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Experimentação Animal - impostura científica 25 Apr 2007 Por Vanice Teixeira Orlandi Presidente da Seção de São Paulo da União Internacional Protetora dos Animais (UIPA) I - DA VIVISSECÇÃO Instituições de ensino e de pesquisa valem-se de animais provenientes dos Centros de Controle de Zoonoses para realizar a chamada vivissecção, expressão oriunda do latim que significa “cortar vivo”. Muito embora a Lei de Crimes Ambientais, em seu §1º do artigo 32, considere maus-tratos “realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”, os Centros de Controle de Zoonoses não se constrangem em remeter animais vivos às instituições de ensino e de pesquisa, sob a alegação de não haver método alternativo e também de não se tratar de experiência dolorosa ou cruel, uma vez que os animais nada sofreriam em virtude de estarem anestesiados. Tal linha de argumentação se presta a perpetuar a arrogância e o comodismo que imperam no meio científico, poupando seus mestres e pesquisadores de se adequarem aos regramentos legais que impõem a utilização dos recursos alternativos já existentes, além de lhes justificar a inércia na busca por novos métodos. Atribui-se legitimidade à experimentação animal, termo usado para designar toda e qualquer prática que utilize animais para fins científicos ou didáticos, sem questionamentos acerca de sua necessidade, adequação e moralidade. Entretanto, a própria origem da prática já denuncia a invalidade do método.

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Experimentação Animal - impostura científica

25 Apr 2007

Por Vanice Teixeira OrlandiPresidente da Seção de São Paulo da União Internacional Protetora dos Animais (UIPA)

I - DA VIVISSECÇÃO

Instituições de ensino e de pesquisa valem-se de animais provenientes dos Centros de Controle de Zoonoses para realizar a chamada vivissecção, expressão oriunda do latim que significa “cortar vivo”.

Muito embora a Lei de Crimes Ambientais, em seu §1º do artigo 32, considere maus-tratos “realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”, os Centros de Controle de Zoonoses não se constrangem em remeter animais vivos às instituições de ensino e de pesquisa, sob a alegação de não haver método alternativo e também de não se tratar de experiência dolorosa ou cruel, uma vez que os animais nada sofreriam em virtude de estarem anestesiados.

Tal linha de argumentação se presta a perpetuar a arrogância e o comodismo que imperam no meio científico, poupando seus mestres e pesquisadores de se adequarem aos regramentos legais que impõem a utilização dos recursos alternativos já existentes, além de lhes justificar a inércia na busca por novos métodos.

Atribui-se legitimidade à experimentação animal, termo usado para designar toda e qualquer prática que utilize animais para fins científicos ou didáticos, sem questionamentos acerca de sua necessidade, adequação e moralidade. Entretanto, a própria origem da prática já denuncia a invalidade do método.

Usual em cursos de Medicina desde os séculos XII e XIII, a prática da dissecação de cadáveres enfrentou dificuldades a partir do século XVIII, quando os corpos humanos disponíveis já não eram suficientes ao grande número de escolas de Medicina, como relatado na obra “A verdadeira Face da Experimentação Animal”, de Sérgio Greif e Thales Tréz, página 20, (Rio de Janeiro, Sociedade Educacional “Fala Bicho”, 2000):

“Estudantes roubavam tumbas; eram chamados de ‘ressurreicionistas’. O caso mais conhecido foi de William Burke e William Hare, em Edimburgo, que em 1832 mataram pelo menos 16 pessoas para dissecação. Como resultado, foi proibida a doação de cadáveres a escolas médicas.”

Impedidas de receber cadáveres humanos, as instituições de ensino passaram a se valer de animais, não porque representassem um bom modelo alternativo, mas porque não lhes era possível o acesso ao único modelo correto existente. Em nome da facilidade de se obter animais, aliada à ausência de qualquer contestação sobre o seu uso, as gritantes diferenças anatômicas entre as espécies humana e animal foram então ignoradas.

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Por razões circunstanciais, ditadas por conveniências alheias à ciência, a utilização de animais firmou-se nos meios acadêmicos, a despeito de sua inadequação, confessada até pelo fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878), autor do livro em que se fundamenta a moderna experimentação animal, intitulado “Introdução à Medicina Experimental”. Poucos sabem, porém, que o criador de inúmeros métodos de vivissecção reconheceu, em sua própria obra, a impossibilidade de se transferir para o homem o que se depreende a partir da observação da retalhação de um animal:

"É realmente certo que, para problemas de aplicação imediata à prática médica, as experiências feitas no homem são sempre as mais concludentes. Nunca ninguém disse o contrário; somente, como não é permitido pelas leis da moral nem pelas do Estado realizar no homem experiências imperiosamente exigidas pelo interesse da ciência, proclamamos bem alto a experimentação em animais.” (obra citada, Lisboa, Guimarães & Cª Editores, 1978, p.152)”.

Em ação civil pública proposta contra a vivissecção praticada por uma tradicional faculdade de odontologia, a obra, considerada a “bíblia dos vivissectores”, foi comentada pelo insigne promotor de justiça Laerte Fernando Levai:

“Ao repudiar a tese de que a observação anatômica do doente seria o melhor caminho para a cura, Bernard insistiu na vivissecção como ‘método analítico de investigação no ser vivo’, mediante o auxílio de instrumentos e processos físico-químicos capazes de ‘isolar determinadas partes do animal’. Aparelhos de contenção, incisões cirúrgicas e mutilações de membros, em tal contexto, passaram a fazer parte do macabro altar cientificista, tornando os animais meros ‘objetos de experiência’ nas mãos dos vivissectores. Bernard, ao longo de sua vida, realizou centenas de experimentos cruentos em animais, submetendo-os a sofrimentos e a torturas inimagináveis. Seus métodos de vivissecção, lamentavelmente, inspiraram uma legião de seguidores.”

Fato que estarrece é o da vivissecção ainda ser praticada, a despeito do desenvolvimento científico que se deu a partir de Claude Bernard. Se moralmente não há o que justifique submeter um ser vivo a sofrimento, sob a ótica metodológica, a vivissecção afronta a própria ciência.

Pelos prejuízos que causa à saúde humana, a utilização de animais em procedimentos de ensino e de pesquisa ensejou o movimento do antivivisseccionismo científico, integrado, em sua maioria, por médicos que lutam para elucidar a sociedade sobre os malefícios de se querer transferir para a espécie humana o que se constata a partir da experimentação animal.

Para as Ligas de Médicos Antivivisseccionistas, que se multiplicam pelo mundo, “a medicina é essencialmente ciência da observação, na qual a experimentação ocupa somente uma parte menor da investigação médica. Mas aquela ‘parte menor’ foi contaminada por um enorme erro grosseiro: aquele de haver adotado os animais como modelos experimentais do homem” (artigo extraído da Internet, do sítio do “Comitato Scientifico Antivivisezionista”: www.antivivisezione.it).

De fato, o emprego do animal em procedimentos de ensino e de pesquisa fundamenta-se nas semelhanças existentes entre as espécies humana e animal. Resta saber se a

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similitude oferece segurança, como bem questionado pelo citado comitê:

“Quem faz experiências com animais diz que eles são 'símiles' ao ser humano. Mas no que se refere à ciência verdadeira, o conceito de ‘símile' é totalmente desprovido de valor. Se alguém lhe dissesse que no cômodo ao lado não há oxigênio, mas um gás muito 'símile' ao oxigênio, você lá entraria?? Se precisasse de uma transfusão de sangue, e alguém lhe dissesse que existe uma substância muito 'símile' ao sangue humano (como o sangue de chimpanzé), você a aceitaria?? Se eu lhe dissesse que os meus números da Loto são muito 'símiles' aos números vencedores, você me daria os parabéns??(Comitato Scientifico Antivivisezionista - www.antivivisezione.it).

Salta aos olhos que a similitude não oferece qualquer segurança no tocante a questões científicas, entretanto, o que deveria parecer óbvio, permanece oculto sob o falso manto da legitimidade em que ainda atuam os mestres e pesquisadores vivisseccionistas.

Vítima de um logro, a sociedade foi doutrinada para crer que a experimentação animal é imprescindível à evolução da ciência e ao aprendizado da medicina. Descobertas científicas, que jamais derivaram das pesquisas com animais, são a elas atribuídas da mesma forma engenhosa com que são encobertos os trágicos erros que delas decorreram.

Ainda que os testes e as pesquisas que se valem de animais não constituam o exato objeto pelo qual se insurgiu a entidade representante, convém esclarecer que o trato do tema, ainda que de forma breve, se faz imprescindível, à medida que revelam as razões pelas quais é a vivissecção, tanto para fins de pesquisa, quanto para fins didáticos, totalmente destituída de validade científica.

Dentre tantas fraudes engendradas, talvez a mais propagada seja a de que a utilização de animais em testes possibilitou a descoberta de drogas que permitiram a cura de muitos males da humanidade. Decorre daí a visível ausência de interesse em divulgar os mais de 6.500 remédios, catalogados pela Organização Mundial de Saúde, que foram retirados do mercado, até 1987, por serem tóxicos, teratogênicos, ou até mesmo mortais para o homem, a despeito dos prévios testes que comprovavam a segurança de tais medicamentos em animais.

Até que seja retirado do mercado, o medicamento já terá cumprido a sua função de fazer lucrar o laboratório, que, por sua vez, já terá condições de substituí-lo por outro medicamento, que suscitará no consumidor novas esperanças de cura. Garante-se, dessa forma, o lucro e os empregos gerados pela produção.

Não é difícil deduzir que a experimentação animal objetiva atribuir às drogas a confiabilidade de que necessitam para serem bem aceitas pelo mercado, razão pela qual há fortes interesses em manter a firme crença de que o prévio teste em animais torna fidedigno um certo produto, ainda que a reação dos animais às drogas se dê de forma muito diversa, determinada pelas diferenças abismais que os separam dos homens.

Tida por segura, após testes em animais, a talidomida determinou o nascimento de mais de 10 mil crianças com gravíssimas deformações congênitas, além de 3 mil natimortos. Responsável pelo rompimento da camada de ozônio, os CFC (clorofluorcarbonetos) foram liberados, após se mostrarem inócuos para os animais, assim como a Encainida e

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Flecainida, que levaram à morte de mais de três mil pessoas por ataques cardíacos. Eraldin, considerado altamente seguro para animais, causou aos humanos cegueira, danos ao aparelho digestivo e morte. Isoproterenol matou mais de 3.500 pessoas. Ácido fenclózico, acutano, antimonia, atropina canamicina, cloranfenicol, benoxapofrene, bromocriptina, zolmid, cianido, DES, dinitrofinol, clioquinol, clofibrato, fenilbutazona, isoprelina, stilboestrol e opren são algumas das drogas que causaram danos irreversíveis e mortes, apesar de se mostrarem seguras para animais.

Como lembra Tamara Bauab Levai, in “Vítimas da Ciência — Limites éticos da experimentação animal”, p.38 (São Paulo, editora Mantiqueira, 2001), animais e humanos reagem às drogas de forma diversa:

“As bagas venenosas não prejudicam os pássaros nos bosques, enquanto o homem morre ao ingeri-las; carneiros e cabras mastigam impunemente a cicuta que matou Sócrates; coelhos e pombos comem a beladona; macacos e porquinhos–da-índia suportam a estricnina; cavalos, sapos e porcos-espinhos, o ácido prússico. Já o homem morre após ingerir quantidades ínfimas desses produtos”.

O erro de se querer transferir para humanos os resultados de testes e de pesquisas realizados com animais permitiu que os visíveis malefícios do álcool, do tabaco, do metanol, do amianto, dentre outras químicas, fossem negados pelas empresas fabricantes devido à impossibilidade de se reproduzir tais danos em animais. Alegando que tais prejuízos não eram provados cientificamente, ou seja, não eram verificáveis por meio de testes e de pesquisas em animais, tais empresas se locupletaram à custa da saúde humana.

E não só aos medicamentos se resume a fraude, pois no tocante às vacinas e aos procedimentos cirúrgicos, a humanidade é vítima do mesmo embuste. Exemplo disso é a vacina contra a poliomielite. Na década de 30, pesquisadores obtiveram êxito ao imunizar macacos por meio de pulverização nasal, mas provocaram a perda do olfato das crianças que receberam a mesma pulverização. Persistindo na pesquisa com macacos, uma nova vacina foi desenvolvida em 1934, levando muitas crianças à morte e à paralisia. Albert Sabin reconheceu na House Committee on Veterans Affairs, em 1984, que a utilização de macacos atrasou em mais de dez anos a descoberta da vacina contra a poliomielite:

“...o trabalho na prevenção da pólio foi atrasado por uma concepção errônea da natureza da doença humana, baseada em falsos modelos experimentais em macacos.” (Sérgio Greif e Thales Tréz, obra citada, p.24 ):

Diga-se o mesmo quanto aos transplantes de órgãos, cujos testes em animais não foram capazes de evitar rejeição, padecimento e morte dos receptores humanos. Foi por meio de observações clínicas que as técnicas de transplante puderam se aperfeiçoar.

Salta aos olhos o erro crasso, estúpido e notório em que incidem os pesquisadores e mestres ao pretenderem transferir para o homem o que se abstrai dos testes e pesquisas que se valem de animais. E no mesmo equívoco labora quem deles se vale na área didática. Nesse campo, a vivissecção é igualmente falaciosa, cruel e criminosa.

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II - DA INADEQUAÇÃO DO USO DE ANIMAIS PARA O ENSINO DE TÉCNICA CIRÚRGICA

Sem ser contestada, a utilização de animais por instituições de ensino ainda permanece por questões que não guardam qualquer relação com a ciência, ou com a metodologia científica.

Profissionais que se serviram de animais para o seu tirocínio, convenientemente, optam por ministrar cursos que se valem dos mesmos métodos, evitando, assim, o aprendizado de técnicas alternativas.

Entretanto, o emprego de tais métodos é imperioso não só para poupar a vida e o bem-estar dos animais, mas também para garantir seriedade aos cursos de Medicina, razão pela qual as principais Universidades do mundo como Harvard, Yale, Stanford e Columbia já dispensaram o uso de animais vivos para o ensino da medicina. É oportuno registrar que não há qualquer instituição alemã ou canadense que se valha de animal vivo e a Grã-Bretanha não se utiliza de animais em aulas de cirurgia há mais de um século.

Se atentarmos para as diferenças anatômicas entre o animal e o ser humano no que se refere, inclusive, à elasticidade da pele, coeficiente de vazão sangüínea epidérmica, dentre tantas outras, restará clara a idéia de que a vivissecção, além de não atender às necessidades da aprendizagem, ainda a compromete, pelo que a validade da utilização de animais para o ensino de técnica e de prática cirúrgica merece ser questionada.

Nesse tocante, o Professor Doutor Abel Desjardins, docente de cirurgia na Universidade de Paris, médico-chefe da clínica cirúrgica da Faculdade de Paris e presidente da Sociedade dos Cirurgiões, assim se manifestou durante o Congresso contra a Vivissecção, realizado em Genebra, aos 19 de março de 1932:

“A base da cirurgia é a anatomia. Por isso, primeiro aprende-se a cirurgia por meio dos textos e dos atlas de anatomia, e, em seguida, por meio de numerosas dissecações de cadáveres. Dessa forma, não só se aprende a anatomia, mas se adquire também a indispensável destreza das mãos. Depois passa-se ao estudo prático. Tal prática somente pode ser adquirida no hospital e por meio de um contato cotidiano com os doentes. Para isso, é necessário ter sido assistente antes de se tornar cirurgião.

Agora voltemo-nos ao ato operatório. Primeiramente se observa, depois assiste-se o cirurgião. Após ter feito isso inúmeras vezes e compreendido as várias fases de uma operação, com as eventuais dificuldades que podem surgir, e após ter assimilado o modo de superá-las, então, e somente então, pode-se começar a operar. De início, somente intervenções fáceis, sob a vigilância de um mestre, que poderá observar qualquer passo em falso ou dar conselhos quando o aprendiz não está seguro sobre o que fazer. Esta é a verdadeira escola da cirurgia, e eu asseguro que não existem outras. Depois de ter-lhes explicado qual é a verdadeira escola cirúrgica, é fácil entender por que todos os cursos de medicina operatória executados em cães malograram. O cirurgião que conhece a própria arte não aprende nada de novo nestes cursos, e o principiante não só deixa de aprender a adequada técnica cirúrgica, mas também transforma-se em um cirurgião perigoso.” (Tradução feita por Vânia Rall Daró de excerto do livro I falsari della scienza – rapporto tecnico sull’attuale pseudoricerca

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medica, de Hans Ruesch, Edizioni Civis, 1997, 4ª edizione, págs. 31-32.)

Professores das principais Universidades e profissionais de destaque da área cirúrgica já se insurgem contra a utilização de animais para o ensino de técnica cirúrgica ou de qualquer outra disciplina da Medicina. Em detalhada análise, Sérgio Greif e Thales Tréz , na obra já citada, reuniram depoimentos de alguns dos maiores expoentes da área, que reconhecem a impropriedade do uso do animal para fins didáticos.

Ao criticar o uso de cães em aulas de técnica cirúrgica Lawson Tait, considerado o pai da cirurgia moderna, desabafou:

“Tive que desaprender tudo o que tinha ‘aprendido’ em cães, e começar novamente pela anatomia humana. Atrasei meu progresso em cerca de 12 (doze) anos.” (obra citada, página 49).

Refere-se também ao risco que representa à saúde humana o aprendizado de prática cirúrgica em animais Stefano Cagno, Doutor em Medicina e Cirurgia pela Università Statale di Milano, para quem a vivissecção transforma em cobaia o próprio ser humano:

“Os animais possuem uma anatomia diferente da do homem e uma consistência/estrutura dos tecidos também diferente. Depois de ter experimentado as técnicas nos animais, o cirurgião passa para o homem que será a verdadeira cobaia experimental (...) A anatomia humana se aprende nas salas de Anatomia e observando as operações dos cirurgiões mais velhos. Depois que se aprende um procedimento em uma espécie animal, o cirurgião experimental tem que desaprender para virar cirurgião humano(...) Se fosse para escolher entre sofrer uma cirurgia feita por cirurgião com longa experiência prática em animais e outra com longa experiência teórica com homens, não teria dúvidas: escolheria o último. A Medicina e as disciplinas biológico/científicas progredirão com mais velocidade quando definitivamente for abolido o uso de animais. A vivissecção é um método que deveria ofender a inteligência dos que amam a ciência e as matérias científicas.” (obra citada, páginas 41-43).

Também o Prof. Dr. Ferdinando de Leo, professor de Cirurgia e de Terapia Patológica Especial da Universidade de Nápoles, Cirurgião Chefe do Hospital Pelligrini critica o descabido uso do animal para ensino da Medicina:

“Os vivissectores argumentam que a vivissecção ajuda o iniciante a adquirir habilidade manual. Mas como alguém pode imaginar que esta habilidade venha da operação de gatos, cães ou ratos, cujos intestinos são muito menores; cujos vários órgãos têm uma relação anatômica totalmente diferente entre eles do que no homem, de forma alguma comparável ao do homem?” (obra citada, página 49).

Bastante enfático é o depoimento do Prof. Dr Bruno Fedi, diretor do Instituto de Anatomia Patológica do Hospital Geral de Terni, Itália:

“Nenhum cirurgião pode obter conhecimento de experimentos em animais, e todos os grandes cirurgiões do passado e do presente concordam com isso. Não se aprende cirurgia através da operação em animais. Animais são completamente diferentes; sua estrutura é diferente. O estudo em animais confunde o cirurgião.” (obra citada, página 49).

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Jerry W. Vlassak, médico-cirurgião norte americano com envolvimento em período integral com a educação dos residentes, Diretor Associado de Cirurgia do Centro de Saúde do Hospital Waterbury, Diretor da Unidade Cirúrgica de Cuidados Intensivos, Diretor Associado dos Serviços de Traumatologia, fundador do Central Coast Surgical Group, também externou sua opinião:

“Nenhum cirurgião nos EUA aprende cirurgia praticando em animais(...) Animais são tão diferentes em tantos aspectos e a prática provinda do experimento não é confiável quando praticamos a Medicina humana. Mais importante, como podemos esperar que jovens cirurgiões desenvolvam sensibilidade, quando ensinamos a matar animais saudáveis(...) Temos um período de cinco a sete anos de residência em cirurgia nos EUA. Começando no primeiro ano, os residentes são conduzidos através de operações simples, como reparos de hérnia e biópsias de mama, com cirurgião experiente supervisionado. Dessa forma se ensinam as técnicas de tecido corretamente combinado com o ensino didático da sala de operação e enfermarias. À medida que o período de residência avança , o residente vai tendo contato com operações mais complexas, sempre sob supervisão de cirurgião experiente.”

Ivo Pitanguy, Prof. Titular do Curso de Pós-Graduação de Cirurgia Plástica da PUC-RJ e do Instituto de Pós-Graduação Carlos Chagas, membro da Academia Nacional de Medicina, e da Academia Brasileira de Letras também se insurge contra a prática:

“Com relação à experimentação animal, existiram muitos abusos que não trouxeram e não trazem, infelizmente, benefícios para nós. O ser humano não pode ter benefícios através do sofrimento de outras espécies. Tudo o que é sofrimento para outras espécies, necessariamente, não deve servir a nós.” (obra citada, página 147).

Em Simpósio realizado em Genebra, Bernard Rambeck, diretor do departamento bioquímico da Sociedade de Pesquisa em Epilepsia da Alemanha, autor de inúmeros trabalhos no campo da bioquímica e da farmacologia clínica, discorreu sobre o “Mito das Experiências em Animais”. Dentre os mitos abordados, destaca-se a afirmação de que somente os especialistas sabem avaliar a necessidade, a validade e a importância das experiências em animais, crença que foi rebatida por Rambeck:

“O mito de que leigos, por falta de conhecimento especializado, não podem opinar sobre experiências em animais proporcionou, durante dezenas de anos, um campo livre para os vivisseccionistas. Eles têm enorme interesse em trabalhar sem serem observados e incomodados por um público crítico. As experiências em animais, assim como a criação de animais confinados ou a criação de animais para comércio de peles são praticadas com um número infinito de torturas porque os políticos, os legisladores, os teólogos, os filósofos e, principalmente, o homem comum não têm noção do que acontece ou, então, têm uma idéia totalmente errada do sofrimento e da miséria desses animais. Nos últimos anos, porém, os muros do silêncio vêm sendo progressivamente derrubados pela imprensa, pelo rádio e pela televisão. Além disso, os últimos anos trouxeram mudanças importantes: os leigos são apoiados por especialistas e por associações médicas, nacionais e internacionais, que rejeitam as experiências em animais. Deixar que os próprios pesquisadores julguem a necessidade e a importância das experiências em animais é semelhante a um parecer sobre alimentação vegetariana feito por uma associação de açougueiros ou a um relatório sobre o significado da

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energia nuclear elaborado pelos fornecedores de usinas nucleares. Não serão justamente aqueles que estão engajados no sistema de experiências em animais que irão questionar a vivissecção.”

III - DA EXPERIÊNCIA DOLOROSA

Para que a experiência se subsuma ao tipo penal contemplado no §1º do artigo 32, não basta a existência de recurso alternativo, uma vez que exige o tipo seja também a experiência dolorosa ou cruel.

A princípio, cumpre esclarecer que não há experiência didática ou científica que não seja dolorosa ou cruel, bem como há técnicas alternativas para todos os procedimentos que hoje se realizam para fins didáticos, em universidades, o que torna patente a ilegalidade da experimentação que se vale de animais.

Diante da impossibilidade de professores e de cientistas refutarem a existência de métodos alternativos, resta-lhes a alegação de que tais experiências não são dolorosas ou cruéis, o que a muitos convence por desconhecimento, ou ainda por conveniência; do contrário, não há como crer que da vivissecção não advenha sofrimento.

É fundamental salientar que a dor dos animais é questão excluída da esfera de preocupações dos cientistas. Prova disso é a definição de dor aceita pela Sociedade Internacional para o Estudo da Dor, cujo texto afirma explicitamente que apenas seres com linguagem devem ser considerados capazes de sentir dor. E tal definição ainda norteia o uso real de anestesia e analgesia na medicina, como relatado por Bernard Rollin, PhD, Professor de Fisiologia e de Filosofia, Diretor do “Bioethical Planning, Colorado State University, na obra “Dor em Animais”, organizada por Ludo Hellebrekers, (página 30, São Paulo, editora Manole, 1ª edição,2002).

Sublinhe-se, a propósito, que é comum o argumento de que os animais nada sofrem por estarem anestesiados, como se muito se soubesse sobre dor e anestesia de animais. Vale relembrar que a ciência, a partir de Newton, operou sob a ótica do positivismo, ignorando tudo o que não poderia ser medido, razão pela qual o estudo da dor não despertou qualquer interesse, já que não havia espaço para análise de experiências subjetivas.

Como bem observado por Bernard Rollin, “essa má filosofia motivou uma má ciência e uma má medicina. Em seu desejo de evitar o não-científico, a medicina humana ignorou em grande parte a sensação de dor e se concentrou na ‘cura’, e não no ‘cuidado’. O exemplo histórico mais dramático e notório desse fato é provavelmente o fracasso em controlar a dor provocada pelo câncer em 80% dos pacientes humanos, embora 90% dessa dor seja controlável” (obra citada, página 30).

Levando-se em conta que a ciência não tomou por objeto de estudo a dor humana, não surpreende que o controle da dor em animais tenha sido tratada com desdém, razão pela qual a analgesia em animais há de ser vista com reservas, como se infere do relato de Bernard Rollin, na obra citada (páginas 30-31):

“É evidente que a medicina veterinária seguiu a conduta da medicina ‘científica’

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humana no seu agnosticismo histórico sobre a dor animal, e o insucesso em considerar a dor animal foi aumentado por razões típicas da medicina veterinária(...)

“Até o final da década de 60, a medicina veterinária foi opressivamente subordinada à agricultura, e a tarefa do veterinário era estritamente condicionada pelo valor econômico do animal, sendo que o controle da dor não interessava aos produtores e, portanto, não era um assunto esperado da medicina veterinária(...)

“Ainda no final de 1973, o primeiro livro sobre anestesia veterinária, publicado nos EUA por Lumb e Jones, não registra o controle da dor sentida como uma razão para se utilizar anestesia. Muitos veterinários com mais de 40 ou 50 anos ainda utilizam a frase ‘restrição química’ como sinônimo de ‘anestesia’; alguns deles foram treinados a castrar cavalos empregando drogas curariformes (paralisantes), como a succinilcolina, as quais não apenas mascaram ou diminuem a sensação de dor como, provavelmente, intensificam-na por causa do medo que ela cria. Outros erroneamente se referem à anestesia como ‘sedação’, embora, mais uma vez, a maioria dos sedativos não mascarem, nem diminuam a dor(...)

“Na década de 1980, à medida que se tornava evidente, para as pessoas que se preocupavam com o tratamento adequado de animais de laboratório, que havia pouco uso, conhecimento ou pouca literatura sobre analgesia animal, tornou-se ao mesmo tempo evidente que isso era igualmente verdadeiro na prática veterinária. Na década de 1990, e mesmo hoje em dia, está claro que o conhecimento e o treinamento veterinário do uso de analgésicos são calamitosamente inadequados, e o que é do conhecimento dos veterinários em sua prática não foi tipicamente adquirido na escola veterinária.”

Vai daí a conclusão de que não há como garantir que o tipo de anestésico utilizado e a dose ministrada sejam suficientes e adequados para evitar a dor do animal.

Bastante provável é a hipótese de a dor persistir, a despeito da alta dose de anestésico ministrada, como é comum ocorrer, por exemplo, em procedimentos odontológicos a que se submetem os humanos. Felizmente, nesse caso, o paciente é capaz de manifestar a sensação dolorosa que experimenta, exigindo do profissional a devida intervenção, recurso de que, certamente, não dispõem as vítimas da vivissecção.

Considerando que os animais estão em mãos de profissionais que não se constrangem em sacrificar dezenas de seres vivos para ministrar cursos que bem poderiam ocorrer sem o desperdício de tantas vidas, não seria leviano levantar a hipótese de não estar sendo ministrada a dose necessária de anestésico.

E tal suspeita ganha concretude diante dos apelos e das denúncias que recebem as entidades de proteção aos animais oriundas de estudantes de medicina, como divulgado pela associação “Arca Brasil”, em seu Informativo nº 1, página 5:

“Estarrecidos diante do tratamento cruel imposto aos animais vivos nas aulas práticas, alunos de várias faculdades de Medicina Veterinária encaminharam à Arca Brasil graves denúncias. Entre elas, a situação de cães e de gatos mantidos em gaiolas imundas, sem alimento ou água. Segundo os alunos, esses animais são amordaçados, recebem quantidades inadequadas de pré- anestésicos e, com freqüência, despertam durante as cirurgias gemendo de dor.”

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Para evitar que o animal manifeste sinais de sofrimento, é comum a secção das cordas vocais, como já denunciado pela bióloga Tamara Bauab Levai. Após descrever o horror da vivissecção para fins didáticos e científicos, comenta a estudiosa:

“Não se deve ignorar que, na prática, a maioria dessas experiências é realizada sem o emprego de anestesia, cuja utilização – segundo os cientistas - afeta as funções orgânicas do animal a ponto de alterar o resultado das pesquisas. Já os vertebrados de maior porte – macacos, cães e gatos, por exemplo- levados à mesa cirúrgica experimental, costumam ser desvocalizados (têm as cordas vocais seccionadas ou queimadas), para que seus gritos não causem incômodo ou embaraços ao trabalho do pesquisador. O contínuo exercício da vivissecção, em regra perpetrada entre quatro paredes, pode levar o cientista à insensibilidade diante do sofrimento alheio, fazendo-se tabula rasa dos princípios éticos e das próprias leis de proteção animal que regulam o assunto” (obra citada, p.13).

Ainda no tocante à insensibilização do animal, releva mencionar que não basta a simples aplicação de anestesia, pois há toda uma técnica a ser rigorosamente seguida como nos revela o excerto da obra “Animais de Laboratório- criação e experimentação”, organizada por Antenor Andrade, Sergio Correia Pinto, Rosilene Santos de Oliveira (São Paulo, editora Fiocruz, 2002, página 164):

“A aplicação combinada de sedativos e de analgésicos é utilizada para o transporte do cão e procedimentos mais traumáticos, durante os quais o cão pode expressar reações de defesa e tentar morder o tratador/pesquisador. Quando usados isoladamente, os sedativos têm um efeito tranqüilizante que auxilia no manejo do animal. Alguns agentes têm também efeito analgésico. No entanto, nenhum analgésico pode ser empregado isoladamente para procedimentos dolorosos, como a cirurgia, atuando somente como pré-anestésico. Para a realização da contenção química, é indispensável a presença de um veterinário, que indicará o tipo de droga e a dosagem a ser empregada de acordo com o tipo de procedimento e as características do animal”.

Nessa altura, é oportuno assinalar que os profissionais da instituição representada nem sequer são acompanhados por médicos veterinários ao submeterem os animais à vivissecção. Tal assistência, de modo algum, implica em um menor sofrimento para os animais envolvidos, no entanto, a ausência do profissional merece ser registrada por se prestar a evidenciar o desinteresse que tem a escola representada em minimizar o sofrimento dos animais que vivissecciona.

Se garantir a eficácia da anestesia em cirurgias triviais é tarefa complexa até para médicos veterinários, como seria possível crer que profissionais da medicina, e portanto, leigos em medicina veterinária, poderiam controlar a dor de um animal cortado vivo?

Merece ser aventada também a hipótese de não estar o animal anestesiado, e sim curarizado. A prática de imobilizar o animal por meio de drogas curariformes, de efeito paralisante, que fazem com que o animal sinta as terríveis dores de ser cortado e de ter seus órgãos manipulados sem qualquer anestesia, é mais comum do que se imagina.

Devido à sensação de horror que desperta a idéia de estar o animal imobilizado, e não anestesiado, freqüentemente atribui-se pouca credibilidade às denúncias sobre a

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utilização do curare, cujo emprego é mais comum do que se imagina. Basta lembrar que “cirurgiões de neonatos regularmente realizavam cirurgia cardíaca a céu aberto em neonatos, utilizando drogas paralisantes até o final da década de 1980, e ainda realizam uma série de procedimentos, desde colonoscopias e redução de fraturas de membros até aspiração de medula óssea, empregando doses amnésicas não-anestésicas e não analgésicas, como benzodiazepinas de curta ação (Valium, Versed ou Dormicum)” (Bernard Rollin na obra citada, p. 30).

Tais informações são também confirmadas por Tréz e Greif, no que concerne à utilização de animais em pesquisa (obra citada, p.81):

“Aproximadamente três quartos dos experimentos não incluem qualquer tipo de anestesia. Aqueles em que há protocolo anestésico geralmente não são realizados de forma adequada. Segundo os vivisseccionistas, alguns experimentos não podem ser realizados com a administração de anestésicos, pois podem ‘influenciar nos resultados da pesquisa’.

Para se anestesiar adequadamente um paciente (homem ou animal), requer-se que o indivíduo tenha estudado e praticado por muito tempo, a anestesia é recurso extremamente complexo. Entretanto, o que comumente se observa são pesquisadores que meramente sedam os animais a ser trabalhados, só que a sedação não impede que sintam dor.

Outras vezes, os pesquisadores utilizam drogas que paralisam o animal (bloqueadores neuro-musculares, como o curare), mas que o deixa consciente e com sensibilidade. É muito comum também a retirada das cordas vocais de cães, impedindo que a vizinhança ouça seus gemidos e ganidos.”

Ainda que se admita estar sendo ministrado o anestésico na forma e na dose corretas, não se pode desconsiderar todo o sofrimento que antecedeu ao ato cirúrgico e que advém do confinamento, muitas vezes por um período longo, da preparação para o ato cirúrgico e do traslado do animal, que reclamam contenção mecânica consistente no emprego de mordaça, laço e cambão, já que o animal oferece resistência a tudo o que identifica como ameaçador à sua integridade física. Há que se levar em conta, também, todo o medo e mal-estar que o animal experimenta em situações tão adversas.

IV- DA EXPERIÊNCIA CRUEL

Como já sustentado em outro ensejo, incide na norma punitiva § 1º do artigo 32 da Lei 9.605/98 “quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.”

O tipo contempla não só os procedimentos que submetam os animais à dor, mas também aqueles que possam ser qualificados como cruéis.

Convém notar que a consumação do crime sob a modalidade de experiência cruel prescinde da ocorrência de dor. Da leitura do texto legal, não se admite abstrair entendimento diverso, pois se a lei não se vale de palavras inúteis, por óbvio que as palavras que integram a expressão “dolorosa ou cruel” não estão empregadas como

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sinônimas, pelo que se deve conferir à experiência cruel sentido diverso e mais abrangente do que aquele que se abstrai da expressão “experiência dolorosa”.

Faz-se necessário, portanto, buscar no sistema jurídico o sentido que se deve imprimir ao termo “experiência cruel” de que trata o §1º do artigo 32 da Lei 9.605/98, uma vez que a crueldade com animais é conduta vedada por norma constitucional, além de ser objeto de outros diplomas legais.

Com efeito, dispõe a Constituição da República, no capítulo do Meio Ambiente:

“Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1° – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:(…)

VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.

E a Constituição do Estado de São Paulo consagra a mesma proteção:

“Art. 193 – O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção e controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado de recursos naturais para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, assegurada a participação da coletividade, a fim de:

(…)

X – proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica e que provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, e fiscalizando a extração, produção, criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos.”

A tutela aos animais, já preconizada pela norma constitucional, foi contemplada pelo já citado artigo 32 da Lei nº 9.605/98, que assim tipificou o crime ambiental de maus-tratos para com animais:

“Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§2º. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”

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No pertinente ao tipo em análise, é fundamental atentar para o fato de ter o legislador cuidado especificamente das experiências a que são submetidos os animais em nome do ensino e da ciência.

Dentre tantas formas de maus-tratos a que estão sujeitos os animais em fazendas industriais, em matadouros e em centros de controle de zoonoses, e ainda do sofrimento que em nome da diversão se verifica por meio da caça e da pesca esportiva, em circos, em rodeios, nas vaquejadas e na execrável “farra do boi”, foi para a crueldade que se perfaz em laboratórios e nos meios acadêmicos que atentou o legislador, de forma a não pairar dúvidas sobre a natureza criminosa do martírio que tais experiências podem infligir aos animais.

Evidente, portanto, que procedimentos didáticos e científicos não constituem exceção, pois não se eximem da observância da norma que veda a crueldade, uma vez que limites lhes foram traçados, inclusive por norma penal. Mais do que isso, a lei impõe especial atenção a tais experiências pelo padecimento a que sujeita seres vivos.

Posta assim a questão, e relembrando que a consumação do crime sob a modalidade de experiência cruel prescinde da ocorrência de dor, fica evidente que os procedimentos efetivados pela instituição representada incidem na norma punitiva do §1º do artigo 32, sob ambas as modalidades do tipo, pois além de dolorosos, são inequivocamente cruéis, uma vez que a vivissecção resulta na morte de animais saudáveis, após infligir-lhes medo, dor e sofrimento, o que afronta a letra e o espírito da legislação pátria.

É que a proteção conferida ao animal não se limita à integridade física, mas sobretudo à vida, uma vez que esse direito é elementar e consiste em pressuposto à existência da integridade física e mental dos bichos, objetos de tutela penal e constitucional.

Assim, desprovida de qualquer sentido seria a norma que resguardasse o animal da crueldade, dos maus-tratos, do abuso, do ferimento e da mutilação, mas lhe permitisse a supressão da vida, em nome de obsoletos procedimentos de ensino para os quais existem métodos alternativos.

Ademais, se a norma constitucional veda a submissão de animais à crueldade, decerto que não consente na desnecessária eliminação desses animais, pelo que é patente a afronta ao texto constitucional.

Entendimento diverso escapa ao bom senso.

Tanto é assim, que o artigo 37 da Lei 9.605/98 considera crime a eliminação de animal não nocivo:

“Não é crime o abate de animal, quando realizado:(...)

IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.”

Também o Decreto nº 24.645 de 10 de julho de 1934, que tem força de lei por ter sido editado em período de excepcionalidade política, ao condenar a eliminação de animais saudáveis, estabelece as hipóteses em que essa eliminação não pode ser considerada

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criminosa, indo justamente ao encontro do conceito que se tem de animal nocivo:

“Artigo 13: As penas desta lei aplicar-se-ão a todo aquele que infligir maus-tratos ou eliminar um animal, sem provar que foi por este acometido ou que se trata de animal feroz ou atacado de moléstia perigosa.”

Advirta-se que pode ser considerado nocivo o animal que ofereça risco concreto à segurança e à saúde da população. Ofende à segurança o animal de ferocidade comprovada e irreversível. Atenta contra a saúde o animal que padeça de enfermidade incurável e contagiosa. Fora dessas hipóteses, a eliminação é criminosa e arbitrária.

Nem se diga que a vivissecção é prática permitida pela Lei n. 6.637/79, pois seu texto, editado ainda na década de 70, não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988.

Como ensinou Hans Kelsen, entre uma norma de escalão superior e outra de escalão inferior, não pode haver qualquer conflito, sob pena de invalidação desta. Uma lei só se mostra válida à medida em que se conforme à Constituição da República. É o princípio da supremacia constitucional. É nos preceitos insertos na Carta Magna que deve o legislador se inspirar e com eles guardar fiel adequação.

Resulta daí que a lei que estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção, pela crueldade que impõe a animais, ofende à Constituição da República, que por tal, não a recepcionou.

Que a vivissecção não é cruel por ser realizada com animais que viriam a ser mortos nos CCZs - Centros de Controle de Zoonoses - é outro argumento muito invocado por mestres e por cientistas, cuja natureza não poderia ser mais falaciosa. É que a eliminação de animais efetivada em tais centros é igualmente ilegal.

Não se desconhece que os Centros de Controle de Zoonoses recolhem e eliminam animais que têm por indesejáveis, pelo só fato de não terem sido reclamados em um prazo de três dias, e não porque os tenha como nocivos à saúde ou à segurança públicas.

Deflui daí que a vivissecção, ao suprimir a vida de animais, ainda que oriundos dos Centros de Controle de Zoonoses, contraria a legislação protetiva, uma vez que não se pode atribuir a esses animais a nocividade de que trata o artigo 37, inciso VI.

VI - DA EXISTÊNCIA DE MÉTODOS ALTERNATIVOS

Em nome de ultrapassados procedimentos de ensino, cuja eficácia é bastante duvidosa, a instituição representada vivissecciona e elimina animais, a despeito da existência de método alternativo, já utilizado há mais de vinte anos pelas principais universidades dos Estados Unidos, da França e da Alemanha, e que no Brasil já é empregado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Trata-se do método de Laskowski, que consiste no treinamento de técnica cirúrgica em animais que tiveram morte natural, em substituição ao uso de animais vivos.

A partir da injeção de uma substância denominada “Solução Conservadora de Larsen”,

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os cadáveres de cães conservam as mesmas características encontradas no cão vivo, no tocante à cor, consistência, textura, maleabilidade e flexibilidade. Cada cadáver pode ser reutilizado para vários procedimentos, podendo ser armazenado por um período de aproximadamente 15 (quinze) dias.

A aplicação do método foi tema de um editorial publicado pelo jornal “O Estado de São Paulo”, de 17 de novembro de 2000, que enalteceu a Universidade de São Paulo, pelo “passo que deu em direção à civilização”, pelas mãos da Professora Doutora Júlia Maria Matera, professora de Técnica Cirúrgica, que após curso de doutorado na Alemanha, passou a utilizar cadáveres em vez de cães vivos:

“Alguns professores acreditam que, se o aluno não vê sangue, não aprende. Pesquisas no exterior mostram que essa tese está ultrapassada há muito tempo.(...) É importante aprender que não há diferenças entre um cão errante e outro que chegará na clínica. Como lidamos com a vida, a moral e a ética são fundamentais.”

E prossegue a matéria:

“O diretor da Veterinária da USP, João Palermo, afirma que a escola segue uma tendência mundial: ‘Os alunos têm mais responsabilidade e aprendem sobre o amor aos animais. Temos recebido muitos cumprimentos’, informa Palermo”.

Conforme publicação na “Revista de Patologia Tropical”, da Universidade Federal de Goiás, Instituto de Patologia Tropical, vol.31, Supl.2, julho/dezembro 2002, espera-se que o método possibilite “eliminar por completo a eutanásia para fins didáticos”.

Interessante notar que se a utilização de animais vivos é dispensável para o ensino da Medicina Veterinária, com muito mais razão poderá o ensino da medicina humana dela prescindir, uma vez que o médico deve conhecer a anatomia e a fisiologia do homem, e não as do animal.

Em palestra sobre a utilização de animais para fins didáticos proferida no III Congresso de Bem–Estar Animal, afirmou Howard Klein, do Physicians Committee for Responsible Medicine /EUA, que “animais vivos ainda são usados em aulas nas faculdades mais por convenção ou tradição do que por necessidade” (Informativo Arca Brasil, número 01, página 5).

Segundo o informativo citado, a bióloga sueca Ursula Zinko, em palestra ministrada no III Congresso de Bem–Estar Animal, entende que a insistência nos métodos tradicionais é uma forma de negação do avanço tecnológico:

“Ao utilizar os métodos alternativos, as universidades não apenas demonstram conscientização ética, em sintonia com o momento atual, mas também passam a dispor dos mais avançados métodos de ensino para a formação dos cientistas e médicos do amanhã”.

Seguindo a tendência mundial de se abolir a utilização de animais em procedimentos de ensino e de pesquisa, as universidades brasileiras estão despertando para a necessidade de substituí-los, razão pela qual a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo aprovou moção em favor da mobilização de diretores, de

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professores e de alunos para o estudo, levantamento e criação de alternativas ao uso de animais em suas aulas.

Assim é que os alunos da Faculdade de Medicina da USP, em aulas de técnica cirúrgica, já não treinam sutura em animais vivos, que serão posteriormente sacrificados, mas em animais que morreram de forma natural. O uso de cães em aulas sobre o efeito de drogas sobre a função cardiorespiratória também foi substituído por um simulador computadorizado. As pesquisas realizadas pelo departamento de patologia da mesma faculdade já ocorrem por meio de cultivo de células vivas. A UNIFESP utiliza-se de um rato de PVC para o ensino de microcirurgia e também de um boneco que reproduz partes do corpo humano para outras disciplinas. A Universidade de Brasília, por sua vez, emprega simulação computadorizada para o programa de farmacologia básica do sistema nervoso autônomo.

Além do já citado método de Laskowski, muitos outros se prestam a substituir o uso de animais vivos para fins didáticos como a utilização de vídeos, modelos anatômicos, placentas, programas de computador além do acompanhamento de pacientes (exames físicos, radiológicos, ultrassonográficos, cirurgias, etc). Há, portanto, inúmeros métodos substitutivos no campo da educação em Ciências Biomédicas como exaustivamente detalhado por Sérgio Greif e Thales Tréz (obra citada, páginas 114-115):

1.Prática clínica em pacientes;

2. Prática em cadáveres eticamente obtidos;

3. P. O.P Trainer: simulador de técnicas cirúrgicas. O aparelho permite que órgãos obtidos de abatedouros sejam perfusionados constantemente com líquido, possibilitando treinamento de técnica de cirurgia abdominal, vascular, ginecológica, urológica e toráxica. O controle de hemorragias também pode ser treinado nesse aparelho.

4. Surgical Training Board: produto que permite a prática de incisão e de sutura;

5. Suture Practice Arm: modelo de braço humano para prática de incisão e de sutura;

6. Simulator/Media Based Teaching of Basic Surgical Skills: modelo/simulador desenvolvido para o treino de incisões cirúrgicas; contém aftas vermelhas simulando o sangramento de vasos;

7. Emergency Surgical Procedures: CD Rom interativo que possibilita o estudo de toractomia, pericardiotomia, e de outros procedimentos cirúrgicos. Com excelente qualidade audiovisual, o estudante assiste aos procedimentos em vídeo, passo a passo, em velocidade por ele mesmo controlada. Os vídeos são narrados e exercícios são realizados, levando em consideração aspectos de tempo, equipamento, extensão de cada procedimento, etc.

8. Placenta: permite a prática de microcirurgia vascular; 9. Simulador Real de Paciente (SAM): treina o profissional de forma interativa simulando casos médicos em ambientes cirúrgicos, em salas de traumas e em leitos de tratamento intensivo. Esse simulador permite o treino de intubação, esofagostomia, anestesia inalatória e manobras de emergência, dispensando o uso de animais.

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VII - DAS VANTAGENS DO EMPREGO DOS MÉTODOS ALTERNATIVOS

Há que se ressaltar que o emprego de método alternativo torna mais eficaz o processo de aprendizagem, uma vez que possibilita ao aluno repetir o procedimento por quantas vezes se fizer necessário, treinando-o fora da sala de aula, sem que isso represente custo adicional. Dessa forma, as necessidades próprias e específicas de cada estudante são melhor atendidas, o que contribui para atingir o nível de capacitação e de aperfeiçoamento que se espera dos que exercem a Medicina.

Deve-se também atentar ao fato de que o uso de seres vivos, do qual necessariamente decorre o sacrifício de animais saudáveis, faz com que os alunos experimentem sensações desagradáveis, que podem advir de sentimentos de culpa, de revolta, e sobretudo de piedade por ter de cortar vivo um animal e lhe suprimir a vida. Procedimentos que deveriam despertar a atenção e a curiosidade do aluno acabam por ensejar sua repulsa.

E tais sensações operam em detrimento da aprendizagem, por ser incontestável que tudo o que desvia a atenção compromete o aprendizado, cuja eficácia exige concentração. Irrefutável, portanto, que a vivissecção, além de não atender às necessidades do aprendizado, ainda o compromete.

Impossível não atinar também para a insensibilização que decorre da injustificável matança de animais saudáveis. Se o meio acadêmico ensina praticando a morte de seres saudáveis, como esperar que os médicos aprendam o respeito pela vida alheia?

Por fim, é bom registrar que o emprego de métodos alternativos é também menos dispendioso, uma vez que o uso de animais representa gastos consideráveis com alimentação e com outros cuidados que devem ser ministrados, sem falar das despesas que decorrem da própria substituição dos animais que são mortos. Resulta daí, que os métodos alternativos são mais econômicos também por sua maior durabilidade.

VIII - DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como mera forma de descarte, o Centro de Controle de Zoonoses remete animais às universidades, que deles se valem para propósitos alheios à ciência e ao ensino, a despeito da protetiva legislação vigente, que impõe a aplicação de métodos alternativos aos procedimentos cruéis ou dolorosos.

Empenha-se a UIPA para que o Ministério Público, na condição de fiscal da lei, de defensor dos interesses públicos, difusos e indisponíveis, erga voz contra a inclemente e injustificada destinação de animais vivos a tais instituições, em nome da lei, da ética, da moral e da legítima ciência, honrando, assim, a tutela aos animais preconizada pela Constituição da República.