escrita. Por desconhecimento da escola sobre as especificidades linguísticas de um

Coda, obviamente avaliou da mesma forma Júlia e as demais crianças,

possivelmente da mesma idade da filha de Selma.

Como não existem pesquisas, ainda, atestando que essas crianças não têm

dificuldade necessariamente no português, mas, devido ao fato de a primeira língua

ter sido a Libras, os conhecimentos deveriam ser avaliados a partir da primeira

língua ou nas duas. Não havendo divulgação sobre esses fatos é que a família entra

em cena e procura esclarecer pontos obscuros à escola. A saber:

Eu fiquei triste, resolvi chamar uma intérprete da área de educação, expliquei o porquê, de Júlia não ter sido aprovada pedi ajudar para poder explicar para escola que nós, os pais, somos surdos e por ter adquirido inicialmente a língua de sinais como primeira língua, Júlia não tem culpa alguma, ela não sabia escrever corretamente em Língua Portuguesa. Então a intérprete e eu explicamos toda a

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situação e depois a escola compreendeu e resolveu aceitar Júlia (SELMA).

A experiência com Giovana na escola ainda está sendo vivenciada, tendo em

vista que ela se encontra matriculada no ensino fundamental. Mas a mãe relata

como tem sido o processo, a saber:

[...] minha primeira filha Júlia se comunica mais em Libras e Giovana não, ela fala mais o português, interage, brinca com as amigas que são ouvintes, aprendeu mais o português e depois a Libras, ela sabe. Como ela sabe mais o português, muitas vezes ela quer me ensinar, realmente ela aprendeu rápido o português na escola e também o contato com a família é maior com os familiares ouvintes, os primos ouvintes. Também tinha Júlia que constantemente falava oralmente ambas, já língua de sinais para conversa com os pais (SELMA).

Na narrativa da mãe, a filha mais velha se comunica mais em Libras, ao

passo que a fluência de Giovana volta-se mais para a Língua Portuguesa. A mãe diz

que ela aprendeu mais o português, sobretudo, quando passou a frequentar a

escola. Ela, a filha mais nova, tem um contato maior com pessoas ouvintes,

familiares ouvintes, os colegas da escola e inclusive a irmã, que, mesmo sendo

fluente em língua de sinais, comunicava-se pela língua oral com a irmã Giovana.

Contribuindo com a fala da mãe, Quadros (2017) afirma que muitos filhos

ouvintes falam em Libras e português, e outros apenas compreendem a língua de

sinais, mas preferem falar com seus pais em português, porém muitos desses filhos

podem ter comunicação prejudicada com seus pais devido à escolha da Língua

Portuguesa.

Nesse caso, já constatamos o uso constante das duas línguas por parte de

Giovana, sendo preferencial a Língua Portuguesa.

Um outro aspecto relatado pela mãe era o acesso ao tradutor-intérprete de

Libras, depois da aprovação do Decreto nº 5626, de 22 de dezembro de 2005,

facilitou esse acesso, uma vez que, por lei, os espaços, mais comuns que Selma

frequenta, incluindo reuniões escolares, no próprio trabalho, já existe a

disponibilidade de intérpretes, sem que ela precise solicitar ou pagar por tal serviço,

diferenciando-se do que acontecia com Júlia, que mediou, muitas vezes, as

conversas entre ouvintes e os pais. O acesso ao tradutor-intérprete de Libras

diminuiu o “serviço” que muitos filhos Codas mais velhos fizeram por não ter o

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intérprete para seus pais, e a ausência da legislação contribui para isso também. Na

fala da mãe:

Eu encontrava várias barreiras, por exemplo, nas reuniões da escola, como já sabia da angustia de Júlia eu não ia para reuniões, eu recebia as informações escrita, levava para casa para ler e reler, por que não havia comunicação e eu sou surda era difícil e muitas vezes eu faltei de verdade, eu faltava as reuniões. Ouvia reclamação por não ter ficado na reunião, muitas vezes eu tentava explica que era surda, observava caras chateadas e sérias pela minha resposta, pois não havia intérpretes. No caso de Giovana é diferente, eu tenho intérprete pois é meu direito e antes na época de Júlia eu não [...] (SELMA).

Com a legislação, a Libras teve reconhecimento e, consequentemente,

visibilidade na sociedade, portanto, muitos espaços na sociedade se sensibilizaram

à especificidade linguística dos surdos. Mesmo no caso da escola que não tem

alunos surdos, mas possui um aluno cujos pais sãos surdos, garantiram a

acessibilidade linguística ao oferecer o tradutor-intérprete de Libras para as

atividades e comunicação da escola com os pais surdos.

Quadros (2017) aponta que ingresso na escola regular é um momento

marcante na vida da maioria dos Codas. Segundo a autora, a escola inicialmente é

um espaço de desconforto, privilegia a Língua Portuguesa nas modalidades oral e

escrita e não considera outra língua nesse espaço, esquecendo-se, ainda, de que os

pais, mesmo sendo surdos, são os pais, levando as crianças Codas a apresentarem

sentimento de estranheza, raiva e rejeição sobre o espaço escolar.

Outro aspecto importante que merece ser destacado é que o espaço escolar

propicia nos filhos ouvintes de pais surdos a imersão no mundo dos ouvintes, e a

forma de lidar com esse novo momento em suas vidas é ensinada pelos pais surdos,

mostrando, em primeiro lugar, a diferença entre as línguas dos dois grupos

(PEREIRA, 2013).

Destacamos, então, a importância de a escola conhecer as especificidades

linguísticas das pessoas surdas e, a partir da formação continuada, conhecer acerca

dessas pessoas e sobre sua língua.

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5.4.5 Trajetórias pessoais na adolescência e escolhas profissionais: relatos de pais e

filha

Por ser ouvinte, ela faz as “honras” da casa, ou seja, recebe outro ouvinte

para atuar como “intérprete e tradutora” da Libras no contexto familiar e em diversos

contextos sociais. Nesse sentido, Josso (2016) afirma que essa experiência é uma

vivência que se internalizou em sua memória, proporcionando para essa filha

ouvinte um comportamento novo ao pertencer a essa família de pais surdos, é algo

que se aprende para si e com os outros em situações específicas.

Conviver no mundo surdo, pra mim realmente veio a engrandecer e de agregar valores, por que hoje eu posso dizer que eu tenho uma visão totalmente diferenciada de muitas amigas minhas que são da mesma idade que eu, sabe, isso pra mim foi muito bom de poder um amadurecimento mais rápido e de entender o mundo surdo e o mundo ouvinte, no caso, que é um mundo se que eu possa dizer que é um mundo superior, assim que eu digo em parte maior de quantidade, [...] [...] e a minoria né? A minoria surda que ta lá prevalecendo, tem suas lutas, suas militâncias dentro da área, então você tá nesse fluxo [né...] entre o mundo ouvinte e surdo, [...] [...] pra mim no inicio foi bem conflitante [né...] foi muito difícil não foi fácil mas na realidade em certo tempo você começa a entender e separar um pouco as duas áreas e até mesmo difundir, até por que, as duas áreas estão agregadas a um mundo só (JÚLIA).

Na experiência vivenciada por essa participante da pesquisa são citados os

seguintes aprendizados: aquisição de valores que a fizeram amadurecer enquanto

pessoa, a compreensão de que havia dois mundos: um ouvinte e outro surdo. Um

mundo majoritário e ouvinte, e um outro que é minoria linguística e que possui uma

língua, precisando se reunir e lutar pelos seus direitos no mundo em que vivem.

5.4.5.1 Mediadora da comunicação entre a família surda e os ouvintes

Desde muito cedo, Júlia vivencia a experiência de interpretação linguística,

sem saber que, no futuro, se tornaria tradutora-intérprete de Libras.

Tinha aquela questão que eu falei no começo, de receber uma visita [...], de alguém ta lá fora batendo palma, chamando e você lá atender, você ser os ouvidos do seus pais ocorre desde o inicio [...] por mais que uma conversa informal mesmo entre família [...] por exemplo entre meus avós e meu pai, meus pais, então tinha essa

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relação de explicar meio informalmente e aí, a gente vai indo, vai crescendo e vai tendo os mesmos ciclos, as mesmas rotinas [...] [...] dentro de casa mesmo eu fazia as interpretações informais, por exemplo de um jornal. O que está dizendo no jornal? Eu falava: não pai, ta passando isso, isso e isso. Eu fazia um breve resumo do que o jornal estava dizendo, uma repostagem e repassava, o típico de uma tradução consecutiva. [...], então [...] ai eu comecei a observar essas diferenças e não agregar esse meio, desses dois (JÚLIA).

Essa relação da tradução e da interpretação da Língua Portuguesa oral e a

Libras, e vice-versa, segundo Júlia, acontecia desde o espaço da residência aos

locais externos a sua casa, como, por exemplo a escola, onde ela estudava.

E aí, teve sim, antigamente não tinha tanto assim, as professoras me chamava, Júlia: olha, vai ter reunião com os pais, eu preciso muito que você venha por que [...] muito que você venha por que não tem ninguém, como eu vou falar com sua mãe, [...] Eu respondia: tudo bem eu venho, tem problema nenhum. Infelizmente vai ser você, por mais que a gente tenha que falar mal de você, sim ou não [risos], vai ter que ser na sua frente porque não tem outra situação. Então eu achava [...] meio invasivo, de certa forma, porque eles iam falar de mim na minha frente [...] podendo ser bom ou ruim [...] e eu não sabia neutralizar isso [...], então naquela época, então eu via nas expressões dos meus professores quando iam falar de mim, só falavam coisas boas, então não tinham coisas ruins (JÚLIA).

Na narrativa de Júlia, fica claro que, em muitos momentos, ela mediou a

conversa entre a mãe surda e as professoras ouvintes. Mesmo em situações em que

o sujeito da discussão seria a própria Júlia, não se pensava em outra possibilidade.

Até certo ponto, isso foi bom na fala de Júlia, pois os professores só tinham coisas

positivas para relatar sobre ela.

Talvez a escola tenha se negado, “inconscientemente”, do exercício da ética.

Esse princípio tão importante para a escola, a partir da ética que os alunos

aprendem a respeitar, não ter conduta inapropriada no momento das avaliações

entre outros. No caso de Júlia, os pontos eram positivos, mas se fossem negativos?

Como essa criança se sentiria ao ouvir toda aquela devolutiva de certa forma

negativa? Não sei como a escola trabalhava essas questões tão importantes, mas

faço minhas as palavras de Cury ao falar sobre ética:

Estimular o aluno a pensar antes de reagir, a não ter medo do medo, a ser líder de si mesmo, autor da sua própria história, a saber filtrar os estímulos estressantes e a trabalhar não apenas fatos lógicos e

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problemas concretos, mas também com as contradições da vida (CURY, 2003, p.66).

Essa experiência vivenciada pela filha ouvinte, que, talvez, seja a mesma

enfrentada por muitos Codas, o de enfrentar a própria realidade, sem se preparar

anteriormente para vivenciar as contradições da vida, mas que permite ressignificar

as experiências em algo positivo.

Para Júlia, essas experiências transformaram sua vida, dando-lhe a

oportunidade de, ao narrar sua própria história, dar sentido às suas experiências,

construindo outra representação de si. Tudo isso a levou ser uma profissional da

língua de sinais.

5.4.6 Escolha para atuar como profissional tradutora-intérprete

Ao narrar sua própria história, a pessoa procura dar sentido às suas experiências e, nesse percurso, constrói outra representação de si:

reinventa-se13.

Maria da C. Passeggi

Durante as análises, identificamos e denominamos de fases na vida de Júlia e

de Giovana que nos permitiram compreender ainda mais a relação com seus pais e

com as línguas de sinais e portuguesa. Essas fases serão definidas nas próximas

linhas desta tese.

Nesse momento de experiência vivenciada por Júlia, apresenta-se uma fase

de transição, ou seja, ela deixa de rejeitar a língua de sinais e passa por uma

imersão a partir da formação.

Para discutir esta questão da formação de Júlia, essa autora, pesquisadora

que escreve sobre a experiência em formação, apresenta uma relevância para esse

momento. A partir das narrativas de Júlia, anteriormente mencionadas, verificamos

que ela apresenta ressignificação de si mesma.

Passeggi (2011), a respeito do termo experiência, afirma que é a capacidade

de entendimento, julgamento, avaliação do que acontece e, inclusive, com ele

próprio.

Contribuindo com o pensamento da autora supracitada, Delory-Momberger

(2016) afirma que a construção individual do ser humano depende da temporalidade

13 Passeggi, 2011, p.147.

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biográfica e a possibilidade de o indivíduo relacionar sua existência a partir da

experiência de si e do mundo.

[...] quando eu era adolescente eu comecei, depois da pré-adolescência eu comecei a ser uma rebelde [risos...] eu acho, então que todo mundo tem sua fase. E a minha rebeldia era não querer saber mais da Libras de jeito nenhum, eu estava esgotada e eu dizia: Não, eu não quero mais, saber disso, eu não aguento mais Libras na minha vida é Libras manhã, tarde e noite [...] e aí, eu já não me via mais querendo falar em língua de sinais e respirar língua de sinais. E aí eu disse, eu acho que eu tinha uns 16 anos, e aí eu disse vou fazer faculdade de farmácia, eu vou fazer uma coisa que eu quero, que eu gosto e eu gosto de química, eu quero fazer farmácia. E aí [...] eu entrei na faculdade de farmácia, fiz primeiro semestre, tudo bonitinho, aquele negócio, meus pais respeitaram. Eu cheguei pra eles e disse olha: - Eu quero fazer uma coisa que eu gosto, não quero de Libras, não quero nada da área e eles respeitaram. Disseram: Tá tudo bem se é isso que você quer pra sua vida então pode fazer. Minha mãe, naquela discordância, apesar dela dizer, que não seria isso (JÚLIA).

Nesse momento da narrativa de Júlia, percebemos um desgaste em usar a

língua de sinais, como vimos na parte anterior, quando se mencionou que,

constantemente, a filha ouvinte fazia a comunicação entre os pais surdos e a

comunidade ouvinte. Provavelmente, essa cobrança de estar no papel de uma

profissional tradutora-intérprete de Libras a desgastou, pois o uso da língua de sinais

por Júlia não era meramente no seio familiar, mas fora da sua casa ela era

praticamente “obrigada” a fazer essa comunicação. Um outro aspecto relevante

verificado na narrativa é o desejo de inserção no ensino superior, que, em princípio,

é uma escolha individual, existindo, posteriormente, uma influência familiar.

Aí, quando foi no meu segundo semestre da faculdade de farmácia apareceu o concurso. E aí, o concurso pra intérprete de Libras acho que foi o primeiro concurso do Estado, do Estado que eu digo, daqui do Rio Grande do Norte, pra intérprete da UFRN [...] [...] e aí minha mãe disse: - você vai fazer que é muito importante, por que precisa ... eu respondi: mãe eu não vou fazer esse concurso, pra que? Não quero. E ela sempre dizendo: - Faça, só pra tentar. Tá, então vou fazer, você ta forçando muito, vou fazer. Então eu me inscrevi, e tudo bonitinho e eu já pessimista, não, não vou passar, não quero, não quero isso ! e aí. Eu fiz! Aí eu disse: mainha não vai da certo não ! aí ela dizia: mulher tem calma, tudo no seu tempo. E aí quando saiu o resultado eu tinha sido aprovada (JÚLIA).

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A mãe já tinha uma visão sobre a fluência da filha com a língua de sinais e

que ela poderia enveredar por esse caminho profissional. Dessa forma, o incentivo

da mãe é constante. Porém, Júlia ainda não havia vislumbrado a carreira profissional

como tradutora-intérprete de Libras, até então.

E aí pra mim foi um baque muito grande, de que eu já ia entrar no trabalho publico como servidora e como tradutora-intérprete eu via aí uma responsabilidade enorme. Por mais que eu já fazia alguns trabalhos informais em escolas, [né...] em instituições, mas não era aquele baque de você chegar e dizer eu sou uma tradutora-intérprete. Estudo! Estudo do profissional de como você ser um profissional intérprete [...] [...] por que, é aquilo que eu falei, você tem que separar o sentimento daquilo que é o seu trabalho e não se dedicar por amor, é o seu trabalho e ali eu vivi numa responsabilidade de estudar, de procurar entender como é esse trabalho de intérprete de Libras, esse profissional, o que esse profissional faz. Ta certo que você tenha fluência você sabe falar em língua de sinais perfeitamente bem, mas você não é o profissional. [né...] aí eu comecei a ver, comecei a estudar e vi que tinha, assim, muitas divergências entre ser filha e profissional. Aí eu me vi, então agora, agora eu tenho que ser realmente profissional. Tem que parar um pouco de ser a filha, e agora ser a profissional a partir de agora em diante. A partir daí em comecei a entender o que é esse trabalho de intérprete o que é esse profissional e separar a família da comunidade surda ao meu ver. Pra mim a comunidade surda era minha família. Pra mim, qualquer surdo que entrasse já era da minha família, então eu tinha que separar isso a família, a comunidade surda, para o meu papel profissional (JÚLIA).

A partir da entrada no mercado de trabalho, Júlia ressignifica sua experiência

e se reinventa. Ela reconhece, a partir de agora, a responsabilidade profissional, a

partir da compreensão da atuação formal e informal e percebe que é necessário ter

formação profissional, apenas conhecimento da língua de sinais não seria o

suficiente. Era preciso conhecer sobre o campo de atuação do tradutor-intérprete de

Libras, e é nesse momento de formação que acontece a dissociação do “eu, filha de

surdo” e do “eu, profissional tradutora-intérprete de Libras”.

Souza (2014) afirma que as experiências do indivíduo que é Coda estão

intimamente ligadas a uma fronteira, ou seja, desde muito cedo, ele participa de

questões do ato de tradução e interpretação.

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É preciso uma formação para que um indivíduo se torne profissional, ou seja,

bons tradutores-intérpretes de Libras. Na ocasião, ela cita a criação do curso de

bacharelado em Letras-Libras, responsável por formar esses profissionais

(QUADROS, 2004).

Sander (2016) aponta que, para o Coda tornar-se um profissional tradutor-

intérprete de Libras, faz-se necessário conhecimento técnico para as competências

e habilidades de traduzir e interpretar, além do conhecimento ético na atuação desse

profissional.

Todas as falas desses autores corroboram a fala de Júlia, ao identificar a

necessidade de atuar como profissional. Segundo ela, saber a língua de sinais não

foi suficiente e decide buscar essa formação.

[...] eu tinha passado no concurso pra intérprete de Libras [...] [...] Parti então para o Letras-Libras, já que estava na mesma área profissional [...] [...] eu estava fazendo farmácia e aí vi que não cabia mais continuar no curso. [...] o meu concurso foi da UFRN, passei e fiquei classificada, porém não fui chamada de imediato para a UFRN, pois não estava nas primeiras classificações. O IFRN ao invés de fazer um outro concurso para intérprete de Libras, aproveitou o concurso da UFRN [...] [...] chamou os intérpretes restantes da lista. E eu era uma delas, e fui para o IFRN (JÚLIA).

O concurso, para Júlia, foi uma oportunidade de crescimento profissional, ao

passo que foi percebendo que não havia afinidade com o curso de Farmácia. Sua

decisão foi de extrema importância, levando-a à escolha por fazer o curso de

licenciatura em Letras-Libras, o qual iria dar mais oportunidade de crescimento,

uma, vez que isso daria subsídios à sua atuação profissional atualmente.

Minha formação não foi bem acadêmica, mas como eu tinha uma fluência na língua e não tinha como comprovar [...] [...] fiz cursos de Libras para obter a certificação, como também, fiz o exame do PROLIBRAS que é a proficiência em Libras na área da tradução e interpretação. O que comprova o meu conhecimento na língua até então. E atualmente, faço o Letras Libras para a complementação na minha carreira profissional na área (JÚLIA).

Como ela já havia falado, saber Libras, apenas, não a fazia uma profissional

de fato e de direito. Então, além da inserção no curso de graduação, como já foi

informado acima, ela participou de cursos que forneceram além da experiência

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profissional, pois lhe deram certificação enquanto profissional tradutora-intérprete de

Libras. E o certificado mais importante para a atuação básica foi a prova de

proficiência realizada pelo Ministério da Educação para certificar profissionais da

área de Libras, tradutores-intérpretes de professores, tanto de nível médio como

superior. “O exame Prolibras é um exame de proficiência que objetiva certificar

instrutores e professores de língua de sinais e tradutores e intérpretes de língua de

sinais” (QUADROS et al., 2009, p. 9).

Essas certificações ampliaram ainda mais a visão de Júlia para permanecer

no curso de nível superior, que certamente qualificaria ainda mais sua profissão.

Sentimos a necessidade de elaborar uma linha do tempo expondo alguns

acontecimentos na vida de Júlia. Faremos uma breve explanação acerca dessa linha

do tempo e, nas linhas posteriores, aprofundaremos um pouco mais acerca das

experiências vivenciadas por Júlia, seus pais e as duas línguas.

Com o nascimento de Júlia, em 1994, a família inicia um desafio de educar

alguém diferente da sua realidade linguística. Esse momento estava entrelaçado

com a união em matrimonio dos pais, como vimos anteriormente, e outro momento

histórico marca esse nascimento e a vida dos surdos. No mesmo ano, acontece a

Conferência Mundial em Educação Especial em Salamanca, que implementou a

então conhecida Declaração de Salamanca, que destaca a relevante necessidade

de garantir a língua de sinais como língua dos surdos em âmbito escolar e não

escolar, a saber:

Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações individuais. A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso a educação em sua língua nacional de signos. Devido às necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provida em escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p.7).

Júlia nasce imersa no mar de luta política de reconhecimento e valorização da

língua de sinais para os surdos, a exemplo da declaração supracitada, que

considera de extrema importância essa língua como meio de comunicação e é por

meio dela que pessoas surdas devem aprender, por se tratar de uma língua natural,

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portanto, deveria ser reconhecida por meio legal em âmbito nacional e, a partir daí, a

certeza de garanti-la as escolas.

No ano 2000, Júlia é inserida na escola regular. Esse momento foi

impactante, pois circunscreveu suas experiências sociais como ouvinte e com outros

pares ouvintes. Durante a infância até à adolescência, já mediava a comunicação

entre os pais e pessoas ouvintes, despertando o interesse de participar de cursos de

capacitação voltados à função de traduzir e interpretar a Libras para Língua

Portuguesa e vice-versa em 2008. Surgiu uma oportunidade de participar do

Primeiro Encontro Nacional de Filhos de Pais Surdos, em 2013, e esse encontro

trouxe para Júlia a oportunidade de compartilhar experiências vivenciadas no seio

familiar e com duas línguas.

No Brasil, encontros de Codas iniciaram em 2013, no Rio de Janeiro. Desde então, esses encontros ocorrem anualmente. Esse encontro é esperado por cada um dos Codas, pois é uma oportunidade de voltarem para o ninho e cotarem com pessoas que compartilham a língua de sinais e a cultura dos surdos brasileiros e, em especial, compartilham a experiência de ser Coda (QUADROS, 2017, p.65-66).

A partir desses encontros, surge em Júlia o interesse de imersão na Libras

mediante cursos de língua de sinais, inclusive curso de línguas de sinais

estrangeiras e, posteriormente, a decisão da escolha profissional de se tornar

tradutora-intérprete de Libras profissional. Em 2014, Júlia é agraciada com a

aprovação do concurso público federal, atuando como tradutora-intérprete de Libras

do IFRN e, até a conclusão das entrevistas para esta tese, era estudante do curo de

graduação de Letras/Libras da Universidade Federal Rural do Semi-Árido UFERSA,

localizada em Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte. Esse momento na vida

de Júlia marca a fase de adesão à Língua Brasileira de Sinais.

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Linha do tempo: Fases de experiências na vida de Júlia

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Na linha do tempo acima, podemos verificar um breve resumo acerca da

história vivenciada por Júlia. Observamos que seu nascimento coincide com o ano

de enlace matrimonial dos pais, justamente em meio às lutas políticas e

educacionais travadas pela comunidade surda no Brasil. O contato com a língua dos

pais inicia desde os primeiros dias de vida e cresce em meio à comunidade surda,

utilizando a língua de sinais, mas, mesmo na infância, ela passa por uma fase que

chamamos de Fase Transição, sendo evidenciada pela narrativa Júlia ao falar do

seu ingresso na escola regular. Ela percebe particularidades na língua oral que

ainda não havia percebido com tanta intensidade, como o falar gritando, o de estar

junto a outros colegas falando oralmente, como foi explicado no texto anterior.

Na fase da adolescência evidenciamos um outro momento na vida de Júlia, a

Fase de Rejeição, uma vez que tanto os pais quanto a própria Júlia narram o uso

da língua de sinais com bastante excesso, tendo em vista que, na infância, a criança

já se encontrava “intérprete” dos pais, ou seja, ela mediava a comunicação entre a

comunidade ouvinte. Segundo os pais e Júlia, esse excesso e a exposição como

“intérprete mirim” geraram desconforto em Júlia para continuar utilizando a Libras.

Porém, ao longo do tempo, a língua de sinais vivencia transformações que exigiam

cada vez mais pessoas que fossem fluentes nessa língua. Foi na época de

ascensão legal da língua de sinais e que Júlia já participava por intermédio de seus

pais e com frequência constante na associação de surdos, percebendo todo o

desdobramento da Lei de Libras e constatando a escassez de profissionais, que

Júlia passou, mais uma vez, pela Fase de Transição.

Dessa vez, a passagem de alguém que apenas domina a língua para se

tornar uma tradutora-intérprete de Libras e o estopim dessa reviravolta foi

justamente sua participação no I Encontro de Filhos Ouvintes de Pais Surdos, onde

ela constata a importância da família surda, da língua de sinais, da luta política

dessa comunidade e, sobretudo, seu conhecimento prático, que levou Júlia à

imersão em cursos de capacitação e formação profissional. Elencamos esse período

como Fase de Adesão, a partir da escolha profissional por um curso superior em

Letras/Libras. E, atualmente, ela é funcionária pública federal, ocupando o cargo de

Tradutora-Intérprete de Libras no Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).

A atuação de Júlia como Coda foi constante durante a infância, adolescência

e na fase adulta, tendo ela assumido um papel profissional frente a experiências

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vivenciadas com a família e ressignifica seu propósito perante a comunidade surda.

Júlia passou por todos os momentos de luta junto à comunidade surda em prol do

reconhecimento da língua e da garantia dos direitos das pessoas surdas. O porquê

disso está associado à militância constante dos pais e por estar junta a eles nesses

momentos. As experiências vivencias pela primeira filha do casal não foram as

mesmas da segunda filha, uma vez que esta nasceu depois que várias conquistas

relacionadas à Libras já tinham sido alcançadas, num momento em que a família

vivenciava uma outra história.

E, por fim, seguimos com a elaboração da uma linha do tempo da segunda

filha do casal, Giovana, participante da pesquisa.

Faremos uma breve explanação acerca dessa linha do tempo e, nas linhas

posteriores, aprofundaremos um pouco mais acerca das experiências vivenciadas

por ela, seus pais e as duas línguas.

Em 2009, nasce Giovana, em uma época em que a Libras está cada vez mais

consolidada. Um exemplo é a existência de uma legislação que reconhece a língua

de seus pais. Seu nascimento marca um outro momento da Libras e da atuação

profissional dos seus pais.

Uma coisa que une as duas filhas é a imersão bilíngue, ou seja, suas vidas

sempre estiveram marcadas pelo uso de duas línguas. Em 2015, aconteceu o

ingresso de Giovana na escola. Nessa época, diferentemente da irmã que, na

mesma idade, já mediava a comunicação com os pais surdos e a comunidade

ouvinte, Giovana rejeita tal interação.

Quando iniciamos, em 2017, os primeiros contatos com Giovana para a

realização das entrevistas narrativas, ela sempre apresentou comportamento

introvertido. Seu interesse, no momento, estava para um tablet que ganhou de seus

pais para uso recreativo a partir de jogos pela internet.

Com os dados das entrevistas narrativas da família, podemos verificar que o

acesso que Júlia teve à associação de surdos foi bem menos intenso para Giovana

e iremos detalhar melhor nas linhas seguinte desta tese.

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Linha do tempo: Fases de experiências na vida de Giovanna

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Destacamos, a partir do resumo em linha do tempo, as experiências

vivenciadas por Giovana. Desde o seu nascimento, passa por uma imersão bilíngue,

uma vez que, em seu seio familiar, havia uma pessoa ouvinte e que falava, também,

oralmente além da Libras. Destacamos ainda que a mãe é oralizada, e, por isso,

Giovana prefere a comunicação oral com ela. No ingresso de Giovana na escola

regular, fortaleceu ainda mais a comunicação por meio da língua oral com os

coleguinhas da escola e com as crianças vizinhas da localidade da residência.

Selma e Gerson afirmam, como vimos em capítulos anteriores, que Giovana

prefere a comunicação oral, e isso nos levou a compreender que sua filha está na

Fase de Rejeição, pois, na infância, já demonstra a preferência pela Língua

Portuguesa. Nas narrativas de seus pais, foram evidenciados momentos em que

Giovana se negou a fazer mediação entre ouvinte e seus pais e, em outros, por via

do aparelho de telefonia celular, ela media essa comunicação. Segundo Gerson,

uma outra coisa que contribuiu com essa rejeição de Giovana fora o contato com a

comunidade surda com frequência menor da vivenciada por Júlia. Isso porque os

pais já não mais frequentavam a associação dos surdos constantemente, já tinham

suas atividades voltadas para a tarefa de docentes universitários. Existe agora uma

facilidade da comunicação com o avanço da tecnologia e o acesso as elas, e

Giovana prefere, muitas vezes, interagir por meio de celular ou brincar com jogos

nesses aparelhos, reforçando a rejeição pelo uso da mão para se comunicar.

Já nossa segunda filha, não vejo tanto interesse, ela tem mais atenção às tecnologias, gosta de ficar no facebook, ficar conversando pela web cam no computador, as vezes ficar com brincando com as bonecas e isso eu acho que prejudicou o interesse pela língua de sinais. Ela se comunica, mas é diferente, não é com todo mundo, ela gosta mais do contanto com ouvinte (SELMA).

Quando Selma afirma que Giovana gosta de usar as tecnologias, o uso de

tablet, sobretudo, para interagir com os jogos, além das redes sociais, refletimos nas

experiências linguísticas no contexto digital.

Giovana, no contexto de suas experiências com a tecnologia, pode ser

considerada "nativa digital", ou seja, interage com os diversos suportes e linguagens

digitais. Está imersa nas informações rapidamente, e muitas dessas pessoas

preferem o audiovisual e são diferentes das pessoas "imigrantes digitais" que não

nasceram na era digital, mas que se adaptaram (PRENSKY, 2001).

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Embora o surgimento das tecnologias tenha sido de grande relevância, muitos

estudos vêm apontando que o uso constante influencia o comportamento das

pessoas e, inclusive, das crianças e adolescentes.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em 2016 publica orientações

acerca da saúde de crianças e adolescentes na era digital. A SBP afirma que

existem benefícios e malefícios no uso das tecnologias e alerta que é preciso bom

senso, pois as crianças e os adolescentes usam constantemente videogames para

jogos, além da internet em casa e fora de casa, para acesso aos jogos e outros

aplicativos e plataformas online. Muitas vezes, os pais não se dão conta de

mudanças e problemas que parecem fazer parte do cotidiano familiar. Pensado

nisso, a SBP direciona as orientações para os profissionais pediatras, aos pais, aos

educadores e escolas e às crianças e aos adolescentes.

Atualmente, os usos tecnológicos estão voltados às esferas do tipo: lazer,

trabalho e conhecimento. Dessa forma, o uso de dispositivos, como tablet,

smartphones e outros estão durante quase 24 horas nas mãos das pessoas com a

facilidade do acesso à internet e, dessa forma, é de extrema importância tomar

alguns cuidados frente ao uso desordenado, pois isso pode influenciar no

comportamento, podendo tomar o espaço da socialização entre as pessoas,

inclusive, dentro da família (PAIVA; COSTA, 2015).

Os autores supracitados destacam os cuidados da substituição das relações

sociais no cotidiano pelo uso frenético dos dispositivos eletrônicos. O porquê disso é

que existem crianças e adolescentes de diferentes níveis sociais que possuem seus

dispositivos tecnológicos associados ao acesso fácil a internet (SOUZA; OLIVEIRA,

2016).

Além do que vimos anteriormente, o uso constante das tecnologias pode

influenciar no comportamento das pessoas, conforme constatações por estudos

publicados sobre o tema.

Estudos científicos comprovam que a tecnologia influencia comportamentos através do mundo digital, modificando hábitos desde a infância, que podem causar prejuízos e danos à saúde. O uso precoce e de longa duração de jogos online, redes sociais ou diversos aplicativos com filmes e vídeos na Internet pode causar dificuldades de socialização e conexão com outras pessoas e dificuldades escolares; a dependência ou o uso problemático e interativo das mídias causa problemas mentais, aumento da ansiedade, violência, cyberbullying, transtornos de sono e

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alimentação, sedentarismo [...] (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2016, p. 2).

Nesse trecho, retirado do texto publicado pela Sociedade Brasileira de

Pediatria, destacamos que mudanças de comportamento acontecem desde a

infância, influenciando, sobretudo, na socialização dessas pessoas.

Unindo a fala dos pais e o comportamento introvertido de Giovana observado

durante a entrevista e suas respostas com frases curtas, evidenciou-se a

possibilidade de influência das tecnologias nesse comportamento, além da

convivência com os pais surdos que falam por uma língua sem som.

Nesta narrativa anterior de Selma, é claro o interesse de Giovana pela

tecnologia e redes sociais, isso é comum entre as crianças e os adolescentes

atualmente.

As vezes eu paro pra pensar e comparar, Giovana não tem tanta fluência em língua de sinais. Claro que ela conhece, ela sabe quando estamos brigando com ela ou não, pelas nossas expressões faciais, e ela corresponde. Embora eu percebo que ao me responder ela usa mais as expressões faciais ao invés dos sinais com as mãos (SELMA).

Selma, ao falar da interação com Giovana em casa, afirma que, muitas das

vezes, as respostas dela são apenas por expressões faciais, evitando a utilização

das mãos. Essa situação poderíamos destacar como rejeição, e essa afirmação fica

mais clara quando Selma aponta:

Com Giovana não foi criada essa dependência, Gerson até chama para mediar uma conversa e muitas vezes ela recusa, e quando é para falar ao celular, pelo pai, há uma resistência inicial mas ela termina vencida pela insistência do pai, mas percebo que muitas vezes é preguiça de Giovana, raramente acontece de alguém me ligar e ela fazer a interpretação (SELMA). Hoje Gionava com 9 anos, está junto comigo falando em Libras é difícil. Uma ou outra coisa é afluência de Giovana, é difícil a comunicação. Quando media a comunicação com as pessoas ela faz sempre pausas, a primeira filha supera a segunda não, fazendo a comparação (GERSON).

As narrativas acima são claras. Quanto à rejeição de Giovana, pelo menos

agora na infância, pelo uso da língua de sinais para comunicação no âmbito familiar.

A mesma insistência que havia com a filha mais velha, os pais repetem com a filha

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mais nova, porém não há tanta aceitação, como no caso de Júlia, que assumiu por

anos o papel de mediar a comunicação dos pais com a comunidade ouvinte. A

atuação de Giovana, segundo o pai, é fraca ao comparar com Júlia, que tinha mais

fluência na Libras.

Acreditamos que Giovana está em processo de experiência que,

posteriormente em sua formação, apresentará ressignificações de si mesma

(JOSSO, 2007).

Para Passeggi (2014, p. 135):

[...] as narrativas das crianças nos permitem sinalizar que a reflexão estaria na base do processo de constituição da criança enquanto sujeito da experiência. Daí a importância de escutá-las e de observar como dão sentido às instituições que as acolhem na infância.

É de extrema importância ouvir as crianças, contudo, é um desafio, pois é

preciso planejar a interação para alcançar a compreensão e a interpretação da

criança como sujeito ativo do mundo e seus processos de significação sobre as

experiências.

Como afirma Quadros (2017), os filhos de pais surdos possuem relação

diferente de aprendizagem e de uso da língua de sinais, como também da Língua

Portuguesa. Existem Codas que usam a língua de sinais de forma secundária, para

se comunicar apenas com os pais e amigos surdos de seus pais.

[...] torna-se a língua secundária, pois sua língua segunda língua, o português, passa a ocupar o papel de língua primária. Sua língua de herança fica de certa forma adormecida. Por isso, a experiência e cada filho é diferente, impactando a relação com as línguas e a cultura de formas distintas (QUADROS, 2017, p. 165).

A relação de Giovana com a língua de sinais é parecida com o participante da

autora supracitada. Devido à convivência com a irmã mais velha e devido ao fato de

a mãe ser oralizada, a comunicação era, na maioria das vezes, por meio da língua

oral.

Identificamos, durante nossa entrevista, que Júlia passa a morar em outro

município, deixando Giovana com os pais, e é nesse momento que podemos afirmar

que a filha mais nova iniciará o processo da Fase de Transição, uma vez que os

pais irão recorrer à ajuda da filha mais nova com mais frequência para mediar a

comunicação por celular ou em situações de alguém chegar à residência.

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E, por fim, essas filhas Codas são para além de apenas pessoas que

possuem pais surdos. Essas pessoas pertencem a uma geração única, que

herdaram a língua de sinais, a cultura surda, mesmo sendo ouvintes. A geração

única se justifica pelo fato de que seus futuros filhos nascerão, possivelmente,

ouvintes de pais ouvintes e, dessa forma, não terão as mesmas experiências

vivenciadas pelos seus pais em relação à língua de sinais e à cultura surda

(HOFFMEISTER, 1996).

Poderíamos até considerar essas pessoas Codas como sendo um “novo tipo”

de imigrantes que, desde a tenra idade, estão imersos na língua de seus pais e, de

repente, precisarão aprender a língua de seu país, que, por natureza, também lhes

pertence, uma vez que são ouvintes, e a língua é oral/auditiva.

Quanto às nossas conclusões, em relação às filhas, podemos destacar que,

para Júlia, as narrativas foram construídas a partir da centralidade da língua

brasileira de sinais no seio familiar e social, ao passo que as narrativas de Giovana e

de seus pais evidenciam o uso maior da Língua Portuguesa e a língua de sinais com

os pais surdos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a produção deste trabalho, a temática escolhida estava entrelaçada a

nossa própria história quando iniciei meus primeiros contatos com a língua de sinais

e, consequentemente, o dia que passamos, minha família e eu, a receber surdos

que eram meus amigos na época.

Obviamente que não estamos falando de família com Coda, pois, diante dos

nossos resultados, ficou claro que o filho ouvinte que “recepciona” quem bate à porta

da casa, pelo feedback auditivo que ele possui, consiste em um privilégio, que, no

caso da minha família, não acontecia, embora eles fossem ouvintes, mas os papéis

também eram outros. Meus amigos, surdos, que chegavam à minha casa usavam

uma outra língua que minha família não dominava e, para isso, eles precisariam

aprendê-la para possibilidades de comunicação. Diferentemente de uma pessoa

ouvinte de pais surdos que aprendeu a língua na sua primeira instância de

socialização, que é a família, e conhece a Língua Portuguesa dos ouvintes,

ampliando as possibilidades de comunicação a partir da perspectiva bilíngue Libras-

Língua Portuguesa.

Lembramos uma situação de um amigo surdo que mora a uma ou duas

quadras da minha rua, mas que habitualmente costumava ir à minha casa mesmo

que eu não estivesse, levando minha família a “se virar nos trinta” para

primeiramente dizer que eu não estava e, em seguida, para compreendê-lo na

insistência de permanecer ora falando das plantas, ou de que viu meu irmão mais

novo na esquina ou para compreendê-lo quando falava sobre os animais que

tínhamos na época.

O que nós queremos dizer é que, numa família com Coda, o uso das duas

línguas acontece de forma espontânea com alternâncias de uma forma híbrida, não

necessariamente os pais precisam estudar a Língua Portuguesa para lidar com seus

filhos, e os filhos para lidar com outros ouvintes, ou vice-versa, os filhos terem que

fazer um curso da língua de sinais para falarem com seus pais e com outras

pessoas surdas. No caso da minha família, usar a língua de sinais, havia a

necessidade de aprender a língua em determinado curso, o que aconteceu comigo,

para que eu pudesse me comunicar com essas pessoas que usam uma língua

diferente da minha.

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Podemos compreender essa família como sendo comum às demais famílias

existentes. As experiências vivenciadas pelas filhas são constantes, gerando um

aprendizado. Nesse primeiro momento, essa participante já inicia a resposta da

questão central da pesquisa, ou seja, a narrativa de filhos ouvintes acerca da

interação com seus pais no cotidiano.

Os resultados, inicialmente, apontam para o primeiro objetivo da nossa

pesquisa na tentativa de responder que as relações estabelecidas no seio familiar

são mediadas pela língua de sinais e interferem na constituição das funções

psicológicas superiores. A Língua Portuguesa é utilizada na socialização e no

contato com a comunidade ouvinte.

No segundo objetivo, a língua de sinais é preponderante nas interações em

casa, em outros contextos, como, por exemplo, na escola, a filha ouvinte que

mediava a comunicação dos pais com os profissionais da educação. Para a primeira

filha, foi de extrema importância utilizar a língua de sinais, pois a mesma nos informa

que é mais confortável falar em Libras do que em Língua Portuguesa e nos marcou

quando ela nos disse: “Libras vai estar comigo sempre, Libras é minha vida eu

respiro Libras sempre, então [é...] minha primeira língua é Libras (JÚLIA)”.

Ao longo das narrativas que constituíram os dados para a defesa da nossa

tese, é possível inferir que as filhas ouvintes de pais surdos podem vivenciar

experiências culturais diferentes, devido ao uso de duas línguas. Ao longo de suas

existências nas interações, no âmbito familiar e social, o uso das línguas

consubstancia habilidades e competências linguísticas e culturais diversificadas.

Na experiência da primeira filha, a escolha da profissão foi associada à sua

trajetória experiencial e cultural a partir das vivências com seus pais surdos e a

utilização da língua de sinais e por mediar a comunicação entre essa língua e a

Língua Portuguesa.

Em relação a Giovana, suas experiências apontam um uso maior da Língua

Portuguesa em contexto social e a língua de sinais em segundo plano na

comunicação com seus pais. É possível afirmar que as filhas Codas nasceram em

uma ambiência favorável ao bilinguismo bimodal e que essa situação pode ocorrer

na maioria das famílias com Codas. Indubitavelmente, esse conjunto de elaborações

tecidas durante este trabalho escrito sustentam o que propomos em nossa tese.

Atendendo ao terceiro objetivo da pesquisa, constatamos o uso da língua de

sinais com mais frequência no seio familiar, sendo a primeira filha o canal de

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intermediação entre as línguas oral e Libras. Essa situação, segundo os pais, não

aconteceu com a filha mais nova, que utilizava mais a língua oral com mais

frequência e, inclusive, sofrendo a influência da irmã mais velha, que é ouvinte, além

da mãe, que é oralizada. Detectamos, em relação à filha mais velha, que a escolha

profissional sofreu influência do convívio com os pais, pela fluência nas duas línguas

e pela oportunidade de ser absorvida pelo mercado de trabalho. Os pais

reconhecem a exposição que a primeira filha teve em mediar conversas, palestras,

compras em lojas, etc., da língua de sinais para Língua Portuguesa e vice-versa.

Segundo a mãe, havia um exagero em depender da filha mais velha para fazer

essas interpretações entre ouvintes e os pais surdos.

Chegamos a uma conclusão: o uso da língua de sinais para essa família é

mais frequente, e, quando necessário, na ausência de um profissional tradutor-

intérprete de Libras, a mediação da comunicação entre os pais e os ouvintes é

realizada pela filha mais velha. O que evidencia que, em uma família em que um dos

pais é ouvinte, o uso da Língua Portuguesa pode ser maior.

Destacamos que foi fundamental a participação dos pais surdos como

militantes na comunidade surda, assumindo papéis de grande relevância, com o

objetivo de que a Libras como língua das comunidades surdas brasileira fosse

reconhecida por lei, entre outros interesses que envolvem as pessoas surdas, em

destaque, a luta pela consubstanciação da educação bilíngue no Brasil. Essa

participação dos pais deu margem para sua escolha profissional, tendo em vista a

experiência com a língua de sinais, com a evidência de prioridade, no Decreto nº

5.626/05, com relação ao acesso a cursos superiores que envolvem a língua de

sinais, ao ingresso em concursos públicos da área de Libras, etc. Essas questões

tiveram importância para que hoje os pais surdos se identificassem com a docência.

Nesse caso, nossa escolha pela pesquisa (auto)biográfica nos ajudou a

compreender a subjetividade a partir das narrativas, desses participantes surdos. As

narrativas possibilitaram o processo de ressignificação do que vivenciaram e, no

processo de narrar suas experiências, os pais surdos evidenciaram novas

proporções e definições. E, como bem coloca Josso (2010), os participantes de uma

determinada pesquisa, ao narrarem suas experiências, se dão conta da sua

subjetividade e, a partir de então, [...] trata de conhecer e compreender os

significados que cada um atribuiu ou atribui em cada período de sua existência aos

acontecimentos e situações que viveu (p.68). Dessa forma, é preciso haver mais

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pesquisas que evidenciem o que pensam os pais surdos acerca de seus filhos

ouvintes e as comparações, que, possivelmente, eles fazem entre os pais ouvintes

que tiveram e que tipo de pais se tornaram com filhos ouvintes.

No texto desta tese, apresentamos muitos trabalhos que consubstanciam

narrativas de filhos ouvintes e suas experiências como filhos de pais surdos,

inclusive o livro da professora Ronice Müller de Quadros, elaborado a partir da

perspectiva dos filhos. Certamente, nosso trabalho trouxe uma contribuição

significativa ao considerar as narrativas dos pais, além das narrativas de suas filhas.

Lembramos ainda que chegamos às seguintes reflexões sobre os pais: de fato, eles

tinham uma dificuldade de ensinar as tarefas escolares das filhas, sobretudo,

quando a disciplina era Língua Portuguesa; o pai relatou que, por trabalhar fora,

muitas vezes, o papel de ensinar as filhas ficava sob a responsabilidade da mãe. A

necessidade de interagir com a comunidade ouvinte levou a filha mais velha a

assumir por anos o papel de mediadora, e essa dependência, a solicitação

constante gerou nos pais uma sensação de arrependimento e reflexões sobre essas

experiências, pois reconheceram que foi em excesso. Ao rememorar a atitude de

Júlia em sua fase de rejeição, a mãe alegou que esse estado de sofrimento teve

relação com o trabalho exaustivo que é fazer o papel de um profissional tradutor-

intérprete.

Observamos ainda que, durante a adolescência e a fase adulta, os pais

passaram a solicitar constantemente que sua primeira filha, Júlia, mediasse a

comunicação entre eles e a comunidade ouvinte, tendo em vista o conhecimento e a

facilidade que Júlia tinha de fazer essa “interpretação”. Essa solicitação pelos pais à

filha mais velha, à época, contribuiu pelo fato de, até o ano de 2002, quando Júlia

completa seu oitavo ano, ainda não se falava de maneira geral sobre a formalização

da profissão de tradutores-intérpretes de Libras. Com a aprovação da Lei 10.436/02

e do decreto nº 5.626/05 é que vem a urgência de formação e contratação de

pessoal qualificado para mediar a comunicação das pessoas surdas e a comunidade

ouvinte. Essa questão foi relatada por Oliveira (2014), que apontou para o fato de

que, caso houvesse ausência de profissionais tradutores-intérpretes de Libras ou

amigos que mediassem a comunicação, tal situação seria gerida pelos filhos

ouvintes.

Para minimizar as dificuldades encontradas pelos pais ao ensinar tarefas

escolares em casa, eles recorriam aos amigos que possuíam formação acadêmica

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compatível com a determinada matéria, como foi o exemplo citado por Selma, que

convidou uma colega da área de Língua Portuguesa para reforçar os conhecimentos

adquiridos por Júlia, e, por se tratar de um outro idioma, tornava-se mais difícil

minimizar as dúvidas de Júlia.

A Língua Brasileira de Sinais vem sendo inserida em todo o território nacional,

sobretudo, no âmbito educacional. Com a criação de cursos de graduação voltados

à língua de sinais, aos tradutores-intérpretes, fomentou-se a disciplina Libras de

forma obrigatória nos cursos de licenciaturas e demais cursos de bacharelado

optativa, ainda em algumas universidades, além de centenas de concurso público

para atender a essa demanda brasileira. Isso ofereceu oportunidade, à filha mais

velha, de atuar como funcionária pública na função de tradutora-intérprete de Libras.

Algumas escolas, também, do ensino básico vêm garantindo o acesso à

educação com a presença do tradutor-intérprete em sala de aula, bem como

professores de Libras. Nosso trabalho evidenciou a necessidade de a escola ter

conhecimento das pessoas Codas. O porquê disso é que, segundo relato da mãe, a

filha tinha uma escrita inicial como a de pessoas surdas, a escola recebe alunos

ouvintes que possuem as mesmas características na escrita e filhos ouvintes de pais

surdos, principalmente quando esse sujeito é o primeiro filho de ambos pais surdos,

pois os dados da pesquisa evidenciaram que o segundo filho sofrerá influência da

língua oral fornecida pelo(a) irmã(o) ou em outras configurações familiares,

interagindo com familiares ou cuidadores surdos. Sendo de extrema importância que

a escola os conheça, para que, ao ser identificada uma escrita semelhante das

pessoas surdas, não seja considerada um erro, mas que entendam a

especificidades linguísticas. Faz-se necessário novas pesquisas evidenciando essa

escrita por crianças ouvintes e apontando possibilidades para uma nova forma de

aprender.

Outro ponto de pesquisa é que, possivelmente, os Codas sofrem influência

maior na língua de sinais quando são o primeiro filho e por ter os dois pais surdos.

Codas filhos de um surdo e um ouvinte podem ter uma aprendizagem híbrida entre

as línguas oral e a de sinais e/ou ser mais influenciados por uma das línguas, até

mesmo por questões de gênero, quando a filha ou filho sofreu mais influência de

determinada língua por passar mais tempo com a mãe por exemplo, e vice-versa.

Ao longo da pesquisa, encontramos algumas dificuldades. A primeira foi o

desafio de fazer a entrevista narrativa com a filha mais nova, dadas as

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características pessoais da participante para expressar a narrativa através da

entrevista. A interação da criança com o instrumento e o pesquisador pode ter

dificultado a construção dos dados a partir da entrevista narrativa, bem como a

ausência de diálogos no âmbito familiar para uma reflexão sobre a Língua

Portuguesa, Libras, surdez, escola e as especificidades da comunicação na família.

Nas tentativas de interação, a respondente respondia sim ou não, passando a contar

o mínimo da sua história, solicitado pela mãe e por termos utilizado de uma forma

lúdica para a recolha das informações, sendo o quarto encontro, e detalhamos na

parte da trajetória metodológica.

Outra dificuldade apontada diz respeito ao encontro nacional de Codas,

espaço que, enquanto pesquisadores, julgamos de extrema importância para

dialogar com esse grupo e para ampliar o conhecimento sobre essas pessoas, sua

organização, suas necessidades enquanto grupo e/ou associação. Mas é uma

organização bastante fechada, não permitindo o acesso de pesquisadores em seu

evento, perdendo a oportunidade de mais visibilidade como membros da

comunidade surda, havendo pouco conhecimento sobre os Codas por parte das

pessoas em geral. É importante inserir um trecho da resposta com um nome fictício

para não fugirmos dos princípios éticos base de toda a construção dessa tese. Flor

de Lis, uma das organizadoras, respondendo ao meu e-mail referente ao possível

acesso ao encontro de Codas, diz: “Compreendemos a importância da sua

pesquisa, contudo, o nosso encontro não possui como objetivo ser um espaço

voltado para pesquisas” (TRECHO DA RESPOSTA). Não podemos acreditar que uma

organização cujo objetivo é trocar experiências a partir da vivência em compartilhar

duas línguas não se beneficie de pesquisas empíricas para a construção do

conhecimento. Nos anexos, encontra-se o folder do encontro inacessível para os

não Codas. Embora a organização nacional não permita o acesso dos não Codas, o

que contraria o que diz a organização CODA Internacional ao informar no site:

https://www.coda-international.org/Sys/Login que os não Codas, desejando se tornar

membros de apoio, são bem-vindos e que, em eventos específicos, utilizarão o

status de membros de suporte.

Dando continuidade às nossas conclusões, em relação ás filhas, podemos

destacar que, para Júlia, as narrativas foram construídas a partir da centralidade da

Língua Brasileira de Sinais nas esferas familiar e social, ao passo que as narrativas

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de Giovana e de seus pais evidenciam o uso maior da Língua Portuguesa e a língua

de sinais com os pais surdos.

A utilização das duas línguas é frequente com relação a essa família,

sobretudo, para as filhas. Inclusive, como vimos no corpo do trabalho, os pais surdos

parecem depender da filha mais velha para inserir-se na comunidade geral ouvinte

que utiliza a língua oral para se comunicarem. Como colocou Hall (2016), é por meio

da linguagem que a cultura é produzida. A família, em estudo, compartilha conjuntos

de conceitos, ideias, valores, entre outros existentes nessas duas comunidades, e

devem ser consideradas bilíngues pelo uso da Libras e Língua Portuguesa.

Essas nuances observadas na trajetória dessas duas filhas ouvintes nos

permitem pensar que os Codas têm níveis diferentes de aquisição da língua de

sinais. Júlia, durante sua infância até a adolescência, estava imersa na língua de

sinais e, atualmente, é tradutora-intérprete de Libras, ao passo que Giovana

apresenta um acesso maior à Língua Portuguesa, embora, com seu pai, utilize a

Libras. O fato é que essas duas línguas, Libras e a Língua Portuguesa oral e escrita,

acompanham essas filhas ouvintes durante toda sua vida, como bem colocou

Quadros e Masutti (2007).

Levando-nos a compreender que a primeira filha é Coda bilíngue primária,

esse termo nos remete à imersão nas duas línguas com uso mais forte da língua de

sinais, da cultura surda na infância e que se estende à fase adulta. A partir do

compartilhamento de modos de vida e língua da comunidade ouvinte é que essa

filha vai construindo sua identidade e faz a adesão da primeira língua

consubstanciada na escolha pessoal e profissional. No caso na segunda filha, esse

processo de adesão ainda não aconteceu por ela ser criança, mas podemos

destacar que ela seria uma Coda bilíngue secundária por ter, no momento de

imersão bilíngue, uma irmã ouvinte, a mãe oralizada e o contato maior com a

comunidade ouvinte, sendo mais fraco o uso da língua de sinais.

Essa conclusão também nos leva a acreditar que Codas que possuem um

dos pais surdo, podendo se identificar mais com a língua oral do que com a língua

de sinais, ou seja, utilizar mais fortemente a oral em detrimento da língua de sinais.

E, em segundo lugar, ser bilíngue para Júlia e Giovana não foi uma questão de

escolha, mas uma especificidade desse tipo de família, onde os filhos ouvintes

convivem com seus pais surdos.

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Como desdobramentos, temos as contribuições e projeções da nossa

pesquisa. As contribuições emergem para o campo científico e social, tanto no

âmbito dos estudos surdos quanto sobre família com Codas. Esse conjunto de

contribuições permitiu ampliação científica da temática na área dos estudos surdos e

com família, refletidas nas narrativas dos participantes; preenchimento de lacuna em

pesquisas sobre família com Codas e o reconhecimento das vozes sinalizadas e

ouvidas em sua plenitude. Essa tese ainda contribuiu para o favorecimento de um

novo olhar da pesquisa frente à comunidade surda, proporcionando a abertura de

novos horizontes de trabalhos e de continuidade da temática discutida.

Tendo dito isso, em nossas projeções, consideramos as narrativas dos

componentes dessa família fonte de investigação, consequência das experiências

como lugar de formação e confirmamos, a partir da contribuição da mediação

biográfica como fonte e dispositivo de pesquisa, a inserção da temática em cursos

de formação continuada de professores que atuam e se interessam pela área dos

estudos surdos e Libras, sob a parceria com a UFRN e com possibilidade de

inserção de outros órgãos públicos.

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ANEXOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Esclarecimentos

Estamos solicitando sua autorização para que a criança sob sua responsabilidade, participe

como informante da pesquisa de doutorado, intitulada: “Experiências de Filhos Ouvintes de Pais

Surdos: uma família, duas línguas”, que tem como pesquisadores responsáveis Pedro Luiz dos

Santos Filho, doutorando, e a Profa. Dra. Maria da Conceição Passeggi, orientadora.

A pesquisa, realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN, pretende

estudar as experiências de filhos ouvintes de pais surdos acerca dos processos de interação entre

eles, no contexto familiar.

O instrumento de pesquisa utilizado é uma entrevista semiestruturada, que será gravada em

vídeo, ou somente em áudio, de acordo com a sua autorização e o assentimento da criança. A

entrevista terá a duração aproximada de 1h (uma hora), e o pesquisador utilizará recursos lúdico para

facilitar a compreensão e evitar uma provável inibição durante a realização da entrevista. Se

acontecer algum desconforto por parte da criança, a entrevista será interrompida e o pesquisador

ficará à disposição da criança para que ela mesma escolha o melhor momento de sua participação.

Durante todo o período da pesquisa, você poderá se comunicar com Pedro Luiz dos Santos

Filho, por mensagem ou pelo telefone (84) 99625-9909. Ele ficará à sua disposição para qualquer

esclarecimento sobre a pesquisa.

Você tem o direito de recusar sua autorização, em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum

prejuízo nem para você, nem para a criança.

Os dados da entrevista serão anônimos e utilizados apenas para fins da tese ou publicações

científicas a ela relacionadas. Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa

pesquisa em local seguro e por um período de 5 anos.

Se você tiver algum gasto para a participação da criança na pesquisa, ele será assumido pelo

pesquisador.

Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o

pesquisador responsável: Pedro Luiz dos Santos Filho.

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Consentimento Livre e Esclarecido

Eu, ____________________________________________, representante legal de

____________________________________________, autorizo sua participação na pesquisa:

“Experiências de Filhos Ouvintes de Pais Surdos: uma família, duas línguas”

A minha autorização foi concedida após os esclarecimentos recebidos sobre os objetivos,

importância e o modo como os dados serão coletados, por ter entendido os riscos, possíveis

desconfortos e benefícios que a pesquisa pode trazer para ele(a), e também por ter compreendido

todos os direitos que ele(a) terá como participante, e eu como seu/sua representante legal.

Autorizo, ainda, a publicação das informações fornecidas por ele(a) na tese, em congressos

e/ou publicações científicas, desde que os dados apresentados não possam identificá-lo(a).

Natal, __________ de __________ de 2018.

_________________________________________________

Assinatura do representante legal

Declaração do pesquisador responsável

Como pesquisador responsável pela pesquisa, “Experiências de Filhos Ouvintes de Pais

Surdos: uma família, duas línguas”, declaro que assumo a inteira responsabilidade de cumprir

fielmente os procedimentos metodológicos que foram esclarecidos a/ao participante deste estudo,

assim como asseguro manter sigilo sobre a sua identidade.

Declaro ainda estar ciente de que na inobservância do compromisso ora assumido, estarei

infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde

– CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.

Natal, ____________ de ______________ de 2018.

________________________________________________

Assinatura do pesquisador responsável

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA PESQUISA: “EXPERIÊNCIAS DE FILHOS OUVINTES DE PAIS SURDOS: UMA FAMÍLIA

DUAS LÍNGUAS”

Esclarecimentos

Estamos solicitando sua autorização para participar como informante da

pesquisa de doutorado, intitulada: “Experiências de Filhos Ouvintes de Pais

Surdos: uma família, duas línguas”, que tem como pesquisadores responsáveis

Pedro Luiz dos Santos Filho, doutorando, e a Profa. Dra. Maria da Conceição

Passeggi, orientadora.

A pesquisa, realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da

UFRN, pretende estudar as experiências de filhos ouvintes de pais surdos acerca

dos processos de interação entre eles, no contexto familiar.

O instrumento de pesquisa utilizado é uma entrevista narrativa

semiestruturada, que será gravada em vídeo, ou somente em áudio, de acordo com

a sua autorização.

Sua realização visa a análise e problematização de situações vivenciadas

entre filhos ouvintes e seus pais surdos em seu cotidiano.

Durante as entrevistas lhes serão dirigidos questionamentos relacionados à

sua vivência com seus pais surdos, as quais terão finalidades para fins dessa

pesquisa sendo preservada a identidade do participante.

Durante todo o período da pesquisa, você poderá se comunicar com Pedro

Luiz dos Santos Filho, por mensagem ou pelo telefone (84) 99625-9909. Ele ficará

à sua disposição para qualquer esclarecimento sobre a pesquisa.

Você tem o direito de recusar sua autorização, em qualquer fase da pesquisa,

sem nenhum prejuízo para você.

Os dados da entrevista serão anônimos e utilizados apenas para fins da tese

ou publicações científicas a ela relacionadas. Esses dados serão guardados pelo

pesquisador responsável por essa pesquisa em local seguro e por um período de 5

anos.

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Eu, ___________________________________________________, fui esclarecido

(a) sobre a pesquisa: “Experiências de Filhos Ouvintes de Pais Surdos: uma

família duas línguas”. E concordo em participar dela e que os meus dados sejam

utilizados em sua realização.

Natal, ____________ de _____________________ de 2018.

Assinatura:_____________________________________________________

Nota: O presente termo terá duas vias, uma ficará à guarda do

pesquisador e a outra via é da posse do próprio participante da pesquisa.

___________________________________________________________

Pesquisador – Pedro Luiz dos Santos Filho

Natal, __________ de _______________ de 2018.

Campus Universitário – Lagoa Nova – 59072-970 – Natal/RN Telefones: (84) 3342-2270

Home Page: www.ppged.ufrn.br –– E-mail: [email protected]

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VII ENCONTRO NACIONAL CODA BRASIL

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ATA DA SESSÃO DE AVALIAÇÃO DE TESE DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

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183

APÊNDICES

APÊNDICE 1: ROTEIRO PARA FILHA OUVINTE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PERGUNTA DISPOSITIVO – Como é pertencer a uma família em que os pais

são surdos?

ROTEIRO PARA FILHA OUVINTE

1- Fale sobre a sua trajetória de educação no contexto familiar e escolar.

(Aprendizado da Libras? Aprendizagem da língua portuguesa escrita)

2- Você lembra da sua chegada na Escola?

3- Você lembra se em algum momento você percebeu diferenças e semelhanças

na participação da sua família e a de seus colegas?

4- Você lembra se houve alguns momentos que você precisou mediar a

conversa entre seus pais e outros ouvintes? (Qual sua percepção sobre isso?

Precisou organizar outras atividades para acompanhar seus pais)

5- Em algum momento da vida escolar você foi intérprete para seus pais em

reunião, conversa e/ou avisos?

6- Fale sobre a sua relação com o seu pai e sua mãe? (Seus pais ajudavam nas

atividades escolares?)

7- Como você entrou no mercado de trabalho como Tradutora-Intérprete de

Libras?

8- Descreva seu contato com a comunidade surda e ouvinte

9- Você percebe semelhanças e diferenças culturais entre surdos e ouvintes?

Ou quando entre sua família e outra família ouvinte?

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APÊNDICE 2: ROTEIRO DE ENTREVISTA DA FILHA MAIS NOVA

ROTEIRO DE ENTREVISTA DA FILHA MAIS NOVA

1- Fale sobre sua família

2- Como você se comunica com seus pais?

3- Como seus pais se comunicam com surdos?

4- Como seus pais se comunicam com ouvintes e com as pessoas da família?

5- Você se comunica como seus amigos da mesma forma que se comunica

como seus pais? (Qual a diferença?)

6- Na escola como você se comunica com os professores e colegas? Fala e

escreve?

7- Quando seus pais não estão em casa, quem fica (cuida) de você em casa?

8- Como você se comunica com a pessoa que cuida de você quando seus pais

não estão em casa? (SE HOUVER CUIDADOR)

9- Fale sobre as suas práticas de leitura e escrita na escola (VOCÊ GOSTA?).

10- As atividades de casa são feitas com a ajuda dos seus pais? Se sim, Fale

sobre como eles te ajudam.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

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APÊNDICE 3: ROTEIRO DE ENTREVISTA DA MÃE E DO PAI

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ROTEIRO DE ENTREVISTA DA MÃE e DO PAI

1- Você percebe diferenças no tipo de educação recebida pelos seus pais e essa

que você oferece aos seus filhos ouvintes?

2- Vocês desejavam que o filho fosse surdo ou ouvinte? Por que?

3- A Libras foi a língua que mediou a comunicação desde a tenra idade de seus

filhos? Ou a família ouvinte interviu na comunicação?

4- Na infância seus filhos possuía algum cuidador ouvinte que fosse da família ou

não?

5- Você lembra com qual idade seus filhos frequentaram a Escola?

6- A quem era designada a função de realizadas as tarefas escolares em casa?

7- Por ser surda você, alguma vez, sentiu dificuldade em realizar as tarefas e/ou

algum conteúdo escolar?

8- Lembra de algum momento (situação) em que você solicitou ou que mais solicita

a seus filhos para mediar a comunicação com os ouvintes? (MÉDICO? ESCOLA?

REUNIÃO? CONVERSA INFORMAL; ETC...)

9- Vocês dividem e/ou dividiram tarefas, por exemplo: ajudar nas tarefas escolares,

passeios, ida ao médico, etc....

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APÊNDICE 4: DESCRIÇÃO DOS SINAIS UTILIZADOS NA TESE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DESCRIÇÃO DOS SINAIS

SINAL DE FALAR – Configuração da mão direita em “P”. Mover a mão para frente

com movimento parecido um espiral.

SINAL DE MIKE (sinal do brinquedo utilizado na pesquisa, criado por Giovana) –

dedos polegar e indicador juntos, formando círculo e toca o nariz.

SINAL DE INCOMODAR – Configuração da mão esquerda aberta palma para cima,

movimentar a beira da mão esquerda para gente e para trás como se estivesse

amolando uma faca. Fazer expressão facial de chateado.

SINAL DE QUARTO – Configuração das duas mãos uma de frente para outra

palmas para dentro e dedos apontando para frente, em seguida simular a forma de

uma caixa.

GESTO DE MAL CHEIRO – Configuração da mão direita aberta (dedos para cima)

de frente ao rosto e fazer o movimento de abanar e com expressão facial indicando

mal cheiro.

SINAL DE COCÔ – Configuração da mão direita na letra “A” (dedo polegar para

cima), encosta no peito direito e faz um movimento para baixo com expressão facial

indicando defecar.

SINAL APONTAR – Configuração da mão direita na letra “D” fazendo um

movimento em direção ao que se quer mostrar.

SINAL DE DORMIR – Configuração da mão direita aberta palma da mão para cima,

encosta ao lado do rosto e faz um leve movimento da cabeça e mão para o lado

direito.

SINAL DE BANHO – Configuração de mão direita na letra “C” palma da mão para

baixo e em cima da cabeça. Movimentar os dedos para simular a água caindo na

cabeça e depois as duas mãos aberta esfrega um pouco as mãos no tórax.

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SINAL DE BANHEIRO – Configuração de mão com punho fechado e apenas os

dedos mindinho e indicador apontando para frente. Em seguida encosta as pontas

dos dedos no braço da mão esquerda.

SINAL DE AMIGO – Configuração da mão direita aberta, palma da mão para cima,

encosta no lado esquerdo do peito.

SINAL DA AMIGA LUZIA – Configuração da mão na letra “G” tocar o nariz duas

vezes.

SINAL DE COMUNIDADE – Configuração das duas mãos na letra “C” uma de frente

para outra. Mover as mãos tocando os dedos uma na outra várias vezes.

SINAL DE SUESP (Subcoordenadoria de Educação Especial do Rio Grande do

Norte) – Configuração das duas mãos aberta palma para baixo, a mão direita em

cima da esquerda e faz o movimento para frente.

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APÊNDICE 5: LEVANTAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES

Título Autor/ Ano

Tese / Dissertação

Instituição Foco

Interação e construção de sistema gestual em crianças deficientes auditivas, filhas de pais ouvintes

Pereira (1989)

Tese UNICAMP

Este trabalho se insere numa abordagem sócio-construtivista relativamente à aquisição e desenvolvimento da linguagem e tem como objetivo estudar o desenvolvimento de uma comunicação gestual em crianças deficientes auditivas.

Avaliação de fala de lactentes no período pré-linguístico: uma proposta para triagem de problemas auditivos.

Lima (1997) Tese UNICAMP

Esta pesquisa teve como objetivo estudar a viabilidade do uso de dois instrumentos de avaliação do desenvolvimento de fala em lactentes, a fim de que, a partir das alterações encontradas, detectarmos a deficiência auditiva.

Brincar: uma opção para a interação entre mãe ouvinte / filho surdo.

Rossi (2000)

Tese UNICAMP

Este estudo teve por objetivo descrever e discutir as maneiras pelas quais a díade, mãe ouvinte/filha surda constroem a dinâmica do brincar.

O Efeito do uso de sinais na Aquisição De Linguagem por Crianças Surdas Filhas De Pais Ouvintes.

Vieira (2000)

Dissertação PUC-SP

Analisar, numa abordagem bimodal, o efeito do uso de sinais na aquisição de linguagem por duas crianças surdas com perda sensorioneural profunda.

Caderno de experiências no processo terapêutico da criança portadora de deficiência auditiva.

Melo (2000) Dissertação PUC-SP

Descrever e discutir o processo de construção e utilização de um desses materiais, qual seja, o caderno de experiências. Foram apresentadas entrevistas com os pais de uma criança portadora de deficiência auditiva e ex-usuária do caderno de experiências, bem como com sua fonoaudióloga.

O brincar na relação entre mães ouvintes e filhos surdos.

Goldfeld (2000)

Tese UNIFESP

Verificar como ocorre a organização da brincadeira entre mães ouvintes e filhos surdos e as mudanças ocorridas no decorrer de um ano.

Os efeitos do diagnóstico nos pais da criança surda: uma análise discursiva.

Tavares (2001)

Dissertação PUC-SP

Analisar os efeitos produzidos nos pais pelo diagnóstico do seu filho surdo, por meio de uma escuta que localiza e pontua o verdadeiro sentido do

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Título Autor/ Ano

Tese / Dissertação

Instituição Foco

discurso dos pais.

Meu filho, que nome tem? língua de sinais e função materna.

Formigoni (2004)

Dissertação PUC-SP

Refletir sobre os impasses e as possibilidades que se organizam na relação mãe ouvinte-filho surdo numa proposta bilíngüe de educação para surdos.

Surdez e educação: pais de crianças surdas e ansiedade.

Ferrini (2004)

Dissertação UFSCAR

Conhecer o nível de ansiedade dos pais que frequentam serviços oralistas em busca de interação oral com seus filhos surdos, e o nível de ansiedade daqueles que frequentam serviços bilíngues e buscam interagir com seus filhos surdos por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), sinais caseiros, fala e escrita.

Da triagem auditiva neonatal ao diagnóstico: os pais diante da suspeita de deficiência auditiva no filho.

Ribeiro (2005)

Dissertação PUC-SP

Analisar a vivência de pais de bebês durante o período compreendido entre a suspeita e a conclusão do diagnóstico da deficiência auditiva no filho a partir do relato de suas experiências com Programas de Triagem Auditiva Neonatal.

A variabilidade da ordem das palavras na aquisição da língua de sinais brasileira.

Pizzio (2006)

Dissertação UFSC

Analisar a variabilidade encontrada na ordem das palavras durante a aquisição da língua de sinais brasileira (LSB) por uma criança surda, filha de pais surdos, por meio de um estudo longitudinal.

Narrativas de professores de ensino superior sobre o uso da língua portuguesa escrita por surdos.

Silveira (2007)

Dissertação UNICAP

Verificar como os professores de ensino superior analisam a competência linguística geral de seus alunos surdos na Língua Portuguesa e, em especial, na modalidade escrita, considerando a forma culta dessa língua.

A escrita inicial de uma criança surda com implante coclear.

Queiroz (2008)

Dissertação UNB

Trata de um estudo sobre a construção da escrita inicial de uma criança surda com implante coclear.

Narrativas de mães ouvintes de crianças surdas: oralidade, metáfora e poesia.

Digiampietri (2009)

Dissertação USP

Realizar uma análise linguística de narrativas de mães ouvintes acerca da experiência de nascimento e criação de um filho surdo.

Comunicação e intersubjetividade: um olhar sobre processos interacionais em

Florencio (2009)

Dissertação UFPE

Investigar o papel da linguagem no desenrolar do processo de intersubjetivação, em

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Título Autor/ Ano

Tese / Dissertação

Instituição Foco

crianças surdas. crianças surdas, que se expõem à aprendizagem da língua de sinais e que convivem com pessoas falantes de uma língua oral (ouvintes).

Aspectos do processo de construção da língua de sinais de uma criança surda filha de pais ouvintes em um espaço bilíngue para surdos.

Campos (2009)

Dissertação USP

Analisa os primeiros marcadores de aquisição de língua de sinais em uma criança surda, filha de pais ouvintes em um ambiente onde a língua foi propiciada por meio de interlocutores Surdos e ouvintes, usuários da Libras.

Intervenção bilíngue: percepção dos pais quanto a mudanças na comunicação com seus filhos surdos.

Yue (2010)

Dissertação USP

Analisar um programa de intervenção Bilíngue para crianças Surdas, na ótica de seus pais ouvintes, com referência ao apoio que receberam dos profissionais envolvidos neste e nas mudanças ocorridas na comunicação com seus filhos depois da participação no programa.

O pai e seu filho surdo: um olhar psicanalítico.

Marzolla (2010)

Tese PUC-SP

Dar voz ao pai e possibilitar uma escuta, para que se possam desmontar algumas preconcepções em relação a ele, mais especificamente, sobre sua ausência.

As primeiras aprendizagens da criança surda.

Nascimento (2010)

Dissertação UNIGRANRIO Compreender as primeiras aprendizagens para a autonomia da criança surda.

Composição aditiva e contagem em crianças surdas: intervenção pedagógica com filhos de surdos e de ouvintes.

Vargas (2011)

Tese UFRGS Investigou a composição aditiva e a contagem com crianças surdas.

O processo de constituição das identidades surdas em uma escola especial para surdos sob a ótica das três ecologias.

Terra (2011) Dissertação FURG

Compreender como o processo de constituição da identidade surda é estimulado na escola e como esta prática está articulada às Três Ecologias proposta por Félix Guattari.

No começo ele não tem língua nenhuma, ele não fala, ele não tem libras, né?: representações sobre línguas de sinais caseiras

Kumada (2012)

Dissertação UNICAMP Investigar as represen-tações sobre as línguas de sinais caseiras.

Qualidade de vida em crianças surdas pré-

Barbosa (2012)

Dissertação UNIFOR Analisar a Qualidade de Vida autopercebida em crianças

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Título Autor/ Ano

Tese / Dissertação

Instituição Foco

linguais. Surdas pré-linguais.

Libras como segunda língua para crianças ouvintes: avaliação de uma proposta educacional.

Roa (2012)

Dissertação UNIFESP Ensino da Língua Brasileira de Sinais para crianças ouvintes.

Usuários de implante coclear inseridos no ensino fundamental regular: percepção de pais e profissionais.

Souza (2013)

Dissertação UNICAMP

Como o dispositivo tem contribuído para o desempenho escolar destas crianças?

Aquisição da linguagem oral e de sinais por uma criança ouvinte filha de pais surdos: conhecendo caminhos.

Gurjão (2013)

Dissertação UNICAP

Analisar o processo de aquisição da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e da Língua Portuguesa na modalidade oral, em uma criança ouvinte, filha de pais surdos.

Narrativas de crianças bilíngues bimodais.

Neves (2013)

Dissertação UFSC

Entender a relação das crianças com a língua de sinais (LSB - Língua de Sinais Brasileira) e a língua falada (PB - Português Brasileiro).

Língua brasileira de sinais: uma ponte de amor entre pais ouvintes e filhos surdos.

Franco (2015)

Dissertação PUC-SP

Descrever o impacto que ocorre e envolve os pais no momento da descoberta da surdez.

Níveis de atividade física e barreiras e facilitadores para sua prática entre adolescentes surdos e ouvinte.

Andrade (2015)

Dissertação UFTM

Investigar e comparar os fatores ambientais para a prática de atividades físicas segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF, bem como os níveis de atividade física entre adolescentes surdos e ouvintes.

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.