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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,
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Experiências Interdisciplinares na Educação Básica: o caso do Laboratório de
Educação Matemática Isaac Newton
Cristiano Rodolfo Tironi Universidade Regional de Blumenau- FURB-PPGECIM - [email protected]
Vera Lúcia de Souza e Silva Universidade Regional de Blumenau-FURB-PPGECIM- [email protected]
Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade
1. Introdução
Aprender matemática pode ser significativo, motivador e empolgante. Para isso é preciso inovar no
ensino da matemática, tendo como visão um ensino que contemple a integração da mesma com as demais
disciplinas, criando um espírito de cooperação e integralidade entre elas, onde o enfoque esteja no todo e
não apenas em uma parte deste. O mundo em que vivemos parece uma verdadeira sinfonia, regido pela
informação, inspirado na globalização, com pequenas pitadas de conhecimento. Nosso desafio está em
transformar essa grande quantidade de informações em conhecimento, e a escola exerce um papel
importante nesse processo. A prática interdisciplinar se apresenta como uma das possibilidades para a
concretização da escola como um espaço em que se valorize a importância de qualquer manifestação
cultural, que respeite as experiências vivenciadas de seus integrantes, e que seja mais democrática e
cooperativa.
Nesta direção, o programa de Etnomatemática pode colaborar, pois segundo o professor Ubiratan
D„Ambrósio (1993) a etnomatemática, cuja definição etimológica é conceituada como a “arte ou técnica de
explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais”, veio para transformar as práticas
pedagógicas tradicionais tanto de ensino, como de produção do conhecimento científico, valorizando, dessa
forma, os diferentes saberes e metodologias dos e nos diferentes ambientes socioculturais. O professor
Ubiratan D (2004) ressalta ainda que a matemática ocidental, ensinada nos dias de hoje para a maioria de
nossos estudantes e que teve origem nas civilizações da antiguidade mediterrânea não deixa de ser uma
Etnomatemática, que não deve ser rejeitada, mas sim aprimorada e regada de outros valores, como: sociais,
éticos e culturais.
Sendo assim, a abordagem interdisciplinar pode colaborar para o ensino da matemática, pois Fazenda
(1999) considera que o conhecimento interdisciplinar não finaliza na sala de aula, mas ultrapassa os limites
do saber escolar e se fortalece na medida em que ganha amplitude da vida social, estimulando a competência
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do educador e apresentando-se como uma possibilidade de reorganização do saber para a produção de um
novo conhecimento.
Este trabalho relata a experiência do LEMIN- Laboratório de Educação Matemática Isaac Newton,
em parceria com duas escolas da Rede Municipal de Ensino de Massaranduba-SC. O foco do LEMIN é
aprendizagem interdisciplinar de matemática a partir da integração de diversas áreas, tais como: artes,
ciências, história e geografia. Tal integração vai de acordo com Japiassu (1976) que acredita que a
“interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre especialistas e pelo grau de integração
real das disciplinas, no interior de um projeto especifico de pesquisa”.
2.Procedimentos Metodológicos
Com a perspectiva de trazer a tona a sabedoria e a tradição popular, utilizamos uma pesquisa de abordagem
qualitativa, participante, por meio de entrevistas livres, semiestruturadas, oficinas de trabalho no LEMIN e
visitas programadas a quatro agricultores e três pedreiros da cidade de Massaranduba-SC, cujo objetivo
geral foi investigar as contribuições da proposta metodológica do LEMIN no processo de alfabetização
científica de estudantes da educação básica. Esse tipo de pesquisa vai ao encontro ao que Borda (1984)
chamou de ciência emergente ou, ciência popular que, embora encontre seu alicerce no senso comum, possui
validade científica já que tem uma racionalidade própria que pode ser demonstrada cientificamente. As
experiências vivenciadas assim como as técnicas desenvolvidas por diversos povos, como os conhecimentos
de senso comum dos estudantes devem ser utilizadas para contextualizar o ensino, tornando-o significativo.
O estudo apresentou como questão de pesquisa: “Quais as contribuições de uma prática pedagógica
baseada na abordagem interdisciplinar e na etnomatemática para a aprendizagem de matemática de
estudantes da educação básica?”.
As atividades realizadas nas aulas foram baseadas nos princípios da interdisciplinaridade e da
etnomatemática. Em relação à interdisciplinaridade buscou-se uma prática pedagógica não fragmentada e
contextualizada, valorizando os conceitos prévios dos estudantes. Quanto à Etnomatemática priorizou-se um
ensino focado nas técnicas e métodos de cálculo e de contagem de cada cultura ou povo estudado, para que
os estudantes percebessem a relação estreita que existe entre “as matemáticas” da vida e a da escola. Para o
professor Ubiratan (2002) “pessoas reais em todas as partes do mundo e em todas as épocas da historia
desenvolveram ideais matemáticas”. Ao tomarmos como referência as técnicas e métodos desses povos
estamos usufruindo-se de suas ideias matemáticas, analisando e refletindo sobre elas.
Nas atividades interdisciplinares, como: Estudo e construção do sistema solar; Pintura de faixas com
figuras do Artista plástico Romero Brito; Confecção da réplica do 14 BIS. A coleta de dados da pesquisa foi
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feita por meio do registro sistemático das produções dos alunos, entrevista semiestruturada e pequenas
oficinas de trabalho. Na construção da réplica do 14 bis, participaram 10 estudantes da oitava série, no
Estudo e construção do sistema solar participaram 12 estudantes da sétima série e na pintura das faixas 13
estudantes da sexta serie, todos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ministro Pedro Aleixo
(E.M.E.F.M.P.A), localizada na Rua da Integração, Número 386, Bairro Centro, no segundo semestre de
2011, sendo as atividades desenvolvidas uma vez por semana no contraturno do horário dos estudantes. Para
preservar a identidade, os estudantes foram numerados de 01 a 16.
Toda atividade foi realizada em parceria entre o LEMIN e os professore da E.M.E.F.M.P.A sendo
uma professora de Artes, uma de Geografia, um de História e um de Matemática, todos do ensino
fundamental, séries finais. Na atividade do estudo e construção do sistema solar, houve um envolvimento de
professores de três áreas: Geografia, História e Matemática. Tal integração proporcionou um aprendizado
integradode conhecimentos do sistema solar abordados em geografia, assim como sua origem histórica,
abordado na aulas de História e as técnicas e cálculos utilizados pelos estudantes durante a confecção do
sistema solar nas aulas de matemática.
Na fala do estudante um (E1), na montagem do sol (Foto 01): “dividindo-se o contorno maior pelo
traço que passa pelo meio do planeta sempre temos a mesma resposta, ou seja, três e alguma coisa”
Foto 01- Montagem do sistema solar
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Segundo Japiassu (1976)a prática interdisciplinar favorece trocas de informações e de críticas,
contribuindo dessa forma para a reorganização do meio cientifico transformando-o. Durante a realização das
atividades, os estudantes foram questionados sobre a existência do número PI. Todos responderam que ele
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existe, mas que não sabiam sua origem. Com a realização da atividade, conseguiram identificar a origem do
numero PI a partir da construção do modelo do sistema solar, segundo o depoimento do E1. Essa situação
evidencia o quanto os estudantes aprenderam na estruturação do conceito do numero PI, reorganizando suas
ideias e aprimorando-as, transformando o conceito sobre o mesmo. Isso nos faz refletir como esse tipo de
atividade favorece que os estudantes aprendam a aprender (JAPIASSU, 1976).
Na fala do estudante E2: “com o sistema solar pronto, fica fácil perceber a proporção entre os
planetas e a sua localização no universo”, podemos notar a integração entre as disciplinas de geografia e
matemática (Foto 02), mostrando que o ensino pode ser feito de forma interdisciplinar sem anular a
importância da disciplinaridade do conhecimento. Além disso, a prática interdisciplinar não é oposta a
prática disciplinar, mas sim complementar. Para Leonir (2001), essa pratica não pode existir sem as
disciplinas e destaca que a mesma se alimenta dela. Tal prática favorece para que se tenha uma visão de
mundo mais holística e não fragmentada, sem que para isso tirássemos os méritos de cada disciplina,
valorizando o papel de cada uma para a concretização da mesma.
Foto 02 - Sistema solar construído em sala
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
A interdisciplinaridade pode instigar os estudantes a buscarem uma educação permanente. Isso
percebesse no dizeres do E3: “professor, como eles descobriram os planetas e por que eles são redondos?”
e do E4: “é por causa do tamanho do sol que os outros planetas giram em torno dele?”. Japiassu (1976)
afirma que os estudantes devem ter uma educação permanente sendo a interdisciplinaridade uma prática que
pode favorecer para a concretização desta situação. Quando os estudantes começam a se questionar sobre o
que estão fazendo ou estudando, eles estão ampliando seus horizontes educacionais e culturais. As palavras
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dos estudantes E3 e E4 evidenciam isso, fazendo com que os mesmos compreendam e dêem significado para
o que estão aprendendo, tornando-os autônomos na busca pelo conhecimento.
Para contextualizar as aulas de história, com foco no estudo das guerras Mundiais o professor de
História construiu em parceria com o LEMIN uma réplica do 14 Bis, com o objetivo de destacar o papel que
o avião desempenhou na segunda guerra mundial. Nas aulas de matemática foram abordados temas como
medidas, escalas, proporções, perímetro e área. Houve inúmeros questionamentos sobre a réplica, tais como:
Estudante E5: Quais são as medidas do Avião? Como faremos para colocar tudo retinho? E6: Como fazer
para calcular a metade das dimensões? Como Santos Dumont fez o avião? Este processo de
problematização dos conteúdos é relevante para que o ensino e a aprendizagem sejam um processo
compartilhado pelo professor e pelo estudante, levando ao maior envolvimento e interesse nos conteúdos
estudados (Foto 03).
Foto 03- Estudantes medindo a réplica do 14 bis
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Mais uma vez, esses questionamentos, segundo Japiassu (1976) deixam explicito que tais atividades
podem despertar a educação permanente nos estudantes, tornando-os cada vez mais preocupados com a
atualização de seus conhecimentos. Isto está claro nas perguntas geradas durante o estudo e confecção do 14
Bis. Os estudantes procuraram confrontar o método utilizado para a construção da réplica feita por Santos
Dumont com o método deles, fazendo comparações, analisando o processo de construção. Em sua fala o
E3expõe a relação que existe entre o14 bis original ea réplica, ao perceber que o uso de escalas está
relacionado com o estudo de proporções. Já o E2, (Foto 03)em sua fala, percebe que a réplica contém
medidas e de ângulos (ele fala: colocar tudo retinho, ângulo de 90 graus).
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Tornar o ambiente escolar um espaço de valorização da arte, a partir da obrado artista Romero Britto
foi um dos objetivos da atividade desenvolvida pela professora de artes da escola E.M.E.F.M.P.A. Ao iniciar
a atividade percebeu-se que era necessário desenhar faixas com medidas exatas nas paredes externas do
pátio da escola, contendo retas paralelas e concorrentes (Foto 04). Surgiu então a ideia de explorar conceitos
básicos de geometria.
Foto 04- Elaboração das linhas para a pintura
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Para Delizoicov e Zanetic (2001) “ao invés de um professor polivalente, a interdisciplinaridade
pressupõe a colaboração integrada de diferentes especialistas que trazem sua contribuição para a análise de
determinado tema”. Para ampliar o leque de possibilidades de estudo, buscando a interdisciplinaridade, o
LEMIN responsabilizou-se por oferecer o estudo geométrico aos estudantes envolvidos. Como forma de
provocar reflexões a respeito do tema, os estudantes foram instigados a responder algumas questões, tais
como: O que são linhas paralelas? E concorrente? O que são linhas perpendiculares? O que é um ponto? E
uma reta? E uma semirreta? E um segmento de reta? Tais questões geraram outras: E7: Professor, como
traçar uma linha paralela sem deixar um lado mais alto do que o outro? E8: Como podemos saber que
essas linhas que cortam as outras são concorrentes e perpendiculares? E9 (Foto 05): “Professor como
preparar a tinta para a pintura e como formar novas cores?”. As palavras dos estudantes E7 e E8
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evidenciam um aprendizado dos conceitos de geometria plana de uma forma prazerosa, contextualizada e
significativa. O estudante E9 em sua fala explicita a relação existente entre a disciplina de Artes e
Matemática, denotando assim uma prática interdisciplinar.
Foto 05- Elaboração de novas cores
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Os questionamentos dos E7 e E8 fizeram com que os estudantes, por meio da mediação do professor
de matemática, buscassem respostas com um pedreiro. Isso por que o mesmo utiliza a técnica do nível da
água para traçar retas paralelas além do uso da “esquadra” (instrumento utilizado na construção civil) para
verificar de as linhas estão perpendiculares. Já o questionamento do E9, fez com que se busca-se respostas
com um especialista em tintas afim de entender a técnica desenvolvida para a formação de novas cores. Essa
busca por respostas evidencia o papel que a integração de especialistas tem para o êxito na busca do
conhecimento. Para o professor Ubiratan (1990) devemos valorizar todos os saberes matemáticos e não
apenas um tipo. O autor salienta ainda que trazer para sala de aula esses saberes torna o ensino humano e
com sentido aos estudantes. No momento em que os estudantes procuraram buscar respostas com os
pedreiros eles estavam valorizando os conhecimentos daquela comunidade, além do aprendizado com mais
sentido para suas vidas.
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Foto 06- Estudantes pintando as faixas
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Os projetos: “A matemática na Agricultura e “A matemática da cooperação na construção de uma
casa”, envolveram 16 estudantes do sexto ano, do ensino fundamental, anos finais da Escola Municipal de
Ensino Fundamental Padre Bruno Linden –E.M.E.F.P.B.L, e 14 estudantes da oitava série do ensino
fundamental, séries finais da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ministro Pedro Aleixo –
E.M.E.F.M.P.A, ambas localizadas em Massaranduba-SC. As atividades de cada projeto foram
desenvolvidas uma vez por semana, no LEMIN, no contraturno dos estudantes, no período do segundo
semestre de 2012.
O objetivo geral dos projetos foi verificar quais os conhecimentos matemáticos presentes entre os
membros da comunidade agrícola, os agricultores e os da construção civil, evidenciando as contribuições
para um ensino de matemática escolar significativo e contextualizado. Utilizar esses conhecimentos
matemáticos, associando-os aos conhecimentos populares, como apresenta Moreira (2009), quando anuncia
que o “Programa Etnomatemática dá uma abertura didático-pedagógica muito grande, ao ressaltar a
importância da especificidade cultural e da contextualização, num movimento que vai do local para o
global”. A autora ainda salienta que esse movimento fortalece as culturas locais e as integra ao
conhecimento matemático escolar, propiciando uma comunicação intercultural, favorecendo o diálogo entre
o conhecimento local e global.
Esses projetos levaram a uma prática investigativa que permitiu duas categorias de análise: a) a
relação que existe das práticas matemáticas não escolares praticadas pelos agricultores e pedreiros com a
matemática ensinada na sala de aula; b) o professor e os estudantes se tornaram pesquisadores durante o
processo investigativo.
A primeira categoria evidenciou-se no momento em que os estudantes dos dois projetos fizeram suas
primeiras visitas e se confirmaram nas demais. Ao todo foram sete visitas, sendo quatro em comunidades
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agrícolas e três na construção civil, ambas na cidade de Massaranduba-SC. As visitas tinham como objetivo
estreitar a relação entre sociedade e escola. Esse objetivo está de acordo com o pensamento do professor
Ubiratan (2007): “encontramos vestígios de atividades matemáticas em todos os cantos do mundo. Por que
não os explorar, por exemplo, introduzindo-os na prática escolar?” As palavras doE10: “pessoal, ele está
fazendo o perímetro!”(Primeira visita realizada na propriedade do agricultor 1, que tinha como atividade
agrícola a rizicultura – Foto 07),evidenciou a relação entre o cálculo do contorno da arrozeira utilizado pelo
agricultor 1 tem com a definição de perímetro de um polígono, aprendida em sala de aula.
Foto 07- Estudantes calculando o perímetro da arrozeira
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
OE11 pergunta ao agricultor: “Como você calcula a área plantada?”(Segunda visita realizada na
propriedade do agricultor 2, que tinha como atividade agrícola a bananicultura – Foto 08). Então como
resposta o agricultor 2 explicou aos estudantes que para calcular a área de um terreno, basta medir os lados e
depois multiplicá-los. Depois disso sugeriu aos mesmos que medissem uma parte de seu terreno, mostrando
a relação existente entre o cálculo de área que os mesmos faziam em sala de aula com o que eles estavam
fazendo naquele momento. Os estudantes perceberam que ambos faziam o mesmo procedimento para o
cálculo de áreas.
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Foto 08- Estudantes calculando a área do bananal
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Questionamento do E12: “O que é um morgo de terra? E um hectare?”(terceira visita realizada na
propriedade do agricultor 3, que tinha como atividade agrícola o cultivo de palmáceas – Foto 09), foi uma
das perguntas mais repetidas. O agricultor 3 explicou que um morgo de terra “é a mesma coisa que um
terreno de 50 metros de comprimento por 50 metros de largura e que um hectare de terra era quatro vezes
um morgo”. Através dessa explicação os estudantes perceberam que a transformação de medidas está
presente na prática agrícola e que o agricultor as fazia oralmente utilizando uma regra de três. Isso
aproximou a noção de conceitos matemáticos utilizados pelos agricultores aos conceitos matemáticos que já
eram do conhecimento dos alunos.
Foto 09- Questionamentos sobre morgo e hectare
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Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Nas palavras do E13: “Como você faz para calcular quanta água tem nessa lagoa?” (Quarta visita
realizada na propriedade do agricultor 4, que tinha como atividade agrícola a piscicultura – Foto 10).O
piscicultor explicou aos estudantes que “para calcular o volume de água de uma lagoa basta medir as
dimensões da lagoa, comprimento, largura e altura e depois multiplicá-los entre si”. Depois disso sugeriu aos
estudantes que calculassem o volume de uma de suas lagoas. Isso demonstrou o quanto o cálculo do volume
está presente no dia a dia de um piscicultor.
Foto 10- Estudantes fazendo o cálculo do volume da lagoa
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
E14 pergunta: “ Como você faz a conta de quantos tijolos vai numa casa?”(Quinta visita realizada
na construção civil com o pedreiro 1 - Foto 11). O pedreiro 1 explicou para os estudantes que “para calcular
o número de tijolos vejo quantos tijolos vão por metro quadrado”. Para isso ele construiu um metro
quadrado no chão colocando os tijolos dentro desse metro quadrado. Foram aproximadamente 28 tijolos.
Depois disso era só multiplicar a quantidade de tijolos de um metro quadrado por quantos metros quadrados
de parede da casa. Após sua explicação sugeriu aos estudantes que fizessem o cálculo do número de tijolos
de uma das paredes da casa que ele estava construído. Esse procedimento evidenciou o quanto o cálculo de
proporções está presente na construção de uma casa.
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Foto 11-Estudantes fazendo o cálculo da quantidade de tijolos
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Outra dúvida, do E15: “Como você faz para saber se as paredes são perpendiculares?”(Sexta visita
realizada na construção civil com o pedreiro 2 - Foto 12). O Pedreiro 2 explicou que “para saber se as
paredes estão na esquadra, basta medir os dois lados da parede partindo do canto da parede, sendo que um
lado deve medir 80 cm e o outro 60cm. Após essas medidas deve-se se fazer uma terceira medida, formando
assim um triângulo, sendo que esta terceira medida deveria medir 100 cm. As paredes só ficarão certas se o
triângulo se fechar”. Com essa explicação os estudantes conseguiram verificar o que o pedreiro estava
medindo era um triângulo retângulo, sendo as medidas das duas paredes os catetos e a terceira medida a
hipotenusa, e puderam perceber como eles tinham na cultura dos pedreiros uma das inúmeras aplicações do
teorema de Pitágoras.
Foto 12- Pedreiro2 fazendo o cálculo do ângulo entre as paredes
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
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Ns palavras do E16: “Como você faz para calcular a inclinação do telhado?”(Sétima visita
realizada na construção civil com o pedreiro 2 - Foto 13). O pedreiro 2 explicou que “para calcular a
inclinação das casas que construí, eu multiplico a largura da casa por 30 por cento e com isso tenho a
altura do “pontilhete”. Além disso o mesmo mencionou que o telhado deveria ter aproximadamente de 20 a
35 graus de inclinação. Nesse momento o professor incentivou os estudantes a investigarem sobre o que
seria o cateto oposto, adjacente e a hipotenusa no triângulo que o pedreiro acabava de mostrar para eles. O
professor lançou um desafio aos estudantes e ao pedreiro, para que eles dividissem a medida do pontilhete
pela medida da largura da casa até o pontilhete, dividissem a medida do pontilhete pelo comprimento do
telhado e dividissem ainda a medida da largura da casa até o pontilhete pela medida do telhado. Isto foi
problematizado pelo professor com o objetivo de verificar as relações entre o que estavam vendo ali no
campo, com o que é ensinado em sala de aula sobre razões trigonométricas. Ao fazerem isso os estudantes e
o pedreiro evidenciaram o uso das razões trigonométricas no triângulo retângulo na construção civil.
Foto 13- Pedreiro2 fazendo o cálculo da inclinação do telhado
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Ao serem levados a esses contextos socioculturais, os estudantes puderam vivenciar realidades onde
o que estavam aprendendo na sala de aula, tivesse significado, valorizando assim as técnicas, métodos e
cultura praticados pelos trabalhadores de diversas áreas, e com isso associar as diversas práticas matemáticas
com a matemática escolar. Essas práticas matemáticas emergem de várias culturas e devem ser incorporadas
na prática escolar. Para o professor Ubiratan (1973), todas as culturas produzem conhecimentos matemáticos
e devem ser incorporadas no currículo escolar, contemplando todo o universo escolar. Fazer com que os
estudantes conheçam contextos socioculturais e aprendam com eles, explorando, investigando e refletindo
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sobre os mesmos, evidencia a importância dos mais variados representantes da sociedade, integrando-os e
tornando o ensino de matemática mais humanizado, holístico, cooperativo.
A segunda categoria de análise mostrou o quanto é importante contextualizar o ensino, utilizando
projetos ou atividades de caráter significativo. Nas visitas, os estudantes procuravam buscar mais
informações sobre o que estavam estudando, fazendo vários questionamentos aos agricultores e pedreiros.
Nas aulas realizadas no LEMIN, com a mediação do professor nos projetos, os estudantes debatiam e
refletiam sobre o que tinham visto nas saídas a campo. Durante essas aulas os estudantes começaram ase
interessar sobre outros temas, como: Quais as partes de uma planta de banana? Que tipos de peixes existem
na lagoa? Como é feito o cimento?. Isso fez com que procurassem a professora de Ciências das Escolas
onde cada projeto era desenvolvido, criando assim a necessidade de uma prática interdisciplinar, para
aprofundar mais os conhecimentos dos estudantes. A partir do momento em que os estudantes começaram a
perguntar sobre outros temas, a prática interdisciplinar se fortaleceu, agregando às aulas do projeto a
professora de ciências da E.M.E.F.M.P.A, propiciando um trabalho em equipe e integrado.
Foto 15- Casa construída pelos estudantes do LEMIN
Fonte: Arquivo pessoal dos Autores
3. Justificativa do eixo escolhido
Para Hartmann e Zimmermann (2007), a cooperação integrada entre os professores é um ponto chave
para a interdisciplinaridade escolar ser possível. Este trabalho está assentado na ação e cooperação de
professores de diversas áreas do conhecimento. Pela sua natureza, podemos justificar este trabalho no eixo
de teoria e prática interdisciplinar devido ao fato de que, segundo Japiassu (1976) podermos dizer que
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estamos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que este conseguir incorporar os
resultados de várias especialidades para o entendimento e solução de questões de pesquisa.
OLEMIN se constitui num espaço de ações interdisciplinares, com foco no reconhecimento de que
toda especialidade precisa de outras, tornando o processo de ensino integrado e integralizador. Segundo
Japiassu (1976) o saber em migalhas talvez seja o produto de uma inteligência esfacelada, onde a razão
tenha perdido a razão, desequilibrando a própria personalidade humana. Encontrar a própria identidade,
refletindo sobre as ações praticadas, baseados nas relações entre os conhecimentos populares e conceitos
científicos é meta do LEMIN.
Para Fourez(1997) praticamos constantemente a interdisciplinaridade cada vez em que mobilizamos
os saberes diversos que estão disponíveis para resolver uma questão concreta. Propiciar ações que
evidenciam essa prática, promovendo o compartilhamento de ideias, valorizando os saberes de cada
indivíduo que faz parte desses atos interdisciplinares, facilita a interação entres os diversos estratos do saber,
ampliado sua formação geral. A reunião de estudantes curiosos ou desafiados por questionamentos
provenientes de um ensino numa abordagem interdisciplinar faz com que reorganizemos a prática
pedagógica. Isso pode ampliar trocas de experiências, oferecendo aos mesmos uma formação mais vasta,
favorecendo o espírito de pesquisa, criando o desejo de se manter atualizado nas várias áreas do
conhecimento.
4. Considerações Finais
O LEMIN caracteriza-se como espaço de aprender matemática que tenham sentido na vida dos
alunos, oportunizando aos mesmos condições de desenvolver sua criatividade, criticidade e autonomia,
fazendo com que se sintam valorizados e comprometidos no processo escolar. O objetivo deste relato de
experiência foi investigar as contribuições da proposta metodológica do LEMIN no processo de
alfabetização científica de estudantes da educação básica.
Em cada atividade desenvolvida estão presentes os traços de um ensino integrado e preocupado em
ampliar a formação geral de seus estudantes. Além disso, possibilitar aos estudantes conhecer seus próprios
limites e a partir das superações disso compreender que pelo trabalho comum podemos alcançar os objetivos
de um coletivo, fortalece as ações do LEMIN.
Contar com o desejo, a empolgação, o brilho no olhar de cada estudante, como os do que fizeram
parte de todo esse processo, desde pequenas lições de como calcular uma área, medir um terreno, o começo
de uma casa, elucidaram o quanto a valorização de cada ser é importante para a formação do coletivo. O
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LEMIN contribuiu para instigar nossos estudantes a criarem autonomia, a ampliar sua dimensão
educacional, cultural, histórica e política.
No trabalho realizado no LEMIN os professores estiveram atentos a esta responsabilidade, utilizando
uma prática interdisciplinar e baseada na etnomatemática, enfatizando a humildade e a cooperação entre as
disciplinas. Isto fez com que todos se sentissem responsáveis e valorizados no processo de ensino e
aprendizagem. Uma das maneiras para que isso se tornasse realidade foi conhecer os contextos
socioculturais em que seus estudantes estão inseridos, para depois investigá-los. Tal investigação amplia o
tecido educacional dos estudantes, sem falar no nível cultural propiciando um conhecimento histórico e
político das comunidades das quais fazem parte. Apresenta-se como uma oportunidade de confrontarmos as
diversas matemáticas, ou etnomatemáticas, como define o professor Ubiratan D‟Ambrosio (1993), tornando
o ensino mais democrático e libertador. Conhecer essas culturas, os métodos e a experiência dessas pessoas,
é uma forma de respeitar e valorizar o próximo.
Essa experiência revelou que os projetos e ações desenvolvidas pelo LEMIN são norteados pelos
princípios da interdisciplinaridade e da etnomatemática. Pois, na perspectiva de uma prática pedagógica que
valorize os conhecimentos cotidianos e numa abordagem interdisciplinar, revelou-se como podemos
contribuir para um aprendizado significativo e contextualizado, utilizando temas que envolvam os
estudantes e que os motivem durante o processo de ensino-aprendizagem.
Referências:
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JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e Patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
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